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Seção II B

Capítulo 25
Trauma renal – classificação

Aday Coutinho
Aday Silva Coutinho

Tipos – penetrante e fortemente sugestivos de trauma renal, como hema-


não-penetrante túria macroscópica. Além da tomografia, pode-se
usar o recurso da arteriografia renal. O paciente com
O desenvolvimento industrial e a violência urbana ferida penetrante de rim raramente pode ser tratado
trouxeram uma contribuição muito importante para de maneira conservadora.
o capítulo do trauma em geral e, em particular, para Embora os rins estejam protegidos na sua posição
os rins. Na etiologia, os traumatismos do rim são retroperitoneal pela sua massa muscular lombar e
classificados em abertos e fechados ou penetrantes e longe da parede abdominal anterior, o trauma
não-penetrantes. Não se deve esquecer que o médico fechado é relativamente comum, pois os rins podem
também participa dessa etiologia com algum grau ser esmagados contra a massa muscular lombar, bem
de iatrogenia nos tratamentos por ondas de choque, como o agente agressor atuar pelo dorso ou lateral-
cirurgias percutâneas e laparoscópicas. mente, fraturando os últimos arcos costais.
Conforme estatística de 1996, realizada no Hospital O trauma fechado corresponde, no levantamento
Municipal Souza Aguiar do Rio de Janeiro, o trauma estatístico citado anteriormente, a 66% dos casos. A
penetrante é causado por arma branca em 30% dos justificativa para esse elevado índice de acidentes pode
casos observados. Essa estatística deve ter sido alterada ser explicada pelo grande volume de sangue que circula
nos últimos anos em função do crescimento da vio- nos rins, com o aumento do seu peso, tornando-o
lência urbana e do uso de armas de grande poder de um órgão frágil nos acidentes. Nas crianças, os rins
destruição. A ferida penetrante tem um grau muito estão mais expostos aos agentes traumáticos, devido
elevado de lesões associadas, o que ocorre em cerca à menor quantidade de massa muscular e ao menor
de 70% dos casos. A confirmação diagnóstica deve volume de gordura perirrenal que protege os rins.
incluir também a avaliação visceral, o que, às vezes, Os rins podem ser traumatizados por aplicação
torna a cirurgia mandatória, sem possibilidades de direta de forças nos flancos – na parte inferior do
avaliação das lesões por meio de imagens. tórax ou quadrante súpero-lateral do abdome –
A ultra-sonografia pode auxiliar o diagnóstico, associadas ou não à desaceleração súbita do corpo.
mostrando hematomas do retroperitônio e sangue O rim, por ser um órgão muito móvel, poderá ser
dentro da cavidade abdominal. A urografia venosa, atirado contra o arco costal, ou até projetado para a
que é um exame habitual do urologista, traz poucas cavidade pélvica, nas quedas de pé ou sentado. Nestes
informações. O que nos informa efetivamente sobre casos, o pedículo poderá ser arrancado provocando
o estado do rim traumatizado é a tomografia compu- morte imediata. O traumatismo arterial pode pro-
tadorizada, principalmente se existem sintomas vocar lesão grave da íntima e evoluir para a trom-

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bose. Na investigação diagnóstica, pode-se começar e grave. A Sociedade Americana da Cirurgia do


com raios X simples de abdome e ultra-sonografia, Trauma classifica os traumatismos de rins em cinco
mas o exame mais recomendado é a tomografia graus, conforme a Tabela 1.
computadorizada, que é capaz de nos informar sobre O grau I, em que pode haver contusão ou
a presença de tecido necrótico, do parênquima renal, hematoma com pouca manifestação clínica; o grau
a extensão do hematoma e sobre a função renal. Em II, que inclui hematoma perirrenal e laceração com
princípio, o trauma renal fechado deve receber profundidade de menos de 1 cm; o grau III, lace-
tratamento conservador. ração com profundidade de mais de 1 cm sem rup-
tura do sistema excretor; o grau IV, com laceração
e lesão vascular de artérias e veias, hemorragia con-
Classificação tida, trombose de artéria e lesão de ramos segmen-
tares; e finalmente grau V, que compreende rim
Há muito tempo que se tenta padronizar a classi- esfacelado e avulsão do hilo renal. Como raramente
ficação dos traumas renais. No início, os traumas eram o médico tem oportunidade de tratar os pacientes
classificados como lesão simples e lesão grave. Depois do grupo V, na prática clínica os traumas são
se passou a classificá-los como lesão mínima, maior classificados de I a IV.

Tabela 1: Escala de gravidade da associação americana para a cirurgia do trauma (lesões de rim)

* Suba um grau para danos bilaterais, até o grau III

Leitura recomendada
1. Bendhack DA, Damião R. Guia prático de urologia. Rio de Janeiro: 2. MacDougal, WS. Traumatic injuries of the genitourinary
SBU – Sociedade Brasileira de Urologia; São Paulo: BG Cultural, 1999. system. Baltimore: Williams & Wilkins, 1981.

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Capítulo 26
Trauma renal – conduta

Marcelo Vieira

O rim é o terceiro órgão parenquimatoso intra- das porções do rim lesado, a classificação da lesão e
abdominal mais freqüentemente lesado no trauma o diagnóstico do envolvimento de outros órgãos
abdominal fechado. A grande maioria das lesões intraperitoneais (Bretan Jr e colegas., 1986; Mee e
renais (90%) é causada pelo trauma fechado e aproxi- colegas., 1989; Nash e Carrol, 1996).
madamente 10% por ferimentos penetrantes
(Coimbra et al., 1998; Nash e Carrol, 1996).
Aproximadamente, em 10% dos traumatismos
abdominais, o rim será lesado. A manifestação clínica
desse envolvimento é a hematúria. A presença de
hematúria macroscópica, ou hematúria microscópica
associada à pressão arterial sistólica menor ou igual a
90 mm de Hg, na admissão, torna obrigatória a
investigação diagnóstica da lesão renal no trauma
abdominal fechado. Nos ferimentos penetrantes,
quando da ausência de irritação peritoneal associada
à estabilidade hemodinâmica e hematúria, está indi-
cada a investigação da presença de lesão renal, situa- Extravasamento
ção de exceção encontrada particularmente nos feri- de controle
mentos da parede abdominal posterior (Nash e
Carrol, 1996).
O diagnóstico das lesões é realizado com base
nos exames radiológicos. O exame de triagem destes
pacientes é a urografia excretora (UGE), que ideal-
mente deve ser realizada na sala de emergência du-
rante a fase de reposição volêmica, situação inco-
mum em nosso meio, devido à ausência de raios X
na sala de urgência. Na presença de qualquer alteração
no resultado da UGE, deve-se indicar uma tomo-
grafia axial computadorizada (TAC) do abdome,
para completo diagnóstico e estadiamento do acome-
timento renal. A TAC permite a avaliação correta Urografia excretora no trauma

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Existe uma diversidade de classificações para as (McAninch e Carrol, 1996).


lesões do rim e todas se baseiam na gravidade das As indicações de cirurgia podem ser divididas em
mesmas. A classificação mais aceita e utilizada absolutas e relativas segundo McAninch et al. (1991).
atualmente é a estabelecida em 1989 pela comissão A instabilidade hemodinâmica e/ou sangramento
de trauma do Colégio Americano de Cirurgiões persistente são indicações absolutas. O extravasamento
(Tabela 1) (Moore e colegas, 1989). de contraste, a presença de seguimento desvitalizado,

Tabela 1: Classificação das lesões renais

Moore e colegas., 1989

O rim permite duas formas de tratamento. Em a avaliação incompleta e a trombose de artéria renal
decorrência do estado hemodinâmico do trauma- são indicações relativas (McAninch e colegas., 1991).
tizado, do correto diagnóstico e da classificação das O tratamento não-operatório consiste basicamente
lesões, o cirurgião pode optar por tratamento opera- em repouso, manutenção da volemia, correção do
tório ou não-operatório. A maioria das lesões renais hematócrito e monitorização clínica e radiológica
é tratada de forma não-operatória e aproximada- (Valor e colegas., 1991).
mente 10% das vítimas de trauma fechado com O tratamento cirúrgico é realizado através de
envolvimento renal têm indicação de cirurgia. Situa- laparotomia mediana xifopúbica, dissecção e isola-
ção inversa acontece nos ferimentos penetrantes em mento do pedículo renal com controle da artéria e
que a maioria dos pacientes é operada, principalmente veia renal previamente à abertura e exploração do
pela presença de lesões associadas na cavidade hematoma do retroperitôneo. O controle dos vasos

Lesão renal grau III Lesão renal grau III – ferimento por arma branca lombar a direita

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Rim de contornos normais sem captar contraste

Lesão renal grau V – trombose de artéria renal

para evitar a ocorrência de complicações associadas ao


tratamento não-operatório. Em contrapartida, autores
como Hussmann, em 1993, demonstram que, apesar
de presentes, as complicações têm formas simples de
tratamento e evolução satisfatória.
Classificamos as complicações do tratamento
clínico das lesões renais como imediatas àquelas que
ocorrem até quatro a seis semanas após o trauma, e
Extravasamento de contraste
como tardias às superiores a esse tempo (Gomez e
McAninch, 1996).
As complicações imediatas mais descritas na litera-
tura, decorrentes do tratamento não-operatório das

Segmento desvitalizado

Lesão renal grau IV


Veia renal E Artéria renal E

do hilo renais permite ao cirurgião uma avaliação


precisa do parênquima renal e seu reparo em con-
dições exangues (McAninch e colegas., 1991).
Em 10% dos doentes, encontramos lesões graves
(Grau IV), porém com estabilidade dos parâmetros
hemodinâmicos e, para esses doentes, a melhor forma
Aorta Hematoma da
de tratamento continua controversa (Kristjansson e Lesão renal
Pedersen, 1993). Autores como Cass e Luxenberg, em
1983, preconizaram o tratamento cirúrgico dessas lesões,
justificando sua escolha nos menores índices de
nefrectomia, quando da exploração imediata e também Tratamento operatório – controle vascular

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Algoritmo diagnóstico politraumatizado das lesões renais

lesões Grau IV, são a coleção de urina e o abscesso porém resultados desfavoráveis são citados por
no retroperitôneo (Gomez e McAninch, 1996). Cass autores como Wessells e colegas. em 1997, quando a
e Luxenberg indicam tratamento operatório para as cirurgia foi necessária em mais de 70%.
lesões com ruptura do parênquima renal com taxa A hipertensão arterial pode ser explicada pela estenose
de nefrectomia igual a 100%. Kristjánsson e Pedersen, cicatricial de lesões arteriais ou pela compressão do
em 1993, descreveram a conversão do tratamento parênquima renal por hematomas e coleções, resultando
clínico em cirúrgico em 38% dessas lesões com índice em ativação do sistema renina-angiotensina. Sua inci-
de nefrectomia de 8%. Mathews e cols., em 1997, dência é muito variável bem como a fase de mani-
mostraram 100% dos pacientes tratados com festação, sendo que, na maioria dos casos, tem resolução
colocação de duplo J e nenhuma nefrectomia. espontânea ou por meio da drenagem de coleções ou
O sangramento tardio do parênquima acontece mais hematomas (Gomez e McAninch, 1996).
freqüentemente entre a segunda e a terceira semanas
seguidas ao trauma, incide em menos de 1% e é mais
freqüente no tratamento não-operatório de lesões Leitura recomendada
penetrantes, quando sua incidência chega a 10%
1. Cooper CS. Antenatal hydronephrosis: evaluation and outcome.
(Wessells e colegas., 1997). O sangramento pode ser Curr Urol Rep, 01-Apr-2002; 3 (2): 131-8.
tratado com embolização seletiva, que tem índices de 2. Elder JS. Antenatal hydronephrosis. Fetal and neonatal management.
resolução de 82% (Heyns e Van Vollenhoven, 1992), Pediatr Clin North Am, 01-Oct-1997; 44 (5): 1299-321.

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Capítulo 27
Trauma renal na criança

Beatriz Helena de Paula Cabral

Introdução graduar a gravidade das lesões renais. Alguns pontos


dessa classificação são controversos, principalmente
A principal causa de morte em crianças, nos EUA, é o quanto a lesões vasculares.
trauma por acidentes. Entretanto, apenas 1% a 2% dos A tomografia computadorizada tem sido o meio
traumas abdominais fechados na criança acometem o mais confiável para determinar o grau de lesão renal. O
rim. O trauma renal pode ser fechado (contundente) ou ultra-som de vias urinárias e o exame de urina são bons
penetrante, sendo o último mais raro na infância (5% dos para seleção de casos suspeitos de trauma renal e para
traumas renais). seguimento do paciente.

Etiologia Quadro clínico


As causas mais comuns de ferimentos fechados renais Na história, deve-se identificar qual a intensidade do
são: quedas, acidentes com veículos de recreação, acidentes trauma e se houve lesão de desaceleração. A intensidade
com veículos motorizados. da dor abdominal ou dos hematomas não tem
Fatores associados predisponentes: deve-se suspeitar correlação com a gravidade da lesão renal. Hematúria
de anomalia congênita do trato urinário quando houver macro ou microscópica é o melhor indicador de lesão
hematúria após traumas abdominais leves ou simples do aparelho urinário. A demora do seu desaparecimento
quedas. Várias anomalias congênitas já foram descritas está relacionada com a gravidade da lesão. Entretanto, a
associadas a traumas: hidronefrose por estenose da junção ausência de hematúria não afasta lesão renal grave.
ureteropiélica, por megaureter ou por refluxo vesicureteral, Outros órgãos mais freqüentemente associados ao
pelve extra-renal sem obstrução, rim policístico, rim em trauma renal são: fraturas ósseas, lesões intra-abdominais
ferradura, rim multicístico, refluxo vesicureteral associado de outros órgãos sólidos e lesões encefalocranianas.
à pielonefrite crônica, cálculo renal, cisto renal, entre outros.
As anomalias congênitas estão presentes em aproximada-
mente 36% dos traumas renais. Diagnóstico
Crianças com trauma abdominal fechado podem
Classificação ter múltiplas lesões intra-abdominais e sua avaliação
global nunca deve ser postergada. Estudo prospectivo
A Associação Americana para Cirurgia do Trauma de observação demonstrou que seis são os achados
tem a classificação mais utilizada em todo mundo para mais importantes relacionados com lesões intra-

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abdominais: dor abdominal, pressão arterial sistólica A ultra-sonografia pode ser utilizada para avaliação
baixa, fratura do fêmur, aspartato aminotransferase > rápida inicial, evidenciando presença renal bilateral e
200 U/L, alanina aminotransferase > 125 U/L, hematomas retroperitoneais.
glóbulos vermelhos > 5 p/c no exame de urina e Nos casos em que não foi possível avaliação por
hematócrito inicial menor que 30%. imagem, devido à urgência da laparotomia explo-
A tomografia computadorizada tem sido o meio radora, e na presença de hematoma retroperito-
mais confiável para determinar o grau de lesão renal. neal, poderá ser feita urografia transoperatória com
O ultra-som de vias urinárias e o exame de urina são administração de contraste iodado apropriado EV
bons para seleção de casos suspeitos de trauma renal (2 mg/kg), efetuando-se radiografia renal após dez
e para seguimento do paciente. minutos ou radioscopia.
A tomografia computadorizada deve ser efetuada
em todos os casos de hematúria e as imagens renais
devem ser feitas dez minutos após a injeção de Tratamento
contraste, para não haver resultados falso-negativos
de lesão renal. Este método é limitado para O tratamento conservador tem se mostrado a
diagnóstico de lesão da veia renal. A presença de primeira escolha em crianças com trauma renal e
hematoma medial deve alertar o médico para esta hemodinamicamente estáveis. Pacientes com lesão
suspeita. Nos casos de lesão por desaceleração, em grau IV podem ser tratados com observação clínica
que a camada íntima da artéria renal pode ser em 60% das vezes e, quando há extravasamento de
parcialmente acometida, a trombose da mesma pode urina persistente, a drenagem percutânea ou por
se instalar tardiamente e levar à perda deste rim. cateter ureteral resolve 25% destes casos.

Tabela 1 - Classificação das Lesões Traumáticas Renais - Associação Americana para Cirurgia do Trauma

(American Association for the Surgery of Trauma - Organ Injury Scale - OIS for the kidney)

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A transfusão de sangue só deve ser indicada em Acidentes ao andar de bicicleta são a causa espor-
pacientes que estejam hemodinamicamente instáveis. tiva mais freqüentemente associada à lesão renal, não
A observação clínica apropriada dos pacientes reduz raro grave.
o risco de transfusões de sangue desnecessárias e
diminui o período de estadia hospitalar.
Quando a cirurgia se fizer indicada, as formas Leitura recomendada
de correção dependerão da localização das lesões
1. Baeza-Herrera C, Dominguez-Perez ST, Gonzalez-Zarate
encontradas. Poderá estar indicado desde EF et al: Renal trauma in childhood. Second level hospital
pielografia, nefrectomia parcial, até nefrectomia total experience. Gac Med Mex. 2002;138(4):313-8.
ou autotransplante renal. 2. Gerstenbluth RE, Spir nak JP, Elder JS. Spor ts
participation and high-grade renal injuries in children. J
Urol. 2002; 168 (6): 2575-8.
3. Holmes JF, Sokolove PE, Brant WE, Palchak MJ, Vance
Seguimento tardio CW, Owings JT, Kuppermann N. Identification of
children with intra abdominal injuries after blunt trauma.
Os pacientes devem ser acompanhados em longo Ann Emerg Med. 2002; 39 (5): 537-40.
prazo, no período de um ano, para verificação da 4. MacAller IM, Kaplan GW, LoSasso BE, Congenital
urinary tract anomalies in pediatric renal trauma patients.
pressão arterial. Uma rara complicação tardia descrita J Urol. 2002; 168 (4Pt2): 1808-10.
é o pseudoaneurisma (19 casos na literatura). 5. Margenthaler JA, Weber TR, Keller MS. Blunt renal
Tradicionalmente, o médico vem aconselhando trauma in children: experience with conservative
seus pacientes com rim ou testículo únicos a não management at a pediatric trauma center. J trauma. 2002;
52 (5): 928-32.
praticarem esportes de contato corpo a corpo. Até
o presente momento estudos mostraram que esta
recomendação parece não ser necessária.

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Seção II B

Capítulo 28
Trauma uretral iatrogênico

Nelson Gattás
Paulo Bruna

As lesões ureterais iatrogênicas podem ocorrer em estreitamentos naturais do ureter, como cruzamento
cirurgias convencionais, laparoscópicas ou em urete- dos vasos ilíacos e junção ureterovesical, são os locais
roscopia. mais freqüentemente envolvidos por lesões.
Nas cirurgias convencionais, os procedimentos O uso de ureteroscópios menores e flexíveis associado
pélvicos e retroperitoniais são os principais respon- a uma maior experiência com o método vem
sáveis por lesões ureterais. A histerectomia representa diminuindo a incidência de complicações. A manutenção
54% dos casos das lesões ureterais, enquanto a cirurgia de fio guia durante todo o procedimento facilita a mani-
colorretal está presente em 14%; outros procedi- pulação do aparelho, permite a passagem de cateter,
mentos pélvicos, incluindo os urológicos, em 8%, e quando há necessidade, diminuindo as complicações.
cirurgia vascular em 6%. O reconhecimento precoce da lesão ureteral é
A incidência global de lesão ureteral em cirurgia ponto chave para uma evolução livre de compli-
ginecológica oscila entre 0,5% a 1,5%. A presença de cações. Quando a lesão passa desapercebida no intra-
processos inflamatórios, cirurgias prévias, ou tumor operatório, deve-se atentar aos sinais de febre, peri-
envolvendo o retroperitônio são fatores que aumen- tonite, leucocitose, hematúria e massa palpável. O
tam o risco de uma lesão ureteral. diagnóstico pode ser realizado por urografia excre-
As cirurgias vasculares, como enxertos aorto- tora, que demonstra retardo na eliminação do con-
ilíacos, podem cursar com 12% a 20% de hidro- traste, exclusão renal ou dilatação ureteral nos casos
nefrose no pós-operatório, geralmente com evolução obstrutivos, e extravasamento nos casos de perfu-
benigna, sem necessidade de intervenção. ração. A tomografia helicoidal e pielografia ascen-
Em laparoscopia, os procedimentos na região dente são outras opções diagnósticas.
pélvica apresentam os maiores índices de lesão ureteral. As lesões ureterais devem ser tratadas de acordo
Nas cirurgias para lise de endometriose e histerectomia, com a localização, extensão e o mecanismo da lesão.
o índice de lesão ureteral varia de 1% a 3,5%. A maior O tratamento definitivo visa preservar a função renal
experiência do cirurgião é fator importante para uma no lado acometido e restaurar a continuidade anatô-
menor incidência de complicações. O reconhecimento mica do trato urinário.
intra-operatório de uma lesão ureteral em laparoscopia Nos procedimentos ureteroscópicos, as lesões do
ocorre menos freqüentemente do que em cirurgia ureter geralmente são tratadas endourologicamente,
aberta, devendo-se estar atento para um diagnóstico sem necessidade de cirurgia aberta. A indicação para a
pós-operatório precoce. colocação de cateter ureteral após ureteroscopia baseia-
Em ureteroscopia, as lesões mais freqüentes são: se nos critérios operatórios, como: presença de cálculo
perfuração, ruptura e avulsão ureteral. Os pontos de impactado aderido à mucosa, realização de dilatação

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intramural, perfuração ureteral ou manipulação Nas lesões proximais, o ureter deve ser reimplantado
prolongada; e critérios pós-operatórios, tais como: na pélvis renal. As lesões da porção média do ureter
facilitar eliminação de fragmentos residuais, garantir a são tratadas por uretero-ureteroanastomose e nos
drenagem ureteral e prevenir cólicas ureterais. casos em que não for possível – anastomose com
Os casos em que não houve grande manipulação ureter ipsilateral, pode-se optar por transuretero-
do ureter, sem dilatação intramural e sem compli- ureteroanastomose, através de sutura término-lateral
cações relativas ao procedimento, não requerem com ureter contralateral. Devemos lembrar que este
cateter pós-operatório. ureter se torna inacessível para estudo ou manipulação
O tempo de permanência dos cateteres ureterais através da bexiga, e existe a possibilidade de
depende do motivo de sua colocação. Quando a transformar uma lesão unilateral em bilateral. Este
indicação for prevenção de cólicas secundária ao edema procedimento deve ser evitado nos portadores de
pós-operatório, a remoção pode ocorrer num período litíase renal ou com antecedente de tumor urotelial. As
lesões ureterais distais são tratadas através de reimplante
de três a cinco dias. Em pacientes com cálculos
ureteral simples ou, em alguns casos, com a fixação
residuais, a retirada do cateter deve aguardar a saída
da bexiga ao músculo psoas associado ou não ao
desses fragmentos. Exames subsidiários como
retalho tubularizado da bexiga, para alcançar o ureter
radiografias simples do abdome, ultra-sonografia e
(técnica de Boari). Nos casos de lesões ureterais mais
CT helicoidal podem orientar a evolução do quadro.
extensas, existe também a possibilidade de interpor
Os cateteres colocados para tratamento de perfuração segmento de alça intestinal ou autotransplante renal.
ureteral devem ser mantidos por duas a quatro semanas
de acordo com a gravidade da lesão. Os casos de
avulsão ureteral devem ser tratados por cirurgia aberta. Leitura recomendada
Nas ligaduras do ureter, com manutenção da
viabilidade do mesmo, após remoção de fio ou clipe 1. Chang R, Marshall FF. Management of ureteroscopic injuries. J.
Urol., 137: 1132, 1987.
laparoscópico, deve-se colocar cateter de duplo J. 2. Daly JW, Higgins KA. Injury to the ureter during gynecological
Nos casos de secção do ureter ou ressecção de surgical procedures. Surg Gynecol Obstet 1988; 167: 19-22.
segmento ureteral por perda da viabilidade, deve-se 3. BrubakerLT, Wilbanks GD. Urinary tract injuries in pelvic surgery.
Surg Clin North Am 1991; 71: 963-76
também realizar cirurgia aberta. Os princípios
4. Meirow D, Moriel EZ, Zilberman M, Farkas A. Evaluation and
técnicos cirúrgicos mais importantes são a espatulação Treatment of iatrogenic injuries during obstetric and
do ureter, utilização de fios absorvíveis 5-0 ou 6-0, gynecological operations for non-malignant conditions. J Am
transformação de laceração longitudinal em sutura Coll Surg 1994; 178: 144-8.
5. Witters S, Cornelissen M, and Vereecden R.Iatrogenic ureteral
transversa, ausência de tensão na sutura e colocação injury: aggressive or conservative treatment. Am. J. Obstet.
de cateter duplo J. Gynecol., 1986, 155: 582-4.

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Seção II B

Capítulo 29
Lesão vesicuretral no
traumatismo pélvico

Aday Coutinho
Antônio Henrique Duarte

Traumatismo de Bexiga de urina é limitado ao espaço perivesical. Raramente há


extravasamento de urina para baixo do diafragma
urogenital. É o trauma mais freqüente da bexiga e quase
Conceito sempre está associado a fraturas de bacia. A ruptura
A bexiga é um órgão muscular oco, que tem a intraperitoneal tem inúmeras causas; a principal delas é
função de acumular urina e eliminá-la em intervalos aquela condição em que há aumento súbito de pressão
variados. Localizada profundamente na pélvis, o sobre a região hipogástrica por agente externo, atuando
que lhe confere uma certa proteção contra os agen- sobre uma bexiga cheia, e a ruptura se faz na região
tes traumáticos, está envolvida pela estrutura óssea, mais vulnerável, a cúpula vesical. A urina da bexiga é
pelo diafragma urogenital e, posteriormente, pelo “jogada” para dentro da cavidade abdominal e pode
reto. A sua forma é ovóide, mas pode variar com a até ser confundida com o diagnóstico de ascite.
quantidade de urina no seu interior, com a obstrução Raramente a ruptura pode ser mista, isto é, intra e
urinária baixa ou doenças que possam interferir extraperitoneal ao mesmo tempo. Isto ocorre quando
indiretamente no trato urinário inferior, como lesões o trauma fechado é tão violento que provoca ao mesmo
do sistema nervoso central e periférico, medi- tempo fraturas de bacia e explosão da bexiga.
camentos etc. Diagnóstico
Etiologia Pode haver dor suprapúbica, impossibilidade de
O trauma de bexiga pode ser penetrante ou urinar e histórico de trauma sobre o abdome inferior,
fechado. Os mais comuns são os penetrantes. Os trau- com ou sem rigidez da musculatura abdominal. O
mas fechados causam lesões, que podem ser peristaltismo intestinal pode estar presente. Havendo
classificadas em: choque hipovilêmico, existe a possibilidade de trauma
1) contusão; abdominal associado. Deve-se considerar que o
2) ruptura extraperitoneal; paciente pode ser incapaz de urinar, pela dor da
3) ruptura intrapertonenal; micção, por lesão neurológica do trauma ou porque
4) lesão do tipo misto. a bexiga não se distende. A hematúria está sempre
Qualquer tipo de ruptura pode estar associada à presente. Às vezes, o diagnóstico diferencial com
hematúria de intensidade variável. A ruptura trauma de uretra é muito difícil. A história do quadro
extraperitoneal é, geralmente, causada por fragmentos agudo, associado ao exame físico e à uretrocistografia,
ósseos de fraturas pélvicas. Nesse caso, o extravasamento define o quadro.

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Tratamento Considerações anatômicas


Pode ser cirúrgico ou clínico. Os princípios cirúrgicos O conhecimento das relações anatômicas da
que devem orientar a conduta no trauma vesical são: uretra é importante na compreensão dos meca-
1) sutura da parede vesical; nismos de traumas, que nos diversos segmentos
2) drenagem adequada da área do trauma; assumem significados clínicos, terapêuticos e
3) drenagem urinária por via uretral com ou sem prognósticos diferentes.
cistostomia; A uretra masculina divide-se em prostática, mem-
4) cistostomia, somente em casos especiais. branosa, bulbar e peniana. Quando se considera a
Nos ferimentos penetrantes, a exploração cirúrgica classificação de lesões traumáticas, ela é dividida em
deverá ser imediata, para uma avaliação das lesões das posterior, acima do diafragma urogenital, e anterior,
vísceras abdominais e, em particular, as vasculares. A abaixo do mesmo. Na compreensão dos meca-
incisão mediana com acesso amplo à cavidade abdominal nismos de traumas da uretra posterior, é importante
deve ser indicada. É necessário o inventário de toda a o conhecimento dos ligamentos puboprostáticos, que
cavidade abdominal e a exploração da bexiga e do terço fixam a próstata aos ossos pubianos. A próstata
inferior dos ureteres. Depois de aberta a bexiga, deve-se também é fixada ao diafragma urogenital através de
observar a ejaculação pelos meatos ureterais, podendo- ligamentos fibromusculares.
se injetar azul de metileno intravenoso com a finalidade Epidemiologia
de afastar a possibilidade de trauma de ureter. Se a lesão
é do tipo intraperitoneal, devemos liberar o peritônio da O trauma de uretra, como os traumas em geral, é
cúpula vesical e tentar suturar a bexiga em três planos, mais freqüente no adulto jovem do sexo masculino,
usando sempre fio absorvível. Se a lesão é inacessível, ela que está mais exposto a acidentes. A maior incidência
poderá cicatrizar-se espontaneamente, desde que haja sobre o sexo masculino é explicada por duas dife-
drenagem adequada. A cistostomia é um tipo de renças anatômicas: comprimento da uretra e liga-
derivação muito confortável para o paciente. mento puboprostático. A uretra feminina assemelha-
A conduta conservadora, advogada por alguns se à uretra posterior masculina, porém sem o liga-
autores – apenas drenagem com sonda uretral sem mento puboprostático, o que diminui a chance de
intervenção sobre a bexiga –, não tem muita aceitação trauma. O ligamento puboprostático fixa a próstata
no nosso meio. Entretanto, naqueles casos, onde a à estrutura óssea, o que, em casos de fratura de bacia,
cirurgia é absolutamente contra-indicada e o diagnóstico, “arrasta” ou “empurra” a próstata, fazendo que a
feito com segurança, podemos drenar apenas a bexiga uretra seja “guilhotinada” pelo diafragma urogenital.
com sonda de calibre razoável, e a cavidade abdominal Os raríssimos casos de trauma de uretra feminina
deve ser drenada com tubo de diálise peritoneal para são causados pela ação direta de fragmentos ósseos,
evitarmos complicações mais sérias. decorrentes de fratura de bacia.

Complicações Etiologia

As infecções no espaço perivesical, conseqüência Acidentes automobilísticos e atropelamentos e


de hematoma de focos de fraturas, são relativamente quedas podem causar fraturas de bacia, que por sua
freqüentes. Essas infeções se comportam como se vez podem provocar lesão da uretra posterior. O
fossem celulite, com perda de substâncias e exposição mecanismo de fratura mais comum é decorrente de
de focos de fraturas. Para prevenir essas complicações, uma força que atua na extremidade inferior do fêmur
a administração de antibióticos no pós-operatório e que desloca a hemipelvis ipsilateral para cima. Este
deverá ser uma rotina. deslocamento provoca a ruptura do ligamento pubo-
prostático deste lado, que pode romper a uretra
posterior. Situação semelhante pode ocorrer quando
Traumatismo de uretra existe fratura do arco anterior da bacia com ou sem
fratura do arco posterior, ao longo da articulação
O trauma de uretra é uma condição relativamente sacro-ilíaca. Chamamos a atenção para o fato de que
rara nos hospitais; sendo mais rara ainda a sua ocorrência a fratura do arco posterior da bacia pode lesar os
no sexo feminino. vasos hipogástricos, com sangramento tamponado,

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Guia Prático de Urologia

formando hematoma. A tentativa cirúrgica para demorado devido à perfusão renal insuficiente
correção poderá agravar a hemorragia. A fratura bila- (choque hipovolêmico), ou que a bexiga pode ter
teral dos ramos pubianos, decorrente de uma força explodido. O hematoma perineal e/ou escrotal
atuando sobre o púbis, produz um segmento fratu- ocorre em pacientes com história de queda à cavaleiro,
rado, deslocado-o para baixo e para trás, fazendo nestes casos, supõe-se lesão uretral, com comprome-
com que o diafragma urogenital atue como uma gui- timento das estruturas perineais.
lhotina, secionando a uretra posterior. Na diástase
da sínfese pubiana, isto é, o deslocamento de um Conduta inicial
dos seus ramos para um lado, a uretra membranosa Na suspeita de lesão uretral, a melhor conduta é
é “puxada” em direção oposta até a ruptura. Outro uretrocistografia, pois o cateterismo uretral, além da
mecanismo de trauma, em fratura da bacia, é a ação possibilidade de levar infecção ao local da lesão, pode
direta de fragmentos ósseos sobre a uretra. Os agravar a extensão do trauma. A urina clara, obtida
acidentes com armas de fogo podem provocar lesão por cateterismo, não afasta diagnóstico de lesão
de uretra em 6,5% dos casos. uretral, pois o cateter pode ultrapassar a área lesada.
Urina com sangue, obtida pelo cateterismo, pode
Clínica ser decorrente de lesão vesical. Mesmo que a urina
Uretrorragia ocorre em 80% dos pacientes com com sangue seja da lesão uretral, não é suficiente para
traumatismo de uretra. A severidade do sangramento avaliarmos a sua localização e a extensão. No paciente
pelo meato não tem nenhuma relação com o grau politraumatizado, os órgãos vitais têm prioridade no
da lesão, podendo indicar uma lesão parcial ou tratamento, para mantê-lo vivo e, nestas circunstâncias,
ruptura total completa. Uma lesão parcial ou total a conduta inicial deverá ser a cistostomia.
da uretra acima do diafragma urogenital pode evoluir
sem uretrorragia, devido a espasmo do esfíncter
estriado, abaixo da ruptura. A dor no baixo ventre
Leitura recomendada
e/ou no períneo ocorre em 72% dos casos. A 1. Bonelli JC. “Traumatismos vesicais”. In: A folha médica, n.
impossibilidade de urinar, em 25% dos pacientes, 59, 1969, pp. 1.
pode indicar: uma ruptura total e completa da uretra 2. Bright T, Petters P. Injuries to bladder and uretra Urology.
Campbell. v I, 3. WB Sanders. Company Philadelphia,
posterior ou espasmo do esfíncter estriado, ou ainda 1978, pp. 906.
que o paciente estava com a bexiga vazia no momento 3. Mc Aninch. Injuries of the Genitourinary tract. General Urology.
do trauma, ou que o enchimento vesical pode ser 10 ed, Donald Smith, California, Lange, 1981, pp. 224.

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Seção II B

Capítulo 30
Trauma de genitália externa

Roni de Carvalho Fernandes


Luis Gustavo Morato de Toledo

Introdução seguir os passos padronizados no curso do ATLS


(Advanced trauma life support), sendo que as lesões
O traumatismo genital possui várias classificações, genitais começam a ser identificadas na fase C (Circu-
a mais didática é a que o divide em trauma fechado lação) do ABC do trauma com o controle de hemor-
(contuso) e penetrante (perfuro-cortante), podendo ragias, freqüentemente encontradas em lesões destes
atingir desde os tecidos que recobrem a genitália (lesões órgãos. A introdução de sonda urinária deve ser consi-
superficiais) até o corpo cavernoso e o parênquima derada como parte da fase de reanimação, estando
testicular (lesões profundas), violando a integridade da contra-indicada nos casos em que há suspeita de lesão
túnica albugínea que protege estes dois tecidos. de uretra, através da presença: sangue no meato
Estas lesões podem fazer parte de um politrau- uretral; hematoma no escroto; ou a próstata alta e
matismo ou estarem no trajeto de outros órgãos e não palpável ao toque retal.
tecidos, portanto sempre deve ser considerada a pos- Uma história dos mecanismos do trauma deve ser
sibilidade de lesões associadas, incluindo as de reto, feita com o próprio paciente ou, na impossibilidade
bexiga, uretra e cordão espermático. Os exames deste, devem ser consultados acompanhantes,
subsidiários serão solicitados de acordo com a sus- familiares e o pessoal do atendimento pré-hospitalar.
peita de lesões nestes órgãos. Vários são os agentes descritos como causadores
O atendimento ao paciente politraumatizado deve de lesão genital (Tabela 1).

Tabela 1: Agentes causadores de lesão genital

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Guia Prático de Urologia

O objetivo básico da reparação genital segue o pondo a ruptura quando submetida a forças que
conceito de preservação das funções do pênis e testí- estiram lateralmente o pênis (fratura de pênis).
culo, que são a de procriação e ereção, evitando com O quadro clínico característico começa com o
isto as seqüelas físicas e psicológicas. Os princípios gerais relato da posição da relação sexual, a sensação de
do tratamento consistem em analgesia, sedação, um estalo “clic”, seguido de dor, detumescência
antibioticoterapia, limpeza e desbridamento da lesão. imediata e desvio do pênis causado por um grande
A integridade da túnica albugínea deve ser restituída hematoma restrito ao pênis.
para manter as funções peniana e testicular. O diagnóstico é clínico, porém, em alguns casos
de história duvidosa e pequenos hematomas,
podemos utilizar a cavernosografia e a ressonância
Lesões Específicas para diferenciar de uma lesão vascular superficial, que
pode ser tratada de forma não-operatória. A veia
Pênis dorsal é a mais freqüentemente lesada.
A lesão uretral é relatada em 23% dos casos,
Contusão somando-se ao quadro clínico a presença de
A contusão peniana depende do tipo de agente uretrorragia ou hematúria. A uretrografia retrograda
causador, da intensidade de energia cinética do tem uma aplicação seletiva, principalmente nos casos
trauma e do estado de tumescência peniana. com indicação de sondagem e que há dúvida
Em estado flácido, a contusão pode produzir diagnóstica.
lesões superficiais com formação de hematomas, O tratamento cirúrgico deve ser indicado, pois
estes devem ser tratados com analgesia e gelo local. abrevia a convalescença e evita as seqüelas como
Porém outras mais graves podem levar à avulsão de angulação do pênis, persistência de dor durante as
parte ou toda a pele do pênis, requerendo para a sua ereções e disfunção erétil.
reconstrução fundamentos de cirurgia plástica como A abordagem cirúrgica deve ser imediata e a via
enxertos e retalhos, muitas vezes realizados de acesso pode ser feita por uma incisão circunferente
tardiamente, mas que necessitam de cuidados prévios no sulco coronal com desluvamento do pênis, ou
para manter uma boa área receptora. longitudinal na rafe mediana o mais próximo do
O principal mecanismo de trauma contuso com hematoma. O hematoma deve ser evacuado, a uretra
o pênis em ereção é durante o intercurso sexual, adjacente isolada e os dois corpos cavernosos
podendo apresentar-se também após masturbações, expostos para identificação das lesões, que serão
práticas bizarras ou devido a credos religiosos. reparadas com sutura contínua com fios absorvíveis.
A túnica albugínea que recobre os corpos cavernosos No pós-operatório, as ereções devem ser inibidas
tem uma espessura de 2 mm, com o enchimento com colocação de bolsas de gelo ou a administração
destes corpos, ela adelgaça-se para 0,25 mm, predis- de dietilbestrol 3 mg/dia.

Foto 1: Fratura de pênis: aspecto do hematoma restrito ao pênis Foto 2: Ruptura da veia dorsal superficial: aspecto de um he-
e o desvio lateral. matoma menor.

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Guia Prático de Urologia

Penetrante Testículos
As lesões causadas por agentes perfuro-cortantes O trauma testicular fechado pode ter como
apresentam-se com grandes hematomas e sangra- conseqüência o hematoma das fáscias pré-testiculares
mento ativo pelos orifícios. A trajetória do objeto
(contusão), a torção, o deslocamento, a ruptura testicular
ou projétil pode determinar quais são as estruturas
e pode ainda estar associado a lesões do epidídimo,
lesadas e a associação com outros órgãos. O trata-
escroto e uretra. O diagnóstico e conduta terapêutica
mento é cirúrgico, quase na totalidade dos casos, e
devem se basear principalmente na história e achados
consiste na limpeza, desbridamento das áreas e sutura
da túnica albugínea. do exame físico, já que os métodos diagnósticos
A amputação do pênis é a lesão genital cortante complementares (cintilografia e ultra-sonografia) têm
mais grave pela sua complexa resolução e seqüelas. acurácia muito variável. O trauma de alta energia cinética
Felizmente não é uma das lesões mais freqüentes do associado a hematoma, dor e impossibilidade de
trauma genital. O coto peniano deve ser mantido distinguir o testículo do epidídimo à palpação é dado
em solução salina com heparina e antibióticos até o suficiente para indicar o tratamento cirúrgico. A cintilo-
início de sua reconstrução, que deverá ser o mais grafia e a ultra-sonografia podem ser utilizadas na
precoce possível, requerendo micro-anastomoses do suspeita de torção e quando o exame físico for
nervo e vasos dorsais e anastomose da uretra. inconclusivo para auxiliar na decisão terapêutica.

Foto 3: Fratura de pênis: aspecto intra-operatório da lesão transversa Foto 5: Trauma fechado de testículo: aspecto intra-operatório da
posterior do corpo cavernoso. lesão da albugínea e exposição do parênquima testicular.

Foto 4: Fratura de pênis: aspecto final da sutura da túnica albugínea Foto 6: Ferimento por arma de fogo transfixante de coxa esquerda
do corpo cavernoso, por abordagem longitudinal na rafe mediana. e pênis.

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Guia Prático de Urologia

Algoritmo do trauma testicular

O tratamento cirúrgico se dá pela exploração escro- (curativo estéril) até a granulação e posterior enxerto
tal, drenagem do hematoma e hematocele, lavagem de pele parcial.
copiosa, desbridamento do tecido e túbulos seminí-
feros necróticos, síntese da albugínea com sutura absor- Ducto deferente e epidídimo
vível, drenopenrose de 24 a 36 horas e antibiotico- O tratamento das lesões de ducto deferente e
terapia de largo espectro por sete dias. Nos casos de epidídimo é semelhante ao da infertilidade masculina
amputação testicular, o reimplante deve ser considerado obstrutiva. Em virtude da indeterminação da viabi-
até oito horas após o trauma. Nos casos de avulsão, lidade dos tecidos, da contaminação e de outras
deve-se questionar o reimplante devido à extensa lesão prioridades no tratamento inicial, o ducto deferente
vascular (endotelial) geralmente associada. pode ser ligado, o epidídimo fechado e a anastomose
O tratamento conservador é feito com analgé- realizada em segundo tempo.
sicos, antiinflamatórios, compressa com gelo e sus-
pensório escrotal.
O trauma penetrante de escroto é de tratamento Leitura recomendada
cirúrgico, com raras exceções como no ferimento
superficial (arma branca) ou tangencial (arma de fogo). 1. Aguiar W, Cury J. Trauma Genital. In: Cury J, Simonetti R, Srougi
M. Urgência em Urologia, 1a. ed. Sarvier, 1999 p.104-10.
Escroto 2. Mulhall JP, Gabram SG, Jacobs LM. Emergency
management of blunt testicular trauma. Acad Emerg
O escroto tem grande elasticidade, sendo que, na Med 1995; 2 (7): 639-43.
3. Jordan GH. Scrotal Trauma and Reconstruction. In: Graham
maioria das vezes, as lesões podem ser corrigidas Jr., SD. Glenn’s Urologic Surgery, 5th ed. Philadelphia:
com sutura primária. Nos casos em que não há pele Wolters Kluwer Company, 1998 pp. 539-50.
para cobrir os testículos, deve-se lavar exaustivamente 4. Peterson NE. Genitourinary Trauma. In: Mattox KL,
a lesão, e as gônadas podem ser posicionadas no Feliciano DV, Moore E. 4th ed. New York, McGraw-Hill:
2000 pp. 839-77.
subcutâneo da raiz das coxas, nas regiões inguinais, 5. Sagalowsky AI, Peters PC. Genitourinary trauma. In: Walsh,
ou podem ser mantidas expostas com cuidados locais PC. Campbell’s Urology, 7th ed. Philadelphia: WB Saunders
Company; 1998 pp. 3085-120.

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