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TRAZENDO O

SAGRADO
PA R A O C O T I D I A N O

C H A N D R A M U K H A S WA M I
SUMÁRIO

Seção Um

01. A VIBRAÇÃO TRANSCENDENTAL DO MAHA-MANTRA, 4.


02. A AUTORIDADE DOS VEDAS E AS GLÓRIAS DA GITA, 12.
03. SABOREANDO UM GOSTO SUPERIOR, 20.
04. PERCEBENDO A PRESENÇA DO ABSOLUTO, 28.
05. O VALOR DA ASSOCIAÇÃO DOS DEVOTOS, 34.

Seção Dois

06. PRINCIPAIS CANÇÕES DEVOCIONAIS, 40.


07. O QUE É BHAKTI, 45.
08. CONQUISTANDO A MENTE, 53.
09. O CONCEITO DO SAGRADO, 58.
10. DIGA-ME COM QUEM ANDAS, 63.

Seção Três

11. O CANTO REPETITIVO DO MANTRA (JAPA-MALA), 68.


12. O CULTIVO DO AMOR A DEUS, 75.
13. LIVRANDO-SE DO KARMA, 79.
14. INTRODUZINDO O AVATARA CAITANYA, 85.
15. DIKSHA, A INICIAÇÃO ESPIRITUAL, 92.
Seção Quatro

16. A NATUREZA ABSOLUTA DO SANTO NOME, 97.


17. ENTENDENDO O EU VERDADEIRO, 103.
18. AUSTERIDADE E VERACIDADE, 109.
19. A ENTREGA AMOROSA, 116.
20. AS QUALIDADES DE UMA PESSOA CONSCIENTE DE DEUS,
123.

Seção Cinco

21. ESTÁGIOS DO CANTAR DOS SANTOS NOMES, 127.


22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS, 133.
23. PUREZA E NÃO-VIOLÊNCIA, 145.
24. A FORMA TRANSCENDENTAL DA DEIDADE, 151.
25. A RELAÇÃO DE MESTRE E DISCÍPULO, 160.

REPASSAR A EXPERIÊNCIA, 166.


GLOSSÁRIO, 173.
04
Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 01. A VIBRAÇÃO TRANSCENDENTAL DO MAHA-MANTRA

Desde o primeiro contato da pessoa com o conhecimento védico,


quando um mundo novo se descortina, ela se vê diante de diversas
modalidades de yoga e diferentes métodos de meditação, ambos
acompanhados de uma infinidade de mantras. Alguns se destinam a
obter bênçãos materiais dos semideuses, outros à proteção do corpo e
da mente. Alguns garantem eficiência no combate dos inimigos,
outros oferecem cura às doenças.

A despeito de tantas promessas, é bom saber que existem


mantras que oferecem muito mais do que meros benefícios
temporários. São mantras que podem ajudar o ser vivo a escapar do
ciclo interminável de nascimentos e mortes e transferi-lo ao
mundo espiritual, assegurando-lhe uma posição permanente e de
plena bem-aventurança. Um desses mantras é o Hare Kåñëa,
também conhecido como mahä-mantra, o grande cântico da
libertação.
As três palavras contidas nesse poderoso mantra são referências
diretas ao Absoluto e às Suas energias e, portanto, são indiscutíveis
agentes de purificação. De fato, quem pratica com regularidade esse
canto transcendental pode experimentar o desvanecimento gradual
das impurezas que haviam se acumulado na mente. Entretanto, a
sua atuação não se limita a isso. Depois dessa purificação inicial, os
santos nomes passam a penetrar delicadamente a consciência do ser
vivo e agem de modo a produzir o despertar de sua natureza
constitucional. Como esse surpreendente processo acontece é
explicado filosoficamente por Çréla Prabhupäda. A explicação que
daremos a seguir está baseada em seus ensinamentos(1):

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Lição 01. A VIBRAÇÃO TRANSCENDENTAL DO MAHA-MANTRA

A vibração transcendental estabelecida pelo canto de Hare


Kåñëa Hare Kåñëa Kåñëa Kåñëa Hare Hare | Hare Räma Hare
Räma Räma Räma Hare Hare é o método sublime para
revivermos nossa consciência de Kåñëa.

O cantar ajuda o ser vivo a “reviver” sua consciência original e


verdadeira, que agora está encoberta pela poluição da atmosfera
material. Em outras palavras, todo ser vivo é uma alma espiritual
originalmente consciente de Deus, mas, por viver na atmosfera
material de mäyä (ilusão), insiste na tentativa vã de ser o senhor da
natureza material. Mäyä significa “aquilo que não é”. Um exemplo
dessa mäyä acontece quando o ser vivo, em nome de tentar explorar
os recursos dessa natureza, acaba se enredando em suas
complexidades e fica cada vez mais dependente dela. Essa
mentalidade ilusória pode ser facilmente removida pelo cantar
constante desse grande cântico da libertação. Prabhupäda continua
a explicar(2):

Por experiência prática também, a pessoa pode perceber que,


cantando este mahä-mantra, ela pode de imediato sentir um
êxtase transcendental proveniente da camada espiritual. E
quando estiver realmente no plano de compreensão
espiritual – superando as fases dos sentidos, mente e
inteligência –, ela situa-se no plano transcendental.

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Lição 01. A VIBRAÇÃO TRANSCENDENTAL DO MAHA-MANTRA

Como provém diretamente da plataforma espiritual, o mantra


Hare Kåñëa ajuda o praticante sincero a sentir seus efeitos extáticos.
Superando passo a passo as três camadas inferiores de consciência –
a corpórea ou sensual, a mental e a intelectual – a pessoa atinge a
plataforma transcendental. Çréla Prabhupäda continua(3):

A palavra Harä é a forma de dirigir-se à energia do Senhor, e as


palavras Kåñëa e Räma são formas de se dirigir ao próprio
Kåñëa. Tanto Kåñëa quanto Räma significam “o prazer
supremo”, e Harä é a suprema energia de prazer do Senhor,
modificada para Hare no vocativo. A suprema energia de
prazer do Senhor ajuda-nos a alcançar o Senhor. A energia
material, chamada mäyä, é também uma das multifárias
energias do Senhor. E nós, as entidades vivas, também somos
uma energia – a energia marginal – do Senhor. As entidades
vivas são descritas como superiores à energia material.
Quando a energia superior está em contato com a energia
inferior, uma situação incompatível surge, mas quando a
energia marginal superior está em contato com a energia
superior, chamada Harä, a entidade viva se estabelece em sua
condição normal e feliz. Essas três palavras, a saber, Hare,
Kåñëa e Räma, são as sementes transcendentais do mahä-
mantra. O canto é uma maneira espiritual de dirigir-se ao
Senhor e Sua energia interna, Harä, pedindo-Lhes que dêem
proteção à alma condicionada. Esse canto é exatamente como

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Lição 01. A VIBRAÇÃO TRANSCENDENTAL DO MAHA-MANTRA

o choro genuíno de uma criança por sua mãe. A mãe Harä


auxilia o devoto a alcançar a graça do supremo pai Hari, ou
Kåñëa, e o Senhor Se revela ao devoto que canta esse mantra
sinceramente. Nenhum outro método de percepção
espiritual, portanto, é tão eficaz nesta era quanto o canto do
mahä-mantra: Hare Kåñëa Hare Kåñëa Kåñëa Kåñëa Hare Hare |
Hare Räma Hare Räma Räma Räma Hare Hare.

O CANTAR CUMPRE TODOS OS PROPÓSITOS DOS VEDAS

Já que a literatura védica também propõe uma variedade de


práticas espirituais, tais como yoga, meditação e diferentes
sacrifícios e austeridades, alguém poderá questionar se o cantar é
um processo completo. Em resposta, podemos citar a Gétä(4) que
garante que o cantar do santo nome cumpre todos os propósitos dos
Vedas:

Todos os propósitos satisfeitos por um poço pequeno podem


imediatamente ser satisfeitos por um grande reservatório
d'água. Similarmente, todos os propósitos dos Vedas são
cumpridos para aquele que conhece o propósito subjacente.

Sobre esse ponto, há duas considerações importantes. Uma é que


os diferentes rituais e sacrifícios mencionados na literatura védica
tem como finalidade o encorajamento do desenvolvimento gradual

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Lição 01. A VIBRAÇÃO TRANSCENDENTAL DO MAHA-MANTRA

da autorrealização. A outra é que a etapa em que a entidade viva


individual revive sua consciência de Kåñëa é a mais elevada perfeição
do conhecimento védico. Ora, se o cantar se destina especificamente
a esse reviver da consciência, não há necessidade de outro método
além dele. As seguintes palavras confirmam isso(5):

Ó meu Senhor, uma pessoa que esteja cantando Seu santo


nome, embora nascida em família inferior como a de um
caëòäla (comedor de cães), está situada na mais elevada
plataforma da autorrealização. Essa pessoa deve ter
executado todas as espécies de penitências e sacrifícios
segundo os rituais védicos e, tendo tomado seu banho em
todos os lugares santos de peregrinação, na certa estudou os
textos védicos muitíssimas vezes. Tal pessoa é considerada a
melhor da família ariana.

Çréla Prabhupäda explica ainda que os sintomas de uma pessoa


realmente inteligente, que compreendeu o propósito dos Vedas, é
que ele não se deixa apegar apenas aos seus rituais e rejeita a ideia de
se elevar aos reinos celestiais visando uma qualidade melhor de
satisfação dos sentidos. Especialmente nesta era, um homem
comum é incapaz de seguir todas as regras e regulações dos rituais
védicos e de estudar exaustivamente as escrituras avançadas como o
Vedänta e as Upaniñads, pois ele carece de recursos para por em
prática os propósitos dos Vedas. A conclusão é que o melhor

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Lição 01. A VIBRAÇÃO TRANSCENDENTAL DO MAHA-MANTRA

propósito da cultura védica é alcançado cantando o santo nome do


Senhor, como foi recomendado pelo Senhor Caitanya(6):

Como a maioria da população não recebe treinamento


espiritual, cumpre melhor o propósito dos Vedas quem canta
puramente o santo nome do Senhor. Vedänta é a última
palavra em sabedoria védica, e o autor e conhecedor da
filosofia Vedänta é o Senhor Kåñëa; e o maior vedantista é a
grande alma que sente prazer em cantar o santo nome do
Senhor. Esse é o objetivo último de todo o misticismo védico.

NADA PODE SER MAIS EFICIENTE

O processo de autorrealização na era de Satya consistia na


meditação. Numa atmosfera plenamente favorável, os sábios se
concentravam profundamente no Senhor do coração. Quando
alcançavam a pureza espiritual, eles eram premiados com o tesouro
de bhakti. Na era de Tretä, o sucesso espiritual consistia em satisfazer
o Senhor através da execução de sacrifícios extremamente
impecáveis, enquanto na era de Dväpara, o Senhor concedia devoção
pura àqueles que aderiam perfeitamente à senda da adoração à
Deidade. Mas, nesta era de Kali, quando a maioria leva a vida
afastada da meditação, dos sacrifícios védicos e da adoração às
Deidades, a possibilidade de liberação através desses três processos
se tornou praticamente nula. Em outras palavras, estamos em

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Lição 01. A VIBRAÇÃO TRANSCENDENTAL DO MAHA-MANTRA

grande desvantagem, pois, além do nosso tempo ser reduzido,


somos afligidos frequentemente por doenças físicas e emocionais.
Na realidade, o cultivo da filosofia, as práticas do yoga místico ou a
especulação filosófica são insuficientes para nos livrar dos maus-
hábitos. Com a influência nefasta desta era, os grupos religiosos ou
ligados às atividades caritativas se tornaram carentes de força
espiritual e, geralmente, em vez de serem realizados para purificar a
consciência, se destinam ao mero desfrute. Se, nos dias de hoje, já é
difícil encontrar pessoas interessadas em entender o verdadeiro
significado de vida espiritual, o que dizer encontrar alguém que se
disponha a aplicar com determinação as respectivas disciplinas?
Isso para não dizer que existem obstáculos que são praticamente
intransponíveis. Portanto, devido a esse panorama tão desfavorável,
o bondoso Senhor Se compadece e, assim, Se oferece através do
kértana, ou o cantar dos santos nomes. Portanto, o cantar dos santos
nomes é tanto o processo (sädhana) quanto o objetivo (sädhya). No
que se refere a facilitar a liberação dos praticantes (sädhakas), nada
pode ser mais eficiente do que esse método. Na verdade, mesmo que
as pessoas fortemente enredadas nos assuntos mundanos
encontrem dificuldade em adotar o sädhana com a devida seriedade,
qualquer pequeno esforço nesse cantar poderá produzir verdadeiros
milagres. Isso ocorre porque os santos nomes de Kåñëa são
comparados a uma árvore-dos-desejos transcendental que outorga
diferentes bênçãos aos mais variados praticantes. Por exemplo,
através do cantar, um materialista poderá alcançar verdadeira

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Lição 01. A VIBRAÇÃO TRANSCENDENTAL DO MAHA-MANTRA

religiosidade, fortuna, desfrute e até a liberação. Mas, as almas


entregues aos pés de lótus do Senhor recebem da árvore-dos-desejos
dos santos nomes a meta suprema da vida: kåñëa-prema, amor puro
por Kåñëa, que se irradia por toda a Sua criação!
A vibração dos santos nomes manifesta bondade espiritual
plena, pois personifica a doçura mais elevada. Nesta era, o som
transcendental dos nomes do Absoluto veio ao mundo para ajudar o
praticante a se familiarizar com Seus demais aspectos: Sua forma
transcendental, qualidades divinas e atividades inconcebíveis.
Como Kåñëa é Absoluto, Sua forma singularmente bela, Suas
qualidades e passatempos são idênticos a Ele. O cantar do nome de
Kåñëa, portanto, é o agente poderoso que conecta o praticante à Sua
bela forma, às Suas qualidades e demais atributos e preenche seu
coração com harmonia plena.

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Lição 02. A AUTORIDADE DOS VEDAS E AS GLÓRIAS DA GITA

Há quatro influências a que toda alma corporificada se depara: possui


sentidos de percepção limitados e defeituosos, está sujeita a se iludir,
está propensa a cometer erros e tende a enganar os outros. Na verdade,
é comum as pessoas manifestarem alguns desses defeitos de uma só
vez. Sob tais condições, como alguém pode adquirir conhecimento
perfeito?

O s Vedas são considerados a fonte original de todo


conhecimento. Por serem originalmente transmitidos pela
Pessoa Suprema, uma fonte completamente transcendental, seus
textos são considerados sagrados, e estão isentos dos quatro defeitos
anteriormente mencionados. Seu receptor original foi o primeiro
ser vivo, Brahmä, que, antes mesmo dessa criação material, foi
dotado de poder pelo Senhor para recriar esse mundo e dar uma nova
oportunidade às almas condicionadas que não alcançaram a
liberação na criação anterior. Tendo cumprido essa missão, Brahmä
transmitiu o conhecimento que recebera da Pessoa Suprema ao
sábio Närada. O sábio, por sua vez, o transmitiu a seu discípulo
Vyäsadeva que, com o propósito de preservá-lo, registrou-o na forma
literária há cerca de cinquenta séculos.
Uma vez que os Vedas têm como propósito último fornecer
conhecimento sobre autorrealização espiritual, os seus temas são
compreendidos apenas por pessoas com excepcionais qualidades.
Por esse motivo, no início da era de Kali, o grande sábio Vyäsa dividiu
os Vedas em vários ramos, tornando esse conhecimento acessível às
pessoas comuns e sem tanto brilho intelectual. Compreendendo

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Lição 02. A AUTORIDADE DOS VEDAS E AS GLÓRIAS DA GITA

que a maioria das pessoas se interessa muito mais por narrativas


fascinantes do que por filosofia profunda, ele preparou também o
Mahäbhärata, uma compilação admirável repleta de histórias que
prendem a atenção de qualquer tipo de pessoa. Assim, através do
Mahäbhärata, Vyäsadeva quis atrair os leitores com a incrível história
da disputa pelo trono entre as dinastias Kaurava (ou Kurus) e
Päëòava. Sua estratégia é que, no momento mais crítico da história –
exatamente quando a Batalha de Kurukñetra está por começar –
Kåñëa entra em cena e transmite Sua mensagem maravilhosa na
forma da Bhagavad-gétä. Na verdade, toda a trama política e
envolvente do Mahäbhärata não passa de um arranjo divino para
prender a atenção dos leitores para que Kåñëa derrame o oceano
infinito de instruções sublimes sob a forma da Gétä, a nata dos Vedas.

A GITA NO CONTEXTO VÉDICO

Nesta era atual ninguém é verdadeiramente qualificado para


estudar toda a imensidão dos textos védicos, tais como os Puräëas,
Upaniñads, Vedänta-sütra, etc., mas por estudar simplesmente a
Bhagavad-gétä uma pessoa poderá se elevar ao estado de sabedoria e
iluminação transcendental. Basta que ela seja fiel e que tenha o
desejo sincero de se livrar das garras da existência material e alcançar
uma existência eterna e plena de felicidade. Considera-se a
Bhagavad-gétä como o livro perfeito para a introdução de valores
espirituais. Sua função é primeiramente elevar a consciência do seu

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Lição 02. A AUTORIDADE DOS VEDAS E AS GLÓRIAS DA GITA

estudante para lhe dar condições para que inicie o seu estudo da
filosofia Vedänta através da leitura do Bhägavatam e,
posteriormente, elevá-lo ao bhägavata-dharma, a ocupação no
serviço amoroso ao Senhor. Segundo os Vedas, o cosmos material se
manifesta em ciclos de quatro eras: Satya, Tretä, Dväpara e Kali. A era
de Satya é caracterizada pelas boas virtudes e todos os seres
humanos que vivem na Terra são repletos de qualidades divinas. Na
era de Tretä há um declínio das virtudes e a Terra passa a abrigar ao
mesmo tempo seres divinos e seres demoníacos. Na era de Dväpara, o
aumento da irreligião e da impiedade se acentua a ponto do divino e
do demoníaco passarem a viver na mesma família. Finalmente, na
era de Kali, ou era das trevas, há um predomínio total de irreligião,
hipocrisia e desavenças, e a natureza divina e demoníaca habitam
lado a lado no mesmo corpo. Desse modo, foi há cinco mil anos,
entre o final da era de Dväpara e o começo da era de Kali, que Çré Kåñëa
veio à Terra para transmitir para Arjuna o conhecimento sublime da
Bhagavad-gétä e, assim, remover todas as suas dúvidas, ansiedades e
lamentações. Como um eterno companheiro de Kåñëa, o guerreiro
Arjuna está sempre fora da ilusão. É dito que ele foi colocado em
ilusão pessoalmente pelo Senhor, que desejava transmitir os
ensinamentos da Bhagavad-gétä para as futuras gerações. Ao
representar o papel de uma pessoa absorta em sofrimento material e
formular perguntas relevantes sobre os verdadeiros problemas da
vida, Arjuna ajudou as próximas gerações a compreender os
mistérios mais intrigantes da nossa condição humana. Em outras

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palavras, ele ilustra a condição daqueles que, influenciados pela


existência material, são forçados a conviver com frequentes
ansiedades e temores. A lição a se aprender é que, assim como
Arjuna, ninguém tem a capacidade de encontrar as devidas soluções
para os problemas que surgem na vida (independentemente do nível
de educação ou inteligência que se possa ter), pois a vida prática é
como o campo de Kurukñetra onde acontece a todo instante a
batalha entre o bem e o mal, o religioso e o irreligioso, o ético e o não
ético. Do ponto de vista material, a associação entre uma pessoa e
outra depende do contato pessoal físico, mas, no que diz respeito à
associação espiritual, isso é diferente. Na realidade, no campo
absoluto, Kåñëa e Suas instruções são absolutamente idênticos.
Portanto, Kåñëa transmitiu a Gétä para que todos tenham a
oportunidade de receber Suas instruções mesmo que Ele esteja fora
do alcance da visão material. Como ficará claro na leitura desta obra,
o Senhor possui poderes inconcebíveis e pelo Seu divino desejo a
energia material pode ser espiritualizada. A conclusão é que a Gétä é
uma representação sonora do Senhor, não-diferente Dele e,
portanto, estudá-la é a melhor maneira de recebermos Sua
associação direta.

A ESCOLHA DO CENÁRIO

Por que, para expor a ciência eterna da alma, Çré Kåñëa escolheu o
cenário de uma guerra, onde, nos momentos seguintes, haveriam

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milhões de vítimas? Enquanto experimenta uma condição de


felicidade e conforto, uma pessoa comum não busca seriamente por
conhecimento espiritual e nem procura por Deus. Mas, uma pessoa
piedosa percebe que a melhor alternativa diante de alguma
calamidade é se refugiar no Senhor. Já que as perplexidades fazem
parte desse mundo, é melhor encará-las como oportunidades para
se buscar uma relação tangível com Deus e, assim, progredir em
compreensão espiritual. Batalha significa mortes e mortes, perda de
corpos. Portanto, pelo arranjo da Providência, Arjuna representou o
papel de uma pessoa que, mesmo tendo recebido profundo
treinamento espiritual, sofre um tipo de “apagão” da consciência no
momento mais crucial da vida, e, dominado pela ilusão, se esquece
do conhecimento espiritual adquirido. Deixando-se levar pelo ego
falso, ele desconsidera que o verdadeiro Eu é a alma espiritual e,
assim, demonstra uma identificação desmedida com seu corpo e
com os corpos ligados a ele por afeição familiar. Diante do seu grande
sofrimento e temor, ele decide sabiamente aceitar Kåñëa como seu
mestre espiritual e Lhe faz perguntas de grande relevância. A
condição adversa na qual a Gétä foi falada indica que todos podem se
valer dessas instruções atemporais, por mais difícil que seja a
circunstância. Se Arjuna foi capaz de praticar a obediência ao Senhor
Kåñëa enquanto lutava fortemente no campo de batalha, o que dizer
de uma pessoa que vive numa condição muito mais tranquila?
De acordo com sua posição social, o dever do guerreiro Arjuna era
se ocupar na batalha. Mas, essa mesma regra deveria ser aplicada

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Lição 02. A AUTORIDADE DOS VEDAS E AS GLÓRIAS DA GITA

numa situação em que parentes e benquerentes se apresentam


como adversários? Outra importante consideração era a presença da
todo-auspiciosa Suprema Personalidade de Deus no campo sagrado
de Kurukñetra. Ao mesmo tempo que Kåñëa desejava a batalha, Ele
pregava a paz interior e a serenidade mental. Como conciliar tantas
diversidades?

A BATALHA INTERIOR

Considerando a sua posição como guerreiro, é claro que Arjuna


deveria cumprir seu dever de prosseguir na batalha com firmeza.
Porém, não se deve pensar que a batalha girava simplesmente em
torno de interesses materiais. É claro que o interesse dos filhos de
Dhåtaräñöra era mundano. Mas, o interesse de Arjuna e seus irmãos,
os Päëòavas, era o de unicamente promover o dharma e estabelecer a
justiça e paz no mundo. Entretanto, como harmonizar seus deveres
de guerreiro com os sentimentos amorosos que Arjuna nutria pelos
seus membros familiares?
À medida que o leitor progride em seus estudos da Bhagavad-gétä,
ele passa a entender claramente que a batalha verdadeira seria
travada entre o bem e o mal, o divino e o demoníaco. Os
mencionados “sentimentos amorosos” podem ser comparados aos
apegos e aos desejos mundanos, enquanto a figura do simples
“guerreiro”, ao verdadeiro “guerreiro espiritual” adormecido no
interior de todos.

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Lição 02. A AUTORIDADE DOS VEDAS E AS GLÓRIAS DA GITA

É evidente que a família e os amigos não são necessariamente


inimigos da vida espiritual, mas como aconteceu no exemplo dos
Kauravas com os Kurus, isso poderá acontecer. Nesse caso, um
verdadeiro guerreiro espiritual não poderá recuar e desistir da luta.
Como nos esclarece o Mestre Jesus, “temos que odiar o pecado, e
não o pecador”. É um fato que todo aquele que tem um propósito
sincero de prosseguir firme na sua vida espiritual deve estar
preparado para travar uma batalha com o “pecado” em seu interior,
mas nunca declarar guerra com os ditos “pecadores” que existem
fora dele.
No caso da batalha de Kurukñetra, a vitória de Arjuna sobre
Duryodhana e seu grupo mal-intencionado significaria que toda a
sociedade da época – inclusive das próximas gerações – receberia os
benefícios. De forma semelhante, uma vitória espiritual no campo
de batalha da nossa consciência significará que, na verdade, todos
nossos familiares e amigos, indiretamente, receberão verdadeiros
benefícios – especialmente nossos filhos e demais descendentes.
Çréla Prabhupäda mencionou em suas palestras e conversas que uma
pessoa que recupera plenamente a sua consciência espiritual e
consegue se transferir ao mundo espiritual, garante a liberação de
todos os seus parentes por dez gerações anteriores e dez gerações
posteriores. Desse modo, assim como, ao cumprir seu dever de
confrontar com os aliados a Duryodhana, Arjuna estava em completa
consonância com o dharma e não incorreria no menor pecado, de
forma semelhante, uma pessoa sincera que ajusta sua vida com as

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Lição 02. A AUTORIDADE DOS VEDAS E AS GLÓRIAS DA GITA

instruções dadas pelo Senhor na Bhagavad-gétä, e o faz de forma


madura, responsável e inteligente, está em totalmente harmonia
com as leis supremas e universais que regem o padrão mais elevado
de ética. Agindo assim, ela também beneficiará todos os seus
familiares.
A natureza de Arjuna o adornava com as qualidades santas, tais
como o desapego, o perdão, a indulgência, etc. Portanto, foi por uma
questão de compaixão que Arjuna quis desistir da luta e abandonar
seu dever de guerreiro. Embora, de um modo geral, essa atitude seja
plenamente louvável, do ponto de vista de quem tem o compromisso
de proteger a sociedade, essa postura foi considerada um ato de
covardia, pois a pessoa nunca deve colocar seus interesses pessoais
ou familiares acima dos seus deveres para com toda a sociedade.
Além de tudo que foi dito, devemos considerar que Çré Kåñëa, a
Pessoa Suprema, estava ao lado de Arjuna – isso transformava a
batalha numa atividade completamente transcendental. Portanto, a
decisão de Arjuna de não lutar era definitivamente incorreta, pois
ele tinha a seu lado a presença auspiciosa de Kåñëa, que é o protetor
eterno do dharma. Isso garantia a liberação última de todos os
guerreiros que tivessem que ser sacrificados em nome do dharma.

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Lição 03. SABOREANDO UM GOSTO SUPERIOR

Nessa lição, vamos nos debruçar num importante tema: a substituição


dos prazeres materiais pelos prazeres da vida espiritual. Ao considerar
que a busca por prazer é inerente a todo ser vivo, a Bhagavad-gita
recomenda que ocupemos nossos sentidos na autorrealização para que,
assim, possamos saciar a nossa busca natural pelo prazer.

N a verdade, a experiência do gosto superior proporcionada


pelas práticas do bhakti-yoga são as verdadeiras responsáveis
pelo desapego às coisas mundanas.

A alma corporificada pode se restringir do prazer dos


sentidos, embora o gosto pelos objetos dos sentidos
permaneça. Porém, interrompendo tais ocupações ao
experimentar um gosto superior, ela se fixa em consciência(1).

Assim como, por uma questão de saúde, um doente decide se


privar de alguns alimentos que lhe são atrativos, uma alma
corporificada (que não deixa de ser um estado doentio) poderá se
abster de alguns prazeres materiais. Mas, se sua mente estiver cheia
de desejos, o que ela realmente ganhará com tal abstenção forçada?
Na verdade, quem está identificado com o corpo é incapaz de evitar
naturalmente os desfrutes mundanos dos sentidos. Para que não
seja uma repressão artificial, ela terá que saturar sua consciência
com o conhecimento divino sobre o Supremo, Suas características
sem paralelo, Sua beleza todo-atrativa e Sua infinita propensão
amorosa. Nesse caso, empregando os sentidos, a mente e o intelecto

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Lição 03. SABOREANDO UM GOSTO SUPERIOR

na vida espiritual, ela sentirá grande bem-aventurança e perceberá


gradualmente que, embora seu corpo não seja seu verdadeiro Eu, ele
é extremamente valioso, pois é um veículo perfeito para ser usado
para a autorrealização. E, à medida que essa compreensão ganhar
profundidade, sua satisfação espiritual irá aumentar até o ponto
dela perder por completo o gosto e o interesse pelas coisas materiais,
que são definitivamente insípidas.

Os sentidos são tão fortes e impetuosos, ó Arjuna, que


arrebatam à força até mesmo a mente de um homem de
discriminação que se esforça por controlá-los(2).

Nas escrituras védicas, encontramos histórias de praticantes


rigorosos de yoga místico que tiveram sérias dificuldades em
controlar os sentidos, o que mostra que, sem ocupá-los em
atividades transcendentais, é praticamente impossível obter
resultado positivo e duradouro. Como foi mencionado, não
podemos simplesmente interromper as ocupações materiais. A
solução é conectar as funções da mente (sentir, pensar e desejar) à
Transcendência e a tudo relacionado à Ela. Um grande santo e
praticante de bhakti do século passado, Çré Yämunäcärya, afirmou em
seus poemas que desde o momento em que passou a se ocupar no
serviço devocional ao Senhor Kåñëa, sua experiência de prazer
transcendental se renovava e crescia a cada instante. Assim, quando
surgiam lembranças indesejáveis em sua mente, ou quando ela

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 03. SABOREANDO UM GOSTO SUPERIOR

propunha o gozo dos sentidos mundanos, seu rosto imediatamente


se contorcia e ele naturalmente rejeitava tal pensamento. Com isso,
ele está nos ensinando que a consciência de Kåñëa é um fenômeno
muito poderoso. Na verdade, por conceder prazer espiritual
superior, a consciência de Kåñëa torna desinteressante o prazer
mundano e de qualidade inferior. Desse modo, uma pessoa
consciente de Kåñëa é comparado a um homem saudável que satisfaz
sua fome com alimentos nutritivos e saborosos.

Aquele que restringe seus sentidos, mantendo-os sob


completo controle, e fixa sua consciência em Mim, é
conhecido como um homem de inteligência estável(3).

O significado desse verso é que, ao manter a consciência fixa em


Kåñëa, uma pessoa estará cumprindo com a mais elevada da
perfeição da prática do yoga. Caso contrário, não lhe será
absolutamente possível controlar os sentidos. Existe uma famosa
história de um desentendimento entre o grande yogé místico
Durväsä e o rei Ambaréña. Devido ao orgulho, Durväsä acabou se
zangando à toa com Ambaréña e, assim, perdeu o controle dos seus
sentidos e o ofendeu. Entretanto, mesmo não sendo um yogé
poderoso, Ambaréña era um avançado praticante de bhakti-yoga, um
grande devoto do Senhor e, por isso, foi capaz de tolerar
pacificamente as injustiças do sábio. Suas qualificações são abaixo
mencionadas(4):

C
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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 03. SABOREANDO UM GOSTO SUPERIOR

O rei Ambaréña fixou sua mente nos pés de lótus do Senhor


Kåñëa, ocupou suas palavras na descrição da morada do
Senhor, suas mãos em limpar o Templo do Senhor, seus
ouvidos em ouvir os passatempos do Senhor, seus olhos em
ver a forma do Senhor, seu corpo em tocar o corpo do devoto,
suas narinas em cheirar o aroma das flores oferecidas aos pés
de lótus do Senhor, sua língua em saborear as folhas de tulasé
oferecidas a Ele, suas pernas em viajar para o lugar santo onde
Seu Templo está situado, sua cabeça em oferecer reverências
ao Senhor e seus desejos em cumprir os desejos do Senhor.

Diferentemente de alguns métodos de yoga e meditação que não


oferecem a possibilidade de ocupar a mente e dos sentidos de forma
prática, a essência do processo de bhakti-yoga é justamente o
envolvimento pleno dos sentidos, da mente e de todas as
ferramentas corpóreas disponíveis em atividades ligadas à
autorrealização. Com isso, fica mais fácil abandonar o conceito de
vida mundana. Çréla Prabhupäda comenta:

Se uma criança tem nas mãos alguma coisa para comer, e lhe
oferecemos algo mais saboroso, ela deixa de lado o gosto
inferior pelo superior. Assim também, na consciência de
Kåñëa, oferecemos melhores ocupações, vida melhor,
filosofia melhor, consciência melhor – tudo melhor.
Portanto, aqueles que se ocupam em serviço devocional

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 03. SABOREANDO UM GOSTO SUPERIOR

podem abandonar as atividades pecaminosas e promoverem-


se à consciência de Kåñëa.

Devemos simplesmente nos reunir com outros devotos com o


intuito de aprender sobre Kåñëa, cantar, dançar e, ao final, nos
deliciarmos com o alimento santificado. Mas, ainda assim, algumas
pessoas relutam em aceitar essa fórmula prazerosa e preferem uma
vida impura, caracterizada pela intoxicação, promiscuidade e
consumo de alimentos impróprios. O que se pode fazer?

A BUSCA NATURAL DO PRAZER

Quando foi informado que, ao ser mascada, a cana-de-açúcar


produzia um sabor muito doce e agradável, um certo homem se
interessou em provar sua doçura. “Como ela é?”, perguntou cheio de
curiosidade. “Ela se parece com um bambu”, responderam-lhe. O
homem tolo, então, passou sua vida mascando todos tipos de
bambus que encontrava pela frente, mas morreu sem conhecer o
verdadeiro sabor doce da cana-de-açúcar. De forma similar, estamos
o tempo todo buscando por felicidade e prazer, mas, será que
fazemos ideia real do que isso significa? Nesse mundo, existe intensa
propaganda de que a felicidade e prazer se encontram na sociedade,
amizade ou amor mundanos, mas, na realidade, estas coisas são
como bambus secos, de onde não se pode extrair verdadeiro néctar.
Por outro lado, existe a afirmação védica de que a existência humana

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 03. SABOREANDO UM GOSTO SUPERIOR

se destina exclusivamente à felicidade, à suprema ananda. Mas, onde


e como podemos encontrá-la? O primeiro passo é compreender que
somos muito mais do que meros corpos materiais temporários.
Somos centelhas individuais da Divindade Suprema que ocupa
temporariamente este veículo chamado corpo. É imprescindível que
a pessoa se entenda como tal, pois isso irá livrá-la da identificação
com o ego falso. Em suma, à medida que ela estiver identificada com
o eu inferior, continuará dando as costas para Deus e continuará
distante da sua verdadeira identidade, do seu Eu superior.
A verdadeira ocupação do Eu superior é o serviço devocional
amoroso, que é fonte de eternidade, conhecimento e real felicidade e
é verdadeiramente mais doce do que a cana-de-açúcar. Em algum
momento, a pessoa terá que despertar a percepção da divindade
dentro dela e terá de se voltar para Deus. Somente, então, ela deixará
de ser como o homem tolo que permanece mascando os bambus
secos da existência material, vida após vida.

A ALMA TAMBÉM É PLENA DE BEM-AVENTURANÇA

Kåñëa define a alma como mama eva aàçah, parte integrante do


Supremo(5), enquanto o Supremo é definido no Vedänta-sütra como:
“Aquele que é pleno de bem-aventurança por natureza”(6). Ora, se a
alma individual é parte do Supremo e o Supremo é pleno de bem-
aventurança, ela também é plena de bem-aventurança. Entretanto,
o seu livre arbítrio lhe permite fazer suas próprias escolhas. Assim

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 03. SABOREANDO UM GOSTO SUPERIOR

sendo, quando escolhe abandonar a companhia do Supremo e


decide tentar sua sorte no mundo material ilusório, ela perder sua
bem-aventurança natural. Çréla Prabhupäda explica melhor esse
ponto:

A Suprema Personalidade de Deus Se expandiu em muitos


por Sua sempre crescente bem-aventurança espiritual, e as
entidades vivas são partes e parcelas dessa bem-aventurança
espiritual. Elas também têm independência parcial, mas por
abuso de sua independência sua atitude de serviço se
transforma na propensão ao gozo dos sentidos e elas ficam
dominadas pela luxúria. Este mundo é criado pelo Senhor de
tal maneira que, devido ao sofrimento e decepções
acumuladas de muitas vidas, a alma se frustra em sua busca vã
de prazer, quando começa a questionar, “Quem sou eu?”,
“Como poderei realmente ser feliz?”, etc. No Vedänta-sütra
está dito, janmädy asya yataù: “O Supremo é a origem de tudo”.
Sendo assim, a propensão de buscar prazer também existe na
própria Suprema Personalidade de Deus, Çré Kåñëa. Em
outras palavras, se temos a tendência de buscar prazer é por
que Deus, como origem de tudo, também busca por prazer.
Somos infinitesimais e nos contentamos com um prazer
igualmente infinitesimal. Entretanto, uma vez que as
manifestações de Kåñëa são infinitas, o Seu prazer também é
infinito.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 03. SABOREANDO UM GOSTO SUPERIOR

Quando queremos prazer, não podemos obtê-lo sozinhos e,


assim, procuramos prazer na companhia da sociedade,
amizade e amor. Da mesma forma, para expandir o Seu
prazer, Kåñëa, a Verdade Absoluta, o Supremo Desfrutador,
expande-Se infinitamente. Isso explica a existência de
infinitas almas individuais, que são partes integrantes de
Kåñëa e se destinam a dar prazer a Ele. Quando se dedica a
cumprir esse propósito, a alma não apenas se livra de todas as
espécies de sofrimento, mas também alcança seu estado
original de eternidade, conhecimento e bem-aventurança
plena. Portanto, a alma é uma potência de prazer
infinitesimal do Senhor (...) Essa potência divina se
personifica na forma de Çrématé Rädhäräëé, a mocinha que
está sempre ao lado de Kåñëa, dando prazer a Ele. Porque Ela é
a principal fonte de prazer de Çré Kåñëa, Rädhä está sempre
junta Dele. Assim, se quisermos nos aproximar de Kåñëa,
precisamos da misericórdia de Çrématé Rädhäräëé, a potência
de prazer de Kåñëa.

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Lição 04. PERCEBENDO A PRESENÇA DO ABSOLUTO

Depois de ter ouvido diretamente de Krishna os quatro importantes


versos que descrevem Sua opulência(1), Arjuna se emociona e O
proclama como a Verdade Absoluta. Ele aceita totalmente como
verdade tudo o que acabara de ouvir e reconhece que, além do próprio
Krishna, ninguém é capaz de compreender Sua personalidade divina.
Portanto, Arjuna pede para que Ele próprio descreva Suas opulências
através das quais Ele Se manifesta e mantém tudo(2):

místico supremo, como devo pensar em Você e

Ó como devo Lhe conhecer? Quais Suas várias formas


que devem ser lembradas? Descreva, por favor, em
detalhes o poder místico de Suas opulências, pois nunca me
canso de ouvir sobre Você. Na verdade, quanto mais ouço,
mais quero saborear o néctar de Suas palavras.

Ao ser indagado assim, Kåñëa concorda em descrever uma


minúscula parcela de Suas opulências, pois deseja que Seus devotos
O conheçam ao máximo, embora saiba que eles não serão capazes de
conhecê-Lo por completo em nenhuma fase da vida. Em outras
palavras, os devotos compreendem a grandeza e as opulências de
Kåñëa de acordo com suas respectivas habilidades, assim como cada
pássaro voa no céu tanto quanto permite sua capacidade. De
qualquer modo, sentir grande deleite ao ouvir, cantar os santos
nomes e comentar exaustivamente os tópicos transcendentais são
características marcantes do bhakta. Segue abaixo um resumo das
principais manifestações divinas feita pelo próprio Kåñëa(3):

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Lição 04. PERCEBENDO A PRESENÇA DO ABSOLUTO

Eu sou a Superalma situada nos corações de todas as


entidades vivas. Eu sou o princípio, sou o meio e o fim de
todos os seres (...) Entre as luzes, sou o Sol radiante; entre as
estrelas, sou a Lua (...) Dos sentidos, sou a mente; e nos seres
vivos, sou a força viva (consciência). De todos os Rudras, sou o
Senhor Çiva (...) Dos corpos de água, sou o oceano; das
vibrações, sou o oà transcendental; dos sacrifícios, sou o
cantar dos santos nomes (japa); e dos objetos inertes, sou os
Himälayas (...) Dos sábios entre os semideuses, sou Närada e
entre os seres perfeitos, sou o sábio Kapila (...) e entre os
homens, sou o monarca (...) Das armas sou o raio; entre as
vacas sou a surabhi, das causas que fomentam a procriação,
sou Kandarpa, o deus do amor; e das nägas de muitos capelos,
sou Ananta. Entre aqueles que impõem a lei, sou Yama, o
senhor da morte (...) e entre os subjugadores, sou o tempo.
Entre os animais selvagens, sou o leão; e entre as aves, sou
Garuòa. Dos purificadores, sou o vento; dos manejadores de
armas, sou Räma; dos peixes, sou o tubarão; e dos rios que
correm, sou o Ganges. De todas as criações, sou o começo, o
fim e também o meio. De todas as ciências, sou a ciência
espiritual do eu; e entre os lógicos, sou a verdade conclusiva.
Das letras, sou a letra A (...) Sou também o tempo inexaurível,
e dos criadores, sou Brahmä. Eu sou a morte que tudo devora e
sou o princípio encarregado de gerar tudo o que vai existir.
Entre as mulheres, sou a fama, a fortuna, a linguagem afável, a

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Lição 04. PERCEBENDO A PRESENÇA DO ABSOLUTO

memória, a inteligência, a firmeza e a paciência (...) Da


poesia, sou o Gäyatré; dos meses, sou novembro e dezembro; e
das estações, sou a primavera florida. Sou também a jogatina
em que se fazem trapaças, e do esplêndido, sou o esplendor.
Eu sou a vitória, a aventura e a força dos fortes. Dos sábios, sou
Vyäsa, e entre todos os meios que reprimem a ilegalidade, sou
o castigo; e daqueles processos que visam à vitória, sou a
moralidade. Das coisas secretas, sou o silêncio; e dos sábios,
sou a sabedoria. Sou também a semente geradora de todas as
existências. Não existe ser algum – móvel ou inerte – que
possa existir sem Mim. Ó Arjuna, Minhas manifestações
divinas nunca chegam ao fim. O que te disse é apenas um
mero indício de Minhas opulências infinitas!

TUDO É MANIFESTAÇÃO DO PODER DO SENHOR

Assim como o corpo existe devido à presença da alma individual,


a manifestação cósmica existe unicamente porque a Alma Suprema
está presente nela através de Sua energia. Portanto, tudo não passa
de uma manifestação do poder do Senhor. Desse modo, quando nos
deparamos com alguma coisa de extraordinária opulência, devemos
entendê-la como um fragmento da opulência mística do Senhor. Na
verdade, quanto mais uma pessoa reconhece o Senhor por trás de
tais opulências, mais ela desenvolve sua devoção e mais desperta seu
interesse na vida espiritual. Assim, sua inclinação por ouvir cada vez

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Lição 04. PERCEBENDO A PRESENÇA DO ABSOLUTO

mais os temas espirituais e por cantar os santos nomes só aumenta.


Com isso, além de sua fé e devoção serem fortalecidas, ela
desenvolve inteligência espiritual, amplia seu discernimento e, por
dirimir suas dúvidas e superar sua ilusão, sente mais facilidade em
abandonar seus maus hábitos. Ou seja, um verdadeiro bhakti-yogé
além de conseguir diferenciar a energia espiritual da energia
material, compreende também que o Senhor é a fonte de ambos.
Com isso, a interação constante com Ele se torna absolutamente
natural.
O glorioso Arjuna pode ouvir diretamente do Senhor sobre Sua
própria natureza transcendental, o que é uma verdadeira bênção.
Mas, não devemos pensar que tal bênção é exclusividade dele, já que
esse mesmo conhecimento vem sido transmitido até os dias de hoje
pela sucessão discipular e continua acessível a todos os interessados.
Portanto, a pessoa que recebe e estuda a Bhagavad-gétä nessa
corrente de sucessão discipular é também muito afortunada, pois
está protegida das falsas interpretações.
Como estudaremos mais à frente, receber o conhecimento
através da sucessão discipular constitui a maior oportunidade de
aprender a arte da interação com Deus. Por outro lado, qual seria o
benefício em receber a Gétä de um acadêmico materialista e
envaidecido pela sua erudição mundana?

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Lição 04. PERCEBENDO A PRESENÇA DO ABSOLUTO

A SUPERALMA ESTÁ EM TODO ÁTOMO

Como uma manifestação temporária da energia do Senhor, esse


mundo material se caracteriza pela ilusão. Na verdade, tudo o que
existe é um produto da combinação de matéria e espírito, e tudo se
desenvolve devido à presença da Superalma, o Senhor Viñëu (uma
expansão de Kåñëa) que habita cada átomo. Ele é a grande causa
deste Universo, Nele tudo repousa e por Ele tudo é mantido. A
verdadeira finalidade de se praticar yoga é poder percebê-Lo em cada
milímetro dessa criação e, finalmente, prestar-Lhe serviço
devocional.
Na etapa preliminar, o Supremo pode ser percebido através da
manifestação de Suas energias, assim como o Sol é percebido
primeiramente através da manifestação de sua energia. Mas, não
podemos nos esquecer que por trás de toda energia há sempre um
energético, uma fonte. Portanto, enquanto os bhakti-yogés percebem
Deus como a Pessoa Suprema, a fonte de toda energia; outros só
conseguem percebê-Lo como energia impessoal. Por exemplo, o
Senhor afirma que é o sabor da água. Alguns entendem que o
Absoluto é a própria energia que proporciona o sabor da água,
enquanto os bhaktas glorificam diretamente a bondade da Pessoa
Suprema em nos suprir com água pura. Ambos estão corretos e não
há verdadeira contradição entre as duas visões. O que existe, de fato,
é a diferença de níveis de percepção espiritual. Há uma bela
descrição na Bhagavad-gétä em que Kåñëa revela a Arjuna como é

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Lição 04. PERCEBENDO A PRESENÇA DO ABSOLUTO

possível perceber Sua presença em tudo. O que se segue é uma


releitura poética dessa descrição (4):

Querido amigo, meditar em Mim e estar sempre comigo é


muito simples, pois Eu sou a vida presente em tudo e a
semente eterna de toda existência. Quando, nas noites frias,
teu corpo suplica por conforto, mesmo que não saibas, tu Me
desejas, pois o calor aconchegante sou Eu.
Quando tua garganta seca clama por água, na verdade tu Me
chamas, pois o sabor agradável da água também sou Eu.
Quando teu corpo faminto anseia por sustento, mesmo que
não saibas, tu Me queres, pois o suco da vida presente nos
alimentos sou Eu. E, quando nos momentos de lamentação,
rogas por alívio, na verdade, imploras por Mim, pois Eu sou o
verdadeiro refúgio.
Quando o Sol aparece e ilumina o dia, essa luz divina que te
enche de vida sou Eu a te animar. E quando a lua nasce e
refresca a noite, esse frescor suave sou Eu a te acalentar.
Quando a chuva cai na terra e produz um delicado aroma,
essa fragrância doce sou Eu a te inspirar. E quando, diante do
mais angustiante pesar, experimentas conforto, esse alívio
repentino sou Eu a te consolar. Portanto, quem sempre Me vê
em todas as coisas desfruta eternamente de Minha
companhia. Para essa grande alma, Eu dou o que ela necessita
e preservo o que ela já possui.

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Lição 05. O VALOR DA ASSOCIAÇÃO DOS DEVOTOS

Nas escrituras védicas, há várias citações que dão ênfase à importância


da associação com os devotos. Sem a ajuda deles, não há como
conhecermos os ensinamentos, passatempos e demais aspectos do
Senhor. Devido às suas práticas devocionais regulares e seus estudos
das escrituras, eles purificam a inteligência e, assim, conseguem acesso
aos mistérios da compreensão da natureza absoluta do Senhor (1):

somente através de bhakti que alguém pode Me

É compreender como sou, como a Suprema


Personalidade de Deus. E quando, mediante tal
devoção, desenvolve plena consciência de Mim, ele pode
entrar no reino de Deus.

No que se refere à percepção espiritual, ninguém poderá ir muito


longe valendo-se da especulação mental ou baseando-se na opinião
dos não-devotos. De fato, existem enigmas transcendentais que os
céticos, agnósticos, ateus ou mesmo aqueles que nunca tiveram
experiências práticas com bhakti são incapazes de decifrar. Nem
mesmo uma pessoa que se limita em visitar formalmente um
Templo de Kåñëa para Lhe oferecer adoração ocasional e
interesseira, ou o faz por mera curiosidade, pode compreendê-Lo.

LIBERTAÇÃO DAS CONCEPÇÕES MATERIAIS

Como afirma Çréla Prabhupäda, “Se alguém quer compreender a


Suprema Personalidade de Deus, ele deve aceitar a orientação de um

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Lição 05. O VALOR DA ASSOCIAÇÃO DOS DEVOTOS

devoto puro e também adotar o serviço devocional. Caso contrário, a


verdade sobre a Suprema Personalidade de Deus nunca se
manifestará”. Kåñëa mesmo diz que Se reserva ao direito de não Se
revelar àqueles que limitam-se à erudição acadêmica ou simples-
mente se submetem às severas austeridades, penitências ou práticas
do yoga místico(2). É claro que todos esses processos são de grande
valia, mas, no que diz respeito à compreensão das verdades mais
confidenciais de Deus, esses se mostram insuficientes. Mas, quando
se tem associação com alguém que já é familiarizado com a ciência
de Kåñëa (em outras palavras, com um devoto), fica muito mais fácil
compreender as qualidades transcendentais e as opulências do
Senhor Supremo.
Aquele que tem a associação dos devotos muda gradualmente
sua mentalidade e, com o tempo, se promove à fase conhecida como
brahma-bhuta, em que se liberta das concepções materiais. O item
mais importante para se alcançar essa fase é bhagavat-çravana, uma
referência à importância de ouvir os tópicos sobre o Absoluto.
Quanto a isso, Çréla Prabhupäda diz:

Quando ele ouve sobre o Senhor Supremo, a fase brahma-


bhuta desenvolve-se automaticamente e a contaminação
material — a ganância e a luxúria inerentes ao gozo dos
sentidos — desaparecem. À medida que a luxúria e os desejos
desaparecem do coração do devoto, ele se torna mais apegado
a servir o Senhor, e com esse apego se livra da contaminação

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Lição 05. O VALOR DA ASSOCIAÇÃO DOS DEVOTOS

material. Nesse estado de vida, ele é capaz de compreender o


Senhor Supremo.

AS CARACTERÍSTICAS DOS DEVOTOS

Ser um devoto não quer dizer ser impecavelmente perfeito,


acertar sempre, manifestar o máximo de excelência em todos os
campos de atuação. Muito menos, nunca falhar, não cometer o
menor erro, não ter nenhum momento de fragilidade, não recuar,
não chorar. O devoto chora, mas não se lamenta, pois usa sua
lágrima como combustível que alimenta o fogo do desejo de
reconstruir sua personalidade devocional. O devoto também erra,
mas faz de seu erro uma oportunidade de cultivar humildade
verdadeira e, assim, não cria máscaras para se esconder atrás delas.
Ser devoto não significa sentir-se simplesmente todo-poderoso e,
por conta própria, tentar cruzar qualquer barreira ou superar
qualquer obstáculo que a vida lhe impuser. Diante da poderosa
energia material, o devoto admite sua pequenez e fragilidade.
Assim, para se livrar da repetição dos erros, ele usa os possíveis
fracassos do dia a dia para corrigir rotas e melhorar o seu
desempenho.
Quando tudo se encaminha bem, o devoto é adepto da
humildade e da simplicidade, mas, ao mesmo tempo, se mantém
atento para as possíveis mudanças do tempo. Quando as coisas se
tornam difíceis, ele é amante da gravidade e da introspecção, mas

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Lição 05. O VALOR DA ASSOCIAÇÃO DOS DEVOTOS

continua amigo da humildade e da simplicidade, pois sabe que elas


são as raízes da paciência e da tolerância – qualidades
imprescindíveis para quem se propõe a cruzar com segurança
qualquer tempestade.
O devoto tem motivos de sobra para nunca desacreditar da vida
espiritual, para nunca desistir ou perder a determinação, pois sua
mente, purificada pelo santo nome, o ensinou a arte de destilar
sabedoria dos momentos difíceis. Seu coração, suavizado por
austeridades voluntárias, aprendeu a fazer escolhas, que não
incluem apenas ganhos, mas implica principalmente em perdas
conscientes.
Ser devoto significa entender que cada ser é um diamante
infinitamente valioso, uma das obras-primas mais perfeitas de
Kåñëa. Significa respeitar a individualidade de todos e saber que,
mesmo tendo sido escrita com insegurança, frustração e falhas, toda
vida é também ilustrada com parcelas de sinceridade, ousadia e
sucesso.
Para um devoto que entende que a vida que pulsa dentro dele – e,
certamente, dentro de todos – é o próprio Kåñëa, como poderia ser
diferente? Como ele poderia deixar de respeitar alguém – incluindo
a si mesmo – se ele sabe que cada ser é um mundo maravilhoso a ser
explorado, um diamante a ser lapidado, um jardim a ser cultivado?
Ser devoto significa entender que só existimos porque Kåñëa
existe e que, assim como a alma dá vida ao corpo, Ele dá vida à
alma.Ser devoto não significa fazer parte de uma massa que teme a

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Lição 05. O VALOR DA ASSOCIAÇÃO DOS DEVOTOS

arte da crítica saudável, dissimula a dúvida, duvida de tudo, mal


interpreta os verdadeiros pensadores, tece críticas inescrupulosas.
Ele aprende com a experiência alheia, não para repetir a dor dos que
vieram antes, mas para seguir os passos das grandes almas do
presente e do passado.
Um verdadeiro devoto está tão empenhado em proteger seu
tesouro interior, obtido pela graça do guru, e tão ocupado em cuidar
da sua trepadeira da devoção que nunca vê motivos para se deprimir
ou perder o entusiasmo.
Sua gratidão é tamanha que, mesmo quando é contrariado ou
criticado, não sente a menor pena de si mesmo, pois se compara ao
pobre garimpeiro que, depois de passar a vida toda removendo
cascalhos, finalmente encontrou o maior de todos os diamantes!
Ser devoto significa não se sentir a causa do próprio avanço
espiritual e muito menos culpar alguém por seu regresso. Nem
significa manifestar somente desejos imaculados. Sua mente pode
produzir pensamentos e desejos indesejáveis, mas ele a observa com
atenção e exercita constantemente o seu gerenciamento para, assim,
poder ter controle sobre suas emoções.
Um devoto não é perito em resolver unicamente os problemas
externos, mas dá também total atenção aos internos. Não significa
que ele está disposto unicamente a ajudar aos outros, mas é também
humilde a ponto de pedir ajuda deles. Ele é sempre transparente e
estabelece relacionamentos verdadeiramente confiáveis, sabe em
quem confiar e se comporta de modo a ser também absolutamente

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Lição 05. O VALOR DA ASSOCIAÇÃO DOS DEVOTOS

confiável, pois é muito consciente da importância de ser uma


excelente associação para os outros.
Entendendo que é possível avançar em conhecimento e prática a
cada dia e sempre, sua vida gira em torno de cultivar a veracidade, de
desenvolver gestos, atitudes e hábitos devocionais. Com isso, ele
nunca se lamenta, nem deseja nada materialmente e substitui a
propensão a criticar pela propensão a elogiar. Mas, todas essas suas
características são secundárias e externas. Seu principal predicado,
e de onde surgem naturalmente os outros, é que sua meta está
claramente definida: tornar-se um exemplo vivo dos ensinamentos
do seu mestre. Assumindo para si a responsabilidade de representá-
lo da maneira mais impecável possível, ele não apenas é adornado
com belíssimas e profundas qualidades devocionais, mas contribui
na perpetuação das glórias imensuráveis de seu Gurudeva!

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Lição 06. AS PRINCIPAIS CANÇÕES DEVOCIONAIS

Nessa lição, iremos aprender as principais canções entoadas


diariamente por todos os praticantes de bhakti-yoga. A primeira é
dedicado a Srila Prabhupada. Como foi através dele que esse
conhecimento chegou até nós, cantar seu mantra é também um gesto
de reconhecimento e gratidão pelo seu maravilhoso esforço devocional.

D epois de cantarmos o mantra de Çréla Prabhupäda, iremos


entoar o belíssimo mantra que louva o Senhor Caitanya e Seus
associados. Esse mantra, que é conhecido também como Panca-
tattva mantra, glorifica a manifestação divina (avatära) de Kåñëa que
veio há quinhentos anos, já nessa atual era de Kali, acompanhado de
Seus associados mais íntimos. Depois disso, o nosso próximo passo
será cantar o mahä-mantra para, finalmente, concluirmos a lição com
“Jaya Rädhä-Mädhava”, uma canção frequentemente cantada por
Çréla Prabhupäda e por seus seguidores antes das palestras.

I e II - PRABHUPADA PRANATI

namah om viñëu-pädäya kåñëa-preñthäya bhu-tale


çrémate bhaktivedanta-svämin iti nämine

namah – reverências; om – interpelação respeitosa; viñëu-pädäya –


àquele que está aos pés de lótus do Senhor Viñëu; kåñëa-preñthäya –
que é muito querido pelo Senhor Kåñëa; bhu-tale – na Terra; çrémate –
belíssimo; bhaktivedanta-svämin – Bhaktivedanta Swami; iti – assim;
nämine – é seu nome.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 06. AS PRINCIPAIS CANÇÕES DEVOCIONAIS

Ofereço minhas respeitosas reverências a Bhaktivedanta


Swami Prabhupäda, que é muito querido pelo Senhor Kåñëa e
está refugiado em Seus pés de lótus.

namas te särasvate deve


gaura-väëé-pracäriëe
nirviçeña-çunyavädi
päçcätya-deça-täriëe

namah – reverências; te – a ti; särasvate deve – servo de Sarasvaté


Gosvämé; gaura-väëé – a mensagem do Senhor Caitanya (também
conhecido como ‘Gaura’ ou ‘Gauranga’); pracäriëe – estás
difundindo; nirviçeça – (do) impersonalismo; çunya-vädi – (do)
niilismo; päçcätya – ocidentais; deça – países; täriëe – que estás
libertando.

Dirigimos a ti nossas respeitosas reverências, ó mestre


espiritual, servo de Bhaktisiddhänta Sarasvaté Gosvämé. Estás
bondosamente pregando a mensagem do Senhor Caitanya e
libertando os países ocidentais, que estão cheios de visão
impersonalista e niilista (é importante lembrarmos que foi
Çréla Bhaktisiddhänta Sarasvaté Gosvämé que pediu que Çréla
Prabhupada traduzisse os principais textos védicos e viesse ao
Ocidente espalhar a consciência de Kåñëa).

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Chandramukha Swami
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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 06. AS PRINCIPAIS CANÇÕES DEVOCIONAIS

III - PANCHA-TATTVA MANTRA

(jaya) çré-kåñëa-caitanya prabhu nityänanda


çré-advaita gadädhara çréväsädi-gaura-bhakta-vånda

Existem algumas ofensas que podem ser cometidas durante o


cantar do mahä-mantra Hare Kåñëa. Tais ofensas estão ligadas ao
comportamento inadequado, que, na maioria dos casos, são frutos
da falta de informação e consciência espiritual.
Assim como nuvens espessas no céu podem impedir o nosso
pleno contato com o sol, por nublarem os nossos corações, o nosso
mau comportamento limita o efeito do sol dos santos nomes no céu
da nossa consciência. Entretanto, as escrituras védicas afirmam que
as nuvens das ofensas são dissipadas quando se canta o panca-tattva
mantra, que glorifica o avatära dessa era, Çré Caitanya Mahprabhu, e
Seus principais associados, que, assim como Ele, desceram do reino
espiritual para distribuir o sol da consciência de Kåñëa e facilitarem a
eliminação do nosso mau comportamento.
Panca significa “cinco”, e tattva, “princípios fundamentais”. Esse
mantra glorifica a Pessoa Suprema, Çré Kåñëa, que apareceu como Çré
Caitanya Mahäprabhu, juntamente com Seus associados. São eles:
Çré Nityänanda Prabhu (Sua expansão imediata); Çré Advaita Prabhu
(Sua encarnação); Çré Gadädhara Prabhu (Sua energia interna) e
Çréväsa Prabhu (Sua energia devocional). Çré Caitanya é tido como o
avatära mais magnânimo, pois não considera o mau

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Chandramukha Swami
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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 06. AS PRINCIPAIS CANÇÕES DEVOCIONAIS

comportamento das almas corporificadas. Portanto, podemos


eliminar as ofensas ao mahä-mantra se, antes de cantá-lo, recitamos o
Panca-tattva mantra. Em outras palavras, isso nos assegura o êxito no
cantar do mahä-mantra.

IV - MAHA-MANTRA

Hare Kåñëa Hare Kåñëa Kåñëa Kåñëa Hare Hare


Hare Räma Hare Räma Räma Räma Hare Hare

Depois de glorificar o guru, o avatära Caitanya, juntamente com


Seus associados, e cantar Hare Kåñëa, podemos elevar a nossa
consciência até o Casal Divino, Çré Rädhä-Mädhava ou Rädhä-Kåñëa.

V - JAYA RADHA-MADHAVA

(jaya) rädhä-mädhava kunja-bihäré


gopé-jana-vallabha, giri-vara-dhäré
yaçodä-nandana, braja-jana-ranjana
yämuna-téra-vana-cäré

jaya – todas as glórias a; rädhä-mädhava – Rädhä e o Senhor da


doçura; kunja-bihäré – aquele que desfruta passatempos amorosos
nos bosques de Våndävana; gopéjana-vallabha – o amante das
donzelas de Vraja; giri-vara-dhäré – o levantador da enorme colina de

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Chandramukha Swami
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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 06. AS PRINCIPAIS CANÇÕES DEVOCIONAIS

Govardhana; yaçoda-nandana – o amado filho de mãe Yaçoda; braja-


jana-ranjana – aquele que dá prazer aos habitantes de Vraja; yämuna-
téra-vanacäré – que perambula ao longo das margens do rio Yamunä.

Kåñëa é o amante de Rädhä. Ele manifesta muitos


passatempos amorosos nos bosques de Våndävana. Ele é o
amante das vaqueirinhas de Vraja, o levantador da grande
colina chamada Govardhana, o amado filho de mãe Yaçoda, a
alegria dos habitantes de Vraja e Ele vagueia pelas florestas ao
longo das margens do rio Yamunä.

Prabhupäda adorava essa canção, tanto que a cantava antes das


suas palestras. Certa vez, em Allahabad, Índia, Prabhupäda entrou
num grande transe espiritual após cantar as duas primeiras linhas,
quando, de repente, interrompeu seu canto e ficou mudo por alguns
momentos. Os que estavam presentes se entreolharam perplexos,
sem saber o que fazer. Quando recuperou sua consciência exterior,
ele disse, “cantem Hare Kåñëa” depois explicou que essa bela canção
é um retrato do mundo espiritual, a sagrada Våndävana, onde se
encontram Rädhäräné, as gopés, e onde Mädhava-Kåñëa Se diverte
com Seus amigos transcendentais, os vaqueirinhos, Sua querida
mãe, Yaçodä, e onde está a colina de Govardhana, que foi erguida por
Ele para proteger os habitantes de Våndävana.

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Lição 07. O QUE É BHAKTI

Devido a sua natureza mística, bhakti não pode ser facilmente definida
em palavras. Uma ciência que busca conhecimento transcendental?
Uma doutrina enigmática? Um conjunto de práticas e aprendizados
espirituais? Ou, simplesmente um sentimento fervoroso e devocional?

O s registros literários dos mestres antecessores delineiam o


caminho a seguir e, como sopros divinos, empurram nosso
barco na direção certa. Nossa esperança de vislumbrar a natureza
amorosa de bhakti, portanto, reside exclusivamente no esforço
empreendido por esses mestres antecessores. A seguir, iremos
deliberar sobre suas sagradas instruções.

UM FLUXO ININTERRUPTO DE AMOR A DEUS

Uma das mais notórias definições de bhakti é “o cultivo de


atividades que se destinam exclusivamente à satisfação de Kåñëa, a
Suprema Personalidade de Deus”(1). Quem se dedica a tal cultivo é
chamado de bhakta, devoto. Mas, que força mágica move essa
pessoa? Como ela é capaz de agir com exclusividade para o prazer de
outrem, ainda que esse “outrem” seja o Supremo? Çréla Prabhupäda
revela que, na verdade, o que move bhakti é tão somente o amor(2):

...Bhakti significa amor (...) Assim como vocês estão me


oferecendo muitas guirlandas. Por que estão fazendo isso?
Porque vocês me amam. De outro modo, não haveria

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 07. O QUE É BHAKTI

necessidade… Porque vocês têm algum amor, vocês estão


adorando seu mestre espiritual. Então, bhakti significa amor.
Sem amor, não há questão de bhakti...

O grande símbolo de bhakti da era atual, Çré Caitanya (3), afirmou


que o amor a Deus existe eternamente no coração de todos, embora,
no estado atual, esteja latente(4). A grande questão é “como despertá-
lo?”. A resposta está na palavra-chave anuçila, “cultivo”. Como
supracitado por Prabhupäda, é esse sentimento de despertar que
impele o bhakta a naturalmente utilizar corpo, mente e palavras no
serviço a Kåñëa, pois é através dessa autoentrega que o amor
espiritual é gerado. De fato, acima de tudo, bhakti é o “cultivo do
amor a Deus”, que pode ser de dois tipos: externo e interno.
Na fase inicial, o trabalho de cultivo do aspirante é basicamente
externo: praticar o canto repetitivo do santo nome (japa-mälä),
visitar o Templo com o propósito de participar das cerimônias
devocionais, ocupar-se em atender diretamente às Deidades,
confeccionar guirlandas, costurar belas roupas, cozinhar, recitar os
textos sagrados, etc. Essas atividades ou esforços externos de cultivo
espiritual são chamadas ceñta e fazem parte do esforço pessoal que o
bhakta empreende para manter o corpo, mente e palavras ocupadas
no serviço a Kåñëa. Por outro lado, existe o trabalho interior
chamado manasé-bhava, referente ao cultivo do objeto da afeição
(kåñëa-préti) que é responsável por produzir sentimentos
transcendentais no coração e na mente.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 07. O QUE É BHAKTI

UM CULTIVO TRANSCENDENTAL

Tudo começa com çraddhä, desejo preliminar. Çraddhä é


comparada à semente em que está contida a meta última de bhakti, o
amor imaculado a Deus. Etimologicamente, çraddhä significa
“colocar o coração em algo”, mas ela é comumente traduzida como
“fé” e “confiança” pois, a menos que se possua fé e confiança,
ninguém deposita o coração em algo. Porém, só confiança não é o
bastante, porque, se não for cuidada com carinho, a semente de
çraddhä ficará poluída por germes, cupins e insetos insalubres (má
associação, conceitos ateístas, etc.). Por outro lado, se estiver
saudável, çraddhä naturalmente conduz o aspirante à próxima etapa,
que é conhecida como sädhu-sanga, o cultivo da associação com
aqueles que já são praticantes. Essa busca por sädhu-sanga é um
marco importante na vida espiritual pois, além de proporcionar
grande encorajamento, a associação espiritual promove a remoção
dos véus da ilusão e revela um sem-fim de possibilidades de
atividades antes desconhecidas, as quais são chamadas de bhäjana-
kréya, práticas devocionais.
Se, por um lado, tudo começa com çraddhä, desejo preliminar,
por outro, a verdadeira revolução espiritual interior é desencadeada
por bhäjana-kréya. São três as mais importantes atividades nessa
fase: çrävana, kértana e smärana; a saber, ouvir sobre a
Transcendência, cantar os nomes absolutos do Senhor e meditar.
Como se trata de um processo ativo, não devemos pensar que o item

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições
Seção Um | Autoconhecimento
Lição 07. O QUE É BHAKTI

smärana se refere a um tipo de meditação no vazio ou uma tentativa


artificial de esvaziar a mente. Longe disso, smärana significa lembrar
ou “ruminar” o que foi aprendido por çrävana para, com inteligência
e bom-senso, aplicar os ensinamentos assimilados da melhor
maneira possível. Como resultado de bhäjana-kréya, alcança-se a
plataforma conhecida como anärtha-nivåtti, quando o praticante
ganha forças suficiente para abandonar seus maus-hábitos, ou
anärthas.
O cultivo de bhakti, na verdade, não é muito diferente do cultivo
de uma planta. No início, o aspirante trabalha no sentido de ajudar
çraddhä, que é a semente de bhakti, a germinar. Essa germinação se
inicia unicamente com sädhu-sanga, e uma vez que tenha brotado, é
necessário regar a tenra plantinha de bhakti regularmente. Só assim
ela crescerá forte e sadia. Essa rega regular é feita pelo constante
“ouvir, cantar e meditar” na companhia dos sädhus. Como, ao regar a
plantinha de bhakti, rega-se também as ervas daninhas (as quais
muitas vezes crescem mais rápido do que a planta principal), se faz
necessário removê-las para impedir que elas não causem estragos
irreparáveis. A isso chamamos de anärtha-nivåtti. Os anärthas são os
hábitos hostis, os vícios, ou desejos pecaminosos, que, certamente,
são as grandes ameaças de bhakti. De qualquer modo, assim como a
semente de uma árvore comum germina, cresce e produz frutos
maduros; de forma semelhante, tendo sido cultivada apropriada-
mente e tendo passado por várias etapas, a árvore de bhakti
finalmente chega à sua fase perfeita quando produz prema-phala, o

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 07. O QUE É BHAKTI

fruto imaculado do amor a Deus. Como podemos observar, o


processo de bhakti é um trabalho gradual e dinâmico. Prova disso é
que a própria palavra bhakti é derivada da raiz bhaj, que significa,
entre outras coisas, “prestar serviço”(5). Desse modo, diferentemente
de alguns eruditos de sânscrito que preferem traduzir a palavra
bhakti como devoção, o nosso mestre, Çréla Prabhupäda, preferia
traduzi-la como “serviço devocional”. Isso porque a execução prática
do serviço devocional é a única forma de cultivar esse amor, fazê-lo
brotar, se desenvolver e, finalmente, despertá-lo por completo.
Segundo ele, bhakti é mais do que um sentimento inativo ou um
meio de consagrar tempo à meditação silenciosa – é um sentimento
vivo de devoção que produz um movimento amoroso e se
transforma em atitude de serviço.

SEM A INFLUÊNCIA DA ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA


OU DA BUSCA POR RECOMPENSAS MATERIAIS

As vidas exemplares das grandes almas que alcançaram a


perfeição em bhakti podem ser conhecidas unicamente através das
escrituras devocionais; sobretudo através do Çrémad-Bhägavatam,
que é a descrição tanto da ciência que nos conduz a Bhagavän, a
Pessoa Suprema, quanto o relato da vida bem-sucedida dos
bhagavatas, Seus devotos puros. Dedicando-se ao estudo dessa
escritura, o bhakta tem acesso às informações necessárias para agir
em consciência de Kåñëa e passa a conhecer os exemplos dos grandes

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 07. O QUE É BHAKTI

bhagavatas que obtiveram êxito no despertar do amor a Deus. Tendo


essa referência, ele deverá seguir seus passos. Outra excelente
definição de bhakti pura é a execução do serviço devocional “sem a
influência de jïäna (conhecimento especulativo) ou karma
(atividades que tem em vista recompensas materiais)”(6). É claro que
jïäna como conhecimento que revela as verdades espirituais é
essencial. Mas, existe um outro tipo de jïäna, que é diretamente
oposto a bhakti, pois propõe a aniquilação da individualidade da
entidade viva através de mukti, liberação impessoal. Aquele que está
sob a inf luência desse tipo de jïäna, ou “conhecimento
especulativo”, fica privado da possibilidade de perceber os atributos
pessoais do Senhor Supremo. Em outras palavras, este jïäna é uma
referência a todo e qualquer pensamento que conduza ao vaziísmo, o
que, para quem está interessado na ciência de bhakti, é uma
conclusão não apenas disparatada e inútil, mas também perigosa. A
palavra karma, além de ser uma referência a bhukti, ou desfrute
material, pode ser também traduzida como atividades meramente
ritualísticas. De fato, quem é muitíssimo atraído pelos cerimoniais
védicos tem dificuldade em compreender o que há por trás dos
rituais e, assim, acaba se distanciando do verdadeiro espírito de
bhakti. Por isso, bhukti e mukti (ou as metas de jïäna e karma,
respectivamente) são como duas bruxas que, uma vez residindo no
coração da pessoa, agem de modo a impedir que os verdadeiros
sentimentos devocionais, o verdadeiro conhecimento
transcendental e a verdadeira felicidade espiritual se manifestem(7).

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 07. O QUE É BHAKTI

Enfatizando que bhakti é o melhor meio de compreendê-Lo, Kåñëa


Se dirige a Seus devotos da seguinte maneira:

Não é possível Me obter através de jïäna, yoga, renúncia,


penitências, estudos védicos ou execução dos deveres, assim
como é possível Me obter através de bhakti(8).

A MAIS SUBLIME EXPERIÊNCIA HUMANA

Bhakti é também definida como “a mais sublime e doce de todas


as experiências humanas”(9). Segundo essa definição, quem
consegue experimentar bhakti atinge um estado de êxtase de amor a
Deus que é simplesmente indescritível. Esse néctar extraído do
serviço devocional chama-se bhakti-rasa, ou a doçura
transcendental. É essa doçura que impele o devoto a prestar serviço
ao Senhor de muitas maneiras. Deleitando-se e regozijando-se em
seu próprio eu, ele mergulha num oceano de néctar e perde por
completo seu interesse pelos prazeres materiais. Na realidade, para
tal devoto, os prazeres que dependem do contato dos sentidos com
os objetos materiais não passam de águas turvas de um poço
pequeno e lamacento. No prefácio de seu maravilhoso livro, O
Néctar da Devoção, o mestre escreveu:

Todo serviço tem alguma característica atrativa que impele o


servidor a continuar. Todos nós estamos perpetuamente

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 07. O QUE É BHAKTI

ocupados em algum tipo de serviço, e o impulso para tal


serviço é o prazer que com ele sentimos. Impelido pela afeição
por sua esposa e filhos, um chefe de família trabalha dia e
noite. Um filantropo trabalha da mesma maneira por amor à
família maior, e um nacionalista, pela causa de seu país e
compatriotas. Essa força que impele o filantropo, o chefe de
família e o nacionalista chama-se rasa, ou um tipo de relação
cujo gosto é doce.

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Lição 08. CONQUISTANDO A MENTE

No capítulo seis da Gita, há preciosos versos descrevendo a importância


da conquista da mente. Logo no seu início, Krishna explica que a mente
pode ser amiga ou inimiga da alma corporificada, podendo ajudá-la a se
libertar ou forçá-la a se degradar(1). Isso porque quem não controla a
mente terá de conviver com constantes dificuldades em todos os setores
da sua vida. É por isso que todo processo autêntico do yoga dá
importância especial ao controle da mente.

N o início do seu Yoga-sutra, Patanjali, define yoga como


“restrição da mente das atividades mundanas”. Através dessa
restrição, é possível interromper as oscilações mentais, quando o
praticante alcança çanti (serenidade interior). Tendo feito isso, ele
passa a perceber que sua verdadeira identidade é essencialmente
espiritual. Essas duas realizações, a saber, o apaziguamento da
mente e a percepção do Eu verdadeiro, são interdependentes, pois,
somente quando nos percebemos como um ser espiritual distinto do
corpo material conseguimos efetivamente apaziguar a mente. Por
outro lado, é unicamente com a mente tranquila que nos será
possível perceber claramente que não somos o corpo material.
Embora uma coisa dependa da outra, em ambos os casos, é preciso
restringir a mente dos objetos mundanos. Devido à influência do
ego falso, a alma corporificada vive absorta em se tornar o senhor e o
controlador e, portanto, se sujeita à influência constante da mente e
dos sentidos. Desse modo, o aspirante à vida espiritual precisa
substituir suas ocupações mundanas pelas espirituais, pois isso irá
ajudá-lo a evitar sua atração pelo brilho ilusório da natureza

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 08. CONQUISTANDO A MENTE

material. Çréla Prabhupäda afirma que, se a mente não for


controlada, a prática do yoga exibicionista é mera perda de tempo.

A HARMONIA PERFEITA ENTRE A ALMA E A SUPERALMA

Enquanto a pessoa não vencer a sua batalha com a mente, ela


continuará servindo aos ditames da luxúria, da ira, da inveja, etc.
Mas, quando sua mente for conquistada e se tornar amiga, ela
própria criará a harmonia internar e promoverá a paz interior
perfeita. O objetivo final do yoga é harmonizar os interesses do
praticante com os interesses da Superalma, o que ocorre com
naturalidade para quem devota suas atividades ao Senhor através do
bhakti-yoga e, assim, se livra das dualidades da existência material,
tais como tristeza e felicidade, honra e desonra, etc. Tal equilíbrio
mental é um forte indício de autorrealização, pois somente uma
pessoa muito avançada espiritualmente consegue manter-se
equânime diante das condições materiais adversas. Isso porque ela
não confunde o corpo com seu verdadeiro Eu. Como se percebe
como uma centelha fragmentária de Deus, predestinada a habitar
um determinado corpo por um período, por que ela deveria se
alegrar ou se lamentar ao ganhar ou perder algo ligado ao corpo
temporário? Sua firmeza diante das dualidades e sua absorção no Eu
verdadeiro são características da sua consciência espiritual. É
somente com essa consciência que alguém pode fazer avanço
constante no caminho da autorrealização. Para tal, é preciso tolerar

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Lição 08. CONQUISTANDO A MENTE

os seis perigosos impulsos: as demandas da fala, da ira, da mente, do


estômago, dos órgãos genitais e da língua. Na prática, observamos
que da frustração dos desejos egoístas surge a ira e, com isso, a mente
e a inteligência se perturbam. Portanto, aquele que desenvolve a
capacidade de tolerar esses impulsos é chamado de gosvämé, ou
svämé.
É importante ressaltar que isso é possível unicamente para quem
é introspectivo e devotado ao Senhor. Tal pessoa desfruta do sabor da
felicidade interior, e perde gradualmente o interesse pela felicidade
material externa. Quando toda a sua vida se torna uma oferenda
amorosa a Deus, ela sempre experimenta a bem-aventurança
natural da vida interior, independentemente de onde esteja ou da
ação que esteja executando. Não há limite de desejos para serem
criados pela mente. Mas, à medida que avança na vida espiritual, a
pessoa se sente autossatisfeita e, no que se refere a ela mesma, não há
mais com o que se preocupar. Nesse momento, ela passa a se
preocupar pelo bem-estar dos outros, pois sabe claramente que
Kåñëa é o verdadeiro desfrutador, proprietário e amigo supremo.
Portanto, qualquer sofrimento experimentado por um ser vivo se
deve à sua não conexão com o Senhor. Seu prazer maior é se ocupar
no mais elevado trabalho beneficente, que é ajudar as pessoas a
reviverem sua consciência de Deus. Ele entende que, quem trabalha
para o bem-estar físico da sociedade humana, não pode conceder
ajuda efetiva e plena aos outros. Na verdade, tal pessoa só pode
propiciar alívio temporário ao corpo externo ou à mente. Somente

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Lição 08. CONQUISTANDO A MENTE

quem se torna consciente de Deus e desperta sua relação amorosa


com Ele consegue dar verdadeiro fim aos seus problemas. Com o
tempo, ela se torna uma alma liberada, mesmo estando ainda nesse
mundo material.

O PERIGO DA CONTEMPLAÇÃO DOS OBJETOS MUNDANOS

Enquanto contempla os objetos dos sentidos, a pessoa


desenvolve apego a eles, de tal apego se desenvolve a luxúria, e
da luxúria surge a ira. Da ira, surge completa ilusão, e da
ilusão, a confusão da memória. Quando a memória está
confusa, perde-se a inteligência, e ao perder a inteligência,
cai-se de novo no poço material(2).

Como já foi mencionado, não tendo uma ocupação adequada, os


sentidos decerto serão empregados em algo mundano. A menos que
uma pessoa se torne avançada espiritualmente, ela estará sempre
sujeita à influência dos objetos dos sentidos. De fato, somente
quando experimenta o gosto superior do fruto da sua relação com
Deus é que o devoto consegue evitar o gozo dos sentidos materiais.
Esse é o segredo do seu sucesso. Caso contrário, por mais que
pratique um tipo de repressão artificial, em algum momento um
leve pensamento de prazer dos sentidos agitará sua mente, levando-
o ao fracasso. Mas, quem, através do desenvolvimento científico do
bhakti-yoga, passa a entender que todas as coisas têm utilidade no

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Lição 08. CONQUISTANDO A MENTE

serviço do Senhor, não precisa evitar artificialmente os objetos


materiais. A conclusão é que, como sabe usar tudo a serviço do
Senhor, o devoto avançado espiritualmente não se torna vítima da
consciência material. Por outro lado, aqueles que não têm realização
da personalidade de Deus e acreditam que o Absoluto é impessoal,
encontram muito mais dificuldades. Por exemplo, o Senhor diz na
Gétä(3) que se alguém Lhe oferecer, com amor e devoção, folhas,
flores, frutas ou água, Ele aceitará a oferenda. Através dessa
declaração, podemos entender que o que Kåñëa realmente deseja é o
nosso amor e nada mais. É claro que, sendo autossuficiente e
proprietário de tudo, Ele não precisa que Lhe deem nada. O fato
Dele revelar que aceita a oferenda feita por Seu devoto é uma
evidência de Sua bondade, é um convite para que, através de simples
oferendas, estabeleçamos uma troca de amor e afeição com Ele.
Entendendo isso, antes de se alimentar de qualquer coisa, o devoto
Lhe oferece os alimentos. Assim, o alimento se torna devidamente
espiritualizado e passa a se chamar prasädam, “misericórdia”
(voltaremos a discutir esse mesmo tema numa próxima lição).
A conclusão é que, como se alimenta exclusivamente de
prasädam, o devoto não corre riscos ao gozar da vida, mas, o
impersonalista que defende a ideia incoerente de que o Absoluto
não tem sentidos (pois, segundo ele, o Senhor não é uma pessoa),
não pode entender o mistério da espiritualização dos alimentos. Não
encontrando meios de purificar seu alimento, o impersonalista
acaba tendo que praticar uma renúncia artificial.

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Lição 09. O CONCEITO DO SAGRADO

Um termo que traduz muito bem o conceito de sagrado é “sacrifício”,


que é composta de duas palavras do latim, sacrum e officium. A palavra
sacrum significa “sagrado”, ou “conexo com o divino”; e officium,
“dever, obrigação moral, sentimento de dever, serviço prestado, ofício,
função, ocupação, trabalho”.

claro que a palavra “sacrifício” pode ser compreendida de muitas


É maneiras, mas sua ideia original é “oferenda sagrada”, ou agir de
modo a espiritualizar as nossas ações. Ou seja, o sacrifício não está
necessariamente ligado a algo penoso, doloroso ou indesejável.
De qualquer modo, quando falamos de “oferenda” temos que
considerar vários pontos: o que será ofertado, quem irá fazê-la (o
oferente), a quem ela se destina e, finalmente, com que intenção ela
está sendo executada. Não resta dúvida de que não há nada de
sagrado nas oferendas feitas de má vontade, por pessoas motivadas
por cobiça, luxúria, etc., e ao mesmo tempo dedicada a alguém que
não seja digno. Por outro lado, se alguém de coração aberto, sem
motivações egoístas, dedica a Deus um pouco de seu tempo, de suas
posses, de seus desafios e austeridades e, principalmente, age com
amor – essa atitude louvável de sacrifício é bhakti, e certamente
ajudará o oferente a trazer o conceito de sagrado para seu cotidiano.
A pessoa que é capaz de se privar de algo que tanto aprecia em
favor de outrem, e procura com isso também agradar a Deus, dá um
exemplo perfeito de sacrifício. Portanto, renúncia e sacrifício, às
vezes, são sinônimos. Como modelos irretocáveis desse princípio,
podemos citar Cristo e Arjuna. A renúncia de Cristo, por exemplo, foi

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Lição 09. O CONCEITO DO SAGRADO

tão elevada que ele teve que sacrificar sua própria vida para salvar a
humanidade. De forma semelhante, com o mesmo propósito de
renúncia, Arjuna teve que sacrificar agir segundo o interesse de seus
amigos e entes queridos. Assim como a sagrada Bíblia, as instruções
de Kåñëa registradas na Bhagavad-gétä são altamente pertinentes e
nos dão uma definição esclarecedora desse tema.

UM MÉTODO SIMPLES E SUBLIME

No capítulo nove da Gétä(1), a Divindade Suprema apresenta um


método de sacrifício que é simultaneamente simples e sublime:

“Se você Me oferecer, com amor e devoção, uma simples folha,


uma flor, uma fruta ou água, Eu as aceitarei”.

É claro que o Senhor não precisa de nada disso. O que Ele


realmente deseja é nossa bhakti, algo que qualquer um pode oferecer,
por mais pobre que seja. Satisfazer Seu pedido é fácil, pois não
requer nenhuma prévia qualificação. Mas, sem bhakti, amor e
devoção, parafernálias sofisticadas ou filosofias complexas não
poderão induzir o Senhor a aceitar alguma oferenda. Embora esse
princípio de bhakti seja muito simples, devemos compreender que o
Senhor não aceita qualquer coisa. Para nos ajudar, Ele revela que tipo
de oferenda será aceita por Ele. Em outras palavras, não devemos
oferecer carnes, peixes e ovos, pois Ele não os aceitará.

C
Chandramukha Swami
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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 09. O CONCEITO DO SAGRADO

Como já mencionamos, Kåñëa explica que somente os alimentos


oferecidos em sacrifício são apropriados para serem consumidos por
aqueles que aspiram por uma vida sagrada. Sem tal sacrifício, o
alimento permanecerá impuro e por ingeri-lo a pessoa estará
transgredindo a lei do karma. Além de preparar pratos vegetarianos
simples e saborosos, o praticante de bhakti ora humildemente para
que o Senhor aceite sua oferenda devocional. Ele sabe que, se o
alimento se espiritualizar, o corpo irá se purificar e tecidos cerebrais
mais refinados serão construídos, contribuindo na clareza do seu
pensamento e na sua firmeza e determinação. Mas Kåñëa vai além
disso, quando diz que não apenas o que se come, mas também as
austeridades que se executa, os presentes que se distribui, enfim,
tudo deve ser feito e oferecido com devoção a Ele. Essa é uma
proposta bastante razoável, pois quem age assim mantém sua
conexão com o Divino.
É claro que todos devem cumprir seus deveres sociais familiares
da melhor maneira possível, mas cabe a todos reservarem tempo e
energia extra para suas práticas diárias, bem como uma parte
excedente do seu dinheiro para ajudar a espalhar a consciência de
Deus.

OFERECENDO OS FRUTOS DAS AÇÕES

Nos dias de hoje, é praticamente impossível alguém abandonar


tudo e abraçar bhakti como ocupação exclusiva. Por outro lado,

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 09. O CONCEITO DO SAGRADO

todos têm plenas condições de organizarem os diferentes setores de


sua vida para que tudo se transforme numa oferenda a Deus. Um
grande mestre no caminho de bhakti, Rüpa Gosvämi, diz que
enquanto estivermos nesse mundo teremos que agir de muitas
maneiras. Mas, aquele que oferece os frutos das suas ações a Deus,
através do princípio de renúncia yukta-vairägya, se livra do cativeiro
kármico e toda sua vida passa a ser permeada pelo sagrado. Tendo
ainda como base o capítulo nove da Gétä, podemos citar um verso
surpreendente e intrigante (2):

Mesmo que alguém cometa uma ação abominável, se seguir


esse princípio de renúncia e sacrifício, deve ser considerado
um sädhu, porque está devidamente situado.

Às vezes, a palavra sädhu é traduzida como “santo” e, de fato, essa


é uma boa tradução – mas é bom dizer que não queremos canonizar
ninguém. Essa palavra se origina da palavra sädhaka que, por sua vez,
está ligada à palavra sädhana, que significa “práticas espirituais”. A
ideia é que uma pessoa se torna um sädhu ao introduzir práticas
espirituais autênticas no seu cotidiano. Caso seja feitas com
regularidade, sua determinação fará com que ela se aproxime cada
vez mais do estado de santidade.
Quanto às atividades abomináveis, elas podem ser de dois tipos.
É evidente que um transgressor intencional e deliberado dos
preceitos escriturais não é um sädhu. Mas, é bom que consideremos

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 09. O CONCEITO DO SAGRADO

também que todos estão interagindo com a energia ilusória há


muitas vidas, por isso, fica difícil encontrar um coração isento de
influências materialistas. Eliminá-las não é tarefa tão simples. De
fato, muitas vezes, mesmo um praticante dedicado de bhakti pode
cair nas armadilhas de mäyä. Mas, existem dois tipos de queda: a
primeira é acidental e surge da fraqueza, que pode ser resultado das
impurezas trazidas de outras vidas; a segunda é intencional e,
portanto, inaceitável. Çréla Prabhupäda faz o seguinte alerta(3):

Ninguém deve se aproveitar desse verso para cometer tolices e


achar que continua sendo devoto. Se, com o serviço
devocional, ele não melhorar seu caráter, então, deve-se
entender que ele não é um devoto elevado.

Prabhupäda sempre lembrava aos discípulos que aceitar bhakti


significa declarar guerra contra mäyä, a energia ilusória. Portanto,
no início, enquanto não se é suficientemente perito e forte,
invariavelmente se experimenta quedas acidentais. Somente
quando obtém suficiente força e experiência, o devoto consegue
evitá-las. A melhor coisa a ser feita é se dedicar a cantar regularmente
os santos nomes, pois essa prática transcendental elimina
gradualmente as impurezas que são as responsáveis pelas quedas.
Quem oferece todas as suas atividades ao Senhor está bem
situado e sua existência está sob Sua proteção. Esse é o resultado de
introduzir o conceito de sagrado no cotidiano.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 10. DIGA-ME COM QUEM ANDAS...

Quando se leva em conta a influência que a associação exerce sobre o


indivíduo, o dito popular, “Diga-me com quem andas que te direi quem
és”, pode ser expandido como, “Diga-me o que lês, o que contemplas, o
que comes, etc....”.

H á outro ditado igualmente interessante: “Aves da mesma


plumagem voam juntas”. Como a natureza influencia
diferentes espécies de vida a desenvolverem diferentes
mentalidades, não é possível reuni-las num só gênero e grupo. Por
isso há uma grande multiplicidade de espécies de aves, com
características, qualidades e naturezas particulares. Em relação aos
seres humanos, isso não é diferente.

OS “CORVOS” E OS “CISNES”

Para explicar a diferença entre as disposições mentais dos


materialistas e dos espiritualistas, o Bhägavatam(1) os compara aos
corvos e cisnes. Para melhor compreendermos esse tema, vamos
considerar a influência dos três modos da natureza material no
indivíduo: tamas, a obscuridade, rajas, a paixão e sattva, a bondade.
Neste caso, aqueles que são impulsionados pela obscuridade e pela
paixão são comparados aos corvos, enquanto as pessoas sob a
influência da bondade, que buscam a santidade, são comparadas
aos cisnes. Se alguém quer ter acesso aos corvos deverá procurá-los
nos locais onde os lixos são abandonados. De forma semelhante,

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 10. DIGA-ME COM QUEM ANDAS...

uma pessoa pode se encontrar com os cisnes onde existe um cenário


natural, decorado com variadas flores perfumadas e lagos de água
cristalinas. De fato, essas duas classes de aves são vistas em lugares
completamente distintos. Ou seja, devido ao interesse pela luxúria e
pela cobiça, os apaixonados e obscuros materialistas são geralmente
vistos onde se pratica a intoxicação, a promiscuidade, as jogatinas,
etc., ambientes naturalmente evitados pelos cisnes despertos para a
vida espiritual. Portanto, a grande variedade de literatura, música,
alimento e entretenimento em geral existe devido às diferentes
mentalidades e, como sabemos, grande parte tem como conteúdo
principal os tópicos sensuais, já que é produzido para atrair os
homens de “plumagem” inferior. E mesmo que sejam tecnicamente
bem elaboradas, tais produções servem unicamente para enfeitar
corpos mortos, pois, ao invés de despertarem o verdadeiro Eu, os
mantém cada vez mais embalados em sono profundo. Por outro
lado, há aqueles que captaram a essência da vida humana. Alguns já
estão situados na vida espiritual, enquanto outros estão em busca da
purificação. Ambos reconhecem que suas necessidades espirituais
nunca serão satisfeitas com o gozo mundano dos sentidos. Por isso,
eles perdem o interesse pelas literaturas, alimentos, diversões, etc.
que estão sob a influência dos modos da paixão e obscuridade.
Como sabem que tais pessoas estão atadas às cordas de tamas e rajas e
não passam de meros fantoches de mäyä, eles evitam a associação
íntima com eles. Por enxergarem a irresponsabilidade das pessoas
que desperdiçam seu tempo com coisas sensoriais falsas, os “cisnes”

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 10. DIGA-ME COM QUEM ANDAS...

procuram auxiliar as pessoas inocentes propagando a importância


do autocontrole e da autodisciplina.

TRANSFERINDO OS APEGOS

Assim como a mentalidade mundana, a mentalidade


transcendental é contagiante. Portanto, através da associação com
as pessoas certas, os obstáculos que impedem uma pessoa de
ingressar na vida espiritual são removidos. De fato, duas coisas
acontecem na associação de pessoas com pureza e devoção no
coração: por um lado, somos enriquecidos com o gosto pelas
atividades devocionais e, por outro, percebemos quão insípidas são
as coisas materiais. Há um verso que explica a importância da pessoa
transferir seus apegos. Isso porque os apegos mundanos causam
cativeiro, mas, quando canalizados para pessoas com consciência
espiritual, proporcionam a liberação(2):

Todo homem erudito sabe muito bem que o apego à matéria é


o maior enredamento da alma espiritual. Mas esse mesmo
apego, quando aplicado aos bhaktas, abre a porta da liberação.

É importante frisar que a pessoa não deve tentar eliminar


totalmente seus apegos. Basta que eles sejam transferidos às coisas
ou pessoas favoráveis, pois a tendência de se apegar a algo é natural.
Isso se torna nítido quando observamos que, na falta de filhos ou

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 10. DIGA-ME COM QUEM ANDAS...

outros objetos, as pessoas transferem seu apego aos seus animais de


estimação. Ora, se o que perpetua o condicionamento material de
uma pessoa é o apego às pessoas ou coisas materiais, a sua liberação
depende simplesmente de canalizar seus apegos mundanos às
pessoas ou coisas espirituais. Se o apego às coisas materiais cria
consciência material, apego a Deus e às coisas relacionadas com Ele
cria consciência de Deus. O poderosíssimo Senhor Çéva confirma
que se deve transferir esse apego aos bhaktas autorrealizados(3):

Uma pessoa que se associa com um bhakta (devoto) mesmo


que por uma fração de segundos, poderá se livrar por
completo da atração pelos resultados de karma (atividades
mundanas egoístas) ou jïäna (especulação mental). Que
interesse, então, pode ele ter nas bênçãos dos semideuses,
que estão sujeitos às leis de nascimento e morte?

A atuação dos semideuses se limita ao mundo material.


Portanto, quem os adora, no máximo poderá obter felicidade
material temporária, o que nada significa para um devoto puro que
está plenamente preenchido com a felicidade derivada de bhakti.
Segundo o Senhor Çéva, é somente através da associação com tal
devoto que alguém pode entender a posição da Pessoa Suprema e,
assim, alcançar plena satisfação(4):

Imploro-Te que me abençoe com a companhia daqueles que

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 10. DIGA-ME COM QUEM ANDAS...

são puros por adorarem Teus pés de lótus e que têm


misericórdia das almas caídas. Creio qe Tua verdadeira
bênção será permitir-me estar na companhia deles.

A PRINCIPAL FUNÇÃO DO DEVOTO

Assim como a água do Ganges é célebre porque emana dos pés de


lótus do Senhor, o devoto que está em contato direto com o Senhor é
também notável, pois pode elevar outros à plataforma de bondade
pura. O Senhor Çéva conclui esse importante ponto, dizendo(5):

O devoto cujo coração tem sido inteiramente purificado por


bhakti não mais se confunde com a energia externa, que é
como um poço escuro. Estando limpo de toda a contami-
nação material, ele é capaz de entender com muita alegria Seu
nome, fama, forma e atividades.

Como o coração impuro, ninguém pode perceber a relação de


todas as coisas com o Senhor. É preciso, portanto, que se associe com
pessoas puras de coração para que uma pessoa passe a entender isso
e, assim, abandone a vã tentativa de se assenhorear da natureza.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 11. O CANTO REPETITIVO DO MANTRA (JAPA-MALA)

Se existe uma prática comum entre os diferentes segmentos religiosos


ou espiritualistas tradicionais, tais como o cristianismo, o budismo, o
judaísmo, o islamismo e o hinduísmo, essa prática é a japa, a repetição
dos santos nomes.

D e uma maneira ou outra, todos estes segmentos religiosos


praticam o canto constante dos santos nomes de Deus ou
repetem regularmente alguma prece. Os muçulmanos ou hindus,
por exemplo, adotam a repetição contínua de algum nome divino,
tais como Alläh, Kåñëa ou Räma. Os judeus reproduzem diariamente
o Shema, enquanto os cristãos repetem várias vezes o “Pai Nosso”, e os
budistas o mantra, “om mäni pädme hum”. Não temos informações
precisas e detalhadas de cada um desses processos e nem cabe a nós
discutirmos seus diferentes pontos de vista. O que queremos
enfatizar é que todos os segmentos citados também reconhecem a
importância de se fazer do canto uma prática constante e diária. No
que se refere ao processo de bhakti – cuja essência é despertar nossa
latente consciência de Deus – nada é mais evidente nas diretrizes das
escrituras devocionais, especialmente para a atual era, do que a
importância da repetição dos santos nomes.
De um modo geral, as orientações na consciência de Kåñëa
podem ser obtidas através de três fontes: as escrituras (çästras), os
praticantes antecessores (sädhus) e os mestres espirituais (gurus).
Em outras palavras, a ênfase no canto do mantra se encontra nessas
três fontes: nos registros dos sästras, nas palavras dos sädhus e,
finalmente, nas instruções dos gurus.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 11. O CANTO REPETITIVO DO MANTRA (JAPA-MALA)

EVIDÊNCIAS DOS SHASTRAS (ESCRITURAS)

iti çodaçakam nämnäm kali-kalmaña-näçanam


nätah parataropäyah sarva-vedeñu dåçyate

Essas dezesseis palavras, “Hare Kåñëa Hare Kåñëa Kåñëa Kåñëa


Hare Hare | Hare Räma Hare Räma Räma Räma Hare Hare” são
especialmente destinadas a contra-atacar os pecados da era
de Kali. Depois de pesquisar todas as escrituras védicas, a
pessoa constatará que não há melhor método espiritual de
purificação do que o canto de Hare Kåñëa (Kali-santara
Upanisäd).

harer näma harer näma harer nämaiva kevalam


kalau nästy eva nästy eva nästy eva gatir anyathä

Nessa era de desavença e hipocrisia, o único meio de liberação


é o canto dos santos nomes de Hari, o canto dos santos nomes
de Hari, o canto dos santos nomes de Hari. Não há outro meio!
Não há outro meio! Não há outro meio! (Brhäd Näradiya
Puräna).
EVIDÊNCIAS DOS SADHUS

Ó Meu Senhor! Somente Teu santo nome pode conceder


todas as bênçãos aos seres vivos, e, por isso, tens milhares de

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 11. O CANTO REPETITIVO DO MANTRA (JAPA-MALA)

nomes, aos quais aplicastes todas as Tuas energias


transcendentais e não há regras rígidas para se cantá-los. Por
Tua bondade, possibilitas que nos aproximemos facilmente
de Ti através desse cantar, mas desafortunado como sou não
sinto nenhuma atração por eles. (Çré Caitanya, verso 2 do
Çikñäñtaka).

O Hari-bhakti-viläsa nos orienta sobre a atitude mental ideal para


obtermos verdadeiro sucesso espiritual ao praticarmos nosso canto
diário da japa-mälä:

Concentração da mente (manah samharanam), limpeza


(çaucam), silêncio (maunam), reflexão sobre o propósito do
mantra (mantra-ärtha-cintanam), determinação
(avyagratvam) e autoconfiança (anirvedo) são as causas do
sucesso na prática de entoar o mantra (japa-sampatti-hetavah).

EVIDÊNCIAS DO GURU

Uma vez que o responsável por trazer o processo de bhakti-yoga


de forma autorizada e completa para o mundo ocidental foi Çréla
Prabhupäda, fizemos um pequeno resumo de suas instruções para o
canto da japa-mälä, instruções essas que são acatadas pelos seus
milhares de seguidores ao redor do mundo:

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 11. O CANTO REPETITIVO DO MANTRA (JAPA-MALA)

Não existem regras rígidas para se efetuar o canto, nem se exige


nenhuma qualificação prévia para alguém se tornar um praticante.
Qualquer pessoa poderá simplesmente repetir o mantra ou cantá-lo,
seguindo a melodia que preferir. Mas, deve-se ter o cuidado de
pronunciar claramente os santos nomes e, ao mesmo tempo, ouvir a
vibração sonora transcendental com atenção.

Quanto mais a pessoa se concentrar no cantar e no ouvir, mais sua


purificação será sentida. Introduzir o canto diário da japa-mälä,
executando-o de modo repetitivo e com a ajuda de um rosário de 108
contas, pode não apenas incrementar e dar vida às suas outras
práticas espirituais, mas será um componente facilitador da sua
organização mental e dos seus afazeres no cotidiano.

Ao entoar suave e continuamente o mantra para si mesmo, a


pessoa sente a remoção gradual das impurezas da mente. Assim,
estando mais livre das agitações mentais, será mais fácil lidar com
ela. Isso para não falar que o canto regular aumenta a determinação,
o entusiasmo e a paciência do praticante.

Na prática da japa, canta-se o mantra completo para cada uma das


contas. Ou seja, ao se completar a repetição do mahä-mantra Hare
Kåñëa Hare Kåñëa Kåñëa Kåñëa Hare Hare | Hare Räma Hare Räma
Räma Räma Hare Hare por 108 vezes – um para cada conta –
completa-se “uma volta” na mälä.

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Lição 11. O CANTO REPETITIVO DO MANTRA (JAPA-MALA)

Tradicionalmente, aqueles que são iniciados fazem o voto de


cantar, no mínimo, dezesseis voltas por dia. Considerando que o
tempo utilizado para cada uma das voltas é de em média cinco ou seis
minutos, eles dedicam cerca de uma hora e meia por dia para o
cantar. Uma pessoa mal informada pode interpretar isso como um
grande sacrifício, mas todos os praticantes são unânimes em afirmar
que se trata do melhor momento do dia, o momento em que
podemos cultivar nosso relacionamento com o Senhor. Em termos
práticos, e quando isso é possível, deve-se introduzir o canto nas
primeiras horas do dia, antes do sol nascer (o ideal é começar o canto
às 5h, pois nesse período, a mente está mais tranquila e é muito mais
fácil contê-la, o que torna a prática bem mais agradável). A seguir,
daremos algumas instruções técnicas sobre o cantar:

Segure a primeira conta do rosário e entoe o mahä-mantra: Hare


Kåñëa Hare Kåñëa Kåñëa Kåñëa Hare Hare | Hare Räma Hare Räma
Räma Räma Hare Hare. Não é necessário cantar em voz alta. Basta
ouvir. Mas, se preferir e não for inconveniente para a situação, você
poderá cantar em voz alta. Passe para a conta seguinte e cante
novamente o mahä-mantra. Em seguida, passe para a próxima e
repita o processo, assim por diante.

Ao chegar à última conta (note que a conta principal não é


cantada), vire a mälä e continue a cantar, começando com a conta na
qual você terminou a volta.

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Lição 11. O CANTO REPETITIVO DO MANTRA (JAPA-MALA)

De acordo com suas possibilidades, pratique o canto da japa uma


ou mais voltas por dia. O ideal é que se mantenha um número fixo
diário. Ou seja, se você se prontificou a cantar duas voltas diárias, se
determine a não deixar de fazê-lo. Manter um compromisso fixo e
não falhar é muito importante. É claro que, à medida que desejar,
você poderá aumentar seu número de voltas diárias.

ALGUMAS DICAS

Cante com sentimento, como se você fosse uma criança


clamando pela presença da sua mãe; cante com nitidez, ouvindo
cada sílaba e fixando a mente no som do mahä-mantra; cante sem
interrupções, como um rio fluindo para o oceano.
Como foi mencionado, cantar bem cedo, antes mesmo do sol
nascer, é recomendável, pois é mais fácil fixar a mente nesse horário.
Dê prioridade ao canto. Faça dele a atividade mais importante do
seu dia, antes que outras exigências lhe roubem seu precioso tempo.
O objetivo inicial é apenas ouvir o cantar. Na medida do possível, é
melhor se empenhar em não pensar em mais nada, nem mesmo em
assuntos de natureza transcendental.
Cantar japa atentamente não é nada fácil, mas esse é o objetivo a
ser perseguido. Sempre que sua mente lhe arrastar para qualquer
outro assunto, enquanto canta japa (o que vai acontecer repetidas
vezes!), traga-a de volta aos santos nomes.

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Seção Um | Autoconhecimento
Lição 11. O CANTO REPETITIVO DO MANTRA (JAPA-MALA)

Nunca desanime. Mesmo o cantar no estágio intermediário – e,


portanto, ainda carente de total absorção – é extremamente
poderoso. O segredo é persistir com o canto. Lembre-se de que o
nome de Deus é çabda-brahman, absolutamente espiritual. Foi essa
mesma vibração sonora transcendental que projetou o universo, que
o mantém e o controla. Portanto, ele poderá também controlar a
mente de um praticante que seja sincero e se refugie nele!

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Lição 12. O CULTIVO DO AMOR A DEUS

Na lição sete, constatamos a distinção entre a rasa (o sabor) desfrutada


pelos homens comuns e a bhakti-rasa, que é de natureza plenamente
transcendental, desfrutada pelos praticantes de bhakti-yoga. A prova
de que o sabor experimentado por aqueles que trabalham arduamente
de segunda à sexta é de qualidade inferior é que eles estão sempre à
espera do final de semana, quando se ocupam em várias atividades
para se esquecerem dos seus trabalhos rotineiros. Mas, como a
gratificação gozo dos sentidos não pode ser permanente, passado o
final de semana, eles terão que retomar seu trabalho não-devocional.

A s atividades daquele que não pratica bhakti geralmente oscila


entre trabalho e deleite dos sentidos. Além disso, devemos
considerar que qualquer possível resultado obtido no campo da vida
material será perdido com a morte, independentemente do tipo de
atividades, a saber, social, político, nacional. A bhakti-rasa,
entretanto, produz um tipo de doçura duradoura. A prova disso é
que, diferentemente do trabalhador comum, o devoto não sente a
necessidade de alternar suas atividades, pois o prazer proveniente
por ocupar os sentidos e a mente no processo de bhakti só tende a
aumentar e continua perpetuamente no mundo espiritual.
Portanto, outra definição importante de bhakti é “a ocupação dos
sentidos no serviço a Håñékeça”(1), ou Kåñëa, “o Senhor dos sentidos”.

A OCUPAÇÃO PRÁTICA DA MENTE E DOS SENTIDOS

A pessoa pode agradar Kåñëa com suas atividades mentais, tais como
meditar no diálogo entre Ele e o guerreiro Arjuna no Campo de

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 12. O CULTIVO DO AMOR A DEUS

Batalha de Kurukñetra ou nos Seus diferentes passatempos com os


devotos, especialmente na terra sagrada de Våëdävana. Além do
cultivo mental, ela pode empregar sua fala na propagação das Suas
glórias ou no canto dos Seus santos nomes. Isso é kértana. E há
também diversos serviços devocionais que ela pode executar com
suas atividades corpóreas. Todas essas práticas diminuem o encanto
da pessoa pela energia material e a coloca sob a proteção da energia
espiritual, quando ela atinge uma condição de vida transcendental e
saboreia a verdadeira e eterna doçura, conhecida como bhakti-rasa.
De fato, à proporção que se eleva, o desejo de servir Kåñëa passa a ser
uma ânsia natural e espontânea.
Aquele que está cultivando seu amor a Deus naturalmente
introduz a figura do seu amado, Kåñëa, em seus sentimentos,
pensamentos e desejos, e visando agradá-Lo, ocupa em Seu serviço.
Mas, não devemos pensar que esse cultivo espiritual se destina
apenas a criar intercâmbio amoroso entre o devoto e o Senhor. Como
abranda o coração do seu praticante, a verdadeira bhakti se reflete
diretamente na sua consciência e no seu comportamento externo.
Ou seja, ao brotar no coração, bhakti produz equilíbrio, bondade,
paciência e diversas outras qualidades que fazem com que o
praticante supere mais facilmente as situações adversas e se
relacione mais amorosamente com as demais pessoas. À medida que
devota suas ações a Deus, o praticante experimenta o gosto superior
de bhakti quando, então, a influência material é atenuada. Na
verdade, um sintoma essencial de progresso no caminho é o respeito

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Lição 12. O CULTIVO DO AMOR A DEUS

e a preocupação real com todas as criaturas de Deus. Portanto, Kåñëa


afirma que quem está deveras devotado a Ele também está dedicado
ao bem-estar de todos os seres (Gétä 5.25, 12.4). Muito mais que um
mero humanista, um verdadeiro bhakta é um amigo misericordioso
para com todos (Gétä 12.13).

O PRAZER ESPIRITUAL VIRÁ AUTOMATICAMENTE

Finalmente, bhakti é também definida como “a função de uma


das mais confidenciais energias do Senhor: Sua hlädiné-çakti”(2).
Assim como a luz de uma vela revela a própria vela e também os
demais objetos, essa hlädiné-çakti é a energia responsável por
proporcionar bem-aventurança tanto para o Senhor quanto para as
jévas, seres vivos. Tudo ocorre pela graça de Kåñëa que deposita essa
çakti (energia) bem-aventurada no coração do devoto escolhido, que
passa a manifestar o amor a Deus e, consequentemente, todas as
qualidades divinas.
Kåñëa é inconcebível (acintya) e imanifesto (avyakta). Ninguém
pode vê-Lo ou conhecê-Lo valendo-se meramente do seu próprio
intelecto ou esforços mentais. Para que isso seja possível, a jéva
precisa da ajuda das çaktis do Senhor. Na verdade, somente quando
alguém é escolhido pelo Senhor é que poderá conhecê-Lo como Ele
é. E, quando isso ocorre, através de hlädiné-çakti, bhakti enche o
coração da jéva afortunada de bem-aventurança e a capacita a
conhecê-Lo. O serviço devocional amoroso e desinteressado é

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Lição 12. O CULTIVO DO AMOR A DEUS

definitivamente a essência de bhakti. De fato, o amor do devoto faz


com que ele sirva o Senhor visando unicamente satisfazê-Lo e nada
mais. Ainda assim, embora a meta do devoto seja o prazer do Senhor
e não o seu próprio prazer, uma das mais fortes características de
bhakti é que o prazer surge automaticamente no coração do devoto.
Mas, se este prazer, mesmo que seja resultado de alguma prática
devocional, se torna um empecilho no serviço do devoto, ele
imediatamente o rejeita.
As pessoas comuns que encontram dificuldade em compreender
a verdadeira natureza do serviço devocional, pensam que bhakti se
destina aos intelectualmente fracos ou de temperamento submisso.
Elas não percebem que na plataforma espiritual, onde o verdadeiro
amor reina com supremacia, servir é amar, e amar é a própria
natureza do Eu. Na verdade, quando se trata de amor, autossacrifício
é autorrealização. O exemplo do sacrifício da mãe ajuda a entender
esse ponto. Seu empenho em zelar, cuidar, servir, fazer todos os
arranjos necessários para o bem-estar e felicidade de seu amado
filho é uma excelente prova de seu amor. Portanto, sempre que
falamos de bhakti, ou amor devocional, nos referimos a três fatores
eternos: o devoto (bhakta), sua devoção (bhakti) e seu objeto da
devoção (Kåñëa).

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Seção Um | Autoconhecimento
Lição 13. LIVRANDO-SE DO KARMA

Como podemos nos livrar das reações kármicas? As escrituras védicas


respondem: yajno vai visnu, “executando sacrifícios para Deus”. Na lição
nove, já discutimos esse tema, quando ressaltamos a importância de
sacralizar as nossas ações. Ao recomendar os sacrifícios, a Gita
menciona que, caso esses não sejam executados, nossas ações
produzirão cativeiro. Portanto, a ação que visa a autossatisfação
mundana será a causa de cativeiro, pois toda ação, seja boa ou má, é
passível de reações que atam o executante.

A ideia é que ninguém pode evitar agir. Por isso, temos que
encaixar nossas atividades de modo a satisfazer Kåñëa, ou
Viñëu. Quem age assim, situa-se na fase liberada. Trata-se de uma
grande ciência que só pode ser compreendida sob as hábeis
orientações daqueles que sabem como transformar a propensão ao
gozo dos sentidos em ímpeto para satisfazer ao Senhor; ou seja, dos
devotos. O sacrifício, portanto, não apenas libera o executor das
reações do trabalho, mas o eleva pouco a pouco ao serviço amoroso
ao Senhor, que é o único meio de promover a pessoa ao reino eterno e
transcendental de Deus.
Na Gétä, o Senhor diz que, desde o início da criação, tem
abençoado homens e semideuses, orientando-os na execução de
yajïas (sacrifícios), porque é somente através desse processo que
todos podem, num primeiro momento, satisfazer seus desejos e
experimentar felicidade para, finalmente, alcançar a liberação(1).
Isso mostra que esse mundo existe para as almas se purificarem e
com isso se qualificarem para seu retorno ao lar, ao Supremo. E para
purificá-las, os Vedas recomendam a execução de sacrifícios, pois só

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 13. LIVRANDO-SE DO KARMA

assim elas perderão seu encanto excessivo pela natureza material, se


tornarão piedosas e recuperarão sua consciência de Deus.

O PRINCIPAL BENEFICIÁRIO DOS SACRIFÍCIOS

Alguns sacrifícios se prestam à satisfação de determinados devas,


semideuses encarregados de administrar os assuntos universais, que
servem a Pessoa Suprema assim como os diferentes membros do
corpo servem ao todo. Entretanto, os sacrifícios aos semideuses
estão sob a influência da paixão, pois são executados com o intuito
de receber dádivas naturais e demais bênçãos para a manutenção
das entidades vivas. De qualquer modo, quando esses sacrifícios são
devidamente executados, os devas ficam contentes e providenciam
para que não haja escassez na distribuição dos produtos naturais. É
importante ressaltar que, mesmo durante os rituais de adoração aos
semideuses, ocorre simultaneamente a adoração ao Senhor Viñëu, o
beneficiário principal e final dos sacrifícios. É claro que, além dos
benefícios materiais secundários, o propósito último do sacrifício é
obter a liberdade do cativeiro material. Pela execução de yajïa, os
alimentos se santificam e purificam a existência daqueles que os
ingerem. Com a purificação da existência, os tecidos mais refinados
do cérebro, que são responsáveis pela memória, se santificam e,
quando a memória se santifica, o ímpeto e interesse pela vida
espiritual se torna natural. Na verdade, a combinação disso tudo leva
à grande necessidade da sociedade atual: consciência de Deus.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 13. LIVRANDO-SE DO KARMA

Entretanto, há quem não entenda a posição suprema de Viñëu. Para


esses, recomenda-se o sacrifício aos semideuses, pois eles são
agentes autorizados para agir em Seu nome.
Aos comedores de carne, que estão situados no modo da
obscuridade, se recomenda adorar a deusa Kali, a terrível forma da
natureza material. Mas, para aqueles que estão no modo da bondade
pura, aconselha-se a adoração transcendental a Viñëu. De qualquer
maneira, todos os sacrifícios – direta ou indiretamente – se destinam
a promover gradualmente o adorador à posição transcendental.
Os alimentos ingeridos pelas pessoas sob a influência do modo
da bondade são os cereais, as frutas, os legumes, o leite, etc.,
enquanto os demais se alimentam de carne animal. De qualquer
modo, nenhum deles pode ser manufaturado pelo homem, assim
como as demais necessidades, tais como o calor, a luz, a água, o ar,
dependem também do Senhor. Sem Sua graça, não haveria luz solar,
luar, chuva, brisa, sem os quais ninguém poderia se manter. Mesmo
as empresas manufatureiras precisam das matérias-primas, tais
como metal, mercúrio, manganês, enxofre, etc. De qualquer modo,
os devas fornecem uma grande variedade de itens essenciais para que
a sociedade humana se mantenha saudável e feliz e, assim, vença a
luta pela existência material e se autorrealize espiritualmente. Esse
é, na verdade, o real objetivo da execução dos sacrifícios.
Mas, ao desconsiderarem o verdadeiro propósito da vida
humana, as pessoas utilizam as dádivas que recebem dos agentes do
Senhor no gozo dos sentidos e, portanto, se enredam cada vez mais

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Lição 13. LIVRANDO-SE DO KARMA

nas complexas leis do karma.

O SACRIFÍCIO DA ERA ATUAL

Quem se aprofunda nesse tema, constata que os sacrifícios


védicos são muito complexos e requerem grande habilidade dos
sacerdotes. Desse modo, o Senhor Kåñëa apareceu há quinhentos
anos como Caitanya e trouxe um processo mais fácil de sacrifício, o
sankértana-yajïa, o canto dos santos nomes, que pode ser executado
por todos, sem a menor dificuldade. Kåñëa menciona a importância
do sacrifício do alimento(2):

Os devotos do Senhor libertam-se de todas as espécies de


pecados porque comem alimentos que primeiramente são
oferecidos em sacrifício. Outros, que preparam o alimento
para a satisfação dos próprios sentidos, na verdade, comem
apenas pecado.

Aqueles que são conscientes de Deus não aceitam nada que não
tenha sido primeiramente oferecido ao Senhor. Por outro lado,
aqueles que preparam alimentos para a satisfação dos próprios
sentidos ingerem alimentos não purificados. Diante disso, como
eles poderão obter paz e felicidade? Para se tornarem felizes e
pacíficos interna e externamente, eles terão que aprender a
consciência de Kåñëa. Os bhaktas, portanto, oferecem

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 13. LIVRANDO-SE DO KARMA

primeiramente seu alimento a Kåñëa e se nutrem também


espiritualmente. Assim, não apenas eliminam as antigas reações
pecaminosas do corpo, mas se tornam imunes às possíveis
contaminações kármicas, assim como uma vacina protege a pessoa
do ataque de uma determinada doença. Por outro lado, se não
seguimos essa conduta, o volume de envolvimento material pode
aumentar até o ponto da pessoa perder sua vida humana.

CUMPRINDO TODOS OS PROPÓSITOS DOS SACRIFÍCIOS

A vida humana é uma oportunidade para que alcancemos a


liberação. Portanto, devemos tentar seguir o processo de yajïa e nos
tornar conscientes de Kåñëa. Quem não regula sua vida, através de
karma-yoga, jïäna-yoga ou bhakti-yoga, está arriscando-a.
Uma pessoa avançada espiritualmente não precisa seguir
rigidamente as execuções dos yajïas prescritos, mas quem se ocupa
no gozo dos sentidos precisa purificar sua condição sensorial. Os
sacrifícios, portanto, satisfazem os desejos sem que seus
executantes se enredem nas reações indesejáveis. Kåñëa conclui esse
tema dizendo que aquele que sente prazer no Eu e pratica a
autorrealização não precisa executar sacrifícios. Basta que ele adore
o Senhor através do cantar do mahä-mantra Hare Kåñëa. Esse
processo cumpre todos os propósitos de todos os diferentes
sacrifícios. Na verdade, o ensinamento fundamental da Gétä é que
devemos sempre colocar o nosso coração, ou a nossa consciência, na

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 13. LIVRANDO-SE DO KARMA

ação devocional e nunca na busca por recompensas, sejam elas quais


forem. Isso nos livrará do egoísmo. Se pudermos eliminar os
propósito egoísta de nossas vidas e agir sem buscar por
recompensas, então poderemos executar qualquer trabalho que nos
seja exigido sem ficarmos acorrentados por ele. É essa liberdade do
ego falso que irá nos conduzir à equanimidade mental. Mas, se
agirmos com interesses egoístas, ficaremos superexcitados com o
dito sucesso e deprimidos com o dito fracasso. Por conseguinte,
podemos avaliar o grau do nosso egoísmo pela intensidade dos altos
e baixos dos nossos sentimentos.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições
Seção Um | Autoconhecimento
Lição 14. INTRODUZINDO O AVATARA CAITANYA

Depois de ter ensinado a Gita, Krishna sentiu que, devido à influência


negativa da atual era, raríssimas pessoas puderam compreender
apropriadamente Seus ensinamentos. Para facilitar as coisas, então, Ele
voltou à Terra não mais para ensinar com palavras, mas para mostrar
pessoalmente como a Gita deve ser introduzida e praticada no cotidiano
do homem moderno. Essa é uma das explicações do advento de
Caitanya, que ficou famoso como o avatar dourado: Ele é o próprio
Krishna que, há quinhentos anos, veio no papel de um devoto para
mostrar como praticar bhakti-yoga, ou consciência de Krishna!

O propósito dessa criação é permitir que as almas que aspiram


desfrutar sem Deus possam obter tal experiência. Para isso,
mäyä, a energia ilusória do Senhor Kåñëa, cria nas almas rebeldes a
falsa sensação de controladores, senhores e livres desfrutadores,
embora todos estejam totalmente sob seu controle. Logo, o controle
de Kåñëa desse mundo não é direto. Ele o faz indiretamente através
de Sua mäyä. Ainda assim, como ama a todos, Ele desce a esse mundo
para ajudar a despertar as almas adormecidas.

ENTENDENDO O CONCEITO DE AVATARA

Quando necessário, um Brahmä em particular, que é responsável


por rajo-guna, a energia criadora, recebe de Kåñëa o poder
sobrenatural de construir um universo específico. Çré Viñëu, o
representante da sattva-guna, a bondade, é uma expansão direta de
Kåñëa. Sua função de dar a manutenção adequada para esse mundo.
Essa expansão direta do Senhor vive na região mais elevada do
mundo material, chamada Çvetädvipa e está acompanhado de Sua

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Lição 14. INTRODUZINDO O AVATARA CAITANYA

consorte, Çré Lakñmé Devé, a deusa da fortuna. No momento


oportuno, Viñëu visita um planeta para propagar o dharma e exibir
passatempos incomuns, assim como Ele o fez nas formas de
Nåsémha, Buddha, Ramäcandra, etc. Mas, Caitanya não é um avatära
de Viñëu, o mantenedor. Ele é o próprio Kåñëa que veio diretamente
de Goloka, o planeta supremo que se encontra na região espiritual
mais elevada! Na verdade, Ele é o summun bonum, a origem das
demais expansões, encarnações e manifestações, que veio para
inundar a Terra com o mais puro néctar do amor a Deus.
Os Vedas descrevem que, além desse céu material, existe o céu
espiritual onde se encontram inumeráveis planetas espirituais
conhecidos como Vaikuntha. O que os difere dos planetas materiais
é que lá não existe nascimento, velhice, doença e morte. O mais
elevado entre esses planetas Vaikuntha se chama Goloka, onde
reside Çré Kåñëa, a forma original do Senhor, da qual todas se
expandem.
A menos que desenvolva bhakti imaculada e se situe na mais
elevada plataforma de realização espiritual, ninguém pode se
transferir para essa morada suprema. Aquele que deseja tal proeza
precisa se dedicar à busca espiritual sob a guia de um Vaiñnava que
seja credenciado como guru, pois somente um guru Vaiñnava pode
outorgar o conhecimento necessário para ajudar a despertar bhakti
no coração do seu pupilo.

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Lição 14. INTRODUZINDO O AVATARA CAITANYA

A MISSÃO DE CAITANYA

Çré Kåñëa veio como Çré Caitanya para divulgar e espalhar o canto
congregacional do santo nome do Senhor como o dharma dessa era
de Kali. É claro que Ele não precisaria vir diretamente, mas poderia
enviar uma de Suas expansões ou um dos Seus associados. Na
verdade, foi para desfrutar pessoalmente do canto do mahä-mantra e
da dança em êxtase espiritual na companhia dos Seus associados que
Ele achou por bem vir pessoalmente. Como Caitanya é Kåñëa,
facilitando diretamente o acesso ao caminho de bhakti, Ele é bhakta-
rüpa, ou o próprio Senhor que assumiu a forma (rüpa) de um devoto
(bhakta) Dele mesmo. Desde Seu nascimento até as Suas atividades
finais, Caitanya manifestou sintomas tão elevados de devoção que
não se pode comparar a ninguém em toda história. Na época, os
poucos devotos que haviam na Terra se juntaram a Ele para
inaugurar o cantar dos santos nomes como o dharma realmente
efetivo para essa era. Ainda atualmente, os seguidores de Caitanya se
mantêm nesse mesmo humor e ocupam seu valioso tempo em
cantar e distribuir o canto dos santos nomes para o maior número de
pessoas possível. É dito que nessa era ninguém possui verdadeira
qualificação espiritual e, devido ao efeito de mäyä, quase ninguém
faz ideia da sua identidade espiritual verdadeira. Portanto, todos
desconhecem que seu verdadeiro interesse é voltar ao lar, de volta ao
Supremo. Para purificar seus corações, Caitanya trouxe os santos
nomes. Através do canto, a pessoa desperta e, então, é levada a acatar

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 14. INTRODUZINDO O AVATARA CAITANYA

as instruções do guru e a se associar com os devotos. Isso certamente


irá ajudá-la a se libertar dos males dessa era. Como via de regra, o
Senhor aparece nesse mundo para proteger Seus devotos e aniquilar
os perversos, mas, como essa era é caracterizada pela influência da
natureza demoníaca, em vez de aniquilar diretamente os
incontáveis seres perversos dessa era, Ele prefere corrigir sua
mentalidade através do cantar e dançar extáticos do mahä-mantra.
De forma inconcebível, embora seja o próprio Kåñëa, Caitanya tem
disposição mais favorável para com as pobres almas caídas do que o
próprio Kåñëa. Essa afirmação se baseia no fato de que, quando
esteve pessoalmente presente na Terra, Kåñëa exigia que todos se
rendessem a Ele. Nesse caso, Ele lhes daria toda a proteção. Mas,
através do canto dos Seus santos nomes, Caitanya simplesmente
distribuiu transcendental amor por Deus, sem nada exigir.
Considera-se que o cantar dos santos nomes é uma atividade
transcendental que não tem nada a ver com esse mundo. Na verdade,
este cantar desceu do mundo espiritual para trazer e distribuir o
tesouro do amor a Deus. Uma vez que a alma condicionada é incapaz
de alcançar Deus através de seus próprios esforços pessoais, o
maravilhoso Caitanya, que mesmo sendo Kåñëa agiu como Seu
próprio devoto, mostrou qual é a conduta daquele que possui amor a
Deus. Uma das Suas características mais sublimes é Sua bondade em
permitir que qualquer pessoa, qualificada ou não, pratique a
consciência de Kåñëa. Basta que ela esteja disposta a se associar com
os devotos e a seguir as orientações de um mestre credenciado.

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Lição 14. INTRODUZINDO O AVATARA CAITANYA

OS ENSINAMENTOS DE CAITANYA

Çréla Prabhupäda faz o seguinte comentário sobre os


ensinamentos do Senhor Caitanya:

O Senhor Caitanya ensina a adoração direta ao Senhor Kåñëa,


que apareceu como o filho adotivo do rei de Vraja. Ele
também sugere que o lugar conhecido como Våëdävana é tão
bom quanto o Senhor Kåñëa, porque não há diferença entre o
nome, as qualidades, a forma, os passatempos, o séquito e a
parafernália do Senhor Kåñëa e o próprio Senhor Kåñëa. Essa é
a natureza absoluta da Verdade Absoluta. O Senhor Caitanya
também recomendou que o modo de adoração mais elevado
na fase máxima de perfeição é o método praticado pelas
donzelas de Vraja. Essas donzelas (gopés, ou vaqueirinhas)
simplesmente amavam Kåñëa, sem motivações de ganho
material ou espiritual. Caitanya também recomendou o
Çrémad-Bhägavatam como a narração imaculada de
conhecimento transcendental, e também ressaltou que o
objetivo supremo da vida humana é desenvolver amor puro
por Kåñëa, a Suprema Personalidade de Deus.

A filosofia apresentada pelo Senhor Caitanya é conhecida como


acintya-bhedäbheda-tattva – uma afirmação que o Senhor Supremo é
simultaneamente igual à Sua criação e, ao mesmo tempo, diferente

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Lição 14. INTRODUZINDO O AVATARA CAITANYA

dela. Para ensinar Sua doutrina, o Senhor enfatizava o cantar dos


santos nomes do Senhor. Como não há diferença entre o santo nome
e a forma transcendental do Senhor, quem canta se associa
diretamente com Ele através da vibração sonora e é direcionado
gradativamente à uma plataforma de vida pura e perfeita.
O cantar cumpre com o propósito das práticas de yoga, que se
destinam essencialmente ao controle dos sentidos. Como o cantar
auxilia o praticante a compreender as verdades transcendentais
sobre Kåñëa, ele naturalmente se familiariza com Seus nomes,
qualidades, formas, passatempos e parafernália, e, assim, seu
avanço se torna constante. Como foi mencionado diversas vezes, já
que é tão difícil parar com todas as ocupações da mente e dos
sentidos, podemos lidar bem com eles através de uma mudança de
consciência. E é exatamente essa mudança que o cantar dos santos
nomes provoca.
Por falta de conhecimento, às vezes, insistimos em conter a
mente e os sentidos à força. Outras vezes, cedemos a eles e somos
levados pelas ondas do gozo dos sentidos. Mas, é importante que se
saiba que aquele que desenvolveu gosto e apego pelo cantar dos
santos nomes não corre esse risco.
É preciso ocupar a mente e os sentidos em atividades conscientes
de Kåñëa e o Senhor Caitanya veio nos ensinar a como fazer isso na
prática. Por isso, um dos Seus nomes é Viçvambhara, “Aquele que
mantém todo o universo e lidera todas as entidades vivas”. Esse
mantenedor e líder supremo apareceu como Çré Kåñëa Caitanya para

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Lição 14. INTRODUZINDO O AVATARA CAITANYA

transmitir esses ensinamentos sublimes à humanidade. Ele é o mais


magnânimo outorgador do amor a Kåñëa, o reservatório completo de
todas as misericórdias e boa fortuna, o próprio Kåñëa. Portanto, Ele é
digno da adoração de todos nessa era de desavenças. E a maneira de
se fazer isso é praticar o canto dos santos nomes em boa associação.
Para tal, nenhuma qualificação prévia é necessária. Sem dúvida, os
ensinamentos de Caitanya tornam qualquer pessoa perfeita. Quem
se sente atraído por Suas características e passatempos decerto terá
êxito na missão de sua vida e, por Sua graça, poderá ser facilmente
liberado das garras de mäyä.

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Lição 15. DIKSHA, A INICIAÇÃO ESPIRITUAL

A escritura védica Tattva-sagara afirma: “Assim como o metal de sino se


transforma em ouro pelo processo da alquimia, através da iniciação
diksa, a pessoa recebe um segundo nascimento na vida espiritual”. Esta
alquimia pode ser entendida como a espiritualização da vida, um
processo que consiste na purificação do coração, no desenvolvimento
da pureza dos sentimentos, pensamentos e desejos.

EGOÍSMO CENTRALIZADO E ESTENDIDO

A interação inadequada com a energia material faz com que as


três funções da mente, a saber, “sentir, pensar e desejar”, fiquem
revestidas de egoísmo. Na fase mais grosseira, essas funções se
centralizam em torno da própria pessoa. Na fase seguinte, além do
seu próprio bem-estar, a pessoa passa a expandir seus interesses até o
âmbito familiar. Ela pode também se interessar pela humanidade
como um todo ou, ainda, se converter em ambientalista e agir de
modo a defender todo o meio-ambiente, incluindo os animais. De
qualquer modo, a menos que sua consciência se amplie até alcançar
a consciência de Deus, ela continuará com seus interesses egoístas,
voltados para si própria ou para sua família, humanidade, etc. Em
todos esses casos, ela permanecerá ainda sob a influência da
identificação corpórea, quer seja pessoal ou estendida, e será vítima
do ego. Em outras palavras, a menos que sua consciência se expanda
até a consciência de Deus, os seus sentimentos, pensamentos e
desejos ainda não serão totalmente imaculados. É evidente que há
diferentes níveis de consciência. Alguns, tais como a proteção à

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Lição 15. DIKSHA, A INICIAÇÃO ESPIRITUAL

humanidade ou a preservação do meio-ambiente, são


extremamente louváveis, mas, porque se baseiam num conceito de
vida material, são incompletos.

RENASCIMENTO ESPIRITUAL

As escrituras apresentam o guru como um verdadeiro alquimista


transcendental. Além de abrir os olhos obscurecidos do discípulo,
ele enche seu coração com conhecimento transcendental e
transforma seus sentimentos egoístas em sentimentos divinos.
Assim, seu coração, que anteriormente era um metal sem valor, se
torna a mais valiosa joia. Para isso, é necessário que ele esteja aberto a
receber o conhecimento divino através da aceitação de dikña, a
iniciação espiritual. Há muitas passagens nas escrituras que
comparam o treinamento do guru como um renascimento
espiritual, pois o resultado desse treinamento é que a pessoa passa a
viver uma nova vida, cuja essência é o progresso espiritual. Assim,
através da iniciação espiritual, a pessoa nasce pela segunda vez e
uma nova luz se revela para ela. Na verdade, tudo começa quando a
pessoa desperta um interesse genuíno por orientações espirituais.
Então, o próprio Kåñëa dentro do seu coração a inspira cada vez mais
e pessoalmente faz os arranjos necessários para que ela se aproxime
de um mestre espiritual e receba instruções autorizadas sobre a
consciência de Kåñëa. De fato, um estudante ávido por receber
educação espiritual é um forte candidato a ter um guru como seu

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Lição 15. DIKSHA, A INICIAÇÃO ESPIRITUAL

guia. Por outro lado, o guru tem o direito de não aceitar um falso
indagador que não tem interesse genuíno na vida espiritual.
No momento atual, devido à má influência dessa era, não é tão
fácil encontrarmos verdadeiros e sinceros indagadores. Por isso,
quando se percebe em alguém pelo menos um pouco desse
potencial, devemos encorajá-lo a buscar sua iniciação, mesmo
correndo o risco de que ela seja um “sapato grande”, um termo usado
por Çréla Prabhupäda. Ou seja, assim como o pai presenteia seu filho
com um sapato maior do que seu pé, considerando que ele está em
fase de crescimento, no voto da iniciação feito por uma pessoa, está
embutido o compromisso de “fazer seu pé crescer”. Pode ser que isso
não dê certo em todos os casos, mas aqueles que aceitam
sinceramente a responsabilidade da iniciação obtêm uma excelente
oportunidade para seu crescimento pessoal. É lógico que alguns
podem tropeçar na ponta desses “sapatos grandes” e podem cair,
mas os que são sinceros não devem desistir. Eles devem se levantar e
continuar caminhando firmes e cautelosos no caminho da vida
espiritual.

A VERDADEIRA INICIAÇÃO ESPIRITUAL

Receber dikña de um guru fidedigno é compulsório para qualquer


ser vivo que queira ser bem sucedido na forma humana de vida. Mas,
não devemos pensar que dikña se limita simplesmente à uma
cerimônia ritualística na qual o guru presenteia o discípulo com um

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 15. DIKSHA, A INICIAÇÃO ESPIRITUAL

belo nome espiritual e cumpre com algumas formalidades. A


verdadeira iniciação espiritual ocorre quando o discípulo é
iluminado pelo conhecimento espiritual e, consequentemente,
muda seu coração. Em outras palavras, receber iniciação não
significa participar de uma cerimônia em que simplesmente se
entoam alguns mantras auspiciosos, enquanto se joga algum tipo de
grão no fogo. É claro que os rituais têm seus propósitos, mas o real
significado da iniciação dikña é ser iluminado pelo guru com
conhecimento divino e se livrar das atividades pecaminosas.
A sílaba di da palavra dikña se origina da palavra dévya, que é
traduzida como “divino”. A sílaba kña, por sua vez, vem da raiz kñaya,
significando “destruir atividades pecaminosas”. Então, o guru
transmite conhecimento divino ao discípulo, conhecimento que
mudará seu coração e, consequentemente, livrará o discípulo das
atividades insensatas que o mantinham cativo à lei do karma. Por
outro lado, enquanto não executa atividades à luz do conhecimento
transcendental, o comportamento de uma pessoa continuará sendo
manchado por päpam (pecado). Quando as escrituras védicas
utilizam a palavra päpam, elas querem indicar a situação em que uma
pessoa está agindo de forma contrária às leis divinas, ou dharma, e,
portanto, terá que se deparar com suas reações indesejáveis.
Assim como alguém munido de um fogo conseguirá também
atear fogo numa madeira, o guru tem o poder de reviver a consciência
espiritual do discípulo, acendendo o fogo espiritual que existe
dentro dele. Certamente, o fogo se espalhará numa madeira seca,

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Lição 15. DIKSHA, A INICIAÇÃO ESPIRITUAL

mas não conseguirá se espalhar numa madeira molhada. Do mesmo


modo, se o coração de uma pessoa estiver encharcado de desejos, de
atividades pecaminosas, o fogo da mensagem espiritual não poderá
surtir verdadeiro efeito em seu coração.

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Lição 16. A NATUREZA ABSOLUTA DO SANTO NOME

Assim como Krishna é Todo-atarativo, sendo não-diferente Dele, Seu


santo nome também atrai todos os seres vivos. Quem não se atrairia por
uma pedra-de-toque eterna e transcendental que tem o poder de
satisfazer todos os desejos? Para um não-devoto, o santo nome pode
outorgar religiosidade material (dharma), grande fortuna (artha),
prazer sensorial (kama) e até a liberação impessoal (moksha).
Entretanto, para aqueles que estão entregues aos pés de lótus do
Senhor, essa pedra-de-toque oferece prema, o amor puro por Krishna, a
meta suprema da vida!

A MAIS DINÂMICA FORMA DE ESPIRITUALIDADE

O cantar é a forma de espiritualidade mais dinâmica, pois


qualquer coisa que desejamos – quer seja espiritual ou material –
pode ser obtida através dessa prática. Tanto o Senhor Kåñëa em
pessoa quanto Seu nome são plenamente misericordiosos e podem
beneficiar a todos, independentemente de qualquer outro fator.
Situados em bondade pura, os santos nomes descem a esse mundo
na forma de letras como a mais elevada manifestação da doçura
transcendental (rasa).
Qualquer objeto é conhecido através de quatro aspectos: nome,
forma, qualidades e atividades. Sendo o “objeto” Supremo, o Senhor
Kåñëa pode também ser conhecido através de Seus ilimitados e
eternos nomes (näma), Suas divinas formas (rüpa), Suas qualidades
singulares (guna) e Seus passatempos sobre-humanos (lélä). Na
verdade, na ausência desses quatro aspectos, o status de qualquer
objeto seria negado. Por exemplo, o brahmajyoti impessoal (o brilho
espiritual que emana do Senhor) não tem forma. Portanto, ele não é

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Lição 16. A NATUREZA ABSOLUTA DO SANTO NOME

um objeto em si. Embora seja uma característica parcial do Senhor


Supremo, o brahmajyoti não é completo em si mesmo. Entretanto, o
Senhor Kåñëa, a Suprema Personalidade de Deus, manifesta
perfeitamente esses quatro aspectos. Desse modo, o Senhor Kåñëa é
o objeto absoluto não-dual. Sua plena potência pode ser
compreendida através desses quatro aspectos transcendentais, os
quais são eternos e sustentados pela sandhéni-çakti, a potência da
existência eterna do Senhor.

SOMENTE O SENHOR POSSUI A SUPREMACIA

O universo inteiro reconhece que o Senhor Kåñëa possui uma


forma singularmente bela. Já que o nome e a forma de Kåñëa são
idênticos, o ouvir, o cantar e o meditar no Seu santo nome são
invocações da Sua bela forma. Estas atividades são tão poderosas
que podem trazer a bela forma de Kåñëa para a mente do praticante,
para que ambos – nome e forma –, passem a residir no seu coração
em completa harmonia e consonância. Os cientistas devocionais
enumeraram sessenta e quatro qualidades inconcebíveis e
imaculadas do Senhor Kåñëa. Tais qualidades são de caráter
ilimitado e transcendental e são possuídas por completo somente
por Ele. Embora sejam Suas manifestações poderosas, Brahmä e Çiva
são Suas expansões parciais, e, portanto, demonstram Sua natureza
de modo parcial. Somente Kåñëa possui qualidades infinitas,
eternas e plenamente espirituais. Mesmo Naräyana e Ramacandra,

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Lição 16. A NATUREZA ABSOLUTA DO SANTO NOME

que são Suas expansões plenárias, são ornamentadas apenas pelas


primeiras sessenta qualidades do Senhor Kåñëa. No caso de Çiva,
Brahmä e os demais semideuses, eles podem possuir, no máximo,
cinquenta e cinco das qualidades do Senhor. No caso dos seres vivos
comuns, eles podem atingir o estado de perfeição de, no máximo,
apenas as primeiras cinquenta qualidades. A conclusão é que
somente Çré Kåñëa demonstra supremacia completa. Somente Nele,
o mestre supremo, todas as qualidades excepcionais são
encontradas em plenitude. Se compararmos as qualidades e os
passatempos do Senhor como ondas extáticas, quando elas se
encontram e se misturam, ocorre uma nova formação
transcendental que, superando a si mesmo, assume um novo e
sublime formato. Na realidade, onde quer que sejam encenados –
nos planetas espirituais Vaikuntha, na mais elevada morada,
Goloka-dhäma, ou ainda na Våëdävana que está manifesta na Terra –,
os passatempos do Senhor são sempre divinos e transcendentais e se
constituem sempre da mesma substância espiritual.
Quando está em contato com a natureza material ilusória, o ser
vivo condicionado experimenta um estado de consciência
diametralmente oposto à consciência espiritual. Porque está
identificado com seu corpo material temporário, seu nome, sua
forma, suas qualidades e atividades são todos separados e diferentes
de seu verdadeiro Eu espiritual. Entretanto, quando se purifica de
toda a infecção material, esses quatro aspectos assumem a mesma
natureza espiritual e passam também a ser não-diferentes dele (o

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Lição 16. A NATUREZA ABSOLUTA DO SANTO NOME

que significa dizer que se tornam também espirituais). Mas,


infelizmente, até que tenha se purificado e alcançado a liberação, o
ser vivo terá de sofrer as dores da falsa identificação. Mas, como o
Senhor Kåñëa é Supremo e transcendental, isso não Lhe ocorre. Ele
está sempre em bem-aventurança transcendental e jamais
experimenta algum tipo de sofrimento.
Dentre os quatro aspectos característicos do Senhor (nome,
forma, qualidades e atividades), os santos nomes é o original porque
nele está contido todo o conhecimento acerca dos outros três.
Portanto, cantar os santos nomes é a atividade religiosa primordial
de um devoto, pois é através desse cantar que gradualmente irá
florescer em seu coração a forma, as qualidades e os passatempos do
Senhor. Em outras palavras, o panorama inteiro dos passatempos de
Kåñëa está plenamente presente nos santos nomes.
O santo nome é definitivamente a mais elevada Verdade
Absoluta, o mais precioso tesouro de misericórdia do Senhor. Não
encontraremos nada que seja igual ou superior a ele nesse mundo,
onde tudo é matéria morta. Ou seja, somente os seres vivos e os
santos nomes são objetos realmente supramundanos.
É devido à permissão do Senhor que o ser vivo está vivendo aqui
num estado condicionado de consciência. Além dos santos nomes, a
alma (jéva) é a única presença espiritual nesse mundo. Portanto, o
contato constante com o santo nome é a melhor maneira para o ser
vivo recuperar seu status espiritual imaculado.

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Lição 16. A NATUREZA ABSOLUTA DO SANTO NOME

ESFORÇANDO-SE PARA CANTAR COM PUREZA

Qualquer pessoa que deseja alcançar o mais elevado sucesso, que


consiste no cantar com pureza, deverá se aproximar dos devotos para
aprend er as ativid ad es d evocionais (bhäjana-kréya).
Gradativamente, conforme todos os anärthas (maus-hábitos e
anseios indesejáveis) são eliminados do coração, o verdadeiro nome
de Kåñëa em seu estado puro e transcendental aparece no coração do
devoto e dança em sua língua. Nesse momento, o devoto saboreia os
santos nomes de forma especialmente doce em todo momento de
sua vida e, no êxtase do amor por Deus, se sente naturalmente
impelido a dançar, assim como o Senhor estará também dançando
em seu coração. Isso fará com que todos os conceitos ilusórios ou
desejos materiais se afastem. Está dito que o Senhor investiu todas as
Suas potências em Seus nomes transcendentais e ofereceu-os a
todos os seres vivos. Além disso, Ele não exige pré-requisitos
materiais do aspirante. Esse cantar é tão poderoso que não depende
de nenhuma condição material, tais como tempo, local, regras,
limpeza, etc. Assim, qualquer alma sincera que tiver suficiente fé nos
santos nomes é qualificada para cantá-lo e saborear o néctar.
Segundo as evidências védicas, o resultado das atividades
piedosas, a saber, dar caridades, realizar sacrifícios, banhar-se nos
lugares sagrados e cantar mantras védicos, são todas dependentes de
regras estritas e rígidas. Mas, no caso do cantar dos santos nomes, o
único pré-requisito é a fé. Portanto, quem se refugia nos santos

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Lição 16. A NATUREZA ABSOLUTA DO SANTO NOME

nomes com fé inquebrantável terá a garantia de alcançar a máxima


perfeição, no devido curso do tempo.
Certamente, o melhor a se fazer nessa perigosa era de Kali é
afiliar-se à família de devotos de Kåñëa para ter, junto deles, uma vida
dedicada a cantar os santos nomes e a propagar este sublime
processo. Como estudaremos mais à frente, paralelo ao cantar,
devemos aceitar tudo o que é favorável na execução de nosso serviço
devocional e, ao mesmo tempo, devemos ser capazes de rejeitar tudo
o que atrapalhe a vida espiritual. Para tal, a associação dos devotos é
imprescindível, pois, somente na companhia deles, iremos aprender
a utilizar adequadamente nosso tempo em ouvir, cantar e lembrar
constantemente o santo nome do Senhor.
As práticas religiosas que são motivadas materialmente, bem
como as ações piedosas que visam lucro material devem ser
gradualmente abandonadas. Não devemos nos tornar fãs de pessoas
que não sejam verdadeiros representante do Senhor, tampouco
devemos pensar que algum ser vivo é independente Dele. Agindo
assim, o amor pelo Senhor Kåñëa irá brotar em nossos corações.

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Lição 17. ENTENDENDO O EU VERDADEIRO

O Eu verdadeiro é a alma. Ela é inconcebível e está além do alcance


experimental humano. Exceto pelo estudo dos Vedas, não há outra fonte
segura para se compreendê-la. No capítulo dois da Gita, encontramos
várias afirmações altamente esclarecedoras sobre sua natureza
invisível e imutável. Embora seja eterna, ela é a consciência que habita
temporariamente um corpo específico e dá vida a ele.

D iferentemente do corpo material, que é por natureza


temporário, nada pode interromper a existência da alma.

UMA EXISTÊNCIA RELATIVA

O que verdadeiramente existe tem que existir sempre, e o que não


possui continuidade não passa de uma ilusão. Ao levarmos isso em
conta, entendemos a diferença fundamental entre a alma e o corpo.
A alma é real, pois existe eternamente, enquanto o corpo tem uma
existência relativa. Sendo eterna, a alma existia, existe e existirá
sempre. Quanto ao corpo, houve um tempo que ele não existiu,
assim como deixará de existir em breve. Diferentemente do corpo,
que está em constante transformação e passa pelas três fases –
infância, juventude e velhice –, a alma é imutável, individual e
continua existindo mesmo após a destruição do corpo. É por um
arranjo divino e complexo da natureza que ela acaba sendo
transferida para um próximo corpo. Entretanto, somente aqueles
que são iluminados com o conhecimento védico e passam a ver as
coisas com os olhos do conhecimento podem entender isso. Na

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Lição 17. ENTENDENDO O EU VERDADEIRO

verdade, segundo os ensinamentos da Bhagavad-gétä, a alma é a


verdadeira entidade viva e pertence à natureza superior do Senhor
Supremo. Seria impossível, por esforço próprio, um ser
corporificado entender plenamente sua natureza. Como um átomo
espiritual, a alma é menor que os átomos materiais. Ela é o princípio
vivo, cuja influência se faz sentir por todo o corpo, assim como o
princípio ativo de um remédio. Esse fato serve como prova da sua
existência. Mesmo um leigo é capaz de entender que, sem a presença
da alma, o corpo não tem consciência e, portanto, está morto. Nesse
caso, não há nenhum método material capaz de revivê-lo. Logo,
deve ser descartada a teoria infundada de que a consciência passa a
existir devido a alguma quantidade de combinação material. Ela
existe unicamente devido à presença da alma espiritual.

A PARTÍCULA ATÔMICA E INFINITESIMAL

Assim como as inúmeras moléculas do brilho do sol, a alma é


uma partícula atômica e infinitesimal do Espírito Absoluto. Ela é a
centelha espiritual que se situa no coração do ser vivo. Porque a
medida da alma é atômica, ela está além do alcance do método
empírico e, como está além do poder comprobatório da ciência
material, costuma-se rejeitar a sua existência.
Os Vedas afirmam que, residindo no coração da entidade viva
juntamente com a Superalma, a alma atômica individual é que supre
energia para o corpo e permite a existência de diferentes

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Lição 17. ENTENDENDO O EU VERDADEIRO

movimentos corpóreos. Os corpúsculos que transportam o oxigênio


dos pulmões, por exemplo, obtêm energia da alma. A prova disso é
que, tão logo a alma abandona o corpo, as atividades do sangue que
geram fusão são cessadas. Curiosamente, embora não consiga
comprovar que a fonte da energia é a alma, a ciência médica admite
que o coração é a sede de todas as energias do corpo. Ela é tão
pequena que ninguém tem ideia de como medir sua dimensão. A
conclusão é que nem pode a alma ser morta, nem pode o corpo
material ser permanentemente protegido. Logo que a alma
espiritual sai do corpo, este se decompõe. Portanto, é ela que
mantém o corpo que, por si só, não tem tanta importância. A
transferência da alma individual atômica para outro corpo torna-se
possível pela graça da Superalma que satisfaz o desejo da alma
individual, assim como um amigo satisfaz o desejo do outro.
Os Vedas comparam a alma e a Superalma a dois pássaros
pousados na mesma árvore. Enquanto um dos pássaros (a alma
individual) come os frutos de uma árvore, o outro pássaro (a
Superalma) apenas observa Seu amigo. Um pássaro está atraído
pelos frutos – ora doces, ora amargos – da árvore material, enquanto
o outro apenas presencia e testemunha as atividades de Seu amigo.
Embora sejam amigos, um é a Superalma, o predominador e
autossuficiente, enquanto o outro é a alma individual, subordinada
e dependente. É somente porque a alma atômica dá as costas para a
Superalma que ela se vê forçada pela natureza a mudar-se de um
corpo para outro, ou de uma “árvore” para outra.

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Lição 17. ENTENDENDO O EU VERDADEIRO

Por serem eternas e atômicas, as almas têm a tendência de perder


suas qualidades ao se afastar da associação do Senhor e, assim como
as centelhas do fogo tendem a se apagar quando se distanciam dele.
Quando isso ocorre, a luta pela vida na árvore do corpo material
empreendida pela alma individual se torna muito árdua.
Entretanto, se o pássaro subordinado concorda em aceitar a
Superalma como seu mestre e acata voluntariamente Suas
instruções, certamente se livrará de todos os problemas e
lamentações.

A INDIVIDUALIDADE É ETERNA

Segundo os ensinamentos de Kåñëa, mesmo após livrar-se da


ilusão, o ser vivo mantém sua individualidade. O melhor exemplo
disso encontra-se na própria Gétä, onde o guerreiro Arjuna, mesmo
depois de ter alcançado a perfeição, não se fundiu com Kåñëa e nem
anulou sua existência individual. Sua perfeição consistiu no fato de
sua consciência ter se harmonizado plenamente com o interesse de
Kåñëa(1):

Para a alma, em tempo algum existe nascimento ou morte.


Ela não passou a existir, não passa a existir e nem passará a
existir. Ela é não nascida, eterna e primordial. Ela não morre
quando o corpo morre.

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Lição 17. ENTENDENDO O EU VERDADEIRO

Segue abaixo a explicação desse verso, dada por Çréla Prabhupäda:

Qualitativamente, a pequena parte atômica fragmentária do


Espírito Supremo é una com o Supremo. Ao contrário do que
se passa com o corpo, ela não sofre mudanças. Às vezes, a alma
é chamada estável, ou kuta-stha. O corpo está sujeito a seis
tipos de transformações. Ele nasce do ventre do corpo da mãe,
permanece por algum tempo, cresce, produz alguns efeitos,
definha gradualmente, e acaba caindo no esquecimento. A
alma, entretanto, não passa por essas mudanças. A alma não
nasce, porém, como aceita um corpo material, o corpo nasce.
A alma não nasce nessa ocasião e a alma não morre. Tudo o
que nasce também morre. E porque não tem nascimento, a
alma, portanto, não tem passado, presente ou futuro. Ela é
eterna e primordial – isso é, não há na história indício de
quando foi que ela veio a existir. Com base no corpo,
buscamos a história do nascimento, etc., da alma. Ao
contrário do corpo, a alma jamais fica velha. É por isso que os
assim chamados anciãos sentem que existem com o mesmo
alento de sua infância ou juventude. As mudanças do corpo
não afetam a alma. A alma não se deteriora como uma árvore
ou alguma entidade material. Tampouco tem a alma algum
subproduto. Os subprodutos do corpo, a saber, os filhos, são
também almas individuais diferentes, que, devido ao corpo,
aparecem como filhos de um homem em particular. O corpo

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Lição 17. ENTENDENDO O EU VERDADEIRO

se desenvolve devido à presença da alma, mas a alma não tem


ramificações nem sofre mudanças. Portanto, a alma está livre
das seis mudanças corpóreas (...) Encontramos consciência
em todos os corpos – seja homem ou animal – e assim
podemos entender a presença da alma. Essa consciência da
alma é, porém, diferente da consciência do Supremo porque a
consciência suprema conhece tudo – passado, presente e
futuro. A alma individual tende a esquecer-se da sua situação
espiritual. Ao esquecer-se de sua verdadeira natureza, ela
obtém instrução e iluminação nas lições superiores de Kåñëa.
Mas Kåñëa não é como a alma que vive no esquecimento. Se
Ele fosse assim, os ensinamentos que Kåñëa transmitiu na
Bhagavad-gétä seriam inúteis (...) Kåñëa também é a fonte da
Superalma e Arjuna é a alma atômica, que se esqueceu de sua
verdadeira natureza; portanto, ele precisa ser iluminado por
Kåñëa ou por Seu representante autêntico, o mestre
espiritual.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 18. AUSTERIDADE E VERACIDADE

Dharma é uma das palavras do sânscrito sem tradução equivalente


para uma língua moderna como o português. E, dependendo do
contexto, seu significado pode assumir características ligeiramente
próprias, tais como, “religião”, “dever”, “natureza”, “qualidade”, etc.

U ma ideia mais ampla de dharma é, portanto, “espiritualidade”.


E, com isso em mente, iremos discutir o que podemos chamar
de quatro pilares do dharma: austeridade e veracidade (estudados
nessa lição), pureza e compaixão (que serão abordados na lição vinte
e três). À medida que nos debruçamos sobre a sabedoria védica
constatamos sua amplitude e passamos a entender que não se trata
de uma doutrina dogmática ou impositiva que tenta converter as
pessoas a um caminho espiritual específico. Ou seja, espera-se que
todo processo espiritual verdadeiro certamente leve em conta a
construção desses quatro pilares.

TAPASYA, O PILAR DA AUSTERIDADE

Como foi mencionado em lições anteriores, o verdadeiro Eu é


uma centelha infinitesimal da Divindade. Portanto, ele é puro e
imaculado por si só. Suas impurezas são fruto do mau uso do seu
livre-arbítrio. Da sua interação equivocada com a energia material
ilusória, ela passa a desejar se assenhorear da natureza material e
exagera na sua atitude de controle e desfrute mundano. Isso ocorre
quando a alma corporificada se esquece de sua natureza espiritual e

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 18. AUSTERIDADE E VERACIDADE

se identifica com seu corpo material, desperdiçando, assim, sua


privilegiada condição de vida humana, que é própria para a
autorrealização. Desse modo, em vez de fazer com que seus sentidos
(visão, tato, paladar, audição e olfato) sejam aliados importantes na
vida espiritual e colaborem no esforço de captar a presença do
Absoluto em todas as coisas, ela os utiliza para o gozo mundano.
Agindo nessa plataforma sensorial, ela se nivela com os seres
animais, que, reféns dos seus instintos, são incapazes de praticar
qualquer tipo de religiosidade ou espiritualidade.
Uma das mais importantes maneiras de purificar a pessoa que
está presa à gratificação dos sentidos é a austeridade, ou tapäsya.
Trata-se de uma prática imprescindível da vida espiritual, porque é
somente com austeridade que a pessoa reeduca seus sentidos e faz
com que eles gradualmente se afastem dos objetos mundanos e
colaborem com a vida espiritual. E, como foi dito, é isso que
diferencia os seres humanos dos animais. Ou seja, somente os
humanos podem chegar a entender sua natureza espiritual além do
corpo físico e, assim, podem voluntariamente retirar seus sentidos
dos objetos ou situações que prejudiquem suas práticas espirituais.
Em suma, o verdadeiro objetivo da austeridade é libertar o
praticante das suas tendências egoístas, conectá-lo com o Absoluto e
fazer com que ele passe a agir para Sua satisfação. Ao estudarmos os
três principais caminhos da espiritualidade, a saber, karma-yoga,
jïäna-yoga e bhakti-yoga, podemos ver que todos dão ênfase na
austeridade. Na verdade, sem essa prática voluntária, a pessoa

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Lição 18. AUSTERIDADE E VERACIDADE

arrisca sua vida, pois é impelida a executar atividades pecaminosas


que a manterá cada vez mais presa às estritas leis do karma. “Vivendo
para a satisfação dos sentidos, vive-se em vão”, diz o Senhor Kåñëa(1).
Na Gétä, Kåñëa define yoga como sannyäsa (renúncia ao gozo dos
sentidos) e explica que a conexão com o Supremo não pode ocorrer
para uma pessoa que se entrega aos prazeres mundanos e esteja
presa a eles(2).
Quando consideramos o verdadeiro significado das palavras
“religião” (religare) ou “yoga” (ligação com o Absoluto) não será
difícil entender que a verdadeira espiritualidade começa com a
decisão de retirar os sentidos daquilo que nos impede de estabelecer
essa conexão com o divino, o desfrute mundano. Não estamos
querendo dizer com isso que temos que abdicar da busca por prazer e
nos contentar com uma vida de privações e sofrimentos. Mas, a
pessoa deve abandonar o gozo mundano dos sentidos para, através
da ocupação correta dos mesmos sentidos, estabelecer a sua
conexão devocional com o Absoluto, que é a fonte inesgotável de
verdadeiro prazer. Através desse pequeno ajuste, certamente pode-
se obter gradualmente o maior de todos os resultados, a
autossatisfação e a paz interior. Para concluirmos esse ponto, nada
melhor do que nos lembrarmos que as escrituras recomendam como
o mais sublime método de austeridade o canto do mahä-mantra Hare
Kåñëa Hare Kåñëa Kåñëa Kåñëa Hare Hare | Hare Räma Hare Räma
Räma Räma Hare Hare, que remove a poeira acumulada na mente. Ao
invocar amorosamente a Divindade através do canto, a pessoa atrai a

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Lição 18. AUSTERIDADE E VERACIDADE

Sua proteção e misericórdia, e consegue sucesso no mais difícil dos


empreendimentos, a saber, conquistar a mente e torná-la sua amiga
e aliada da vida espiritual.

SATYAM, O PILAR DA VERACIDADE

Ao enumerar as 26 características da natureza divina, Kåñëa


menciona o pilar conhecido como satyam, a compreensão das
verdades espirituais(3). Çréla Prabhupäda faz o seguinte comentário:

Satyam. Essa palavra significa que não se deve distorcer a


verdade, visando a algum interesse pessoal. Na literatura
védica, há algumas passagens difíceis, mas o significado ou o
propósito devem ser aprendidos com um mestre espiritual
genuíno. É através desse processo que se compreende os
Vedas. Çruti quer dizer que se deve ouvir a autoridade.
Ninguém deve inventar uma interpretação só para satisfazer
seu interesse pessoal. Há muitos comentários sobre a
Bhagavad-gétä que deturpam o texto original. Deve ser
apresentado o verdadeiro significado da palavra, que deve ser
aprendido com um mestre espiritual autêntico.

Em inúmeras vezes, ao escrever seu significado sobre diferentes


versos da Gétä, Çréla Prabhupäda menciona que não se pode obter
conhecimento perfeito sem a ajuda de um mestre espiritual na linha

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Lição 18. AUSTERIDADE E VERACIDADE

da sucessão discipular proveniente do próprio Senhor, que é o


mestre espiritual original. A ideia de inventar algum processo
espiritual através da especulação filosófica e mental é um grande
disparate e não pode conduzir ninguém ao caminho correto, assim
como estudos independentes de livros de conhecimento são
também insuficientes.
A Gétä menciona que a verdade pode ser obtida somente através
do tattva-darçinah, um guru credenciado que conhece o significado
verdadeiro das escrituras e, portanto, conhece as coisas como ela
são(4). Devemos, portanto, nos aproximar de uma autoridade assim e
tentar satisfazê-lo através de indagações sinceras e serviço amoroso,
e não de obediência cega e perguntas sem fundamentos. É
unicamente por falta de conhecimento espiritual que estamos
cobertos pela ilusão. Por isso sentimos erroneamente que somos
independentes do Senhor ou separados Dele. Mas, os ensinamentos
do verdadeiro guru se destinam a remover a ilusão de se achar em
nível de igualdade do Senhor e a de se sentir separado Dele. A
Bhagavad-gétä (5) diz:

Tendo obtido conhecimento de um guru autorrealizado, você


se livrará da ilusão e entenderá que todos os seres vivos nada
mais são do que partes do Supremo.

E, assim como a ignorância é a causa do cativeiro, o


conhecimento transcendental é a causa da liberação. Portanto, o

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Lição 18. AUSTERIDADE E VERACIDADE

Senhor, na posição de mestre espiritual perfeito, conclui o capítulo


quatro da Gétä com as seguintes palavras (6):

O homem fiel que se dedica ao conhecimento transcendental


e que subjuga seus sentidos está qualificado a obter tal
conhecimento, e, tendo-o alcançado, atinge rapidamente a
paz suprema. Mas os ignorantes e infiéis, que duvidam das
escrituras, não podem alcançá-lo e acabam caindo. Para eles
não há felicidade nem nesse mundo nem no próximo. Mas
aquele cujas dúvidas são destruídas pelo conhecimento
transcendental e renuncia os frutos das ações pode, de fato, se
situar no Eu verdadeiro. Portanto, Arjuna, as dúvidas que
surgiram em seu coração devem ser cortadas com a arma do
conhecimento. Armado com o yoga, levante-se e lute!

O centro de todas as nossas atividades deve ser a autorrealização


espiritual e, portanto, todo estudante védico deve ter esse objetivo
claro em sua mente. Çréla Prabhupäda diz (7):

Deve-se seguir o caminho da Bhagavad-gétä como ela é e ficar


atento às pessoas interesseiras e que desviam os outros do
caminho verdadeiro. O Senhor é definitivamente a pessoa
suprema e Suas atividades são transcendentais. Quem
entende isso é uma pessoa que já começa seu estudo da Gétä
numa plataforma liberada.

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Lição 18. AUSTERIDADE E VERACIDADE

Aprendemos na Gétä que o Senhor vem a esse mundo sempre e


onde quer que haja declínio do dharma. O propósito de Sua vinda é
auxiliar os seres sinceros e piedosos a se fixarem na vida espiritual e,
para tal, Ele vem em Sua forma original, a qual é eterna e
indeteriorável para transmitir o conhecimento transcendental –
essa é a pura verdade. E aquele que entende isso, ao deixar seu corpo,
não volta a nascer nesse mundo material, mas alcança a morada
suprema e eterna, pois esse entendimento o ajudará a superar
gradualmente os obstáculos da vida condicionada e o promoverá à
plataforma de amor a Deus!

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Lição 19. A ENTREGA AMOROSA

Depois de apresentar diferentes métodos de yoga, mostrar a


importância das práticas de sacrifício, austeridade e meditação, deixar
claro a necessidade da aceitação da guia de um guru, revelar Sua
própria natureza transcendental, enumerar as qualidades divinas e as
características daquelas grandes almas que atingiram a
Transcendência e vários outros temas, Krsna conclui com Sua instrução
final que todos devem praticar a entrega amorosa a Ele. Em
contrapartida, Ele promete Se encarregar dessa alma rendida.

C omo foi mencionado, o Senhor já Se encarrega de toda a


manutenção da criação, mas não o faz diretamente, e sim
através das Suas mais variadas energias e expansões. Entretanto, no
que se refere ao Seu devoto puro, que está ocupado a servir Seus pés
de lótus, Ele Se propõe a cuidar dele pessoalmente, provendo-o de
todas as suas necessidades.
Na lição quatorze, introduzimos o avatära Caitanya e explicamos
que Ele veio dar demonstrações práticas de como seguir esses
ensinamentos confidenciais do Senhor Kåñëa na atual era de Kali.
Por isso, Ele ficou conhecido como bhakta-avatära, uma encarnação
divina, com características devocionais. Além do mais, Caitanya
assumiu a posição do mais grandioso mestre que não somente
ensinou, mas exemplificou a posição de um devoto sublime.

AS SEIS DIRETRIZES

Embora os ensinamentos de Caitanya e de Kåñëa sejam


absolutamente idênticos, Caitanya não veio ensinar através de

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Lição 19. A ENTREGA AMOROSA

palavras, mas veio demonstrar a maneira correta que um verdadeiro


devoto se entrega amorosamente a Deus, através das seis seguintes
diretrizes:

1. Aceitar as coisas favoráveis ao desempenho do serviço


devocional;
2. Rejeitar as coisas desfavoráveis;
3. Acreditar firmemente na proteção dada pelo Senhor;
4. Sentir-se exclusivamente dependente da misericórdia do
Senhor;
5. Não ter nenhum interesse diferente do interesse do Senhor;
6. Ser sempre manso e humilde.

Essas seis diretrizes se assemelham com a conclusão do capítulo


nove da Gétä(1), em que o Senhor afirma:

Ocupe tua mente sempre em pensar em Mim, oferece-Me


reverências e adore-Me. Estando inteiramente absorto em
Mim, com certeza virás a Mim.

A importância desse verso é tão grande que o encontramos


novamente no final da Gétä(2). É claro que toda a Gétä trata de um
conhecimento transcendental e confidencial (guhya) mas neste
verso específico Çré Kåñëa usa a palavra guhyatamam, indicando se
tratar do mais confidencial de todos os temas. Ou seja, a instrução

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Lição 19. A ENTREGA AMOROSA

suprema do Senhor é que devemos agir de modo a gradualmente nos


tornarmos devotos imaculados que sempre pensam Nele e agem
para Seu prazer. Para tal, os dois primeiros itens da entrega são
fundamentais: “aceitar as coisas favoráveis” e “rejeitar as
desfavoráveis”. Entretanto, certos aspectos da aplicação dessas suas
diretrizes diferem de pessoa para pessoa. Por exemplo, pode ser que,
para alguns, ingressar na vida familiar e cumprir com os deveres
pertinentes a essa posição seja o mais favorável; enquanto, para
outros, a renúncia à vida familiar se encaixa melhor. Como podemos
observar, quando se trata de aplicar diretrizes profundas como esta,
é necessário a orientação de um mestre espiritual, pois somente
quem é experiente nesse tema pode ajudar as pessoas comuns a se
protegerem de ações caprichosas, falsas renúncias e outras
diferentes ilusões. Por outro lado, há certos princípios
indubitavelmente desfavoráveis para a vida espiritual, tais como o
consumo de alimentos gerados pela violência dos animais, a
intoxicação, a promiscuidade sexual e a entrega a jogatinas. Na
medida do possível, elas precisam ser abandonadas. Da mesma
forma, uma pessoa interessada no avanço espiritual deve evitar a
companhia de pessoas invejosas, críticas, adictas à intoxicação, à
lamentação excessiva. Em contrapartida, deve procurar introduzir
práticas espirituais no seu cotidiano, como o cantar dos santos
nomes, a meditação, as orações, o estudo da literatura espiritual e, ao
mesmo, precisa buscar associação com pessoas capazes de encorajá-
la no seu caminho e que ampliam sua consciência espiritual.
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Lição 19. A ENTREGA AMOROSA

Participando com elas de discussões espirituais, ela verá que


gradualmente seu entusiasmo, paciência e determinação irão
aumentar.
A terceira diretriz é “ter firme convicção na proteção dada pelo
Senhor”, enquanto a quarta é “sentir-se exclusivamente dependente
da Sua misericórdia”. Ora, se o Senhor tem suprido e protegido todos
os diferentes seres vivos desde tempos imemoriais, o que dizer,
então, daquele que tenta sinceramente se abrigar Nele? Na
Bhagavad-gétä, o próprio Kåñëa promete(3):

Aqueles que Me adoram com devoção exclusiva, meditando


em Mim – para eles Eu trago o que lhes falta e preservo o que
eles têm.

O processo de bhakti-yoga é realmente poderoso, pois, num


humor bastante prazeroso, dá condições ao praticante de manter
sua consciência na mais elevada plataforma, por mantê-lo ouvindo,
cantando, lembrando, orando e adorando o Senhor de diferentes
maneiras. Todas estas atividades devocionais são cheias de potência
espiritual e quem se dedica a elas atrairá a confiança, a proteção e a
amizade do Senhor, que, mais do que nunca, passará a Se preocupar
diretamente com o conforto do Seu amigo. O Senhor confirma isso,
dizendo, “A todos os que se rendem a Mim, Eu recompenso
proporcionalmente”(4). A conclusão é que quer alguém não possua
desejos, deseje todos os resultados dos frutos das suas ações, busque

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 19. A ENTREGA AMOROSA

pela liberação – não importa – ele deve simplesmente dedicar-se ao


cultivo da sua devoção e confiar na proteção do Senhor (5).
Esse exercício de dependência e confiança levará o devoto às duas
últimas diretrizes: “não ter nenhum interesse diferente do interesse
do Senhor” e “ser sempre manso e humilde”. Com isso em mente, o
devoto não apenas se livrará de todas as espécies de misérias
materiais, mas será promovido à morada suprema.
Na verdade, render-se ao Senhor é o principal e mais elevado
interesse da entidade viva. De fato, uma pessoa com inteligência
espiritual de primeira classe pode entender isso claramente. A Gétä
menciona que essa entrega é o mais confidencial de todos os temas e
somente uma pessoa austera, devotada, sem inveja e ocupada
espiritualmente poderá compreendê-Lo (6).
Como afirma Çréla Prabhupäda, “O verdadeiro propósito da
Bhagavad-gétä não pode ser compreendido por aqueles que são
sensuais. E, mesmo quem não é sensual, se não for um devoto não
pode compreender Kåñëa”. Por isso, por diversas vezes, ele
desaconselha que tentemos compreender a Gétä através de
comentários feitos por não devotos, pois suas explicações
caprichosas e distorcidas são simplesmente desencaminhadoras.

UMA LIGAÇÃO ÍNTIMA COM O SENHOR

Quem se entrega a Kåñëa se volta para o seu melhor e verdadeiro


amigo. Quando o devoto imaculado consegue se absorver em pensar

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 19. A ENTREGA AMOROSA

em seu amo dentro do coração, uma ligação íntima entre ele e o


Senhor é mantida. Com isso, ele se elevará gradualmente ao estágio
espontâneo. Mas, aquele que não chegou a esse nível pode se manter
em consciência de Kåñëa, executando seus deveres e oferecendo os
frutos em sacrifício ao Senhor. De qualquer modo, se uma pessoa
regularmente pratica a atividade principal do bhakti-yoga, a saber, se
ela canta regularmente os santos nomes, Hare Kåñëa Hare Kåñëa
Kåñëa Kåñëa Hare Hare | Hare Räma Hare Räma Räma Räma Hare Hare,
com certeza, avançará em consciência de Deus, consciência de
Kåñëa. Diferentemente da natureza das práticas rotineiras de karma-
yoga, jïäna-yoga ou dhyäna-yoga, as atividades de bhakti são
transcendentalmente naturais, espontâneas e se baseiam no amor
espiritual.
Nas escrituras védicas encontramos diferentes instruções às
diferentes categorias de pessoas: aos chefes de famílias, aos
renunciados, aos kñatréyas ou brähmanas, orientações sobre a
aceitação do guru, sobre a prática da meditação, etc. Entretanto,
quando alguém chega ao ponto de se entregar ao Senhor e passa a
servi-Lo com amor espontâneo, compreende-se que ela superou
todas essas instruções, pois foi capaz de assimilar a essência da Gétä e
também de todos os Vedas. E, à medida que avança em fé e
compreensão, suas percepções espirituais e sentimentos
devocionais afloram, quando o que antes era visto como um
processo se torna rotina e hábito firme e consistente. Nesse ponto, o
devoto se promove a uma posição transcendental, quando passa a

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 19. A ENTREGA AMOROSA

receber instruções diretas da Superalma que está em seu coração, ao


passo que, externamente, continua sendo auxiliado por seu mestre
espiritual. Nisso consiste a perfeição do processo do yoga da
Bhagavad-gétä.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições
Seção Um | Autoconhecimento
Lição 20. AS QUALIDADES DE UMA PESSOA CONSCIENTE DE DEUS

É dito que quatro pessoas que executaram algumas atividades piedosas


começam a adorar o Senhor: o aflito, o necessitado, o curiosos e o sábio
(Gita 7.16). Mas, aqueles que, agindo de forma insensata, estão apenas
acumulando más ações, não conseguem se aproximar Dele, pois estão
desencaminhados pela energia ilusória.

N o caso de uma pessoa piedosa, quando alguma calamidade


lhe acontece, ela naturalmente se refugia no Senhor. Por isso,
é dito que, embora existam calamidades, elas devem ser entendidas
como bem-vindas, pois nos dão oportunidade de nos aproximar dos
pés de lótus do Senhor, que são aceitos como um barco perfeito para
aquele que aspira cruzar o oceano de nescidade. Há um verso que diz
que, ao se abrigar no barco dos pés de lótus do Senhor e ter como
meta residir em Sua morada, o devoto consegue atravessar
facilmente o oceano intransponível da existência material, assim
como, na época das chuvas, é possível saltar facilmente a água
acumulada nas pegadas feitas por um bezerro.

O SOFRIMENTO NÃO PASSA DE UM SONHO

O Senhor afirma na Bhagavad-gétä que o mundo material é um


lugar perigoso, pois é cheio de calamidades. Portanto, passar a vida
fazendo planos para se ajustar às essas calamidades não é sinal de
inteligência de primeira classe. Aqueles que são deveras inteligentes
têm como meta se transferirem para a morada do Senhor, que é plena
de bem-aventurança. Enquanto estiver nesse mundo, a pessoa não

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 20. AS QUALIDADES DE UMA PESSOA CONSCIENTE DE DEUS

deve se perturbar com as inevitáveis calamidades. Na verdade, tais


experiências indesejáveis ajudam a pessoa sábia a aumentar seu
ímpeto para progredir na compreensão espiritual, que é a verdadeira
meta da vida humana. Compreendendo que a alma espiritual é
transcendental a todas as experiências materiais, ela não dá muita
atenção a elas, pois sabe que tanto a felicidade quanto o sofrimento
são como um sonho. Por exemplo, um homem pode sonhar que está
sendo perseguido por um tigre, mas, ao despertar, percebe que não
há nenhum tigre. Portanto, não há porque sofrer. Em vez de dar
atenção desmedida para as coisas desse mundo, o devoto prefere
fixar sua mente em serviço devocional.
No início do capítulo doze da Gétä, Arjuna indaga sobre quem
está mais bem situado. “Quem entende o Absoluto como impessoal
ou quem se ocupa no serviço direto à Pessoa Suprema?”(1). Kåñëa foi
explícito ao afirmar que o serviço devocional a Ele é o melhor
processo de percepção espiritual(2). Bhakti é, na verdade, um
caminho simples, que começa com a associação dos devotos. Depois
disso, a pessoa se familiariza com o serviço devocional e se refugia
num mestre espiritual, quando passa a ouvir, cantar e observar os
princípios reguladores. Assim, ela ganha mais convicção e devoção.

OS PROCESSOS DIRETO E INDIRETO

O capítulo doze da Gétä não deixa dúvidas. Além de ser agradável,


bhakti é um processo direto para se obter a compreensão da Suprema

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Lição 20. AS QUALIDADES DE UMA PESSOA CONSCIENTE DE DEUS

Personalidade de Deus. É claro que aqueles que não têm suficiente


consciência de Deus hesitam em adotá-lo e acabam optando pelo
processo indireto, o que não deixa também de ser muito bom. Nesse
caso, sua ênfase será renunciar gradualmente aos frutos das suas
ações. Sem isso, ele não poderá obter conhecimento transcendental
e não conseguirá entender a Superalma que habita em seu coração.
O capítulo doze(3) descreve também que as qualidades daquele que
adota o método direto e dedica sua vida ao Senhor são naturalmente
desenvolvidas pela prática regulada de bhakti.

CARACTERÍSTICAS APRECIADAS PELO SENHOR

Um devoto não deve se perturbar em circunstância alguma e não


deve invejar ninguém. Tampouco ele se tornará inimigo do seu dito
inimigo, pois entende que todos agem sob a sanção do Senhor, que é
tão bondoso que permite que as coisas aconteçam de modo a
purificá-lo das suas próprias más ações passadas. Suas experiências
aflitivas são consideradas por ele como misericórdia do Senhor. Na
verdade, ele entende que seu sofrimento poderia ser ainda maior,
devido as suas más ações passadas. Seu estado elevado de
consciência o torna sempre pacífico, paciente e bondoso para com
todos, inclusive para aqueles que não desejam seu bem. Como não
está identificado com o corpo, ele não dá importância exagerada às
dores e problemas físicos. Sua ausência de ego falso o torna tolerante
diante das dualidades. Na verdade, seu coração está sempre cheio de

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 20. AS QUALIDADES DE UMA PESSOA CONSCIENTE DE DEUS

alegria e gratidão pelas tantas graças que o Senhor lhe tem


concedido. Desse modo, ele nunca empreende esforços demasiados
para obter coisas materiais que não favoreçam seu progresso
espiritual. Esse é o verdadeiro significado de sentidos controlados.
Como sua mente e inteligência estão fixas no Absoluto, ele nunca
coloca alguém em dificuldade ou lhe causa ansiedade, temor ou
insatisfação. Nem quando os outros tentam deixá-lo em ansiedade
ele se perturba. Na verdade, sua própria absorção espiritual e
devoção são os ingredientes que mais lhe protegem das
circunstâncias materiais indesejáveis.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 21. ESTÁGIOS DO CANTAR DOS SANTOS NOMES

O cantar dos santos nomes pode ser executado em três diferentes níveis
e, portanto, cada praticante pode ser definido de acordo com sua
compreensão, conduta e comportamento espiritual.

O praticante de primeira classe é aquele que, além de ser dotado


de grande erudição e sabedoria, manifesta comportamento
absolutamente exemplar. Seu profundo conhecimento sobre as
características divinas dos santos nomes, da sua natureza absoluta,
da sua capacidade purificatória e das suas ilimitadas potências faz
dele um verdadeiro amante de Deus. Sua consciência imaculada e
puramente espiritual o mantém absorto constantemente em
glorificar seu Senhor adorável.
O praticante de terceira classe, por sua vez, é quase o oposto do de
primeira classe. Embora pratique o canto eventualmente, o seu
desconhecimento das qualidades dos santos nomes e desinteresse
pelas práticas espirituais não atuam de modo a aperfeiçoar o seu
comportamento. No que se refere ao praticante no estágio
intermediário, mesmo não uma tendo compreensão muito
profunda e suficiente do santo nome, ele canta os santos nomes com
grande sinceridade e convicção. Sua principal característica é o seu
respeito pelo santo nome e seu empenho e determinação em cantar
com pureza. Como resultado, a compreensão da natureza divina dos
santos nomes se manifesta internamente em seu coração. Com o
tempo, essa compreensão cresce e aumenta sua potência espiritual,
capacitando-o a se libertar dos maus-hábitos conhecidos como
anärthas.

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Lição 21. ESTÁGIOS DO CANTAR DOS SANTOS NOMES

O SOL DO SANTO NOME E AS NUVENS DA IGNORÂNCIA

O santo nome pode ser comparado ao onipotente sol, cuja


refulgência dispersa a escuridão da ignorância. De fato, foi com o
propósito de esvaecer a escuridão que assola as pessoas desta era que
o Senhor surgiu no horizonte da consciência como o sol do santo
nome. Mas, quando a visão da pessoa está coberta pelas névoas da
obscuridade e pelas nuvens dos maus-hábitos, ela não é capaz de
contemplar esse maravilhoso sol. Tudo depende da espessura da
cobertura das névoas da ignorância em sua inteligência e da
quantidade de nuvens dos maus-hábitos alojadas em seu coração.
É claro que simples nuvens ou névoas são absolutamente
insuficientes para cobrir o imenso sol. O que ocorre é que a visão das
pessoas se torna encoberta, mas nunca o sol do santo nome. O que
obscurece e coloca a pessoa refém da escuridão de mäyä é a falta de
entendimento espiritual sobre a natureza dos santos nomes e o
comportamento inadequado. Por desconhecer sua própria natureza
espiritual e ignorar a supremacia do Senhor, a pessoa age de maneira
egoísta e, assim, se sujeita às reações kármicas e atrai mais ilusão e
ignorância para si mesma. Por outro lado, quem entende que a
verdadeira natureza dos seres vivos é tão transcendental quanto a do
Senhor se ilumina facilmente e se livra da escuridão da ignorância.

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Lição 21. ESTÁGIOS DO CANTAR DOS SANTOS NOMES

TRÊS TIPOS DE MAUS-HÁBITOS

Os maus-hábitos são de três espécies e se comparam à nuvens no


‘céu’ da consciência:

1. A primeira nuvem se chama asat-tåñëa e se refere a almejar o


ilusório e transitório. Desenvolver ansiedade por ganhos
materiais mundanos e cultivar desejos que sejam desfavoráveis
para o progresso espiritual são dois tipos perigosos de anärtha;
2. Hådaya-daurläbyam é o nome da segunda nuvem de ignorância.
Tal anärtha se refere às propensões materiais do coração e da
mente que colocam a pessoa numa condição de fraqueza
espiritual;
3. Finalmente, a terceira nuvem de ignorância e a mais densa e
perigosa de todas chama-se aparädha e se refere às ofensas
cometidas conscientemente por uma pessoa.

Embora os santos nomes sejam sempre perfeitos em si, esses três


anärthas formam nuvens que ofuscam a visão do ser vivo e o impede
de ter acesso ao sol dos santos nomes. Enquanto o ser vivo não estiver
firmemente estabelecido na compreensão correta do seu
relacionamento com Deus e Suas energias, ele continuará cantando
no estágio inferior ou intermediário. Somente quando se refugiar
plenamente no mestre espiritual fidedigno e executar serviço
devocional puro é que tais nuvens e névoas irão se dispersar

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 21. ESTÁGIOS DO CANTAR DOS SANTOS NOMES

gradativamente. Com isso, o sol do santo nome brilhará


intensamente no seu coração do devoto, iluminando-o com amor
por Deus e concedendo-lhe êxtase durante seu cantar. Entretanto,
isso só é possível quando o devoto está fixo no conhecimento acerca
do Senhor Kåñëa, do ser vivo e do relacionamento amoroso e eterno
entre eles.
É devido ao contato com a natureza material que alguém se
esquece do seu relacionamento eterno com o Senhor e, desse modo,
perambula sem destino nesse mundo de ilusão. Sem restabelecer
sua relação com o Absoluto, sua busca pela felicidade será em vão.
A penitenciária do mundo material, onde vivem aqueles que
deram as costas para Kåñëa, é conhecida como Devé-dhama. Essa
morada material consiste em quatorze diferentes celas, ou quatorze
sistemas planetários. Devé-dhama não é um lugar de real felicidade e
bem-aventurança, pois os prazeres oferecidos são temporários e,
mesmo que de modo imperceptível, causam mais sofrimento. Ainda
assim, pelo arranjo divino do Senhor, estes mesmos sofrimentos
materiais são também um remédio para a alma condicionada.
Ademais, através da associação de um Vaiñnava, o ser vivo pode ser
instruído sobre os santos nomes e, gradativamente, pode se tornar
iluminado com o amor puro por Deus, que é a essência de todas as
práticas religiosas. Para tal alma afortunada, a liberação impessoal
(que ocorre quando a alma perde sua individualidade e se funde no
brilho impessoal do corpo transcendental do Senhor conhecido
como brahmajyoti) é considerada uma simples fantasmagoria.

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Lição 21. ESTÁGIOS DO CANTAR DOS SANTOS NOMES

AS QUALIDADES DO ESTÁGIO INTERMEDIÁRIO

O estágio intermediário não pode de maneira alguma ser


subestimado, pois proporciona muitos benefícios espirituais,
aumenta as atividades piedosas e outorga bhakti verdadeira. Na
verdade, o estágio intermediário do cantar é uma grandíssima
virtude e proporciona mais fortuna espiritual do que religiosidade
material, execução de votos e sacrifícios, práticas de yoga, etc. O
cantar regular dos santos nomes no estágio intermediário absolve
uma pessoa de todos os seus pecados e a libera dos efeitos da obscura
era de Kali. Além disso, as misérias infligidas pelos fantasmas, maus
espíritos e pelas influências planetárias maléficas não podem mais
atuar sobre esse afortunado ser vivo. E, mesmo que a pessoa esteja
destinada a visitar os planetas infernais, devido ao seu mal karma
passado, o cantar no estágio intermediário irá libertá-la disso. Na
verdade, as reações pecaminosas das atividades das vidas anteriores
são eliminadas.
O cantar dos santos nomes no estágio intermediário traz um
resultado maior do que os resultados obtidos por estudar todos os
Vedas, pela visitação dos diferentes locais de peregrinação ou pela
realização do maior número possível de obras altruístas e piedosas.
As quatro metas oferecidas nos Vedas – religiosidade, fortuna,
desfrute sensorial e liberação – estarão disponíveis pelo cantar
intermediário, que é dotado do inimaginável poder de purificação e
eleva o praticante a um estágio muito elevado de percepção

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Lição 21. ESTÁGIOS DO CANTAR DOS SANTOS NOMES

espiritual. Esse estágio é tão valioso que, mesmo diante das


adversidades da era atual, um praticante sincero poderá obter uma
residência eterna na morada espiritual de Vaikuntha.

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Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

Como partes integrantes do fogo, as centelhas também possuem calor e


luz, mesmo que em menor quantidade. Mas, à medida que se
distanciam do fogo, elas gradualmente perdem suas qualidades. De
modo semelhante, como partes do Absoluto, as jivas também são
dotadas das mesmas qualidades Dele: eternidade (sat), conhecimento
(cit) e bem-aventurança (ananda), porém em quantidade menor.

JIVA, O SER VIVO

Ao manterem seu contato com o Absoluto, as jévas mantêm também


suas qualidades originais. Caso contrário, quando decidem tentar a
sorte no mundo material, elas ficam privadas dessas qualidades e
passam a executar diferentes tipos de atividades materiais que
servem simplesmente para prendê-las ao ciclo de sucessivos
nascimentos e mortes.
Embora as jévas sejam partes integrantes do Supremo (e,
portanto, sejam de qualidade espiritual), o Senhor lhes dá a
liberdade de escolher entre viver no mundo espiritual ou no mundo
material. Como “energia marginal” de Deus, as jévas podem ficar
livres da influência da matéria ou cobertas por ela, assim como a
beira do mar pode estar ou não coberta pela água. Em outras
palavras, elas podem manter seu relacionamento amoroso com o
Supremo e permanecer no mundo espiritual, ou podem tentar uma
vida separada Dele. Nesse caso, elas mergulham na energia material
e, sob a influência do tempo, se sujeitam ao ciclo de nascimento,
velhice, doença e morte, e, assim, perdem sua força espiritual e se

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

tornam vítimas do ego material, que sempre busca falsos prazeres.


Assim, seu desejo natural de servir o Senhor acaba se invertendo e se
transforma no desejo de servir seus próprios interesses egoístas.

PRAKRTI, A NATUREZA MATERIAL

Como a manifestação temporária da energia do Senhor, essa


prakåti se caracteriza pela ilusão:

“Terra, água, fogo, ar, éter, mente, inteligência e falso ego –


juntos, todos esses oito elementos formam Minha prakåti –
energia material separada. Mas, além dessas, existe uma
outra energia, a Minha energia superior que consiste nas jévas
que exploram os recursos dessa natureza matéria inferior”(1).

Embora essa manifestação cósmica seja criada, mantida e


aniquilada pelo Supremo, Ele permanece completamente neutro e
desapegado. A Gétä explica que, quando chega o momento da
aniquilação, as manifestações materiais entram novamente na
prakåti e, quando o Senhor deseja, por Sua potência mística, uma
nova criação acontece(2). Embora toda a ordem cósmica está sujeita a
Ele, tudo funcione sob Sua direção e todos obedeçam ao Seu
comando, Ele permanece sempre neutro. Em outras palavras, esse
mundo material é a manifestação da prakåti inferior do Supremo. É
aqui que as jévas são fecundadas e, de acordo com suas atividades,

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Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

experimentam vários corpos em diferentes condições de existência.


Depois da aniquilação, as jévas são lançadas no corpo da
manifestação do Senhor conhecida como Mahä-Viñëu, onde
permanecem num estado não-manifesto por um período. Depois
disso, quando chega o momento da nova criação, Ele simplesmente
lança Seu olhar sob a prakåti e injeta as jévas novamente no ventre da
prakåti. A conclusão é que o Supremo é o sustentáculo e diretor
supremo de toda criação, embora a administração esteja sendo
conduzida pela própria natureza material. Somente Ele dita as
ordens aos Seus agentes executivos, os semideuses.

OS TRÊS MODOS DA NATUREZA

Ao interagir com a prakåti, as jévas recebem sua influência de três


diferentes modos: bondade, paixão e obscuridade. Segue abaixo um
breve resumo de uma parte essencial do capítulo quatorze da Gétä,
onde encontramos as principais informações sobre esse importante
tema(3):

O modo da bondade ilumina e livra a pessoa das reações


pecaminosas, mas condiciona a pessoa à uma sensação de
felicidade e conhecimento. O modo da paixão nasce de
desejos e anseios ilimitados e prende a jéva às ações egoístas
materiais. No modo da escuridão, as jévas corporificadas e
iludidas são levadas à loucura, à indolência e ao sono. Na

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Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

paixão, desenvolvem-se grande apego, egoísmo e esforço


intenso, desejo e anseio incontrolável. A ignorância produz
escuridão, inércia, loucura e ilusão. Quando a jéva abandona
seu corpo no modo da bondade, atinge os planetas superiores
onde residem os grandes sábios. Ao morrer na paixão, a jéva
nasce entre os seres humanos e quando morre na ignorância,
nasce no reino animal. Na bondade, a jéva executa ações
piedosas e puras, as ações na paixão resultam em miséria e as
ações na ignorância resultam em tolice.

KARMA, AS ATIVIDADES

A jéva que executa ações piedosas atrai condições favoráveis para


si, mas a que executa ações impiedosas atrai diferentes classes de
sofrimentos. Quando ignora sua natureza espiritual eterna, a jéva se
considera a causa dos resultados de suas atividades. Movida pelo ego
falso, ela atribui qualquer possível mérito a si mesma, pois não
reconhece que as coisas acontecem devido ao karma passado, que
funciona sob a ordem do Supremo. Somente o conhecimento
espiritual pode alertar a jéva da existência perigosa de prazeres
materiais que, devido às reações produzidas, serão fontes de
sofrimento e irão desviá-la da sua meta espiritual.
Compreendendo a diferença entre trabalho prático em devoção
(karma-yoga) e trabalho fruitivo (karma), ela controla suas paixões e
utiliza seus sentidos em atividades purificatórias. Kåñëa afirma(4):

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Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

Aquele que cumpre seu dever de acordo com Meus preceitos e


segue esse ensinamento sem inveja, livra-se do cativeiro do
karma. Mas quem os rejeita é enganado e malogrado em seus
esforços pela perfeição.

Tanto o ignorante quanto o sábio executam alguns deveres.


Enquanto o primeiro age com apego aos resultados, o segundo está
desapegado e age somente para conduzir as pessoas para o caminho
correto. A atividade que produz reações desejáveis é chamada
simplesmente de karma; a que produz reações indesejáveis é
chamada de vikarma; a ausência de atividade é chamada de akarma; e
as atividades transcendentais da consciência de Kåñëa são chamadas
de niskarma, ou seja, livres de reações materiais. Do ponto de vista
material, o bom karma produz bons resultados e o mau karma
produz maus resultados. O akarma, quando a pessoa deixa de
cumprir seu dever de forma irresponsável, também produz reações
negativas. Somente as atividades executadas em conexão com o
Supremo não produzem maus ou bons resultados e, por isso, são
niskarma. Além disso, tais atividades transcendentais são as únicas
que podem purificar os karmas materiais.
Quando compreende que todos os seres são partículas do
Supremo, a jéva estabelece relacionamentos verdadeiros, com base
na satisfação Dele. Caso contrário, quando são interesseiros, os
relacionamentos induzem o executor a agir de maneira egoísta, o
que é considerado vikarma, ou ação passível de reação. Agir em

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Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

consciência espiritual significa agir em prol da satisfação do


Supremo. Essa atitude livra por completo a pessoa do cativeiro do
karma. É claro que, na fase preliminar, a pessoa terá certas
dificuldades de agir sempre em consciência espiritual. Nesse caso,
em todas as suas atividades, ela deve procurar atuar da forma mais
impecável possível. Isso é chamado tecnicamente de sacrifício(5):

Deve-se realizar o trabalho como um sacrifício ao Supremo,


caso contrário, o trabalho produz karma nesse mundo
material. Portanto, execute teus deveres prescritos para a
satisfação Dele e, assim, permaneças livre do karma.

KALA, O TEMPO ETERNO

Ao aceitar sua residência no mundo material, a jéva passa a ficar


sob o controle de käla, o tempo poderoso, representante do Supremo
que corrói todas as coisas nesse mundo. Por isso, Kåñëa declara na
Gétä(6) que uma parte importante do conhecimento transcendental é
a percepção de quão indesejáveis são as manifestações de käla na
forma de nascimento, velhice, doença e morte. Esse conhecimento
produz um grande ímpeto para a vida espiritual e faz com que a jéva
desenvolva o desejo de recuperar seu corpo espiritual, que está
absolutamente livre de käla, e retornar ao lar, de volta ao Supremo.
Por isso, o Senhor afirma: “Entre os subjugadores, Eu sou o tempo
poderoso”(7). Mesmo Brahmä, o semideus responsável pela criação

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Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

do Universo material, tem a duração de sua vida limitada. Na


verdade, existem inúmeros universos e, em cada um deles, existe um
Brahmä específico ajudando o Senhor a dar cabo da criação material.
Ele vive apenas cem anos, mas do nosso ponto de vista, seus anos são
praticamente intermináveis(8):

Pelo cálculo humano, quando se soma um total de mil eras,


obtém-se a duração de um dia de Brahmä. E essa é também a
duração de sua noite. No início do dia de Brahmä, todas as
jévas se manifestam a partir do estado imanifesto e depois,
quando cai a noite, voltam a fundir-se no imanifesto.
Repetidas vezes, quando chega o dia de Brahmä, todas as jévas
passam a existir e, com a chegada de sua noite, elas são
desamparadamente aniquiladas. Entretanto, há outra
natureza imanifesta, que é eterna e transcendental a essa
matéria manifesta e imanifesta. Ela é suprema e jamais é
aniquilada. Quando todo esse mundo é aniquilado, aquela
região permanece inalterada.

Segundo os Vedas, há quatro eras: Sätya, Tretä, Dväpara e Kali.


Um dia de Brahmä (ou kalpa) tem a duração da soma de mil ciclos de
quatro era. A era de Sätya (virtude) dura 1.728.000 anos. Em Tretä, a
virtude diminui e a era dura 1.296.000 anos. Na era de Dväpara, a
religião decresce e os vícios se infiltram. Sua duração é de 864.000
anos. Na era atual, a era de Kali, a desavença e a irreligião

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Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

predominam, e sua duração diminui para 432.000 anos. Ao


somarmos os anos das quatro eras e multiplicarmos por mil vezes,
teremos uma kalpa, ou um dia de Brahmä – e esse mesmo número
corresponderá à sua noite. Do nosso ponto de vista, os cem anos de
Brahmä representam algo como 311 trilhões e 40 bilhões de anos
terrestres! Em outras palavras, os corpos específicos dos seres vivos
são criados no início da vida de Brahmä e irremediavelmente
aniquilados no final de sua vida. E, quando a criação material chega
a seu fim, as jévas ficam imanifestas, à espera de um novo Brahmä.
Quando um novo Brahmä específico volta a nascer e a manifestação é
recriada, elas se manifestam de novo. Uma pessoa inteligente não
deve perder tempo executando atividades que a conservarão
cativada pelo encanto dessa prakåti, pois isso a manterá em
constantes renascimentos dentro desse mundo material. Ela deve
despertar seu interesse pela morada de Deus, que é constituída de
energia espiritual superior e está livre da influência de käla. A
morada transcendental de Deus, portanto, nada tem a ver com a
manifestação e a aniquilação desse mundo que acontecem durante
os dias e noites de Brahmä.

ISVARA, O CONTROLADOR ABSOLUTO

Dos cinco temas que estamos discutindo, ésvara é o mais


importante de todos. A Gétä afirma que ésvara pode ser percebido sob
três aspectos: o aspecto impessoal (a energia cósmica ou brahman), o

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Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

aspecto localizado (a Superalma, ou paramätma) e o aspecto pessoal


(a Pessoa Suprema ou bhagavän)(9):

Sob Minha forma imanifesta (paramätma), Eu penetro este


Universo inteiro. Todos os seres estão em Mim (brahman),
mas Eu (bhagavän) não estou neles.

Para entendermos isso melhor, podemos nos valer do exemplo


do sol. Quando falamos em sol, nos referimos a três coisas: os raios
do sol, o globo solar e o semideus que o preside, cujo nome é Surya.
De forma semelhante, existem três aspectos do Absoluto: brahman,
paramätma e bhagavän. Nesse exemplo, o semideus Surya representa
o aspecto bhagavän; o globo solar, que está localizado num ponto no
cosmos, compara-se a paramätma; enquanto o brilho solar que se
espalha por todo o Universo pode ser comparado ao brahman. Surya
em pessoa reside no globo solar. Por sua vez, o globo solar espalha
seu brilho por todo o Universo, embora esteja num local no espaço.
Similarmente, ésvara reside em Sua morada, onde manifesta Sua
personalidade transcendental. De lá, Ele espalha Sua energia por
toda a criação, sendo que tudo o que existe está sob o abrigo dessa
energia. Da mesma forma que o sol espalha seus raios, mas nem o
semideus Surya e nem o planeta sol deixam de existir, ésvara espalha
Sua energia por toda parte, sem perder Sua existência pessoal.
O Senhor Kåñëa é esse ésvara que Se mantém pessoalmente à
distância. Mas é em Suas energias que os mundos materiais e

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Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

espirituais encontram abrigo. Além disso, ao difundir Suas


diferentes energias, Çré Kåñëa Se mantém presente em toda parte e
não Se envolve na manutenção e sustentação dessa prakåti. Essa é
Sua incomparável opulência. A forma original de Çré Kåñëa
permanece em Sua morada transcendental, embora a Superalma, ou
Paramätma, resida simultaneamente nos corações de todas as jévas
que vieram a esse mundo. Tudo existe pela Sua suprema vontade e a
Ele está subordinado. É devido à Sua misericórdia que Ele vem a esse
mundo em Sua forma original e apresenta a Gétä para todas as jévas
condicionadas. Kåñëa afirma para Arjuna que essa Sua vinda a esse
mundo ocorre sobre condições transcendentais(10):

Tanto você quanto Eu já passamos por muitos e muitos


nascimentos. Posso lembrar-Me de todos eles, mas você não
pode. Embora Eu seja não nascido e Meu corpo
transcendental jamais se deteriore, e embora Eu seja o Senhor
de todas as jévas, mesmo assim, em cada milênio Eu apareço
sob Minha forma transcendental original.

Fica claro, portanto, a diferença entre o ésvara e a jéva comum:


embora apareça como um ser humano, Ele Se lembra dos
pormenores de Seus outros milhares de nascimentos anteriores.
Isso porque Seu corpo é espiritual e eterno – livre de nascimento,
velhice, doença ou morte. A jéva, no entanto, muda sempre de um
corpo para outro e sua memória é tão limitada que mal pode se

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Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

lembrar do que fez há algumas horas. Assim, ninguém nunca se


iguala a ésvara, cujo corpo é transcendental e livre de toda e qualquer
ilusão. Como ninguém pode forçá-Lo a nada, quando aparece nesse
mundo, Ele o faz através de Sua própria potência interna e ao Seu
bel-prazer. Surpreendentemente, Seu corpo nunca se deteriora. Da
infância, Ele chega à juventude, mas para por aí. Embora seja a
pessoa mais velha, Seu corpo e Sua inteligência jamais se
deterioram.
O poderoso sol se mantém praticamente fixo em sua posição,
mas, devido a nossos sentidos precários, dizemos que ele “nasce” e
“morre”. Analogamente, ésvara nunca nasce ou morre. Ele aparece
diante de nossa visão, executa atividades para o bem-estar de todos
e, ao concluir Sua missão, retorna à Sua morada. Sob Sua ordem, os
Vedas apresentam diferentes princípios religiosos, mas, quando o
mundo todo deixa de executar apropriadamente as instruções
védicas, Ele desce do Seu reino espiritual e aparece como um avatära,
uma encarnação divina. Ele o faz devido à misericórdia que sente
pelas inocentes jévas que são frequentemente molestadas por
pessoas mal intencionadas que propagam um tipo de vida mundana
ou distorcem o verdadeiro significado espiritual da religião. Na
verdade, para vencer as dificuldades e se libertar do cativeiro
material, a jéva precisa aceitar a ajuda do Senhor na forma do
conhecimento védico, do mestre espiritual e da associação com os
devotos. Só assim ela poderá compreender a natureza
transcendental do corpo e das atividades de ésvara, quando não

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Lição 22. AS CINCO VERDADES ESSENCIAIS

correrá mais o risco de voltar a esse mundo material. O


conhecimento sobre as opulências do Senhor cria na jéva a
inclinação natural de prestar serviço devocional. Por isso, os devotos
se reúnem com grande prazer para glorificá-Lo. Isso dá resistência e
força à plantinha devocional que se encontra em seus corações e
elimina toda espécie de dúvida e ilusão. Sem apego ou aversão, o
devoto permanece satisfeito com aquilo que é obtido pela
misericórdia do Senhor. Controlando os sentidos por utilizá-los
apenas no cultivo da consciência de Kåñëa, o devoto consegue
também afastar da mente os pensamentos prejudiciais ao seu
avanço espiritual. Ele sabe que qualquer qualidade que possui vem
simplesmente da graça do Senhor. Ele aceita tudo o que é favorável
para seu serviço devocional e rejeita o que é desfavorável. Tal devoto
nunca cria sofrimentos aos outros e é feliz por propagar o
conhecimento espiritual e por ajudar os outros a atingirem a
verdadeira felicidade.

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Lição 23. PUREZA E NÃO-VIOLÊNCIA

Aprendemos em toda a Gita que aqueles cujas ações estão pautadas


pelos modos da paixão e ignorância vivem uma vida inauspiciosa, pois
tais pessoas são forçadas a enfrentar constantemente as devidas
reações de suas atividades insensatas e inconsequentes. Somente
aqueles que se situam no modo da bondade e cultivam a natureza divina
podem progredir no caminho da liberação. Devido à pureza inerente da
bondade, as pessoas que se situam nesse modo nada têm a temer. Essa
pureza, portanto, é considerada um importante alicerce da vida
espiritual.
SAUCAM, O PILAR DA PUREZA

Çaucam quer dizer limpeza, não só da mente e do corpo, mas


refere-se também à pureza de comportamento. Uma importante
qualidade na vida espiritual é o destemor, a dependência da
misericórdia da Suprema Personalidade de Deus. Se o praticante
não tiver convicção de que a Superalma em seu íntimo está vendo
seus esforços e tomará conta dele, como ele ficará tranquilo? Para
tal, ele deve purificar sua existência através de uma vida disciplinada
no comer, dormir, se defender e se acasalar. Quanto à pureza no
comer, a dieta humana ideal é o lacto vegetarianismo. Além disso, o
alimento deve ser prasädam, ou seja, antes de ser consumido, ele deve
ser devidamente oferecido a Deus. Um dos pontos igualmente
essenciais – e um pouco mais complexo – é a pureza na vida sexual.
Em linhas gerais, as escrituras védicas apresentam um sistema de
purificação conhecido como garbhädhäna-samskära. Esse processo é
muito elevado e se destina àqueles que querem gerar filhos com

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Lição 23. PUREZA E NÃO-VIOLÊNCIA

qualidades piedosas e divinas. Basicamente, a ideia é que, através de


práticas espirituais, tais como o canto dos santos nomes e a leitura
das escrituras védicas devocionais, cria-se uma atmosfera piedosa
para que a consciência do casal esteja na plataforma pura, no
momento da procriação.
O próprio Kåñëa diz na Bhagavad-gétä que uma vida sexual capaz
de gerar filhos piedosos não pode ser condenada. O ideal para um
casal consciente de Kåñëa não é o de simplesmente gerar filhos
piedosos, mas dar condições para que eles se tornem também
conscientes de Kåñëa e, assim, alcancem a liberação do samsära. Na
verdade, toda criança que nasce de pais conscientes de Kåñëa obtém
essa prerrogativa. De qualquer modo, a ideia é que o chefe de família
que quer progredir na vida espiritual deve regular sua vida sexual,
dentro do possível. Aqueles que se interessam pela pureza da sua
existência devem se ocupar também no cultivo do conhecimento,
pois o conhecimento não se presta apenas para a aplicação na vida
pessoal, mas para ser distribuído com lógica e compreensão a todos
que esqueceram sua verdadeira vida de progresso espiritual.
A caridade também é uma prática de purificação e se destina
especialmente aos pais de família que, além de subsistirem por
meios e métodos honestos, devem aplicar parte de sua renda para
propagar a consciência de Deus para aqueles que são próximos a eles.
Segundo o capítulo dezessete da Bhagavad-gétä, há diferentes tipos
de caridade, nos modos da bondade, paixão e ignorância. Muitas
vezes, a caridade nos modos da paixão e ignorância são apenas

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Lição 23. PUREZA E NÃO-VIOLÊNCIA

desperdícios de tempo e dinheiro; mas a caridade no modo da


bondade pura é altamente recomendada pelas escrituras, pois se
destina direta ou indiretamente a espalhar a consciência de Deus.
Para essa era, as escrituras enfatizam que o melhor sacrifício é o
sankértana, o cantar dos santos nomes do Senhor. Diferentemente
dos outros sacrifícios que são muito dispendiosos, esse cantar pode
ser adotado por qualquer pessoa sem nenhuma dificuldade e
outorga resultados imensuráveis.
Uma qualidade importante da pessoa com pureza é sua
capacidade de conter a ira. Mesmo diante de alguma provocação, ela
é tolerante e não perde a compostura. A ira é uma consequência da
paixão e da luxúria, e somente quem é puro consegue refrear a ira.
Além disso, uma pessoa pura não busca defeitos nos outros e nem
deseja corrigir desnecessariamente as pessoas. Ela é modesta, não
executa atos abomináveis e não costuma ficar agitada ou frustrada
quando um empreendimento falha. Portanto, ela é paciente e
determinada. A ideia é que, embora haja condições materiais
difíceis, devemos ser firmes e exercitar essas qualidades, caso
queiramos nos elevar gradualmente à plataforma de realização
transcendental.

AHIMSA, O PILAR DA NÃO-VIOLÊNCIA

Çréla Prabhupäda define não-violência como “agir de modo a não


impedir o progresso evolutivo das diferentes entidades vivas”, sendo

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Lição 23. PUREZA E NÃO-VIOLÊNCIA

que os animais também estão progredindo em sua vida evolutiva,


transmigrando de uma categoria de vida animal para outra. Se,
depois de permanecer num corpo específico por um período, um
animal é morto prematuramente, seu progresso é interrompido.
Portanto, para ser promovido à sua próxima espécie de vida, ele terá
que voltar a essa forma de vida para completar os dias que restaram.
Logo, uma pessoa conscienciosa não age de modo a interromper o
progresso deles em nome de simplesmente satisfazer seu paladar.
Isso se chama ahimsä. Ninguém deve pensar, “Já que em todos os
corpos existe uma centelha espiritual imortal, que mal haveria em
desfrutar da língua, matando um animal?”. Na verdade,
considerando o amplo suprimento de cereais, legumes, frutas e leite,
não há essa necessidade. Mas, infelizmente, por falta de
conhecimento espiritual, muitas pessoas inocentes se habituam a
comer animais. O preceito escritural prescreve que, na falta de
alternativa, pode-se matar um animal, mas ele deve ser oferecido em
sacrifício. De qualquer modo, uma pessoa coerente que deseja
expandir sua percepção espiritual observa o amplo suprimento de
alimento disponível para a humanidade e opta pelo vegetarianismo,
em que não há violência contra os animais inocentes.
A Gétä(1) afirma: “Se alguém Me oferecer, com amor e devoção,
uma folha, uma flor, frutas ou água, Eu as aceitarei”. Essa instrução é
tão maravilhosa e acessível que pode ser praticada mesmo por um
indivíduo pobre e sem prévias qualificações, pois o Senhor, mesmo
sendo autossuficiente, aceita a mais simples oferenda, desde que

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Lição 23. PUREZA E NÃO-VIOLÊNCIA

haja devoção genuína. Isso mostra que todos podem praticar a


consciência de Kåñëa e que ela pode ser praticada facilmente sob
qualquer condição. Além de bhakti, nada pode induzir o Senhor a
aceitar algo de alguém. Como já enfatizamos, sendo o verdadeiro
desfrutador e verdadeiro objeto das oferendas sacrificatórias, Ele
revela quais são as classes de sacrifícios que Ele deseja que Lhe
ofereçam: frutas, folhas ou água. Desse modo, quem deseja
satisfazê-Lo evitará oferecer algo indesejável ou inadequado. Logo,
carnes, peixes, ovos e bebidas alcoólicas nunca devem ser oferecidos
a Kåñëa, pois se Ele assim os desejasse, teria mencionado.
Como somente depois de oferecidos em sacrifício, os alimentos
são considerados puros e próprios para o consumo daqueles que
procuram se libertar do enredamento kármico, o devoto prepara
pratos vegetarianos simples e deliciosos para serem oferecidos
diante do quadro ou da Deidade de Kåñëa e, com respeito e devoção,
ora para que o Senhor aceite sua humilde oferenda. É assim que ele se
capacita a se manter fixo na vida espiritual. Çréla Prabhupäda afirma:

Deve-se enfatizar esse ponto: devido à Sua posição absoluta,


para Kåñëa, ouvir é totalmente idêntico a comer e a saborear.
Só o devoto, que aceita Kåñëa como Ele Se descreve a Si
mesmo e não dá nenhuma interpretação pessoal, pode
compreender que a Suprema Verdade Absoluta é capaz de
comer alimentos e de desfrutá-los.

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Lição 23. PUREZA E NÃO-VIOLÊNCIA

É claro que a ahimsä não para por aí. Por exemplo, uma pessoa que
distorce a verdade, por algum interesse pessoal, também está sendo
violenta. Por isso que as complexidades filosóficas da literatura
védica devem ser aprendidas somente com um guru credenciado e
genuíno. Portanto, aquele que, inventando suas próprias
interpretações disparatadas, deturpa os textos originais está
cometendo violência contra a inteligência dos seus ouvintes.

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Lição 24. A FORMA TRANSCENDENTAL DA DEIDADE

O Capítulo Dois da Bhagavad-gita explica que, por natureza, os sentidos


são impetuosos, obstinados e não há como impedir que eles atuem. Já
que eles exigem ocupações práticas, a solução mais viável e prazerosa
para lidar com eles é ocupá-los a serviço da vida espiritual.

N o bhakti-yoga um dos princípios fundamentais é murti-sevä, o


serviço à forma da Deidade, que pode tanto estar num
Templo quanto na residência do devoto. Esse componente de bhakti
é extremamente poderoso, pois é capaz de ocupar simultaneamente
todos os sentidos – tato, visão, olfato, paladar e audição. Embora
murti-sevä seja um exercício milenar, a relação de amor e serviço
estabelecida entre o devoto e as Deidades se tornou especialmente
relevante nos dias de hoje, quando os estímulos dos sentidos nesta
era são maiores do que em eras anteriores.

NÃO HÁ DIFERENÇA ENTRE O SENHOR E A DEIDADE

Ao encorajar a adoração à Deidade do Senhor, o mestre espiritual


ensina seus discípulos a manterem seus sentidos ocupados em
decorar a Deidade, manter o altar limpo, criar uma atmosfera
acolhedora no Templo, bem como seguir os procedimentos
ritualísticos e organizar os diversos festivais prescritos. Por conectar
os sentidos em atividades transcendentais, os devotos têm suas
visões untadas com o bálsamo do amor a Deus. Esse amor
devocional é, na verdade, o ingrediente necessário para fazê-los

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Lição 24. A FORMA TRANSCENDENTAL DA DEIDADE

perceber gradualmente a natureza absoluta do Senhor e, portanto,


entender que não há diferença entre Ele e a Deidade. É devido a esse
amor que os devotos se deleitam em contemplar o rosto sorridente
da Deidade e em decorar Seu corpo transcendental. Além disso,
valendo-se da benevolência do Senhor, os devotos expressam seus
pensamentos perante a Deidade e ficam à espera de respostas. Çréla
Prabhupäda diz(1):

É preciso ser devoto muito elevado para ser capaz de falar com
o Senhor Supremo. Às vezes, o Senhor comunica-Se com o
devoto através de sonhos. Essas trocas de sentimentos entre a
Deidade e o devoto não podem ser compreendidas pelos
ateístas, mas, na verdade, o devoto desfruta delas.

APRENDENDO A SE RELACIONAR COM O SENHOR

Como sabemos, com olhos materiais, somos incapazes de ver o


Absoluto sob Sua forma espiritual. Se não podemos sequer ver a
forma espiritual da alma individual, o que dizer de conceber a forma
espiritual de Deus? Portanto, para que possamos vê-Lo com nossos
sentidos materiais e para que aprendamos a nos relacionar com Ele,
o Absoluto aceita manifestar-Se na forma da Deidade, que não é
diferente Dele. Assim como o Senhor Se manifesta em diversas
encarnações, Ele também assume formas feitas de mármore,
madeira, metal, etc., uma vez que esses elementos são

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Lição 24. A FORMA TRANSCENDENTAL DA DEIDADE

manifestações de Sua própria energia. Como é onipresente, Ele


também está nos elementos materiais. Para entender isso, o Senhor
Caitanya expôs a filosofia bhedäbedha-tattva que defende que o
Criador e Suas criações são simultaneamente iguais e diferentes.
Embora, certos ditos espiritualistas costumem propagar que tudo é
Deus, quando visitam o Templo e se deparam com a Deidade do
Senhor, não admitem que ela possa ser Deus. Mas, se, para eles, tudo
é Deus, por que a Deidade não seria Deus? O problema é que, sem a
associação com os devotos, sem a orientação de um mestre espiritual
que tem a percepção pessoal do Absoluto e, principalmente, sem a
entrega amorosa ao Senhor, ninguém é capaz de desenvolver uma
ideia concreta do Absoluto. Mas, pelo simples fato de contemplar a
forma primorosamente decorada da Deidade no Templo, o devoto é
extremamente afortunado, pois pode manter-se absorto em pensar
Nele, o que o eleva acima dos estados de consciência material e o
promove à plataforma espiritual. De fato, por fixar sua atenção na
forma da Deidade de Kåñëa e deixar que seus sentidos sejam
envolvidos pela misericórdia do Senhor, o devoto se torna gradual e
imperceptivelmente liberado. Segundo a Bhagavad-gétä, o devoto
recupera seu status transcendental por executar bhakti de acordo
com as prescrições escriturais. E, mesmo que não seja muito
avançado em conhecimento da Verdade Absoluta, mas reverencia o
Senhor com devoção, medita sempre Nele e traz flores e frutas à
Deidade quando A visita, o devoto, com o tempo, obtém a liberação.
Çréla Prabhupäda diz(2):

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Lição 24. A FORMA TRANSCENDENTAL DA DEIDADE

Um dos deveres prescritos da adoração no Templo é que, não


apenas deve-se visitar o Templo para ver a Deidade belamente
decorada, mas, ao mesmo tempo, deve-se ouvir a recitação do
Çrimad-Bhägavatam, da Bhagavad-gétä ou de alguma literatura
semelhante, que são regularmente recitadas no Templo. O
sistema em Våëdävana é que em cada Templo há recitação dos
çästras. Mesmo devotos de terceira classe que não têm
conhecimento literário nem tempo de ler o Çrimad-
Bhägavatam ou a Bhagavad-gétä têm oportunidade de ouvir
sobre os passatempos do Senhor. Dessa maneira, suas mentes
podem permanecer sempre absortas em pensar no Senhor –
Sua forma, atividades e natureza transcendental. Esse estado
de consciência de Kåñëa é uma fase liberada. O Senhor
Caitanya, portanto, recomendava cinco pro cessos
importantes no desempenho do serviço devocional: (1)
cantar os santos nomes do Senhor – Hare Kåñëa Hare Kåñëa
Kåñëa Kåñëa Hare Hare | Hare Räma Hare Räma Räma Räma
Hare Hare (2) associar-se com devotos e servi-los tanto
quanto possível, (3) ouvir o Çrimad-Bhägavatam, (4) visitar o
Templo decorado e a Deidade e, se possível, (5) viver num
lugar sagrado como Våëdävana ou Mathurä. Bastam esses
cinco itens para ajudar o devoto a alcançar a fase perfectiva
mais elevada (...) Em todos os textos védicos, aceita-se que os
devotos de terceira classe também podem alcançar imper-
ceptivelmente a liberação.

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Lição 24. A FORMA TRANSCENDENTAL DA DEIDADE

O Senhor Caitanya ensina que não devemos aspirar por


opulência, gozo dos sentidos, reputação material ou mesmo a
liberação. Devemos desejar unicamente despertar o nosso amor
adormecido pelo Senhor, sem nos preocuparmos se iremos alcançar
a liberação ou se iremos permanecer nesse mundo. Na verdade, a
liberação daquele que ama verdadeiramente a Deus está mais do que
garantida.
Embora, em seu estado original todo ser vivo seja um amante de
Deus, o amor imaculado está coberto pela energia ilusória, no
momento presente. Mesmo assim, todos sentem a necessidade de
canalizar essa propensão de amar para alguém. Tanto é que, na falta
de algum objeto de amor, em alguns casos a pessoa acaba
direcionando seu sentimento amoroso a um animalzinho de
estimação. Não há dúvidas de que todos os seres vivos estão
propensos ao amor e estão à procura de um lugar onde essa
disposição amorosa possa residir e descansar em paz.
Caitanya recomenda que canalizemos essa propensão amorosa à
Deidade do Senhor e passemos a amá-Lo como amigo, filho, mestre
ou benquerente. Se desejamos uma categoria de amor que não nos
decepcione e que não seja limitada, devemos ter Kåñëa como nosso
objeto principal, pois somente com Ele, podemos desfrutar perfeita
e eternamente de relações amorosas imaculadas de diferentes
modos. Quando aceitamos a Deidade de Kåñëa como nosso melhor
amigo e revelamos nosso coração sinceramente a Ela, com o tempo,
podemos receber Seus conselhos e proteção amigáveis.

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Lição 24. A FORMA TRANSCENDENTAL DA DEIDADE

A MISERICÓRDIA ESPECIAL DO SENHOR

Na Índia, há o costume de se adorar diferentes formas de


semideuses, mas a Gétä reprova esse tipo de adoração e a coloca como
uma preferência das pessoas menos inteligentes, pois quem adora os
semideuses, embora possa se elevar a planetas superiores, não terá
seu problema resolvido.
Na realidade, durante a dissolução do cosmos material, tanto os
semideuses quanto as suas respectivas moradas são destruídas. É
por isso que a Gétä afirma que uma pessoa verdadeiramente
inteligente adora apenas a Suprema Personalidade de Deus. Isso
porque o adorador da Suprema Personalidade de Deus é promovido
aos planetas espirituais Vaikuntha, onde não há influência de
tempo, destruição ou aniquilação. Assim, o devoto que adora a
forma do Senhor, pratica serviço devocional inabalável e abandona
as aspirações materiais, inclusive a de ser promovido aos planetas
celestiais. Mas, mesmo que um devoto não se importe com o que vai
acontecer com ele nessa vida ou na próxima, mesmo sem ele saber, o
Senhor providencia sua transferência imediata à Sua morada
transcendental logo após ele deixar o corpo. Essa é a misericórdia
especial do Senhor todo-poderoso que pode perdoar as reações
pecaminosas passadas de Seus devotos sinceros. Na verdade, uma
das Suas características mais maravilhosas é Sua disposição
favorável aos devotos.

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Lição 24. A FORMA TRANSCENDENTAL DA DEIDADE

DIFERENÇA ENTRE IDOLATRIA E SERVIÇO ÀS DEIDADES

Seguem abaixo dois textos que mostram a diferença entre


idolatria e adoração às Deidades, executadas no caminho de bhakti,
ambos de autoria de Çréla Prabhupäda. A primeira citação é do livro
Os Ensinamentos da Rainha Kunté, enquanto a segunda é do
Ensinamentos de Kapiladeva:

Uma pessoa pode ser perfeitamente purificada se glorificar


Kåñëa, meditar sobre Ele, ou simplesmente sentar-se perante
a Deidade de Kåñëa e vê-Lo, pensando, 'Como Kåñëa está bem
vestido! Como Rädhärané está bem vestida!'.
Quem não tem condição de cantar, ou tem uma mente tão
perturbada que não consegue fixar-se em Kåñëa, recebe essa
oportunidade: 'Aqui está a Deidade. Simplesmente veja-A'.
Para quem está ocupado no serviço à Deidade, existe uma
ótima oportunidade de vê-La constantemente, vinte e quatro
horas por dia. Enquanto varre o chão do Templo, enquanto
veste a Deidade, enquanto A banha ou enquanto Lhe oferece
comida, está sempre vendo-A. Esse é o processo do serviço
devocional, mas as pessoas são tão caídas que nem mesmo
vão ver a Deidade. Elas pensam, 'Ah, o que é adoração à
Deidade? É idolatria'. Elas adoram uma estátua de Gandhi, ou
outra pessoa, mas, quando são convidadas a ver a adoração à
Deidade, dizem: 'Não, isso é adoração a um ídolo'. Eu vi que,

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Lição 24. A FORMA TRANSCENDENTAL DA DEIDADE

em Calcutá, no Chaurangi Square, há uma estátua do Senhor


Açutosa Mukherji. Durante todo o ano, os corvos evacuam em
sua cabeça e o excremento fica grudado. Então, em um
determinado dia do ano, pela manhã, os lavadores limpam a
estátua com escovas, e à tardinha muitos homens
importantes se aproximam para enguirlandá-la com flores.
Depois que o dia acaba eles se vão, e no dia seguinte os corvos
voltam novamente para evacuar em sua cabeça.
Assim, esse tipo de adoração é aceita – lavar o rosto do Senhor
Açutosa Mukherji com a escova municipal – mas, se
instalamos a Deidade de Kåñëa e A adoramos belamente, as
pessoas dizem que é idolatria.

Quando desenvolvermos amor por Kåñëa, veremos Kåñëa e de


imediato desmaiaremos, dizendo: 'Ó, eis aqui o meu
Senhor!'. Todavia, aqueles que não têm fé, que tentam negar
Kåñëa, dirão apenas: 'Ó, isto é um ídolo, não passa de pedra!'.
Temos de estar ávidos por ver Kåñëa e falar com Ele. Na
verdade, Ele está esperando para ver se estamos ou não
interessados em falar com Ele. Na Bhagavad-gétä (10.10), Çré
Kåñëa diz: 'Àqueles que estão constantemente devotados a
Me servir com amor, Eu dou a compreensão pela qual eles
podem vir a Mim'. Se queremos falar com algum homem
importante, precisamos ter certas qualificações. Não é que
possamos falar com presidentes ou mesmo com senadores só

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Lição 24. A FORMA TRANSCENDENTAL DA DEIDADE

porque queremos falar com eles. Temos de observar


determinadas regras e regulações. Kåñëa está pronto para
falar conosco e com esse propósito Ele descendeu para ser
visto na arcä-murti, a Deidade, basta nos qualificarmos para
falar com Ele. Os não-devotos que estão interessados em
negar Kåñëa dizem que Deus não tem olhos, nem pernas, nem
mãos, nem ouvidos e assim por diante. Indiretamente, estão
dizendo que Deus é cego e surdo e que não pode fazer isso
nem aquilo. Dessa maneira estão insultando a Deus
indiretamente.

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Chandramukha Swami
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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 25. A RELAÇÃO DE MESTRE E DISCÍPULO

Segundo os Vedas, uma vez vindo ao mundo material, a entidade viva


cai no ciclo de samsara, quando permanece transmigrando de um corpo
a outro vida após vida. Somente depois de passar por formas inferiores
elementares ela alcança a vida humana, que, além de rara, é
extremamente valiosa, pois dá condições para que ela escape desse
ciclo de samsara e, finalmente, obtenha vitória sobre a morte.

S omente na forma humana de vida, a entidade vida é capaz de


reconhecer a efemeridade desse mundo e, assim, se interessar
pelos valores espirituais da vida. Desse modo, considera-se
verdadeiramente estabelecido na vida humana aquele que se atrai
por uma vida disciplinada e naturalmente busca por conhecimento
espiritual. Ou seja, o simples fato de ter obtido um corpo humano
não coloca ninguém numa categoria superior de existência.

DISCIPLINAS VOLUNTÁRIAS EM PROL DA AUTORREALIZAÇÃO

A diferença entre a vida humana e a vida animal é que a primeira


se caracteriza por uma vida de disciplinas voluntárias, seguida de
ímpeto para o autoconhecimento e a autorrealização: “Quem eu
sou?”, “De onde vim?”, “Para onde irei?”, “Existe um controlador?”.
Aquele que está enfastiado das atividades materiais e se candidata a
alcançar a felicidade espiritual da alma não deve perder seu precioso
tempo com devaneios ou especulação mental. Aproximando-se de
um mestre espiritual fidedigno ele deve, com sinceridade genuína,
pedir-lhe dékña, a iniciação espiritual. Isso é natural para quem

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 25. A RELAÇÃO DE MESTRE E DISCÍPULO

percebe que os prazeres materiais induzem a pessoa a infringir as leis


naturais divinas e a se envolver com atividades impiedosas, que são a
causa do sofrimento e da prisão no ciclo de samsära. A única maneira
para sair dessa condição é dedicar-se a ouvir o conhecimento
transcendental da parte de um guru: “Qualquer um que deseje
seriamente obter felicidade verdadeira tem que buscar um mestre
espiritual genuíno e abrigar-se nele através da iniciação”(1).

O GURU DEVE ESTAR FIXO NO SERVIÇO AO SENHOR

O guru genuíno não cria seu próprio conhecimento, mas


transmite o mesmo conhecimento que recebeu do seu guru, através
da sucessão espiritual. Como um brahma-niñtha, ele está situado
firmemente no serviço ao Senhor. Suas duas principais qualificações
é que o conhecimento que ele tem a oferecer é o mesmo que ele
recebeu da boca de lótus de um mestre na sucessão discipular e, ao
mesmo tempo, sua vida é exemplar, pois está estabelecido com
firmeza no serviço ao Senhor. Através de sua associação, mesmo
uma pessoa simples e sem inteligência privilegiada pode aprender o
conhecimento transcendental, aplicá-lo tanto quanto possível e se
tornar um verdadeiro espiritualista. Por outro lado, de que vale
buscar um guru, pedir suas instruções e não segui-las? Assim como
Kåñëa recomenda que simplesmente nos rendamos a Ele, devemos
também nos render a Seu representante, o mestre espiritual, pois,
segundo as escrituras, o guru é Sua representação externa.

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Chandramukha Swami
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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 25. A RELAÇÃO DE MESTRE E DISCÍPULO

Não devemos nos esquecer que, situado no coração de todos,


Kåñëa é o guru interno, além de ser o proprietário de todos os corpos,
que estão sendo temporariamente ocupados pela alma individual.
Assim como numa casa pode existir o inquilino (ocupante) e o
senhorio (proprietário), a alma individual é o inquilino do corpo,
enquanto Kåñëa, a Superalma, é o senhorio.
O Bhägavatam (11.3.21) afirma que ninguém deve aceitar um guru
sem estar interessado em conhecer o objetivo máximo da vida. De
fato, quem prioriza os confortos corpóreos, não precisa de um guru.
O guru é aquele que entende que a conclusão dos Vedas é
compreender Kåñëa: “Através de todos os Vedas, Eu sou o que há de
ser conhecido”(2).

“POR FAVOR, ME INSTRUA”

É claro que não podemos compreender Kåñëa por completo, mas


podemos entender a síntese dessa verdade principal: “tudo emana
de Kåñëa, a Suprema Verdade Absoluta. E tudo é mantido direta ou
indiretamente por Ele”. Essa compreensão é um excelente ponto de
partida. Depois disso, podemos ampliar nosso conhecimento
compreendendo como a natureza age sob Sua direção, e assim por
diante. Çréla Prabhupäda comenta ainda:

O discípulo pode satisfazer ao mestre espiritual pelo simples


fato de render-se a ele e prestar-lhe serviço, dizendo: “Senhor,

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 25. A RELAÇÃO DE MESTRE E DISCÍPULO

sou seu servo mais obediente. Aceite-me, por favor, e instrua-


me... Embora fosse um amigo muito íntimo de Kåñëa, Arjuna,
antes de receber a Bhagavad-gétä, rendeu-se, dizendo: çiçyas
te'ham çadhi mäm tväm prapannam: “Agora sou Teu discípulo e
uma alma rendida a Ti. Por favor, instrui-me” (Gétä 2.7). Esta é
a maneira adequada para buscar conhecimento. O discípulo
não se aproxima do mestre espiritual com um espírito
desafiador. Ele deve estar ávido para compreender a ciência
espiritual. Não é que ele se considere superior ao guru.
Primeiro devemos encontrar um guru a quem possamos nos
render, e se isto não for possível, não devemos desperdiçar
nosso tempo. Por rendermo-nos à pessoa certa, podemos vir a
compreender o conhecimento transcendental rapidamente.

Uma das mais enfáticas instruções dos textos védicos é que,


aquele que quer se libertar das perplexidades existentes na vida,
deve se aproximar de um mestre espiritual autêntico, assim como foi
exemplificado por Arjuna, “Agora estou confuso quanto ao meu
dever e perdi toda a compostura devido à fraqueza. Nessa condição
estou Lhe pedindo que me diga com certeza o que é melhor para
mim. Aqui estou, Seu discípulo e uma alma rendida a Você. Por favor,
instrua-me” (Gétä 2.7).
É um fato que, mesmo sem desejá-los, os problemas sempre
aparecem na vida de todos. Eles se assemelham aos incêndios
florestais que surgem aparentemente do nada. Ninguém deseja o

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 25. A RELAÇÃO DE MESTRE E DISCÍPULO

incêndio, mas ele aparece, assim como os problemas aparecem nas


vidas dos seres corporificados. Portanto, quem se abriga no mestre
espiritual autêntico pode não apenas entender a causa de seu
sofrimento, mas saberá eliminá-lo e aprenderá a se comportar de
modo a evitar futuros problemas. Quanto a isso, Çréla Prabhupäda
comenta:

Essa forma de vida humana é uma dádiva muito valiosa para


que a entidade viva resolva os problemas da vida; portanto,
quem não faz o devido uso dessa oportunidade é avaro. Por
outro lado, há o brähmana, ou aquele que é assaz inteligente
em utilizar esse corpo para resolver todos os problemas da
vida.

De fato, ninguém pode alcançar a realização espiritual


fabricando seu próprio processo, como pensam algumas pessoas
com insuficiente conhecimento. O Bhägavatam confirma isso ao
dizer que o caminho do dharma (ocupação eterna) só pode ser
enunciado diretamente pelo Senhor(3).
A especulação mental nunca poderá conduzir a pessoa ao
destino final. Na verdade, nem por estudar os livros de
conhecimento de forma independente pode uma pessoa fazer
progresso tangível na vida espiritual. Ele terá que seguir os passos
dos grandes mestres ou äcäryas do presente e do passado que, como
servos humildes e sem interesse por prestígio, também se

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

Lição 25. A RELAÇÃO DE MESTRE E DISCÍPULO

submeteram a um mestre espiritual genuíno para obter


conhecimento divino. É dito que a satisfação do mestre espiritual
autorrealizado é o segredo do progresso na vida espiritual. Portanto,
indagações relevantes e atitude humilde constituem uma
combinação apropriada. Se não houver pureza e serviço, as
indagações feitas ao guru nunca surtirão efeito. Mas, quando vê o
desejo legítimo do discípulo, o guru automaticamente o abençoa
com a verdadeira compreensão espiritual, pois, quando o aluno é
humilde e sempre oferece serviço, a troca de conhecimento e
perguntas torna-se perfeita, e o resultado é maravilhoso.

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

REPASSAR A EXPERIÊNCIA - Considerações finais

Há algumas décadas, o mundo está presenciando uma grande mudança


em sua estrutura. Alguns chamam-na de “New Age”, outros de “Era de
Aquarius”. Nós, praticantes de bhakti-yoga e seguidores do Senhor
Caitanya, o avatar dourado, chamamos de “Era Dourada”. Afinal,
Caitanya é conhecido como Gauranga, “Aquele cujo corpo é dourado”.

N osso mestre, Çréla Prabhupäda, falou exaustivamente sobre


essa iminente mudança histórica do mundo. Não apenas
como um vidente poderoso, mas como um conhecedor das profecias
védicas, ele apontava claramente para a influência proeminente do
Senhor Caitanya nos próximos milênios. Segundo ele, essa mudança
será desencadeada especificamente devido a disseminação em
grande escala do conhecimento védico. Quem conhece um pouco da
sua biografia, sabe que, desde sua chegada nos Estados Unidos, ele
não mediu esforços para produzir vasta literatura transcendental,
abrir Templos ao redor do mundo, comunidades rurais, institutos de
estudos védicos, escolas, restaurantes, etc. Em sua biografia
autorizada, intitulada “Çréla Prabhupäda Lilämåta”, há vários
capítulos que revelam seu espírito missionário e seu desejo
profundo de espalhar profusamente a consciência de Kåñëa. Na
verdade, esse espírito missionário transcendental e desejo de
inundar o mundo com bhakti não partiu originalmente dele, mas
nasceu de um pedido de seu próprio mestre espiritual, Çréla
Bhaktisiddhänta Sarasvaté, que ele definia como “uma pessoa santa
muito amável”. Logo no primeiro encontro deles, Çréla

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REPASSAR A EXPERIÊNCIA - Considerações finais

Bhaktisiddhänta surpreendeu Prabhupäda com as seguintes


palavras: “Você é um jovem educado. Por que não prega a mensagem
do Senhor Caitanya pelo mundo afora?”. A história desse encontro,
que ocorreu em 1922, é muito bela. Prabhupäda nascera numa
família de devotos e, além de ser familiarizado com os ensinamentos
da Bhagavad-gétä, juntamente com sua família, ele conhecia e
adorava o Senhor Caitanya, cuja missão estava sendo defendida por
Bhaktisiddhänta. Apesar de apreciar as palavras daquele que seria
seu mestre e pai eterno, o momento político de uma Índia sob o jugo
britânico fez com que Prabhupäda argumentasse, “Quem ouvirá a
mensagem de Caitanya? Primeiramente, a Índia terá que deixar de
ser um país dependente!”. A resposta calma e profunda dada por
Bhaktisiddhänta o satisfez, “A consciência de Kåñëa é tão importante
e tão urgente que não precisa esperar por mudanças políticas”.
Bhaktisiddhänta continuou: “Quer um poder quer outro governe,
isso é temporário. A realidade eterna é a consciência de Kåñëa, e o Eu
verdadeiro é a alma espiritual. Sistema político algum criado pelo
homem poderá ajudar definitivamente a humanidade (...) A
verdadeira atividade beneficente, individual, social ou política, deve
ajudar a preparar a pessoa para a sua próxima vida e ajudá-la a
restabelecer sua relação eterna com o Supremo”.
Para sermos mais precisos, a ideia de restabelecer a consciência
de Kåñëa no mundo tem sua origem no próprio Kåñëa, que Se

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

REPASSAR A EXPERIÊNCIA - Considerações finais

manifestou como Çré Caitanya há quinhentos anos. Num dos seus


mais fabulosos livros, o Çré Caitanya Caritämåta, Çréla Prabhupada dá
uma vívida descrição do desejo de Caitanya de espalhar a
consciência de Kåñëa indiscriminadamente. Num dos capítulos
desse livro, há a descrição do que é chamado de bhakti-kalpataru, a
árvore-dos-desejos do serviço devocional, em que o Senhor Caitanya
afirma que, depois de ter trazido essa árvore transcendental e de
plantá-la nesse mundo, Ele cuidou dela com muito amor e borrifou-
a com a água de Seu desejo de salvar o mundo. Quando a árvore deu
frutos, Ele primeiramente saboreou esse fruto transcendental até Se
fartar e, então, simplesmente ofereceu esse fruto do serviço
devocional a quem se interessasse, sem levar em conta quem o pedia
ou não, quem era digno ou não de recebê-lo. Quando conseguia
distribuir às mãos cheias tais frutos e constatava que as pobres
pessoas famintas os comiam, Ele, o jardineiro Caitanya, ficava muito
feliz. Ainda assim, Ele ponderou: “Sendo o único jardineiro, a
quantos locais pessoalmente posso ir? Colher os frutos e distribuí-
los sozinho é uma tarefa muito trabalhosa; além disso, Eu suspeito
de que alguns os receberiam e outros não. Portanto, ordeno a todo o
homem dentro desse universo que aceite esse movimento para a
consciência de Kåñëa e difunda-o em toda a parte!”.
Essa é a essência do Seu movimento, difundir as glórias de bhakti
onde quer que haja facilidades e sem fazer distinção entre aqueles

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Chandramukha Swami
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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

REPASSAR A EXPERIÊNCIA - Considerações finais

que são aptos e os que não são aptos para recebê-las. O único objetivo
deve ser espalhar o serviço devocional, sem restrições. Entretanto,
antes disso, devemos seguir os passos de Caitanya e também nos
fartar desse fruto transcendental.
Há diferentes processos de serviço devocional, tais como, ouvir,
cantar, recordar, servir os pés de lótus do Senhor, adorar, oferecer
orações, etc. Todos eles são suficientemente poderosos para fazer a
conexão do devoto com o Senhor. A escolha de qual processo deve ser
mais praticado, fica a critério de cada um, pois, quer alguém ouça,
cante, lembre-se ou adore, o resultado será o mesmo. Cada um pode
praticar o processo que mais combine com sua natureza e sentir o
néctar transcendental - é algo assim como uma cana-de-açúcar,
pois, qualquer parte que se saboreie dela, é sempre doce. O serviço
devocional é também chamado de bhakti-latä, uma trepadeira cuja
origem não é esse mundo material. Quando nos iniciamos no
caminho de bhakti, estamos, na verdade, plantando a semente dessa
trepadeira devocional dentro do nosso coração. Através do
constante processo de ouvir e cantar, a semente frutifica e, aos
poucos, se transformará numa planta adulta quando, então, produ-
zirá o fruto maduro do serviço devocional, a saber, amor a Deus, que
deve ser compartilhado com todos. Podemos nos valer do exemplo
da lagarta que se transforma em borboleta. A arte final da natureza
acontece quando, na fase adulta, o inseto ganha asas e está pronto

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

REPASSAR A EXPERIÊNCIA - Considerações finais

para cumprir com seu papel de reprodução e propagação da espécie.


Agora, chegou a hora de falarmos sobre a “propagação da espécie”. na
vida espiritual.
Çréla Prabhupäda deixou quatro importantes diretrizes e seus
seguidores estão bem familiarizados com elas: “Os livros são a base.
Pureza é a força. Utilidade é o princípio. Pregação é a essência”.
Durante o estudo que fizemos nas nossas 25 lições, indiretamente,
tocamos nesses pontos. Ou seja, para apresentar alguma lição
específica, nos valemos sempre da autoridade dos livros, tais como a
Bhagavad-gétä e o Çrémad-Bhagavatam, mencionamos a importância
da purificação do coração, discutimos a importância da execução
prática do serviço devocional, etc. Nesse contexto, discutiremos o
valor da atividade denominada por Prabhupäda como “pregação”.
Antes de mais nada, é importante dizer que, quando mencionamos
“pregação”, não estamos querendo fazer proselitismo. Pregar é
kåñëa-kértana, glorificação amorosa de Deus, o que não tem nada a
ver com a ideia inconveniente de tentar converter alguém para a sua
própria crença. É um conceito muito mais profundo, que se baseia
na compreensão de que, sem a pessoa restabelecer sua relação com
Deus, a meta da sua vida não está sendo corretamente cumprida. Ao
acessarmos às atividades missionárias do movimento de sankértana
introduzido por Caitanya Mahäprabhu, constatamos que Ele não
veio oferecer mais uma religião temporária ou sectária. Ele veio

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Chandramukha Swami
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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

REPASSAR A EXPERIÊNCIA - Considerações finais

revelar o sanätana-dharma, a ocupação eterna da entidade viva. O


propósito do Seu movimento de bhakti é dissipar a ilusão de mäyä,
que faz com que todos se esqueçam sua identidade espiritual eterna
e acreditem ser produtos da matéria. Como a entidade viva não é seu
corpo material, mas sim alma espiritual, suas verdadeiras
necessidades são espirituais: eternidade, conhecimento e bem-
aventurança. Mas, infelizmente, julgando-se o corpo – ora humano,
ora animal, ora semideus – ela permanece condicionada por
diferentes espécies de consciência e, assim, enreda-se na existência
material, transmigrando perpetuamente de um corpo para outro. O
encanto de mäyä faz com que ela se contente com a curta duração de
vida obtida no presente e desconsidere o passado e o futuro. O cantar
dos santos nomes, conforme enfatizado por Caitanya em Seu
movimento de sankértana, veio para erradicar essa ilusão e ajudar a
entidade viva a escapar do samsära, a roda interminável de
nascimentos e mortes. Na certa, quem adota seriamente o cantar do
mahä-mantra Hare Kåñëa se sente favorecido internamente pelo
Senhor e obtém muitas realizações espirituais que ele deseja
compartilhar, repassando suas experiências, com o coração cheio de
gratidão. Prabhupäda escreve num dos seus comentários (1):

Quem é avançado em conhecimento deve estar sempre


preparado a sacrificar tudo por uma causa melhor. No

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Apostila 1 - Trazendo o Sagrado para o Cotidiano - LAPIDAR 25 lições

REPASSAR A EXPERIÊNCIA - Considerações finais

momento atual, sob o engodo de uma civilização ateísta, o


mundo inteiro está numa posição perigosa. O movimento da
consciência de Kåñëa precisa de muitas pessoas eruditas e
nobres que sacrifiquem suas vidas para reviver em todo
mundo a consciência de Deus. Portanto, convidamos todos
os homens e mulheres avançados em conhecimento para se
unirem ao movimento da consciência de Kåñëa e sacrificarem
suas vidas em prol da grande causa que é entregar a
consciência de Deus à sociedade humana.

Propagar a consciência de Kåñëa é considerada a atividade


suprema de bem-estar da sociedade e se torna natural para aquele
que compreende a supremacia de Kåñëa. Através de sua própria
experiência, o devoto sente que qualquer sofrimento que alguém
possa experimentar se deve unicamente ao seu esquecimento de
Kåñëa e ao seu esquecimento da sua relação eterna com Ele, que é o
amigo e benquerente supremo. Portanto, agir para reviver esse
“segredo supremo” na sociedade humana é o trabalho beneficente
principal e é o mais elevado serviço devocional(2):

Para aquele que explica esse segredo supremo, bhakti está


garantida, e no final, ele retornará a Mim. Não há nesse
mundo servo que Me seja mais querido, tampouco jamais
haverá alguém mais querido.
C
Chandramukha Swami
GLOSSÁRIO

A
Äcärya – Mestre espiritual que ensina através do exemplo.
Acintya-bhedäbheda-tattva – Doutrina de Çré Caitanya sobre a “inconcebível
igualdade e diferença” entre Deus e Suas energias.
Ahimsä – Não-violência.
Akarma – “Não-ação”. Atividade devocional pela qual não se sofre as reações.
Änanda – Bem-aventurança espiritual.
Anärthas – Maus-hábitos, atividades indesejáveis.
Aparädha – Ofensas.
Arcä-murti – A forma da Deidade do Senhor manifesta através de elementos
materiais.
Ärtha – Desenvolvimento econômico.
Asat – Temporário ou irreal.
Asat-tåñëa – Almejar o temporário ou irreal.
Ätma – O eu, a alma individual.
Avatära – “Aquele que desce”. Uma manifestação divina que desce do reino espiritual
para uma missão específica.
Avidyä – Ignorância.

B
Bhägavata-dharma – A ocupação no serviço amoroso ao Senhor.
Bhagavän – “Aquele que possui todas as opulências”, o Supremo reservatório de todo
poder, beleza, fama, força, sabedoria e renúncia.
Bhäjana-kréya – Atividades devocionais.
Bhakta-avatära – “Encarnação como devoto”, uma referência a Çré Caitanya.
Bhakta – Devoto.
Bhakti – Serviço devocional, devoção amorosa.
Bhakti-yoga – União com o Supremo através do processo da devoção.
Bhakti-yogé – Praticante do bhakti-yoga, devoto.
Bhagavat-çravana – Ouvir sobre o Supremo.
Buddhi – Inteligência.
Buddhi-yoga – Outro termo para referir-se ao bhakti-yoga, indicando que representa o
máximo da inteligência.
Brahmä – O primeiro ser vivo. Sobre a orientação de Viñëu, ele cria o universo material
e rege o modo da paixão.

C
Chandramukha Swami
Brahma-bhuta – A fase em que a pessoa está liberta das concepções materiais.
Brahmajyoti – O brilho espiritual e impessoal do Absoluto.
Brahman – A alma individual ou o aspecto impessoal e onipresente do Supremo.
Brähmana – Membro da classe inteligente dos homens, segundo as quatro divisões
sociais védicas.
Brahma-niñtha - Fixo no serviço à Suprema Personalidade de Deus.

C
Caitanya (Mahäprabhu) – Encarnação do Senhor que veio nesta era de Kali.Ele
apareceu em Navadvépa, Bengala Ocidental, ao final do século XV e inaugurou o yuga-
dharma (processo religioso específico para a era), a saber, o canto congregacional dos
santos nomes do Senhor.
Caëòäla – Comedor de cães, pária.
Cit – Consciência.
D
Devé-dhama – A morada da deusa Durgä. O mundo material.
Dharma – Princípios religiosos. Ocupação eterna e natural do ser vivo.
Dhyäna – Meditação.
Dhyäna-yoga – A união com o Supremo através do método da meditação.
Dikña – Iniciação espiritual.
Dväpara (dväpara-yuga) – Veja: yugas.

G
Garbhädhäna-samskära – Processo que se destina a gerar filhos com qualidades
piedosas e divinas.
Goloka (Goloka-dhäma) – A morada eterna do Senhor Kåñëa. Veja: Våëdävana.
Gopé – Vaqueiras devotas.
Gosvämé – Quem tem pleno controle dos sentidos.
Guna – “Modos” da natureza, a saber: tamas, rajas e satva – obscuridade, paixão e
bondade, respectivamente.
Guru (gurudeva) – Mestre espiritual.

I
Indra – O principal soberano do céu e deidade que preside a chuva.
Ésvara – Controlador.

C
Chandramukha Swami
J
Japa-mälä – Rosário de 108 contas usado para a repetição dos mantras.
Jévä (jévätmä) – A alma individual e eterna.
Jnäna – Conhecimento transcendental.
Jnäna-yoga – O caminho da percepção espiritual mediante o cultivo do
conhecimento.

K
Käla – Tempo eterno.
Kali (kali-yuga) – Veja: yugas.
Käma – Desejos mundanos, luxúria.
Karma – Atividades materiais, mediante as quais a pessoa incorre em subsequentes
reações.
Karma-yoga – O caminho de união com Deus através da dedicação dos frutos do
trabalho ao Senhor.
Kñatréya – Membro da classe dos guerreiros, segundo as quatro divisões sociais
védicas.
Kñetra – Campo (uma referência ao corpo, que é o campo de atividade da alma)
Kñetrajnä – O conhecedor do corpo (a alma)
Kértana - O cantar dos santos nomes.
Kåñëa-bhaktas – Devotos de Kåñëa.
Kåñëa-prema – Amor puro por Kåñëa
Kurus – Os descendentes de Kuru, em particular os filhos de Dhåaräñtra.

L
Lakñmé – A deusa da fortuna.
Lélä – “Passatempo”. Atividades transcendentais executadas pelo Senhor.

M
Mädhava – Kåñëa, “Aquele que é doce com o mel”.
Mahä-mantra – O grande canto de libertação da mente, Hare Kåñëa Hare Kåñëa Kåñëa
Kåñëa Hare Hare Hare | Räma Hare Räma Räma Räma Hare Hare.
Mahäprabhu – Grande mestre. Uma referência a Çré Caitanya.
Mälä – Rosário.

C
Chandramukha Swami
Mantra – Som transcendental ou hino védico.
Mäyä – Ilusão. A energia do Senhor que leva o ser vivo ao esquecimento de Deus e de
sua própria identidade espiritual.
Moksa – Liberação da existência material.
Murti-sevä – Serviço às Deidades do Senhor.

N
Näma – O santo nome do Senhor.
Naräyana – A forma de quatro braços do Senhor Viñëu que preside os planetas
Vaikuntha.
Niskarma – Atividade isenta de reações kármicas.

P
Päëòavas – Os cinco filhos do rei Pändu: Yudhiñthira, Bhéma, Arjuna, Nakula e
Sahadeva.
Parama-puruña – Personalidade suprema.
Paramätma – A Superalma. O aspecto localizado do Supremo, a testemunha e guia
interno de todas as entidades vivas.
Prakåti – Natureza material.
Prasädam (prasäda) – Alimento santificado, previamente oferecido ao Senhor.
Puräëas – Os dezoito suplementos históricos dos Vedas.
Puruña – Desfrutador.
Puruñottama – O Supremo desfrutador, o Senhor Çré Kåñëa.

R
Rajo-guna (rajas) – O modo da paixão.
Rasa – Doçura (relacionamento doce)
Rupa Gosvämé – O líder dos seis gosvamés de Våëdaväna, que foram os principais
seguidores de Çré Caitanya.
S
Çabda-brahman – Som espiritual (uma referência aos Vedas).
Sädhana – Processo.
Sädhakas – Praticantes.
Sädhya – Objetivo.
Sädhu – Homem santo ou pessoa consciente de Kåñëa.

C
Chandramukha Swami
Samsära – Ciclo de repetidos nascimentos e mortes no undo material.
Sandhéni-çakti – A potência da existência (sat) eterna do Senhor.
Sankértana – Canto congregacional do santo nome de Deus.
Sankhya – Discriminação analítica entre matéria e espírito.
Sannyäsa – A ordem de vida renunciada.
Çästra – Escritura revelada, literatura védica.
Satva-guna (sattva) – Modo da bondade.
Satya-yuga – Veja: yugas.
Satyam – Veracidade, honestidade.
Çaucam – Limpeza, pureza.
Sevä – Serviço.
Çéva – Semideus que supervisiona o modo da ignorância e aniquila o cosmos material.
Çruti – Os Vedas.
Surya – Deidade que preside o astro sol.
Çvetädvipa – Planeta espiritual onde reside o Senhor Viñëu.
Svämé – Alguém que tem pleno controle dos sentidos.

T
Tamas – Obscuridade, ignorância.
Tapasä (tapasya) – Austeridade.
Tattva-darçinah – Videntes da verdade.
Tretä – Veja: yugas.

U
Upaniñads – Cento e oito tratados filosóficos que fazem parte dos Vedas.

V
Vaikuntha – Planetas eternos do mundo espiritual. Literalmente “sem ansiedade”.
Vairägya – Renúncia.
Vaiñëava – Devoto do Senhor Supremo.
Vedänta – Meta do conhecimento.
Vedänta-sütra - Tratado filosófico na forma de aforismos que trazem o significado
essencial das Upaniñads.
Vedas – As quatro escrituras originais: Åg, Säma, Atharva e Yajur.
Vikarma – Atividade contra os preceitos das escrituras. Ação pecaminosa.

C
Chandramukha Swami
Viñëu – A personalidade de Deus que mantém o universo material. Uma expansão
plenária de Kåñëa.
Viçvambhara – Çré Caitanya, “Aquele que mantém todo o universo e que lidera todas as
entidades vivas”.
Viveka – Discernimento.
Vraja – Veja: Våndävana.
Våëdävana – Morada transcendental do Senhor Kåñëa. Também chamada de Goloka
ou Kåñëaloka. Existe também na Índia, no estado de Uttar Pradesh, a cidade de
Våëdävana, que é uma manifestação da Våëdävana original, onde Kåñëa apareceu há
cinco mil anos.
Vyäsadeva – Compilador dos Vedas e autor dos Puränas, Mahäbhärata e Vedänta-sütra.

Y
Yajïa – Sacrifício.
Yamunä – Rio transcendental de Våëdävana onde Kåñëa Se divertia com Seus amigos,
os gopas, e amigas, as gopés.
Yaçoda – Mãe adotiva de Kåñëa.
Yoga – Disciplina espiritual que conecta a pessoa com o Senhor.
Yogé – Praticante de yoga.
Yukta-vairägya – Renúncia na qual se utiliza tudo a serviço do Senhor.
Yuga – Era. Existem quatro yugas que se repetem: Satya, Tretä, Dväpara e Kali. À
medida que as eras avançam, a religião e as boas qualidades dos homens pouco a
pouco decrescem.

C
Chandramukha Swami

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