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Desenvolvimento histórico do capitalismo dependente na América latina

O capitalismo dependente surge num longo período que compreende o final do século
XIX até meados do século XX e caracteriza-se pela transformações no tecido social onde
confundem-se fatores produtivos, econômicos e sociais na sua concretização. Possui essa
denominação pois entende-se que o capitalismo na AL, nos ditos “países periféricos”, possui
características particulares - dependências econômica, social, militar e tecnológica - em relação
aos países ditos “centrais”.
Possui uma série de causas e condições históricas dados pelo passado comum
compartilhado pelos países do subcontinente americano, tais como o processo colonial num
projeto civilizatório eurocentrista e adoção de mão de obra escravizada nos seus primeiros
estágios produtivos, seja composta por populações nativas, seja por oriundos do continente
africano. Também compartilham o fato de que com o advento da divisão internacional do
trabalho, estes países passaram por modificações produtivas passando a empregar-se como
exportadores de matérias-prima para os países protagonistas da primeira Revolução industrial,
caracterizando uma relação de subserviência que perdurará desde então nas transformações
econômicas seguintes às nações industrializadas européias, num primeiro momento, e aos
Estados Unidos, no seguinte. Exemplos destes produtos são a cana de açúcar em Cuba, café,
no Brasil, salitre, no Chile, dentre outros.
No final do século XIX, na década de 70, começa a ocorrer um princípio de virada na
tendência produtiva dos países periféricos latino americanos com a aquisição de maquinário
industrial do países do capitalismo central por parte de uma recém formada face da classe
burguesa voltada para a atividade industrial. Desta forma, caracteriza-se portanto que estes
países iniciam um processo de industrialização dependente, com um processo de transferência
de valores de processos produtivos obsoletos ou - neste momento - indesejáveis para a
aquisição de máquinas para a produção de bens industriais condicionado a antiga relação de
subserviência, apenas fazendo a transição do modelo de troca de matérias-primas de um lado
por produtos manufaturados para a aquisição de tecnologia em troca de compensação
monetária.
Já no século seguinte, durante a Crise de 29, há um segundo momento no movimento
de industrialização dos países periféricos, num caráter substitutivo, com a aquisição de
maquinário aperfeiçoado e substituição de importações buscando compensar a interrupção do
comércio entre estes países e àqueles do capitalismo central, que neste período recuperava-se
de uma guerra mundial e que se encontravam em período de crise econômica. Num momento
posterior, esta segunda onda de industrialização também se será consolidada pela produção
para atender a estes mesmos países quando do conflito da segunda grande guerra, com
produtos industrializados em substituição aos anteriormente fornecidos pela indústria interna,
agora ocupada pela economia de guerra. Assim há um fortalecimento das burguesias
nacionais, que possuem parte de seu ciclo produtivo vinculado aos seus respectivos
estados-nação apoiadas por governos populistas.
Neste ponto, cabe questionar, entretanto, se houve uma “revolução burguesa” na AL.
Segundo Florestan Fernandes, houve, contudo, com características particulares que
diferenciam esse “processo revolucionário” daquele que originou aquela classe social na
transição do período feudal na europa moderna. Para Fernandes, a revolução burguesa que
acontece neste período na América latina é uma revolução “dentro da ordem”, que busca
romper com as estruturas hegemônicas para substituí-las dentro de uma ordem de dominação
previamente estabelecida, pela transição da manutenção do poder do modelo fisiocrata da
“renda da terra” pelo acúmulo de riquezas através do lucro. Era preciso alterar a ordem para
dela fazer parte. Este processo ocorre durante um longo período que compreende duas fases
distintas, sendo a primeira a do chamado “capitalismo concorrencial”.
Neste processo, no entanto, percebe-se um desejo de manutenção das estruturas de
subserviência à potências externas para propiciar um desenvolvimento econômico interno, não
existindo portanto um desejo de desvinculação. Os países do capitalismo central passam a ser
vistos como exemplos de desenvolvimento, provocando nas periferias capitalistas um processo
desenvolvimentista “por imitação”, onde grandes projetos urbanistas das grandes capitais e de
modernização de infraestrutura acontecem aos moldes dos projetos existentes nas grandes
metrópoles européias, a despeito de quaisquer características locais. Este processo também
atende a um interesse do processo de industrialização pois permite maior eficiência na
circulação de mercadorias e bens industrializados entre as regiões produtivas dentro dos
países e seu trânsito, por meio de uma estrutura logística de armazéns, estuários e portos, com
os países do capitalismo central. Desta forma ocorre a nacionalização da “modernidade
capitalista”.
Essa modernização por imitação também acontece nos processos políticos onde a
classe burguesa, fortalecida sob seu novo aspecto, modela os estados nacionais em seu corpo
político de modo a que passem a reproduzir modelos representativos que possam atender ao
novo papel que os estados-nação passam a desempenhar no cenário internacional, aliando a
arrecadação pública à exploração das riquezas nacionais (agora não só como matérias-prima,
mas também como força de trabalho). Isto resulta no aumento da participação das classes
médias nos processos de tomada de decisão de modo a sustentar governos populistas que,
por sua vez, sustentam os modos de exploração comercial que naquele momento se
configurava.
Ocorre também um fortalecimento e equiparação da chamada burguesia industrial,
surgida nos núcleos urbanos, com as antigas oligarquias agrárias, que eram sustentadas pelo
poder dos latifúndios. Estas, por sua vez, vêem-se forçadas a passar por um processo de
“aburguesação”, que permite o assalariamento das massas campesinas como consequência
deste processo para que se constitua além de mercado consumidor também mão de obra de
reserva para a indústria (constituindo assim o seu processo de expropriação). Desta forma, o
ciclo do capital destas duas classes aproxima-se e torna-se similar entre si.
Neste processo também acontece uma mudança de foco na importância econômica de
cidades e regiões do interior para cidades e regiões litorâneas, acompanhando a transformação
de valoração dos modos de produção neste período. Também ocorre aqui um princípio de
financeirização da economia através do maior desenvolvimento da estrutura bancária enquanto
subproduto do processo desenvolvimentista.
No período seguinte, nas décadas de 40, 50 e 60, com o aumento do protagonismo das
camadas burguesas já industrializadas, começa a surgir um movimento reivindicatório pelo
protagonismo econômico nacional frente aos interesses de potências estrangeiras, com
movimentos políticos e intelectuais de caráter nacionalista tomando a frente e promovendo
transformações no panorama social. Este período caracterizou-se por investimentos na
educação universitária e pela proposição de propostas de sociedades autônomas, porém ainda
(segundo Florestan) num modelo “dentro da ordem”, sem interferência no status quo geral,
apenas com a substituição da ordem hegemônica, pensando na possibilidade da difusão de um
capitalismo autônomo dentro dos estados nacionais. Este movimento foi refreado pelo
surgimento de ditaduras militares no subcontinente iniciando-se nos anos 60, pela brasileira.
Os governos ditatoriais permitiam que houvesse uma manutenção nas estruturas de
dominação já estabelecidas que foram consolidadas num novo caráter de dependência,
segundo Theotonio dos Santos, onde ocorre uma nova modificação na estrutura produtiva,
dentro do modelo industrialista, inaugurando assim a segunda etapa na chamada fase
monopolista do capitalismo latino americano, que caracteriza-se pela desnacionalização das
bases produtivas da indústria nacional. Assim, ao invés do que ocorria no período
concorrencial, na venda de maquinário das economias do capitalismo central para as periferias,
agora o próprio capital destas nações instalava-se no território do país periférico de modo a
constituir ali seu parque industrial e fabricar seus produtos para o consumo daqueles
mercados. Desta maneira a riqueza excedente poderia concentrar-se mais nas nações de
origem do processo produtivo e menos nos países que lhes eram hospedeiros. Isso implicaria
numa cada vez maior evasão de divisas para o capital estrangeiro na forma de lucros e
royalties, além de um aumento substancial e compatível da sua dívida externa.
Desta maneira, o papel das ditaduras militares latino americanas era o de garantir a
não-interferência dos estados nacionais no capitalismo monopolista. Assim, estabelece-se um
movimento de associação ao capital externo caracterizando o ideal conservador das chamadas
revoluções burguesas na América latina. Um desejo de subordinação voluntária ante a
incapacidade de enfrentamento do capital estrangeiro num processo coordenado de
dependência de modo a sustentar o seu poder por intermédio da manutenção de um estado
subserviente aos interesses externos.

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