Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
APRESENTAÇÃO
Ana Elisa Vilasbôas Moreira
& Marina Berezuscky
PARTE I – O PROBLEMA MINERAL E A CONSTRUÇÃO DE RESISTÊNCIAS
- Preâmbulo;
- Primeira parte: Desenvolvimento da análise de conjuntura política, econômica e social no
Brasil em diálogo com a história e evolução das empresas e corporações minerais,
enfatizando o processo da Vale S. A. relacionado às etapas do princípio Potosí;
- Segunda parte: Descrição de enfrentamentos e resistências necessárias à mineração
protagonizados por comunidades afetadas, movimentos populares e trabalhadores e
instituições.
Preâmbulos para a análise de contexto
Não há uma questão mineral em curso, mas um problema mineral decorrente da cumulação
originária.
O que instaura esse problema mineral? Podemos situá-lo na teoria da dependência e do sistema-
mundo e na financeirização da natureza.
Economia Industrial
Centro do
Capitalismo
02
Periferia
Fornecedora
de matérias
primas
Acumulação
O estado colonial e moderno em suas leis organiza essa submissão pela transformação da natureza em mercadoria, pela
cientificação da natureza e pela criação da empresa da natureza (Aráoz, 2016), formas de atuar e de exercer o poder, em diferentes
níveis de planejamento, em que essa acumulação é recepcionada no centro capitalista e sua expansão é permanente.
Reorganização do
Superioridade Obsolescência
capital e do trabalho Modernidade do Capital
econômica e de artefatos Programada
01 Período colonial
Regiões empobrecidas
Regiões
empobrecidas Fratura territorial: regiões mais ricas em bens
minerais que, ao mesmo tempo, tornam-se as regiões
mais pobres - estabelecendo uma desigualdade
regional pelo usufruto da riqueza e do consumo.
Princípio Potosí
Equilíbrio da
Balança Comercial
Transformando o sistema
tributário naquele que
penaliza todas as dinâmicas
da nossa economia
Interessante da
A partir de 1994
fronteira para fora
Utilização dos nossos recursos não “É um modelo de mineração atado ao
renováveis para impulsionar o capitalismo neoliberal e ao neoextrativismo,
radicado em estratégias corporativas das
equilíbrio da balança comercial
empresas para maximização dos lucros com a
venda de commodities minerais”.Gonçalves
(2018, p. 4)
A CVRD, como empresa mineradora, nasce em pleno contexto da Segunda Guerra Mundial, por
meio do acordo chamado “Acordo de Washington”, celebrado entre Estados Unidos, a Inglaterra e o
Brasil, a 3 de março de 1942. Esse acordo é fruto dos interesses bélicos dos países “aliados” que,
prevendo a continuação do conflito mundial, temiam a escassez de matérias primas para a indústria
de armamento. Nele, cada um dos parceiros se compromete administrativa e politicamente. À
Inglaterra cabe devolver ao Brasil, sem qualquer ônus, o grupo de jazidas de minério de ferro do
Estado de Minas Gerais, comprado anteriormente pela British Itabira Company. Ao governo
brasileiro compete criar uma empresa para assumir a exploração das jazidas, encampar a Estrada de
Ferro Vitória-Minas, cuja maior acionista então era a mesma British Itabira Company, prolongar
esta ferrovia até Itabira e restaurá-la para que comportasse a exportação, com exclusividade,
durante três anos, de 1.500.000 toneladas por ano, de minério de ferro para a Inglaterra e para os
Estados Unidos. Por sua vez, o governo norte-americano se compromete a fornecer equipamentos e
técnicos para dirigir as obras de restauração da estrada de ferro e mecanização da mina e conceder
empréstimos através do Eximbank para cobrir os gastos com os novos equipamentos e para o
financiamento dos técnicos norte-americanos especializados que para cá deveriam ser enviados
(Minayo, 2004, p. 57-58).
A Companhia Vale do Rio Doce - CRVD
As marcas na
subjetividade da classe
Herda o modelo
trabalhadora
mineral colonial
01 04
Instaura um princípio
Minayo (2004), retrata
Potosí da empresa
essa geração de
mineral republicana -
trabalhadores percebida
ruína territorial como impedida, seja na
época da empresa estatal ou
como empresa privatizada
A classe de
trabalhadores da Exclusão dos trabalhadores
mineração do próprio processo de
02 03 trabalho
A experiência dessa classe
trabalhadora, é em parte escravocrata
Imbuídos da ideia de um nacionalismo
e camponesa, com suas lutas que
liberal conservador são levados a
foram impedidas de se deslocarem
considerar a mineração apenas como
para dentro da República em todos os
desenvolvimento e progresso
setores da sociedade
A privatização e a nova fase do princípio Potosí
Lei Kandir - dados comprovam que a economia perdeu desde 1996 mais de 500
bilhões de reais (Batista, 2017), o que provocou e continua provocando fissuras
no pacto federativo, mesmo com as decisões no Supremo Tribunal Federal, além
de onerar as regiões mineradas em benefícios dos rentistas da mineração.
Sobre a VALE
2007
a marca e o nome de fantasia da empresa passaram a ser apenas Vale S. A., como sempre
foi conhecida nas bolsas de valores
2008
a Companhia Vale do Rio Doce deixou de usar a sigla CVRD
2009
a assembleia muda o nome legal da empresa para Vale S. A. (Vale S. A., 2012)
Privatização
O tripé que completa o nosso princípio Potosí. Enquanto empresa empresa funcional ao sistema
de produção de mercadoriadeixa de ser uma empresa, tornando-se uma corporação
financeirizada que busca o aumento da taxa de lucro e o enriquecimento permanente dos
acionistas.
Impactos
Nas questões envolvendo o capital mineral, o colonialismo e a colonialidade ainda são concomitantes na conjuntura política,
econômica e social brasileira sendo reconfiguradas. O neocolonialismo apresenta características de soberania internacional e
sistema econômico e político dirigidas para fora, sendo a pior forma do imperialismo, pois se trata de um poder sem
responsabilidade para quem o pratica e uma exploração sem reparação para quem sofre. O capital estrangeiro continua
sendo o sistema de exploração, fantasiado de desenvolvimento para as partes menos desenvolvidas (Kwame Nkrumah apud
Aráoz, 2018; 2019).
Mineração e a Covid19
Diante do novo quadro do mundo em relação à pandemia de Covid-19, as empresas, como a Vale,
lançam mão do seu poder financeiro e logístico para autopromoção de equipamentos e insumos
voltados a doações de controle da pandemia, mas, em contrapartida, os trabalhadores continuam
expostos, visto que segundo o Decreto n. 10.329 de 28 de abril 2020, a atividade de mineração e
toda sua cadeia produtiva foram consideradas como atividades essenciais e não devem sofrem
paralisações, interrupções para além das adequações sanitárias mínimas, demostrando a “força das
grandes corporações da indústria extrativa mineral, a articulação dos interesses privados frente à
apropriação dos recursos e da sustentação pública dos entes estatais e a subserviência do poder
público em relação à primazia do interesse do setor mineral” (Souza; Trocate, no prelo).
Por que outros setores das indústrias fecharam e a mineração não, durante a pandemia no
Brasil?
A resposta tem a ver com aquela transformação que tem ocorrido na economia nacional, pois deixamos de
ser uma economia industrial, para sermos uma economia reprimarizada, ou seja, a base do funcionamento da
economia nacional é a venda de commodities agrícolas e minerais. Portanto, a mineração é considerada uma
atividade essencial, porque ela é uma atividade do bloco de poder do Estado e dos rentistas, com influências
políticas e econômicas que suscitam a atual fase do princípio Potosí do modelo de mineração brasileiro.
Os movimentos populares
Souza e Trocate (no prelo) abordam pontos apresentados pelo Movimento pela Soberania Nacional na
Mineração que, se fossem apreciados pela classe política, poderiam livrar o Estado do sequestro e da
dependência do capital mineral (MAM, 2020a). Os recursos gerados supririam e poderiam ser utilizados
para estruturar o Sistema Único de Saúde (SUS), a educação, o acesso à água e saneamento, moradia,
alimentos sem agrotóxicos, programas sociais, que não precisariam da “caridade” das empresas de
mineração.
Capítulo 5: A RESISTÊNCIA NO CAMPO DE LUTA ACADÊMICO:
CIÊNCIA PARA QUEM? PARA QUÊ?
Karine Gonçalves Carneiro & Tatiana Ribeiro de Souza
No momento da escrita deste capítulo, quase cinco anos após o rompimento, a reparação integral
dos danos causados pelo desastre ainda está longe de se concretizar, muito embora a Fundação
Renova, representante das empresas e responsável pelo desenvolvimento e implementação dos
programas de reparação, reúna “técnicos e especialistas de diversas áreas de conhecimento,
dezenas de entidades de atuação socioambiental e de conhecimento científico do Brasil e do
mundo” (Fundação Renova, 2020).
Nesse sentido, com exceção das empresas minerárias, que
têm atuado de modo a mobilizar a ciência para reproduzir a
lógica do lucro sobre a vida, e dos movimentos populares e dos
ambientalistas, que se opõem a tal visão empresarial predatória,
o posicionamento dos demais atores citados não é homogêneo.
Ou seja, no interior das instituições está aberto um campo de
disputas entre discursos, narrativas e formas de atuação.
No âmbito acadêmico, este campo de disputas evidência discursos que,
embora multifacetados, marcam, em grande medida, duas posições. Em
uma delas, são edificados discursos científicos que tentam construir uma
visão hegemônica e conciliatória entre a exploração/expropriação mineral
e a possibilidade de justiça socioambiental como forma de perpetuação
do empreendimento desenvolvimentista. Já na outra posição, a
hegemonia desses discursos é confrontada por meio de
um posicionamento crítico-científico que se distancia da noção de
verdade como categoria absoluta e busca dar visibilidade às violações
provocadas pelas empresas nos territórios e às negligências do poder
público, como forma de resistência e luta.
É neste sentido que Michel Foucault (2012), ao tratar das
práticas discursivas, aponta que “o discurso não tem apenas
um sentido ou uma verdade, mas uma história, e uma história
específica que não o reconduz às leis de um devir estranho”
(Foucault, 2012, p. 155). Ou seja, não perfaz um campo neutro,
como exploraremos mais adiante.
Figuras das páginas 165 e 166 respectivamente.
Figuras da página 167.
Ainda nesta toada, é válido lembrar que o Instituto Tecnológico Vale
(ITV) está implementado no campus da Universidade, conforme
pontuam Milanez et al. (2018, p. 138):
“o convênio de cooperação assinado, em 2013, entre o ITV e a UFOP
resultou na criação do Parque Laboratorial do Instituto Tecnológico Vale,
inaugurado, em 2017, no campus desta mesma Instituição de Ensino
Superior”.
“Nenhuma teoria pode se desenvolver sem encontrar uma espécie de muro e é preciso a
prática para atravessar o muro” (Foucalt; Deleuze, 2009, p. 70).
O método cartográfico compreende a pesquisa como um processo de construção coletiva,
sempre aberto a reconstruções, o que faz com que todos que participam dela tenham
conhecimento de suas etapas, resultados e proposições. Também, a cartografia
compreende que aquela/e que pesquisa não inicia este processo – como aquela/e que vai
inaugurar ou descobrir algo –, mas, em sua imersão no campo, faz sua entrada pelo “meio”.
Tal fato implica no respeito aos processos de vida das comunidades e ao acúmulo histórico
das lutas. Finalmente, nos nossos trabalhos temos verificado, de um modo geral, duas
derivações e/ou possibilidades de construção de trabalho, não necessariamente
excludentes, a partir da aplicação deste método.
Em sua produção, ainda por implicar na elaboração de
uma pesquisa engajada e, por que não dizer, militante, muitas
vezes a cartografia acaba por ser questionada por se distanciar
da cientificidade e se tornar um procedimento político. Ora,
nesse sentido, o que dizer, com vistas ao tema deste livro, das
pesquisas acadêmicas feitas e financiadas para/por empresas
minerárias? Tratam-se de pesquisas igualmente engajadas e
comprometidas com um campo de interesses – o da maior
obtenção de lucros com o menor custo –, mas nesse caso com
a alcunha de neutralidade.
Considerações finais
Assim, resistir ao atual modelo de mineração significa também resistir academicamente, fazendo
prevalecer os interesses sociais sobre os interesses privados nas universidades públicas,
popularizando as pautas das pesquisas científicas, reformulando os conceitos e teorias que
servem historicamente à hegemonia dos interesses do mercado e desenvolvendo metodologias
e tecnologias que produzam vida, e não morte.
Referências Bibliográficas
Mineração : realidades e resistências / Murilo da Silva Alves, Karine Gonçalves Carneiro,
Tatiana Ribeiro de Souza, Charles Trocate, Marcio Zonta (orgs.). –- 1.ed. —São paulo :
Expressão popular, 2020.