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Mortalidade e morbidade materna, e near miss:

informação, prevenção e manejo


Assistência ao parto no Brasil: evidências e direitos
Aula para graduação em Saúde Pública – profa. Simone G. Diniz - Saúde e
Ciclos de Vida I – 28 de maio de 2014
(2ª. Parte)
MORBIDADE MATERNA GRAVE (NEAR-MISS)

• “A morbidade materna é um continuum que se


inicia com a ocorrência de uma complicação
durante a gestação, parto ou puerpério, e que
termina na morte, podendo-se reconhecer,
separadamente, um grupo de extrema gravidade,
conhecido como ‘near miss’.” (AMARAL et al,
2007)
HARM FREE CARE

• Estratégia do NHS para deixar de lidar com as


questões de segurança isoladamente e pensar sobre
as complicações do ponto de vista do paciente.
- NHS Safety Thermometer (Termômetro de Segurança
do NHS): instrumento de pesquisa do cuidado,
desenvolvido pelo NHS para o NHS, e que oferece um
"exame de temperatura" do dano.
Maternity Safety Thermometer

“O NHS ´Maternity Safety Thermometer´ permite às


equipes das maternidades ´checarem a temperatura´
dos danos e registrar a proporção de mães que
receberam “harm free care”, mas também registra o
número de dano(s) associado aos cuidados na
assistência obstétrica. O “Maternity Safety
Thermometer” mede dano perineal e/ou trauma
abdominal, hemorragia pós-parto, infecção, separação
Termômetro de Segurança
Materna
• Dano perineal: laceração e episiotomia
• Trauma abdominal: cesárea ou
laparotomia
• Hemorragia pós-parto:
• Infecção: trato urinário, mastite, ferida
perineal, cesárea, laparotomia, uterina
»INTERVENÇÕES DURANTE O PARTO
»

Punção Manobra de Parto


  Litotomia Ocitocina Episiotomia Analgesia
Venosa Kristeler cesariana

Escolaridade            
Menos que EF 92,4 66,0 52,0 38,8 38,9 6,1 37,0
EF completo 93,9 69,0 48,5 38,6 53,4 7,5 45,1
EM completo 94,1 73,6 46,0 40,0 58,9 11,2 60,7
ES completo 90,5 73,4 42,4 43,1 63,8 36,8 85,4
Cor da pele            
Branca 93,6 72,3 46,3 38,9 57,1 13,4 62,8
Preta 89,4 70,1 47,0 38,3 50,3 7,8 45,6
Parda/morena/
93,6 68,1 48,1 39,5 47,2 7,3 47,4
mulata
Amarela/oriental 93,6 68,2 46,0 42,9 52,7 10,1 53,0
Indígena 98,4 70,0 45,8 29,5 33,8 11,4 28,6
Paridade            
»
Primípara 93,6 76,0 51,7 52,2 68,8 12,7 56,1
Secundípara 93,3 65,3 46,2 33,2 48,6 8,7 53,8
Terceiro parto 93,6 65,2 47,0 28,1 31,5 5,1 49,5
4» partos ou mais 91,7 62,6 47,2 24,6 16,2 2,8 35,5
»INTERVENÇÕES DURANTE O PARTO
»

Punção Manobra de Parto


  Litotomia Ocitocina Episiotomia Analgesia
Venosa Kristeler cesariana

Região            
Norte 92,2 64,9 45,1 35,0 37,2 1,2 48,1
Nordeste 91,7 64,5 47,5 42,4 41,9 3,0 46,9
Sudeste 93,6 76,3 54,2 40,1 57,2 17,3 56,5
Sul 94,4 70,2 48,6 33,4 57,6 7,0 54,3
Centro-oeste 96,5 65,9 42,3 43,2 59,2 7,6 60,1
Localidade            
Interior 94,7 69,1 48,2 41,5 51,6 6,8 50,3
Capital 89,2 70,1 45,6 33,0 46,9 13,4 56,1
Plano de saúde            
Não 93,3 68,6 51,2 38,4 48,9 6,1 43,6
Sim 93,9 74,5 47,5 39,8 61,3 25,2 79,2
»
Idade            
< 20 93,3 70,3 47,0 46,5 61,5 9,2 38,0
20 a 34 93,4 69,0 48,3 37,0 47,6 8,9 54,4
≥ 35
» 92,0 71,1 54,3 34,5 36,6 9,5 65,9
Episiotomia - Ação direta da Rede Parto do Princípio 2011
Efeitos das intervenções (episiotomias, fórceps)
são entendidos como se fossem “do parto normal”
Carla Raiter: mostra de fotografias 1:4
http://carlaraiter.com/1em4/
Prevenção da dor iatrogência e uso seletivo, criterioso de
ocitocina e procedimentos dolorosos

Ocitocina de rotina –
alto risco materno e
neonatal

Manobra de Kristeller –
muito comum no SUS e
setor privado. Riscos,
segurança materna e
neonatal
Litotomia e evolução do
período expulsivo

Anônima
O “sorinho”
Intervenções danosas e invisíveis:
ocitocina usada sem devida
indicação clínica e de forma
insegura

Ocitocina: droga de alto alerta


(cuidado 1:1

Intenso sofrimento físico e


emocional das mulheres,
geralmente sem alívio efetivo da
dor

Riscos aumentados para mãe e


bebê

Associado a risco aumentado de


hemorragia pos-parto e problemas
de aleitamento
Pesquisa Nascer no Brasil:
Acompanhante é altamente protetor contra todas as formas de
violência no parto
Entrar em trabalho de parto aumenta os riscos de sofrer violência
Consequências para a
saúde física e emocional
das mulheres
- Redução da capacidade
de se defender e de
buscar ajuda em
situações de risco à
saúde (estudos de near
miss, Rance e Sandall,
2013)
- Stress pós-traumático e
depressão pós-parto
- Sequelas físicas de
intervenções arriscadas
e invasivas
- Riscos aumentados
associados ao excesso
de intervenções
"correcionais”
Pesquisa Nascer no Brasil: acompanhantes mais associados a
maior renda, setor privado, cesárea, sem trabalho de parto
Gênero e seus sentidos no parto: violência
• Corpo feminino como necessitado de correção, disciplina,
tutela, controle (abordagem correcional)
• Sexo como sujo, necessitado de punição (tutela religiosa
das práticas e políticas públicas)
• Limpo x sujo, superior x inferior, primitivo x civilizado,
decente x indecente, seguro x inseguro
• Solidariedade x Cumplicidade institucional – profissionais e
gestores
 
CUIDADO RESPEITOSO NO PARTO –
  PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA NO PARTO
 
RESPECTFUL MATERNITY CARE: The Charter
THE UNIVERSAL RIGHTS OF CHILDBEARING WOMEN

Categoria de desrespeito e abuso DIREITO CORRESPONDENTE

1. Abuso físico Liberdade de danos e maus-tratos

2. Cuidado não-consentido Direito à informação, o consentimento informado ea


recusa, e respeito pelas escolhas e preferências, incluindo
acompanhantes durante o atendimento de maternidade

3. Cuidado não confidencial ou privativo Confidencialidade, privacidade

4. Cuidado indigno e abuso verbal Dignidade, respeito

5. Discriminação baseada em certos atributos Igualdade, a não discriminação, à eqüidade da atenção

6. Abandono, negligência ou recusa de assistência Direito ao cuidado à saúde em tempo oportuno e ao mais
alto nível possível de saúde

7. Detenção nos serviços Liberdade, autonomia

www.tractionproject.org/content/respectful-care-during-childbirth
Violência na assistência ao parto: definições, impacto na morbidade e mortalidade maternas, e propostas para sua superação

Foto cedida por Raquel Gonçalves


O que é a violência obstétrica?
• Violência obstétrica: histórico
• Violência obstétrica: definições
e termos
• Porque acontece?
• Violência obstétrica: o que
mostram as pesquisas no Brasil
– SUS e setor privado
• Implicações para morbidade e
mortalidade materna
• Movimento contra a violência
obstétrica no Brasile no
mundo
• Como visibilizar e prevenir a
violência obstétrica?
Breve histórico
• Década de 50: criação de grupos
como a Associações de Combate à
Crueldade contra as Grávidas
(parturientes amarradas, dopadas,
hematomas, proibição de
acompanhantes)
• Décadas de 70/80: pesquisas
brasileiras, Dossiê Caxias, “Violência,
um Olhar sobre a Cidade”
• Década de 90: Criação da Rehuna:
“as circunstâncias de violência” no
parto. Humanização como termo
mais diplomático.
• Direitos Humanos no Parto, várias
iniciativas na década de 90
Breve histórico (cont.)
• 2000s: Criação de Redes de
mulheres como Parto do
Princípio
• Países da América latina
tipificam a violência obstétrica
e criam legislação específica
• Pesquisas como a da Fundação
Perseu Abramo
• Criação da Iniciativa
Internacional delo Cuidado
Respeitoso no Parto – White
Ribbon Alliance
• Audiências Públicas pelo Brasil
sobre violência Obstétrica,
vídeo violência obstétrica,
consolidação como objeto de
pesquisa
Muitos termos / descritores
• Violência obstétrica
• Violência no parto
• Abuso obstétrico
• Desrespeito e abuso
• Violência de gênero no
parto e aborto
• Violência institucional de
gênero no parto e aborto
• Assistência desumana /
desumanizada
• Crueldade no parto
• Violações dos DDHH das
mulheres no parto
Definições de violência obstétrica
• Qualquer conduta, ato ou omissão por
profissional de saúde, tanto em público como
privado, que direta ou indiretamente leva à
apropriação indevida dos processos corporais e
reprodutivos das mulheres, e se expressa em
tratamento desumano, no abuso da
medicalização e na patologização dos processos
naturais, levando à perda da autonomia e da
capacidade de decidir livremente sobre seu corpo
e sexualidade, impactando negativamente a
qualidade de vida de mulheres.
(baseado na legislação da Venezuela)
Gênero, hierarquias sociais e manejo do tempo
Disse Dráuzio Varella certa vez
em entrevista à Revista Claudia:
-"Parto normal é muito
chato. É muito mais
fácil botar a mulher na
maca e 'Pumba!' fazer
uma cesárea."
-Os tempos femininos, da sua
fisiologia, se tornam inaceitáveis,
inconvenientes, devem ser
corrigidos
-Além disso, desorganizam o
planejamento hospitalar
Mulheres vão às ruas por parto humanizado, parteiras, casas
de parto, acompanhantes
Ativa “Blogosfera materna”
Gênero, maternidade e desigualdades, hierarquias e discriminação
(baseado em Gayle Rubin, 1984)*
Todas as combinações/ sinergias são possíveis
Brancas, casadas, heterossexuais, >=classe média
A violência não se
distribui Solteiras Adolescentes, “idosas” (>35)
uniformemente – Doentes em geral (diabetes, lupus, HA)
algumas mulheres
Pobres Negras, nordestinas
são mais vulneráveis
que outras Lésbicas Deficientes físicas
Soropositivas (HIV, sífilis etc)
Hierarquias de Doentes mentais Transgender
maternidades
Usuárias de drogas

Maternidade Moradoras de rua


e estigma Trabalhadoras do sexo

Presidiárias

*Thinking Sex: Notes for a Radical Theory of the Politics of Sexuality, in Carole Vance, ed., Pleasure and Danger, (Routledge & Kegan, Paul, 1984
O que dizem as pesquisas – Fundação Perseu Abramo
O sofrimento físico e o sofrimento emocional - preveníveis
“Chega de parto violento para vender cesárea”
Cesárea como (comparativamente) “menos insegura”
Gênero: corpo feminino como incompetente,
ameaçador, necessitado de tutela e de correção

Movimentos sociais conhecem as evidências científicas,


os profissionais frequentemente desconhecem e seguem
preconceitos (vieses) de gênero
Direito à informação: Consequências para o
bebê das diferentes vias de parto
• A cesárea bem indicada é um
recurso muito importante! Porém
o seu excesso produz efeitos
adversos
• Curto prazo: parto pré-termo,
baixo peso ao nascer, dificuldades
com amamentação
• Médio-longo prazo: aumento de
sobrepeso e obesidade, asma,
diabetes tipo 1 e outras doenças
não-transmissíveis
• Profissionais dizem para as
mulheres que cesárea é mais
segura – ausência de autoridade
sanitária para regulação
(Ministério, CRMs, etc)
Epidemias de obesidade e doenças crônicas /
não transmissíveis
• Epidemias complexas e
multifatoriais
• Associados ao consumo
excessivo de calorias,
alimentos
nutricionalmente pobres,
sedentarismo, outros
fatores
• Cesárea/ via de parto/
microbioma intestinal:
mais um fator
VIA DE PARTO E DOENÇAS CRÔNICAS

Clin Perinatol. 2011 Jun ;38 (2):321-31  21645799 


                      
Cesarean Versus Vaginal Delivery: Long-term Infant Outcomes and the Hygiene Hypothesis.
Configuração da flora intestinal – uma questão de saúde pública
Propostas
• Acompanhantes –
disk-denúncia e
responsabilização
• Centro de parto
normal-escola Já
• Notificação de
violência
• Mudanças na
formação, com
contato direto das
mulheres que se
sentem violentadas
violentadas com os
alunos
Recomendações Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito Senado Junho 2013
• Que o Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as
Mulheres receba denúncias de violência no parto e
capacite as atendentes para isso;
• Alteração na Lei 11.108/2005 para incluir punição em
caso de descumprimento;
• Alteração da Lei 8.080/1990 garantir expressamente no
texto legal o direito a acompanhante no parte nos
serviços de saúde públicos e privados e inclusão de
punição em caso de descumprimento.
• Capacitação dos profissionais de saúde para o
abortamento humanizado em conformidade com a
Norma Técnica do Ministério da Saúde.
• COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO “Com a finalidade de investigar a situação da violência
contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à
aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência”.
RELATÓRIO FINAL

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