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Revista

Brasileira
de
Sexualidade
Humana

Volume 7 - Número 2 - Julho a Dezembro de 1996


Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana - SBRASH
Sumário
Editorial .................................................................................... 149

Trabalhos de Atualização e Opinativos


1. O que é normal em sexualidade ............................................ 153
2. O universo, a vida, a sociedade e a sexualidade humana...... 157

Trabalhos de Pesquisa

1. Era isso o que eu queria? Um estudo da maternidade e da


paternidade na adolescência ..................................................... 167
2. O conceito de relação sexual: um estudo exploratório qua-
litativo.................................................................................... 187
3. Os sentimentos das adolescentes em relação à imagem cor-
poral ...................................................................................... 202

Estudo de Caso

1. Relação incestuosa: estudo de caso....................................... 229


Editorial
Com este número da Revista Brasileira de Sexualidade Humana
completamos a invejável marca dos sete anos de existência. Invejável
sim, pois poucas das revistas nacionais que abordam temas científicos
ou técnicos chegam a tão longa existência.
Não podemos deixar de confessar uma certa ponta de orgulho;
no entanto, ainda que possa parecer contraditório temos também a sen-
sação nítida de uma certa frustração, especialmente por ser nossa meta,
confessada desde o primeiro número (em 1990), de que a Revista
pudesse ter periodicidade trimestral. As dificuldades que encontramos,
entretanto, nos impediram de exercitar essa vontade.
No início da Revista, talvez por que os autores ainda não confi-
avam muito na viabilidade da Revista, os trabalhos de boa qualidade
que nos chegavam às mãos não eram numericamente suficientes para
que editássemos quatro números por ano. A partir do segundo ano de
existência da Revista, entretanto, esse problema foi sanado e hoje, por
contraditório que possa parecer, temos até mesmo dificuldade em
explicar aos autores o porque da demora na edição, pois como o leitor
mais atento poderá verificar, para alguns textos existe uma demora de
até um ano ou pouco mais, entre sua aceitação e publicação.
Estamos nos esforçando para que, em breve, possamos atender
os reclamos dos autores e dos associados da SBRASH, publicando qua-
tro números da Revista por ano. Com determinação e com o apoio de
nossos associados, seguramento chegaremos lá.

Nelson Vitiello
Trabalhos
de
Atualização
e
Opinativos
O que é normal
em sexualidade
1
Nelson Vitiello*

Como já foi dito e repetido incontáveis vezes, a sexualidade


humana pode se manifestar - e frequentemente se manifesta - de maneira
extramente polimorfa.
De fato, mesmo nas mais adversas condições e nas mais difíceis
situações, o impulso sexual, um dos motores básicos da conduta humana se
apresenta, ora de maneira explícita, outras vezes veladamente.
O adjetivo “normal” pode ser compreendido de várias e diferentes
maneiras. Os dicionários (o Aurélio, por exemplo), definem-no como
sendo o que é feito segundo a norma, o habitual, o natural. Em matemática,
“normal” é a reta perpendicular à uma superfície ou linha. Em uso comum,
“normal” é usado com o sentido de algo que não causa espanto, do que é
usual, do que segue os mesmos padrões que a maioria das pessoas segue.
Quando se fala em atos ou pensamentos “normal”, em sexualidade,
comumente se associa a imagem de algo que a maioria das pessoas faz e

* Ginecologista. Doutor em Medicina. Presidente da Sociedade Brasileira de estudos em


Sexualidade Humana.
Recebido em 08.08.95 Aprovado em 19.08.95
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pensa, ou ainda atos que não sejam danosos a saúde de quem os pratica ou
de quem os sofre. Dessa maneira a masturbação, por exemplo, seria normal
na fase de adolescência e juventude, desde que praticada com moderação.
Quando praticada com freqüência “exagerada” por adolescentes (embora
ninguém defina bem o que é esse exagero) ou por adultos e idosos, entre-
tanto, é vista como algo de doentio, pois existe uma noção - aliás falsa - de
que essa prática seja física e mentalmente perniciosa.
Quanto ao sexo praticado a dois, vejamos o que se considera nor-
mal em termos de constituição de casais. Assim, seria “normal” o casal
heterossexual, em que o homem é um pouco mais velho e mais alto do que
a mulher, sendo ambos aproximadamente do mesmo extrato sócio-
econômico. Tolera-se, ainda que isso seja por vezes alvo de pilhérias, algu-
mas variantes. Nesse sentido, um homem até cerca de dez anos mais velho
que a mulher é ainda considerado normal; casais onde a idade do homem
excede em vinte ou mais anos a da mulher são vistos com certa curisiosi-
dade, sendo sempre levantada a suspeita de que existem interesses pecu-
niários em jogo, mas ainda assim não são visto como pares “anormais”.
Houve épocas e culturas, porém, onde as famílias julgavam perfeitamente
normal e até mesmo desejável que suas filhas se casassem com homens
bem mais velhos.
É no entanto absolutamente inadmissível, do ponto de vista social,
a constituição de casais onde a mulher tenha diferença de idade sobre seu
parceiro.
O mesmo se diga para casamentos inter-raciais. Há cem anos seria
visto como algo completamente fora da norma, por exemplo, a união entre
um homem branco com parceira mulata ou negra, que hoje vem sendo
encarados com mais naturalidade. Embora tenham havido historicamente
inúmeros exemplos dessas uniões, sempre foram elas levadas na clandes-
tinidade e entendidas como algo de errado.
Mesmo em se considerando que em outros períodos históricos isso
não tenha sido assim, podemos dizer que em nossa cultura cristã ocidental
até bem poucos anos o homoerotismo foi visto como uma perversão e até
mesmo como uma doença. Ainda que entre os círculos mais cultos tal visão
não mais seja vigente, não se pode negar que a sociedade como um todo
mesmo hoje vê nele muito de sujo, de indigno ou, em outras palavras,
“anormal”.
O inverso também é verdadeiro, pois comportamentos que hoje
consideramos desvios patológicos do exercício da sexualidade já foram
vistos como absolutamente “normais. É o caso de praticas homoeróticas
envolvendo adultos e crianças ou adolescentes (pederastia), que era aceita
e considerada normal por muitos dos filósofos gregos que cultuamos.
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Como se vê, o adjetivo “normal” só tem sentido dentro de uma


determinada época e num bem demarcado segmento sócio-cultural.
O fato é que o exercício da sexualidade humana se rege num
complexo contexto bio-psico-social. Nossa espécie, pela aquisição de
sutis características anatômicas e fisiológicas, é a única no Reino
Animal a poder exercer a sexualidade fora dos limitados padrões do
sexo-reprodução. Nossa sexualidade, por isso mesmo, é influenciada
fortemente, além dos fatores orgânicos, por elementos sociais e emo-
cionais. E para cada um desses três compartimentos poderíamos traçar
regras de “normalidade”.
No que diz respeito ao componente orgânico do exercício da se-
xualidade a norma fisiológica é que, frente a certos estímulos considerados
eficientes (visão, tato, olfato ou mesmo imaginação), homens e mulheres
entrem num ciclo de modificações orgânicas que se convencionou chamar
“Ciclo de Resposta Sexual”. Assim, frente a esses estímulos, é “normal”
que homens e mulheres se excitem, tendo ereções ou lubrificações vagi-
nais, bem como é “normal” que antingido um certo grau de exitação
sobrevenha o orgasmo. O “anormal” aqui, isto é, o não cumprimento desse
ciclo, é o que se convencionou chamar de “disfunção sexual”.
Quanto aos aspectos sociais do exercício da sexualidade, o normal
é aquilo que foi esboçado linhas atrás, ou seja, a prática heterossexual por
casais como as características descritas. O que foge à essas normas é
denominado de “desvio” (como a gerontofilia e a homossexualidade, por
exemplo), “parafilia” (como o sadomasoquismo) ou até mesmo de “per-
versão” (a necrofilia, por exemplo), embora essa nomenclatura ainda não
seja bem universalizada, havendo os que denominam de “desvio” o que
outros chamam de “parafilia”, e vice-versa.
É no componente psicológico do exercício da sexualidade, no en-
tanto, que em nosso ver existem mais dificuldades em se conceituar o
normal. Na verdade, para saber se nossa sexualidade está sendo normal-
mente exercida, deve-se responder a indagação sobre se é ela satis-
fatória. Estou contente com minha sexualidade? Exerço-a prazerosa-
mente? Estou satisfeito com a freqüência e com a maneira em que a
exerço? Minha parceira (ou meu parceiro), por quem tenho afeto e a
quem me é importante satisfazer, está feliz com esses parâmetros? A
isso, a essa satisfação com o exercício da própria sexualidade, costu-
ma-se denominar de “adequação sexual”. Quando essa adequação não
existe, ou seja, quando se está insatisfeito com a prática da sexualidade,
denomina-se a isso de “inadequação sexual”, que em última análise é o
objeto de todas as correntes de terapia sexual, quer as de fundo orgâni-
co, quer as de fundamentação Psicológica.
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Em resumo, poderíamos dizer que o “normal” em sexualidade se


resume ao satisfazer-se e satisfazer sexualmente seu parceiro ou sua par-
ceira, desde que isso não traga riscos ou danos a si mesmo, ao (ou à) par-
ceiro e ao meio social. Dentro desse princípio, o que cada pessoa ou cada
par faz restrito de suas vidas privadas só a eles próprios interessa, cabendo
a nós, como indivíduos e como membros da sociedade, respeitar as natu-
rais e enriquecedoras diferenças que fazem do ser humano algo de tão ma-
ravilhoso.
O universo, a vida,
a sociedade e
a sexualidade humana
2
Carlos Alberto Morais de Sá*

A dificuldade do homem face ao sentido da vida provoca na vida


adulta a crise do vazio existencial (l). O porque da existência, a finitude, as
dificuldades de entendimento de valores simbólicos, os reflexos do pulsar
coletivo do inconsciente, a perplexidade diante dos caminhos de sua se-
xualidade, o nosso mundo, o universo, sua origem e o próprio rumo do uni-
verso pessoal. Uma reflexão sobre as origens do universo e da vida na
terra, o processo reprodutivo dos seres vivos é fundamental como ponto de
partida para o entenditnento do comportamento do ser humano, sua sexua-
lidade e organização social.
Nosso universo com 15 a 20 bilhões de anos teve a origem, segun-
do a cosmologia moderna, pela explosão da singularidade (Big Bang), um
ponto com densidade e curvatura infinita, onde as leis conhecidas da física
não tem validade. Ainda hoje, neste exato momento, estão nascendo sin-
gularidades nos interiores galáticos, produzidos por estrelas que morrem e
se encolhem sob o poder de sua própria gravidade (2).

* Professor Titular de Clínica Médica da Universidade do Rio do Janeiro/UNI-RIO. Diretor


do Centro Nacional de Pesquisa em AIDS do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle.
Recebido em 23.11.95 Aprovado em 05.12.95
158 R.B.S.H. 7(2):1996

O instante imediato após o Big Bang, fração de segundo com 42


zeros, é conhecido como tempo de Planck. A Era Hadrônica corresponde
ao tempo seguinte com fração de segundo com 23 zeros. Nesta era
surgem os mésons, prótons e nêutrons e suas antipartículas como pares
hadrônicos. Estes pares existiram na época em estado livre como quarks
e antiquarks, e constituiriam os tijolos básicos para a construção de todo
o universo. Um décimo de milésimo de segundo após, ingressa-se na Era
Leptônica, com temperatura caindo para 100 bilhões de graus, chaman-
do-se então de Cosmos essa sopa espessa de radiação com fótons e lep-
tons (eletrons, neutrinos e antineutrinos). A rápida expansão do univer-
so segundos após, com a temperatura reduzindo-se para 10 bilhões de
graus, leva ao ingresso na Era da Radiação. A era Leptônica dura pouco
mais de 3 minutos. A Era da Radiação, inicialmente opaca, torna-se
transparente, quando a luz se faz, a partir da queda da temperatura para
3 mil graus com a formação de átomos de hidrogênios e a dissociação
dos fótons da matéria. A Era radioativa durou 1 milhão de anos.
Segue-se a Era Estelar com 10 bilhões de anos quando ocorre a for-
mação das galáxias a partir dos universos-ilha, quando o Cosmos
adquire aparência próxima da atual.
O Universo, pela existência de massa escura em quantidade sufí-
ciente, poderá converter sua atual expansão das galáxias em movimento de
contração que poderá se seguir de nova explosão. Este é o princípio do uni-
verso pulsante, que aparece e dasaparece, como se morresse e ressuscitasse
a partir de seus escombros.
Portanto, nosso mundo surge da singularidade, em fração de segun-
dos, alcança a grandeza das galáxias, atinge tempos próximos do infinito,
e posteriormente reduz-se a singularidade, podendo novamente explodir e
reiniciar um novo ciclo.
Nosso universo constitui-se de matéria, energia, espaço e tempo. É
possível, no entanto, a existência de outros universos, em paralelo, com
constituição, princípios e realidades distintas do nosso.
O sol, que nos acalenta e ilumina, tem aproximadamente 5 bilhões
de anos, e estima-se que existirá provavelmente por mais 5 bilhões de anos,
quando então deverá explodir. A terra, advinda do sol, após esfriar sua cros-
ta, sofre inúmeros processos de ajuste, adaptação e desgaste, que oferece-
ram as condições essenciais para a emergência do fenômeno da vida
biológica em sua superficie.
Há aproximadamente 3,8 bilhões de anos, em plena era arqueozói-
ca, aparecem os primeiros indícios de vida com o surgimento de algas ma-
rinhas. Há 1,42 bilhão de anos, já na era proterozóica, aparecem os
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primeiros invertebrados e esporos. Somente na era paleozóica, em pleno


período cambriano, i.e., há aproximadamente 500 milhões de anos, surgem
os musgos, plantar vasculares como a samambaia e os peixes. Os demais
períodos de 390 a 230 milhões de anos assistem o aparecimento dos
anfíbios, répteis, insetos, gimnospermas e árvores coníferas. Na era
mesozóica, há aproximadamente 160 milhões de anos, a partir do período
jurássico emergem mamíferos, pássaros, plantas com flores, cereais e
gramíneas. Os mamíferos placentários, somente ao final da era mesozóica
há 70 milhões de anos, em pleno período cretáceo superior, começam a
aparecer e se expandir. Os primeiros ancestrais do homem surgem na era
cenozóica a partir de 20 milhões de anos.
A vida no universo é, portanto, um fato relativamente recente.
Suas formas de aparecimento e adaptação passam por inúmeras
mudanças, extinções e ressurgimento. Antes da vida havia a não-vida. O
que chamamos de morte é um processo natural de limite na vida indi-
vidual, indispensável a evolução da vida na terra, permitindo o nasci-
mento de variantes biológicas e o aparecimento de novas espécies ou
indivíduos.
A reprodução dos seres vivos experimentou diversificadas varia-
ções ao longo dos tempos. A sexualidade, como variante de reprodução,
ocorreu tanto no reino vegetal quanto no animal. Apesar da natureza vir
experimentando ao longo dos tempos diversificações na sexualidade em
busca da preservação das espécies e da vida, muitas formas de vida sexual
desapareceram. Répteis de grande porte se extinguiram. Insetos e anfíbios,
não obstante, permanecem vivos.
E o homem, quando e como apareceu na terra? Como se organizou?
Sua sexualidade é monomórfica?
Há 2,8 milhões de anos, com a regressão de bosques e expansão das
savanas, os pré-humanos se dividiram em gênero Homo, de onde se origi-
naram o Homo sapiens (homem atual) e o Australopithecus, meio homem
meio macaco, que se extinguiu.
Mudanças climáticas, há 1 milhão de anos proporcionaram a ex-
pansão dos hominídeos da África para o inundo, pela passagem entre a
África e Ásia Central, causada pela redução do nível dos oceanos, em
função da era glacial.
O Homo sapiens surgiu há aproxidamente 25 mil anos, sucedendo o
Homo erectus, ao final do Plistoceno e início do Holoceno. Esses grupos
faziam ferramentas de marfim, osso e pedra, usavam arco, flecha e lan-
çador de dardos para a caça e anzol com linha para a pesca. O trabalho era
coletivo com participação de homens e mulheres.
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A mulher tinha múltiplas funções e para assegurar o crescimen-


to do grupo eram usuais a poligamia e a endogamia. Sua função de
criadora, fixadora e transmissora de hábitos culturais permitiu a pas-
sagem à agricultura (Revolução Neolítica). As mulheres domesticavam
animais (pecuária), fabricavam cerâmica, tecidos e exerciam medicina
caseira. Na comunidade primitiva a mulher era socialmente superior
ao homem em função de múltiplos casamentos e responsabilidades,
que se caracterizavam como matriarca pela linha de descendência fe-
minina.
O patriarcado nasce com o surgimento da propriedade privada
(rebanhos e terra), já que passou a haver necessidade de se garantir o
direito dos filhos à herança. A mulher passa a ser entregue ao homem sem
reservas, havendo exigência de virgindade antes do casamento e fideli-
dade conjugal. A monogamia foi imposta à mulher para se garantir a
certeza da paternidade e legitimar filhos com direito a herança após a
morte do pai (3).
O homem (Homo Sapiens) com consciência do mundo e, suficien-
temente sensível para perceber sua realidade, destaca-se no reino animal
por criar cultura através da geração de objetos e idéias. Incorpora cons-
ciência, percepção e cultura em sua sexualidade, que deixa de ter exclu-
sivamente função de reprodução para se constituir como fonte de prazer e
realizações pessoais.
A vida do homem é influenciada por sua cultura sexuada. Esta
tendência já existia há 10 mil anos, no homem neolítico, quando se orga-
nizou a econômia cooperativa patriarcal de direção única (chefes, líderes
etc). As trocas físicas, emocionais e intelectuais passaram a ocorrer simul-
taneamente nos relacionamentos humanos com todo seu enorme potencial
criativo associado ao poder destrutivo. A necessidade de sobrevivência em
pequenos grupos gerou as famílias (4), que passam a estabilizar personali-
dade, socializar seus componentes e funcionar como unidade emocional e
matriz para o desenvolvimento das personalidades. Famílias harmônicas
expressaram carinho, atenção, solidariedade, porém em desarmonia há
conflito, ódio, culpa, punição etc.
As famílias se ajustam aos diferentes ambientes geofísicos, econô-
micos, psicossociais, culturais, religiosos etc. e a eventos de vida como
doenças, guerras, cataclismas, nascimento, separações, mortes etc.
Os indivíduos, componentes da estrutura familiar, buscam seu bem-
estar pessoal no trabalho, no amor ou na diversão através do prazer. A cons-
trução deste bem-estar depende de saúde física, integridade e identidade
pessoal. Ao longo da vida situações de crise ou desequilíbrio se solucionam
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pela adaptação ao evento estressante. A má adaptação ou falta de solução


satisfatória poderão causar síndromes psicopatológicas ou atrofiar o desen-
volvimento do indivíduo.
A dificuldade do homem em lidar com sua sexualidade data, por-
tanto, de épocas remotas. Vinte e cinco mil anos de consciência e cultura
na sexualidade geraram muitas vezes conflitos, frustrações, ansiedade,
depressão e infelicidade. Entre os outros animais, onde a sexualidade tem
como única finalidade a reprodução, este processo é simples e não-dolo-
rido.
Ao longo dos últimos 10 mil anos, a orientação sexual predomi-
nante levou a sociedade humana a se organizar como heterossexual. Na
história dos gregos e no Império Romano houve organização homosse-
xual. Entre os gregos era considerado puro o amor desprovido do inte-
resse da reprodução. A cultura clássica exaltava façanhas homossexuais
de heróis masculinos como Zeus, Hércules e Júlio Cesar (5). As
sociedade judaico-cristã e muçulmana assumem o heterossexualismo
como única orientação sexual. Variada gama de intermediários entre
heterossexualidade e homossexualidade passa a ser negada. A heteros-
sexualidade, como sexualidade oficialmente aceita, desloca as demais
orientações sexuais para espaços não-ofíciais ou a oculta através de um
manto de negações. Para muitos esta seria a ordem natural das coisas,
manifestações apropriadas de instinto biológico, reforçado por educação,
religião e lei. No entanto, minoria significativa de homens e mulheres,
cerca de 1 a 5 por cento da população, é atraída exclusivamente por indi-
víduos de seu próprio sexo (6). A homossexualidade masculina e femini-
na com todas as suas variantes e os intermediários da heterossexualidade
representam a pluralidade da natureza na expressão da sexualidade
humana. Este caráter da orientação sexual do homem, bem como outras
expressões de sexualidade são socialmente negadas, muitas vezes
reprimidas ou proibidas, caracterizando-se como um verdadeiro tabu,
gerador de conflitos, frustrações, ansiedade e depressão. A sociedade se
adapta e utiliza escapes na expressão de sua sexualidade como a música,
a dança, os esportes, o uso corriqueiro de palavrões, a vestimenta, etc. A
Incorporação da sexualidade como fonte de prazer na vida humana trans-
forma-se muitas vezes em fonte de infelicidade pela intensidade dos con-
flitos ou o grau das frustrações geradas.

CONCLUSÃO

O universo que nasce de matéria e energia gerando espaço e tempo


há quase 20 bilhões de anos poderá se contrair e desaparecer. A vida
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biológica na terra vem se organizando ao longo de 3,8 bilhões de anos. O


homem, a mais recente forma de vida complexa a chegar à terra, vem
evoluindo e se estruturando como indivíduo e coletividade há 25 mil anos.
A diferenciação do homem das demais formas de vida prende-se à sua
capacidade de percepção do mundo, gerar idéias e objetos, ter consciência,
fazer projetos, estabelecer regras, criar artifícios e expressar sua subjetivi-
dade através de valores simbólicos e fantasias. Organiza-se socialmente em
grupos, cria a família, estabelece o patriarcado e impõe monogamia, fide-
lidade e virgindade no casamento para as mulheres, a fim de garantir a
transferência das propriedades para seus filhos. Ao polimorfismo da sexua-
lidade humana se incorporam subjetivamente e cultura. A sexualidade do
homem que raramente tem função de reprodução, incorpora-se ao projeto
de vida e se reflete no conjunto de suas atividades. A sexualidade humana,
naturalmente polimórfica, esbarra em regras sociais rígidas e restritivas,
garantidas por leis, crenças ou mitos. Formam-se tabus e preconceitos com
elevado efeito social discriminatória e repressivo. O comportamento
humano adaptativo se faz sentir pela negação, medo, culpa, vergonha ou
rejeição (7). Em conseqüência o comportamento sexual é permeado pela
mentira, hostilidade e manipulação. A sociedade contemporânea, que
enfrenta a epidemia da AIDS, vem descobrindo com perplexidade a
existência de variada gama de comportamentos, estilos de vida e orien-
tações sexuais, não obstante, a existência de padrões oficialmente aceitos
como o da heterossexualidade. A sexualidade não-aceita ou desadaptada
tem gerado conflitos e frustrações que causam ansiedade, depressão ou
outros distúrbios psicopatológicos. Portanto, a sexualidade humana, fonte
de prazer e felicidade que confere ao projeto humano de vida, com fre-
qüência se transforma em fonte de infelicidade por gerar conflitos e frus-
trações. Nos demais animais onde sexualidade e reprodução se superpõem,
inexistente esse mecanismo gerador de infelicidade. É possível que a
natureza, que vem experimentando sucessivas mutações a adaptações nos
3,8 bilhões de anos de vida na Terra, encontre no futuro outras soluções de
vida reprodutiva que extinguam da sexualidade a fonte de infelicidade e
inaugurem a era de felicidade como base de vida para Homo do futuro no
universo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. CARVALHO, J. M. R. O vazio existencial e o sentido da vida. Inform. Psiq.


12(3): 81-120, 1993.
R.B.S.H. 7(2):1996 163

2. CAPOZOLI, U. Antes do universo, o nada reinou absoluto. Ciência Especial.


O Estado de S. Paulo, 31 janeiro de 1993.
3. LEÃO DE AQUINO, R. S., FRANCO, D. A. e LOPES, O. G. P. C. História
das sociedades. Livro Técnico, Rio de Janeiro, p. 70, 1982.
4. RAMSEY, C. N., Jr. e LEWIS. J. M. Family structure and funtioning. In
RAKEL. R. E. Textbook of Family Medicine. 4ª ed., Saunders, Filadelfia, p. 19,
1990.
5. BYNE, W. The biological evidence challenged. Scientific American, pp. 26-31,
maio, 1994.
6. LE VAY, S. e HAMER, D. H. Evidence for biological influence in male homo-
sexuality. Scientific American. pp. 20-25, maio 1994.
7. SPICKARD, A. Advances in epidemiology, diagnosis, and intervention of alco-
hol and drugs. In: Year Book of Medicine. pp. 391-407, Mosby, St.Louis, 1991.
Trabalhos
de
Pesquisa
Era isso o que eu queria?
Um estudo da maternidade
e da paternidade na
adolescência*
1
Ellika Trindade**
Maria Alves de Toledo Bruns***

RESUMO

TRINDADE, E.; BRUNS, M. A. T. Era isso o que eu queria? Um estudo


da maternidade e da paternidade na adolescência.
Este estudo teve como objetivo ampliar a compreensão do fenôme-
no maternidade e paternidade na adolescência.
Ouvimos o discurso de 20 jovens do sexo feminino e jovens do sexo
masculino, e os analisamos por uma perspectiva fenomonológica.
Concluimos que a maternidade e a paternidade durante a adoles-
cência são vividas inicialmente de maneira angustiada e conflitante. De um
modo geral, as famílias, após a reação inicial desfavorável de surpresa e
recriminações, incentivaram o casamento como um meio reparador.

* Pesquisa financiada pelo CNPq, no período de fevereiro de 1993 a março de 1994.


Pesquisa apresentada como Monografia pela aluna, para obtenção do grau de Bacharel
em Psicologia, em Março de 1995.
** Aluna do 5° ano de Psicologia.
** Dra. em Psicologia Educacional. Docente do Depto. de Psicologia e Educação da FFCL-
USP, campus de Ribeirão Preto.
Recebido em 15.09.95 Aprovado em 17.10.95
168 R.B.S.H. 7(2):1996

Constatamos também que a ausência de uma efetiva orientação se-


xual nas famílias e escolas impede, muitas vezes, o vivenciar mais autênti-
co da sexualidade dos jovens.
Palavras-chave: adolescência: maternidade e paternidade, educação se-
xual, sexualidade.

SUMMARY

TRINDADE, E.; BRUNS, M. A. T. Is that Wanted? A study of


motherhood and fatherhood in the adolescence.
The present study was aimed at extending the comprehension of
motherhood and fatherhood in the adolescense.
Data was gathered by listening to 20 female and 4 male youths,
whose discourses were analysed through a phenomenological perspective.
We concluded that motherhood and fatherhood in the adolescense
are firstly experienced as distressful and conflicting. For the most part, the
youths families encourage marriage as a compensatory solution, after their
initial disaproving reaction of surprise and reproach.
We could also verify that the of an efective sexual orientacion with-
in the families and schools is likely to hinder the youths’ from experiencig
sexuality more authentically.
Key-words: adolescence: motherhood an fatherhood, sexual education,
sexuality.

INTRODUÇÃO

Este estudo buscou ampliar horizontes de compreensão em relação


à sexualidade do adolescente hoje. Assim, interrogamos: Que é gravidez
precose? como a garota experiencia a maternidade? E o garoto, como
vivencia a paternidade? Que significados o adolescente atribui à mater-
nidade e à paternidade?
Movidas por essas interrogações, realizamos o presente estudo,
visando compreender a maternidade e a paternidade na adolescência com
base na experiência dos próprios adolescentes.
R.B.S.H. 7(2):1996 169

PRÉ-REFLEXIVO

O pré-reflexivo é o momento inicial da pesquisa. O pesquisador


Parte de um questionamento, de uma pré-reflexão visando uma inteligi-
bilidade do fenômeno interrogado. No nosso caso, a maternidade e a pater-
nidade na adolescência.
Historicamente, vários autores buscam definir o que viria a ser a
adolescência. STONE & CHURCH (1992), definiram-na como uma fase
do desenvolvimento humano localizado entre a infância e a fase adulta,
mas diferenciaram os termos pubescência, puberdade e adolescência.
A prubescência seria o período referente a aproximadamente 2 dos
anos precedentes à puberdade, momento este em que começaria a
ocorrer uma série de mudanças como o crescimento físico, matu-
ração de características sexuais primárias e secundárias, culminado com a
puberdade, em que há um climax dessas mudanças, sendo os indicadores
de maturidade sexual: a menarca nas meninas e a produção de esperma-
tozóides nos meninos, entre outros sinais. Nesse sentido, para esses
autores, adolescência seria o período que se inicia com a explosão de
crescimento na puberdade e termina com uma completa maturidade social,
sendo essa base entendida como um fenômeno cultural, uma vez que as
mudanças biológicas são vistas de forma diferentes, variando de cultura e
de época.
Para Stanley Hall (apud GALLATIN, 1981) e FREUD (1982), as
mudanças vividas pelos jovens nesse período seriam responsáveis por um
comportamento tumultuoso e contraditório.
Já para ERIKSON (1971), o principal acontecimento nesse período
seria a formação da identidade, em que o adolescente passaria por um
processo de elaboração das experiências vividas, tanto no que se refere às
opiniões de outras pessoas, como também em relação às próprias idéias a
respeito de si, sendo influenciado por aspectos profissionais, ideológicos,
religiosos, sexuais, etc.
ABERASTURY & KNOBEL (1981) mostram que na adolescên-
cia ocorre a chamada “síndrome normal da adolescência” que se carac-
teriza Pelos jovens muitas vezes apresentarem comportamentos seme-
lhantes ao de um quadro patalógico, que, no entanto, por serem pas-
sageiros, são considerados normais. Para esses autores, os acontecimen-
tos marcantes nessa fase são a formação da identidade e o processo de
luto pela infância perdida.
170 R.B.S.H. 7(2):1996

Tendo iniciado o processo de mudanças fisiológicas e psicológicas,


para o adolescente é necessário um período a fim de que possa elaborá-las,
internalizá-las a percebê-las como suas. É claro que esse processo não
ocorre de uma só vez, e é por isso que o jovem ora apresenta um compor-
tamento mais infantil, ora deseja ser tratado como adulto.
Tendo em vista tais considerações iniciais, é importante aprofun-
darmos nossa reflexão sobre como o adolescente vivencia essas mudanças
nos dias de hoje. Mais ainda: qual é a reação de uma garota quando fica
sabendo que está grávida? Como é vivenciar as mudanças do corpo e
enfrentar a inserção no mundo adulto? Qual é a reação do companheiro?
Como enfrentar a família? E para o rapaz? como é ser pai adolescente?
Essas indagações levaram-nos a realizar essa pesquisa em que bus-
camos, baseando-nos no discurso de adolescentes que estivessem viven-
ciando a maternidade ou a paternidade, ampliar nossa compreensão a
respeito desse fenômeno.
Torna-se importante pensar o contexto em que a gravidez ocorre
hoje, uma vez que desde muito tempo a mulher teve e tem seu papel social
vinculado à sua característica biológica de geradora da vida. Desse modo,
até recentemente a mulher era educada para casar e ter filhos, sendo que ao
homem era destinado o papel de provedor, tendo em vista que sua força
física sempre foi culturalmente utilizada em nossa sociedade para que ele
cumprisse tal função.
As mudanças tecnológicas que ocorreram no século XIX e a Revo-
lução Sexual, acentuada a partir da década de 70, demarcaram profundas
mudanças no modo de ser de homens e de mulheres no que diz respeito à
expressão da sexualidade. O homem não mais precisa usar tanto sua força
fisica para prover o lar de alimentos e roupas. Além disco, a mulher
começa, gradativamente, a ampliar seu espaço de ação, partindo para o
mercado de trabalho, junto ao homem.
Após a década de 60, a mulher passa a ter mais liberdade sexual, a
pílula anticoncepcional possibilitou-lhe concretizar sonhos e desejos de
poder vivenciar sua sexualidade sem riscos de uma gravidez indesejada.
Os papéis legados pelas gerações anteriores ainda hoje se entrela-
çam e desenlaçam num vai e vem de comportamentos em que não é raro
encontrarmos um rapaz sendo educado para ser o provedor, responsável,
assim, pelo trabalho fora de casa. Ele deve mostrar sua virilidade e força
mediante uma sexualidade ativa. Desde pequeno é incentivado a ser forte,
corajoso; do mesmo modo, a garota é educada para ser passiva, tranqüila,
cordial, brincando com bonecas e preparando-se para o casamento e para
procriar os futuros filhos. Concomitantemente, assiste, em sua novela
preferida, ao sucesso da heroína que, dinamicamente, é uma bem sucedida
R.B.S.H. 7(2):1996 171

mulher de negócios, independente, arrojada, livre para escolher. Muitos


conflitos surgem destas contradições, pois, além de passar pelas mudanças
fisiológicas e psicológicas, a garota ainda enfrenta padrões ambígüos na
formação de sua identidade.
Assim, a jovem enfrenta mais um desafio na vivência de sua se-
xualidade. Além da ambigüidade social, condenação e incentivo ao sexo
veiculado pela mídia falada e escrita, enfrenta também a dubiedade in-
trojetada: sexo e culpa, que nor acompanha desde o nascimento da família
buguesa. Esse modo negativo de se relacionar com o sexo permeia nossas
idéias e valores que se materializam em práticas socials, isto é, em modos
de expressarmos nossa sexualidade. O casamento, em que pese os desen-
contros e desencantos, continua sendo legalmente legitimado para o exer-
cício das relações sexuais.
Por outro lado, as contradições se fazem presenter. Atualmente, as
garotas têm maior acesso aos anticoncepcionais, o que sem dúvida lhes
trouxe maior liberdade, permitindo-Ihes a opção de ter relações sem risco
de gravidez antes do casamento. Entretanto, as estatísticas mostramram-
nos que as relações sexuais ocorrem sem uma prevenção. Segundo levan-
tamento estatístico realizado pelo MEC (Ministério da Educação e
Cultura) (LAGOA, 1991), são feitos 1 milhão de partos por ano em mães
adolescentes. Outro número bastante preocupante é o de abortos: de 15
milhões de garotas com idade entre 10 a 19 anos, calculado pelo IBGE,
130 mil já praticaram abortos espontâneos ou provocados, apro-
ximadamente de cada 100 abortos, 2,5 são de adolescentes. Estes dados
nos mostram que as relações sexuais estão ocorrendo, entretanto, muitas
adolescentes não têm tornado precauções em relação à possibilidade da
gravidez.
Quando esta ocorre, a sexualidade da garota, assim como a do
garoto, que os pair fazem de conta que não existe, é denunciada às
claras. Só que há uma diferença marcante, a garota é muito mais cobra-
da em relação à responsabilidade, já que sua sexualidade não é vista com
bons olhos e é ela quem fica grávida. A prática da sexualidade dos
rapazes é vista com certa benevolência e incentivo, pois seu exercício
mostra sua masculinidade, virilidade, fator essencial para a formação da
identidade do futuro adulto. E para a garota? A expressão de sua sexua-
lidade é vista de maneira mais ambígüa e contraditória. Ela deve ser
sedutora mas ao mesmo tempo passiva, de preferência não deve ceder
aos desejos do parceiro para mostrar-lhe que não é uma “garota fácil”.
Pais e professores silenciam e raramente lhe falam sobre métodos anti-
concepcionais, afinal fazer isso seria encarar a possibilidade de que os
jovens são seres sexuais. No entanto, o fato de não se falar de sexuali-
172 R.B.S.H. 7(2):1996

dade não tem impedido os adolescentes de terem relações sexuais. O


agravante denunciador dessas relações é que são realizadas sem uso de
método anticoncepcionais. Quando os jovens fazem uso deles, os pais
dissimulam que desconhecem tal prática. Tudo é velado ao mesmo
tempo em que tudo acontece.
Estudos (TAQUETTE, 1991; TAKIUTI, s/d; VITTIELLO, 1988),
nos vêm mostrando que o grau de informação sexual existente entre os
jovens é pouco frente às suas reais necessidades. Entretanto, ressaltam tam-
bém que mesmo os adolescentes que possuem informações, ou que dizem
possuí-las, têm dificuldades para usá-las na vida cotidiana. Dessa forma
estes estudos evidenciam que é necessário mais do que uma aula de anato-
mia ou fisiologia. Torna-se essencial aliar informação com discussão, ori-
entação para os jovens colocarem suas dúvidas, medos, preocupações e
também para que possam relacionar as informações com suas experiências
afetivas e sexuais.
Esses autores vêm nos alertando que a gravidez nesse momento do
desenvolvimento pode ter uma série de significados para a garota como por
exemplo alcançar a independência da família, provar sua capacidade de
gerar uma criança, ou seja não necessariamente ao falarmos de gravidez na
adolescência estamos falando em gravidez indesejada. No entanto é
importante refletirmos até que ponto esse desejo é real, no sentido de con-
duzer com o momento e contexto em que a jovem vive. Muitas vezes ela
não pensou na reação do companheiro, da família e no que a gravidez acar-
retaria para seu projeto de vida que inclui sem dúvida alguma, o profis-
sional.
TAKIUTI (s/d) mostra de maneira muito clara a confusão de rea-
ções da jovem ao saber que está grávida. Vivendo um momento de
mudanças onde tem muito de criança e algumas características de adul-
to, é comum a jovem negar a gravidez, achando que o atraso na mens-
truação é causado por algum outro motivo, muitas vezes a garota não
associa a gravidez à relação sexual. O que acontece é que geralmente, o
acompanhamento pré-natal só começa quando a gravidez já está mais
adiantada, sendo este um dos principais fatores de risco da gravidez na
adolescência.
A este junta-se a falta de oportunidades de dialogo com a família, a
rejeição por parte do companheiro. Desse modo a jovem vê-se diante de
pressões psicológicas somadas aos transtornos de ter que abandonar os
estudos, cuidar do filho, a dificuldade de conseguir um emprego. Ao
mesmo tempo, a mídia incentiva cada vez mais o exercício da atividade
sexual, seja por intermédio de novelas, filmes, ou de propagandas em que
R.B.S.H. 7(2):1996 173

muitas vezes o erótico se confunde com sexo explícito. Os jovens são


incentivados a terem relações sexuais e ao mesmo tempo não possuem
espaço para refletirem sobre essa prática.
Diante desse contexto, realizamos esta pesquisa buscando com-
preender não só como as adolescentes vivenciaram a gravidez na adoles-
cência, irias também como os rapazes enfrentam esse momento.

METODOLOGIA

Utilizamos a trajétoria fenomenológica proposta por Joel Martins e,


(MARTINS & BICUDO, 1989) uma vez que esta nos possibilita ampliar a
compreensão em relação ao fenômeno indagado.
A fenomenologia é uma maneira de ver o mundo voltada para a
sua compreensão e interpretação. É entendida também como uma me-
todologia de pesquisa, propondo um método de compreensão do fenô-
meno interrogado, focalizando a experiência e sua significação.
Fenômeno, do grego phaenomenon, é tudo aquilo que se mostra, o que
se revela a consciência. Assim, a fenomenologia abordará o fenômeno
tornando-se por base a experiência que a consciência possui dele. Ela
busca chegar à compreensão de um fenômeno da maneira como ele se
mostra à consciência, tal como é percebido e relatado pelo sujeito que o
experiencia.
Nesse sentido, torna-se essencial o discurso do sujeito que expe-
riência e/ou experienciou o fenômeno interrogado, razão pela qual ouvimos
o discurso de sujeitos que experienciaram a maternidade e a paternidade na
adolescência.
Para realizar esta abordagem, o pesquisador deve realizar a redução
fenomenológica, a epoché ou suspensão, de modo que seus juízos, precon-
ceitos e idéias interfiram o ininímo possivel na apreensão do fenômeno.
Serviram de trilha na trajetória em busca da compreensão da mater-
nidade e paternidade na adolescência as categorias autenticidade e inau-
tenticidade propostas por Heidegger (apud BEAINI, 1981 e MENEZES
JR, 1987).
Em estado inicial de autenticidade, ou seja, lançado ao mundo sem
consciência de suas possibilidades enquanto ser, o homem tem aberto
diante de si o processo de caminhada rumo à autenticidade.
Para BEAINI (1981), a linguagem é o que diferencia o homem dos
outros seres vivos, e sua manifestação característica de um estado inau-
têntico é a tagarelice, ou seja, o uso do discurso dos outros, uma vez que
174 R.B.S.H. 7(2):1996

neste estado, o homem tem como referência os outros e não a si mesmo. É


ao longo da vida, com suas experiências, que o homem pode vir a trilhar o
caminho em direção à autenticidade. Assim, o estado de inautenticidade faz
parte da existência de todo homem.
A autenticidade é um estado de consciência do homem em
relação às suas possibilidades de existência que é marcada pela morte. O
despertar da autenticidade vai fazendo com que o ser humano com-
preenda que, apesar de não ter participado ativamente de seu lançamen-
to no mundo, possui responsabilidade em relação ao seu projeto de vida.
Essa trajetória é permeada pela angústia, sentimento que permite ao ser
humano perceber-se no seu modo de existir inautêntico, a fim de
vir-a-ser autêntico.

Sujeitos

Participaram desse estudo 24 jovens que se dispuseram a relatar


suas experiências. Desses, todas pessoas conhecidas, 10 foram contactados
com base em um conhecimento prévio na própria universidade; os outros
14, foram convidados a participar da pesquisa e voluntariamente dispuse-
ram-se a relatar suas experiências.
Do total, 20 pertenciam ao sexo feminino com idade entre 15 a 21
anos.
Com relação ao grau de escolaridade, 7 (sete) possuíam o 1° grau
incompleto, 5 (cinco) o 2° grau incompleto, 1 (um) o 2° grau completo
e 7 (sete) o 3° grau incompleto. Com relação ao nível sócio-econômico
9 (nove) sujeitos do sexo feminino eram de classe sócio econômico de
média renda, e 11 (onze) eram de classe sócio-econômico de média
baixa renda.
Participaram 4 sujeitos do sexo masculino com idade entre 18 e
21 anos, dos quais 3 (três) possuíam 3° grau incompleto e 1 (um) pos-
suia 1º grau incompleto. Com relação ao nível sócio-econômico 3 (três)
pertenciam à classe sócio-econômica de média renda e 1 (um) de baixa
renda.

Instrumentos utilizados

Utilizamos a entrevista para apreendermos as experiências dos su-


jeitos em relação à maternidade e à paternidade e utilizarmos a questão
R.B.S.H. 7(2):1996 175

“Como você está experienciando e/ou experienciou a gravidez?” para


mediar o encontro com as garotas e a questão “Como você está experien-
ciando e/ou experienciou a paternidade?” para os rapazes.
Importa destacar aqui que a pesquisa pretendia entrevistar os garo-
tos que engravidaram as garotas. Entretanto isso não foi possível e os
motivos apresentados pelas garotas foram: abandono por parte dos par-
ceiros e/ou o rapaz preferiu não participar. Dessa forma, foram obtidas ape-
nas 4 entrevistas dos rapazes. O silêncio dos garotos chamou-nos a
atenção, razão por que nos lançamos às seguintes indagações: O que leva
o rapaz a silenciar-se em relação à gravidez da parceira? Como vivencia ele
a paternidade? Afinal, que é paternidade na adolescência? Estas são
questões que ainda estão sem respostas, mas que nos movem a aprofundar
nossos estudos na pós-graduação.
As entrevistas foram gravadas em cassete e, em alguns casos, quan-
do os sujeitos não permitiram a gravação, a transcrição ocorria concomi-
tante à entrevista. Todas ocorreram no ano de 1992.

Momentos da análise dos discursos

Após a transcrição, os discursos foram submetidos aos momentos


da análise e vão descritos a seguir:

- Leitura das entrevistas do princípio ao fim com o intuito de


apreender o sentido e o significado do discurso numa perspectiva global.
- Releitura dos discursos visando discriminar as “unidades de sig-
nificado” por uma perspectiva psicológica, focalizando o fenômeno es-
tudado. Essas unidades ocorrem sempre que o pesquisador percebe uma
mudança psicológica e sensível de significado da situação para o sujeito. A
realidade psicológica na pesquisa qualitativa não está pronta, mas é con-
struída pelo pesquisador no decorrer da análise.
- Após a obtenção das unidades de significado, buscam-se as con-
vergências entre as unidade identificadas e expressa-se o significado con-
tido nelas (análise ideográfica*).

* ANÁLISE IDEOGRÁFICA-Corresponde à compreensão de idéias, ideologias que per-


meiam o discurso de cada sujeito (MARTINS & BICUDO. 1959. p. 100).
176 R.B.S.H. 7(2):1996

- Síntese de todas as unidades e integração dos insights nelas conti-


dos, transformadas em uma descrição consistente da estrutura situada no
fenômeno, ou seja, nesse momento, obtêm-se a essência do fenômeno
interrogado (análise nomotética*).

APRESENTAÇÃO DAS UNIDADES DE SIGNIFICADO

1 - Sentimentos das garotas em relação à gravidez

Ishtar,** grávida com 20 anos, 3° grau incompleto, o filho tem três


anos.
“Quando eu soube que estava grávida, fiquei desesperada. Pensei na
minha barriga grande, na cara das pessoas quando soubessem, e na minha
vida que iria mudar bastante - casamento, responsabilidade, vida a dois...
No início achava que a coisa não era séria, que aquilo não podia ser ver-
dade”.

Tamires, 16 anos, 2° grau incompleto, 8° mês de gravidez.


“Queria?... Não era assim que eu queria, assim sabe, aconteceu... no
começo quando eu fiquei... grávida... eu tentei tomar algum remédio, mas
no fundo eu não queria tirar... o bebê... eu queria ter, né?”.

Jocasta, 18 anos. 2° grau incompleto, 6° mês de gravidez.


“Eu pensei que não ïria acontecer comigo...”

Pamina, grávida com l7 anos, 2° grau incompleto, o filho tem 1 ano.


“Eu não pensei se eu podia ficar grávida, nem passou pela minha
cabeça. (...) Eu não quis tirar... o bebê... não...”.

* ANÁLISE NOMOTÉTICA-O termo nomotético deriva-se de nomos que significa uso de


leis. Trata-se então de uma compreensão dos aspectos mais gerais do fenômeno estudado
(MARTINS & (BICUDO, 1989, p. 105).
** Todos os nomes utilizados são fictícios de maneira a preservar a identidade dos sujeitos.
R.B.S.H. 7(2):1996 177

Perséfone, l7 anos, 2° grau incompleto, 6° mês de gravidez.


“Quando recebi a notícia da gravidez só pensava em aborto (...) eu
não cheguei a tentar o aborto por falta de coragem (...) Só parei de pensar
em aborto, de chorar, quando sente proteção dentro de casa.”

2 - As jovens frente à reação dos familiares

Jocasta, 18 anos.
“Minha mãe no começo não acreditava muito, achava que tinha que
casar, que o pai tinha que assumir (...) meu pai não aceita muito (...)

Ishtar...
“(...) a reação da minha sogra foi tão violenta que não sobrou cora-
gem para contar para minha própria mãe (...) ela... a sogra... sempre me cul-
pando muito...”

Penélope, 19 anos, 2° grau completo, filho recém-nascido.


“No começo receberam mal a notícia (...) depois foram se acostu-
mando com a idéia, todo mundo me apoiou”.

Helena, 17 anos, l ° grau incompleto, 4° mês de gravidez.


“Com a minha mãe foi tudo bem, ela foi muito boa. Meu pai queria
me matar, é dessas pessoas preconceituosas. Até hoje não conversa comi-
go”.

3 - As garotas e a (falta de) orientação sexual

Astártis, 18 anos 1° grau incompleto, 5° mês de gravidez.


“Lá em casa ninguém me falava nada, ele... o parceiro... também
não tinha preocupação...”

Antígona, 15 anos, 1° grau incompleto, 3°mês de gravidez.


“A minha mãe não conversava dessas coisas... de como evitar
filho... comigo, nem as outras pessoas.”
178 R.B.S.H. 7(2):1996

Tamires, 16 anos.
“(...) a nível de orientação eu nunca tive em casa, nunca ninguém
chegava pra mim, meu pai, minha mãe e falavam ‘olha isso aqui você não
pode fazer’... em casa ninguém me explicava nada”.

Jocasta, 18 anos.
“(...) nunca tive orientação dos meus pais”.

Pamina, 17 anos,
“(...) minha mãe sabia que eu fazia... sexo.... eu também nem sabia
o que eu ia fazer, na hora... da relação... eu nem pensei”.

4 - A visualidade do futuro pelas garotas após a gravidez

Tamires...
“(...) mais pra frente, talvez, quando o bebê ficar grande, aí pode ser
que eu venha a fazer algum curso (...) aí eu volto a trabalhar, dou um tempo
nos estudos, aí depois eu volto se tiver condições (...)”.

Perséfone...
“Eu pensava em estudar, fazer Direito (...) agora mudou, não ga-
ranto mais fazer Direito, perdi a vontade ......

Ísis, 20 anos, 16 anos, 1° grau incompleto, filho com 1 ano.


“(...) hoje eu me arrependo de ter largado dos estudos, mas também
eu penso em voltar a estudar (...) vou esperar ele... (o bebê)... crescer um
pouquinho, aí eu volto... a estudar ......

Jocasta...
“(...) sinto muita tristeza de saber que muitas coisas vão ser dife-
rentes, não vou mais poder sair, passear, posso até sair, mas não vai ser a
mesma coisa, tenho o filho pra cuidar (...)”.

5 - Os rapazes perante a paternidade

Caio, 21 anos, 3° grau incompleto, parceira grávida de 5 meses.


“Agora superada em parte a maioria dos problemas, tenho grande
expectativa em relação ao nascimento do meu filho, bastante ansiedade e
R.B.S.H. 7(2):1996 179

alegria (…) A Perspectiva de ser pai me cativa e amendronta, pois a respon-


sabilidade aumenta a cada dia...”.

Creonte, 21 anos, 3° grau incompleto, parceira grávida de 7 meses.


“Eu ‘tô’ me sentindo meio assim... você se altera muito, eu ‘tô’ me
sentindo assim com uma carga muito maior de responsabilidade…

Febo, 18 anos, 1° grau incompleto, filho com 1 ano.


“Para mim ser pai é uma coisa boa, é uma emoção diferente, é uma
nova vida que a gente aprende a levar... é uma vida de mais responsabi-
lidade”.

Laio, 20 anos, 3° grau incompleto, o filho tem três anos.


“(...) as coisas aconteceram numa rapidez muito grande e quando
ele nasceu fiquei perplexo: ‘eu pai?”’.

6 - A reação das famílias dos rapazes

Caio...
“(...) a grande maioria da minha família de chocou diante da notí-
cia”.

Creonte...
“(...) as famílias... aceitaram super bem”.

Laio...
“Sofremos muita pressão psicológica no início da gravidez, pois
não éramos casados e a gravidez surgiu”.

COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO
DOS DISCURSOS

Análise Ideográfica e Nomotética

Os discursos apresentados na Categoria 1 mostram-nos que, para as


garotas entrevistadas, a gravidez foi, de maneira geral, inesperada, ou pelo
180 R.B.S.H. 7(2):1996

menos, não planejada para aquele momento. A reação pessoal diante da


gravidez foi de surpresa, espanto, e as garotas apresentaram geralmente a
idéia de que uma gravidez nunca ocorreria com elas, mas sempre com “as
outras”, idéia esta presente entre as jovens entrevistadas, a que também é
citada nos estudos de TAKIUTI, s/d a DESSER, 1993. Esta atitude re-
vela-nos um modo de existência marcado pela inautencidade, pois as
jovens parecem não se perceber enquanto sujeitos participantes e respon-
sáveis pelo próprio corpo e pela gravidez. Podemos perceber mais clara-
mente este acontecimento nas falas de Ishtar que achava “quo a coisa não
era séria”, Tamires que afirma que a gravidez “aconteceu” e Jocasta, que
falou “eu não pensei se eu podia ficar grávida...”.
O ser humano não tem como escapar ao fato de ter sido lançado no
mundo, essa é a sua facticidade. Nesse estado inicial, que necessariamente
nã o é percebido pelo ser humano ao longo de sua existência, ele se con-
funde com as coisas e pessoas que o rodeiam, repetindo o que os outros lhe
dizem. É o que os discursos das jovens nos evidenciam, mergulhadas no
mundo de impessoalidade, não se percebem enquanto seres diferenciados
dos outros, com responsabilidade sobre o seu próprio modo de ser. As
reações diante da gravidez revelam que a sexualidade e a própria existên-
cia em seu cotidiano são marcadas pela indiferença e alienação.
As famílias (Categorias 2 e 6) também apresentaram reação seme-
lhante à das garotas, surpreendidas logo após saber da gravidez, algumas
até reagindo de maneira negativa, como nos mostrou lshtar “a reação da
minha sogra foi tão violenta que não sobrou coragem para contar para
minha própria mãe” a Helena que disse: “ meu pai queria me ‘matá’, é
dessas pessoas preconceituosas”. Mesmo assim, acabaram por aceitar a
maternidade ou paternidade dos filhos.
Essa aceitação merece ser analisada mais profundamente.
Ao longo do processo sócio-histórico e cultural vivido pela huma-
nidade, a sexualidade humana sempre foi e é regida por normas e leis, que
permitem determinadas práticas e reprimem outras. Este processo é mar-
cado em nossas práticas atuais pela tradição cristã, a qual ao longo de seu
surgimento e expansão foi influenciando cada vez mais as práticas sexuais,
de acordo com a época e ideologia vigentes (CHAUÍ, 1984).
O sexo, de pecado, tornou-se mal necessário, desde que sue prática
acontecesse na instituição casamento, sempre com fins procriativos. Este
discurso, sobre novas roupagens, com diferenças na tonalidade, permeia
ainda hoje nossas práticas sexuais.
R.B.S.H. 7(2):1996 181

Neste sentido, deparar-se com uma gravidez na adolescência, é


deixar à mostra uma série de atitudes que não são bem vistas socialmente.
Para a garota é ter que assumir publicamente que não é mais virgem,
que está tendo vida sexual ativa sem pensar na procriação; é ter que
assumir que nã o agia conforme as normal vigentes. Os pais, além de ter
que reconhecer a prática sexual dos filhos, acabam também por ter que
cuidar do bebê, já que os jovens pais dificilmente têm condições econômi-
cas para assumir todas as despesas.
Os pais defrontam-se com a realidade atual na qual apesar da
existência dos discursos mais amigos, que são bastantes nas práticas sexu-
ais a que defendem a restrição da prática sexual, há um novo discurso que
está pedindo cada vez mais um espaço.
Em relação à orientação sexual (Categoria 3), os discursos das garo-
tas evidenciam que é praticamente inexistente em seu dia-a-dia a oportu-
nidade de conversarem sobre suas dúvidas a respeito da sexualidade com
pais e professores. O sexo é ainda hoje um assunto polêmico, e as pessoas
têm dificuldade de abordá-lo. Os jovens, com ou sem oportunidade de
obterem informações e poderem conversar sobre o sexo, estão tendo
relações sexuais.
Muitas pessoas acreditam que o importante é fornecer aos adoles-
centes informações sobre anticoncepcionais, fisiologia humana ou trans-
missão de DSTs*. Estas informações são importantes, porém não só elas.
Muitos jovens conhecem os nomes dos órgãos reprodutivos, vários anti-
concepcionais e mesmo assim engravidam ou têm uma DST. Deve-se levar
em consideração que a sexualidade humana não se resume apenas à fisio-
logia e à prevenção, mas sofre grande interferência de aspectos afetivos,
preconceitos, normas morais, vigentes em diferentes épocas e culturas.
Assim, os jovens muitas vezes preferem não perguntar aos pais ou
professores com medo de serem repreendidos; sentem-se mais à vontade
para conversar com um amigo, geralmente tão mal informado, ou com tan-
tas dúvidas, quanto eles próprios. E vemos, então, jovens e adultos percor-
rendo o caminho de suas existências, envoltos pela inautenticidade, numa
sociedade que incentive o aqui e o agora, não lhes possibilitando momen-
tos de reflexão, de análise do contexto em que vivem.
Neste estudo. buscamos compreender não só a maternidade, mas
também a paternidade na adolescência. Entretanto, só nos foi possível
obter quatro (4) depoimentos dos rapazes. Dessa forma, em primeiro

* Doenças Sexualmente Transmissíveis.


182 R.B.S.H. 7(2):1996

lugar, deparamo-nos com este fato significativo: a dificuldade de


contactarmos jovens pais dispostos a relatar suas experiências em
relação à paternidade.
Os discursos dos rapazes que participaram dessa pesquisa revelam
que a gravidez da companheira modificou de forma significativa suas
vidas. Caio disse que “(...) a perspectiva de ser pai me cativa e amedronta,
pois a responsabilidade aumenta a cada dia...”, Creonte disse estar se
sentindo “com uma carga muito maior de responsabilidade”, para Febo
“ser pai é uma coisa boa, é uma nova vida (...) de mais responsabilidade”
e Laio disse que as coisas aconteceram muito rápido e “fiquei perplexo: ‘eu
pai”’.
As convergências das falas mostram-nos que, com a gravidez da
parceira, a responsabilidade dos rapazes aumenta, quando resolvem as-
sumir a paternidade. Os pais entrevistados destacaram este aspecto de
mudança em suas vidas, entretanto nós nos deparamos com o silêncio dos
demais pais que foram convidados a falar sobre suas experiências. O que
os levou a esse silêncio?
Este silêncio é bastante significativo, pois ele nos mostra a perma-
nência dos valores contraditórios na nossa sociedade no que se refere à se-
xualidade, tal como já citamos anteriormente, ou seja, apesar da busca da
igualdade entre homens e mulheres, o silêncio dos rapazes revela-nos que
eles não estão sendo educados para ser pais ou para dividir respon-
sabilidades com as mulheres. Apesar das mudanças inseridas ao longo da
Revolução Sexual, as idéias e valores existentes anteriormente a ela con-
tinuam a exercer suas influências em nosso dia-a-dia.
O cuidado a preocupação com os filhos, por exemplo, são conside-
rados por muitas pessoas como responsabilidade e função da mulher.
Mesmo com a participação cada vez maior das mulheres no mercado de
trabalho, o que ocorre é que poucos são os homens que dividem com as
mulheres trabalhadoras as tarefas domésticas.
A paternidade, tal qual a concebemos hoje, enquanto uma
possibilidade de expressão afetiva, é um conceito recente. Em relação à
preocupação com a descendência, de maneira a que os bens pudessem
permanecer com a mesma família, o conceito de paternidade aparece
desde os primórdios do judaismo, sofrendo modificações ao longo do
processo histórico (ARIÉS, 1981). Nessa época a demonstração de afeto
do pai para com o filho não era comum. Ainda hoje é mais marcante a
figura materna como responsável pelo cuidado e relações afetivas com
os filhos.
R.B.S.H. 7(2):1996 183

Diferente das meninas, que desde pequenas são educadas e prepa-


radas para ser mães, os rapazes poucas, senão nenhuma oportunidade têm
de pensar a respeito da paternidade.
Esse modo de ser reflete-se na falta de responsabilidade quanto à
tomada de precauções em relação a uma gravidez não planejada, e até no
próprio silêncio desses jovens. Para ocorrer uma gravidez é necessária a
participação de um homem e de uma mulher, entretanto a cobrança recebi-
da pela garota em relação à responsabilidade, aos cuidados para evitar uma
gravidez é muito maior do que a que o rapaz recebe. Afinal, quem é que
fica grávida? Quem é que tem a criança? A gravidez é visivel, maternidade
é um fato que não pode ser escondido, já a paternidade... O rapaz pode se
negar a assumir a paternidade, afinal, “quem garante que aquela criança é
realmente filha dele?”.
Após a gravidez, como revela a Categoria 6, as garotas vivenciaram
mudanças em seus planos para o futuro. Mudanças que não eram espe-
radas, nem foram planejadas, evidenciando-nos mais uma vez uma postura
de inautenticidade em relação ao modo de expressarem sua sexualidade. A
percepção de si enquanto sujeitos de sua sexualidade, responsáveis pelos
seus atos é praticamente inexistente e os planos para o futuro tornam-se
vagos, ficam à mercê do que ocorrer após o nascimento do filho, ou após
o bebê crescer. Tamires diz: “mais pra frente, talvez, quando o bebê ficar
grande” pode ser que “venha a fazer algum curso” ou “volto a trabalhar”,
isso se “tiver condições”. lsis disse “vou esperar ele... o bebê... crescer um
pouquinho aí eu volto... a estudar”. Perséfone queria fazer faculdade de
Direito, mas disse que “agora mudou, não garanto mais fazer Direito, perdi
a vontade”.
Estas mudanças nos projetos de vida revelam que em primeiro
lugar, os planos para o futuro ainda eram bem vagos, talvez em processo
de amadurecimento. Fazer uma faculdade, fazer algum curso, trabalhar,
essas metas se modificaram com a gravidez. O futuro, após a gravidez,
ficou na dependência do nascimento do bebê, de seu crescimento... A
gravidez que “aconteceu” transformou a trajetória de vida dessas garotas e
muitas possivelmente não voltarão a estudar.

HORIZONTES

Esta pesquisa revelou-nos que o modo de ser dos adolescentes


entrevistados, de maneira geral, é marcado pela inautenticidade.
184 R.B.S.H. 7(2):1996

A gravidez não é esperada, a falta de planejamento da mesma faz


com que os projetos de vida venham a ser modificados. As garotas acabam
por interromper os estudos, se não totalmente ao menos, durante a gravidez
e os primeiros meses de vida do bebê. A participação e apoio da família tor-
nam-se essenciais, já que os jovens ainda com escolarização incompleta
não têm como se manter economicamente.
A orientação sexual torna-se premente, orientação vista aqui não só
como informação de fisiologia, ou prevenção de doenças a uso de anticon-
cepcionais. A informação faz parte de um processo mais amplo em que os
jovens possam contextualizar as informações com as suas experiências, o
que envolve dúvidas, receios, fantasias, conflitos...
Quando falamos da sexualidade do adolescente, não deixamos de
falar da nossa própria sexualidade.
Falar em orientação sexual, em educação é fácil, como vemos atual-
mente na mídia e também em muitos locais que se propõem realizá-la.
Dificil, no entanto, é sua práxis, já que ela envolve uma reflexão do que
sicgnifica a sexualidade em nossa vida, uma visão crítica a respeito de sua
inserção num contexto mais amplo.
Os adolescentes, e não só eles, questionam sobre as práticas atuais
levando-nos a re-pensar nossas práticas e idéias. Entretanto, é possível
abrirmos espaço para nós e para eles à medida que nos despirmos de nos-
sos próprios receios, medos, preconceitos e mostrarmos que também não
sabemos tudo a respeito da sexualidade, mas que estamos dispostos a tro-
car experiências.
Com base nesse espaço poderá ser possível uma vivência da sexua-
lidade com mais responsabilidade, tanto pelas garotas como também pelos
rapazes, em que a anticoncepção seja co-responsabilidade.
Torna-se cada vez mais presente este espaço para a reflexão junto
aos jovens, uma vez que o número de gestação na adolescência tem cresci-
do e a AIDS está em nossas vidas, merecendo especial atenção.
É na adolescência que o futuro torna-se preocupação maior por
parte de garotas e rapazes e para vivê-lo é importante viver bem o presente.
Os jovens entrevistados anseiam por maior diálogo, orientação e
espaço. Os pais geralmente acabam por assumir as responsabilidades dos
filhos, quando abrigam a jovem família. Este fato revela uma postura que
reforça uma postura inautêntica por parte dos jovens, já que eles acabam
por não assumir responsabilidades. O contexto social, que não possibilitou
aos adolescentes a prevenção da gravidez, acaba por reforçar a inau-
tenticidade também após ela ter ocorrido.
R.B.S.H. 7(2):1996 185

Numa sociedade em que o status adulto é adquirido cada vez mais


tarde, principalmente nos estratos sócio-econômicos mais elevados, é
Importante que os jovens tenham alternativas para suas vidas e que viven-
ciem sua sexualidade, sim, mas com responsabilidade consigo e com as
outras pessoas. Este contexto tem aumentado em complexidade à medida
que a realidade social tem sofrido mudanças. A competitividade do merca-
do, a crescente especialização profissional vão exigindo graus cada vez
maiores de escolaridade por parte dos estratos médio e alto da sociedade,
ao mesmo tempo que tem diminuido as possibilidades por parte dos mem-
bros das classes sócio-econômicas de baixa renda.
Sendo assim, apesar de biologicamente os adolescentes estarem
aptos a ter filhos, as possibilidades financeiras lhes são cada vez mais
remotas, ou seja, o período da adolescência, por parte dos jovens de classe
sócio-econômica média e alta é estendido. Apesar disso, as relações sexu-
ais ocorrem em idade cada vez mais baixas, e isto em todos os estratos
sociais. O mesmo ocorre com a gravidez precoce, o que faz com que seja
premente a busca de práticas que minimizem essa situação.
Vemos no diálogo a possibilidade de busca de caminhos que pos-
sibilitem o repensar das praticas atuais. Apesar de adultos e adolescentes
viverem numa sociedade que prioriza as mudanças rápidas, o diálogo
poderá servir de trilha para possibilitar uma reflexão conjunta e de alter-
nativas para a qualidade de vida de todos em relação a uma maior autenci-
cidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O conceito de relação sexual:
um estudo exploratório qualitativo
The concept of sexual
intercourse: a qualitative
exploratory stud
2
Paulo César Ribeiro Martins*

RESUMO

O objetivo deste estudo é descrever o conceito de relação sexual de


7 homens e 7 mulheres, entre 24 a 36 anos, que têm vida sexual ativa há
mais de 2 anos com a mesma pessoa. Conceito é entendido no seu sentido
etimológico, que sugere algo concebido dentro da pessoa, através de suas
experiências vividas. A metodologia se baseia nas contribuições da feno-
menologia. Na conclusão constam 5 aspectos invariantes dos conceitos de
R.S.: 1. Não é descrito como ato mecânico em seu significado. 2. É algo
importante na vida do sujeito. 3. Seu objetivo é o prazer sexual. 4. Não há
diferença significativa entre os conceitos de homens e os de mulheres. 5. É
uma relação que envolve afeto, amor, querer bem, dar-se bem com o outro
e prazer. As variantes são apresentadas em torno dos seguintes temas: 1. O
que é R.S. 2. Caminhos para que ocorra. 3. O que ela inclui. 4. O que

* Baseado em dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica.


Recebido em 20.11.95 Aprovado em 04.12.95
188 R.B.S.H. 7(2):1996

ocorre. 5. O que ocorreu com o tempo. 6. A importância no casamento. 7.


O prazer sexual.
Palavras-chave: relação sexual, sexualidade, pesquisa fenomenológica.

SUMMARY

This research relates the concept of sexual intercourse. Seven cou-


ples were studied. All have been married for more than two years, between
24 and 36-years-old. This concept involves experiences that persons have
lived. The methodology used is basead on contribuitions of the phenome-
nology. The conclusion shows the feve invariable elements of the sexual
intercourse: 1. The sexual intercourse is not viewed a mechanic act. 2.
They attribute importance to the sexual intercourse. 3. The aim of the sex-
ual intercourse is the pleasure. 4. There is no significative difference
between men and women. 5. Is a relationship where love, mutual caring an
pleasure are important. The variables are seven: 1. What is sexual inter-
course. 2. The ways to the realization. 3. What is included. 4. What hap-
pens. 5. What happened with the time. 6. The importance in the marriage.
7. The sexual pleasure.
Key-words: sexual intercourse, sexuality, phenomenological research.

INTRODUÇÃO

Conceito é proveniente do latim (conceptum), que quer dizer o que


foi concebido (particípio passado do verbo conceber). Conceptum vem de
cum (= com, juntamente) + ceptum (= tomado, pegado), e significa toma-
do juntamente. Aquilo que foi tomado juntamente com a “Coisa”, aquilo
que se formou dentro da pessoa e que corresponde a um captar a coisa um
todo (TORRINHA, 1937). Ceptum é o particípio passado do verbo capio
(na 1ª pessoa) ou capere (no infinitivo), que significa pegar, acolher. Por
isso está na raiz de palavras portuguesas como conter, conceber, capturar,
etc. (SOUSA, s/d).
No caso da experiência de relação sexual (R.S.), a pessoa que tem
vida sexual ativa vai conceber algo a esse respeito, que vai ser só seu. Cada
pessoa vai conceber a R.S. à sua maneira. Denominei este conceber dentro
da pessoa de conceito pessoal. Entretanto, juntamente com os aspectos
R.B.S.H. 7(2):1996 189

próprios de cada pessoa (variantes do conceito), temos também estruturas


comuns a grupos de pessoas, que são suas invariantes (GAMBO, 1989;
FORGHIERI, 1993). Conhecer esses dois aspectos de certos conceitos
pode ser muito importante na clínica, pois permite que, através da com-
preensão do conceito do paciente, possa ser entendido melhor o significa-
do da sua queixa, facilitando o atendimento.
No que diz respeito à R.S., esta é entendida como a união dos
órgãos genitais no ato conhecido como coito, existindo relações inter-
mediárias com o parceiro, como o tocar e o olhar, que se situam no cami-
nho do coito e são conhecidas como preliminares (FREUD, 1905).

MÉTODO

A fenomenologia propõe que o paradigma das ciências naturais


não é o mais adequado para as ciências humanas (FRANÇA, 1989).
Tratando-se de reações humanas é muito difícil estabelecer a relação de
causa e efeito, a preocupação está em descrever a experiência tal como
o indivíduo a expressa, seja através da fala, escrita ou gestos. Uma das
principais finalidades do método não é fornecer novas informações,
mas sim tornar explícitas aquelas idéias implícitas que baseiam o com-
portamento e as experiências da vida. Sua tarefa é revelar-nos o que já
sabemos, para que estejamos menos confusos sobre nós mesmos
(KEEN, 1975).
A fenomenologia não quer ver o acontecimento como um exemplo
desta ou daquela teoria (GIORGI, FISHER e ECKARTSBERG, 1980),
mas quer vê-lo como um fenômeno por si mesmo, com sua própria estru-
tura e significação. Outro aspecto importante deste tipo de análise é que,
embora este método pareça muito intelectual, a tonalidade emocional da
experiência vivida do pesquisador e do sujeito da pesquisa está em jogo o
tempo todo, desde a abordagem para aceitar a ser sujeito da pesquisa, até a
escrita final da análise de sua entrevista.

Sujeitos da pesquisa

Os sujeitos são 7 homens e 7 mulheres, todos casados, no mínimo


por 2 anos, e com atividades profissionais estáveis. A faixa etária varia
entre 24 e 36 anos (quadro 1).
190 R.B.S.H. 7(2):1996
R.B.S.H. 7(2):1996 191

Material e procedimento

Optei por uma única entrevista, contendo apenas uma pergunta ori-
entadora, que foi: Para você o que é relação sexual? Esta pergunta foi
inspirada pelos seguintes motivos: a. no prefácio que Joel Martins escreve
no livro de MEIRA (1986), sugerindo que se pergunte o que são os fenô-
menos da vida diária; b. tentei ser original, pois não encontrei estudos
sobre sexualidade que partissem desta pergunta; c. por acreditar que este
tipo de pergunta, não sendo comum, pode provocar um impacto fazendo
com que o sujeito produza uma fala autêntica (AMATUZZI, 1989), falan-
do sem pensar previamente; d. e, porque, a partir de um estudo piloto, a
pergunta se mostrou eficiente.
Aos sujeitos da pesquisa falei que pretendia realizar um estudo
sobre sexualidade. Expliquei a importância da entrevista ser gravada para
que fosse transcríta o mais fielmente possível. Todas as entrevistas foram
realizadas no consultório do pesquisador como fizeram GOMES, RECK e
GANZO (1988). O encontro com os sujeitos teve a duração de, apro-
ximadamente, 15 minutos.

Procedimento da análise dos dados

Os passos da análise foram os seguintes: 1. Realizei uma leitura


atenta de cada entrevista, do começo ao fim, tentando captar o sentido
global da mesma. 2. Uma vez a compreensão do todo bem entendida,
voltei ao texto, levando-o até o fim, discriminando as unidades de signi-
ficado. 3. Estando as unidades de significado bem delimitadas, retornei a
elas, expressando mais diretamente os insights psicológicos contidos
nelas, transformando-as em “linguagem psicológica”. 4. As unidades
transformadas em linguagem psicológica foram convertidas numa síntese
consistente, onde todas as unidades tomam parte. Denominei esta síntese
de conceito pessoal de R.S. (estes 4 passos estão baseados em GIORGI,
1985 e col.). 5. Voltei a conversar com cada sujeito, entregando-lhe sua
entrevista e a lª análise, solicitei que Jesse atentamente, para ver se con-
cordava com a análise e que alterasse o que achasse necessário, seguindo
a sugestão de MARQUES (1989). 6. Após a devolução das entrevistas,
revi a análise levando em consideração as sugestões dos sujeitos, sem
perder de vista o objetivo deste estudo. 7. Li e discuti todas as análise com
um outro profissional pesquisador, que fez o papel de “juiz”, para verificar
192 R.B.S.H. 7(2):1996

a coerência e o grau de confiabilidade da análise (LUNA, 1989). 8. Fiz


sínteses de cada entrevista com os elementos constitutivos do conceito
pessoal de R.S. 9. Descrevi os elementos invariantes entre as sínteses e
finalizei descrevendo as variantes (GAMBOA, 1989; FORGHIERI, 1993)
dos conceitos pessoais.

ANÁLISE DOS DADOS

Apresento a entrevista 11 e sua análise, para demonstrar como ini-


ciei a análise de dados, baseado em GIORGI e col. (1985). Após, apresen-
to as 14 sínteses, a descrição dos elementos comuns e dos elementos va-
riantes.

Entrevista 11

P. Para você o que é relação sexual? E. O que que é? É uma forma


de demonstração de carinho, de amor e de desejo pelo outro. É uma forma
de interação, interação completa, porque junta o físico com o emocional,
isso prá mim é a R.S. Às vezes, talvez, fica um pouco mais física, outras
vezes mais sentimental. Acho que depende de como a pessoa está se
sentindo, mas é as duas coisas juntas. Não sei se respondi.

P. Teria mais alguma coisa que você gostaria de falar? E. É uma


troca, onde tu dá e recebe, ah, prazer, é uma troca de prazer. Acho que seria
isso P. uma troca, uma interação, uma fusão, né, que embora seja, leva a
um prazer individual, por que cada um vai sentir o seu prazer, é junto, então
interage um com o prazer do outro, então há uma troca, uma interação que
é física e é de sentimentos também.

1. Unidades de significado: (1) O que que é? É uma forma de


demonstração de carinho, de amor e de desejo pelo outro. (2) É uma forma
de interação, interação completa, porque junta o físico com o emocional,
isso prá mim é a R.S. (3) Às vezes, talvez, fica um pouco mais física, ou-
tras vezes mais sentimental. Acho que depende de como a pessoa está se
sentindo, mas é as duas coisas juntas. Não sei se respondi. (4) (...) É uma
troca, onde tu dá e recebe, ah, prazer, é uma troca de prazer. Acho que seria
isso. (5) uma troca, uma interação, uma fusão, né, que embora seja, leva a
R.B.S.H. 7(2):1996 193

um prazer individual, porque cada um vai sentir o seu prazer, é junto, então
interage um com o prazer do outro, então há uma troca, uma interação que
é física e que é de sentimentos também.

2. Transformação das unidades de significado em linguagem


psicológica: (1) É uma maneira de demonstrar carinho, amor e desejo pelo
outro. (2) É uma interação completa que envolve o físico e o afetivo. Isto
é a R.S. para ela. (3) A interação pode ser mais física ou mais afetiva,
dependendo de como a pessoa está se sentindo. Mas existe a parte física e
a afetiva. (4) É uma troca, onde se dá e recebe prazer. (5) É uma troca, uma
interação, uma fusão, onde cada um vai ter o seu prazer, e juntos, um se
contamina com o prazer do outro, que é motivado a continuar proporcio-
nando prazer ao outro e conseqüentemente o outro a continuar lhe dando
prazer. Esta relação é física e afetiva.

3. Transformação das unidades de significado no conceito de


R.S.: É um modo de relação que expressa carinho, amor e desejo pelo
outro. Nesta relação ocorre uma fusão, onde cada um vai ter o seu prazer,
e ao mesmo tempo há uma troca; juntos, um se contamina com o prazer do
outro, sendo motivado a proporcionar prazer e a continuar tendo prazer.
Esta relação é sempre física e emocional.

Descrição das 14 sínteses denominadas de conceitos pessoais de R.S.

1. É uma relação de prazer entre os parceiros, onde ambos têm que


se satisfazer para ser completa, e esta satisfação é mais fácil quando a
relação ocorre com pessoas de quem se gosta. A R.S. é necessária e impor-
tante num relacionamento; é uma forma de demonstrar o gostar. Embora a
satisfação de ambos seja importante, às vezes não ocorre. Como também,
às vezes, a pessoa está com necessidade de satisfazer mais uma necessi-
dade física, outras vezes, a necessidade é de mais carinho.

2. É um ato entre duas pessoas que se dão bem, e que devem ser le-
vados em consideração apenas o sexo e o prazer. Esta relação não implica
amor, paixão, cobrança, expectativas ou planos para o futuro. Na medida
em que a pessoa vai amadurecendo, dá-se conta que as expectativas e
planos para o futuro impedem o indivíduo de aproveitar a R.S. em si.
194 R.B.S.H. 7(2):1996

3. Atualmente é uma questão de necessidade física rotineira como


acordar, tomar café ou almoçar. E é uma atividade rápida. Lamenta que
não seja mais como era, quando eram solteiros. Suspeita que tornou-se
assim porque passaram a viver juntos e a partilharem os problemas do
dia-a-dia.

4. É o ponto máximo do relacionamento, e não tem uma explicação


lógica para dizer o que é, e que tornou-se boa porque as dificuldades e
dúvidas que teve não permaneceram, conseguindo superá-las quando viu a
satisfação em si e no parceiro. É um momento em que precisa existir
respeito, carinho, atenção e preocupação em se satisfazer e satisfazer o par-
ceiro, para ser uma relação agradável. Não pode ser por obrigação, tem que
ser algo espontâneo entre os parceiros.

5. Vem complementar a relação de duas pessoas que se gostam e se


desejam. É algo muito importante, sendo vital para que o individuo tenha
uma vida saudável. É um momento de entrega mútua. Pode ser entendida
como uma necessidade básica, embora signifique muito mais do que isto.
Significa vida.

6. É o encontro mais íntimo entre duas pessoas que se amam e que


se dão bem, no qual podem vivenciar suas fantasias, como também podem
se mostrar como são, sem se preocuparem com valores pré-estabelecidos.
É o momento de ter prazer e proporcionar prazer, para que a relação seja
completa. Esse momento é essencial, não o mais importante, mas um dos
mais importantes para que o relacionamento dure.

7. É uma relação em que pode ou não existir troca de carinho e exis-


tir ou não amor, mas há sempre uma troca de energia. É uma relação
impulsionada por algo forte que é inerente ao ser humano, que é a própria
vida. É a ânsia da vida pela própria vida.

8. É uma relação de amor que ocorre quando se está apaixonado


ou se tem muito carinho pela pessoa. E também, quando se conhece a
pessoa.

9. É algo que ocorre entre duas pessoas que se entendem, que se


admiram e que convivem juntas. Essa convivência vai criando um vínculo
afetivo, fazendo com que as pessoas se aproximem e tenham prazer mútuo
através do sexo.

10. É algo que vai além do ato genital de penetração. É uma relação
que envolve contato físico, gestos, interesses, desejos, troca de idéias, sen-
R.B.S.H. 7(2):1996 195

timentos, sensações e afeto. É uma relação onde existe um vínculo, um


envolvimento entre os parceiros.

11. É um modo de relação que expressa carinho, amor e desejo pelo


outro. Nesta relação ocorre uma fusão, em que cada um vai ter o seu pra-
zer, e ao mesmo tempo há uma troca. Juntos, um se contamina com o pra-
zer do outro, sendo motivado a proporcionar prazer e a continuar tendo
prazer. Essa relação é sempre física e emocional.

12. É uma relação com o sexo oposto, entre 2 pessoas que se co-
nhecem, que têm afinidade e se atraem. É uma relação que ocorre natural-
mente.

13. É todo o contato físico que ocorre nesta relação, envolvendo os


carinhos. A R.S. é conseqüência de uma atração maior que se tem pela pes-
soa de quem se gosta. R.S. é toda a maneira de tratar a mulher, o carinho
que se tem por ela, desde o começo do dia.

14. É algo que proporciona prazer e alívio de tensão, ao mesmo


tempo que significa que existe amor entre os parceiros.

Descrição dos elementos comuns

Comparei as 14 sínteses e encontrei 5 aspectos comuns à sua maio-


ria, como fez FORGHIERI (1993): 1. Não existe referência à R.S. como
um ato meramente mecânico. 2. Em todos relatos observa-se a importância
da R.S. na vida dos sujeitos. 3. Não há referência à R.S. como ato para a
procriação. 4. Não se encontram diferenças significativas nos conceitos
entre homens e mulheres. 5. O pressuposto básico dos sujeitos é que se
trata de uma relação entre pessoas que envolve afeto. R.S. foi conceituada,
de modo geral, como uma relação na qual fazem parte o amor, o gostar, o
se dar bem e o prazer mútuo.

Descrição das variantes

As variações entre os conceitos são apresentadas em 7 itens:

1. O que é R.S.: Relação de prazer (1); um ato (2); necessidade físi-


ca (3); não tem explicação lógica (4); momento de entrega mútua (5);
encontro íntimo (6); relação em que pode existir amor, carinho ou não (7);
196 R.B.S.H. 7(2):1996

relação de amor (8); algo de pessoas que convivem juntas (9); vai além do
ato genital (10); expressão de carinho, amor e desejo (1 1); relação com
sexo oposto (12); todo o contato físico (13); algo que dá prazer e alívio de
tensão (14). (Os números entre parênteses se referem ao número da síntese
de onde foi retirada a frase ou segmento de frase).

2. Caminhos para que se realize: A pessoa é impulsionada por


algo forte, inerente à própria vida (7). A pessoa tem que estar apaixona-
da, ter carinho e conhecer o parceiro (8). Acontece quando as pessoas se
entendem, se admiram e convivem (9). tem que haver afinidade e atração
mútua (12).

3. O que a R.S. inclui: Na R.S. tem que estar presente o respeito


(4), o carinho (4,11), a atenção e a preocupação em se satisfazer e satisfa-
zer o parceiro (4). Não pode ocorrer por obrigação (4,12). Inclui o contato
físico, gestos, interesses, desejos, trocas de idéias, sentimentos, sensações
e afeto (10,11). Significa que existe um vínculo (10); o amor (6,8,11,14) e
o desejo estão presentes (11). Envolve toda a maneira de tratar a mulher, o
carinho que se tem por ela desde o começo do dia (13). Envolve também a
necessidade da pessoa. Às vezes a necessidade é de descarregar a tensão
física, outras vezes é de mais carinho (1).

4. O que ocorre na R.S.: É o momento de vivenciar suas fantasias


e poder se mostrar como se é, sem preocupação com valores pré-estabe-
lecidos, é o momento em que a pessoa é o que é (6). É o momento em que
deve ser levado em consideração apenas o sexo e o prazer (2). Ocorre uma
fusão onde cada um vai ter o seu prazer (11 ). E ao mesmo tempo há uma
troca (7,11). Um se contamina com o prazer do outro, ficando assim moti-
vados a proporcionar prazer e a continuar tendo prazer (11).

5. O que acontece com o passar do tempo: Quando a pessoa vai


amadurecendo, dá-se conta de que as expectativas e planos para o futuro
impedem o indivíduo de aproveitar a R.S. em si (2). Atualmente é questão
de necessidade física rotineira como acordar, tomar café ou almoçar. É uma
atividade rápida. Lamenta que não seja como era, quando solteiros.
Suspeita que é conseqüência do passar a viverem juntos e partilharem os
problemas do dia-a-dia (3). Outra pessoa diz que a R.S. tornou-se boa
porque as dificuldades e dúvidas que teve não permaneceram, superou
quando viu a satisfação em si e no parceiro (4).

6. A importância na vida do casal: É necessária e importante


num relacionamento (1). Complementa a relação de 2 pessoas que se
R.B.S.H. 7(2):1996 197

gostam. É importante, vital para uma vida saúdavel, significa mais que
uma necessidade básica. Significa vida (5). É essencial, não o fator mais
importante, mas um dos mais importantes para que o relacionamento
dure (6).

7. O prazer sexual: O prazer sexual é fruto da relação de duas pes-


soas que possuem um vínculo afetivo (9). Ambos têm que se satisfazer (1).
É o momento de ter prazer, para que seja completa (1,6). A satisfação é
mais fácil com pessoas de quem se gosta, e às vezes não ocorre (1).

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nos conceitos de relação sexual aparecem similaridade, ao mesmo


tempo em que cada conceito têm a sua peculiaridade. Isto faz lembrar BIN-
SWANGER (apud, FORGUIERI, 1993) quando diz que, embora cada um
de nós apresente peculiaridades relacionadas ao próprio modo de existir,
também somos seres humanos semelhantes, vivendo num mesmo mundo.
Entre as semelhanças encontradas observei que, realmente, cada conceito
revela um pouco da história de cada pessoa, de sua experiência de vida
(AMATUZZI, 1991).
As pessoas entrevistadas revelam que a R.S. vai além de um ato
meramente mecânico, biológico. Observei que a R.S. aparece como algo
que faz parte da vida das pessoas, com sua significativa importância. De
maneira parecida MERLEAU-PONTY (1945) se refere ao assunto, não
enaltece nem menospreza a atividade sexual, apenas lembra a sua impor-
tância.
Os entrevistados não se referem a R.S. com a intenção de procria-
ção. A intencionalidade (MERLEAU-PONTY, 1945; AMATUZZI, 1989)
dos sujeitos parece estar voltada para o prazer. GAUDÉNCIO (1991)
referindo-se a esta questão, comenta que a busca do prazer tem sido maior
que a busca da procriação.
A intencionalidade com a qual as pessoas se referem a R.S., bem
como os conceitos de cada um, não demonstram diferenças significativas
entre os homens e as mulheres. Ambos os sexos ressaltam os fatores afe-
tivos presentes na R.S. As pessoas não se fixaram na questão genital.
Conceituaram R.S. como: uma relação na qual faz parte o amor, o gostar,
o se dar bem e o prazer mútuo. COSTA (1991) apresenta um conceito pare-
cido com o citado acima, ele a define como forma de expressão afetiva.
Todos sabem que R.S. envolve o contato genital, mas notei que não é isto
que é enfatizado também no discurso de VARGAS (1993) diz que, a R.S.
198 R.B.S.H. 7(2):1996

não é só contato de pênis e vagina, mas de corpos, que tem pele, olhos,
ouvidos e cheiros.
As pessoas pesquisadas revelam que a medida em que vão se envol-
vendo afetivamente e fortalecendo seus vínculos, é que ocorre a R.S.
KOCH (1988) realizou um estudo com adolescentes e verificou que o vín-
culo entre eles aumentava na medida que iam tendo R.S., relando que a
R.S. pode fortalecer vínculos afetivos.
A comunicação, a troca de idéias, a boa relação afetiva e o se dar
bem são fatores relatados como importantes e fundamentais na R.S. SIL-
VEIRA (1985) pesquisando fatores que interferem na R.S. descobriu que a
comunicação inapropriada e a instabilidade afetiva são fatores que preju-
dicam a R.S. Outro dado da pesquisa de Silveira é que a R.S. facilita a
interação do casal nos demais aspectos da vida em comum, assim como o
relacionamento em outras áreas interferem na R.S. COSTA (1991) diz que
ela tem um papel realimentador no casamento. A minha pesquisa mostra
que a R.S. vem a complementar a relação de duas pessoas.
Esta pesquisa reúne pessoas de diferentes níveis de educação. Há
advogado, funcionário público, médico, empresário, zelador, psicólogo,
etc. O fato das pessoas apresentarem diferenças no tipo de educação não
interferiu no enfoque do estudo. Assim como não interferiu no enfoque da
pesquisa de SAMSON e col. (1991), embora os enfoques sejam diferentes;
o de Samson e col. é a freqüência do coito entre os casais, o meu é o con-
ceito de R.S.
MULLIGAN e PALGUTA (1991) pesquisaram o interesse, a ati-
vidade e a satisfação sexual entre homens. A maioria tinha interesse sexu-
al, preferiam sexo vaginal e satisfaziam-se. No meu estudo a maioria dos
homens como as mulheres, preferem ter R.S com pessoas que conhecem,
valorizam o afeto e o prazer na relação. Na pesquisa de DARLING,
DAVIDSON e COX (1991), que é realizada com mulheres, revela que
muitas não se satisfazem na R.S. com seus parceiros e preferem ter orgas-
mos sozinhas. Minha pesquisa não evidenciou esta questão. Apenas
aparece numa resposta de uma mulher que a R.S. só ficou boa quando con-
seguiu ver a satisfação em si e no parceiro. A pesquisa de SILVEIRA
(1985) mostra que o desempenho do parceiro interfere na R.S., e parece
que é a isso que as mulheres pesquisadas por DARLING, DAVIDSON e
COX (1991) se refererrn. Quanto ao que ocorreu com a pessoa da minha
pesquisa. é dito por ela que era em função de dúvidas e inseguranças pes-
soais. Referente a isso, COSTA (1991) diz que no início das relações se-
xuais é comum a inibição e que o exercício de dar e receber faz parte do
processo de amadurecimento pessoal.
R.B.S.H. 7(2):1996 199

No meu trabalho, solicitei que um cônjuge descrevesse o que é R.S.,


para si. BERGNER e BERGNER (1990) fizeram uma pesquisa que tem
semelhança com a minha, embora seja diferente. Eles solicitaram ao casal
que descrevessem uma relação na qual o significado dela tenha sido dife-
rente para ambos. A pesquisa dos Bergner me fez pensar que seria interes-
sante fazer pesquisa no mesmo estilo que apresento aqui, com o outro côn-
juge, para verificar como é o conceito de R.S. do casal. Se é igual ou dife-
rente, quais as semelhanças e quais as diferenças.

CONCLUSÃO

Saber o que é R.S., de acordo com a experiência das pessoas, (qual


o conceito psicológico ou pessoal de R.S.) é tão importante quanto saber o
que é R.S. em seu aspecto lógico, para a clínica das disfunções sexuais. A
forma como a pessoa concebe a R.S. acaba tendo influência importante no
seu desempenho.
As pessoas entrevistadas se surpreendiam com a pergunta: Para
você o que é R.S.? Algumas pessoas não conseguiram responder. Utilizei
14 entrevistas que se mostraram ricas em conteúdo. Estas entrevistas foram
transformadas em sínteses denominadas de conceitos pessoais. De modo
que as sínteses das entrevistas são a base deste artigo. E o caminho encon-
trado para isto foi através da análise fenomenológica (GIORGI e col.,
1985).
Este estudo possibilita entender que é possível compreender aspec-
tos da pessoa a partir da própria pessoa, não precisando limitar a realização
desta tarefa baseando-se apenas em teorias ou na literatura (FORGUERI,
1993).
Pude verificar que tanto nos conceitos dos homens como nos das
mulheres, R.S. é uma relação em que o amor e o prazer mútuo fazem parte.
Estas pessoas não vêem a R.S. como um ato meramente mecânico e
ninguém se refere a ela com a intenção de procriação. É dito que R.S. é o
momento de vivenciar fantasias, se mostrar. É onde ocorre uma fusão em
que cada um vai ter o seu prazer, e ao mesmo tempo ocorre uma troca. Esta
relação se modifica com o tempo, para uns melhora, para outros piora.
Dizem que é vital para que o indivíduo tenha uma vida saúdavel, e que é
muito importante no casamento. Referem-se ao prazer como uma “peça”
importante na R.S., que deve ser aproveitada pelos dois, não apenas por
um. Embora, às vezes, o prazer fique ausente da R.S., como também o
amor.
200 R.B.S.H. 7(2):1996

É importante que outras pesquisas sejam realizadas, principalmente


no sentido de se compreender a relação sexual em si e suas variadas for-
mas de se apresentar. O desconhecimento desses aspectos pode ser deso-
lador. As distorções provocadas pela falta de informação são passadas de
pai para filho e pode levar as pessoas a percorrer caminhos penosos, ao
invés de terem gratas alegrias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Os sentimentos das
adolescentes em relação
à imagem corporal
The feelings of adolescent girls
concerned their body image
3
Eleonor Moretti*
Ivânia M. Rovani**

RESUMO

Apresenta-se o estudo dos sentimentos das adolescentes em


relação à imagem corporal, de acordo com outros fatores a eles associa-
dos. Desejou-se averiguar se existe associação significante entre os
sentimentos positivos e negativos das adolescentes em relação à imagem
corporal, e as variáveis independentes: idade; grau de instrução; ocu-
pação; freqüência da atividade corporal, e as variáveis independentes:
idade, grau de instrução, ocupação, freqüência da atividade sexual e
idade da menarca. Esta verificação foi possibilitada pela aplicação de um
instrumento em 181 adolescentes de 12 a 20 anos. Foram feitas coletas
de dados na Universidade de Passo Fundo, curso pré-vestibular e escolas
estaduais de primeiro e segundo graus. O instrumento divide-se em três

* Enfermeira obstetra.
** Acadêmica de Enfermagem. Trabalho realizado na Universidade de Passo Fundo,
Instituto de Ciências Biológicas, Curso de Enfermagem e Obstetrícia. Apoio: CNPq.
Recebido em 07.12.95 Aprovado em 12.12.95
R.B.S.H. 7(2):1996 203

partes, que mostra, respectivamente, os aspectos físicos, psicossociais e


circunstancias da sexualidade e o total do teste inclui os três aspectos. Os
resultados encontrados foram analisados por meio do teste qui-quadrado,
com nível de significância de 0.05 e foram obtidos os resultados: não
houve associação significante ao nível de 0.05 comparando-se os senti-
mentos positivos a negativos do adolescente em relação à imagem cor-
poral e as variáveis propostas. Pode-se concluir ainda que existe pre-
dominância de sentimentos negativos em relação à imagem corporal, no
aspecto físico, em todas as variáveis estudadas. Mediante resultados obti-
dos neste trabalho, recomenda-se a melhoria do ensino da enfermagem
em todos os graus de educação.
Unitermos:
- Imagem corporal
- Sexualidade
- Adolescência

SUMMARY

The study of the feelins of adolescent girls concerned their body


image is presented, according to other associated factors. We wish to veri-
fy the existence of a significant association among positive and negative
feelings of adolescent girls concerned their body image, and the independ-
ent variables: Age, school level, occupation, sexual activity frequency and
menarch. This verification was possible que the use of a tool in 181 female
adolescents between 12 and 20 years-old aced.
Data collection was performed in the Universidade de Passo Fundo,
in pre-universitary courses and in firs and second I evels state schools. The
tool is divided in three parts, and it shows, respectively, the physical, phy-
chol-social and intrinsic aspects of sexuality, and the whole test includes
fthe three aspects. The results foud werw analyzed through the chi-square
test, with a significance level equal to 0.05 and the following results were
obtained. There was no significant association at the 0.05 level when it was
compared positive and negative feelings of the adolescent girls concerning
their body imagem and the proposed variables. It can be also concluded
that exists a predominance of negative feelings concerned body image, in
the physical aspect, in all variables studied. Que the results obtained in this
work, its recommended the education through the study of contents relat-
ed to body image. The measure of the assistence to adolescent girls needs
204 R.B.S.H. 7(2):1996

the idenfication of the most frequently foud feelings concerned to body


image and its associated factors.
Key-words:
- Body Image
- Sexuality
- Adolescence

INTRODUÇÃO

Mediante bibliografia estudada anteriormente e mediante resultados


obtidos em pesquisa realizada sobre imagem corporal, (MORETTI, 1991),
deduziu ser de grande utilidade a aplicação dos conhecimentos adquiridos
para melhorar os cuidados de enfermagem prestados ao adolescente.
Durante o exercício da profissão depara-se seguidamente com ado-
lescentes que se queixam das transformações causadas em seu corpo na
adolescência, bem como a pouca aceitação da mesma a essas mudanças.
Por esses motivos resolveu-se pesquisar os sentimentos em relação
à imagem corporal da adolescente devido as mudanças corporais em decor-
rência da puberdade.
Além disso, são válidas as proporções:

- Desenvolver programas de educação e orientação as adolescentes


incluindo-se as necessidades que se referem aos sentimentos a sua imagem
corporal;
- Prestar cuidados às necessidades psicossociais às adolescentes
além das necessidades biológicas, para que elas possam ajustar-se melhor
à sua nova realidade de imagem corporal.
- Implantar um programa de educação da adolescente onde enfo-
quem aspectos de ordem fisiológica e psicológica do desenvolvimento se-
xual da adolescente com o objetivos de uma mudança comportamental pos-
itiva de aceitação do próprio corpo e suas modificações, diminuindo assim,
os sentimentos negativos em relação à imagem corporal.

Quanto ao ensino, podemos aplicar os conhecimentos adquiridos na


realização deste estudo no sentido de:

- orientar os alunos para que adquiram a capacidade de cuidar do


adolescente como ser complexo, com necessidade bio-psicossociais, em
R.B.S.H. 7(2):1996 205

vez de encaminhá-los para desenvolver tarefas isoladas e desprovidas de


objetivos e significados na prestação de cuidados integrais.
- que conteúdos da área de saúde, ao serem enfocados aspectos da
psicologia da adolescência, deverão ser trabalhos; também, aspectos re-
ferentes aos sentimentos em relação à imagem corporal, incluindo, nos
planos de ensino, conteúdo sobre conceitos, desenvolvimentos, perturba-
ção da imagem corporal e prevenção dos mesmos;
- que os alunos, em grande parte, ingressam na Universidade na fase
da adolescência, com sua maneira peculiar de percepção da própria
imagem corporal, inclinem-se a acatá-la com indivíduo capazes de sen-
timentos, ações com o ambiente que os envolve.

Diante do exposto, Pergunta-se: se as mudanças corporais causadas


pela puberdade, modificam, na adolescência, a sua imacgem corporal e
influenciam no desencadeamento de sentimentos negativos, em maior pro-
porção do que os sentimentos positivos?

REVISÃO LITERÁRIA

Conceito de Adolescência

Adolescência - “adolescer” vem do latim e significa engrossar,


crescer, atingir a maioridade. Dos seres vivos, os humanos são os únicos
que vivem a adolescência como importante etapa do desenvolvimento.
Esta é uma das etapas em que o ser humano sofre as maiores modificações
no seu processo vital, do nascimento à morte (TIBA, 1986) (18).
A adolescência é o período de crescimento que se inicia fisicamente
com a puberdade e termina quando se atinge a maioridade. O corpo cresce,
novas funções surgem, a mente se desenvolve, o ambiente se modifica, a
qualidade das sensações afetivas e sexuais se transformaram. Tudo isso
provoca no jovem uma série de crises que vão tendo de ser superadas uma
a uma, com maior ou menor dificuldade, sera o que o desenvolvimento
natural é dificultado.
A palavra puberdade vem do latim (pubis) e significa penugem,
pêlo. A puberdade é a idade em que surgem pêlos genitais, e é utilizada
para denominar o início da adolescência, quando ocorrem modificações
não só sexuais, mas também corporais e psíquicas (TIBA, 1986) (18).
206 R.B.S.H. 7(2):1996

A adolescência pode ser entendida como período que se situa entre


a maturidade biológica, que é constatada nas modificações anatômicas e
fisiológicas responsáveis pela adaptação frente a imagem corporal e a ma-
turação sexual, e o despertar da inserção sócio-profissional, período de
elaboração de novos valores, onde a meta ou objetivos representam essen-
cialmente uma conquista e uma reivindicação de independência nos pianos
psicoafetivos, sexuais e econômico. ANDRADE (1991), nos diz que “para
a compreensão do fenômeno da adolescência, que é caracterizado por
fatores biológicos e psicológicos no indivíduo atravessando essa fase de
desenvolvimento, é necessário também que sejam observadas questões
econômicas e sócio-culturais...” (1).

Maturação Sexual

“A maturação sexual na adolescência engloba o desenvolvimento


das gônadas, órgão de reprodução e caractéres sexuais secundários. Exis-
tem grandes variações normais em relação idade de início e a velocidade
de progressão da maturação sexual se inicia aproximadamente um ano
mais cedo no sexo feminimo e segue, nos dois sexos uma seqüência mais
ou menos constante que pode ser avaliada clinicamente”.
Segundo MARCONDES (1993) “Adolescência constitui a última
fase do período do crescimento e desenvolvimento do cicio vital carac-
terizando-se por marcantes transformações anatômicas e fisiológicas que
culminam o corpo adulto com plena capacidade de reprodução. (8)
As características de crescimento e de desenvolvimento do adoles-
cente são resultantes como nos períodos de vida, da interação continua
entre fatores genéticos e ambientais.
Vê-se que os fatores genéticos ou hereditários e as ambientais
influenciam acentuadamente o crescimento e desenvolvimento físico do
adolescente. Nota-se através de vários aspectos somáticos, como: época da
puberdade, a idade da menarca e outros.
Os fatores ambientais, principalmente o nível sócio-econômico, é
importante determinante do crescimento e desenvolvimento do adoles-
cente à medida que proporciona ou não a satisfação de necessidades
básicas como: saúde, alimentação, higiene, estimulação e proteção con-
tra agravos.
Os autores consultados concordam que a maturação somática que
está acontecendo mais cedo nos indivíduos, está ligado à melhoria das
condições da vida das populações nas diferentes partes do mundo.
R.B.S.H. 7(2):1996 207

Imagem Corporal do Adolescente

Conceito

Para fins deste trabalho, adotamos o conceito de LINDENSMITH


(1977) para a qual “cada pessoa tem retrato mental do seu eu físico,
poderá considerar-se alto ou baixa, gorda ou magra, linda ou sem graça,
ou algo intermediário. Cada qual passou anos aprendendo a viver com
sua imagem corporal. O retrato que tem de si mesma afeta a maneira de
pensar sobre si como pessoa, e conseqüentemente como interage com os
outros. (5)
A imagem corporal tem sido definida como o total em mudança
constante, na informação consciente e inconsciente, dos sentimentos e per-
cepção sobre o nosso corpo, no espaço tão diferente e afastado de todos os
outros”.

A imagem Corporal da Adolescente

Pensamos ser necessário descrever detalhadamente sobre a imagem


corporal da adolescente. Durante esta fase da vida ocorrem grandes trans-
formações físicas e psíquicas que obrigam a mudar a própria imagem cor-
poral.
Segundo DEMPSEY (1972) “cada fase do desenvolvimento herda
tudo o que acontece nas fases procedente do desenvolvimento. Portanto, a
adolescente não pode ser estudada sem reconhecer que as suas experiências
procedentes, bem como as correntes, têm um impacto sobre elas...
As principais experiências que serão úteis a um adolescente são
aquelas que lhe permitem sentir-se bem quanto ao seu corpo e a si próprio.
Se entra na adolescência não se sentido bem a respeito do seu corpo e de si
mesmo, terá dificuldades. “(4)
Vemos em SCHOENFELD (1968) que “na adolescência esta cons-
ciência de si mesmo se intensifica muito, devido às mudanças físicas radi-
cais que nelas tem lugar, a crescente introspecção, a ênfase que põe o grupo
de pares nos riscos físicos e a crescente tendência a comparar-se com nor-
mas de origem cultural...
208 R.B.S.H. 7(2):1996

As rápidas modificações da adolescência impõem uma revisão da


imagem corporal, no preciso momento em que o jovem se encontra presa
de grande agitação afetiva, de modo tal, que até o adolescente normal sente
o miúdo, que seu corpo é algo estranho a ele e se preocupa demasiado,
comparando-se com seus companheiros...
Um motivo comum de inquietude é a adequação do desenvolvimen-
to sexual. Quando este é atípico, em relação com as normas da sub-cultura
o grupo à qual pertence, o adolescente, seja pela estrutura, a configuração,
a ausência de busto ou de menarca nas meninas, o busto marcado ou o
pênis pequeno nos meninos, se registra uma perda de auto-consciência de
si mesmo, a se efetuam adaptações inadequadas, devido à perturbação da
imagem corporal”. (12)
TAGGART (1977) contribui para reforçar esta teoria, ela expõe: “a
preocupação que a criança de idade escolar apresenta quanto às opiniões de
outros, continua e é exagerada na adolescência. Durante o período da ado-
lescência, a imagem do corpo passa por maior formação, influenciada pelo
próprio amadurecimento físico, eco-ambiental e ideais sociais internalisa-
dos”. (15)
Em MORAGAS (1957) vemos que: “Se a adolescência representa
um segundo descobrimento do mundo, deve-se em grande parte, a que a
puberdade tem vindo a mudar seu esquema corporal. E tem variado tam-
bém as relações de seu próprio corpo com os demais seres.
Ademais, aqueles genitais que antes, ainda tendo-se, era como se
não as tivera, agora há momentos em que lhe parece que os tem dema-
siado”.
DEMPSEY (1975) comenta “um fator importante que leva à mu-
dança na imagem corporal é o crescimento. Ao contário de outras fases da
vida, o crescimento durante a pré-adolescência e a adolescência é muito
rápida e, quando o crescimento é rápido, geralmente é notado, também
pelo indivíduo, como por outros. Como o adolescente não pode negar facil-
mente o seu crescimento, de certa maneira é obrigado a mudar a sua
imagem...”
Com respeito ao fato de diferentes partes do corpo não terem a
mesma importância, SCHILDER (apud DEMPSEY, 1972) diz que “as
aberturas do corpo tem maior importância fisiológicas do que a maioria
das outras partes do corpo... Assim, há certa base neurológica para o fato
de as aberturas corporais terem maior significação, e há também uma
base interpessoal para a sua importância. É através destas zonas que o
organismo humano interage com o mundo externo e, em particular, com
outras pessoas”...
R.B.S.H. 7(2):1996 209

A adolescência é definida por COSTA (1991) “como fenômeno psi-


cossocial cujas manifestações variam ou dependem do momento histórico
e da sociedade em questão.
Pode ser entendida como o período que se situa entre a maturidade
biológica que é constatada nas modificações anatômicas e fisiológicas
responsáveis pela adaptação frente à imagem corporal e à maturação se-
xual, e o despertar da inserção sócio-profissional, período de elaboração de
novos valores e um itinerário cheio de ciladas, onde a meta ou objetivos
representam essencialmente uma conquista e uma reivindicação de inde-
pendência nos planos psicoafetivos, sexual e econômico”. (9)
Falando sobre esquema corporal, TIBA (1986) diz que “quanto ao
corpo, o adolescente enfrenta duas situações básicas: seu corpo perante si
mesmo e seu corpo perante os outros. O esquema corporal é a repre-
sentação mental do corpo. A cada modificação do corpo, modifica-se tam-
bém o esquema corporal. As sucessivas alterações corporais, tanto na
forma quanto em conteúdos, em períodos de tempo relativamente pequeno,
nem sempre acompanhadas de modificação do esquema corporal. Então,
suas sensações cinestésicas e sua aparência física não coincidem com seu
esquema corporal. (18)
Citando vários autores MARCELLI-BRACONNIER (1989) des-
crevem sobre a imagem do corpo. “Apoiando-se na teoria da sexualidade
de Freud, P. Schilder faz corresponder a construção definitiva da imagem
do corpo à fase de acesso à genitalidade. O homem apenas percebe seu
corpo como uma unidade após haver tido acesso à genitalidade, portanto,
ao longo da adolescência. Mas a teoria de Schilder também leva em conta
o registro relacional: o adolescente descobre a imagem de seu corpo graças
às tendências libidinais dos outros, dirigidas a ele.”
“Existe uma permanente corrente de trocas mútuas entre a imagem
do corpo de cada um e a imagem do corpo de todos os demais. Isso vem
,juntar-se ao pensamento de FREUD (apud MARCELLI-BRACONNIER,
1989), a saber, que a escolha do objeto na puberdade é um elemento inte-
grado da personalidade.” (7)
Para SCHILDER (apud MARCELLI-BRACONNIER, 1989), “a
imagem do corpo jamais está isolada, estando sempre acompanhada pela
dos outros, estruturando-se mais precisamente na genitalidade, e de modo
definitivo. A construção da imagem do corpo não é mais um aquisição físi-
ca, ela pode ser influenciada pela vivência psíquica pelas emoções, sem
ações, pelo olhar de outrem”. (13)
210 R.B.S.H. 7(2):1996

O problema do corpo no Adolescente

“O corpo encontra-se no centro da maior parte dos conflitos de


adolescente. Nos trabalhos referentes à adolescência em geral, ou a um
de seus domínios particulares, raro não encontrar referência alguma do
corpo. A transformação morfológica da puberdade e a erupção da matu-
ridade sexual recolocam em questão a imagem corporal que a criança
havia conseguido progressivamente construir. Estas modificações são em
parte responsáveis pela freqüência com que nos referimos ao corpo ao
estudarmos à adolescência”. MARCELLI-BRACONNIER, (1989). Para
o mesmo autor “a imagem do corpo pertence, por sua vez, ao registro
simbólico imaginário. A base da “imagem do corpo” é objetiva, sua orga-
nização depende da antogênese das pressões libidinais e agressivas, da
importância dos pontos de fixação e das familiaridades de regressão a
este ou aquele estágio”. (7)
SCHILDER (apud MARCELLI-BRACONNIER, 1989) define
muito bem: “Tudo que pode haver de particular nas estruturas libidinais
reflete-se na estrutura do modelo postural do corpo. Os indivíduos em que
domina esta ou aquela pulsão parcial sentirão, como no centro de sua
imagem do corpo”.
Em sua perspectiva fenomenológica, o autor acima referido, con-
siderava o veículo de “ser mundo”, estando no centro das trocas relacionais
afetivas entre os indivíduos: “Todas as vezes que se manifesta um interesse
por tal ou tal parte do corpo de outrem, existe mesmo interesse por tal ou
por tal parte correspondente, no corpo próprio. Toda anomalia de uma parte
do corpo concentra o interesse correspondente do corpo dos outros”.
(7,13,14)

OBJETIVOS

Gerais

- Contribuir para melhoria do ensino de Enfermagem em todos os


níveis da educação através da identificação dos sentimentos relacionados
com a imagem corporal que mais freqüentemente são encontradas nas ado-
lescentes.
R.B.S.H. 7(2):1996 211

- Melhorar a assistência às adolescentes, tendo como base os sen-


timentos relacionados com a imagem corporal que mais freqüentemente é
encontrado e os fatores a eles associados.

Específicos

- Correlacionar o sentimento das adolescentes em relação a sua


imagem corporal e:
- idade
- grau de instrução
- ocupação
- freqüência de atividade sexual
- idade da menarca
- Subsidiar a melhoria do ensino e da assistência de enfermagem à
adolescentes, mediante o conhecimento de seus sentimentos em relação à
imagem corporal.

Hipóteses

Tendo em vista que as modificações causadas pela puberdade na


adolescência desencadeiam o aparecimento de sentimentos negativos em
relação a sua imagem corporal são levantadas as seguintes hipóteses:

1. Não existe associação significativa, ao nível de 0.05, comparan-


do os sentimentos positivos e negativos em relação a imagem corporal
entre adolescentes nas diversas faixas etárias;

2. Não existe associação significativa, ao nível de 0.05, comparan-


do os sentimentos positivos e negativos em relação a imagem corporal
entre adolescentes com diversos graus de instrução;

3. Não existe associação significativa, ao nível de 0.05, comparan-


do os sentimentos positivos e negativos em relação a imagem corporal
entre adolescentes que tem ocupação no lar, e as que tem ocupação extra
domiciliar;

4. Não existe associação significativa, ao nível de 0.05, comparan-


do os sentimentos positivos e negativos em relação a imagem corporal
entre adolescentes quanto a freqüência da atividade sexual;
212 R.B.S.H. 7(2):1996

5. Não existe associação significativa, ao nível de 0.05, comparan-


do os sentimentos positivos e negativos em relação a imagem corporal
entre adolescentes quanto a idade da menarca.

Existe associação significativa ao nível de 0.05, comparando os


sentimentos positivos e negativos em relação a imagem corporal entre as
adolescentes nas diversas faixas etárias.
Existe associação significativa ao nível de 0.05, comparando os
sentimentos positivos e negativos em relação a imagem corporal entre as
adolescentes nos diversos graus de instrução.
Existe associação significativa ao nível de 0.05, comparando os
sentimentos positivos e negativos em relação a imagem corporal entre as
adolescentes que tem ocupação no lar, e as que tem ocupação extra domi-
ciliar. Existe associação significativa ao nível de 0.05, comparando os sen-
timentos positivos e negativos em relação a imagem corporal entre as ado-
lescentes quanto a freqüência da atividade sexual.
Existe associação significativa ao nível de 0.05, comparando os
sentimentos positivos e negativos em relação a imagem corporal entre as
adolescentes quanto à idade da menarca.

METODOLOGIA

População

O estudo foi realizado em Passo Fundo, cidade universitária, com


população de 141.533 habitantes, segundo censo de 1991.
No ano de 1993, o município possuía os seguintes estabelecimentos
de ensino:

1. Universidade (uma) com 32 cursos, 647 professores e 7.803


acadêmicos.

2. Escolas estaduais; 32 na zona urbana; 04 na zona rural; total de


professores: 23.497, sendo 4.216 do 2° grau. Total de alunos da 5ª a 8ª
séries: 8.410; pré-escola: 865; classe especial: 56: supletivo de 1° grau,
702; supletivo de 2° grau, 295.
R.B.S.H. 7(2):1996 213

3. Escolas municipais, na zona urbana, 34; na zona rural, 23.


Número de professores, 973; destes, 504 na zona urbana, 97 rural e 72
cedidos. Número de alunos; de 1ª a 4° séries, 5ª e 8ª séries, 2.966;
pré-escola 1.339. Na zona rural, 1ª a 4ª séries, de 5ª a 8ª séries;
pré-escola: 7.

4. Escolas particulares: 11. Não foi possível dizer o levantamento


destas instituições pois as mesmas se negaram a colaborar.

População estudada

A população estudada foi constituída de adolescentes de 12 a 20


anos, que freqüentam as instituições de ensino do município, porém, da
zona urbana. Estas instituições pertencem à rede pública e privada de
Passo Fundo. A escolha destes estabelecimentos deu-se pelo fato de
abrangerem as adolescentes de todos os graus de instrução necessária
para este trabalho.

Amostra

Para amostragem deste trabalho foram selecionadas escolas com


finalidade de oportunizar a coleta de dados em todas as séries a graus de
instrução.
A amostra perfaz um total de 181 adolescentes do sexo feminino das
seguintes instituições: Universidade de Passo Fundo: Faculdade de
Educação Física, Curso de Pedagogia, Enfermagem e Obstetrícia, Ciências
Biológicas, Desenho e Plástica e Segundo Grau; Escola Estadual do 1°
grau Protásio Alves: 8ª série (noturno). Gama Supletivo de 2° Grau;
Pré-vestibular Universitário, Garra, Unificado e na Escola de 1° Grau
Coronel Gervásio Lucas Amnes.
No processo de amostragem foram controladas os seguintes aspec-
tos:

- As adolescentes são passofundenses natas e residentes em Passo


Fundo, na zona urbana e periferia. Esta medida foi tomada para se
afastarem influências de outras culturas na percepção de sua imagem cor-
poral e nos sentimentos sobre a mesma.
214 R.B.S.H. 7(2):1996

- Foram entrevistadas somente as adolescentes solteiras, ou seja que


não residem com companheiro permanente ou que não possui vínculo ma-
trimonial legal, vigente no país.

Além disso foram entrevistadas apenas as adolescentes que durante


“raport”, dispuseram-se livremente a responder o questionário.
Embora os locais para a aplicação do questionário serem intencio-
nalmente escolhidos, a fim de poder entrevistar as adolescentes de todos os
graus de instrução, os dias para a coleta serão aleatórios.

Instrumento

O instrumento para coleta consiste num questionário (Anexo 1), que


foi elaborado com base na prática profissional, na literatura consultada, na
opinião de adolescentes consultadas, formulário (Anexo 2). A opinão dos
especialistas foi emitida através de aplicação de outro formulário (ou for-
mulário próprio - Anexo 3); foram entrevistados médicos, psicólogos,
enfermeiros e pedagogos que trabalham com adolescentes.
O questionário que constitui o instrumento da pesquisa (Anexo I) é
composta pelas seguintes áreas:

1. Dados de identificação da adolescente;

2. Imagem corporal - dados relativos à:


2.1. Aspectos físicos: esta área é composta de itens referentes à
(como a adolescente se sente) aparência exterior e ao conjunto das qua-
lidades exteriores e materiais, o que se engloba o funcionamento e inte-
gridade do corpo.
2.2. Aspectos sociais: esta área é composta de itens referentes a
como a adolescentes se sente psíquica e socialmente.
2.3. Aspectos circunstanciais da sexualidade: essa área é composta
de itens relacionados com os efeitos da sexualidade em si sobre a imagem
corporal, que a adolescente tem do seu corpo.

Cada uma das três áreas tem cinco (05) itens, cada item possui qua-
tro alternativas, formuladas de diferentes maneiras para cada item, obe-
dece, no entanto, ao mesmo princípio de gradação, desde muito freqüente
até ausência do comportamento que é analisado.
R.B.S.H. 7(2):1996 215

A área relativa ao aspecto físico é composta pelos itens 01, 02, 03,
04, e 05; os itens 01, 02, 03, e 05 tem nas duas primeiras alternativas, sen-
tido positivo; e o item 04 tem sentido positivo nas duas últimas alternati-
vas.
A área psicossocial é composta pelos itens 06, 07, 08, e 10. Os itens
06, 07, 08, e 09 têm, nas duas primeiras alternativas, sentido positivo; e o
item 10 têm sentindo positivo nas duas últimas alternativas.
A área de aspecto circunstanciais da sexualidade é composta pelos
itens 11, 12, 13, 14 e 15 têm, nas duas primeiras alternativas de sentido
positivo, e os itens 13 e 14 têm sentido positivo nas duas últimas alter-
nativas.

Escala e pontos

A elaboração das escalas quanto à graduação das respostas foi


baseada nas tabelas utilizados por MORETTI (1979). A escala tem um polo
positivo e outro negativo, e dois valores intermediários.
Os valores atribuídos às alternativas da escala, para fins estatísticos,
vão de um (1) a quatro, sendo a nota máxima atribuída à resposta que indi-
ca sentimentos negativos com relação à imagem corporal. A média para
considerar-se imagem corporal negativa em cada área, será três (3) ou mais
conforme o estabelecido por MORETTI (1979) em seu estudo sobre
imagem corporal da gestante.

Validade e fidedignidade

Com a finalidade de validar o conteúdo do instrumento inicial da


pesquisa, foi encaminhada uma cópia do mesmo e vários profissionais de
diferentes especialidades, como: enfermeiros, médicos, psicólogos e pe-
dagogos. Processou-se então uma reformulação dos itens, conforme as
sugestões colhidas. Posteriormente o instrumento foi testado no plano pilo-
to (ver item 5.4.3) para se determinar a possível ocorrência de problemas
quanto ao entendimento dos sentimentos dos itens do formulário por parte
das adolescentes. Após esta aplicação prévia, então elaborado em sua
forma definitiva (Anexo 1).
Para avaliar a fidedignidade do instrumento, verificou-se a corre-
lação existente entre o resultado de teste e o resultado obtido em cada item,
e entre o resultado total e o de cada uma das três áreas. Para determinar o
216 R.B.S.H. 7(2):1996

grau de correlação existente, usando o índice de correlação de Pearson,


descrito por SÁ (1968). Esta correlação denomina-se também índice de
homogeneidade ou índice de consistência interna do instrumento.
A correlação encontrada entre o resultado total do teste e o resulta-
do obtido em cada item do instrumento foi de 0.001.

Treinamento de entrevistadoras

Para a coleta de dados, foram treinadas as acadêmicas de Enferma-


gem que participarão da pesquisa.
Como as entrevistadoras participaram da elaboração do projeto, o
treinamento constitui em: orientá-las sobre o procedimento das mesmas
diante das adolescentes, apresentando-se às mesma. Falando em seguida
sobre a pesquisa que estarão realizando, sobre a importância deste traba-
lho, seus objetivos e sua seriedade. Esclarecendo, sempre que a resposta ao
questionário não trará qualquer complicação para a adolescente.

Plano piloto

A finalidade do plano foi de testar o questionário empregado. O


instrumento será aplicado nos mesmos locais onde serão coletados os
dados definitivos.

Procedimentos

Os dados do presente trabalho foram obtidos através da aplicação


do questionário que foi elaborado para este fim.
O questionário foi preenchido individualmente pela adolescente,
que aceitou responder o mesmo. Foi utilizado o espaço vago entre as aulas
ou horário estabelecido para este fim, nas escolas selecionadas para a cole-
ta de dados.
A aplicação dos questionários foi realizada pelas autoras do traba-
lho.
Foi mantido sigilo sobre identidade das adolescentes que comporam
a amostra. Procurou-se dar privacidade ao ambiente onde as adolescentes
responderam ao questionário, para que a presença de outras pessoas não
influenciem nas respostas.
R.B.S.H. 7(2):1996 217

Esclareceu-se a adolescente a respeito da importância do trabalho


que estamos realizando, da sua seriedade e da necessidade de ela usar a
maior exatidão possível nas respostas.
A triagem inicial das adolescentes foi feita pela seleção das insti-
tuições de ensino tendo em vista abranger todos os níveis sócio-econômico
da sociedade local.

ANÁLISE DOS DADOS

Os dados são apresentados em tabelas e são analisados através de


análises estatísticas computadorizadas, utilizando teste não paramétrico
(Qui-quadrado).

Análise e discussão dos resultados

O tratamento estatístico e a análise dos dados foram efetuadas a par-


tir das hipótese estatísticas e teste de significância “qui-quadrado” ao nível
de 0.05, entre as variáveis e os sentimentos positivos e negativos da ado-
lescente em relação a sua imagem corporal, nos aspectos físicos, psicosso-
ciais e circunstanciais da sexualidade.
As variáveis estudadas foram: idade, grau de instrução, ocupação,
idade da menarca e freqüência da atividade sexual.

CONCLUSÃO

Verifica-se que não houve associação significante ao nível de 0.05


comparando-se os sentimentos positivos e negativos da adolescente
em relação a imagem corporal e as variáveis:

- Idade;
- Grau de instrução;
- Ocupação;
- Freqüência de atividade sexual;
- Idade da menarca.
218 R.B.S.H. 7(2):1996

Pode-se concluir ainda que, existe predominância de sentimentos


negativos em relação a imagem corporal, no aspecto físico em todas as va-
riáveis estudadas.
Mediante os resultados obtidos neste trabalho, recomenda-se a me-
lhoria do ensino de enfermagem em todos os níves da Educação. Através
do estudo de conteúdos relacionados a imagem corporal, aspectos psicos-
sociais, circunstanciais da sexualidade e principalmente no aspecto fisico,
onde se evidenciou maior índice de sentimentos negativos.
A melhoria da assistência a adolescente requer a identificação dos
sentimentos em relação a imagem corporal que mais freqüentemente são
encontrados e os fatores a eles associados.
Portanto, recomenda-se que na assistência a adolescentes seja le-
vantados os seus sentimentos em relação a sua imagem corporal para uma
possível análises e tratamentos dos mesmos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Congresso Brasilero de Sexualidade Humana e I Jornada Gaúcha de
Sexualidade Humana. Anais… Porto Alegre, 1991.
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jovem ou dilema dos pais. Revista Brasileira de Clínica e Terapêutica, n. 8, v.
20, agosto, 1991.
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Nurse, 73(11) L 24-7, nov. 1977.
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7. MARCELI & BRACONNIER. Manual de psicopatologia do adolescente -A
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8. MARCONDES, E. Pediatria básica-Psicopatologia. S. ed. São Paulo; SARVI-
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aretista I). Psicologia del niño y del adolescente. Barcelona, Labor, 1957. p.
197-206.
9. MORETTI, E. Os sentimentos das primigestas em relação do Curso de
Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
para obtenção do título de Mestre em Enfermagem Materno-Infantil. Porto
Alegre. 1979.
10. PENNA, L. Corpos sofrido e mal-amado - As experiências da mulher com seu
próprio corpo. São Paulo, Summus, 1989.
R.B.S.H. 7(2):1996 219

11. SÁ, P. Elementos de estatística. 2. ed. Porto Alegre, Globo, 1968. 182 p.
12. SCHOENFELD, W.A. El cuerpo y la imagem corporal en los adolescentes. In:
CAPLAN, G. (comp. El desarrollo del adolesecent. Buenos Aires, Paidós,
1968, p. 27-41.
13. SCHILDER, P. A imagem do corpo. São Paulo, Martins Fontes, 1980.
14. SCHILDER, P. Imagem y aparecia del cuerpo humano. Buenos Aires, Paidós,
1958, 301 p.
15. TAGART, M. Body image-looking beyond the Mirror. Part sing 27(7): 32-5, jul.
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16. TAKIUTI, A. A adolescente está ligeiramente grávida. E agora? São Paulo,
Iglu, (s.d).
17. TAPAJÓS, L. Desencana que a vida engana. São Paulo, Globo, 1995.
18. TIBA, I. Puberdade e adolescência, desenvolvimento biopsicossocial.
Esquema corporal. 3 ed., São Paulo, Ágora, 1986.
19. VAYER, P. O equilibrio corporal: uma abordagem dinâmica dos problemas da
atitude e do comportamento Porto Alegre, Artes Médicas, 1984.
20. VITIELLO, N. O exercício da sexualidade na adolescência e aspectos biopsi-
cossociais. R.B.S.H. 1(2), 1990.
21. VITIELLO, N. et al. Adolescência hoje. São Paulo, Rocca, 1988.
220 R.B.S.H. 7(2):1996
R.B.S.H. 7(2):1996 221
222 R.B.S.H. 7(2):1996
R.B.S.H. 7(2):1996 223
224 R.B.S.H. 7(2):1996

ANEXO 2

Sr.(a) Professor(a)

Gostaria de obter da Vossa Senhoria as respostas às seguintes per-


guntas:
1. Quais os problemas que o senhor(a) encontrou em relação a
aceitação do corpo pela adolescente.

2. O que colaboraria para desencadeamento ou agravamento dos


problemas de aceitação do corpo pela adolescente?

3. É freqüente a adolescente expressar estes problemas, ou é reve-


lada de outras maneiras (por atitudes ou comportamento)?

4. O Senhor(a) pensa ser necessário fazer um estudo sobre este


problema? (aceitação do corpo pela adolescente).

5. Que tipo de informação seria necessário obter da adolescente, de


modo sistemático, que ajudasse no atendimento e na resolução destes pro-
blemas de aceitação do corpo?

6. Como o senhor(a) vê a educação sexual, apenas um instrumento


sobre anatomia e fisiologia, ou mais ampla?

7. O senhor(a) pensa necessário uma assistência integral ao adoles-


cente?

8. O senhor(a) gostaria de fazer alguma sugestão ou comentário?


R.B.S.H. 7(2):1996 225

ANEXO 3

Prezada adolescente!

Gostaria de obter de você as respostas às seguintes perguntas:

1. O que você pensa que os adultos deveria saber para orientar ou


assistir aos adolescentes?
2. Que finalidades os adultos que lidam com os adolescente deve-
riam ter?

3. O que você pensa ser necessário para um atendimento integral ao


adolescente?
Estudo
de
Caso
Relação incestuosa:
estudo de caso
1
Sérgio José Alves de Almeida*

RESUMO

O presente trabalho, em forma de um estudo de caso, aborda uma


das situações mais conflitivas em sexualidade humana, a relação inces-
tuosa.
O caso foi encaminhado ao Serviço de Sexologia da Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) através da Delegacia da
Mulher. Envolve uma família de classe baixa, residente em bairro popular,
aonde vem acontecendo um relacionamento afetivo e sexual entre o pai e
a filha mais velha, uma adolescente de 15 anos de idade.
A descoberta dos fatos pela mãe, leva a uma denúncia policial,
tendo como conseqüência a prisão do marido por um período de 3 (três)
meses.
Analisamos as relações conflitivas do triângulo familiar, as patolo-
gias de vínculo e os diversos papéis exercidos dentro do núcleo familiar.

* Médico Psiquiatra. Doutor em Medicina Biológica. Professor Adjunto. Doutor da


Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP.
Recebido em 17.11.95 Aprovado em 04.12.95
230 R.B.S.H. 7(2):1996

Encaminhados a tratamento psicoterápico individual, todos de-


monstram grandes resistência e dificuldades de elaborações internas con-
sistentes e adequadas.

INTRODUÇÃO

O presente caso foi encaminhado pela Delegacia da Mulher ao


Serviço de Sexologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
(FAMERP). Trata-se de relacionamento incestuoso entre pai e filha, com
desdobramento judicial, após a esposa/mãe haver descoberto os fatos e
como conseqüência formulado denúncia em delegacia especializada.

HISTÓRICO

A.L.C. 15 anos, estudante, 5ª série do primeiro grau. V.L.C. 36


anos, auxiliar de enfermagem, casada. N.C. 32 anos, pedreiro, casado.
Habitação: casa própria/bairro popular.
A família é composta pelo casal e três filhos, sendo A.L.C. a mais
velha, atualmente com 15 anos de idade. O segundo filho tem 12 anos e a
filha mais nova 10 anos.
V.L.C quando adolescente se dedicava a prostituição, fazendo tam-
bém uso de drogas leves. Há 16 anos conheceu N.C. trabalhador na con-
strução civil, 4 anos mais jovens, que a “tirou da zona” (sic), casando-se
com ela a seguir. V.L.C.sempre procurou esconder estes antecedentes dos
filhos alegando que tentava “orientá-los e preveni-los” (sic), embora o
fizesse de forma autoritária e sem qualquer tipo de diálogo.
Ha um mês tomou conhecimento que A.L.C. e seu pai mantinham
relações sexuais, sendo que a filha inclusive tomava pílulas contraceptivas.
Alega que nunca desconfiou de nada pois o marido sempre foi muito bom
pare ela e os filhos. Notificada a Delegacia da Mulher, A.L.C. passou pelo
I.M.L., tendo sido decretada a prisão do pai.
Antecedentes de A.L.C. mostram que a mesma já residiu fora de
casa, com uma prima e depois com uma amiga. Em todos estes locais teve
problemas por regressar sempre muito tarde da noite e mentir cons-
tantemente. Voltou a morar com a mãe contra a vontade desta, mantendo
porém comportamento de dormir fora de casa, sair com rapazes e ir a
motéis com parceiros múltiplos.
R.B.S.H. 7(2):1996 231

Durante o período em que N.C. esteve no presídio, duas mulheres


de presos (usuárias de drogas) passaram a residir na mesma casa que a
família em estudo, a convite de V.L.C..
Nas entrevistas N.C. alega que as relações sexuais com a filha não
eram forçadas sendo feitas “em comum acordo” (sic) já há três anos. Nos
sete anos anteriores teriam existido apenas “brincadeiras entre eles” (sic).
V.L.C. passa, nas entrevistas, a acusar a filha de ter seduzido o pai
e mostra desejos que A.L.C. vá viver com os avós em Ribeirão Preto.
Simultaneamente procura médicos psiquiatras verbalizando que quando
acusou o marido não estava mentalmente bem, que estava “louca” e solici-
ta internação em hospital psiquiátrico, no que não foi atendida.
Atualmente todos continuam a viver na mesma casa, em condições
bastante conflitivas, devido ao instável comportamento que varia da agres-
sividade a passividade apresentado por V.L.C. e ambigüidade de papéis
manifestados por A.L.C. e seu pai.

ANÁLISE DOS DADOS

Na análise da família verificamos que ela se encontra no momento


estruturada mas com acentuadas patologias de vínculo entre o triângulo
formado por pai/mãe e filha.
A mãe apresentou e apresenta envolvimento em “submundos” de-
monstrado pela vida de prostituição que levava antes do casamento e
agora, quando passou a conviver com usuários de drogas, inclusive le-
vando-as para residirem em sua casa.
Em relação a filha apresenta dois tipos de comportamento: a) cas-
trador (mas sem conseguir colocar limites adequados nos comportamentos
sociais e sexuais de A.L.C.), quando exerce o papel de mãe. b) competidor
quando exerce o papel de mulher. Inicialmente suas frustrações com a
descoberta do relacionamento sexual pai/filha desencadeia impulsos agres-
sivos em relação ao marido o que a leva a denúncia judicial e a prisão
deste.
Logo porém para minimizar a culpa que aparece da ambivalência de
sentimentos amor/ódio tenta se passar por doente mental, com solicitação
de internação hospitalar, justificando que se isto tivesse acontecido teria
sido possível retirar a queixa policial pois teria alegado que “não estava
bem da cabeça”.
232 R.B.S.H. 7(2):1996

O eixo ódio/agressão se desloca então para a figura de A.L.C. que


passa a ser a sedutora, a responsável por tudo de ruim que está aconte-
cendo. Concomitantemente passa a adotar uma duplicidade de papel, com
uma postura de convivência ao relacionamento pai e filha. V.L.C. também
se recusa a admitir que muito dos comportamentos antisociais de A.L.C.
são semelhantes ao dela própria.
A.L.C. e o pai atualmente se uniram contra a esposa/mãe como que
querendo colocá-la dentro da lata de lixo da relação familiar. N.C. deu iní-
cio a tratamento psicoterápico mas tal tratamento praticamente não tem
tido progresso. Alega que “não tem nada” e que só vai a consulta por deter-
minação judicial. Insiste sempre que é a mulher quem necessita de trata-
mento.
V.L.C. procurou psicoterapia expontaneamente mas freqüenta as
sessões “individuais” muito desordenamente (faltas constantes). Verbaliza
sempre que deseja a saída da filha de casa, da importância que o marido
tem para ela a de como pensa em “manter o casamento para sempre”.
A.L.C. recusa qualquer tipo de ajuda, acusa a mãe de ser a cau-
sadora de todos os problemas, negando-se a ir viver com os avós. Admite
apenas a possibilidade de ir morar com o atual namorado caso este assim o
desejar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CONSTANTINE, L.; MARTINSON, J. (1984). Sexualidade infantil - novos
conceitos/novas perspectivas. São Paulo, Roca.
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