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NIKETCHE: uma história

de poligamia

Paulina Chiziane

*NIKETCHE: “dança de amor”


(Zambézia e Nampula)

por Luciana Brandão Leal


-Niketche?
-Uma dança nossa, dança macua. – explica Mauá - , uma
dança do amor, que as raparigas recém-iniciadas executam
aos olhos do mundo para afirmar: somos mulheres.
Maduras como frutas. Estamos prontas para a vida!
(CHIZIANE, 2004, p. 160)

A análise do romance Niketche: uma história de poligamia, da escritora


moçambicana Paulina Chiziane, evidencia a subversão do ritual da dança
“niketche” como performance literária através da subjetivação da voz
feminina em Moçambique. O traçado cultural, marcado pelas diferenças
geográficas do país (norte e sul), modela as relações que as mulheres
moçambicanas estabelecem com seus corpos e com o espaço cultural. Juntas
essas mulheres formam o cenário evocado por Chiziane para narrativa
marcadamente feminina que versa sobre o ato de ser mulher em
Moçambique.
Inocência Mata (2013) ressalta que o período colonial deixou fraturas e
traumas que permaneceram soterrados durante o período de constituição
discursiva da nação moçambicana, de modo que a escrita de Chiziane e a
“epopeia” de suas personagens (no polígamo amoroso e em suas próprias
constituições como seres de papel) acabariam por suprir, através do
discurso, as lacunas que cristalizaram a condição feminina no país. Para
Inocência Mata explica:

“Por isso não se pode dizer que as personagens femininas de Paulina


Chiziane – que predominam – sejam meras marionetes: na verdade, trata-se
de um percurso intelectual que as personagens empreendem (e com elas a
leitora) em vista da desmistificação de imagens femininas convencionais
que chegam, pela ação autorreflexiva, ao autorreconhecimento em um
contexto em que a alteridade se transforma em outridade, com estatuto
reconhecido, e a tradição surge como tempo de renovação cultural para a
mulher em Moçambique
(MATA, 2013, p. 157)
-A dança como a performance subversiva de RAMI e suas
rivais / companheiras.

-A dança como ritual: corpo feminino, corpo-sujeito,


corpo-texto, corpo- épico.

-O corpo como instrumento de libertação. O texto como


instrumento de libertação.

-O corpo como poder de libertação colonial (oralidade /


feminino).
Pires Laranjeira (2013) aponta:

[Paulina Chiziane] vai mais longe e precede a uma


arqueologia da cultura (em uma linha próxima das posições
pós-coloniais e da inquirição das subalternidades), ao rastrear
as influências dos comportamentos e dos hábitos coloniais na
formação das mentalidades assimiladas, como quando recorre
ao passado colonial para explicar os sonhos desvairados de
algumas mas mulheres e homens. (p. 13)
O enredo de Niketche traz a narradora e protagonista (autobiografica?)
Rami, e e a partir de seus monólogos e diálogos que a trama é tecida,
especialmente em função da relação que estabelece com o marido
(Tony) e as outras “esposas” da união polígama: Julieta (ou Juliana),
Luísa, Saly e a jovem Mauá.

“O coração do meu Tony é uma constelação de cinco pontos. Um


pentágono. Eu, Rami, sou a primeira dama, a rainha mãe. Depois vem
a Julieta, a enganada, ocupando o posto de segunda dama. Segue-se a
Luísa, a desejada, no lugar de terceira dama. A Saly, a apetecida, é a
quarta. Finalmente a Mauá Salé, a amada, a caçulinha, recém-
aquirida. O nosso lar e um polígono de seis pontos. E polígamo. Um
hexágono amoroso” (CHIZIANE, 2004, p. 58)
Por meio da caracterização de Rami (e suas visões sobre o
mundo), verifica-se a construção de um “eu-feminino”
atrelado à nação moçambicana, que forjaria uma possível
identidade social para a mulher de Moçambique. Já as relações
entre as personagens marcam as diferenças geográficas e
históricas no território moçambicano, essencialmente, as
diferenças entre norte e sul, representando Moçambique como
um tecido cultural múltiplo.
Bibliografia

CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história de poligamia. São Paulo:


Companhia das letras, 2004.

LARANJEIRA, Pires. Chiziane: uma escrita impressiva no feminino.


In: MIRANDA, Maria Geralda de; SECCO, Carmen Lucia Tindó.
Paulina Chiziane: vozes e rostos femininos de Moçambique. Curitiba:
Editora Appris, 2013.

MATA, Inocência. Paulina Chiziane e a exposição de um “ossário de


interioridades mortais”. In: MIRANDA, Maria Geralda de; SECCO,
Carmen Lucia Tindó. Paulina Chiziane: vozes e rostos femininos de
Moçambique. Curitiba: Editora Appris, 2013.

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