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Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES

Centro de Ciências Humanas - CCH


Departamento de Geociências – DGC

Biogeografia
Adaptado do Prof. Dr. Ronaldo Belém
• “O geógrafo jamais pode reduzir o seu campo de visão ao que os
olhos estão enxergando. há sempre uma conexão oculta por trás
daquilo com que se depara na natureza.” Figueiró, 2015 (p.13).
• “A formação das paisagens contemporâneas está
ligada a uma longa e complexa história evolutiva,
tanto dos seres vivos que nelas habitam como dos
elementos não vivos, como clima, a hidrografia, o
A anta (gênero Tapiiru SP) ocorre de forma
solo e o relevo, em diferentes escalas de tempo. descontínua e em áreas distantes (América do Sul e
Ásia). Sua ocorrência nessas áreas podem ser
(...)” explicadas pela migração ancestral que podem ter
sido impulsionadas pelas mudanças climática ou pela
variação ecológica.
• Combinação entre mutação e seleção natural ou
artificial na adaptação dos organismos.

• Adaptação ou extinção
• A biogeografia busca, com base em registros fósseis e evidências dos padrões de
distribuição dos seres vivos, recontar a história dos organismos e das paisagens ao
longo da história.
• Essa reconstrução considera os fatores ou elementos naturais presentes nas
paisagens, mas também não negligencia os fatores antrópicos presentes e atuantes
nesse cenário.

• Ex.: introdução de espécies exóticas em diferentes regiões do mundo representa uma


das principais causas de extinção históricas de espécies, (38%) no planeta
(FIGUEIRÓ, 2015).
• Outras causas são a destruição dos habitat, 36% e caça e coletas predatórias, 23%.
(FIGUEIRÓ, 2015)
• Figueiró, 2015 aponta cinco fatores para a distribuição dos seres vivos sobre a Terra:

1.As condições ambientais - A disponibilidade de luz, alimento, temperatura e água vai


condicionar a ocorrência a, a permanência ou dispersão dos organismos vivos ao
longo do tempo geológico.

2.Recursos disponíveis para garantir o crescimento vegetativo das espécies – As


grandes ondas migratórias ao longo da história, inclusive a chegada do homem ao
continente americano a 12.000 anos, foram ocasionadas pelas escassez de recursos.
As rotas de dispersão do homem pelo planeta

Disponível em: https://imazon.org.br/a-floresta-habitada-historia-da-ocupacao-humana-na-amazonia/


3.A capacidade de disseminação das espécies: o índice de reprodução das espécies
induz a busca por novas áreas menos concorridas e com maior quantidade de
recursos para atender o excedente populacional gerado. Espécies com menor taxa
de fecundidade e ciclos reprodutivos mais longos tendem a ocupar territórios mais
restritos.

4.Capacidade evolutiva das espécies: espécies com ciclos de vida mais curtos
tendem a se reproduzirem mais e em espaço de tempo menor. Podem ocorrer a cada
geração mudanças evolutiva a partir de mutações aleatórias para melhor se
adaptarem às condições ambientais. Ex: Vírus e Bactérias.
5. A ação humana: o homem atua diretamente na distribuição, introdução,
extinção, adaptação, reprodução, conservação e até mesmo na criação de novas
espécies.

• Os seres vivos vão apresentar grande variação espacial – segundo as condições


que os diferentes ambientes lhes fornece para sobrevivência e temporal (as
espécies que habitam determinado espaço no tempo histórico ou geológico podem
deixar de ocupa-lo devido à migração, extinção ou evolução).
• Não podemos negligenciar o fato de que influência antrópica sobre a biosfera não se
resume apenas à transformação da paisagem natural. Ela se faz sentir no complexo e
riquíssimo patrimônio cultural produzido ao longo de milhares de anos por diferentes
culturas.

• Assim, o conhecimento em biogeografia torna-se essencial par a pensar a construção


de um furo ecológico mais rico e justo (FIGUEIRÓ, 2015).
Biogeografia: conceito, objeto e métodos de abordagem

• Por ser um campo de estudo que tem como principal tarefa


explicar a distribuição dos seres vivos na superfície
terrestre, em diferentes escalas de espaço e tempo, e por
considerar que essa distribuição é condicionada por
“variáveis físicas e antropogênicas” a biogeografia se
apropria dos aportes metodológicos das ciências naturais e
das ciências humanas em busca da compreensão da
complexidade da paisagem. (Figueiró, 2015)
Biogeografia: conceito, objeto e métodos de abordagem
• São elementos fundamentais para a compreensão da biogeografia

• condicionantes da distribuição dos seres vivos – fatores físicos, bióticos e


antrópicos;

• As relações no tempo e no espaço: alimentação, predação, conforto, reprodução e


serviços ambientais.

• A ocorrência de determinada espécie, vegetal ou animal, em uma área não pode ser
explicada apenas pela ocorrência de alimento ou água, mas por uma complexa rede
de relações que envolvem os fatores naturais, físicos e sociais.
• As relações estabelecidas entre os
elementos da paisagem, muitas
vezes são mais importantes do que
os próprios elementos que a
compõe visto que, sua
compreensão se processa a partir
As veredas exercem papel fundamental na distribuição
do funcionamento do conjunto. dos rios e seus afluentes, na manutenção da fauna do
Cerrado, funcionando como local de pouso para a fauna
de aves, atuando como refúgio, abrigo, fonte de alimento
e local de reprodução para a fauna terrestre e aquática.
http://cerradotequerobem.blogspot.com/2017/06/vereda.html
As diferentes abordagens ou enfoques dos estudos
biogeográficos

1.Abordagem Corológica – Abrange os


estudos de identificação, mapeamento e
caracterização das formas de vida no espaço.
Centra-se na representação espacial buscando
compreender as mudanças das áreas de
ocorrência dos Taxons ao longo do tempo.
Taxons são as categorias usadas na
classificação dos seres vivos: Reino, classe,
ordem, família, gênero e espécie.
2. Abordagem biocenológica – centra-se
na biocenose (comunidade ou conjunto
de seres vivos que vivem em
determinado ambiente (biótopo),
mantendo certa interdependência entre
As Florestas boreais do Canadá e da Rússia estão nas mesmas
eles) . Procura entender as interações condições climáticas e são muito semelhantes
fisionomicamente mas apresentam diferenças florísticas e
entre os diferentes táxons. funcionais.
3.Abordagem Ecológica – estuda as interações que os seres
vivos estabelecem com os demais elementos da paisagem em que
vivem, tais como, temperatura, umidade, solo e predadores.
Autoecologia: interação de uma espécie com o meio Sinecologia
interação entre uma comunidade e o seu meio. Exemplos:
• estudo do comportamento Borboleta Monarca (Danaus
plexipus) – Autoecologia.
• e o estudo da interação entre o Cerrado Senso Strico e os solos
arenosos - Sinecologia.
4.Abordagem Geoecológica – enfoque fortemente
geográfico e integrador, trabalha com o objetivo de
Compreender a inter-relação entre componentes naturais
e antropotecnogênicos das paisagens.
Visa identificar e compreender o produto da interação
entre os diversos componentes da paisagem, tais como,
vegetação, solo, Rochas, relevo, clima, seres vivos e
sociedades/uso do solo.
Exemplo: uma bela paisagem rural.
Segundo Georges Bertrand (2004), a
Paisagem é uma porção do espaço que
resulta da combinação dinâmica, portanto
instável, de elementos físicos, biológicos e
antrópicos que, reagindo dialeticamente
Christofoletti (2004), define a paisagem
uns sobre os outros, fazem desta
como um sistema complexo formado por
categoria um conjunto único e
diversos componentes interatuantes
indissociável, em perpétua evolução.
capazes de trocar matéria, energia e
informações com seu entorno.
A abordagem Geoecológica desempenha
um relevante papel no processo de
planejamento ambiental e territorial quando
associada ao mapeamento de unidades
espaciais. Os Geoambientes saõ produto da
interação entre componentes fisiográficos -
rochas, relevo, solos, drenagem, clima e
vegetação - delimitados por certa
homogeneidade, diferenciando-o das áreas
adjacentes.
Fonte: VIDAL, MASCARENHAS (2019)
Disponível em: https://www.researchgate.net/figure/Figura-09-Mapa-de-Unidades-Geoecologicas-do-
Parque-Nacional-dos-Campos-Ferruginosos_fig5_349061440
Métodos de estudos biogeográficos

• Os métodos utilizados nos estudos biogeográficos variam segundo a


abordagem da pesquisa e podem ser associados a fim de promover melhor
compreensão do objeto estudado.
• Método taxonômico: volta-se à
identificação dos indivíduos dentro
do táxon a que pertencem
(classificação).

• Muito utilizado na abordagem


corológica para produção de mapas,
esquemas ou banco de dados de áreas
de ocorrência dos diferentes taxa.
Disponível em: https://blog.maxieduca.com.br/classificacao-taxonomica-
biologia/classificacao-dos-seres-vivos-1/
• Método fisionômico: busca compreender a estrutura (fisionomia) de uma comunidade a partir das
condições ambientais passadas ou presente no independentes das espécies que a compõem.

• A abordagem biocenológica é a que mais se utiliza desse método, visto que o foco é definir
semelhanças e diferenças entre determinadas formações sob determinadas variações ambientais.
Saber como as espécies estão estruturadas e as causas desse arranjo estrutural.
• Método ecológico – [...]busca identificar e
quantificar os ciclos de matéria e os fluxos de
energia que circulam dentro de um ecossistema
natural ou antroponatural e que são responsáveis
pela permanência de uma espécie ou comunidade
A biogeografia ecológica analisa os
com determinadas características dentro daquela
parâmetros populacionais existentes em um
área. [...]o método ecológico permite gradiente ambiental a partir das diversas

compreender o ritmo e a intenidade com que condições ambientais, por exemplo


temperatura e salinidade, ou gradientes de
essas dinâmicas ocorrem nos diferentes
recursos, por exemplo disponibilidade de
geoecossistemas alimentos e locais de reprodução.
As subdivisões da Biogeografia
a Biogeografia tem suas origem vinculada às Ciências Naturais e subdivide-se em
dois Campos de pesquisa:

Fitogeografia – Estuda a Zoogeografia – Estuda os fatores que


distribuição, estrutura e dinâmica favorecem e condicionam a distribuição dos
das plantas na superfície terrestre, animais na superfície terrestre a partir da
bem como os fatores que construção de hipóteses para o aparecimento e
condicionam essa istribuição distribuição dessas espécies
Desses dois grupos surgiram quatro Grandes divisões:

Biogeografia Ecológica – Estuda a


Biogeografia Histórica – Também
influência dos fatores ambientais atuais
chamada Paleobiogeografia, esse ramo
sobre os seres vivos e como esses seres
da Biogeografia procura identificar e
respondem às variações nas condições
compreender os processos de
ecológicas. Ex: Que mudanças as plantas
distribuição, adaptação e extinção de
e animais desenvolvem para se adaptar
espécies ao longo da História geológica
a temperaturas extremas ou falta de
da Terra
umidade?
Biogeografia Médica – Estuda a Biogeografia Cultural ou Antrópica – Tem
distribuição de organismos vivos que como objetivo compreender o papel do
atuam como vetores de transmissão de homem na modificação da biota terrestre, seja
doenças. Busca entender os mecanismos como domesticação de plantas e animais, seja
que favorecem ou dificultam a com a disseminação forçada de espécies
disseminação desses vetores. invasoras. Estuda os efeitos das ações
humanas de forma mais direta (introduzindo
espécies) ou na forma indireta (modificando
os ecossistemas).
• A construção do conhecimento biogeográfico vai passar por dois momentos
distintos:
1-Período pré-científico – marcado por duas grandes teorias, opostas na forma de
explicar a disseminação das espécies, mas concordantes quanto à criação, o
criacionismo e o traducianismo.

• Criacionismo – defende a existência de múltiplos centros de criação ao mesmo


tempo sendo cada espécie criada na sua própria região.
• Traducianismo: defende a dispersão de todos os seres a partir de um único ponto
da Terra.

• Ambas aceitam a criação a partir da ação divina.


2 - Período científico – Inicia-se com a publicação do
Essai Sur La Geographie des plantes por Humboldt.

Além de inaugurar o período científico da


biogeografia, Humboldt dotou essa área do
conhecimento e, por consequência a geografia física
de um método próprio de análise alicerçado na
compreensão integrada da natureza a partir dos
estudos da paisagem, na junção do idealismo alemão
e do enciclopedismo francês e integração de
aspectos da arte e ciências para apreensão da
realidade.
Disponível em: https://www.welt.de/kultur/article197646121/Alexander-
von-Humboldt-Der-erste-Oeko.html
• A biogeografia moderna é caracterizada pelas intensas transformações pelas
quais passou o pensamento científico no século XX. O desenvolvimento das
ciências impulsionado pelo advento da tecnologia alia-se às importantes
descobertas científicas e, à vista disto, a elaboração de teorias mais sólidas para o
desenvolvimento e dispersão da vida no planeta.
• Definição das grandes zonas climáticas da Terra
• As publicações de “Tratado de Geografia Física” de De Martonne em 1909 com
um volume dedicadodo à biogeografia, “Os climas do passado geológico” de
Köpen e Wegener em 1924, e “Introdução à Biogeografia” de Dansereau na
década de 1940
• Teoria da Deriva Continental na década de 1950
• Desenvolvimento de novos métodos filogenéticos, da biogeografia de ilhas e da
Teoria Geral dos Sistemas.
• Entre outros.
Como e porque os organismos vivos se distribuem na superfície da Terra?
Questões para reflexão:
O que nós vemos quando olhamos uma paisagem?

As paisagens não são, assim, apenas a soma de elementos vivos e não vivos que coabitam uma dada superfície da Terra, mas o
arranjo em que esses elementos estão dispostos uns em relação aos outros, o que lhes permite desencadear processos de
diferentes naturezas e intensidades. Para o geógrafo sempre há uma conexão oculta...
Por que as paisagens se diferenciam na superfície da Terra? Diferença de temperatura? Pela diferença de umidade? Pelo tipo de
relevo e solo? Pela ação do Homem?

Todos esses elementos interatuam ao longo da história evolutiva de cada espécie, o que fornece hoje um cenário altamente
complexo e diversificado dos modelos espaciais de distribuição dos milhões de espécies vivas que ocorrem no planeta, desde os
grandes desertos frios da Antártida ou florestas temperadas homogêneas do Canadá até as selvas quentes e úmidas da região
equatorial
Por que espécies de um mesmo gênero diferem de uma região para outra ? Por que certas espécies que ocorrem em
determinado lugar não aparecem Em outros lugares, mesmo em condições climáticas semelhantes, como é o caso do Urso Polar,
ocorre no Ártico, mas não na Antártida? De onde surgiram e como lá chegaram os seres vivos
Que habitam as ilhas?

As mudanças nas condições ambientais das paisagens provocam diversificação na História evolutiva dos organismos. O gênero
Equus, por exemplo, só na África apresenta oito espécies diferentes. A questão do Urso polar está associada à distância e às
barreiras físicas. Os animais das ilhas estão associados ao transporte por correntes marinhas, nado, voo, existência pré-deriva
continental ou transferência antrópica
Serpentes do gênero Bothrops possuem características diferentes em diversas regiões do País

As condições ambientais próprias de cada região permitiram as modificações adaptativas que se refletem Em
características como cor, tamanho e hábitos alimentares dessas serpentes conhecidas popularmente
comoJararacussus e que estão entre as mais venenosas do Brasil
O que leva uma espécie a aparecer ou desaparecer?

Muitas espécies desapareceram pela seleção natural como os Tigres dentes de sabre que não conseguiram
Competir os ágeis felinos modernos. Os dinossauros foram extintos por um grande cataclisma. No entanto,
Nos últimos 200 anos centenas de espécies forma extintas pelas ações antrópicas. O Pinguim do hemisfério
Norte ou Alca Gigante é um grande exemplo. Da mesma forma o homem também pode introduzir espécies.
Como e porque os organismos vivos se distribuem na superfície da Terra?
Os cinco fatores principais sobre a distribuição da vida na Terra e que respondem a questão primordial do livro:

1.As condições ambientais como luz, alimento, temperatura e água. Essas condições podem favorecer ou
dificultar a distribuição a ocorrência dos seres vivos

2.Os recursos disponíveis para a sobrevivência. O esgotamento de recursos pode levar às migrações até áreas com
recursos mais abundantes

3.A capacidade de disseminar as espécies. As espécies com maior taxa de fertilidade tendem a ter maior
capacidade de disseminação no espaço

4.A capacidade evolutiva das espécies. Seres com ciclo de vida mais curtos tendem a produzir mais gerações em
menos tempo. E cada geração pode ocorrer também novas mutações que favorecem as adaptações.

5.A ação humana. As sociedades humanas têm interferido diretamente na distribuição da vida extinguindo,
introduzindo, adaptando e conservando seres vivos.
Figueiró, A. S. Biogeografia : dinâmicas e transformações da natureza. São Paulo : Oficina de Textos, 2015.

VIDAL, R. MASCARENHAS, A. L. Mapeamento geoecológico no Parque Nacional dos Campos Ferruginosos de


Carajás/Pará-Brasil. Ateliê Geográfico - Goiânia-GO, v. 14, n. 3, dez/2020, p. 218 – 238

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