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LEITURA ORANTE DA BÍBLIA


ENCONTRO COM A PALAVRA

Fazer arder o coração (Lc 24,32)


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LEITURA ORANTE DA BÍBLIA


ENCONTRO COM A PALAVRA

Compilação, organização e
produção digital:
Luiz Edgar de Carvalho

“Livros não mudam o mundo,


quem muda o mundo são as pessoas.
Os livros só mudam as pessoas”.
Mário Quintana

Mens Sana
Publicações eletrônicas
para ler e pensar
2009

Bibliografia:
“Tua Palavra é Vida 1” – VV.AA. - Edições CRB/Loyola
Fazer Arder o Coração – Frei Carlos Mesters, Editora do Carmo
Revista de Estudos Bíblicos Nº 32, Vozes
História do Povo de Deus – Roteiros para Reflexão, CEBI/Paulus.
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LEITURA ORANTE DA BÍBLIA

ÍNDICE

Apresentação
I. As várias maneiras de se olhar e ler a Bíblia
II. Os critérios da Leitura Orante da Bíblia
III. Um pouco de história sobre a Leitura Orante da Bíblia
IV. Considerações gerais sobre a Leitura Orante da Bíblia
V. Os quatro degraus da Leitura Orante da Bíblia
VI. Como fazer a Leitura Orante da Bíblia, hoje?
VII. O método a ser usado nas reuniões de Leitura Orante da Bíblia

Roteiros para reflexão


Encontro 1: A opressão no Egito e a libertação pelo poder de Deus
Encontro 2: A organização do povo e a distribuição da terra
Encontro 3: Recuperação da memória e da própria identidade
Encontro 4: Crise e mudança do sistema tribal para a monarquia
Encontro 5: Os profetas criticam os reis em nome da Aliança
Encontro 6: Exílio: desintegração, nova libertação (587-445 a.C.)
Encontro 7: Reorganização do povo com base na lei (Esdras e
Neemias)
Encontro 8: Sabedoria: resistência e abertura frente à invasão cultural
Encontro 9: Jesus refaz a história e realiza a esperança do povo
Encontro 10: As comunidades: um novo modo de ser Povo de Deus
Encontro 11: Expansão do Evangelho pelo mundo
Encontro 12: Perseguição e resistência no final do século I

VIII. Resumo: a mística que deve animar a Leitura Orante da Bíblia


IX. A visão global da Bíblia: Reler o passado à luz do presente
X. História do Povo de Deus - Linha do tempo
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APRESENTAÇÃO
Estão reunidos aqui alguns temas sobre a Leitura Orante da Bíblia. A
Leitura Orante (Lectio Divina) tem que ser o eixo da nossa espiritualidade.
Dirigido a todas as pessoas – leigos, leigas, religiosos, religiosas, agentes
de pastoral –, o assunto é bastante amplo. A Palavra de Deus é como o
arroz e feijão de todos os dias. Não há diferença entre o arroz que se come
em nossa casa e na casa do nosso vizinho. É o alimento de todos para todos
os dias. A diferença está somente no tempero!
A grande novidade eclesial acontecida nos últimos anos do milênio
recém findo foi o reencontro das comunidades com a Palavra de Deus. É
difícil explicar como foi que tudo aconteceu. De repente, desde os anos
sessenta, cresceu o interesse de todas as pessoas nas comunidades pela
Bíblia, como nunca antes em toda a história da América Latina.
A Bíblia está sendo usada para tudo: orações e preces, cursos e
concursos, treinamentos e retiros, reuniões e encontros, celebrações e
vigílias, sermões e discursos, catequese e novenas, teatros e dramatizações,
músicas e benditos, contos e cantos, gincanas e charadas, luta sindical e
organização de greves, construção de capelas e mutirão para construir
barracos, crítica ao clero e revisão da própria vida, reunião política e
comício de partido, luta pela terra e defesa do índio, cartas de apoio e
manifestos contra as injustiças, procissão da Padroeira e passeata para
exigir os direitos, luta pela saúde do povo e esforço para voltar aos
remédios caseiros, terço de Nossa Senhora e Mês de Maio, educação em
família e educação popular de base, clubes de mães e organizações de
bairro, invasão de terra e romarias, luta de operários e piquete nas portas
das fábricas, jejum de protesto e resistência contra pistoleiros,
manifestações em frente à delegacia de polícia e apoio aos presos políticos,
manifestações ecológicas em defesa do meio ambiente e defesa dos
Direitos Humanos etc. Realmente, o povo das nossas Comunidades está
usando a Bíblia para tudo, ou quase tudo!
Com esta lista de coisas, algumas até curiosas, que o povo anda
fazendo com a Bíblia, queremos chamar a atenção para uma outra coisa
muito importante: o povo das comunidades sabe misturar a Palavra de Deus
em todas as coisas de sua vida. E nela encontra a força para caminhar e não
desanimar na luta!
Esta presença tão forte da Bíblia na vida das comunidades revela que
ela é como luz que faz enxergar melhor a vida, é como força que faz agir
melhor e é como autoridade que faz decidir melhor.
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Na Leitura Orante da Bíblia, apesar das diferenças próprias de cada
comunidade, existe um método, cujas características básicas são comuns a
todos, o qual podemos aprender. Um método é muito mais do que só umas
técnicas e dinâmicas. É uma atitude que se toma frente ao texto da Bíblia e
frente à própria vida. Este método é muito simples: 1. Vamos ler a Bíblia a
partir da nossa luta e da nossa realidade; 2. Esta leitura, antes de tudo, é
uma leitura comunitária, uma prática orante, um ato de fé; 3. Esta leitura
deve ser obediente, isto é, respeitando o texto e se colocando à escuta do
que Deus tem a dizer, dispostos a mudar se Ele assim o exigir.
A Leitura Orante não é apenas um exercício de leitura que retoma ou
reinterpreta algumas palavras do passado, mas tem a ver com o próprio
processo de crescimento e libertação de um povo e com a sua caminhada
através da história. A Leitura Orante ajuda a realizar a obrigação que temos
de captar e experimentar a novidade de Deus presente na história humana,
verbalizá-la e transformá-la em Boa-Nova para o povo e, por último,
encarná-la e expressá-la em novas formas de vida de tal maneira que, por
meio dela, o povo possa perceber, novamente, o seu alcance para a vida e
despertar para a sua missão.
A Leitura Orante da Bíblia é, assim, como a velha árvore do fundo do
quintal que nunca envelhece, pois, todo ano, fornece frutos novos! Nova
experiência de Deus, nova leitura do passado, nova consciência da
realidade: são os três pólos, inseparavelmente unidos entre si, que geraram
e continuam gerando a (re)-leitura das palavras sagradas que nos vêm do
passado. É isto o que nos propomos nas páginas seguintes: vivência
comunitária, onde se experimenta Deus de maneira nova, fidelidade ao
texto bíblico que representa a tradição e o passado, e atenção aos problemas
da realidade. E é isto o que desejamos. (LEC)
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I - AS VÁRIAS MANEIRAS DE SE OLHAR
E LER A BÍBLIA

O que está na Bíblia não está só na Bíblia. Está também na vida de todos
os que procuram viver na fidelidade à Palavra. Abrindo a Bíblia nós não
abrimos um livro estranho, mas sim um livro que fala de nós mesmos, de
nossa vida, da nossa caminhada e da nossa luta. Na Leitura Orante da
Bíblia, vamos olhar para o que é nosso, “escrito para nós” (1Cor 10,11).
Vamos descobrir, com a ajuda da Bíblia, que a Palavra de Deus está na
nossa vida, na nossa história, na história de nosso povo.

Olhando de longe, a Bíblia parece uma parede imensa, onde cada tijolo
contribui a seu modo para fazer aparecer o desenho do projeto de Deus.
Apesar de enorme, feito de muitos tijolos, de muitos textos e livros, o
desenho tem uma grande unidade. De ponta a ponta, transparecem nele os
traços de um rosto. É o rosto do próprio Deus com os traços humanos de
Jesus Cristo. É Jesus que, de maneira discreta, dá unidade a todas as partes
da Bíblia.

Olhando mais de perto, nós percebemos o que de longe não aparece.


Cada tijolo é diferente do outro no tamanho, na forma, no peso, no valor, na
época e no material de fabricação. Cada livro da Bíblia é diferente do outro
no gênero literário, na língua, no autor ou autora, no assunto, na época e
lugar em que foi escrito, no objetivo, no destinatário, na mensagem. Do
ponto de vista literário, a Bíblia tem uma variedade imensa. E a gente se
admira ao ver como uma variedade tão grande consegue construir uma
unidade tão forte e tão bonita.

Olhando bem de perto, nós percebemos o incrível: cada tijolo, além de


contribuir para o grande desenho do Projeto de Deus, tem o seu próprio
desenho: e o desenho pequeno de cada tijolo nem sempre combina com o
grande desenho do Projeto de Deus. Os tijolos falam de outras lutas e
outras histórias; revelam conflitos e situações que não aparecem no grande
desenho. Parece uma confusão muito grande. Maior, porém, é a admiração!
Tudo isto mostra que a Palavra de Deus se encarnou realmente em palavras
humanas. Tornou-se igual à nossa palavra em tudo, menos no erro e na
mentira. A ação do Espírito Santo, que faz com que a Bíblia seja Palavra de
Deus, não passa pelos distantes fios de alta tensão, mas sim pela fiação da
rede doméstica, embutida na parede dos conflitos, das contradições e das
confusões da vida humana. Por maior que possa parecer a contradição
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interna das várias partes da Bíblia, ela não destrói a unidade do Projeto de
Deus nem nega a inspiração divina da Sagrada Escritura. Pelo contrário,
revela o seu verdadeiro alcance!

Olhando novamente de longe, revendo tudo, nós descobrimos que não


se trata de uma parece isolada, mas da parede de uma casa. E por incrível
que pareça, é a parede da casa em que nós estamos morando. É de nossa
casa! Olhando a Bíblia, estamos olhando para a nossa própria casa, olhando
para o que é nosso.

É deste modo que vamos olhar a Bíblia. Vamos olhar para o que é
nosso. Às vezes, de longe, outras vezes mais de perto, outras bem de perto.
Ou seja, o estudo terá três níveis, misturados entre si: literário (ver de perto
o texto), histórico (olhar a situação do povo) e teológico (escutar a
mensagem de Deus). Mas qualquer que seja o olhar ou o nível, ele terá
sempre o mesmo objetivo: descobrir que a palavra da Bíblia já estava
pintada na parede da casa em que moramos. Queira Deus que essa
descoberta produza em nós muita satisfação e alegria.
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II. OS CRITÉRIOS DA LEITURA ORANTE DA BÍBLIA

Não basta a razão para descobrir todo o sentido da Bíblia. Segundo o


Documento Dei Verbum do Concílio Vaticano II: “a Sagrada Escritura
também deve ser lida e interpretada naquele mesmo Espírito em que foi
escrita” e que “para captar bem o sentido dos textos sagrados, deve-se
atender com não menor diligência ao conteúdo e à unidade de toda a
Escritura, levada em conta a Tradição viva de Igreja toda e a analogia da
fé” (DV 12). Estes critérios permitem descobrir o sentido pleno da Bíblia,
impedir que o seu sentido seja manipulado e evitar que o texto seja isolado
do seu contexto de origem que o gerou, da tradição que o transmite e da
vida atual da Igreja a que deve servir.
Aqui, vamos dar uma atenção maior a uma parte da “Tradição viva de
toda a Igreja” e veremos o que a prática secular da Leitura Orante da Bíblia
nos tem a dizer. Além disso, um subsídio – Visão Global da Bíblia – nos
ajudará a perceber a importância “do conteúdo e da unidade de toda a
Escritura”. Nos subsídios apresentados, abordaremos mais de perto os
outros critérios recomendados pelo documento Dei Verbum.

A Leitura Orante da Bíblia é o coração da vida religiosa do cristão.


Existe uma leitura da Bíblia que começa a ser feita pelas nossas
Comunidades. Algumas características dessa leitura: 1. Levar, para dentro
da Bíblia, os problemas da nossa vida. Ler a Bíblia a partir da nossa luta e
da nossa realidade; 2. A leitura é feita em Comunidade. É, antes de tudo,
uma atividade comunitária, uma prática orante, um ato de fé; 3. Uma leitura
obediente, respeitando o texto e se colocando à escuta do que Deus tem a
dizer, dispostos a mudar se Ele o exigir.
Esta prática tão simples é profundamente fiel à prática da mais antiga
Tradição da Igreja. Por isso mesmo, através dela, o Espírito de Deus chama
nossa atenção para alguns elementos importantes e indispensáveis da leitura
cristã da Bíblia, que nós tínhamos esquecido ou negligenciado: partir da
realidade de hoje e criar um ambiente comunitário e orante de fé.
Os três critérios — REALIDADE, COMUNIDADE, TEXTO — são
três ângulos específicos, cada um com características próprias. Ao se fazer
a leitura, esses três critérios se articulam entre si em vista do mesmo
objetivo: escutar Deus hoje.
Esses três critérios constituem a mística da leitura da Bíblia que
estaremos aprendendo neste curso. Eles dão unidade ao plano todo,
unificam os grupos que dele participam ou vierem a participar e nos
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colocam no coração da Tradição da Igreja, marcada pela prática secular da
Leitura Orante da Bíblia.
A Leitura Orante indica a prática de leitura que vamos fazer da Bíblia
para alimentar a nossa fé, a nossa esperança, o nosso amor e o nosso
compromisso.
A Leitura Orante da Bíblia, sempre foi a espinha dorsal da Vida
Religiosa Cristã, desde os seus mais remotos inícios, já no tempo do
monaquismo. Ela sempre reaparece quando se procura ler a Bíblia com
fidelidade. Reapareceu nestes últimos anos, sem rótulo e sem nome,
principalmente aqui na América Latina, no meio das Comunidades que
recomeçaram a ler a Bíblia. Com a prática da Leitura Orante da Bíblia,
aproximamo-nos dessa fonte inesgotável do passado que, no presente, está
gerando e irrigando a vida nova das nossas Comunidades.
Depois de umas breves informações históricas e algumas considerações
gerais, vamos analisar de perto os quatro degraus da Leitura Orante: a
leitura, a meditação, a oração, a contemplação. São os quatro passos da
leitura da Bíblia, tanto individual como comunitária. São, também, e
sobretudo, quatro atitudes permanentes que devemos ter diante da Palavra
de Deus. Vamos ver em que consistem e como, quando articulados entre si,
formam o método da Leitura Orante da Bíblia.
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III. UM POUCO DE HISTÓRIA

Na sua origem, a Leitura Orante (Lectio Divina) nada mais era do que a
leitura que os cristãos faziam da Bíblia para alimentar sua fé, esperança e
amor e animar assim a sua caminhada. A Leitura Orante é tão antiga quanto
a própria Igreja, que vive da Palavra de Deus e dela depende como a água
da sua fonte (DV 7.10.21). Prolonga, assim, uma tradição das comunidades
dos pobres (anawim) do Antigo Testamento.
A Leitura Orante é a leitura crente da Palavra de Deus, feita a partir da
fé em Jesus, que disse: “O Espírito vos recordará tudo o que eu disse e vos
introduzirá na verdade plena” (Jo 14,26;16,13). O Novo Testamento, por
exemplo, é o resultado da leitura que os primeiros cristãos faziam do
Antigo Testamento à luz dos seus problemas e à luz da nova revelação que
Deus fez de si através da ressurreição de Jesus, vivo no meio da
comunidade. No decorrer dos séculos, esta leitura crente e orante da Bíblia
alimentou a Igreja, as comunidades, os cristãos. Inicialmente, não era uma
leitura organizada e metódica, mas era a própria Tradição que se transmitia,
de geração em geração, através da prática do povo cristão.
A expressão Lectio Divina (Leitura Orante) vem de Orígenes. Ele diz
que, para ler a Bíblia com proveito, é necessário um esforço de atenção e de
assiduidade: “Cada dia de novo, como Rebeca, temos de voltar à fonte da
Escritura!” E o que não se consegue com o próprio esforço, assim diz ele,
deve ser pedido na oração, “pois é absolutamente necessário rezar para
poder compreender as coisas divinas”. Deste modo, assim ele concluiu,
chegaremos a experimentar o que esperamos e meditamos. Nestas reflexões
de Orígenes, temos um resumo do que vem a ser a Lectio Divina (Leitura
Orante). A Lectio Divina (Leitura Orante) tornou-se a espinha dorsal da
Vida Religiosa, como já dissemos. Em torno da Palavra de Deus, ouvida,
meditada e rezada, surgiu e se organizou o monaquismo do deserto. As
sucessivas reformas e transformações da Vida Religiosa sempre retomavam
a Leitura Orante como a sua marca registrada. As regras monásticas de
Pacômio, Agostinho, Basílio e Bento fazem da leitura da Bíblia, junto com
o trabalho manual e a liturgia, a tríplice base da Vida Religiosa.
A sistematização da Lectio Divina em quatro degraus veio só no século
XII. Por volta do ano 1150, Guigo, um monge cartuxo, escreveu um
livrinho chamado A Escada dos Monges. Na introdução, antes de expor a
teoria dos quatro degraus, ele se dirige ao “caro irmão Gervásio” e diz:
“Resolvi partilhar com você algumas das minhas reflexões sobre a vida
espiritual dos monges. Pois você conhece esta vida por experiência,
enquanto eu só a conheço por estudo teórico. Assim, você poderá ser juiz e
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corretor das minhas considerações”. Guigo quer que a teoria da Lectio
Divina seja avaliada e corrigida a partir da experiência e da prática dos
irmãos.
Em seguida, ele introduz os quatro degraus: “Certo dia, durante o
trabalho manual, quando estava refletindo sobre a atividade do espírito
humano, de repente se apresentou à minha mente a escada dos quatro
degraus espirituais: a leitura, a meditação, a oração, a contemplação. Essa é
a escada dos monges, pela qual eles sobem da terra ao céu. É verdade, a
escada tem poucos degraus, mas ela é de uma altura tão imensa e
inacreditável que, enquanto a sua extremidade inferior se apóia na terra, a
parte superior penetra nas nuvens e investiga os segredos do céu”. Depois
disto, Guigo mostra como cada um desses degraus tem a propriedade de
produzir algum efeito específico no leitor da Bíblia. Em seguida, ele
resume tudo: “A leitura é o estudo assíduo das Escrituras, feito com
espírito atento. A meditação é uma diligente atividade da mente que, com a
ajuda da própria razão, procura o conhecimento da verdade oculta. A
oração é o impulso fervoroso do coração para Deus, pedindo que afaste os
males e conceda as coisas boas. A contemplação é uma elevação da mente
sobre si mesma que, suspensa em Deus, saboreia as alegrias da doçura
eterna”. Nesta descrição dos quatro degraus, Guigo sintetiza a tradição que
vinha de longe e a transforma em instrumento de leitura para servir de
instrução aos jovens que se iniciavam na vida monástica.
No século XIII, os Mendicantes tentaram criar um novo tipo de Vida
Religiosa, mais inserida no meio dos “Menores” (pobres). Eles fizeram da
Lectio Divina a fonte inspiradora do seu movimento renovador, como
transparece claramente na vida e nos escritos dos primeiros franciscanos,
dominicanos, servitas, carmelitas e outros mendicantes. Através da sua vida
inserida, souberam colocar a Lectio Divina a serviço do povo pobre e
marginalizado daquela época. Houve, em seguida, um longo período em
que a Leitura Orante (Lectio Divina) ficou praticamente esquecida. A
leitura da Bíblia não era mais fomentada, nem mesmo nos Conventos e
Mosteiros. Foi o infeliz efeito da Contra-Reforma na vida da Igreja.
Insistia-se muito mais na leitura espiritual. O medo do protestantismo fez
perder o contato com a fonte! O Concílio Vaticano II, porém, retomou a
antiga tradição e, no seu documento Dei Verbum, recomenda com grande
insistência a Lectio Divina (Leitura Orante) (DV 25). Ela reapareceu, de
maneira nova, sem rótulo e sem nome, no meio das comunidades, onde as
pessoas recomeçaram a leitura da Palavra de Deus, sendo cultivada e
estudada, explicitamente, por leigos e religiosos.
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IV. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE
A LEITURA ORANTE DA BÍBLIA

Pela Leitura Orante, procuramos atingir o que diz a Bíblia: “A Palavra


está muito perto de ti: na tua boca e no teu coração, para que a ponhas em
prática” (Dt 30,14). Na boca, pela leitura; no coração, pela meditação e pela
oração; na prática, pela contemplação. O objetivo da Leitura Orante é o
objetivo da própria Bíblia: “Comunicar a sabedoria que leva à salvação pela
fé em Jesus Cristo” (2Tm 3,15); “instruir, refutar, corrigir, formar na justiça
e, assim, qualificar o homem de Deus para toda a boa obra“ (2Tm 3,16-17);
“proporcionar perseverança, consolo e esperança” (Rm 15,4); ajudar-nos a
aprender dos erros dos antepassados (cf. 1Cor 10,6-10).

A Leitura Orante supõe alguns princípios, sempre presentes na leitura


cristã da Bíblia:

1. A unidade da Escritura. A Bíblia é uma grande unidade, onde cada


livro, cada frase têm o seu lugar e a sua função para nos revelar o Projeto
de Deus. As suas várias partes são como tijolos numa grande parede: juntos
formam o desenho do Projeto de Deus. O princípio da Unidade da Escritura
proíbe isolar os textos, arrancá-los de seu contexto e repeti-los como
verdades isoladas e absolutas. Um tijolo só não faz a parede. Um traço só
não faz o desenho. A Bíblia não é um caminhão de tijolos, mas uma casa
onde se pode morar.

2. A atualidade ou encarnação da Palavra. Nós cristãos, quando lemos


a Bíblia, não podemos esquecer a vida, mas devemos carregá-la conosco,
dentro de nós. Tendo a vida diante dos olhos, descobrimos na Bíblia o
reflexo daquilo que nós mesmos estamos vivendo. A Bíblia torna-se assim
o espelho do que se passa na vida e no coração de todos. Descobrimos que
a Palavra de Deus se encarna não só naquelas épocas do passado, mas
também hoje, para poder estar conosco e ajudar-nos a enfrentar os
problemas e a realizar as esperanças: “Oxalá ouvíssemos hoje a sua voz!”
(Sl 95,7).

3. A fé em Jesus Cristo, vivo na Comunidade. Lemos a Bíblia a partir da


nossa fé em Jesus Cristo, vivo no meio de nós. Jesus é a chave principal da
leitura que fazemos. A fé em Jesus ajuda a entender melhor a Bíblia, e a
Bíblia ajuda a entender melhor o significado de Jesus para a vida. A leitura
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feita em comunidade faz com que Bíblia, Tradição e Vida formem uma
unidade viva.

A Leitura Orante teve um início bem simples, com métodos


elementares à altura do povo: 1. ler e reler, cada vez mais, até conhecer
bem o que está escrito; 2. repetir de memória, com a boca, o que foi lido e
compreendido e ruminá-lo até que, da boca e da cabeça, passe para o
coração e entre no ritmo da própria vida; 3. responder a Deus na oração e
pedir que nos ajude a praticar o que a sua Palavra nos pede; 4. o resultado é
uma nova luz nos olhos que permite saborear a Palavra e enxergar o mundo
de maneira nova. Com essa luz nos olhos, começa-se, novamente, a ler, a
repetir, a responder a Deus, e assim por diante... Um processo que não
termina nunca, sempre volta, mas que nunca se repete tal qual.

Uma última consideração sobre o alcance e o objetivo da Leitura


Orante. Uma palavra é, antes de tudo, um meio de transmitir uma idéia.
As palavras, tanto as nossas como as da Bíblia, dirigem-se, em primeiro
lugar, à razão, que pode captar as idéias. Mas uma palavra não é só veículo
de idéias. Tem também outras dimensões. Por exemplo, ela possui uma
força poética (no sentido literal: poesia vem do grego “poiein”, fazer). Não
só diz, mas também faz! Faz o que diz! Ora, no estudo que nós fazemos da
Bíblia, geralmente só nos preocupamos em descobrir a idéia, a mensagem
da Palavra de Deus. Veremos que a Leitura Orante procura atingir e ativar
também as outras dimensões. Ela é mais completa. O seu resultado é mais
amplo.
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V. OS QUATRO DEGRAUS DA LEITURA
ORANTE DA BÍBLIA

Os quatro degraus da Leitura Orante são: leitura, meditação, oração e


contemplação. Nem sempre é fácil distinguir um do outro. Por exemplo, o
que alguns autores afirmam da leitura, outros o atribuem à meditação, e
assim por diante. A causa desta falta de clareza está na própria natureza da
Leitura Orante. Trata-se de um processo dinâmico de leitura, em que as
várias etapas nascem uma da outra. É como a passagem da noite para o dia.
Na hora de amanhecer, alguns dizem: “É noite ainda!” Outros dizem: “O
dia já chegou!” Além disso, trata-se de quatro atitudes permanentes. A
atitude da leitura, por exemplo, continua também durante a meditação. As
quatro atitudes existem e atuam, juntas, durante todo o processo da Leitura
Orante, embora em intensidade diferente conforme o degrau em que a
pessoa ou a comunidade se encontra. O importante, nesta nossa reflexão, é
que apareçam as características principais de cada uma dessas quatro
atitudes que, juntas, integram a Leitura Orante.

1. A leitura: conhecer, respeitar, situar

A leitura é o primeiro passo para se conhecer e amar a Palavra de Deus.


Não se ama o que não se conhece. É também o primeiro passo do processo
da apropriação da Palavra: ler, ler, ler! Ler muito para familiarizar-se com a
Bíblia; para que ela se torne nossa palavra, capaz de expressar nossa vida e
nossa história, pois ela “foi escrita para nós que tocamos o fim dos tempos”
(1Cor 10,11). Esse processo de reapropriação da Palavra já está em
andamento nas Comunidades.
A leitura é uma atividade bastante elementar: ler, pronunciar bem as
palavras, se possível em voz alta. Este primeiro passo é muito importante e
muito exigente. Não pode ser feito de maneira superficial. Para muitos, a
Bíblia é o meio principal de alfabetização e funciona como gramática.
Pela leitura freqüentamos a Bíblia como se freqüenta um amigo. Há
uma semelhança muito grande entre a maneira de se conviver com o povo e
com a Bíblia. Os dois exigem o máximo de atenção, respeito, amizade,
entrega, silêncio, escuta. Os dois, tanto o povo como a Bíblia, não se
defendem logo, quando são agredidos ou manipulados, mas os dois acabam
vencendo o agressor pelo cansaço. A leitura da Bíblia ajuda a criar em nós
os olhos certos para ler a vida do povo e vice-versa.
A leitura, assim como a convivência com o povo, não pode depender do
gosto do momento, mas exige da pessoa uma determinação constante e
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contínua. A leitura deve ser perseverante e diária. Exige ascese e disciplina.
Não pode ser interesseira, mas deve ser desinteressada, gratuita, em vista
do Reino e do bem do povo.
A leitura é ponto de partida, não é ponto de chegada. Faz o leitor pisar
no chão. Prepara o leitor e o texto para o diálogo da meditação. Para que a
meditação não seja fruto de uma fantasia irreal, mas tenha fundamento no
texto e na realidade, é necessário que a leitura se faça com critério e
atenção. “Estudo assíduo, feito com espírito atento”, dizia Guigo. Através
de um estudo imparcial, a leitura impede que o texto seja manipulado e
reduzido ao tamanho da nossa idéia, e faz com que ele possa ser parceiro
autônomo no nosso diálogo com Deus, pois ela estabelece o sentido que o
texto tem em si, independente de nós. Assim, a leitura cria no leitor uma
atitude crítica, criteriosa e respeitosa diante da Bíblia. É aqui, na leitura,
que entra a contribuição da exegese para o bom andamento da Leitura
Orante.
A leitura, entendida como estudo crítico, ajuda o leitor a analisar o texto
e a situá-lo em seu contexto de origem. Esse estudo tem três níveis:
a) Literário: aproximar-se do texto e, através de perguntas bem simples,
analisar o seu tecido: quem? o quê? onde? por quê? quando? como? com
que meios? como o texto se situa dentro do contexto literário do livro de
que faz parte?
b) Histórico: através do estudo do texto, atingir o contexto histórico em
que surgiu o texto ou em que se deu o fato narrado pelo texto, e analisar a
situação histórica em dimensões como: econômica, social, política,
ideológica, afetiva, antropológica e outras. Trata-se de descobrir os
conflitos que estão na origem do texto ou nele se refletem para, assim,
perceber melhor a encarnação da Palavra de Deus na realidade conflitiva da
história humana, tanto deles como nossa.
c) Teológico: descobrir, através da leitura do texto, o que Deus tinha a
dizer ao povo naquela situação histórica; o que Deus significava para
aquele povo; como Ele se revelava; como o povo assumia e celebrava a
Palavra do Senhor.
O estudo científico do texto não é o fim da leitura. É apenas um meio
para se chegar ao fim. A intensidade do uso da exegese na Leitura Orante
depende não do exegeta, mas das exigências e circunstâncias dos leitores.
Para um tipo de parede usa-se uma broca mais resistente do que para outro.
Mas o objetivo é o mesmo: furar a parede. Não se usa broca de mármore
para furar parede de papelão! O objetivo da leitura é este: furar a parede da
distância entre o ontem do texto e o hoje da nossa vida, a fim de poder
iniciar o diálogo com Deus na meditação. Qual a broca que fura essa
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parede? De um lado, é “o estudo assíduo, feito com espírito atento”
(Guigo). De outro, é “a própria experiência da vida” (Cassiano). Paulo VI
dizia que se deve “procurar uma certa conaturalidade entre os interesses
atuais (hoje) e o assunto do texto (ontem), para que se possa estar disposto
a ouvi-lo (diálogo)”. Com outras palavras, a broca é esta: aprofundar tanto
o texto de ontem quanto a nossa experiência de hoje! Às vezes, a Leitura
Orante não traz resultado e o texto não fala, não por falta de estudo do
texto, mas sim por falta de aprofundamento crítico da nossa própria
experiência de vida, hoje, aqui.
A leitura, quando bem-feita, ajuda a superar o fundamentalismo.
Quando malfeita, faz só aumentá-lo. O fundamentalismo é uma grande
tentação que se instalou na mente de muita gente. Ele separa o texto do
resto da vida e da história do povo e o absolutiza como a única
manifestação da Palavra de Deus. A vida, a história do povo, a
comunidade, já não teriam mais nada a dizer sobre Deus e a sua Vontade. O
fundamentalismo anula a ação da Palavra de Deus na vida. É a ausência
total de consciência crítica. Ele distorce o sentido da Bíblia e alimenta o
moralismo, o individualismo e o espiritualismo na interpretação dela. É
uma visão alienada que agrada aos opressores do povo, pois ela impede que
os oprimidos tomem consciência da iniqüidade do sistema montado e
mantido pelos poderosos. Superar o fundamentalismo só é possível à
medida que, através da leitura, o leitor consiga ver o texto dentro do seu
contexto de origem e, ao mesmo tempo, perceber nele o reflexo da situação
humana, tão conflitiva, confusa e controvertida, que hoje vivemos.
Qual o momento de se passar da leitura para a meditação? É difícil
precisar o momento exato em que a natureza passa da primavera para o
verão. É diferente, a cada ano, em cada país. Mas existem alguns critérios.
O objetivo da leitura é ler e estudar o texto até que ele, sem deixar de ser
ele mesmo, se torne espelho de nós mesmos e nos reflita algo da nossa
própria experiência de vida. A leitura deve familiarizar-nos com o texto a
ponto de ele se tornar nossa palavra. Cassiano dizia: “Penetrados dos
mesmos sentimentos em que foi escrito o texto, nos tornamos, por assim
dizer, os seus autores”. E aí, como que de repente, nos damos conta de que,
por meio dele, Deus está querendo falar conosco e nos dizer alguma coisa.
Nesse instante, dobramos a cabeça, fazemos silêncio e abrimos o ouvido:
“Vou ouvir o que o Senhor nos tem a dizer!” (Sl 85,9). É nesse momento
que a leitura se transforma em meditação e que se passa para o segundo
degrau da Leitura Orante.
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2. A meditação: ruminar, dialogar, atualizar

A leitura respondeu à pergunta: “O que diz o texto?” A meditação vai


responder à pergunta: “O que diz o texto para mim, para nós?” A questão
central que se coloca daqui para a frente é esta: o que é que Deus, através
desse texto, tem a dizer hoje, aqui, para nós? A meditação indica o esforço
que se faz para atualizar o texto e trazê-lo para dentro do horizonte da
nossa vida e realidade, tanto pessoal como social. O texto que foi escrito
para nós deve falar para nós. Dentro da dinâmica da Leitura Orante, a
meditação ocupa um lugar central.
Guigo dizia: “A meditação é uma diligente atividade da mente que, com
a ajuda da própria razão, procura o conhecimento da verdade oculta”. Qual
é esta verdade oculta? Através da leitura descobrimos como o texto se
situava no contexto daquela época, qual a posição que tomava nos
conflitos, qual a mensagem que tinha para o povo. De lá para cá a situação
mudou, o contexto é outro, os conflitos são diferentes. No entanto, a fé nos
diz que esse texto, apesar de ser de outra época e de outro contexto, tem
algo a nos dizer hoje. Nele deve existir um valor permanente que quer
produzir no presente a mesma conversão ou mudança que produziu naquele
tempo. Ora, a verdade oculta de que falava Guigo é este valor permanente,
esta mensagem que lá existe para o nosso contexto e que deve ser
descoberta e atualizada pela meditação. Como fazer a meditação?
Uma primeira forma de se realizar a meditação é sugerida pelo próprio
Guigo. Ele manda usar a mente e a razão para poder descobrir a “verdade
oculta”. Entra-se em diálogo com o texto, com Deus, fazendo perguntas
que obrigam a usar a razão e que procuram trazer o texto para dentro do
horizonte da nossa vida. Medita-se refletindo, interrogando: o que há de
semelhante e de diferente entre a situação do texto e a nossa hoje? Quais os
conflitos de ontem que existem hoje? Quais dentre eles são diferentes? O
que a mensagem deste texto diz para a nossa situação? Que mudança de
comportamento ele sugere para mim que vivo na América Latina, no Brasil,
em São Paulo, no ABC, em Santo André? E para nós, cristãos, católicos,
em que ponto nos condena? O que ele quer fazer crescer em mim, em nós?
etc.
Outra maneira de se fazer a meditação é repetir o texto, ruminá-lo,
mastigá-lo até descobrir o que ele tem a nos dizer. É o que Maria fazia
quando ruminava as coisas em seu coração (Lc 2,19.51). É o que
recomenda o salmo ao justo: “Meditar dia e noite na lei do Senhor” (Sl
1,2). É o que Isaías define com tanta precisão: “Sim, Javé, o teu Nome e a
lembrança de Ti resumem todo o desejo da nossa alma” (Is 26,8). Após ter
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feito a leitura e ter descoberto o seu sentido para nós é bom procurar
resumir tudo numa frase, de preferência do próprio texto bíblico, para ser
levada conosco na memória e ser repetida e mastigada durante o dia, até se
misturar com o nosso próprio ser. Através dessa ruminação, nós nos
colocamos sob o julgamento da Palavra de Deus e deixamos que ela nos
penetre, como espada de dois gumes (Hb 4,12), pois água mole em pedra
dura tanto bate até que fura! “Ela vai julgando as disposições e intenções do
coração. E não há criatura oculta à sua presença. Tudo está nu e descoberto
aos olhos daquele a quem devemos prestar contas” (Hb 4,12-13). Nós,
muitas vezes, nos escondemos atrás de máscaras e ídolos, ideologias e
convenções, doutrinas repetidas e tradições humanas (cf. Mc 7,8-13). Pela
meditação ou ruminação, a Palavra de Deus vai entrando aos poucos, vai
tirando as máscaras, vai revelando e quebrando a alienação em que
vivemos, devolvendo-nos a nós mesmos, para que nos tornemos uma
expressão viva da palavra ouvida, meditada e ruminada.
Cassiano aponta outro aspecto importante da meditação, como
conseqüência da ruminação. Ele diz: “Instruídos por aquilo que nós
mesmos sentimos, já não percebemos o texto como algo que só ouvimos,
mas sim como algo que experimentamos e tocamos com nossas mãos; não
como uma história estranha e inaudita, mas como algo que damos à luz
desde o mais profundo do nosso coração, como se fossem sentimentos que
formam parte do nosso próprio ser. Repitamo-lo: não é a leitura que nos faz
penetrar no sentido das palavras, mas sim a própria experiência nossa
adquirida anteriormente na vida de cada dia”. Aqui já nem parece haver
diferença entre Bíblia e vida, entre a Palavra de Deus e a nossa palavra.
Ora, conforme Cassiano, é nesta quase identificação nossa com a Palavra
da Bíblia que está o segredo da percepção do sentido que a Bíblia tem para
nós. Cassiano diz que a percepção do sentido do texto não vem do estudo,
mas da experiência que nós mesmos temos da vida. O estudo coloca os
fios, a experiência adquirida gera a força, a meditação aperta o botão, faz a
força correr pelos fios e acende a lâmpada do texto. Tanto o fio como a
força, ambos são necessários para que haja luz. A vida ilumina o texto, o
texto ilumina a vida.
A meditação também aprofunda a dimensão pessoal da Palavra de Deus.
Uma palavra tem valor não só pela idéia que comunica, mas também pela
pessoa que a pronuncia e pela maneira como é pronunciada. Na Bíblia,
quem nos dirige a Palavra é Deus, e Ele o faz com muito amor. Uma
palavra de amor desperta forças, libera energias, recria a pessoa. Meditando
a Palavra de Deus, o coração humano se dilata até adquirir a dimensão do
próprio Deus, que pronuncia a Palavra. Aqui aparece a dimensão mística da
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Leitura Orante. Um lavrador de Pernambuco dizia: “Fui notando que se a
gente vai deixando a Palavra de Deus entrar dentro da gente, a gente vai se
divinizando. Assim, ela vai tomando conta da gente e a gente não consegue
mais separar o que é de Deus e o que é da gente. Nem sabe muito bem o
que é Palavra dele e palavra da gente. A Bíblia fez isso em mim!”
Pela leitura se atinge a casca da letra e se tenta atravessá-la para, na
meditação, atingir o fruto do espírito (S.Jerônimo). O Espírito age dentro
da Escritura (2Tm 3,16). Através da meditação ele se comunica a nós, nos
inspira, cria em nós os sentimentos de Jesus Cristo (Fl 2,5), ajuda-nos a
descobrir o sentido pleno das palavras de Jesus (Jo 16,13), faz experimentar
que sem Ele nada podemos fazer (Jo 15,5), ora em nós com gemidos
inefáveis (Rm 8,26) e gera em nós a liberdade (2Cor 3,17). É o mesmo
Espírito que enche a vastidão da terra (Sb 1,7). No passado, ele animava os
Juízes e os Profetas. No presente, ele nos ajuda a descobrir o sentido
profético da história do nosso povo, que se organiza e luta por uma
sociedade mais justa. A meditação nos ajuda a descobrir o sentido
espiritual, isto é, o sentido que o Espírito de Deus quer comunicar hoje à
sua Igreja através do texto da Bíblia.
A meditação é uma atividade pessoal e também comunitária. A partilha
do que cada um sente, descobre e assume no contato com a Palavra de Deus
é muito mais do que só a soma das palavras de cada um. A busca em
comum faz aparecer o sentido eclesial da Bíblia e fortalece em todos o
sentido comum da fé. Por isso é tão importante que a Bíblia seja lida,
meditada, estudada e rezada não só individualmente, mas também e
sobretudo em comum. Pois trata-se do livro de cabeceira da Igreja, da
Comunidade.
Qual o momento de se passar da meditação para a oração? Não é fácil
dizer quando, exatamente, uma pessoa passa da juventude para a idade
adulta. Mas existem alguns critérios. A meditação atualiza o sentido do
texto até ficar claro o que Deus está pedindo de nós, que vivemos aqui na
América Latina. Ora, quando fica claro que Deus pede, está chegando o
momento de se perguntar: “E agora, o que vou dizer a Deus? Assumo ou
não assumo?” Quando fica claro o que Deus pede, fica clara também a
nossa incapacidade e a nossa falta de recursos. É o momento da súplica:
“Senhor, levanta-te! Socorre-nos” (Sl 44,27). Quando fica claro que Deus
nos interpela através do irmão explorado e necessitado e que Ele ouve o
grito dos pobres, está chegando o momento de unir nossa voz ao grito dos
pobres, para que Deus, finalmente, ouça o seu grito e venha libertar o seu
povo. Com outras palavras, a meditação é semente de oração. Basta
praticá-la e ela, por si mesma, se transforma em oração.
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3. A oração: suplicar, louvar, recitar

A atitude de oração está presente desde o começo da Leitura Orante.


No início da leitura invoca-se o Espírito Santo. Durante a leitura sempre
aparecem pequenos momentos de oração. A meditação já é quase uma
atitude de oração, pois, por si mesma, se transforma em prece. Mas dentro
da dinâmica da Leitura Orante, apesar de tudo ser regado com oração, deve
haver um momento especial, próprio, para a prece. Esse momento é o
terceiro degrau, o da oração. Através da leitura procuramos descobrir: “O
que o texto diz?” A meditação aplica a leitura à nossa vida: “O que o texto
diz para mim, para nós?” Até agora, era Deus quem falava. Chegou o
momento da oração propriamente dita: “O que o texto me faz dizer, nos faz
dizer a Deus?”
A atitude de oração diante da Palavra de Deus deve ser como aquela de
Maria, que disse: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). A
palavra que Maria ouviu não era uma palavra da Bíblia, mas sim uma
palavra percebida nos fatos da vida, por ocasião da visita do anjo. Maria foi
capaz de percebê-la, porque a ruminação (cf. Lc 2,19.51) tinha purificado o
seu olhar e o seu coração. Os puros de coração percebem a ação de Deus
nos fatos (cf. Mt 5,8). Rezando e cantando (cf. Lc 1,46-56), eles a
encarnam na vida. Essa atitude de oração deve ser realista e não ingênua, o
que se alcança pela leitura. Deve nascer da experiência do nosso nada e dos
problemas reais da vida, o que se alcança pela meditação. Deve tornar-se
uma atitude permanente de vida, o que se alcança na contemplação.
A oração, provocada pela meditação, inicia por uma atitude de
admiração silenciosa e da adoração ao Senhor. A partir daí brota a nossa
resposta à Palavra de Deus. Desde os tempos do Novo Testamento, os
cristãos descobriram que nós não sabemos rezar como convém. É o próprio
Espírito que ora em nós (Rm 8,26). Quem melhor fala a Deus é o próprio
Deus. Por isso, a oração dos Salmos ainda é a melhor oração. O próprio
Jesus usou freqüentemente os salmos e orações da Bíblia. Ele é o grande
cantor dos Salmos (Sto. Agostinho). Com Ele e nEle, os cristãos prolongam
a Leitura Orante pela oração pessoal, pela oração litúrgica e pelas preces da
Igreja.
Nesta grande comunhão eclesial é importante que a Palavra de Deus
suscite em nós, cristãos, uma intensa vida de oração individual.
Dependendo do que se ouviu da parte de Deus na leitura e na meditação, a
resposta pode ser de louvor ou de ação de graças, de súplica ou de perdão,
pode ser até de revolta ou de imprecação, como o foi a resposta de Jó, de
Jeremias e de tantos Salmos. Como na meditação, é importante que esta
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oração espontânea não seja só individual, mas também tenha sua expressão
comunitária, em forma de partilha.
A oração, provocada pela meditação, também pode ser recitação de
preces já existentes. Neste ponto o Ofício Divino presta uma grande ajuda.
Ele espalha a leitura através das horas do dia. Infelizmente, a Liturgia das
Horas que, nos primeiros séculos, alimentava a oração pessoal do Povo de
Deus ficou restrita aos monges e clérigos. O monge ouvia a Palavra,
memorizava-a e a levava consigo para ruminá-la nos intervalos, durante o
trabalho manual. Além disso, uma das primeiras tarefas do monge, ao
entrar no mosteiro, era decorar os salmos para que servissem de porta-voz e
apoio no seu diálogo com Deus.
Hoje em dia, já não podemos repetir o esquema dos antigos monges e
das primeiras comunidades. Os tempos mudaram. Fica, porém, a
inspiração, o modelo e o desafio: decorar algum salmo para as horas de
precisão; carregar consigo alguma frase da Bíblia para ruminá-la ao longo
do dia, nos intervalos, durante o trabalho, no ônibus, no roçado; criar um
esquema de vida, adaptado ao nosso modo de viver, que alcance para nós o
mesmo objetivo.
Além do que já vimos, a Leitura Orante procura acentuar um outro
aspecto muito importante da oração, a saber, a sua ligação bem concreta
com a vida, com a caminhada e a luta do povo. É um assunto delicado e
difícil, que exige uma breve reflexão para situá-lo.
A Palavra de Deus vale não só pela idéia que transmite, mas também
pela força que comunica. Não só diz, mas também faz. Um exemplo
concreto é o sacramento: a palavra “Isto é o meu corpo!” faz o que diz. Na
Criação, Deus fala e as coisas começam a existir (Sl 148,5; Gn 1,3). O povo
judeu, muito mais do que nós hoje, tinha sensibilidade para valorizar esses
dois aspectos da palavra e mantê-los unidos. Eles diziam na língua deles:
dabar, o que significava, ao mesmo tempo, palavra e coisa: diz e faz,
anuncia e traz, ensina e anima, ilumina e fortalece, luz e força, Palavra e
Espírito. Ora, a Leitura Orante, que tem suas raízes no povo judeu,
também valoriza os dois aspectos e os mantém unidos. Pela leitura, procura
descobrir a idéia, a mensagem, que a palavra transmite e ensina. Pela
meditação, e sobretudo pela oração, ela cria o espaço onde a palavra faz o
que diz, traz o que anuncia, comunica a sua força e nos revigora para a
caminhada. Os dois aspectos não podem ser separados, pois ambos existem
unidos na unidade de Deus, no seio da Santíssima Trindade. Desde toda a
eternidade, o Pai pronuncia a sua Palavra e coloca nela a força do seu
Espírito. A Palavra se fez carne em Jesus, no qual repousa a plenitude do
Espírito Santo.
22
Infelizmente, na prática pastoral, estes dois aspectos da Palavra estão
separados. De um lado, os movimentos carismáticos; de outro lado, os
movimentos de libertação. Os carismáticos têm muita oração, mas muitas
vezes carecem de visão crítica. Às vezes, não fazem a leitura como deve
ser feita: não situam o texto dentro do seu contexto de origem e, por isso
mesmo, tendem para uma interpretação fundamentalista, moralizante e
individualista da Bíblia. Por isso, a sua meditação e oração, muitas vezes,
carecem de fundamento real no texto e na realidade. Os movimentos de
libertação têm muita consciência crítica, fazem boa leitura mas, às vezes,
carecem de perseverança e de fé, quando se trata de enfrentar situações
humanas que, dentro da análise científica da realidade, em nada contribuem
para a transformação da sociedade. Às vezes, eles têm uma certa
dificuldade para enxergar a utilidade de longas horas gastas em oração sem
resultado imediato. A Leitura Orante, quando bem conduzida nos seus
vários passos, talvez possa ser uma ajuda para corrigir as falhas e
aproximar o que não deveria estar separado.
Finalmente, na oração reflete-se ainda o itinerário pessoal de cada um
no seu caminhar em direção a Deus e no seu esforço de esvaziar-se de si
para dar lugar a Deus, ao irmão, ao pobre, à comunidade. É aqui que se
situam as noites escuras com suas crises e dificuldades, com seus desertos e
tentações, rezadas, meditadas e enfrentadas à luz da Palavra de Deus (Mt
4,1-11).
Qual o momento de se passar da oração para a contemplação? Aqui não
há resposta. A contemplação é o que sobra nos olhos e no coração, depois
que a oração termina. Ela fica para além do caminho da Leitura Orante,
pois é o seu ponto de chegada. Por ser o ponto de chegada é também ponto
de partida de um novo começo de leitura, meditação, oração. A
contemplação é como a fruta da árvore: já estava dentro da semente. Vai
crescendo aos poucos, amadurece lentamente.

4. A contemplação: enxergar, saborear, agir

A contemplação é o último degrau da Leitura Orante. É o seu ponto de


chegada. Cada vez, porém, que se chega ao último degrau, este se torna
patamar para um novo começo. E assim, através de um processo sempre
renovado de leitura, meditação, oração, contemplação, vamos crescendo
na compreensão do sentido e da força da Palavra de Deus. Nunca se
chegará ao ponto de poder dizer: “Agora realizei todo o objetivo da Palavra
de Deus na minha vida!”, pois sempre haverá pela frente um olhar mais
penetrante, uma leitura mais profunda, uma meditação mais exigente, uma
23
oração mais engajada, uma contemplação mais transparente. Até todos os
véus caírem, até que a realidade toda seja transformada e chegue à
plenitude do Reino. Mas, até lá, ainda resta um longo caminho (1Rs 19,7).
A contemplação reúne em si todo o caminho percorrido da Leitura
Orante: até agora, você se colocou diante de Deus, leu e escutou a Palavra,
estudou e descobriu o seu sentido; com ele você se comprometeu e
começou a ruminá-lo para que entrasse na dinâmica da sua própria vida e
passasse da cabeça para o coração; você transformou tudo isto em oração
diante de Deus como projeto para a sua vida; o sal da Palavra desapareceu
na sua vida e lhe deu um novo sabor; o pão da Palavra foi mastigado e lhe
deu força para uma nova ação. Agora, no fim, tendo tudo isto na mente e no
coração, você começa a ter um novo olhar para observar e avaliar a vida, os
fatos, a história, a caminhada das comunidades, a situação do povo na
América Latina, os pobres. É o olhar de Deus sobre o mundo, que assim se
comunica e se esparrama. Este novo olhar é a contemplação. Novo olhar,
nosso sabor, nova ação! Ela envolve todo o ser humano.
Santo Agostinho dizia que, através da leitura da Bíblia, Deus nos
devolve o olhar da contemplação e nos ajuda a decifrar o mundo e a
transformá-lo, para que seja, novamente, uma revelação de Deus, uma
teofania. A contemplação, assim entendida, é o contrário da atitude de
quem se retira do mundo para poder contemplar a Deus. A contemplação
como resultante da Leitura Orante é a atitude de quem mergulha dentro dos
fatos para descobrir e saborear neles a presença ativa e criativa da Palavra
de Deus e, além disso, procura comprometer-se com o processo de
transformação que esta Palavra está provocando dentro da história. A
contemplação não só medita a mensagem, mas também a realiza; não só
ouve, mas coloca em prática. Não separa os dois aspectos: diz e faz; ensina
e anima, é luz e força.
Para os fundamentalistas, a Palavra de Deus está só e unicamente na
Bíblia. O mundo, a vida, a história, tudo isto é antro de perdição. Só se
salva quem aplica a Palavra da Bíblia na sua vida e se afasta do mundo, da
política, da luta do povo, dos problemas do bairro etc. A contemplação
corrige este defeito dos nossos olhos e nos converte. Faz descobrir que não
é Deus que está ausente da realidade. Nós é que não percebemos a sua
presença! Nós é que somos cegos (cf. Is 42,19). A Leitura Orante pinga
um colírio, abre os olhos dos cegos e os faz enxergar. Tira o véu e ajuda a
descobrir o desenrolar do Projeto de Deus dentro da história que hoje
vivemos; a perceber como Cristo, centro de tudo, nos faz passar do nosso
antigo testamento para o Novo Testamento. Faz descobrir o sentido das
coisas, faz comprometer-se com o Reino. Guigo tem várias descrições da
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contemplação. Ele diz: “A leitura busca a doçura da vida bem-aventurada, a
meditação a encontra, a oração a pede e a contemplação a saboreia. A
leitura leva comida sólida à boca, a meditação a mastiga e rumina, a oração
prova o seu gosto e a contemplação é a própria doçura que alegra e recria.
A leitura atinge a casca, a meditação penetra no miolo, a oração formula o
desejo e a contemplação é o gosto da doçura já alcançada”. O que mais
chama a atenção nos escritos de Guigo é a sua insistência em descrever a
contemplação como uma saborosa curtição da doçura que existe na Palavra
de Deus. Na contemplação, ao que tudo indica, a experiência de Deus
suspende tudo, relativiza tudo e, como que por um instante, antecipa algo
da alegria que “Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).
Guigo diz as coisas com palavras do Século XII. Um agricultor disse as
mesmas coisas com as palavras do povo nordestino do século XX:
“Quando eu fui começando essa caminhada aqui na Escola Bíblica, eu fui
vendo e sentindo que a Bíblia não é brincadeira. Que ela muito exige da
gente. Exige que a gente viva o que a gente ouve, lê e vai aprendendo. Aí
eu achei que não ia agüentar a barra. Eu pensei em deixar a Escola Bíblica.
Agüentei mais um pouco e aí fui notando que se a gente vai deixando a
Palavra de Deus entrar dentro da gente, a gente vai se divinizando. Assim,
ela vai tomando conta da gente e a gente não consegue mais separar o que é
de Deus e o que é da gente. Nem sabe muito bem o que é Palavra dele e
palavra da gente. A Bíblia fez isso em mim. Aí eu não consegui deixar a
Escola Bíblica”. Todo o processo da Leitura Orante está nessas palavras.
Está descrito de um jeito a fazer inveja ao próprio Guigo! Saborear a
doçura (exigente) do Senhor e curtir a alegria da sua presença no meio de
nós é o que a gente vê acontecer aqui, na vida desse agricultor. Como ele há
muitos milhares. A contemplação é o que a gente vê acontecer nas
Comunidades. Apesar de toda luta, sofrimento, derrota, enganação,
pobreza, fome, doença, o que mais chama a atenção é a alegria do povo.
Alegria, apesar de tudo! É a promessa de Jesus que se realiza: “Ninguém
vai conseguir tirar a alegria de vocês!” (Jo 16,22). Alegria que nasce de
uma certeza maior: presença certa dos amigos nas horas incertas, presença
certa de Deus em todas as horas. Alegria que nasce da esperança de, um
dia, vencer na luta e de melhorar este mundo: “Nossa alegria é saber que
um dia, todo este se libertará, pois Jesus Cristo é o Senhor do mundo, nossa
esperança realizará!” A contemplação é tudo isto!
A contemplação, como ponto final da escada, é patamar para um novo
começo. É como subir numa torre muito alta. Você alcança o primeiro
patamar por uma escada de três lances: leitura, meditação e oração. Na
janela do primeiro patamar, você descansa e contempla a paisagem. Depois,
25
você continua a subida até o segundo patamar por uma outra escada
também de três lances: leitura, meditação e oração. Na janela do segundo
patamar, você descansa mais um pouco e contempla, de novo, a mesma
paisagem. Ela ficou mais bonita! Dá vontade de subir mais para observá-la
melhor. E assim você vai subindo, sempre mais, num processo que não
termina nunca. Vai lendo sempre a mesma Bíblia, olhando sempre a mesma
paisagem. À medida que sobe, a visão se aprofunda, a paisagem fica mais
ampla, mais real. Você enxerga a sua casa, o seu povoado. Encontra lá no
meio a sua vida, a história de suas andanças. E assim vamos subindo, até
que cheguemos a contemplar Deus face a face (1Cor 13,12) e, em Deus, os
irmãos, a realidade, a paisagem, numa visão completa e definitiva. A
contemplação é tudo isto, e muito mais! “Muita luz, nuvem limpa, pé de
pau florido, e o povo alegre, cantando... Eu acho que é um pedacinho da
ressurreição, mesmo em sonho. A gente acordado não dá pra ver esse
desafogo da ressurreição porque tem sempre as sombras do sofrimento e da
luta... Vai demorar... Mas um dia eu sei que a ressurreição da felicidade,
melhor que o sonho, vai chegar pro povo... Um dia a ressurreição vai baixar
no nosso chão...” Palavras de um pedreiro! Demos graças a Deus!
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VI. COMO FAZER A LEITURA ORANTE DA BÍBLIA
HOJE?

O método que vamos seguir na Leitura Orante da Bíblia é muito mais


do que só uma questão de técnicas e dinâmicas. O método exprime, articula
e transmite uma determinada visão da Bíblia e da revelação. Não é qualquer
método que serve. Um bom método nunca pode perder de vista o objetivo a
que deve servir. O objetivo último da Leitura Orante da Bíblia, é sempre o
mesmo: com a ajuda da Bíblia, descobrir, assumir e celebrar a Palavra de
Deus que existe em nossa vida hoje. “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz!” (Sl
95,7).

A prática secular da Leitura Orante mostra que, para se poder atingir


este objetivo, são necessários dois movimentos simultâneos: um de hoje
para ontem, e outro de ontem para hoje. O de hoje para ontem procura
investigar o sentido literal, a letra, a história, até atingir o chão comum da
problemática humana. Neste primeiro movimento usam-se os critérios da
razão e da ciência. A exegese presta aqui uma grande ajuda. O movimento
de ontem para hoje procura descobrir o sentido espiritual, o Espírito, a
mensagem, a dimensão teologal, isto é, aquilo que Deus nos tem a dizer
hoje por meio daquele texto de ontem. Neste segundo movimento usam-se
os critérios da fé. O ambiente de oração presta aqui uma grande ajuda e
favorece a descoberta do sentido espiritual. Letra e Espírito: esses dois
movimentos são como corpo e alma. A interpretação não acontece sem os
dois.

Esses dois movimentos estarão bem presentes na Leitura Orante, do


começo ao fim. O movimento de hoje para ontem aí se faz sobretudo
através da leitura e da meditação. O movimento de ontem para hoje se faz
sobretudo através da meditação e da oração. A contemplação é o resultado
da união dos dois.

A prática ensina, ainda, que esses dois movimentos só são possíveis


quando a leitura parte de três preocupações básicas: a) levar em conta a
realidade humana de hoje com seus problemas e desafios que questionam a
fé e ameaçam a vida; b) ter nos olhos a fé da comunidade que nos faz entrar
em comunhão com o mesmo Deus que, no passado, guiou o seu povo e a
ele se revelou em Jesus Cristo; c) ter um grande respeito pelo texto da
Bíblia, evitando qualquer tipo de manipulação ou redução do seu sentido.
Só assim a leitura possibilita e alimenta o nosso diálogo com Deus.
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A Leitura Orante leva, pois, em conta essas três preocupações: através
da leitura, leva a sério o texto; através da meditação, parte da realidade e
para ela volta; através da oração, mantém viva a fé da comunidade. A
contemplação é o resultado que se obtém quando se é fiel a essas três
preocupações.

Como fazer a Leitura Orante hoje?

O mais fácil seria seguir, simplesmente, os quatro degraus


recomendados por Guigo: leitura, meditação, oração e contemplação. Há,
porém, algumas diferenças fundamentais entre a Lectio Divina sugerida por
Guigo e a Leitura Orante como proposta para os dias de hoje. Através dos
roteiros de estudo sugeridos, notaremos que eles têm como objetivo
orientar a reunião semanal (ou mensal) de um grupo de pessoas (ou
famílias) que convivem, ou não, integradas na mesma comunidade.

Depois, a reunião semanal (ou mensal) tem como finalidade estimular e


orientar as pessoas para que se disponham a uma leitura diária da Bíblia,
que as leve a alimentar a sua vida e a vida da sua comunidade com a luz e a
força libertadoras da Palavra de Deus. Por isso, depois que as pessoas do
grupo tiverem assumido a leitura da Bíblia no ritmo diário da sua vida,
poderão estar contribuindo para a formação de outros grupos de Leitura
Orante. A reunião proposta pelos roteiros é como os andaimes ao redor de
um prédio em construção. A leitura diária é o próprio prédio. Na hora em
que o prédio estiver pronto, tiram-se os andaimes e fica só o prédio. É
importante observar que os andaimes já utilizados, poderão ser usados na
construção de outros prédios.

Saindo do contexto da Lectio Divina recomendada por Guigo, para os


mosteiros e a vida do povo da Idade Média, transportada para dinamizar as
reuniões das Comunidades aqui, hoje, a primeira coisa de que precisa para
poder ser verdadeira Leitura Orante é do lema empregado por eles: “Ora et
Labora”. Rezar e Trabalhar. Precisa do clima comunitário de oração e da
realidade dura da vida do povo. Do contrário, não funciona e acaba
morrendo. Estes dois elementos, portanto, devem estar sempre presentes na
prática da Leitura Orante.

Guigo, na sua sabedoria bem prática, nada mais fez do que sistematizar
em quatro degraus o processo normal de uma leitura proveitosa da Bíblia.
Hoje, quem quer ler a Bíblia com proveito, deve fazer o mesmo. Primeiro,
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você deve ler o texto, e ler de novo, até entender o que está escrito. É a
leitura. Em seguida, deve assimilar o que leu e trazê-lo para dentro da sua
vida e da vida da sua comunidade. É a meditação. Depois, você deve reagir
diante da mensagem que captou durante a leitura e responder a Deus se
aceita ou não. É a oração. Por fim, o resultado da leitura que fica nos seus
olhos o ajudará a apreciar e saborear melhor as coisas de Deus e da vida. É
a contemplação. Este é o caminho óbvio. Não há outro. Por isso, a Leitura
Orante (Lectio Divina) continua atual até hoje.

Com outras palavras, os quatro degraus não são técnicas de leitura, mas
sim etapas do processo normal da assimilação da Palavra de Deus na vida,
através da leitura meditada e orante. Não são normas técnicas para orientar
a nossa reunião em torno da Bíblia, mas sim atitudes básicas que todos
devemos ter sempre diante da Palavra de Deus. Elas devem estar presentes
tanto na leitura individual como na reunião do grupo, tanto na prática
simples das comunidades, como no estudo científico dos exegetas.
29
VII. O MÉTODO A SER USADO NA LEITURA ORANTE
DA BÍBLIA.

1. A Dinâmica dos Encontros

1º Momento: Oração Inicial

Quando um grupo se reúne para aprofundar o estudo da Bíblia, ele é a


comunidade de fé que se encontra sob a ação do Espírito Santo. Por isso,
uma oração inicial criará o clima orante e celebrativo.

2º Momento: Mutirão da Memória

Relembrar rapidamente o tema estudado no último encontro, levantando


os pontos mais importantes. Isto para que os temas estudados não fiquem
isolados, mas estejam ligados e assim favoreçam uma visão de conjunto.

3º Momento: Estudo do Tema

a) Palavra-chave: Indica o assunto do encontro e revela o seu quadro de


referência, apontando uma realidade tanto da Bíblia como da vida de hoje.

a1) Citação bíblica: Explicita o mesmo assunto em forma de


oração. É uma frase curta, em forma de ditado, para ser guardada de
maneira bem visível. A citação bíblica pode ser utilizada na oração inicial.

b) Realidade de hoje: Nesta primeira parte, trazemos para dentro do


encontro a realidade da vida de hoje, indicada pela palavra-chave e pela
citação bíblica. É para escutar e refletir a situação do povo. Colocamos na
mesa o assunto – as angústias, os sofrimentos, os problemas, mas também
as alegrias, as conquistas, as realizações – que deve ser iluminado pela
Palavra de Deus.

c)Estudo do texto sugerido: Em cada roteiro são indicados três textos


que servem como porta de entrada para o período da história a ser estudado
30
no encontro. O primeiro dos três textos vem desenvolvido, e os outros dois
são alternativos. O texto escolhido deve ser apresentado e introduzido pelo
coordenador da reunião.
O estudo do texto se faz em três etapas, interligadas:

1) Ver o texto de perto: (Nível literário) É, simplesmente, entrar dentro


do texto. É uma primeira aproximação, onde se procura descobrir: o
assunto, os lugares, as pessoas e as suas atuações. Para conseguir isto,
algumas perguntas são apresentadas.

2) Considerar a situação histórica: (Nível histórico) Ver a situação do


povo que transparece no texto e, se possível, tentar definir algumas
características da situação econômica, social, política e religiosa. Verificar
quais os conflitos que transparecem no texto e qual deles é o conflito
básico.

3) Escutar a mensagem do texto: (Nível teológico) Ver como o texto


toma posição naquele conflito, como ele responde àquela situação do povo,
ou seja, qual é a mensagem que traz para o povo de ontem e de hoje. Esta
terceira etapa é a mais importante, é o ponto de chegada. Mas não se chega
a ele sem passar pelas duas primeiras etapas.
Falamos em etapas no sentido de abordagens, de aspectos, não no sentido
cronológico. Na prática, muitas vezes, estas três abordagens se misturam.
Enquanto se fizer este estudo, a realidade atual do povo deve estar sempre
presente. Sem dúvida nenhuma, ela será constantemente evocada na
memória dos participantes. Daí é importante verificar bem as semelhanças
e as diferenças entre ontem e hoje. Deste modo, evitam-se concordismos
fáceis e manipulações superficiais da Bíblia.

d) Estudo do período histórico: Terminado o estudo do texto e de sua


mensagem, abrimos a nossa atenção para todo o período da história que
deve ser abordado e aprofundado. É como se, depois de vermos uma
fotografia do álbum, olhássemos rapidamente para as outras fotografias do
mesmo período histórico. Esta ampliação será feita pelos presentes, através
de uma coleta de dados.

e) Partilha das descobertas feitas: É o momento de amarrar as coisas e


de colocar em comum o que cada um descobriu durante o estudo do texto.
O grupo pode escrever o que achar importante. Para ajudar nesta partilha,
são sugeridas algumas perguntas para cada roteiro.
31
4º Momento: Preparar o próximo encontro

1. Indicar os textos para o próximo encontro.


2. E como a Palavra de Deus não volta sem antes produzir seu fruto, o
grupo deve sempre se perguntar que mudanças ou que ação a reflexão feita
exige do grupo e de cada um dos seus membros em sua vida.
3. Distribuir as tarefas que cabem a cada um.

5º Momento: Uma oração que expresse o vivido e o aprendido

Tudo deverá terminar numa celebração. A oração é como o cimento que


liga entre si os tijolos das descobertas do grupo e lhes dá consistência. É
uma maneira de ajudar a assimilar os elementos que constituem a fé e de
assumi-los com maior convicção. Quando se chega a esta altura do
encontro, convém que se crie um ambiente de oração para que ela possa
ecoar e produzir o seu efeito. No roteiro há sugestão para a oração. O grupo
se sinta livre para escolher outra forma de oração.

2. Subsídios e Ajudas para os Grupos

No final de cada roteiro são apresentados subsídios que têm como


objetivo ajudar os participantes a melhor compreender determinados
aspectos, situações ou problemas referentes ao tema estudado e a
contribuição deste período na formação da Bíblia. Às vezes, são
observações úteis para o aprofundamento de nossa vida, espiritualidade e
missão. Esses pequenos subsídios precisam ser complementados pela
leitura de bons comentários e introduções a cada Livro da Escritura. O
melhor seria o grupo não se contentar com as breves notas que quase todas
as edições da Bíblia têm no pé da página. A leitura de um comentário ou
introdução mais especializada seria de grande proveito, especialmente nos
grupos que têm mais condições de leitura.

Como sugestão, seria interessante escolher um responsável no grupo


para juntar as idéias surgidas e as dúvidas que não foram respondidas
durante o estudo (personagens, regiões, contexto histórico, povos etc.).
Montar um pequeno vocabulário a partir das descobertas e necessidades do
grupo. Tudo isto serve como motivação para a maior participação de todos.
32
3. Temário

A distribuição dos temas, como introdução ao método da Leitura Orante


da Bíblia, foi feita em 12 roteiros, como um meio pedagógico para se
alcançar o objetivo proposto. A história descrita na Bíblia começa com a
criação. O nosso estudo começa com o Êxodo que trata da opressão do
povo no Egito e da libertação realizada pelo poder de Deus. O motivo desta
diferença é, primeiro, porque, de fato, historicamente, a história do povo,
enquanto povo, começou com a saída do Egito; e segundo, porque, deste
modo, aparece mais claramente a semelhança entre a história do povo da
Bíblia e a história dos povos da América Latina. Os 12 roteiros para os
encontros estão assim distribuídos e se encontram na seqüência:

a) A Palavra convoca a viver a Aliança com Deus:

1. Êxodo - A opressão no Egito e a libertação pelo poder de Deus


(1650-1250 a.C.)

2. Juízes – A organização do povo e a repartição da terra


(1250-1050 a.C.)

3. Patriarcas – Recuperação da memória e da própria identidade


(1800-1050 a.C.)

4. De Samuel a Davi – Crises e mudanças do sistema tribal para a


monarquia (1050-1000 a.C.)

b) A Palavra convoca o povo a refazer a Aliança:

5. Reis e Profetas – Os Profetas criticam os reis em nome da Aliança


(1000-587 a.C.)

6. Exílio - Cativeiro, desintegração e nova libertação (587-445 a.C.)

7. Esdras – Neemias – Reorganização do povo a partir da Lei


(445-06 a.C.)

8.Livros Sapienciais – Sabedoria: resistência e abertura frente à invasão


cultural (1800-06 a.C.)
33
c) A Palavra se fez carne e convoca para viver a nova Aliança:

9. Jesus – Jesus refaz a história e realiza a esperança do povo


(06 aC-30 d.C.)

10. Início da Igreja – As comunidades: um novo modo de ser povo de


Deus (30-49 d.C.)

11. Paulo – A expansão do Evangelho pelo mundo (49-67 d.C.)

12 Época do Apocalipse – Perseguição e resistência no final do primeiro


século (67-100 d.C.)

Mínima Bibliográfica (Para ajudar nos encontros)

Beabá da Bíblia – Ed. Paulinas


História do Povo de Deus – Euclides Martins Balancin – Ed.
Paulinas
Como a Bíblia foi Escrita – Pierre Gibert – Ed. Paulinas
O tempo que se chama hoje – W. Gruen – Ed. Paulinas
Um Atlas da Bíblia
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ENCONTRO 1 – A opressão no Egito e a Libertação
pelo poder de Deus

O faraó está mais vivo do que nunca, controla a América e se enriquece,


empobrecendo nossos povos. Os pobres gritam e Deus escuta o seu clamor.

TEMA: Situação de opressão do povo no Egito e libertação.


PERÍODO: Desde 1650 a 1250 ªC. São 400 anos.
ASPECTOS:
1. ÊXODO 2,23–3,15: Descreve como Deus escuta o clamor do
povo e responde.
2. ÊXODO 1,8-22: Descreve a opressão do povo no Egito.
3. ÊXODO 14,10-29: Descreve a libertação das mãos do faraó e a
passagem do Mar Vermelho.

Palavra-chave: LIBERTAÇÃO

“Porque Ele libertará o pobre que suplica, o desgraçado a quem ninguém


ampara” (Salmo 72,12).

1. Partir da realidade de hoje

A opressão do povo no Egito ocorreu e ocorre sempre. A pirâmide


social continua existindo. O faraó está hoje mais vivo do que nunca,
controla a América Latina e se enriquece, empobrecendo nossos povos. Os
pobres gritam e Deus escuta seu clamor.
a) Como se manifestam a dor e a opressão em nossa vida pessoal, em
nossa comunidade e em nosso povo hoje?
b) Como Deus se revela, ou que sinais da libertação de Deus
percebemos hoje em nossa vida pessoal, em nossa comunidade e em nosso
povo?
c) Em que acontecimentos se manifestam a opressão e a libertação
hoje, na América Latina?

2. Estudo do texto escolhido: Êxodo 2,23–3,15

a) Ver de perto o texto:


1. Que coisas nos conta este texto?
2. Quantas e quais partes se podem nele distinguir?
3. Enumere as diferentes maneiras como Deus se revela.
35
b) Considerar a situação histórica:
3. Qual era a situação econômica, na qual o povo se encontrava?
4. Qual é a vocação de Moisés, como a descobre e como responde a
ela?

c) Ouvir a mensagem do texto:


5. Qual é a nossa vocação hoje, como a descobrimos e como
respondemos?
6. Trocar idéias sobre o significado do nome de Deus, sobre o alcance
desse nome para nossa vida e para nosso caminhar.

3. Estudo do período histórico

a) Este período compreende os fatos que vão desde a entrada de Jacó


no Egito até Josué. Isto é, desde 1650 até 1250, aproximadamente. Um
período de 400 anos.
b) Trata-se de conseguir uma visão global desta grande opressão do
povo no Egito, assim como do processo ou da ação de Deus para a sua
liber5ação. Compreende a época que vai desde a entrada no Egito até a
travessia do Jordão.
c) Procurar informações geográficas mais pormenorizadas em algum
mapa. Observar o caminho percorrido pelo povo em marcha para sua
libertação.
d) Procurar traçar uma linha cronológica do tempo. Nela posicionar
todos os fatos ocorridos neste período e usar, como fonte, a própria Bíblia.

4. Partilha

Sintetizar o trabalho realizado pelo grupo, quando possível por escrito.


Apoiar-se nas seguintes perguntas:
a) Que descobriu em relação ao sentido do texto em si mesmo?
b) Que descobriu em relação àquele período há história do povo da
Bíblia?
c) Em que este estudo o ajudou a iluminar o texto da Bíblia: sua
origem, sua formação?
d) Como este texto ajuda a ver a realidade?
e) Que descobriu em relação à forma de interpretar a Bíblia e em
relação à forma de transmiti-la ao povo?
36
5. Oração: Salmo 142

A situação de opressão é permanente. O grito do povo oprimido


continua subindo até Deus. Este Salmo 142 apresenta a oração de um pobre
oprimido e angustiado. É o grito do pobre que chega aos ouvidos de Deus.
Deus escuta, atende e desce para liberta-lo (para esse momento de oração
convém criar um ambiente de silêncio e meditação que ajude a vibrar com a
Palavra de Deus).

6. Preparação do próximo encontro

Definir o tema: A organização no deserto e a conquista da terra.


Texto a ser estudado: Êxodo 16,1-36.

SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

a) Origem da Bíblia (primeiros tijolos desta grande obra):

1. Sua semente é a decisão do próprio Deus. Ele toma a iniciativa


de ouvir sempre o clamor do povo oprimido.
2. Antes de ser escrita, a Bíblia foi narrada. Antes de ser narrada,
ela foi vivida.
3 As origens das histórias da Bíblia encontram-se nos grupos de
conversa e nas celebrações do povo. Nasceu da preocupação de não perder
sua memória e de conservar a própria identidade.
4. É muito difícil saber exatamente o tempo em que a Bíblia foi
escrita. O mesmo se pode dizer da época em que sucederam os
acontecimentos por ela narrados.
5. As narrativas são populares, repetidas, simplificadas e sem muita
precisão. Seu objetivo não é uma informação precisa, porém a animação da
fé, da luta. E do caminho do povo.

b) Estudo de um texto:

1. O texto bíblico é como um coco de casca dura. Só existe uma


forma certa para romper a casca e beber o leite delicioso: o trabalho em
grupo.
37
2. Para conseguir isto devem-se formular perguntas bem claras
dirigidas ao texto. Elas devem despertar a atenção dos participantes. Tais
perguntas podem servir como chave de leitura.

3. Perguntas boas são aquelas que ajudam o grupo a prestar atenção


aos diversos aspectos do texto: Quem? Que? Donde? Por quê? De que
maneira? Quando? Com que meios? Etc.
38
ENCONTRO 2 – A organização do povo e a distribuição
da terra

Na América Latina há muitos homens sem terra e muita terra sem homens.

TEMA: Nova organização fraterna do tempo dos JUÍZES.


PERÍODO: 1250–1050 a.C. Desde Josué até Samuel. Época dos Juízes.
ASPECTOS:
1. ÊXODO 16,1-21: A história do maná ensina a repartir os bens e
proíbe acumular.
2. ÊXODO 18,1-27: Jetro, sogro de Moisés, ensina a descentralizar
o poder.
3. JOSUÉ 24,1-27: Em Siquém, as tribos se reúnem para organizar
sua vida, seu povo e afirmar sua fé em Javé.

Palavra-chave: PARTILHA FRATERNA

“Aos mais numerosos darão parte maior da herança e aos menos


numerosos, uma parte menor”
(Nm 33,54).

1. Partir da realidade de hoje

Na América Latina há muitos homens sem terra e muita terra sem


homens. A maior parte da terra está em poucas mãos. A maioria das
pessoas necessita de casa e de alimento.

a) Sabemos quem possui terra de sobra em nossa região e quem não


tem nada? Poderíamos pesquisar?
b) Que tipo de lutas o povo faz para conseguir uma casa digna para
viver?
c) Como se organizam os camponeses para ter terra suficiente para
viver e plantar?
d) Como se faz a partilha dos bens na América Latina?
e) Como nos situamos nós, como comunidades, frente a estes
problemas?
39
2. Estudo do texto escolhido: Êxodo 16,1-21
Partilha fraterna do maná

a) Ver de perto o texto:


1. Qual foi o clamor do povo em sua travessia pelo deserto?
2. Como responde Javé a esse clamor?
3. Que condições estabelece Javé para que a partilha seja fraterna?

b) Considerar a situação histórica:


4. Qual é a situação do grupo que neste momento caminha pelo
deserto?
5. Que conflitos internos de autoridade tem o grupo?
6. Como se manifesta a escravidão, e como se manifestam os sinais de
serviço?

c) Ouvir a mensagem do texto:


7. Como Deus encoraja e que pedagogia usa para que o povo aprenda a
organizar-se?
8. Que soluções o povo encontra para viver a fraternidade a partir de
sua experiência?

3. Estudo do período histórico

a) Estudar, no mapa do deserto da Arábia, a travessia, desde o


Egito até a Palestina.
b) Estudar, no mapa da Palestina, a distribuição das tribos.
c) Elaborar uma faixa de tempo e sobre ela posicionar os juízes
principais e seus inimigos. Usar como fonte a própria Bíblia.

A travessia de “40 anos” pelo deserto é o tempo de uma geração 1250-


1225 a.C. Corresponde, mais exatamente, ao período da “libertação”.
Durante este tempo, o povo vive experiências positivas e negativas que o
ajudam a descobrir e formular alguns mandamentos. Estes expressam sua
identidade como povo. Também, neste período, prepara-se e realiza-se a
Aliança com Deus, que estimula o povo a continuar seu caminho.
O período dos juízes é um momento importantíssimo para Israel. Dura
200 anos, de 1225 a 1025 a.C. As tribos vivem a experiência da libertação
do Egito, do Êxodo e da travessia pelo deserto. Elas animam outras tribos a
tomar a terra ocupada pelos reis de Canaã. Desta forma, concluem-se
40
alianças, fazem-se reuniões e assembléias para repartir as terras e organizar
o trabalho. É aqui que Israel se constitui como povo. Um povo sem reis:
“Só Javé é nosso Rei?” Um povo que busca as leis da fraternidade para
defender a terra, os direitos dos pobres e a justiça. Entretanto, por estar
colocado entre o Mar Mediterrâneo e o deserto da Arábia, ou seja, um
“corredor” de passagem entre os grandes impérios do Egito e da
Mesopotâmia, sofre pressão externa. Assim, vê-se obrigado a mudar a
forma de organização popular por uma organização monárquica, devido às
divisões internas e à corrupção que abarca também os juízes.

4. Partilha

a) Fazer uma síntese do trabalho do trabalho realizado pelo grupo,


quando possível por escrito. Apoiar-se nas seguintes perguntas:
b) Que descobriu em relação ao sentido do texto em si mesmo?
c) Que descobriu em relação àquele período há história do povo da
Bíblia?
d) Em que este estudo o ajudou a clarear o texto da Bíblia: sua origem,
sua formação?
e) Como este texto ajuda a ver a realidade?
f) Que descobriu em relação à forma de interpretar a Bíblia e em
relação à forma de transmiti-la ao povo?

5. Oração:

Salmo 105,37-45.
Rezar e meditar o Pai-Nosso.

É uma concretização, feita por Jesus desse espírito de compartilhar o


pão de cada dia e de não acumulá-lo. Esta é a síntese da aliança: “Eu serei
teu Deus e tu serás meu povo”. Somente quando se partilha o “pão nosso”
somos filhos do “Pai nosso”.

O Cântico de Débora (Juízes 5,1-31) nos recorda a luta em defesa da


terra e a participação das mulheres na vida deste povo. Um grupo de
mulheres pode lê-lo em coro.
41
6. Preparação do próximo encontro

Definir o tema: Recuperação da memória e da própria identidade


(Patriarcas 1800-1650 a.C.
Texto a ser estudado: Josué 24,1-15.

SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

Comentários em cima do texto:

Este texto é parte das tradições do tempo do deserto, relembrado na


época dos juízes, para ajudar o povo em sua organização. O “maná” é uma
narração popular, em que o povo transmite uma situação antiga – de
acumulação de bens – para superá-la. O sistema do faraó era de acúmulo,
mas agora se procura compartilhar. Está sempre presente a tentação de
imitar o faraó. É um texto educativo. Apresenta uma pedagogia para chegar
a uma distribuição fraterna da terra.
Este texto do maná, sendo narração popular que pretende insistir na
idéia de partilha e não na de economia acumulativa, pode também ser
considerado como um texto típico da Eucaristia. A alusão que Jesus faz no
capítulo 6 do Evangelho de João pode ajudar a compreender melhor esta
idéia.
42
ENCONTRO 3 – Recuperação da memória e da própria
identidade

Os povos indígenas da América Latina e os negros trazidos da África


foram tão oprimidos e destruídos que perderam a memória.

TEMA: Recuperar a memória e a identidade


PERÍODO: Patriarcas: dos anos 1800 a 1650 a.C.
ASPECTOS:
1. JOSUÉ 24,1-15: Celebra-se uma assembléia popular. Nela a
memória dos antepassados leva o povo a renovar a Aliança.
2. GÊNESIS 12,1-9: Abraão: modelo de fé e fonte de bênção.
3. DEUTERONÔMIO 26,1-11: O Culto como lugar onde se recria
e se atualiza a memória.

Palavra-chave: “NOSSOS PAIS NOS CONTARAM”

“Senhor, nosso Deus, ouvimos com nossos próprios ouvidos o que nossos
pais nos contaram sobre as maravilhas que Tu realizaste com eles nos
tempos de outrora, Tu mesmo, Senhor, com tuas mãos”
(Salmo 44,2).

1. Partir da realidade de hoje

Os povos indígenas da América Latina e os negros trazidos da África


foram tão oprimidos e destruídos, que perderam a memória. Quem perde a
memória perde a sua identidade e se torna massa de manobra na mão dos
opressores. Mas nem toda a memória do povo pode ser apagada. Algo novo
está acontecendo em nosso tempo.
a) O que nossos pais nos contaram sobre Deus e suas obras?
b) Quais os patriarcas de nossa família, de nossa comunidade, de nosso
povo?
c) Quem e o que nos leva a recordar nosso passado?
d) Quais os restos de memória que ficaram dos povos da América
Latina de antes da chegada dos colonizadores?
e) Por que é tão importante lembrar a história dos patriarcas dos nossos
povos da América Latina?
43
2. Estudo do texto escolhido: Josué 24,1-15

a) Ver de perto o texto:


1. O que o texto conta?
2. Quem conta?
3. Para quem?
4. Onde e em que ocasião?
5.Como o conta?

b) Considerar a situação histórica:


6. Em que situação se encontrava o povo quando Josué reuniu as tribos
e lhes lembrou o passado?
7. Quais os períodos do passado que são lembrados por Josué?
8. O que Josué pretende com o despertar da memória do povo?
9. Qual foi o resultado do discurso de Josué para a caminhada do
povo?

c) Ouvir a mensagem do texto:


10 Qual a mensagem, deste texto para recuperar a nossa memória hoje:
pessoal, comunitária, do povo?

3. Estudo do período histórico

a) É o período que vai de Abraão até o fim da história de José no Egito


(Gn 12-50). Sugestão para conhecer melhor o período dos patriarcas:
1. Fazer a linha do tempo e colocar nele cada um dos patriarcas.
Colocar em comum o que cada um sabe de cada patriarca.
2. Usar como fonte os capítulos da Bíblia referentes aos patriarcas.
3. Estudar a história de José e aprender a contá-la.
b) A recordação histórica dos patriarcas da Bíblia exerce uma função
educativa muito importante na vida do povo:
1. Apresenta Abraão como modelo de fé para todos os crentes.
2. Descreve a missão do povo: ser fonte de bênção para todos os povos
(Gênesis 12,3)
3. Apresenta Abraão como exemplo de quem vive o projeto de Deus.
Abraão partilha a terra. Abraão é rico, não porque roubou ou acumulou,
mas porque repartiu.
4. Mostra como nem tudo é perfeito: história da expulsão de Agar.
5. Abraão é como o tronco ao qual se ligam todos os galhos e aos quais
ele dá vida, unidade e consistência.
44
4. Partilha

Fazer uma síntese do trabalho realizado pelo grupo, se possível por


escrito. Apoiar-se nas perguntas seguintes:

a) O que descobrimos sobre o sentido do texto em si mesmo?

b) O que descobrimos sobre este período da história do povo da Bíblia?

c) Em que o estudo ajudou a entender esse texto da Bíblia: origem,


formação?

d) Como este texto ajuda a ver a realidade?

e) O que descobrimos em relação ao modo de interpretar a Bíblia e de


transmiti-la ao povo?

5. Oração: Salmo 105: reza o passado

Ao terminar o Salmo, continuar a oração rezando a memória do povo


hoje, usando como refrão uma frase tirada do Salmo.

6. Preparação para o próximo encontro

Definir o tema: Crise e mudança do sistema tribal para a monarquia.


Tempo de Samuel e Davi (1050-1000 a.C.). Texto a ser estudado: 1
Samuel 8,1-22.

SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

a) Na época dos juízes, durante aqueles 200 anos da formação do povo,


as tribos renasceram e começaram a lembrar o seu passado e a contá-lo ,
umas às outras. Assim foram lembrando e contando as histórias dos
patriarcas. Na maneira de contar a história dos seus antepassados,
expressavam o ideal que os animava no presente. Por isso, Abraão é
modelo de fé, fonte de bênção, exemplo de partilha, fiel na observância da
lei.
45
b) Um momento muito importante, neste processo de unificação das
tradições e de formação da consciência das várias tribos em torno do ideal
comum, foi a Assembléia Popular presidida por Josué, na cidade de
Siquém.

c) Tudo isto mostra como uma grande parte da Bíblia nasce da


preocupação do povo de não perder a memória e a identidade.

d) As tradições a respeito dos patriarcas formam-se nesta época que o


povo tem a oportunidade de recordar seu passado. Entretanto, não foram
escritas neste momento. Essa tarefa será executada mais tarde. Por
enquanto são tradições apenas orais.
46
ENCONTRO 4 – Crise e mudança do sistema tribal para a
monarquia

Os reis das nações dominam, e os que as tiranizam são chamados de


benfeitores.

TEMA: Crise surgida por causa da mudança de sistema.


PERÍODO: Fim dos juízes até o começo do reino de Davi (1050-1000
a.C.)
ASPECTOS:
1. 1SAMUEL 8,1-22: A crise se manifesta no descontentamento
popular e nas tendências opostas à monarquia.
2. JUÍZES 8,22-35: Perante as dificuldades do sistema tribal
surgem tentativas de implantação do reinado.
3. 2SAMUEL 7,1-27: O poder absoluto do rei é anunciado pelo
profeta e torna-se hereditário.

Palavra-chave: DOMINAR OU SERVIR?

“Os reis das nações dominam, e os que as tiranizam são chamados de


benfeitores. Convosco não deverá ser assim. Pelo contrário, o maior
dentre vós torne-se como o menor, aquele que governa como aquele que
serve” (Lucas 22,25-26).

1. Partir da realidade de hoje

Na América Latina, os que detêm o poder não são os que servem o


povo. Pelo contrário, na maioria dos países, eles exercem o poder para
defender seus próprios interesses ou os interesses de uns poucos. Por isso,
são a origem de muita injustiça e opressão.
a) Como se faz o exercício do poder em nossa comunidade e em nosso
país?
b) Em suas relações com os demais (irmãos, família, comunidade),
você reproduz ou questiona o sistema de dominação?
c) Por que o poder, quase sempre, assume a forma de dominação e
quase nunca a forma de serviço?
d) Conhece alguma iniciativa, nos tempos atuais, em que o poder se
exerce como serviço?
47
e) Conhece, na história da América Latina, experiências em que o
poder tenha sido exercido como serviço? Tais experiências resistiram às
forças de dominação?

2. Estudo do texto escolhido: 1Samuel 8,1-22

a) Ver de perto o texto:


1. Que quer o povo? Por quê?
2. Que responde Samuel? Por quê:
3. Como reage Deus? Por quê?

b) Considerar a situação histórica:


4. Qual foi a situação histórica que levou o povo a pedir um rei?
5. Que significa um rei: para o povo, para Samuel, para Deus?
6. Qual era o direito do rei frente ao povo?
7. Qual era o direito do povo frente ao rei?
8. Na decisão final, o povo se adapta a Deus ou vice-versa?

c) Ouvir a mensagem do texto:


9. O texto foi escrito muito tempo depois dos acontecimentos. Qual era
a mensagem que queria transmitir e a quem: ao rei ou ao povo?
10 Este texto pode iluminar o problema, tão grave, que temos hoje no
exercício do poder, no governo, na família, na comunidade, no povo?

3. Estudo do texto escolhido: 1Samuel 8,1-22

a) Compreende a época que vai desde o final dos juízes até o começo
do reinado de Davi. São mais ou menos 50 anos (1050-1000 a.C.).
b) recordar, no grupo, os fatos ocorridos durante este período. Colocá-
los sucessivamente numa linha de tempo. Usar, como fonte de informação,
a própria Bíblia.
c) No final do período dos juízes surgiu uma dupla crise. Internamente,
os juízes perderam o poder que haviam conseguido (1Samuel 8,3-5),
devido ao deterioramento da vivência da Aliança (!Samuel 3,12-17) e ao
aumento da desigualdade social no seio dos clãs (Êxodo 21,1-10).
Externamente, os filisteus ameaçavam invadir o território das tribos, e estas
não tinham condições suficientes para defender-se de forma permanente.
d) Com o correr do tempo, surgem tentativas de introduzir a monarquia
e de transformar o juiz em rei. Primeiro Gedeão (Juízes 8,22-33), depois
Abimeleque (Juízes 9,1-17), em seguida Saul (1Samuel 10-11) e,
48
finalmente, Davi, que consegue consolidar o poder e conferir-lhe a
hereditariedade.
e) Na Bíblia, o rei é visto como juiz do povo, ungido por Javé.

4. Partilha

Fazer uma síntese do trabalho realizado pelo grupo, se possível por


escrito. Apoiar-se nas perguntas:
a) Que descobriu em relação ao sentido do texto em si mesmo?
b) Que descobriu em relação àquele período da história do povo da
Bíblia?
c) Em que este estudo o ajudou a clarear o texto da Bíblia: sua origem,
sua formação?
d) Como o texto ajuda a ver a realidade?
e) Que descobriu em relação à forma de interpretar a Bíblia e em
relação à forma de transmiti-la ao povo?

5. Oração: Salmo 72

6. Preparação do próximo encontro

Definir o tema: Os profetas criticam os reis, denunciam a injustiça.


Texto a ser estudado: 1Reis 21,1-24

SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

a) Na origem da Bíblia existem grupos em conflito. Seus diferentes


pensamentos estão registrados na Bíblia.
b) A Bíblia registra o lento caminhar do povo de Deus. Desde o estado
de imperfeição e pecado até a plenitude em Jesus Cristo.
c) Algumas vezes, o nome de Deus foi usado e manipulado pelos reis
para legitimar e encobrir a opressão.
d) No momento da introdução da monarquia, a Vontade de Deus não se
manifesta de uma forma abstrata, mas de forma concreta, nas decisões
históricas do povo.
e) É claro que, para este período da monarquia, as tradições orais
anteriores começam a ser fixadas por escrito.
49
ENCONTRO 5 – Os profetas criticam os reis em nome da
Aliança

Ele fará justiça aos humildes do povo...

TEMA: Anúncio da fidelidade com Javé e denúncia da injustiça.


PERÍODO: Reino unido (1025-931 a.C). Divisão do reino: Reino do Norte
(Israel) – (931-721 a.C). Reino do Sul (Judá) 931-587 a.C.).
ASPECTOS:
1. 1REIS 21,1-24: Os pobres são injustamente despojados de sua
terra.
2. JEREMIAS 22,13-19: O profeta denuncia a corrupção e o
enriquecimento injusto do rei.
3. ISAÍAS 1,10-28: Denúncia do uso do nome de Deus e do tempo.

Palavra-chave: FAZER JUSTIÇA

“Ele fará justiça aos humildes do povo, salvará os filhos dos pobres”
(Salmo 22,4)

1. Partir da realidade de hoje

O povo da América Latina está sendo injustamente despojado de suas


terras, e seus direitos são pisoteados. Uma minoria apoderou-se dos bens de
produção e do poder político, marginalizando o povo. Estão surgindo sinais
e gestos proféticos para denunciar esta situação.
a) As reformas, tanto econômicas como sociais e política, são
promovidas em nome de que ou de quem e em favor de quem?
b) Que gestos proféticos estão em curso: - em nosso pais? – em nossa
região? – na América Latina?
c) Fazemos regularmente, na nossa comunidade, em nossos grupos, a
análise da realidade, para conhecer a situação não só internacional,
nacional, mas também a do lugar onde exercemos nossa missão? A que
compromisso isto nos tem levado?

2. Estudo do texto escolhido: 1 Reis 21,1-24 (A vinha de Nabote)

a) Ver de perto o texto:


1. Enumere as ações injustas que aparecem neste texto.
50
2. Que palavras e provas são apresentadas para justificar estas
ações?
3. Que conseqüências geram estas ações nos diversos personagens
que aparecem no texto?

b) Considerar a situação histórica:


4. Em que sentido a monarquia representa um retrocesso em
relação ao passado?
5. Quem tinha razão: o rei que tinha o título de filho de Deus e a
propriedade de todo o reino, ou o profeta que nada possuía e era
considerado pelo rei como infiel e contrário ao povo?
6. Que conseqüência teve o matrimônio de Acabe com a princesa
fenícia Jezabel?

c) Ouvir a mensagem do texto


7. Como este texto ilumina a vivência da Antiga Aliança com Javé
no período da monarquia e a vivência da Nova Aliança hoje?
8. Que características do profetismo poderemos assinalar partindo
das ações do profeta Elias?
9. O que é um verdadeiro profeta hoje?Nomear alguns profetas de
nossa comunidade, de nosso país, da América Latina.

3. Estudo do período histórico

a) Israel, na fase dos juízes, devido a problemas externos e internos, e


pelo exemplo de outros povos, pede para ter um rei. Os três primeiros –
Saul, Davi e Salomão – foram formando e ampliando o reino unido.
Construíram o palácio e o templo e formaram um exército. Para todos esses
gastos extorquiram pesados tributos e duros serviços do povo, exatamente
como o havia predito o profeta Samuel ( 1 Samuel 8,10-20).

b) Depois a morte de Salomão, atiçam-se os conflitos, e um cisma


divide o reino em dois: Reino do Norte (Israel) e Reino do Sul (Judá), 931
a.C. A ambição pelo poder corrompe e faz com que muitos esqueçam a
Aliança com Javé, as leis da fraternidade e a justiça. Para fortalecer sua
posição, os reis depositam sua confiança em outros reinos poderosos; esta
primeira idolatria do poder desencadeia outra série de idolatrias, como a da
riqueza, dos cultos, etc., levando ao esquecimento de Javé, da sua Aliança e
de seu projeto. Nesta situação, os profetas têm um papel importante.
51
Aparece, assim, com força, o profetismo que tem, como linha de fundo, a
justiça.
c) O profetismo, inicialmente, se achava vinculado à corte e ao culto; a
partir do profeta Elias, separa-se e se torna crítico do poder. Isto vai marcar
o profetismo bíblico.
d) Segundo a reflexão profética, por causa da idolatria do poder e do
dinheiro, tanto no interior como em
suas relações externas, desmoronaram os reinos. Israel caiu ante a invasão
da Assíria no ano 721 a.C e Judá, frente à Babilônia, no ano 587 a.C.

4. Partilha

Fazer uma síntese do trabalho realizado pelo grupo, se possível por


escrito. Apoiar-se no questionário seguinte:
a) Que descobriu em relação ao sentido do texto em si mesmo?
b) Que descobriu em relação àquele período da história do povo da
Bíblia?
c) Em que este estudo o ajudou a clarear o texto da Bíblia: sua origem,
sua formação?
d) Como o texto ajuda a ver a realidade?
e) Que descobriu em relação à forma de interpretar a Bíblia e em
relação à forma de transmiti-la ao povo?

5. Oração

Partindo de nossa reflexão, podemos fazer uma celebração de


conversão sobre nossa missão profética. Estes textos podem nos ajudar:
a) Isaías 42,18-25; 58,1-12. Chamado à conversão do coração para
fazer justiça.
b) Salmo 58. Deus julga os governantes que oprimem o povo.

6. Preparação do próximo encontro

Definir o tema: Exílio, desintegração e nova libertação (desde a


destruição de Jerusalém até a época de Neemias, 587-445 a.C.
Texto a ser estudado: Isaías 65,17-23.
52
SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

a) Houve profetas, como Samuel, Natã, Elias, Eliseu, dos quais se


escreveu algo de suas vidas, mas não foram escritos livros sobre sua
mensagem. São conservados os livros de 16 profetas: quatro maiores e 12
menores. Estes profetas não eram homens solitários, mas associavam-se em
grupos, em movimentos de resistência do povo e assim formavam escolas;
seus discípulos, ou secretários, conservaram suas palavras e delas nasceram
os livros. Isto aconteceu, sobretudo, no tempo do exílio.

b) Os PROFETAS são porta-vozes da Palavra de Deus, verdadeiras


pontes entre Deus e o seu povo. Eles conhecem bem o projeto de Deus e a
situação do povo.
Deus chamou, separou e impulsionou os PROFETAS para reconstruir
sua ALIANÇA, que fora rompida pela infidelidade e pela injustiça. Os
profetas encontram, no passado do povo,. Os critérios para criticar o
presente e abrir a porta ao futuro.
Três direções assinalaram, principalmente, a atividade dos profetas: 1.
Reconstruir a sociedade pela justiça e pela observância da Lei. 2.
Reconstruir a comunidade pela solidariedade. 3. Reconstruir a consciência
do povo, afetada pela ideologia, através da mística, isto é, pela certeza de
que o Senhor Javé é o único Deus e está com eles.

c) O profetismo teve seu ponto alto no tempo dos reis, quando pregava
a justiça. Depois do exílio, foi perdendo a sua importância, porque a
situação histórica de Israel mudou: houve problemas políticos e
econômicos, e Israel sofreu dominação estrangeira.
53
ENCONTRO 6 – Exílio: desintegração, nova libertação
(587-445 a.C.)

Exílio, desterro, desintegração... nosso povo latino-americano não pode


perder a esperança.

TEMA: O exílio: “A esperança nasce da experiência da dor”.


PERÍODO: Desde a destruição de Jerusalém até a época de Neemias (587
a 445 a.C.).
ASPECTOS:
1. ISAÍAS 65,17-23: A esperança do povo surge do fundo da
opressão.
2. ISAÍAS 42,1-9: O povo oprimido em cativeiro descobre sua
missão.
3. JEREMIAS 52: Imagem da destruição que levou ao cativeiro.

Palavra-chave: ESPERANÇA

“Edifica, Javé, a Jerusalém, congrega os deportados de Israel. Ele


consola os corações esmagados e cura as suas feridas” (Salmo 147,2-3).

1. Partir da realidade de hoje

Nosso povo latino-americano não pode perder a esperança. Entretanto,


podemos perguntar se a situação que estamos vivendo permite-nos manter a
esperança (comentar em grupo a situação que vivemos atualmente).
a) Como se manifesta a situação de exílio, desterro e perseguição de
nosso povo hoje?
b) Quais os sinais de resistência que o povo está realizando?
c) Como o povo percebe a Deus nesta situação?
d) De que modo esta percepção de Deus está alimentando a esperança
do povo?
e) Por que estas esperanças ainda não se realizam?

2. Estudo do texto escolhido: Isaías 65,17-23

a) Ver de perto o texto:


1. O que nos diz este texto e de que forma o diz?
2. O que é que mais impressiona e o que é mais bonito no texto?
54
3. De que outros textos bíblicos, semelhantes a este, você se
recorda ao ler este trecho?

b) Considerar a situação histórica:


4. Enumerar os diversos aspectos de opressão aos quais o povo se
encontra submetido e que aparecem no texto.
5. Em que situação se encontrava o povo que produziu este texto?

c) Ouvir a mensagem do texto


6. Por que a fé na criação de um céu novo e de uma terra nova
anima a luta e a esperança do povo no exílio e do nosso povo hoje?

3. Estudo do período histórico

a) Algumas datas:
597: Primeira tomada de Jerusalém. Exílio do primeiro grupo em
Babilônia.
587: Destruição de Jerusalém. Exílio do segundo grupo em Babilônia.
538: Edito de Ciro. Começa a volta dos exilados a Jerusalém.
520: Governo de Zorobabel. Reconstrução do templo.
445: Chegada de Neemias a Jerusalém.
b) Localizar no mapa, e na linha tempo, as datas e o caminho do exílio
e do regresso a Jerusalém.
c) O Reino de Judá, por causa das contradições internas, é destruído
pelo Império Babilônico. O profeta Jeremias procura manter acesa a
esperança do povo.
d) Há dois grupos de exilados em conflito (Jeremias 29),
e) Há ambigüidade na esperança: não se trata só de novo império com
Ciro, mas também da presença de Deus que caminha com seu povo (Isaías
40-45).
f) O Reino de Judá se torna uma pequena parte do grande Império
Persa. Aparece a possibilidade de uma experiência forte de vida
comunitária (Isaías 56-66).
g) Procure conhecer os escritos produzidos neste período.

4. Partilha

Fazer uma síntese do trabalho realizado pelo grupo, se possível por


escrito. Apoiar-se no questionário seguinte:
a) Que descobriu em relação ao sentido do texto em si mesmo?
55
b) Que descobriu em relação àquele período da história do povo da
Bíblia?
c) Em que este estudo o ajudou a clarear o texto da Bíblia: sua origem,
sua formação?
d) Como este texto ajuda a ver a realidade?
e) Que descobriu em relação à forma de interpretar a Bíblia e em
relação à forma de transmiti-la ao povo?

5. Oração

Ler juntos, pausadamente, o Salmo 126. Depois de um momento de


silêncio refletivo, rezar, partindo das esperanças que animam o povo de
hoje.

6. Preparação do próximo encontro

Definir o tema: Reorganização do povo a partir da lei (Esdras e


Neemias).
Texto a ser estudado: Neemias 8,1-18.

SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

a) O exílio foi uma época de crises profundas, mas foi também um


época de grandes esperanças e de composição de muitos livros. Em
momentos de grande obscuridade, nasce a luz da Palavra.
b) Esta luz da época do exílio surgiu em grande parte por causa da
escola de profetas (Isaías II). Eles viveram a crise da fé, junto com o povo,
os pobres. Eram um comunidade de verdadeira INSERÇÃO. Passando pela
crise de fé, reencontram um Deus que é sempre maior do que as diversas
crises.
c) Esta descoberta de Deus foi a luz com a qual puderam reler o
passado e assim dar origem ao maravilhoso livro de ISAÍAS 40-66.
d) Neste livro encontramos os quatro cânticos do Servo, em outras
palavras: A MISSÃO DO POVO SOFREDOR. POVO POBRE,
OPRIMIDO, MALTRATADO, COM UMA MISSÃO UNIVERSAL.
1. Isaías 42,109: Deus chama o povo. – 2. Isaías 49,1-6: O povo
descobre sua missão. – 3. Isaías 50,4-9: O povo assume e executa a missão.
Sofre por causa da missão. – 4. Isaías 52,13–53,12: O futuro destino da
missão: paixão, morte e ressurreição.
56
ENCONTRO 7 – Reorganização do povo com base na lei
(Esdras e Neemias)

O Senhor os escolheu por amor.

TEMA: A crise interna ameaça a sobrevivência e exige a reorganização do


povo.
PERÍODO: Desde Neemias até o começo do Novo Testamento (445-01)
ASPECTOS:
1. NEEMIAS 8,1-18: Reorganizar o povo a partir da observância
da Lei.
2. NEEMIAS 5,1-13: Enfrentar os problemas econômicos, sociais e
políticos através da prática da fraternidade e da partilha.
3. RUTE 1,1-22; Opção pelos pobres e resistência do povo:
alternativa ante a solução oferecida pelas elites.

Palavra-chave: POVO ELEITO: PRIVILÉGIO OU MISSÃO?

“O Senhor os escolheu por amor e não por ser um povo mais forte que
os outros” (Deuteronômio 7,7).

1. Partir da realidade de hoje

a) A Lei deve criar uma ordem equilibrada que beneficie a todos. Você
alguma vez foi beneficiado por esta ordem? Como? Quando?
b) Quem formulou as leis atuais em nosso país?
c) Que sucede com o povo quando as leis estão acima do homem?

2. Estudo do texto escolhido: Neemias 8,1-18.

a) Ver de perto o texto:


1. Quem participa da celebração?
2. Quem a preside?
3. Quais as partes da celebração? Quantas e que celebrações
contêm?
4. Que se celebra?
5. Que se pretende com a celebração?
6. Que mais lhe chamou a atenção?
57
b) Considerar a situação histórica:
7. Por que o povo chora ao ouvir as palavras da Lei?
8. Quem preside ao povo na leitura e renovação da Aliança?
9. Quais são as conseqüências desse novo tipo de liderança?
10. Na época de Jesus aparecem as conseqüências da orientação
assumida pelos líderes do povo desde a época da reorganização. Quais
foram esses resultados? Pontos positivos e negativos.

c) Ouvir a mensagem do texto


11. Que conclusão tiramos deste trecho para a organização de nossa
comunidade?

3. Estudo do período histórico

Algumas datas:

445 a.C.: Neemias inicia sua atividade.


398 a.C.: Esdras promove a reforma. Inicia-se oficialmente o judaísmo.
333 a.C.: Fim do império persa. Domínio dos gregos.
198 a.C.: Os selêucidas de Antioquia dominam a Palestina.
170 a.C.: O rei selêucida Antíoco IV promove a helenização e persegue
os judeus.
167 a.C.: Revolta dos Macabeus.
63 a.C.: Invasão dos romanos.
37 a.C.: Começa o reinado de Herodes, o Grande.

4. Partilha

Fazer uma síntese do trabalho realizado pelo grupo, se possível por


escrito. Apoiar-se no questionário seguinte:
a) Que descobriu em relação ao sentido do texto em si mesmo?
b) Que descobriu em relação àquele período da história do povo da
Bíblia?
c) Em que este estudo o ajudou a clarear o texto da Bíblia: sua origem,
sua formação?
d) Como este texto ajuda a ver a realidade?
e) Que descobriu em relação à forma de interpretar a Bíblia e em
relação à forma de transmiti-la ao povo?
58
5. Oração: Salmo 44 (de súplica)

Hino dos três jovens: Daniel 3,52-90. Ação de graças. Convém criar
um ambiente de silêncio e de meditação que ajude a orar.

6. Preparação do próximo encontro

Definir o tema: Sabedoria: resistência e abertura frente à invasão


cultural.
Texto a ser estudado: Eclesiástico 13,1-12.

SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

a) Como abrir nossos olhos para fazer uma leitura libertadora de textos
que trazem um conteúdo opressor?
b) Nesta época, a Bíblia tem sua redação definitiva. Logo mais será
traduzida para o grego, a língua oficial. Alguns livros foram redigidos
diretamente em grego.
c) O templo passa a ser o centro da vida política, econômica e religiosa
da nação judaica. O sumo sacerdote se torna a autoridade suprema do país.
d) Surgem os partidos tradicionais que terão importância na época de
Jesus: os fariseus e os saduceus.
e) Nascem as sinagogas, casas de leitura da Bíblia e de oração.
f) Existem grupos que questionam o sentido da organização
implementada por Esdras e Neemias. Estes grupos se expressam em outros
livros da Bíblia, como Rute, Jô, Jonas, Isaías 55-65.
59
ENCONTRO 8 – Sabedoria: resistência e abertura frente à
invasão cultural

A invasão esmaga e amordaça a cultura do povo.

TEMA: Estima dos valores do povo.


PERÍODO: Desde antes de Abraão até Jesus, mas, de modo especial, o
período posterior ao desterro.
ASPECTOS:
1. ECLESIÁSTICO 13,1-12: Dignidade do pobre frente ao
poderoso.
2. ECLESIÁSTICO 34,18-22: Privar o pobre de um pão é cometer
crime. Este texto converteu Bartolomeu de Lãs Casas de fazendeiro em
defensor acérrimo dos índios.
3. SABEDORIA 14,12-31: Ironia e sabedoria popular contra a
idolatria. Esta foi inventada pelos poderosos e é a origem de todos os
males.

Palavra-chave: SABEDORIA POPULAR

“Eu te louvo, Pai, porque... revelaste estas coisas... à gente simples”


(Mateus 11,25).

1. Partir da realidade de hoje

Os povos latino-americanos possuem suas culturas próprias, cheias de


riquezas; porém, durante séculos suportaram contínua invasão cultural que
esmagou seus valores e neles criou forte complexo de inferioridade e de
inutilidade.
a) Que valores pensamos que tem o povo de nossa região?
b) Que valores já perdeu ou estão em vias de extinção?
c) Que atitudes tomamos frente aos defeitos do povo?
d) Que mecanismos foram usados na história e se empregam
atualmente para esmagar os valores do povo?
e) Que experiências conhecemos nas quais se potencializam e se fazem
crescer os valores do povo?
e) Sabemos perceber a presença de Deus no meio da cultura do povo?
Dar exemplos concretos!
60
2. Estudo do texto escolhido: Eclesiástico 13,1-23:
Dignidade do pobre frente ao poderoso.

a) Ver de perto o texto:


1. Resumir o que diz o texto.
2. Que comparações usa?

b) Considerar a situação histórica:


3. Trata-se de um tema que pode ser de qualquer época. Tentar
descrevê-lo segundo os dados fornecidos pelo texto.

c) Ouvir a mensagem do texto


4. Quais são, aqui, as características do “rico”?
5. Destacar as palavras que o descrevem.
6. Como se manifesta, neste texto, a sabedoria do “pobre”?
7. Recordar frases (provérbios) e atitudes populares de nossa gente,
que manifestem um atitude igual à de nosso texto bíblico.
8. Que experiências de vida brotam destes provérbios e que
mensagem transmitem?

3. Estudo do período histórico

a) Embora a sabedoria popular esteja presente ao longo de todo o


período bíblico, centramo-nos na época do pós-exílio. Durante os impérios
persa e grego, a dominação não se realiza tanto através da força do exército
e das deportações, como no tempo dos assírios e babilônios, mas,
sobretudo, através da constante pressão cultural. A reação dos judeus se
define valorizando sua própria cultura. Ao mesmo tempo, como
conseqüência do exílio e por não constituir ainda um país independente,
Israel começa a se expandir por todo o mundo conhecido. Com isso
começa, de fato, um processo de abertura a outras culturas.
b) Diante do descaso cultural ambiental, os sapienciais revalorizam a
sabedoria popular até ao ponto de torná-la Palavra de Deus. Apreciam, de
maneira especial, a fé popular, seu senso comum, sua hospitalidade, o
trabalho do campo, a família, a amizade, a alegria de uma vida
austeramente próspera, na qual nada falte, mas também nada sobre.
Chegam até mesmo a olhar com simpatia alguns defeitos populares. E,
certamente, alertam contra os perigos que os cercam.
61
c) Temas que podem ser aprofundados:
1. Conhecimento mais profundo dos costumes e das crenças populares
das épocas persa, grega e romana.
2. A cultura destes impérios e como eles influíram na cultura dos
judeus.
3. Poderíamos também investigar as influências culturais da América
do Norte na cultura do povo latino-americano atual.
4. Onde e como se manifesta hoje a sabedoria popular?
5. Que função têm as histórias populares na vida do povo?
6. Como o povo sabe enfrentar o sofrimento?
7. Que tipo de oração e de poesia sustenta o povo em sua resistência
contra os opressores?

4. Partilha

Fazer uma síntese do trabalho realizado pelo grupo, se possível por


escrito. Apoiar-se nas seguintes perguntas:
a) Que descobriu em relação ao sentido do texto em si mesmo?
b) Que descobriu em relação àquele período da história do povo da
Bíblia?
c) Em que este estudo o ajudou a clarear o texto da Bíblia: sua origem,
sua formação?
d) Como este texto ajuda a ver a realidade?
e) Que descobriu em relação à forma de interpretar a Bíblia e em
relação à forma de transmiti-la ao povo?

5. Oração: Salmo 34

Trata-se da experiência do povo pobre que, em meio a problemas e


perseguições, sentiu a bondade de Deus que o impulsiona ´para a frente e o
faz viver uma vida digna.
Pode-se também rezar com Sabedoria 9,1-18.

6. Preparação do próximo encontro

Definir o tema: Jesus refaz a história e realiza a esperança do povo.


Texto a ser estudado: Marcos 1,14-45.
62
SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

a) Os livros da Sabedoria tratam das “coisas do povo”. Eles são como


cimento que une os períodos bíblicos e lhes dá consistência.

b) Estes ditos sapienciais existem praticamente em toda a Bíblia, e não


só nos livros chamados “sapienciais”.

c) Podemos dividir os textos sapienciais assim:


1. A sabedoria do povo: Provérbios, Eclesiastes, Eclesiástico 1-43 e
Sabedoria 1-2. Neles se procura enfrentar a vida e lutar por ela.
2. As histórias do povo: Tobias, Judite, Éster 1-10, Eclesiástico 44-51,
Sabedoria 10-19, Rute, Juízes 3,12-30 e Gênesis 37,39-48. Nelas se narram,
como recordação subversiva, a organização e as resistências do povo que
ajudam na manifestação e na transmissão da fé em Javé.
3. O problema do sofrimento do povo: Lamentações, Ezequiel 14,12-
23 e 18, Jô, Salmos 22 e 73, Sabedoria 3-5 e Isaías 53. Procura-se dar
sentido ao sofrimento. É castigo? Provocação de Deus? Mistério sem
explicação? Trata-se de solidariedade na culpa? Qual é a missão do povo
que sofre?
4. A oração e a poesia do povo: Salmos e Cântico dos Cânticos.
Constituem a resposta do povo à Palavra de Deus; seus lamentos, louvores
e esperanças. São como um resumo de toda a Bíblia.
63
ENCONTRO 9 – Jesus refaz a história e realiza
a esperança do povo

“O prazo está vencido. O Reino de Deus chegou.”

TEMA: O prazo está vencido. Chegou o Reino.


PERÍODO: O caminho de Jesus: 6 a.C. até 37 d. C.
ASPECTOS:
1. MARCOS 1,14-45: Vê a situação do povo e instaura o Reino de
Deus.
2. MATEUS 5,1-20: Lei da Nova Aliança.
3. LUCAS 4,16-30: Missão libertadora de Jesus.
4. JOÃO 2,1-12: Jesus compartilha a alegria do povo como sinal do
Reino.

Palavra-chave: REINO

“O prazo está vencido. O Reino de Deus chegou. Mudem o modo de


proceder e creiam na Boa Nova” (Marcos 1,15).

1. Partir da realidade de hoje

A situação do povo oprimido da América Latina é de anti-reino:


imperam a injustiça, a violência, o desprezo pela vida, a marginalização; as
leis favorecem os poderosos. O povo geme, anseia pelo reino de Deus.
Troquemos idéias sobre esta situação de anti-reino:
a) Qual a forma mais dura de opressão à qual o povo está sujeito nesta
situação?
b) Nesta situação de pecado, de que maneira o povo expressa sua
rejeição?
c) Onde e como Deus ouve o gemido do povo?
d) Qual é a função de nossa comunidade frente à situação de anti-reino?

2. Estudo do texto escolhido: Marcos 1,14-45

Jesus vê a situação do povo e instaura o Reino de Deus.

a) Examinar de perto o texto:


Marcos apresenta muito claramente o objetivo da missão de Jesus.
Vamos descobri-lo juntos:
64
1). 1,16-20 – A quem chama e para quê?
2). 1,21-22 – Como você percebe a maneira como Jesus forma a
consciência crítica do povo neste texto?
3). 1,23-28 – Numa palavra, como se expressa a missão de Jesus
neste trecho?
4). 1,29-34 – Que resultado produz a ação libertadora de Jesus?
5). 1,35 – Que nos diz o texto sobre a relação de Jesus com o Pai?
6). 1,36-39 – Que indicam os verbos, neste contexto, sobre a
missão de Jesus?
7). 1,40-45 – Que faz Jesus em favor do marginalizado?

b) Sugestões para o aprofundamento do estudo do texto:


8.Que nos ensina este texto sobre o Reino de Deus?
9. Enumerar os tipos de marginalizados com os quais Jesus mais se
relaciona durante a vida
E nossa comunidade? E nós, pessoalmente? Que relação temos com
os marginalizados da nossa cidade?

c) Lembrar que é necessário estudar bem o texto em si, antes de passar a


descobrir o sentido do texto para nós, hoje. É preciso anotar não só as
semelhanças, mas também as diferenças com nossa época.

3. Estudo do período histórico

a) Morte de Herodes, o Grande (4 a.C.)


b) Nascimento de Jesus (6 a.C.)
c) Morte de Augusto; ascensão de Tibério (14 d.C.)
d) Caifás, sumo sacerdote em Jerusalém (18 d.C.)
e) Pôncio Pilatos, governador da Judéia (26 d.C.)
f) Jesus inicia seu ministério (26. d.C.)
g) Morte e ressurreição de Jesus (30 d.C.)
h) Conversão de Paulo (33 d.C.)
i) Morte de Tibério; ascensão de Calígula (37 d..)

4. Partilha

Fazer uma síntese do trabalho realizado pelo grupo, se possível por


escrito. Apoiar-se nas seguintes perguntas:
a) Que descobriu em relação ao sentido do texto em si mesmo?
65
b) Que descobriu em relação àquele período da história do povo da
Bíblia?
c) Em que este estudo o ajudou a clarear o texto da Bíblia: sua origem,
sua formação?
d) Como este texto ajuda a ver a realidade?
e) Que descobriu em relação à forma de interpretar a Bíblia e em
relação à forma de transmiti-la ao povo?

5. Oração

O Magnificat, cantado por Maria, a mãe de Jesus, nos relembra tudo o


que o Senhor fez por seu povo. Ao mesmo tempo, Maria anuncia a irrupção
do reino em seu filho Jesus (Lucas 1,46-55).

6. Preparação do próximo encontro

Definir o tema: As comunidades, um novo modo de ser Povo de Deus.


Texto a ser estudado: Atos 4,1-36.

SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

a) A informação essencial sobre a Boa Nova de Jesus e a realização da


esperança da salvação se encontram em todo o Novo Testamento; porém,
de maneira privilegiada, nos relatos dos quatro evangelhos. – b) Os
evangelhos são relatos ou testemunhos de uma experiência histórica e de fé
das diversas comunidades a que seus autores estavam ligados. Eles contêm,
em sua origem, não só as tradições dessas comunidades, mas também as
intenções concretas que transmitem. Por isso, não são simples biografias de
Jesus. – c) É interessante saber que os evangelhos não foram os primeiros
relatos escritos do Novo Testamento. Antes de ser escrito o primeiro
evangelho, já estavam escritas as cartas de Paulo. – d) A situação histórica,
social, cultural e política do povo judeu entre os anos 1 a 70 d.C. tem
grande influência sobre os escritos do Novo Testamento, de modo especial
sobre os evangelhos. Eles foram escritos nestas circunstâncias e nesta
época. Por isso, ajuda muito conhecer e compreender essa história. – e) A
razão acima nos fornece base para afirmar também que é necessário
conhecer as situações históricas, sociais, culturais e políticas do nosso
tempo e do nosso país, para entender o Evangelho e sua mensagem para
nós hoje.
66
ENCONTRO 10 – As comunidades: um novo modo de ser
povo de Deus

Comunidade, um novo modo de ser Povo de Deus

TEMA: O surgimento de um modo nosso de ser Povo de Deus.


PERÍODO: Da ressurreição de Jesus ao Concílio de Jerusalém (30-49
d.C).
ASPECTOS:
1. ATOS 4,1-36:O mundo evangelizado pelos pobres; a resistência
dos fracos ante o poder estabelecido.
2. ATOS 3,1-26: A vida que surge da morte pelo poder de Jesus.
3. JOÃO 9: Obstáculos ao nascimento do novo Povo de Deus. O
judaísmo contra os seguidores de Jesus.

Palavra-chave: COMUNIDADE

“A multidão de fiéis tinha um só coração e um só espírito” (Atos 4,32).

1. Partir da realidade de hoje

Em todos os países da América Latina estão surgindo diferentes tipos


de comunidades cristãs. São constituídas pelo povo pobre. Lutam pela
causa de Jesus e se perguntam como podem dar testemunho da
ressurreição. Conhecem a perseguição e enfrentam a incompreensão de
muitos setores.
a) Que sabemos das comunidades cristãs em nosso país e nos outros
países da América Latina?
b) Como vivem, celebram e testemunham a sua fé?
c) Quais são os sinais de morte e de vida nestas comunidades?
d) Como as comunidades influem na busca de soluções para as
necessidades e os anseios do povo?
e) Até que ponto estamos inseridos, como pessoas, na participação e na
formação de comunidades?

2. Estudo sobre o texto escolhido: Atos 4,1-36

a) Ver de perto o texto:


1. Quais são os elementos importantes deste texto? Quais são os
diversos momentos e os diversos fatos nele narrados?
67
2. Quais são os mecanismos de morte, por parte do poder político e
religioso, que o texto aponta?
3. Quais são os elementos importantes contidos no texto?
4. Qual a situação que o texto revela sobre a comunidade nascente?

b) Considerar a situação histórica:


5. Qual era a situação histórica daquele tempo que o texto revela?
6. Qual era a relação entre os judeus (poder social, religioso e
político) e este grupo de homens e mulheres do povo que seguiam o
caminho de Jesus e começavam a criar comunidades?
7. Como este texto responde à situação do povo daquela época?
Que idéias e respostas este texto dá ao povo daquele tempo?

c) Ouvir a mensagem do texto:


8. Como o povo e a comunidade resistiram frente à situação
daquela época?
9. Que sinais de morte e de vida aparecem no texto?
10. Que diz o texto para as nossas comunidades de hoje?
11. Como o povo resiste à situação?

3. Estudo do período histórico

a) Morte e ressurreição de Jesus (30 d.C.)


b) Conversão de Paulo (33 d.C.)
c) Morte de Tibério; ascensão de Calígula (37 d.C.)
d) Morte de Calígula; Ascensão de Cláudio (41 d.C.)
e) Primeira viagem missionária de Paulo (46-48 d.C.)
f) Concílio de Jerusalém (49 d.C.)

4. Partilha

Fazer uma síntese do trabalho realizado pelo grupo, se possível por


escrito. Apoiar-se nas seguintes perguntas:
a) Que descobriu em relação ao sentido do texto em si mesmo?
b) Que descobriu em relação àquele período da história do povo da
Bíblia?
c) Em que este estudo o ajudou a clarear o texto da Bíblia: sua origem,
sua formação?
d) Como este texto ajuda a ver a realidade?
68
e) Que descobriu em relação à forma de interpretar a Bíblia e em
relação à forma de transmiti-la ao povo?

5. Oração

Nesta situação de morte e vida, a comunidade ora (Atos 4,23-31). O


grito da comunidade, nascido da realidade, clama pela vida. Fortalecida
pelo Espírito Santo, a comunidade continua anunciando a Palavra.

6. Preparação do próximo encontro

Definir o tema: A expansão do Evangelho pelo mundo.


Texto a ser estudado: Atos 15,1-29.

SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

a) As comunidades surgiam na medida em que os cristãos se reuniam


em suas casas para orar e partilhar. Cada casa era chamada de Igreja
(Romanos 16,5).
b) Ao se reunirem em suas casas, os cristãos enfrentavam a religião
oficial dos judeus, porque não ofereciam mais sacrifícios no templo, centro
de poder político e religioso.
c) Então os judeus começaram a perseguir as comunidades. Isto teve
como conseqüência a dispersão dos seguidores de Jesus e a evangelização
dos pagãos (João 9).
69
ENCONTRO 11 – Expansão do Evangelho pelo mundo

“...O Espírito Santo descerá sobre vocês, e dele receberão força


para serem as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e
Samaria, e até os extremos da terra”. (Atos 1,8)

TEMA: Os conflitos provocados pelo evangelho frente ao mundo pagão.


PERÍODO: Desde o Concílio de Jerusalém até a morte de Pedro e Paulo
(49-67 d.C.).
ASPECTOS:
1. ATOS 15,1-29: Conflito entre as comunidades que seguem e
impõem a Lei de Moisés e as comunidades surgidas no mundo helenístico.
2. ATOS 8,26-40: O Reino de Deus aberto aos mais
marginalizados.
3. ATOS 17,16-34: Dificuldades encontradas pelas primeiras
comunidades cristãs na evangelização dos gentios. Duas visões da realidade
das comunidades e do processo evangelizador: uma, a ação do Espírito na
cultura e na sociedade; a outra, o poder religioso da Lei Mosaica.

Palavra-chave: NOVO POVO

“Ninguém coloca vinho novo em odres velhos; o vinho arrebentará os


odres e tanto o vinho quanto os odres serão perdidos. Para vinho novo,
odres novos!” (Marcos 2,22).

1. Partir da realidade de hoje

O povo sofrido da América Latina procura unir-se na luta pela vida,


através de organizações populares. Entretanto, existem profundas divisões
em vários níveis: racial (negro, branco, índio); sexual (homem, mulher);
político (direita, esquerda); religioso (igrejas, seitas, movimentos) etc. Estas
divisões aumentam em razão de forças externas e países poderosos que
dividem povos latino-americanos entre si.

a) O que é que mais divide o povo e a Igreja?


b) Quais são os objetivos que unem o povo na luta?
c) De que maneira percebemos a presença de Deus nas tentativas de
união e organização popular?
70
2. Estudo do texto escolhido: Atos 15,1-29

Situação conflitiva da Igreja Primitiva que impele para uma nova tarefa
evangelizadora.

a) Ver de perto o texto:


1. Que elementos você acha importantes neste texto?
2. Que explicam Paulo e Barnabé? Qual é a resposta de Pedro, de
Tiago, de toda a comunidade?

b) Considerar a situação histórica:


3. Quais são os principais conflitos que as comunidades primitivas
viviam naquele momento?
4. Quais são as causas das diversas atitudes existentes?
5. Como as comunidades enfrentaram este desafio?

c) Ouvir a mensagem do texto:


6. A sua comunidade viveu ou vive situação semelhante?
7. Como este texto ilumina e questiona a nossa ação pastoral de
hoje?

3. Estudo do período histórico

Cláudio (49-54) e Nero (54-68) são os imperadores de Roma. Vive-se


numa sociedade na qual a religião e a política se acham intimamente
unidas. Muitos povos sofrem e passam fome. O Concílio de Jerusalém (49)
decreta que os convertidos do paganismo estão isentos da Lei. Paulo funda
comunidades na Ásia e na Europa (Antioquia, Chipre, Filipos, Tessalônica,
Éfeso, Corinto...). Paulo lutará, através de suas cartas, para conseguir uma
sociedade igualitária composta de cristãos nascidos do judaísmo e do
paganismo. As comunidades paulinas acorrerão para ajudar a comunidade
de Jerusalém que passa fome. Por causa das tensões vividas nesta época no
seio do judaísmo, Paulo é preso e finalmente morto em Roma, no ano 67.

4. Partilha

Fazer uma síntese do trabalho realizado pelo grupo, se possível por


escrito. Apoiar-se nas seguintes perguntas:
a) Que descobriu em relação ao sentido do texto em si mesmo?
71
b) Que descobriu em relação àquele período da história do povo da
Bíblia?
c) Em que este estudo o ajudou a clarear o texto da Bíblia: sua origem,
sua formação?
d) Como este texto ajuda a ver a realidade?
e) Que descobriu em relação à forma de interpretar a Bíblia e em
relação à forma de transmiti-la ao povo?

5. Oração

Do seio de nossa situação de divisão e de conflitos sentimo-nos


interpelados a “entregar nossas vidas à causa de Nosso Senhor Jesus
Cristo” (Atos 15,26). Contamos com a presença de Jesus em nosso
caminhar; ele fortalece nossa debilidade e nos enche de esperança.
Romanos 8,31-39: ler este trecho e comentá-lo em comum.

6. Preparação do próximo encontro

Definir o tema: Perseguição e resistência alimentada pela esperança, no


final do século I.
Texto a ser estudado: Apocalipse 12,1-17.

SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

a) Durante este período, depois da morte de Jesus e da destruição de


Jerusalém (70 d.C.), aparecem muitas tensões sociais e conflitos entre
judeus e cristãos.

b) Estes conflitos sucedem na Palestina e também nas vizinhanças, na


Ásia Menor, para onde muitos judeus emigraram.

c) Estes conflitos vão tomando contornos mais nítidos à proporção que


Paulo funda comunidades cristãs fora da Palestina; delimitar-se-á, então,
uma linha divisória clara entre a Sinagoga e a Igreja nascente, entre
judaísmo e cristianismo.

d) Por esta época começaram a ser escritos os livros do Novo


Testamento.
72
1. Todas as cartas de Paulo.

2. Os evangelhos. O primeiro a aparecer talvez tenha sido o de Marcos,


e o último, o de João.

3. Os demais escritos ou livros do Novo Testamento.

e) As Cartas de Paulo nos transmitem não só a doutrina, mas também o


testemunho de vida, os conflitos e os problemas das primeiras comunidades
cristãs fora da Palestina. O livro dos Atos dos Apóstolos, em sua primeira
parte, nos apresenta o testemunho de vida das primeiras comunidades
cristãs na Palestina. É a pregação e a atividade missionária do apóstolo
Paulo, até sua viagem a Roma!
73
ENCONTRO 12 – Perseguição e resistência no final
do século I

“Ele vai enxugar toda lágrima dos olhos deles, pois nunca mais
haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor. (...) Eis que faço novas
todas as coisas” (Ap 21,4.5).

TEMA: Esperança de um povo que sofre.


PERÍODO: 67-100 d.C.
ASPECTOS:
1. APOCALIPSE 12,1-17: Deus presente na história, oculto nos
acontecimentos.
2. APOCALIPSE 21,1-8: Deus realiza a esperança com as pessoas.
3. TIAGO 5,1-6: Juízo de Deus sobre os ricos.

Palavra-chave: TRIUNFO SEGURO

“Estive morto e de novo sou aquele que vive pelos séculos dos séculos”
(Apocalipse 1,18).

1. Partir da realidade de hoje

O povo que sofre vai descobrindo a presença do juízo de Deus nos


acontecimentos de sua história.
a) Que tipos de perseguição o imperialismo moderno usa contra o povo
nos dias de hoje?
b) Como o povo resista a ameaças?
c) Que é que mantém viva a esperança de nosso povo, de nossa
comunidade, e a nossa?
d) Conhece alguém que, na perseguição e na morte, alcançou a vitória?

2. Estudo do texto escolhido: Apocalipse 12,1-17: Descreve como


Deus toma partido em favor da vida ameaçada.

O Apocalipse é o livro da esperança de um povo que sofre, no final do


primeiro século.
74
a) Ver de perto o texto:
1. Este livro foi escrito em tempo de perseguição, quando não se
podia falar clara e abertamente. Por isso, ele contém tantos símbolos.
Convém, pois, ler o texto atentamente e procurar captar os símbolos que
nele aparecem.
2. Quem é simbolizado pela mulher grávida que grita quando sente
as dores do parto?
3. Quais são as situações que o texto nos descreve, e o que
significam?

b) Considerar a situação histórica:


4. Qual é a situação do povo que aparece no texto?
5. Como o texto mostra que as perseguições são sinais de vitória?
6. Que descrições de Jesus aparecem ao longo do Apocalipse, neste
trecho concreto, e com que características?

c) Ouvir a mensagem do texto:


7. Que diz o texto ao povo daquela época?
8. Que diz este texto a nosso povo de hoje, quando vivemos
também momentos de violência e de perseguição?
9. A fé em Jesus Cristo e a doação da própria vida são mais fortes
que as perseguições e as ameaças que nos cercam?
10. Que significam, à luz deste texto, as palavras de Mons. Romero:
“Se me matarem, eu ressuscitarei no coração de meu povo”?

3. Estudo do período histórico

O povo das comunidades sofre as conseqüências da época de Nero e


vive as perseguições de Domiciano, imperador que exige ser adorado como
um deus. Neste período foram escritos os evangelhos.

4. Partilha

Fazer uma síntese do trabalho realizado pelo grupo, se possível por


escrito. Apoiar-se nas seguintes perguntas:
a) Que descobriu em relação ao sentido do texto em si mesmo?
b) Que descobriu em relação àquele período da história do povo da
Bíblia?
c) Em que este estudo o ajudou a clarear o texto da Bíblia: sua origem,
sua formação?
75
d) Como este texto ajuda a ver a realidade?
e) Que descobriu em relação à forma de interpretar a Bíblia e em
relação à forma de transmiti-la ao povo?

5. Oração: Apocalipse 5,9-14

Unidos em profunda esperança, elevemos uma oração ao Cordeiro que


foi imolado, mas que “está em pé”.

6. Preparação do próximo encontro

Ao final destes encontros, sugere-se convidar todos os participantes


para uma reunião de avaliação do caminho percorrido.

SUBSÍDIO PARA O ESTUDO

a) Os apocalipses estiveram na moda durante os dois últimos séculos


do antigo Testamento e os dois primeiros do Novo Testamento. Entre os
apocalipses bíblicos, o principal texto do Antigo Testamento é o livro de
Daniel. Foi escrito para levantar o ânimo dos crentes em Javé, durante a
perseguição de Antíoco Epifânio.

b) A apocalíptica judaica é uma síntese nova entre profecia e sabedoria.

c) No “Apocalipse de Jesus Cristo”, Jesus ressuscitado, centro de tudo,


Senhor da História e do Universo, é apresentado numa seqüência de
quadros fortes e coloridos, porém sempre intimamente carinhoso para com
o povos das comunidades. Os crentes vêem nele sua vitória garantida e
recebem assim a força necessária para sustentar a perseguição. No final,
Jesus triunfará, de maneira definitiva, sobre todos os seus inimigos: o
império opressor, os falsos profetas, Satanás e a própria morte. E os
vencedores triunfarão para sempre com Ele.
76
VIII. RESUMO: a mística que deve animar
a Leitura Orante da Bíblia

1) Ao iniciar a Leitura Orante da Bíblia, você não vai estudar; não vai
ler a Bíblia para aumentar o seu conhecimento nem para preparar algum
trabalho apostólico; não vai ler para ter experiências extraordinárias. Mas
vai ler a Palavra de Deus para escutar o que Deus tem a lhe dizer, para
conhecer a sua vontade e, assim, poder viver melhor o Evangelho de Jesus
Cristo. Em você deve estar a pobreza; deve estar também a disposição que
o velho Eli recomendou a Samuel: “Fala, Senhor, que teu servo escuta!”
(1Sm 3,10).

2) Poder escutar a Deus não depende de você nem do esforço que fará,
mas só e unicamente de Deus, da sua decisão gratuita e soberana de entrar
em contato com você e de fazer com que você possa ouvir a sua voz. Para
isto é necessário que você se prepare, pedindo que Ele mande o seu
Espírito. Pois sem a ajuda do Espírito de Deus não é possível descobrir o
sentido que a Palavra de Deus tem para nós hoje (cf. Jo 14,26; 16,13; Lc
11,13).

3) É importante criar um ambiente adequado que favoreça o


recolhimento e a “escuta” atenta da Palavra de Deus. Para isto você deve
colocar-se na presença de Deus e permanecer atento a ela durante todo o
tempo da Leitura Orante. E lembre-se: uma boa e digna posição do corpo
favorece o recolhimento da mente.

4) Abrindo a Bíblia, você deve estar bem consciente de que está abrindo
um livro que não é seu, mas da comunidade. Fazendo a sua Leitura Orante,
você está entrando no grande rio da tradição da Igreja que atravessa os
séculos. A Leitura Orante é o barquinho que nos carrega pelas curvas deste
rio até o mar. O clarão luminoso que nos vem do mar já clareou a “noite
escura” de muita gente. Mesmo fazendo sozinho a sua leitura orante da
Bíblia, você não está só, mas estará unido aos irmãos e às irmãs que, antes
de você, procuraram “meditar dia e noite na lei do Senhor” (Sl 1,2).

5) Uma leitura atenta e proveitosa da Bíblia tem três passos. Ou seja, do


começo ao fim, ela deve estar marcada por três atitudes:
77
1º Passo ou atitude: antes de tudo você deve ter sempre a preocupação
de investigar: “O que o texto diz em si?” Isto exige que faça silêncio.
Dentro de você tudo deve silenciar, para que nada o impeça de escutar o
que o texto tem a dizer, e para que não aconteça que você leve o texto a
dizer só aquilo que você gosta de escutar.
2º Passo ou atitude: você também deve ter sempre a preocupação de se
perguntar: “O que o texto diz para mim, para nós?” Neste segundo passo,
você entra em diálogo com o texto, para que o sentido se atualize e penetre
a sua vida. Como Maria, rumine o que escutou (Lc 2,19.51), para que,
assim, a Palavra de Deus habite abundantemente na sua boca e no seu
coração.
3º Passo ou atitude: além disso, você deve estar sempre preocupado em
descobrir: “O que o texto me faz dizer a Deus?” É a hora da prece, o
momento de vigiar em orações. Até agora, Deus falou para você; chegou a
hora de você responder a Ele.

6) O resultado, o 4º passo, o ponto de chegada da Leitura Orante é a


contemplação. Contemplação é: a) ter nos olhos algo da “sabedoria que
leva à salvação” (2Tm 3,15); b) é começar a ver o mundo e a vida com os
olhos dos pobres, com os olhos de Deus; c) é você assumir sua própria
pobreza e eliminar do seu modo de pensar aquilo que vem dos poderosos;
d) é tomar consciência de que muita coisa, da qual você pensava que fosse
fidelidade a Deus e ao Evangelho, na realidade nada mais era do que
fidelidade a você mesmo e aos seus próprios interesses e idéias; e) é
saborear, desde já, algo do amor de Deus que supera todas as coisas; f) é
mostrar pela sua vida que o amor de Deus se revela no amor ao próximo; g)
é dizer sempre: “faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38). Assim,
tudo o que deve ser feito, será feito de acordo com a Palavra do Senhor.

7) Para que a sua Leitura Orante não fique entregue só às conclusões


dos seus próprios sentimentos, pensamentos ou caprichos, mas tenha
firmeza maior e seja realmente fiel, é importante você levar em conta três
exigências fundamentais: 1ª exigência: confrontar o resultado da sua leitura
com a comunidade a que você pertence, com a fé da Igreja viva. Do
contrário, poderia acontecer que o seu esforço não o leve a canto nenhum
(Gl 2,2). 2ª exigência: confrontar aquilo que você lê na Bíblia com a
realidade que hoje vivemos. Quando a Leitura Orante não alcança o seu
objetivo na nossa vida, a causa nem sempre é falta de oração, falta de
atenção à fé da Igreja, ou falta de estudo crítico do texto. Muitas vezes, é
simplesmente falta de atenção à realidade nua e crua que hoje vivemos,
78
aqui na América Latina. Quem vive na superficialidade, sem aprofundar
sua vida, não pode atingir a fonte de onde nasceram os Salmos, dizia
Cassiano. 3ª exigência: confrontar as conclusões da sua leitura com os
resultados da exegese bíblica que investiga o sentido da Letra. A Leitura
Orante – é verdade – não pode ficar parada na letra; ela deve procurar o
sentido do Espírito (2Cor 3,6). Mas querer estabelecer o sentido do Espírito
sem fundamentá-lo na letra é o mesmo que construir um castelo no ar
(Santo Agostinho). É cair no engano do fundamentalismo. Hoje em dia, em
que tantas idéias se propagam, é muito importante ter bom senso. O bom
senso se alimenta do estudo crítico da letra.

8) O apóstolo Paulo dá vários conselhos de como ler a Bíblia. Ele


mesmo foi um bom intérprete. Eis algumas das normas e atitudes
recomendadas e observadas por ele. Quando você for ler a Bíblia: a)
considere-se destinatário do que está escrito, pois tudo foi escrito para a
nossa instrução (1Cor 10,11; Rm 15,4); a Bíblia é o nosso livro; b) procure
ter nos olhos a fé em Jesus Cristo, pois é só pela fé em Jesus que o véu cai e
que a Escritura revela o seu sentido e nos comunica a sabedoria que leva à
salvação (2Cor 3,16; 2Tm 3,15); c) lembre-se: Paulo falava de “Jesus
Cristo crucificado” (1Cor 2,2), “escândalo para uns e loucura para outros”,
foi este Jesus que lhe abriu os olhos para perceber como, no meio dos
pobres da periferia de Corinto, a loucura e o escândalo da cruz estavam
confundindo os sábios, os fortes e os que pensavam ser alguma coisa neste
mundo (1Cor 1,21-31); d) misture o eu e o nós; nunca só o eu, e nunca só o
nós! O apóstolo também misturava, pois recebeu sua missão da
comunidade de Antioquia e falava a partir dela (At 10,1-13); e) tenha
presente os problemas da sua vida pessoal, da sua família, das
comunidades, da Igreja, do povo a que você pertence e serve; foi assim que
Paulo relia e explicava a Bíblia: a partir dos problemas das comunidades
por ele fundadas (1Cor 10,1-13).

9) Ao ler a Bíblia tenha bem presente que o texto da Bíblia não é só uma
janela por onde você olha para saber o que aconteceu com os outros no
passado; é também um espelho, um “símbolo” (Hb 11,19), onde você olha
para saber o que está acontecendo hoje com você (1Cor 10,6-10). A Leitura
Orante diária é como a chuva mansa que, aos poucos, vai amolecendo e
fecundando o terreno (Is 55,10-11). Entrando em diálogo com Deus e
meditando a sua lei, você cresce como a árvore plantada à beira dos
córregos (Sl 1,3).Você não vê o crescimento, mas perceberá o resultado no
encontro renovado consigo, com Deus e com os outros. Diz o canto: “É
79
como a chuva que lava, é como o fogo que arrasa, Tua Palavra é assim, não
passa por mim, sem deixar um sinal”.

10) Um último ponto a ser levado em conta. Quando você faz Leitura
Orante, o objetivo último não é interpretar a Bíblia, mas sim interpretar a
vida. Não é conhecer o conteúdo do Livro Sagrado, mas, sim, ajudado pela
Palavra escrita, descobrir a Palavra viva que Deus fala hoje em sua vida, na
nossa vida, na vida do povo, na realidade do mundo em que vivemos (Sl
95,7); é crescer na fé e, como o profeta Elias, experimentar, cada vez mais,
que “vivo é o Senhor, em cuja presença estou!” (1Rs 17,1; 18,15).

“O Senhor Javé abriu-me os ouvidos e eu não fui rebelde, não recuei.


Ofereci o meu dorso aos que me batiam. O Senhor Javé virá em meu
socorro. Eis por que não me sinto humilhado. Perto de mim está aquele
que defende minha causa” (Is 50,4-8).

Jesus apresentou-se no meio deles e disse: “A paz esteja com vocês!”


Em seguida, abriu-lhes a mente para que entendessem a Escritura (Lc
24,36.45). E disse ainda: “O Espírito Santo que o Pai enviará em meu
nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse. Ele vos
conduzirá à verdade plena (Jo 14,26; 16,13).

“Quando terminaram a oração, estremeceu o lugar em que estavam


reunidos. Todos, então, ficaram cheios do Espírito Santo e, com coragem,
anunciavam a Palavra de Deus” (At 4,31).
80
IX. A VISÃO GLOBAL DA BÍBLIA

Reler o passado à luz do presente

I. O significado de uma boa visão global da Bíblia: O Concílio


Vaticano II pede que se dê atenção não só ao conteúdo, mas também à
unidade de toda a Escritura (DV 12). Ou seja, não basta conhecer as coisas
que estão na Bíblia; é preciso saber situá-las dentro de uma visão global
que as interprete e explique. Uma visão global funciona como chave de
leitura. É uma luz que nos clareia a história do povo de Deus. Ajuda a reler
os textos antigos com olhos novos e a formar-nos, assim, uma idéia nova e
atualizada do Projeto de Deus, da Vontade de Deus.
A visão global que se tem da Bíblia muda (e deve mudar) de acordo
com os desafios e problemas que o povo enfrenta em cada época da sua
história. Não se trata, porém, de uma coisa arbitrária que alguém inventa
para propagar idéias novas sem consistência. Uma boa visão global deve
estar fundamentada nos fatos da história, narrados pela Bíblia. Ela nasce do
estudo da letra, do texto, dos mesmos textos de sempre. Mas não só! Nasce
também do Espírito, de uma experiência de Deus, do mesmo Deus de
sempre, que, no passado, conduziu o povo, inspirou os textos e, até agora,
continua vivo e presente no meio do povo. Com essa experiência de Deus
nos olhos, o povo lê ou relê a Bíblia para encontrar nela a luz e a força que
o ajudem a superar os desafios e problemas da caminhada.
A própria Bíblia se preocupa em oferecer aos seus leitores a
possibilidade de uma boa e bem atualizada visão global da história, de
acordo com as exigências da situação em que eles se encontram. Por
exemplo, vários salmos oferecem um resumo do passado, mas cada um o
faz com um objetivo diferente: salmo 105(104), como motivo de louvor;
salmo 106(105), como motivo de revisão; salmo 107(106), como motivo de
reanimação etc. Nas várias épocas da sua história, o povo hebreu chegou a
elaborar uma síntese ou visão global da história que respondesse aos
problemas da época: javista, eloísta, deuteronomista, sacerdotal e outras.
Em toda parte da Bíblia, aparecem pequenos resumos do passado na boca
dos grandes personagens: Josué (Js 24,2-13); Moisés (Dt 1-11; 32,1-43);
Aquior, o amonita (Jt 5,5-21); Estêvão (At 7,2-53); Paulo (At 13,15-25) etc.
Com essas e outras sínteses, a Bíblia convida o leitor a não se fixar numa
mesma idéia do passado, ajuda-o a reler o passado com olhos renovados e a
se formar, assim, uma nova visão global.
Na própria Bíblia, reencontramos o mesmo esquema básico de leitura já
encontrado na Leitura Orante e na prática das Comunidades. Leitura que
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parte 1) da realidade que se vive hoje; 2) da fé da comunidade a que se
pertence; 3) de um respeito profundo pelo texto que se lê. Leitura que tem o
mesmo objetivo: com a ajuda da Bíblia, descobrir a Palavra de Deus que
está na vida.

II. A importância de se ter uma boa visão global da Bíblia. a) É um


meio didático eficaz para se conhecer e memorizar o passado; ajuda o povo
a não perder a memória nem a própria identidade. b) Ajuda a perceber que
a unidade da Bíblia vem do rosto de Deus, isto é, vem da percepção da
Vontade de Deus para nós hoje, do seu Projeto. Os detalhes desta Vontade
Divina estão espalhados por todas as páginas da Bíblia. c) Ajuda a perceber
que a Bíblia foi escrita não só para ensinar o passado, mas também e
sobretudo para apresentá-lo como espelho e símbolo do presente; deste
modo, a visão global ajuda o povo a perceber melhor o sentido da sua
caminhada. d) Ajuda a situar as várias partes da Bíblia dentro do conjunto
maior; deste modo, ajuda a relativizar as possíveis contradições entre os
vários livros. e) Ajuda a perceber que a Bíblia tem finalidade didática e
que, por isso mesmo, tem as suas limitações. Nem sempre ela dá atenção
suficiente aos detalhes dos fatos e dos conflitos que ele descreve. f) Ajuda a
situar o texto dentro do seu contexto mais amplo: literário, histórico e
teológico. Amplia, assim, o sentido e impede que este seja manipulado por
uma atitude fundamentalista. g) Ajuda e favorece o objetivo da leitura da
Bíblia: “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz!” (Sl 95,7). Uma boa visão global
da Bíblia é, ao mesmo tempo, semente e fruto de uma nova experiência do
Deus Libertador.

III. Um esquema da história que pode ajudar a formar uma visão


global da Bíblia. Apresentamos aqui um esquema didático para ajudar as
pessoas a formarem uma boa visão global da Bíblia. O esquema serve como
exemplo. Resumimos a história em quatro grandes unidades, cada uma com
quatro subdivisões. Ao todo são dezesseis etapas. Outros adotam outra
divisão. O importante é que o esquema tenha fundamento na história e
ajude o leitor a ver na história um espelho do que acontece hoje.

Primeira unidade: A origem do Povo de Deus e a sua organização.


Desde Abraão e Sara até Davi (1800-1000). — 1ª Etapa: 1600-1200 –
Desde a entrada no Egito até a conquista da terra. Êxodo: libertação da
opressão, aliança, tempo do deserto. — 2ª Etapa: 1200-1050 – Desde a
entrada na terra até Samuel, o último Juiz. Juízes: organização das tribos,
distribuição da terra. — 3ª Etapa: 1800-1050 – Desde Abraão e Sara até a
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época dos Juízes. Patriarcas: lembrar e reler os modelos de vida do povo.
— 4ª Etapa: 1050-1000 – Desde Samuel até o fim do reinado de Davi, em
Hebron. Crise do sistema tribal, mudança para a monarquia.
Comentário: a) Alcance. A experiência que as tribos revoltosas do
Egito e da Palestina tiveram da presença libertadora de Deus na sua luta
contra o poder opressor do faraó e dos reis de Canaã fez nascer o Povo de
Deus. Essa experiência inicial tornou-se nele a fonte permanente e
inesgotável da sua identidade. Este período inicial será objeto de
interpretações e releituras ao longo de toda a história, tanto do Antigo como
do Novo Testamento, pois nele estão todos os elementos básicos da missão
e da organização do povo de Deus. A memória perigosa desse período
inicial acordará nos profetas e servirá a eles como norma e critério na sua
luta contra os abusos dos reis. Não se distanciar desta origem permanente
do povo de Deus e mantê-la bem viva na memória é o objetivo da Leitura
Orante da Bíblia. b) Perguntas para hoje: Qual a experiência inicial que
deu origem à nossa Comunidade, ao nosso povo? Como descobrimos Deus
aí dentro? Como esta experiência é fonte permanente de onde brota (ou
deveria brotar) a nossa identidade e nossa consciência como povo de Deus?

Segunda unidade: Reis e Profetas: conflito entre poder e carisma.


Desde Davi até a véspera do exílio (1000-609). — 5ª Etapa: 1000-885 –
Desde Davi, como rei de Judá e Israel, até o golpe de Omri. Davi e
Salomão: volta da opressão, divisão do reino. — 6ª Etapa: 885-722 – Desde
Omri, rei de Israel, até a destruição de Samaria. Elias enfrenta o sistema do
rei: evolução do profetismo. — 7ª Etapa: 740-640 – Desde a vocação de
Isaías até a posse do rei Josias. A reforma fracassa por causa da corrupção
dos reis. — 8ª Etapa: 640-609 – Desde a posse de Josias até a sua morte
trágica. A reforma deuteronomista: leitura profética da história.
Comentário: a) Alcance. A monarquia veio como fruto das
circunstâncias econômicas, sociais, políticas e religiosas. Ambivalente em
si, ela possuía aspectos positivos e negativos. Representava, ao mesmo
tempo, um avanço e um retrocesso. Prevaleceu o retrocesso, venceu o
negativo. O positivo ficou só na lembrança, como fonte de esperança: no
futuro, o Rei ideal, o Messias, deve vir para realizar o Reino de Deus. A
experiência histórica da monarquia foi desastrosa para o povo. Ela fez
voltar a escravidão e a opressão, piores do que no Egito. Os (verdadeiros)
profetas reagem e, em nome da Aliança e do passado do povo, fazem
oposição. Eles relêem a origem do povo para clarear e criticar o presente.
São quatro séculos de conflito entre a tradição do Êxodo, da Aliança, do
carisma, da liberdade, e a tentativa do poder de institucionalizar a tradição e
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de canalizá-la em seu favor. É o conflito entre poder e carisma. b)
Perguntas para hoje: Até onde vai e como se manifesta hoje a luta entre o
poder e o carisma, tanto na sociedade civil como na igreja? Como se
manifesta hoje o profetismo? Quais as diferenças e as semelhanças entre
ontem e hoje?

Terceira unidade: destruição, cativeiro, revisão, reconstrução.


Desde a véspera do exílio até o limiar do Novo Testamento (609-001). —
9ª Etapa: 609-587 – Desde a morte de Josias até a destruição de Jerusalém.
Luta trágica de Jeremias: a decadência leva à destruição. — 10ª Etapa: 598-
445 – Desde a primeira deportação até a chegada de Neemias. Cativeiro,
revisão, nova libertação, volta, abertura. — 11ª Etapa: 445-167 – Desde
Neemias e Esdras até a revolta dos Macabeus. Reconstrução do povo em
torno da lei do templo. — 12ª Etapa: 167-001 – Desde os Macabeus até o
limiar do Novo Testamento. Ameaça helenista, revolta popular, fracasso da
revolução.
Comentário: a) Alcance: A monarquia fracassou e jogou o povo na
maior crise da sua história. Perderam todos os apoios tradicionais da sua fé
e tiveram de fazer uma revisão radical de tudo. Vivem agora uma situação
nova. Já não são uma nação independente, mas formam um grupo religioso,
sem independência política, sem importância, perdido num imenso império
multiracial assírio-babilônico-persa-grego-romano.. Internamente, estão
irremediavelmente divididos. Duas tendências opostas entre si se afirmam
e, por vezes, tentam conviver. São duas maneiras diferentes de se reler o
passado. De um lado, encaram a eleição divina como um serviço e chegam
a uma abertura quase universal: ser “Luz dos Povos”, amostra do que Deus
quer para todos. De outro lado, a eleição é vista como um privilégio, e
chegou-se a um fechamento quase total: nacionalização de Deus e da fé.
Estas duas tendências marcam o conflito que levou ao levante dos
Macabeus e são também a causa do seu fracasso. Vão marcar o conflito
entre Jesus e os fariseus. b) Perguntas para hoje: Como nos aproveitamos
dos fracassos para fazer revisão? Quais as tendências que marcam a nossa
luta contra a opressão: fechamento ou abertura? Qual a amostra do futuro
que está aparecendo nas coisas que realizamos? Existe alguma
ambivalência nesta amostra? Qual?

Quarta unidade: Novo Testamento: releitura da história à luz da


ressurreição. Desde a vinda de Jesus até o fim do século I (001-100). —
13ª Etapa: 001-033 – Desde o nascimento de Jesus até o dia de Pentecostes.
Jesus refaz a história e realiza a esperança do povo. — 14ª Etapa: 033-049
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– Desde Pentecostes até o Concílio de Jerusalém. As Comunidades: um
novo modo de ser Povo de Deus. — 15ª Etapa: 049-070 – Desde o Concílio
até a destruição de Jerusalém. Expansão da Boa Nova da ressurreição pelo
mundo. — 16ª Etapa: 070-100 – Desde a destruição de Jerusalém até o fim
do século I. Tensões, ameaças, perseguições, esperança: apocalipse.
Comentário: a) Alcance. Como os profetas antigos, Jesus toma posição
dentro do contexto sócio-político de seu tempo e retoma a experiência
inicial do povo de Deus. Em Jesus, Deus se faz presente e o povo
experimenta, novamente, a sua presença libertadora. Jesus, o Filho de Deus,
refaz a história e realiza a esperança do povo. Ele ficou do lado dos
marginalizados, revelando assim as preferências do Pai. “Sim, Pai, assim
foi do teu agrado!” Jesus revela o rosto do Pai e o faz brilhar sobre a
situação do povo e sobre o relacionamento entre as pessoas. Não viveu
mais que trinta e três anos! Não pregou mais que três! Incomodou os
poderosos e foi eliminado. Mas Deus o ressuscitou e assim desaprovou os
que o condenaram. Pela ressurreição, Deus aprovou a pessoa e a pregação
de Jesus. Seguindo pelo caminho trilhado por Jesus, caminha-se para a vida
e se é capaz de enfrentar e vencer a morte! Esta foi a Boa Notícia que os
cristãos anunciaram pelo mundo afora. Em torno dela nasceram as
Comunidades, que eram a nova forma de ser povo de Deus. O Novo
Testamento é o resultado da Leitura Orante que os primeiros cristãos
fizeram da Bíblia (Antigo Testamento), à luz da sua fé em Jesus Cristo. b)
Perguntas para hoje: De que maneira nossas comunidades, nossas famílias,
são revelação da Boa Nova de Jesus? De que maneira elas realizam a
esperança do povo? Como fazemos para ler os fatos e descobrir neles a
presença libertadora de Deus? Como fazemos para viver e revelar a
presença viva de Jesus no meio de nós? Como realizamos – pessoalmente e
comunitariamente – a afirmação de Paulo: “Vivo, mas não sou eu que vivo,
é Cristo que vive em mim”?
Este é o esquema da história da Bíblia: quatro grandes unidades, ao todo
16 etapas. Cada etapa reflete situações humanas que acontecem até hoje.
Este é o desafio que a visão global da Bíblia nos coloca: fazer hoje o
mesmo que eles fizeram naquele tempo, isto é, reler a nossa história, tanto
pessoal como coletiva, e, com ajuda da Bíblia, descobrir nela a presença
libertadora de Deus, empurrando-nos para a vida plena em Jesus Cristo! E
não só descobrir a presença libertadora de Deus em Cristo, mas também
assumi-la e celebrá-la.
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O caminho da oração

Jesus foi um homem de muita oração. Os primeiros cristãos


conservaram uma imagem de Jesus orante. De fato, a respiração de Jesus
era fazer a vontade do Pai (cf. Jo 5,19). Sua oração era constante: “Eu, a
cada momento, faço o que o Pai me mostra para fazer!” (Jo 5,19.30). Em
muitas circunstâncias e sobretudo nos momentos decisivos, ou difíceis,
Jesus entra em oração. Ele mistura sua vida com os Salmos, que, como todo
judeu piedoso, conhecia de memória. (cf Mc 14,34 e Sl 42,5.6; Mc 15,34 e
Sl 22,2; Lc 2,46-50; 3,21, 4,1-2; 10,21; Mt 26,38; Mc 7,34; 10,16; Jo 17,1-
26).
“A escola de Jesus era, antes de tudo, a vida em casa, na família, na
comunidade. Foi lá que aprendeu a conviver, a rezar e a trabalhar. O povo
rezava muito naquele tempo. Todos os dias, de manhã, à tarde e à noite.
Até hoje se conservam aquelas orações. Desde criança, eles aprendiam os
Salmos de memória. A mãe ou a avó os ensinavam (cf. 2Tm 1,5; 3,15)”.
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X. HISTÓRIA DO POVO DE DEUS – LINHA DO TEMPO

ANOS 1800 a 1200 a.C.

Império: Babilônia; Hicsos; Egito; Hititas.


Época: Origem de Israel
Personagens não-bíblicos: Ramsés II (1290-1224)
Personagens bíblicos: Abrão – Sara, Ló, Isaque – Rebeca, Jacó –
Raquel, Moisés, Arão, Mirian.
Realidades, problemas e situação do povo:
Cananeus. Vivem em planícies. Dependentes do Egito. Carros de
guerra. Exploram agricultores, tributos, trabalhos forçados.
Pastores. Vivem em estepes. Seminômades livres. Descendentes de
Patriarcas. Longe das cidades. Sem impostos. Crêem no Deus de seus pais,
que lhes promete terra e família.
Agricultores sublevados. Vivem em montes. São “hapirus” – pessoas
que escaparam do sistema de exploração cananeu. Possuem ferramentas de
ferro. Usam cisternas.
Escravos fugitivos. Vivem em estepes e montes. Vêm do Egito. Unem-
se a pastores e agricultores. Trazem a fé no Deus libertador. Influem
decisivamente sobre os pastores e “hapirus”.
Escritos da época: Tradições orais. (Salmo 104).
Escritos sobre a época: [Cartas de Tel-el-Amarna]. Ex 1-18. Nm 9-14;
20-25; Eclo 45. [Estela de Mernefta].

ANOS 1200 a 1000 a.C.

Império: Povos do mar


Época: Ocupação da terra. Tribalismo igualitário. Juizes.
Personagens não-bíblicos: Reis cananeus.
Personagens bíblicos: Josué; Débora – Baraque; Gideão; Jefté; Sansão.
Realidades, problemas e situação do povo:
Vivem em planícies. Cidades-estado independentes. Reis
monopolizadores. Leis que os defendem. Exército permanente. Deuses
justificadores da exploração: Baal, Aserá.
Pastores e agricultores. Vivem em montes. Organizados por clãs. Poder
descentralizado. Sem reis. Autonomia produtiva. Sem impostos.
Propriedade coletiva. Leis comunitárias. Deus libertador: Javé.
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Vão descendo às planícies. Crescente organização por tribos.
Distribuição comunitária de terras. Ocasionais guerras de defesa.
Assembléia de Siquém = aceitação de Javé por todos.
Escritos da época: Primeiros fragmentos escritos. Cântico de Débora:
Jz 5; Mandamentos: Ex 20,1-21; Código da Aliança: Ex 20,22–23,9; Salmo
19,2-7; Salmo 29; Salmo 68; Salmo 82; Salmo 136.
Escritos sobre a época: Js 1-12; 23-24; Dt 31-34; Eclo 46; Ex 19-24;
32-34; Nm 31-36; Js 13-19; Jz 1-18.

ANOS 1000 a 931 a.C.

Império: Fenícios
Época: Monarquia unida.
Personagens não-bíblicos: Filisteus.
Personagens bíblicos: Samuel; Saul; Davi; Salomão.
Realidades, problemas e situação do povo:
Acumulação de poder e de terras. Tributos. Trabalhos forçados.
Resistência dos agricultores. Guerras de conquista. Unificação territorial.
Cultos estrangeiros.
Escritos da época: Javista (J); História da sucessão dinástica (2 Sm 9-
20; 1Rs 1-2); Primeiros Provérbios; Salmos 2, 15, 24, 51, 110, 121–134.
Escritos sobre a época: Jz 19-21; 1-2Sm; 1Rs 1-11; 1Cr 11-21; 2Cr 1-
9; Eclo 47.

ANOS 931 a 722 a.C.

Época: Monarquia unida. Israel e Judá.


Personagens não-bíblicos: Homero. Fundação de Roma (753).
Personagens bíblicos: Em Israel: Aias – Jeroboão I; Elias – Acabe;
Eliseu – Jeú; Amós – Jeroboão II; Em Judá: Roboão; Isaías – Acaz.
Realidades, problemas e situação do povo:
Israel – Capital: Samaria. Crescem acumulação e idolatria.
Decomposição moral e religiosa; Elias enfrenta o sistema do rei; Destruição
e Exílio em Nínive (722);
Judá – Capital: Jeerusalém. Injustiças. Duros impostos. Ameaça assíria.
Alianças políticas. Sincretismo religioso. Esperança messiânica. Influência
dos profetas.
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Escritos da época:
Israel: Eloísta (E); Amós; Oséias; Salmo 58?.
Judá: 1 Isaías; Miquéias; Salmo 64.
Escritos sobre a época:
Israel: 1Rs 12-22; 2Rs 1-15; 17; Eclo 48.
Judá: 1Rs 12; 15; 2Rs 11-16; 2Cr 10-28; Is 1-12; 28-39.

ANOS 722 a 587 a.C.

Império: Assíria
Época: Monarquia de Judá.
Personagens não-bíblicos: Sargom II (705); Assurbanipal (681); Luta
entre Assíria, Egito e Babilônia.
Personagens bíblicos: Ezequias; Sofonias – Manassés; Hulda – Josias;
Jeremias – Joaquim; Zedequias;
Realidades, problemas e situação do povo:
Corrupção: Vassalos da Assíria. Tentativas de reforma. “Guerra suja”.
Impunidade. Estancamento. Confusão. Endividamento sem saída.
Reforma: reforma deuteronomista (620). Pressão do “povo da terra”.
Eliminação de santuários. Centralização do culto. Reforma do clero.
Renovação da Aliança. Leitura profética da história.
Desintegração: Decadência. Corrupção. Desintegração de instituições.
Volta ao modelos de Manasses. Politicagem. Ideologia justificadora da
opressão. Destruição de Nínive (612). 1ª deportação para a Babilônia (598).
Escritos da época:
1º núcleo do Deuteronômio; Sofonias; União de J e E; Provérbios 10-
22; 25-29; Salmos 46, 48. Deuteronômio 5-26; 28? Salmos 31, 80, 81.
Jeremias. Naum. Habacuc.
Escritos sobre a época:
2Rs 18-21; 2Cr 29-33; 2Rs 22-23; 2Cr 34-35; Eclo 49; 2Rs 24-25; 2Cr
36; Jr 1-45.

ANOS 587 a 538 a.C.

Império: Babilônia
Época: 587 - Em Judá. Exílio na Babilônia.
Personagens não-bíblicos: Nabucodonosor (605-562); Buda.
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Personagens bíblicos: Jeremias; Gedalias; Cantores; Ageu – Zacarias;
Sacerdotes; Ezequiel; 2 Isaías.
Realidades, problemas e situação do povo:
Em Judá: Destruição de Jerusalém (587). 2ª deportação: governantes,
sacerdotes e comerciantes. Distribuição de terras aos que ficam.
Agricultores tribalizados. Revisão. Não ao templo. Novo Davi.
Em Babilônia: Trabalhos forçados. Vivem em subúrbios. Crise de
identidade. Centram a vida no sábado, assembléias, circuncisão. Explicação
teológica do desastre. Dor purificadora. Nova Aliança.
Escritos da época:
Em Judá: Deuteronomista. (D); Js – Jz; Sm – Rs; Jr; Lm; Obadias;
Releitura de profetas.
Na Babilônia: Sacerdotal (P); Lv 8-10; 17-26; Ezequiel; 2 Isaías;
Salmos 42, 43, 69, 70, 137.
Escritos sobre a época:
Em Judá: Lm; Obadias; Salmos 79, 89, 39-52.
Na Babilônia: 2Rs 24; Is 40-55; Ez 1-24; 33-39.

ANOS 538 a 333 a.C.

Império: Pérsia
Época: 538 - Retorno. 445 - Reorganização.
Personagens não-bíblicos: Ciro (558-528); Zoroastro; Artaxerxes
(423); Platão (347).
Personagens bíblicos: Sesbazar; Josué; Sorobabel; Neemias; Esdras;
Escribas.
Realidades, problemas e situação do povo:
538: Retorno. Diáspora – universalismo. Esperança. Novo começo.
Realização de profecias. Boa Nova de Deus libertador e criador.
Inauguração do templo (515). Novas desigualdades sociais.
445: Reorganização. Legalismo. Disciplina. Nacionalismo. Desânimo.
Separatismo. Rejeição de mulheres estrangeiras e samaritanos. Templo e
centralismo. Mística e culto da lei nas sinagogas. Cisma samaritano (430).
Escritos da época:
538: Levítico 1-7; 11-16?; Ageu; 1Zacarias; 3Isaías; Joel; Salmos 4, 10,
22, 23, 50, 77, 78, 83, 105-107, 126.
445: Rute – Jonas; Jô – Provérbios 1-9; Cantares; União de J, E, D e P
(Pentateuco); Salmos 19,8ss, 85, 96-98, 113, 116, 118, 119.
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Escritos sobre a época:
538: Ageu; Zacarias 1-8; Isaías 55-66; Levítico 1-7.
445: Rute; Esdras – Neemias; Ezequiel 40-48.

ANOS 333 a 63 a.C.

Império: Helenismo
Época: 333 – Egito; 198 – Síria; 167 – Judá.
Personagens não-bíblicos: Alexandre Magno (336-323); Aristóteles
(322); Antíoco IV (163).
Personagens bíblicos: 333 – Escribas e cantores; 198 – Matatias; 167 –
Judas Macabeu; Jônatas; Simão, João Hircano.
Realidades, problemas e situação do povo:
333: Riqueza para a classe alta. Proletarização dos agricultores. Invasão
e assimilação cultural. Encerrados na lei e no culto. Silêncio; Ruptura.
Tranqüilidade.
198: Invasão cultural provocativa. Resistência. Perseguição. Levante
armado (167). Apocalipses populares. Lei do puro e impuro. Tradução
LXX.
167: Independência. Conquistas. – Saduceus helenizantes. – Fariseus
anti-helenizantes. – Essênios no deserto. – Zelotes, Reino pelas armas.
Conflitos entre eles. Repressão contra os fariseus.
Escritos da época:
333: 2Zacarias; Malaquias; Crônicas; Neemias – Esdras; Ester;
Eclesiastes; Salmos 73; 139.
198: Judite – Tobias; Eclesiástico; Salmos 44, 74, 86, 91.
167: Daniel; 2Macabeus; 1Macabeus; Salmos 1, 150.
Escritos sobre a época:
333: Isaías 24-27; 34-35; Zacarias 9-14; Joel 3-4.
198: 2Macabeus; 1Macabeus 1-12.
167: 1Macabeus 13-16; Eclesiástico 50; [Flávio Josefo].

ANOS 63 a.C. a 135 d.C.

Império: Roma
Época: 63 – Herodianos; 4 a.C. a 30 d.C – Jesus histórico; 49 –
Primeiras comunidades cristãs; 62 a 90 – Expansão; 90 a 135 –
Perseguição.
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Personagens não-bíblicos: Pompeu (48 a.C.); Júlio César (44 a.C.);
Antônio (31 a.C.); Augusto (14 d.C.); Tibério (37 d.C.); Pilatos 26-36
d.C.); Calígula (41 d.C.); Cláudio (54 d.C.); Nero (54-68 d.C.); Vespasiano
(79 d.C.); Tito (81 d.C.);Domiciano (96 d.C.); Trajano (117 d.C.); Adriano
(138 d.C.).
Personagens bíblicos: Herodes, o Grande (37-4 a.C.); 4 a.C. a 30 d.C. –
Anás, Herodes Antipas, João Batista. Maria, Pedro, João, Estevão (34),
Tiago Maior (44).Tiago (62), Pedro (64?), Paulo (67) Barnabé, João,
Marcos, Timóteo, Tito, Lucas.
Realidades, problemas e situação do povo:
63 a.C.: Ocupação para resolver conflitos. Grandes diferenças sociais.
Fariseus predominam. Legalismo. Espera do Messias. Construção do
templo.
4.a.C. a 30 d.C.: Latifúndios. Exploração. Tributos crescentes.
Marginalização. Exportação de alimentos: fome. Confusão. Insurreições.
Esperança.
49 a 62: Experiência de Cristo ressuscitado. Primeiras comunidades em
Jerusalém. Conversões entre judeus da diáspora. Conflitos com judeus.
Conversão de Paulo (37). 1ª missão de Paulo: 45-49. Concílio de Jerusalém
(49). 2ª missão de Paulo (49-52). 3ª missão de Paulo (53-58). Comunidades
de Paulo. Conflitos no judaísmo. Nasce novo modo de ser Povo de Deus.
62: Começo da perseguição romana. Martírios de Tiago, Pedro, Paulo.
Guerra Judeus – Roma (66-70). Cristãos abandonam Jerusalém. Expandem-
se em subúrbios de cidades.
70: Destruição de Jerusalém por Tito. Expulsão dos cristãos das
sinagogas. Marginalização e crise das comunidades. Latifúndios se
expandem.
90 a 135: Domiciano se auto-proclama deus. Conflitos com o império.
Perseguição. Expansão na Ásia. Esperança apocalíptica. [Cânone judeu da
Bíblia: Jâmnia (90-95)]. Sublevações judias e dura repressão romana.
Martírios de Simeão, bispo de Jerusalém (107) e de Inácio de Antioquia
(110). Roma declara ilegal o cristianismo (112). 2ª Guerra Judeus – Roma
(132-135).
Escritos da época:
63 a.C.: Sabedoria.
4 a.C. a 30 d.C.: Vida e pregação de Jesus.
30 a 62: Tradições orais. Experiências pascais. Coleções das palavras e
gestos de Jesus (Q). 1Tessalonicenses. Filipenses. Gálatas. Filêmon.
1-2Coríntios. Romanos.
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62 a 90: Evangelho de Marcos. Evangelho de Mateus.
2Tessalonicenses. Colossenses. Efésios. Evangelho de Lucas – Atos dos
Apóstolos. Tiago. 1Pedro.
90 a 135: Hebreus. Apocalipse. Evangelho de João. Judas. 1-2-3 João.
1-2 Timóteo. Tito. 2Pedro.
Escritos sobre a época:
63 a.C.: [Documentos de Qumran].
4 a.C. a 30 d.C.: Evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João.
30 a 90 d.C.: Marcos 16; Mateus 28; Lucas 24; João 20-21; Atos 1-15;
Gálatas 1-2; 1Tessalonicenses 1-3; Atos 16-28; Filipenses 3-4;
1-2 Coríntios; Apocalipse 4-11. [Flávio Josefo].
90 a 135 d.C.: Apocalipse 1-3; [Didaquê; Carta de Clemente de
Alexandria]; [Cartas de Inácio de Antioquia, de Policarpo, de Barnabé].

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