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“[...] uma indisciplina, seja ela qual for, entendida simultaneamente como teoria e como prática,
só é favorável à vida quando percebida em sua singularidade, não em sua identidade. Percebida
como diferença. Mas uma diferença impura, plural, porosa, prosaica.” (MONTEIRO, 2012, p.
01)
“Creio que um discípulo potente de uma disciplina, de qualquer disciplina, não sustenta o
fetiche de suas especialidades, o mero acúmulo de suas erudições, o peso moral de suas regras e
rugas, mas persegue e se deixa perseguir e habitar pelo motor de suas margens, de suas
fronteiras íntimas e infinitas.” (MONTEIRO, 2012, p. 03)
Desterritorializando os saberes: a produção de
uma filosofia bailarina
Toda disciplina potente, assim desenhada, não seria necessariamente uma inter (ou trans)
disciplina?
Alguém especializado em matemática, física, química, história, etc., pode se transformar apenas
em um multiplicador de disciplinas em seu período mais fraco.
“[...] Chamo indisciplina a capacidade que uma disciplina teria de se livrar de sua própria
corcunda, tornando-se, conosco, dançarina. Tornando-se uma disciplina que nos convide a
fazer dela nosso dever de casa (nosso treino diário com ela, nosso saber habitá-la) e,
simultaneamente, nosso devir de casa (nossa necessidade de abrir suas janelas, para que
por elas possam entrar todos os possíveis e impossíveis insetos, como diria o cancioneiro
popular) [...]” (MONTEIRO, 2012, p. 05)
“É preciso aprender a fazer com que o viver não se envergonhe em nós, não desista de
nós, não morra em nós. Ou, ainda, nos fazer sucumbir de vez, virar farrapo, virar
molécula diante da enorme onda de sua grandeza. [...]” (MONTEIRO, 2012, p. 09)
Desterritorializando os saberes: a produção de
uma filosofia bailarina
“O pensar não é tão somente prático. Eis por que, em Deleuze, não há barreiras entre a
filosofia e a vida: não há o pensamento e vida, mas pensamento/vida. [...] Pensar é pensar
de outra maneira, só se pensa de outra maneira.” (LINS, 2013, p. 11)
Caberia ao filósofo, mas não apenas a ele, produzir novos conceitos, pelo ato de rabear,
ou de enrabar os conceitos, fazer um filho pro trás, produzindo um monstro.
Desterritorializando os saberes: a produção de
uma filosofia bailarina
“A escrita errante propõe uma filosofia cigana e uma polifonia de vozes que
desmultiplicam os sujeitos e expulsam a figura do Autor. Uma filosofia sem autor é um
pensamento nutrido pelas intensidades e pelos sentidos, sempre em viagem, sempre à
margem, desnorteando hábitos duradouros respirando novos ares, novas paixões,
saberes/sabores, desertos, contaminações, caminhos sem indicações, como prenúncio de
uma ruptura, e o líquido, água, água, água, água [...]” (LINS, 2013, p. 13)
“[...] O pensamento bailarino não pertence a esse tipo de lógica, pois atividade fundadora
do ser humano como um animal racional; ela é atividade plena, é o repouso sem embargo,
após a dança, que guarda a pulsão do movimento. É uma filosofia produtora de cenários,
sob o signo da peculiar tarefa de investigação meticulosa do filósofo convencido de que
refletir, em lugar de viver, é um jogo insensato de adultos, em vez de uma força do devir
bailarino do pensamento. Em outras palavras, quando o pensamento passa a produzir
conceito ancorados numa invenção vitalista, a filosofia emerge, então, como constelações
de saberes jamais dissociados de um saber-viver, de um saber-fazer ou, mais exatamente,
de um saber-sonhar. O sonho como uma máquina para gerar possíveis, entre outros, a
variação contínua a escrita do devir.” (LINS, 2013, p. 15)
Desterritorializando os saberes: a produção de
uma filosofia bailarina
A filosofia bailarina pode ser utilizada como uma forma de potencializar e ressignificar os
saberes.
No campo da história, sua aproximação com a arte, ou sua visão como uma protoarte
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007), próxima da ciência e da filosofia, poderia ser vista
como um saber desterritorializado, possível de ser escrita de forma bailarina.
Cabe, nesse sentido, pensar que alguns conceitos caros ao historiador podem ser
repensados e que suas dimensões podem ser ampliadas.
Desterritorializando os saberes: a produção de
uma filosofia bailarina
Gilles Deleuze e Félix Guattari, em seus escritos em conjunto, começaram a propor o que
conhecemos como filosofia da diferença.
A produção de subjetividades nos permite compreender que não nos limitamos às categorias
unívocas de pensamento, seja relacionadas a identidade, política, cultura, dentre outras.
“Os fatores subjetivos sempre ocuparam um lugar importante ao longo da história. Mas
parece que estão na iminência de desempenhar um papel preponderante, a partir do momento
em que foram assumidos pelo mass media de alcance mundial. [...]” (GUATTARI, 2012, p.
12)
A história contemporânea estaria, segundo Félix Guattari, cada vez mais dominada pelo
aumento de reivindicações de singularidade subjetiva.
História, desejo e produção de subjetividades
“Esquematicamente falando, eu diria que, assim como se fabrica leite em forma de leite
condenado, com todas as moléculas que lhe são próprias, injeta-se representações nas
mães, nas crianças, como é parte do processo de produção subjetiva. [...]” (GUATTARI;
ROLNIK, 2013, p. 33)
História, desejo e produção de subjetividades
Diferente também da noção estabelecida por Karl Marx, sobre a noção de produção na
economia capitalista, Félix Guattari e Suely Rolnik pensam o que chamamos de economia
capitalística, na qual a relação entre o sujeito e o objeto de consumo se produz na
perspectiva do desejo.
História, desejo e produção de subjetividades
Tirar os olhos, por um instante, das representações da política que a mídia proporciona e
examinar o que se passa no teatro dos afetos – seguir os gestos, o movimento dos lábios,
as caretas, a falta de graça dos corpos.
“[...] E quando essa ronda começa a funcionar em nível mais baixo, grass-root, rasteiro, é
que entramos num processo possível de validação das práticas sociais moleculares. Como
um pintor, que se desprende da primeira visão para reaver elementos de referência que
constituem a verdadeira trama de sua tela. É sombrio, é perto, é quente, é granuloso...
Com a política é a mesma coisa. [...]” (GUATTARI; ROLNIK, 2013, p. 157)
Micropolítica e arte: perceptos e afectos
Os perceptos não são percepções, são pacotes de sensações e de relações que sobrevivem
àqueles que os vivenciam.
Os afectos não são sentimentos, são devires que transbordam aquele que passa por eles
(tornando-se outro).
Micropolítica e arte: perceptos e afectos
“Os acordes são afectos. Consonantes e dissonantes, os acordes de tons ou de cores são os
afectos da música ou de pintura. [...] O artista cria blocos de perceptos e de afectos, mas a
única lei da criação é que o composto deve ficar de pé sozinho. O mais difícil é que o
artista o faça manter-se de pé sozinho. Para isso, é preciso por vezes muita
inverossimilhança geométrica, imperfeição física, anomalia orgânica, do ponto de vista de
um modelo suposto, do ponto de vista das percepções e afecções vividas; mas estes erros
sublimes acedem à necessidade da arte, se são os meios interiores de manter de pé (ou
sentado, ou deitado).” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 194)
O levante das palavras: 1968 e além
“Além disso, mais do que dar sentido à experiência cotidiana, as categorias esquerda e
direita também são utilizada para consecução de ações. Podem ser utilizadas para
persuadir, culpar, negar, refutar, acusar... E como tem diferentes possibilidades de uso, na
medida em que são adaptáveis à situação em que ocorre a conversa [...], de acordo com o
contexto, pode ser interessante assumi-las, rejeitá-las ou ainda usá-las para significar
alguém. Durante a Ditadura Militar, por exemplo, nem sempre se podia falar abertamente
que se era de esquerda, mas quando o momento era propício, a identificação com ela
tornava-se quase necessária para os militantes demarcarem o espaço daqueles que
verdadeiramente lutavam em nome da liberdade perdida e diferenciá-lo do espaço
daqueles que foram responsáveis por sua supressão.” (CAVALCANTE JÚNIOR, 2013, p.
70-71)
O levante das palavras: 1968 e além
“Em 1968, portanto, a juventude não ficou presa às deliberações das vanguardas
estudantis. Ela pulverizou suas reinvindicações em lutas que objetivavam todas as formas
possíveis de liberação: da liberdade política em regimes autoritários ao direito de pagaram
um ingresso mais barato no cinema de uma pequena cidade. Havia então um mundo
divino e maravilhoso a ser descoberto, oferecendo aos inquietos jovens do período
infinitas possibilidades de realização de seus desejos, desde que eles se dispusessem a
visitar os seus limites, o que significou para a maioria daqueles jovens, colocar seus
próprios corpos à disposição de novas experiências. Por este motivo, o sexo, as drogas,
anticoncepcionais, cassetetes, gás lacrimogênio, acabaram deixando suas mais profundas
marcas nos corpos juvenis daquela geração.” (CAVALCANTE JÚNIOR, 2013, p. 83)
Corpos odara: o corpo e sua dimensão política
“Não há outro mundo. Há simplesmente uma outra maneira de viver.” (Jacques Mesrine)
Tropi-kaos: arte e micropolítica no Brasil
contemporâneo
“Nesse ponto, é preciso admitir, nós, os revolucionários, fomos derrotados. Não porque
não perseguimos a ‘revolução’ enquanto objetivo após 2008, mas porque fomos privados,
continuamente, da revolução enquanto processo. Quando fracassamos, podemos ou culpar
o mundo inteiro, elaborando toda espécie de explicações, até mesmo explicações
científicas, com base em mil ressentimentos, ou então podemos nos questionar sobre estes
pontos de apoio de que o inimigo dispõe em nós, e que determinam o caráter repetido, não
fortuito, de nossas derrotas. Talvez possamos nos questionar sobre o que resta, por
exemplo, de esquerda nos revolucionários, e que os condena não apenas à derrota, mas a
um efeito de repulsa quase generalizado. [...]”
Tropi-kaos: arte e micropolítica no Brasil
contemporâneo
“[...] Da mesma forma, essa pretensão insuportável de decretar a forma justa de viver –
aquela que é verdadeiramente progressista, esclarecida, correta, desconstruída, imaculada.
Pretensão que enche qualquer pessoa relegada à classe dos reaças-conservadores-
obscurantistas-limitados-caipiras-ultrapassados de desejos assassinos. A rivalidade
apaixonada dos revolucionários com a esquerda, longe de os libertar, é precisamente o
que os mantém no seu terreno. Soltemos as amarras!” (Aos nossos amigos: crise e
insurreição – Comitê Invisível)