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Advaita Vedānta - Uma visão geral

Todos nós colocamos questões em relações a nós mesmo, ao mundo que experienciamos e ao Senhor, tais como – Quem sou eu? Sou este corpo? Sou esta mente? O que nos acontece quando
morremos? Qual é a natureza do mundo que experienciamos? Como surgiu? Terá um fim? Existe um criador? Existe alguém como um Senhor Supremo? Existe mais do que um Deus? Qual a relação
que temos com outros, o mundo perceptível e o Senhor ou Deuses? Qual é o propósito da vida?

POR D. KRISHNA AYYAR


Como outras filosofias, Advaita Vedānta aborda estas questões. É uma filosofia única. A sua Śāstra prescreve aquilo que se chama varnāśrama varṇa – quatro modos de vida sucessivos e
singularidade consiste em: quatro vocações. Os quatro modos sucessivos começam com brahmacarya aśrama no qual
a) a declaração que a realidade última é um princípio supremo de existência com consciência rapazes e raparigas cantam os mantras dos Vedas e, estudando Sânscrito, ficam com uma ideia
com infinitude, chamado Brahma (escrito como Brahman neste texto) que é idêntico à geral daquilo que o Veda diz. Também estudam assuntos auxiliares chamados vedāngas (śikṣā,
consciência dos seres vivos individuais chamado ātmā; kalpa, vyākarana, nirukta, chandas e jyotiṣa – pronúncia e entonação, metodologia dos rituais,
b) à relegação do universo perceptível (jagat) a uma ordem de realidade inferior. gramática, explicação etimológica de palavras Védicas difíceis, métrica e astronomia).
Começando aos cinco anos de idade, o estudo é para ser feito com um perceptor (guru), e ficando
A escritura original Hindu chamada Veda (que consiste em cerca de 20,00 mantras – hinos) é com ele durante um período de doze anos (isto é chamado de gurukulavāsa). Segue-se
dividida em quatro compilações, chamados (a) Ṛg Veda, (b) Yajur Veda, (c) Sāma Veda e (d) gṛhasthāśrama no qual, após o casamento, funções como sacerdote, professor, guerreiro,
Atharva Veda. Respetivamente, as partes mais antigas consistem em hinos (mantras) numa comerciante ou agricultor (num dos quatro varṇas chamados, respetivamente, brāhmana,
forma métrica ou poética, (b) um manual de rituais incluindo hinos em forma de prosa, (c) hinos kṣatriya, vaiśya e śūdra). As mulheres que não escolheram seguir Jñāna Kāṇḍa casam e cuidam do
em forma musical e (d) diversos assuntos. Juntos, estas partes são chamadas de Karma Kāṇḍa. As lar. Quando se tem filhos, e ao mais velho se podem delegar as responsabilidades familiares, uma
partes mais recentes dos Vedas, chamadas Vedānta, Upaniṣad ou Jñāna Kāṇḍa são a parte pessoa pode adotar vānaprastha aśrama no qual se retira com o cônjuge para a floresta para
filosófica. realizar upāsana. Por último, sanyāsa aśrama durante o qual uma pessoa dedica o seu tempo
exclusivamente a um estudo profundo de Vedānta (Jñāna Kāṇḍa). Isto é feito novamente sob a
Karma Kāṇḍa lida com: supervisão de um guru; desta vez, o guru tem de ser, não apenas versado em Vedānta , mas ele
a) rituais e sacrifícios; próprio estar fixo em Brahman (śrotriyam brahmaniṣṭham). Existem dois tipos de sanyāsa –
b) reverência a deidades e orações; vividiśā sanyāsa – para dedicar total atenção a śravaṇam, mananam e nidhidhyāsanam.
c) deveres, valores e a conduta da vida em harmonia com o bem-estar de todos os seres vivos,
com os requisitos da sociedade e com a estrutura do universo (chamado karma);
d) meditação (upāsana) em aspetos do cosmos na forma de deidades (devatās) e no Senhor
Supremo, o criador e controlador (Īśvara).

Existe muita literatura codificada e clarificatória chamada sūtras (aforismos), e elaborando esta,
existem smṛtis. Enquanto que Brahma Sūtra lida com Upaniṣads, as outras lidam com Karma
Kāṇḍa. Relacionada à secção Karma Kāṇḍa existem Dharma Śāstra Sūtras que lidam com os
deveres, responsabilidades e valores a serem cultivados pelos indivíduos, Gṛhya Sūtras que lidam
com assuntos familiares, Śrauta Sūtras que focam no bem-estar da sociedade, harmonia universal
e paz. Existe também literatura que consistem em comentários chamados bhāṣyams e estes, por
sua vez, têm uma corrente de sub-comentários. Estes que estão em forma de verso são chamados
de vārtikas. Existem também trabalhos interpretativos sobre vários tópicos chamados Prakaraṇa.
Todos estes juntos são chamados de Śāstra.

A busca por Karma Kāṇḍa é a preparação para Jñāna Kāṇḍa. Karma Kāṇḍa prescreve vários tipos
de karma e upāsana e menciona os benefícios mundanos correspondentes a serem obtidos,
como riqueza, saúde, descendência, aquisição de poderes sobrehumanos (chamados siddhis),
vida em planos superiores, etc. Quando são realizados com o propósito de obtenção de benefícios
materiais são chamados de kāmya karmas. Nas fases iniciais uma pessoa realiza kāmya karmas.
Mas, a seu tempo – podem ser após muitos nascimentos (chamados janmas) – uma pessoa
descobre que quaisquer benefícios que kāmya karma traga são temporários. Até a vida num
plano superior é, de acordo como Śāstra, temporária. A forma tola de buscar a felicidade é
desenvolvendo desejo por objetos. Nenhum prazer está separado de dor. Na realidade, na maior
parte do tempo, é dor. A luta e tensão em adquirir coisas, a preocupação em proteger aquilo que
uma pessoa adquiriu e a mágoa quando é perdido ou deixa de existir – tudo isto não é mais do
que dor. A felicidade existe apenas em escassos momentos quando alguém tem algo que deseja e
o desejo por outra coisa ainda não surgiu. O desejo não tem fim. Um desejo surge após o outro.
Uma pessoa anda sempre ansiosa por algo melhor. A saciedade desaparece. A lei dos retornos
enfraquecidos opera. Se ir ao cinema uma vez por mês é suficiente, de início, você chega a uma
altura em que quer ir diariamente e, mesmo isso, não é suficiente depois. Os seus sentidos passam
por desgaste pelo prazer e uma pessoa torna-se mentalmente escrava dos objetos e fisicamente
uma ruína. O meio mais sábio de ser feliz é desenvolver desapego pelos objetos (vairāgya). Vide
Īśāvāsya 1 - “Proteja-se abdicando do desejo.” Vivenciando os problemas de buscar felicidade
através do contacto com objetos, uma pessoa começa a pensar se é possível ter paz e felicidade
permanente, Śāstra vem e diz, “Sim; é possível. Deixe os kāmya karmas e venha ao Jñāna Kāṇḍa.”

Antes de vir a Jñāna Kāṇḍa, uma pessoa tem de se preparar. O assunto é sutil e o estudo requere
tranquilidade e concentração da mente. Tranquilidade ou pureza da mente e concentração são
adquiridas, respectivamente, pela realização de karma e upāsana sem desejo peles benefícios
mundanos e somente com a perspetiva de ir a Jñāna Kāṇḍa. Isto é chamado de niskāma karma. Não é obrigatório passar por gṛhasthāśrama e vānaprastha āśrama. Aqueles que obteram
Isto é um modo de vida onde a atitude é significativa. Qualquer que seja a ação que se faça, suficiente pureza da mente (citta śuddhi), desapego (vairāgyam), concentração (citta aikāgryam)
religiosa ou secular, é feita como uma oferenda a Īśvara (Īśvara arpaṇa buddhi) e a aceitação dos e desenvolveram um forte desejo por libertação após brahmacaryāśrama podem, quer sejam
resultados, favoráveis ou desfavoráveis com equanimidade como um presente sagrado de Īśvara rapazes ou raparigas, tomar imediatamente sanyāsāśrama, ou, sem passar por grahastāśrama,
(Īśvara prasāda buddhi). Isto é chamado de karma yoga. Karmayoga produz pureza da mente continuar a estudar Vedānta (são chamados de naiṣṭhika brahmācaris ou naiṣṭhika
(citta śuddhi) e upāsana gera tranquilidade e concentração da mente (citta aikagryam e citta brahmacārinis) - vide Bṛhadāraṇyaka IV.iv.20, onde dois tipos de sanyāsa são mencionados, um
naiscalyam) e desejo por ātmā vicāra (questionamento sobre a natureza do ser), que são após gṛhasthāśrama e vānaprastha e outro logo após brahmacarya; na Jābāla Upaniṣad também
necessários à busca de Jñāna Kāṇḍa. é dito que uma pessoa adota gṛhasthāśrama após brahmacarya, vānaprasthāśrama após
gṛhasthāśrama, sanyasāśrama após vānaprastha e, em alternativa, pode ir diretamente para

Yoga Vadika 1
sanyasāśrama após brahmacarya. No meio económico e social de hoje, não é possível aderir ao chamado de śruti. Já que não é de autoria humana é chamado de “apauruṣeya pramāna”. O resto
antigo sistema de varnāśrama dharma envolvendo uma sucessão regular do modo de vida e uma do Śāstra é de autoria humana, o trabalho de sábios e santos é chamado de “pouruṣeya
clara divisão de vocações. Gurukulavāsa tornou-se obsoleto e não há tempo para o chefe de pramāna”.
família realizar os rituais elaborados mencionados no Śāstra. No entanto, mesmo numa
sociedade moderna, mesmo que não haja nenhuma cerimónia de passagem de āśramas, a
sequência da atividade principal na vida não é diferente – primeiro uma pessoa estuda, depois
executa os seus deveres da sua profissão, sem omitir oração e reverência e, se for inteligente,
dedica tempo após a reforma para a busca espiritual. Mesmo nas circunstâncias modernas,
apesar dos rituais formais não serem possíveis, é possível dedicar algum tempo a um regime
limitado de reverência, oração e meditação, na medida em que a preocupação em ganhar a vida
assim o permita. Uma pessoa também tem que realizar os seus deveres para com os outros, para
com a sociedade e para com a natureza. Mais, uma pessoa deverá buscar uma profissão no
espírito de seguir o caminho de karma yoga e viver uma vida baseada em valores, como
veracidade, não-violência, disciplina, caridade, etc. Acima de tudo, uma pessoa reduz as buscas
mundanas ao mínimo requerido para viver e dedica tempo à busca espiritual. Se for talentosa, o
talento deve ser usado para o bem-estar da sociedade, nação e mundo, após providenciar as
necessidades da sua família. A riqueza excedente deverá ser partilhada com instituição
beneficentes.

A maior parte da literatura Védica original perdeu-se devido ao desuso e destruição durante as
invasões. De acordo com a tradição, a literatura de Vedānta consistia originalmente em 1180
Upaniṣads. O que restam são cerca de 108. Destas, doze Upaniṣads são consideradas as mais
importante. Destas, dez são as mais ensinadas, nomeadamente, Īśa, Kena, Kaṭha, Praśna,
Muṇḍaka, Māndūkya, Aitreya, Taittiriya, Chāndogya e Bṛhadāraṇyaka sobre as quais o grandioso
preceptor Śaṅkarācārya escreveu comentário inestimáveis. As duas outras são Kaivalya e
Śvetāśvatara (dizem que o comentário existente à Śvetāśvatara é também da autoria de
Śaṅkarācārya). Māndūkya é a Upaniṣad mais curta e Bṛhadāraṇyaka é a mais longa. Māndūkya é No seu ensinamento fundamental, Vedānta lida com assuntos para além, da criação. O intelecto
estudada junto com um tratado explicatório chamado “kārikā” escrito por Gauḍapādācārya, humano em si é parte da criação. Não pode portanto provar ou refutar o que é dito em Vedānta.
professor do professor (paramaguru) de Śaṅkarācārya. Para além das Upaniṣads, todos os Confira-se a Kathopaniṣad I.ii.8 e I.ii.9 – Brahman existe para além da argumentação.” “Esta
estudantes de Vedānta estudam a Bhagavadgītā e os “Brahma sūtras” de Vyasācārya. Como são sabedoria (…) não é para ser atingida através da argumentação.” Kenopaniṣad I.3, I.4 e I.6 - “Os
textos-base, são chamados de “Prasthānatraya”. olhos não vão lá, nem o discurso nem a mente. Não conhecemos Brahman sendo isto ou aquilo.”
“Aquele (Brahman) é seguramente diferente do conhecido e, de novo, está acima do
De acordo com a tradição, a literatura dos Vedas, incluindo Vedānta, não é de autoria humana. É desconhecido.” “Aquilo que o homem não compreende com a mente.” Taittiriya Upaniṣad II.ix.1 -
revelada por Īśvara; vide Kaivalya Upaniṣad 22 - “Eu (Brahman sou o único tema ensinado nos “Aquele (…) Brahman que as palavras não conseguem atingir, voltam de novo com a mente.” Fé –
diferentes Vedas. Eu sou o revelador de Vedānta e apenas eu sou o real conhecedor dos Vedas.” isto é, a convicção profunda que aquilo que as Upaniṣads nos ensinam é incontestável – é
Śvetāśvatara IV.9 - “Mayii (Brahman através do seu poder chamado Maya) cria o Veda ...” (esta essencial. Assim, um estudante de Vedānta segue, principalmente, aquilo que é dito nas
palavra Mayii deve ser interpretada, preferencialmente, como Īśvara, já que, a criação é Upaniṣads da forma que foi interpretado pelos preceptores (ācāryas) que ele escolheu seguir. A
mencionada). Revelado por Īśvara, o Veda existe numa forma sutil, como parte da criação. Foi lógica é usada para analisar tópicos baseados em dados recolhidos pelo Śāstra para chegar a uma
veiculado pelos sábios (ṛṣis), cujo equipamento mental especial adquirido através de upāsana os construção harmoniosa de textos (chamada “samanvaya”) e estar convicto da credibilidade
capacitou a captarem aquilo que existe em forma sutil (a palavra “ṛṣi” é derivada duma raíz que daquilo a que se chega (sambhāvana yukti).
significa “ver”; assim, ṛṣi significa aquele que vê. O Veda foi transmitido a gerações sucessivas na
tradição de professor a estudante. Isto é chamado de “guru śiṣya paramparā” Vide Śvetāśvatara
Upaniṣad V.6 - “Brahmatvam (o princípio chamado Brahman) está escondido nas Upaniṣads que
constituem a essência dos Vedas (“escondido” significa que só pode ser conhecido por aqueles Retirado de www.vedantaadvaita.org, traduzido do Inglês por Gustavo Cunha e republicado em
que fazem śravaṇa e manana a fundo). Hiranyagarbha conhece-as (as Upaniṣads). Conhecendo- www.yogavaidika.com com a permissão do autor (D. Krishna Ayyar). O autor concedeu permissão para
as, Devas e ṛṣis tornaram-se imortais”. Visto que o ensinamento era oral, não-escrito, o Veda é uso pessoal. Para uso comercial, para republicar ou traduzir noutras línguas por favor contactar o autor, D. Krishna
Ayyar: ayyarkrishna4@gmail.com . Imagens de Svāmi Paramārthānanda propriedade de Gabriel Renault.

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