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História, Arte e Micropolítica

PROF. DR. FÁBIO LEONARDO CASTELO BRANCO BRITO


UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
Primeira parte – Desejo, subjetividade e micropolítica: introdução a um pensamento sem
imagem

Segunda parte – Da Tropicália ao tropi-kaos: arte e micropolítica no Brasil contemporâneo


“As aulas foram uma parte da minha vida, eu as dei com paixão. Não são de modo algum
como as conferência, porque implicam uma longa duração, e um público relativamente
constante, às vezes durante vários anos. É como um laboratório de pesquisas: dá-se um curso
sobre aquilo que se busca e não sobre o que se abe. É preciso muito tempo de preparação para
obter alguns minutos de inspiração. [...] Um curso é uma espécie de Sprechgesang [canto
falado], mais próximo da música que do teatro. Nada se opõe, em princípio, a que um curso
seja um pouco até como um concerto de rock.” (DELEUZE, 1992, p. 173-174)
É preciso aprender a ficar submerso

 Qual a utilidade e a desvantagem para a indisciplina na nossa vida?

 “[...] uma indisciplina, seja ela qual for, entendida simultaneamente como teoria e como prática,
só é favorável à vida quando percebida em sua singularidade, não em sua identidade. Percebida
como diferença. Mas uma diferença impura, plural, porosa, prosaica.” (MONTEIRO, 2012, p.
01)

 “Creio que um discípulo potente de uma disciplina, de qualquer disciplina, não sustenta o
fetiche de suas especialidades, o mero acúmulo de suas erudições, o peso moral de suas regras e
rugas, mas persegue e se deixa perseguir e habitar pelo motor de suas margens, de suas
fronteiras íntimas e infinitas.” (MONTEIRO, 2012, p. 03)
Desterritorializando os saberes: a produção de
uma filosofia bailarina

 Toda disciplina potente, assim desenhada, não seria necessariamente uma inter (ou trans)
disciplina?

 Os modos como a interdisciplinaridade é útil à vida e como ela não é.

 Alguém especializado em matemática, física, química, história, etc., pode se transformar apenas
em um multiplicador de disciplinas em seu período mais fraco.

 Os historiadores e a falésia: em que medida ela representa uma interdisciplinar, uma


transdisciplina ou uma indisciplina?
É preciso aprender a ficar submerso

 “[...] Chamo indisciplina a capacidade que uma disciplina teria de se livrar de sua própria
corcunda, tornando-se, conosco, dançarina. Tornando-se uma disciplina que nos convide a
fazer dela nosso dever de casa (nosso treino diário com ela, nosso saber habitá-la) e,
simultaneamente, nosso devir de casa (nossa necessidade de abrir suas janelas, para que
por elas possam entrar todos os possíveis e impossíveis insetos, como diria o cancioneiro
popular) [...]” (MONTEIRO, 2012, p. 05)

 “É preciso aprender a fazer com que o viver não se envergonhe em nós, não desista de
nós, não morra em nós. Ou, ainda, nos fazer sucumbir de vez, virar farrapo, virar
molécula diante da enorme onda de sua grandeza. [...]” (MONTEIRO, 2012, p. 09)
Desterritorializando os saberes: a produção de
uma filosofia bailarina

 “O pensar não é tão somente prático. Eis por que, em Deleuze, não há barreiras entre a
filosofia e a vida: não há o pensamento e vida, mas pensamento/vida. [...] Pensar é pensar
de outra maneira, só se pensa de outra maneira.” (LINS, 2013, p. 11)

 Para Gilles Deleuze, o trabalho do filósofo é o trabalho de criação de conceitos.

 Caberia ao filósofo, mas não apenas a ele, produzir novos conceitos, pelo ato de rabear,
ou de enrabar os conceitos, fazer um filho pro trás, produzindo um monstro.
Desterritorializando os saberes: a produção de
uma filosofia bailarina

 “A escrita errante propõe uma filosofia cigana e uma polifonia de vozes que
desmultiplicam os sujeitos e expulsam a figura do Autor. Uma filosofia sem autor é um
pensamento nutrido pelas intensidades e pelos sentidos, sempre em viagem, sempre à
margem, desnorteando hábitos duradouros respirando novos ares, novas paixões,
saberes/sabores, desertos, contaminações, caminhos sem indicações, como prenúncio de
uma ruptura, e o líquido, água, água, água, água [...]” (LINS, 2013, p. 13)

 A escrita-dançarina como uma filosofia dançante que jorra de um esgotamento do corpo,


mais do que de uma necessidade de compreender.
Desterritorializando os saberes: a produção de
uma filosofia bailarina

 “[...] O pensamento bailarino não pertence a esse tipo de lógica, pois atividade fundadora
do ser humano como um animal racional; ela é atividade plena, é o repouso sem embargo,
após a dança, que guarda a pulsão do movimento. É uma filosofia produtora de cenários,
sob o signo da peculiar tarefa de investigação meticulosa do filósofo convencido de que
refletir, em lugar de viver, é um jogo insensato de adultos, em vez de uma força do devir
bailarino do pensamento. Em outras palavras, quando o pensamento passa a produzir
conceito ancorados numa invenção vitalista, a filosofia emerge, então, como constelações
de saberes jamais dissociados de um saber-viver, de um saber-fazer ou, mais exatamente,
de um saber-sonhar. O sonho como uma máquina para gerar possíveis, entre outros, a
variação contínua a escrita do devir.” (LINS, 2013, p. 15)
Desterritorializando os saberes: a produção de
uma filosofia bailarina

 A filosofia bailarina pode ser utilizada como uma forma de potencializar e ressignificar os
saberes.

 No campo da história, sua aproximação com a arte, ou sua visão como uma protoarte
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007), próxima da ciência e da filosofia, poderia ser vista
como um saber desterritorializado, possível de ser escrita de forma bailarina.

 Cabe, nesse sentido, pensar que alguns conceitos caros ao historiador podem ser
repensados e que suas dimensões podem ser ampliadas.
Desterritorializando os saberes: a produção de
uma filosofia bailarina

 O que podemos compreender como história?

 O que podemos compreender como política?

 O que podemos compreender como arte?

 O que podemos compreender como subjetividade?


História, desejo e produção de subjetividades

 Gilles Deleuze e Félix Guattari, em seus escritos em conjunto, começaram a propor o que
conhecemos como filosofia da diferença.

 A filosofia da diferença consiste na produção de um pensamento sem imagem, ou seja, de


um pensamento que fugisse das lógicas tradicionais do pensamento moderno, expressos,
quase sempre, no cogito cartesiano (“penso, logo existo”).

 Estabelecer um pensamento sem imagem traz consigo uma desfiguração de conceitos


tradicionais e caros, tais como sujeito, identidade e política, quase sempre concebido em
uma lógica unívoca e binária.
História, desejo e produção de subjetividades

 Identidade – o “eu” se processa na sua diferença com relação ao “outro”.

 Segundo o conceito tradicional de identidade, na lógica moderna, cartesiana, iluminista, o


sujeito nasce com uma identidade e permanece com ela ao longo de toda a sua vida.

 Na mesma perspectiva, a política se conceberia em uma lógica binária, na qual haveriam


lados bem definidos – direita e esquerda, progressistas e reacionários, etc.
História, desejo e produção de subjetividades

 A produção de subjetividades nos permite compreender que não nos limitamos às categorias
unívocas de pensamento, seja relacionadas a identidade, política, cultura, dentre outras.

 “Os fatores subjetivos sempre ocuparam um lugar importante ao longo da história. Mas
parece que estão na iminência de desempenhar um papel preponderante, a partir do momento
em que foram assumidos pelo mass media de alcance mundial. [...]” (GUATTARI, 2012, p.
12)

 A história contemporânea estaria, segundo Félix Guattari, cada vez mais dominada pelo
aumento de reivindicações de singularidade subjetiva.
História, desejo e produção de subjetividades

 “As máquinas de produção da subjetividade variam. Em sistemas tradicionais, por


exemplo, a subjetividade é fabricada por máquinas mais territorializadas, na escala de
uma etnia, de uma corporação profissional, de uma casta. Já no sistema capitalístico, a
produção é industrial, se dá em escala internacional.” (GUATTARI; ROLNIK, 2013, p.
33)

 “Esquematicamente falando, eu diria que, assim como se fabrica leite em forma de leite
condenado, com todas as moléculas que lhe são próprias, injeta-se representações nas
mães, nas crianças, como é parte do processo de produção subjetiva. [...]” (GUATTARI;
ROLNIK, 2013, p. 33)
História, desejo e produção de subjetividades

 A produção de subjetividades rompe com a noção tradicional de sujeito, a noção moderna


de sujeito, o cogito cartesiano ou o sujeito psíquico de Freud. Ao invés disso, a
subjetividade se produz através de agenciamentos coletivos de enunciação.

 Diferente também da noção estabelecida por Karl Marx, sobre a noção de produção na
economia capitalista, Félix Guattari e Suely Rolnik pensam o que chamamos de economia
capitalística, na qual a relação entre o sujeito e o objeto de consumo se produz na
perspectiva do desejo.
História, desejo e produção de subjetividades

 “É desde a infância que se instaura a máquina de produção de subjetividade capitalística, desde


a entrada da criança no mundo das línguas dominantes, com todos os modelos tanto imaginários
quanto técnicos nos quais ela deve se inserir.” (GUATTARI; ROLNIK, 2013, p. 49)

 Esse processo se dá através de procedimentos de culpabilização, através dos quais nos


atrelamos a determinadas produções de subjetividades, e nos inserimos nos universos que se
deseja que estejamos.

 A produção de subjetividades e os regimes de signos – exemplo com o filme O Fabuloso


Destino de Amélie Poulain.
Políticas: revoluções molares e revoluções
moleculares

 Macropolítica e micropolítica – pensar a política a partir de seu devir menor.

 “A questão micropolítica – ou seja, a questão de uma analítica das formações do desejo


no campo social – diz respeito ao modo como o nível das diferenças sociais mais amplas
(que chamei de ‘molar’) se cruza com aquele que chamei de ‘molecular’. Entre esses dois
níveis, não há uma oposição distintiva, que dependa de um princípio lógico de
contradição. [...] Na física quântica, por exemplo, foi necessário que um dia os físico
admitissem que a matéria é corpuscular e ondulatória, ao mesmo tempo. Da mesma
forma, as lutas sociais são, ao mesmo tempo, molares e moleculares.” (GUATTARI;
ROLNIK, 2013, p. 149.)
Políticas: revoluções molares e revoluções
moleculares

 Tirar os olhos, por um instante, das representações da política que a mídia proporciona e
examinar o que se passa no teatro dos afetos – seguir os gestos, o movimento dos lábios,
as caretas, a falta de graça dos corpos.

 “[...] E quando essa ronda começa a funcionar em nível mais baixo, grass-root, rasteiro, é
que entramos num processo possível de validação das práticas sociais moleculares. Como
um pintor, que se desprende da primeira visão para reaver elementos de referência que
constituem a verdadeira trama de sua tela. É sombrio, é perto, é quente, é granuloso...
Com a política é a mesma coisa. [...]” (GUATTARI; ROLNIK, 2013, p. 157)
Micropolítica e arte: perceptos e afectos

 “[...] O que conserva a coisa ou a obra de arte, é um bloco de sensações, isto é, um


composto de perceptos e afectos.” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 193)

 Os perceptos não são percepções, são pacotes de sensações e de relações que sobrevivem
àqueles que os vivenciam.

 Os afectos não são sentimentos, são devires que transbordam aquele que passa por eles
(tornando-se outro).
Micropolítica e arte: perceptos e afectos

 “Os acordes são afectos. Consonantes e dissonantes, os acordes de tons ou de cores são os
afectos da música ou de pintura. [...] O artista cria blocos de perceptos e de afectos, mas a
única lei da criação é que o composto deve ficar de pé sozinho. O mais difícil é que o
artista o faça manter-se de pé sozinho. Para isso, é preciso por vezes muita
inverossimilhança geométrica, imperfeição física, anomalia orgânica, do ponto de vista de
um modelo suposto, do ponto de vista das percepções e afecções vividas; mas estes erros
sublimes acedem à necessidade da arte, se são os meios interiores de manter de pé (ou
sentado, ou deitado).” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 194)
O levante das palavras: 1968 e além

 Política e subjetividades no Brasil e no mundo após 1968 – a tomada das palavras

 Michel Foucault, a experiência do fora e o movimento homossexual

 “É inútil revoltar-se?” – Michel Foucault, a Revolução Iraniana e a transgressão

 Políticas da subjetividade: a fragmentação dos movimentos e a dimensão política do


corpo
O levante das palavras: 1968 e além

 On the road, beatniks e as subjetividades outsiders.

 O Brasil dos anos 1960 e as condições históricas para a emergência da pós-modernidade


brasileira

 Engajamento político e militância: o movimento estudantil brasileiro dos anos 1960 e a


dimensão macropolítica.

 Direita e esquerda como categorias históricas


O levante das palavras: 1968 e além

 “Além disso, mais do que dar sentido à experiência cotidiana, as categorias esquerda e
direita também são utilizada para consecução de ações. Podem ser utilizadas para
persuadir, culpar, negar, refutar, acusar... E como tem diferentes possibilidades de uso, na
medida em que são adaptáveis à situação em que ocorre a conversa [...], de acordo com o
contexto, pode ser interessante assumi-las, rejeitá-las ou ainda usá-las para significar
alguém. Durante a Ditadura Militar, por exemplo, nem sempre se podia falar abertamente
que se era de esquerda, mas quando o momento era propício, a identificação com ela
tornava-se quase necessária para os militantes demarcarem o espaço daqueles que
verdadeiramente lutavam em nome da liberdade perdida e diferenciá-lo do espaço
daqueles que foram responsáveis por sua supressão.” (CAVALCANTE JÚNIOR, 2013, p.
70-71)
O levante das palavras: 1968 e além

 “Em 1968, portanto, a juventude não ficou presa às deliberações das vanguardas
estudantis. Ela pulverizou suas reinvindicações em lutas que objetivavam todas as formas
possíveis de liberação: da liberdade política em regimes autoritários ao direito de pagaram
um ingresso mais barato no cinema de uma pequena cidade. Havia então um mundo
divino e maravilhoso a ser descoberto, oferecendo aos inquietos jovens do período
infinitas possibilidades de realização de seus desejos, desde que eles se dispusessem a
visitar os seus limites, o que significou para a maioria daqueles jovens, colocar seus
próprios corpos à disposição de novas experiências. Por este motivo, o sexo, as drogas,
anticoncepcionais, cassetetes, gás lacrimogênio, acabaram deixando suas mais profundas
marcas nos corpos juvenis daquela geração.” (CAVALCANTE JÚNIOR, 2013, p. 83)
Corpos odara: o corpo e sua dimensão política

 A dimensão política do corpo: entre o corpo-militante-partidário e o corpo-transbunde-


libertário.

 A Tropicália e as “vanguardas” culturais dos anos 1960: redefinições de padrões de


gênero.

 Torquato Neto – os longos cabelos masculinos e o corpo como instrumento de resistência


aos dispositivos da sexualidade.
Corpos odara: o corpo e sua dimensão política

 A década de 1980 e a redefinição do corpo nas micrologias do cotidiano

 Masculino e feminino: expressões de gênero no rock dos anos 1980

 Homoafetividade, AIDS e a redefinição dos dispositivos da sexualidade


Tropi-kaos: arte e micropolítica no Brasil
contemporâneo

 “O Brasil não é o meu país, é o meu abismo”: revoluções molares e revoluções


moleculares ou a perca de referências no Brasil contemporâneo

 “Só existe amor na micropolítica”: o que podem os instrumentos políticos na


contemporaneidade?

 “Não há outro mundo. Há simplesmente uma outra maneira de viver.” (Jacques Mesrine)
Tropi-kaos: arte e micropolítica no Brasil
contemporâneo

 “Nesse ponto, é preciso admitir, nós, os revolucionários, fomos derrotados. Não porque
não perseguimos a ‘revolução’ enquanto objetivo após 2008, mas porque fomos privados,
continuamente, da revolução enquanto processo. Quando fracassamos, podemos ou culpar
o mundo inteiro, elaborando toda espécie de explicações, até mesmo explicações
científicas, com base em mil ressentimentos, ou então podemos nos questionar sobre estes
pontos de apoio de que o inimigo dispõe em nós, e que determinam o caráter repetido, não
fortuito, de nossas derrotas. Talvez possamos nos questionar sobre o que resta, por
exemplo, de esquerda nos revolucionários, e que os condena não apenas à derrota, mas a
um efeito de repulsa quase generalizado. [...]”
Tropi-kaos: arte e micropolítica no Brasil
contemporâneo

 “[...] Da mesma forma, essa pretensão insuportável de decretar a forma justa de viver –
aquela que é verdadeiramente progressista, esclarecida, correta, desconstruída, imaculada.
Pretensão que enche qualquer pessoa relegada à classe dos reaças-conservadores-
obscurantistas-limitados-caipiras-ultrapassados de desejos assassinos. A rivalidade
apaixonada dos revolucionários com a esquerda, longe de os libertar, é precisamente o
que os mantém no seu terreno. Soltemos as amarras!” (Aos nossos amigos: crise e
insurreição – Comitê Invisível)

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