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de Bernardo Kucinski:
relações entre voz arbiter e metamemoria
• “Se o testemunho apresenta a história de uma perda, o essencial não
pode ser apresentado de modo direto; o testemunho é a apresentação
de um desaparecimento e a sua leitura, a busca de traços que indiquem
tal “falta originária”. Não há presença originária a ser re-presentada,
mas falta, ausência, perda” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 20-21).
•
“(...) consiste em relacionar essa forma de testemunho a
narração de segunda pessoa, ligada à faculdade da audição e
não mais a visão, como se dá no narrador testis ou a
experiência e sobrevivência como no narrador superstes”
(Sarmento-Pantoja, 2019, p.5-6).
“acreditamos na existência de mais uma forma de testemunho, que será
apontada por Emile Benveniste quando opõe os vocábulos arbiter e testis, na
medida em que arbiter representa a figura da testemunha que ouve e julga, sem
ter participado daquela experiência. Em suma, é o juiz que vai analisar de fora
o fato sem envolvimento direto com a cena e por isso sua presença não seria
notada. Nesse sentido, o arbiter, o árbitro, o juiz, na condição de testemunha
(auricular) conhece o fato somente graças aos testemunhos primários do que
vê ou vive. Podemos dizer que aqui constrói-se diante do narrar um trabalho
de ajuizamento, um arbeiter. Por se encontrar distante dos fatos, esse narrador
tem o poder de discernir – e decidir – o que deve ou não ser considerado na
cena testemunhal, realizando um trabalho de seleção mais evidente”
(Sarmento-Pantoja, 2019, p.13)
“Temos agora uma forma de testemunho constituída por um
narrador que apenas ouviu a narrativa, o testemunhante, ou
seja, aquele que valida o testemunho, ouvindo e vendo o
testemunho e, por conta de ter ouvido o testemunho, é capaz
de replicá-lo, avaliando a narrativa e selecionando para a sua
nova narração o que lhe interessa narrar, seja essa narrativa
feita pelo narrador testis ou superstes” (Sarmento-Pantoja,
2019, p.14)
“(...) é a representação que cada um de nós tem de nossa
própria memória, o conhecimento que possuímos e, por outro,
o que dizemos sobre isso. A metamemória individual é uma
memória que se apresenta ela mesma como um objeto, por
exemplo, quando digo que tenho uma péssima memória”.
A queda do ponto
• “Como interpretar a reviravolta? Uma farsa, é claro. Mentem. Uma farsa escabrosa. Mentem agora, não antes, quando
disseram que ela foi presa. K. sente-se mal; de novo a sensação de vazio interior, desaba na cadeira. Já são mais de cinco
semanas. Ele sabe que cada dia sem notícia reforça o mau presságio. Volta a se lembrar do farmacêutico. Já sabe por que
ainda não o procurara: fora contaminado pelo desgosto do pai com o filho informante.” (p. 23)
• “Naquela noite, no Clube Militar, à medida que subia os degraus de mármore branco talhados em forma de pétalas, que
conduziam ao andar superior, K. observava a imponência da construção, com suas linhas neoclássicas. Lembrou-se
subitamente de outra escadaria em outros tempos, em Varsóvia, igualmente em mármore e também no estilo neoclássico, que
ele galgara aos saltos, ainda jovem e valente, para indagar o paradeiro de sua irmã Guita, presa num comício do partido que
ajudara a fundar, o Linke Poalei Tzion. Alarmou-o emergência da lembrança, que julgava soterrada sob os escombros da
memória” (p.26).
• “A imagem repentina de Guita puxou a do delegado que o expulsara do topo da escadaria de Varsóvia aos gritos de que sua
irmã nunca fora presa, de que teria fugido para Berlim, isso sim, com algum amante.” (p.26)
Carta a uma amiga