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> RESUMO
Introdução: Existe uma grande discussão na literatura quanto aos possíveis riscos ou benefícios do Treinamento de Força
Muscular (TF) aplicado em crianças e adolescentes. Tal atividade, com cargas intensas, sempre foi empregada ao longo do
tempo como um esporte, sendo seu público de maior incidência homens adultos jovens ou de meia idade. Atualmente, o
escopo atuante engloba também crianças e adolescentes. Acoplado ao novo público, surge também a preocupação com
lesões e déficit de crescimento por altas cargas de estresse osteomioarticular por meio do TF em crianças. Métodos: Trata-
-se de uma revisão de literatura do tipo analítica, em que são utilizados autores nacionais e internacionais para discorrer
sobre os benefícios ou malefícios do TF para o grupo em questão. Objetivo: Trazer subsídios científicos que contribuíram
para a tomada de decisão da adesão, ou não, do TF em crianças. Conclusão: Por fim, é possível concluir que o TF, se bem
orientado, não traz qualquer risco à saúde ou ao crescimento de crianças e adolescentes.
> PALAVRAS-CHAVE
Crianças adultas, adolescente, treinamento de resistência.
> ABSTRACT
Introduction: There is a great debate in the literature about the potential risks or benefits of TF introduction: There is a
great debate in the literature about the potential risks and benefits of TF used in children and adolescents. Such activity, with
heavy loads, has always been used over time in children and adolescents. Such activity, with heavy loads, has always been
used as a sport, with higher incidence among young adult or middle-aged men. Presently, the scope also includes children
and adolescents. Coupled with the new public target, there is also the concern about injuries and failure in the growth of
children caused by high stress osteomioarticular loads through the TF in them. Methods: This is a literature review of the
analytical type, which we use in national and international authors to discuss the benefits or harms of TF for the group in
question. Objective: Bring scientific subsidies for the decision to use, or not to use, TF in children. Conclusion: Finally, it is
possible to conclude that the TF, if well directed, does not bring any risk to the health or growth of children and adolescents.
¹Mestrando em Ciências da Atividade Física pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Especialista em Educação Física
Escola (UERJ); graduado em Educação Física (UERJ) e em Fisioterapia - Faculdade de Reabilitação da Associação de Solidariedade a
Criança Excepcional (FRASCE), Fundador e Diretor do Instituto de Pilates, Fisioterapia e Educação: Fisart. Pesquisador do Laboratório do
Imaginário Social Sobre as Atividades Corporais e Lúdicas - LISACEL (UERJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2
Professor de Educação Física. Especializando em Ciências da Performance Humana pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UFRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
3
Aluno de Educação Física. Graduando em Educação Física. Licenciatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de
Janeiro, RJ, Brasil.
Rodrigo Silva Perfeito (rodrigosper@yahoo.com.br) - Estrada Adhemar Bebiano 4595, cs 91, Engenho da Rainha - Rio de Janeiro,
RJ, Brasil. CEP: 20765-171.
Recebido em 17/02/2012 – Aprovado em 04/02/2013
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tivo outras adaptações e benefícios, tais como: mento a partir das placas epifisárias localizadas
mudanças no padrão de recrutamento das fibras em suas extremidades. Normalmente, devido às
musculares e no tecido conjuntivo, aperfeiçoa- mudanças hormonais, as placas epifisárias soli-
mento da força, melhora no desempenho es- dificam-se após a puberdade. Posteriormente, a
portivo e prevenção de lesões2, 6, 13. solidificação, o desenvolvimento dos ossos lon-
Além de influenciar diretamente no tecido gos e, portanto, o crescimento em altura não é
muscular, o TF pode apresentar um efeito favo- mais possível. Na adolescência, a cartilagem da
rável na densidade mineral óssea em crianças e placa epifisária pode estar mais fraca que o osso
adolescentes de ambos os sexos, embora não se devido às suas heterogenias de desenvolvimen-
conheça um limiar mínimo de exercício que pro- to. O crescimento das cartilagens nas inserções
mova mudanças na saúde óssea6, 13. apofisárias dos principais tendões assegura uma
sólida conexão entre o tendão e o osso. Danos
TF e possíveis lesões às inserções apofisárias podem causar dor e
também aumentam o risco de separação entre
Apesar dos possíveis efeitos positivos do
o tendão e o osso, resultando numa fratura de
TF através das adaptações biológicas no corpo
avulsão. Os três locais de crescimento da cartila-
humano, o risco de lesões agudas e crônicas, gem são mais suscetíveis à lesão durante o esti-
diante de um programa mal formulado, deve rão de crescimento na adolescência, assim como
ser interpretado como existente. Para evitar le- ao aumento da tensão muscular em torno das
sões, o conjunto de exercícios para jovens não articulações. Um treinamento que não respeite
deve enfatizar cargas máximas ou submáximas, a maturação do jovem pode comprometer e da-
mas sim, sua técnica apropriada. Este cuidado é nificar a cartilagem de crescimento6, 15.
importante vide que diversas lesões ocasionadas Fraturas: as placas epifisárias em crianças
pelos exercícios de força estão relacionadas a e adolescentes são propensas a fraturas porque
uma técnica não adequada, ao uso de cargas ex- ainda não estão solidificadas e se apresentam
cessivas ou à falta de supervisão qualificada6, 13. mais fracas que o osso. Comumente, os casos
Diante da necessidade de melhor enten- de lesão óssea ocorrem durante exercícios com
dimento, serão apresentadas, resumidamente, levantamento da carga sobre a cabeça e com
algumas lesões agudas e crônicas: intensidades próximas à máxima6.
Os cuidados com a sobrecarga se fazem
Lesões agudas necessários ao relacionar o treinamento com o
Distensão muscular: é a lesão aguda mais crescimento ósseo, pois este ainda não se en-
comum em crianças e adolescentes submetidas contra em sua formação final. Jovens que pra-
a um TF incorreto. As distensões podem ser o ticam atividade física sem controle de carga
resultado de um aquecimento incorreto antes podem sofrer microtraumatismos na junção das
de uma sessão de treinamento ou, ainda, da unidades músculo-tendinosas ao osso. Duran-
tentativa de superar cargas elevadas para um te esse período, músculos, tendões e ligamen-
determinado número de repetições. Esta última tos são de duas a cinco vezes mais fortes que
variável deve ser considerada um indicador e suas inserções nos ossos, podendo resultar em
não um fator de obrigatoriedade6, 14. inflamação ou lesão. Deve-se evitar: a técnica
Danos à cartilagem do crescimento: a incorreta na realização dos exercícios, ou seja,
cartilagem de crescimento está localizada, geral- má execução motora e/ou excesso de sobrecar-
mente, em três locais: na placa epifisária, ou de ga para um determinado número de repetições;
crescimento; na epífise, ou superfície articular; a ansiedade de alcançar altas cargas em pouco
e na inserção da apófise, ou inserção tendínea. tempo, aumentando subitamente a intensidade,
Os ossos longos do corpo crescem em compri- respeitando, dessa forma, a individualidade bio-
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paradigma. O que se pode afirmar com ampla ro maior de repetições (13 a 15) por série pode
fundamentação é que as atividades esportivas produzir importantes ganhos na força e na resis-
adequadamente programadas e supervisiona- tência muscular localizada, comparado com um
das potencializam a densidade mineral óssea, número de repetições menores (6 a 8) por série6.
particularmente durante a adolescência, quan- Assim como os adultos, as crianças e ado-
do o pico de massa óssea está por ser alcançado. lescentes podem obter mudanças significativas
Estudos apresentam a combinação de dieta rica na força e na composição corporal por meio de
em cálcio associada ao exercício físico, durante programas de baixo volume e de séries únicas.
a adolescência, como recurso adequado para a Por isso, em seu início, o programa deve ser
maximização do pico de massa óssea e conse- composto por uma série de, aproximadamente,
quente redução do risco de osteoporose futura14. 13 a 15 repetições, com pelo menos um exer-
Deve-se salientar que, por vezes, a própria cício para os principais grupamentos do cor-
seleção esportiva recruta crianças e/ou adoles- po. Conforme o jovem se desenvolve, cresce e
centes com perfis de menor estatura como estra- matura, programas mais avançados podem ser
tégia para obtenção de melhores resultados em gradualmente introduzidos. Entretanto, a Natio-
função da facilidade mecânica dos movimentos14. nal Strength and Conditioning Association (NSCA)
recomenda que cargas muito intensas sejam
Recomendações para o TF controladas, utilizando, no máximo, 5 a 6 RMs6.
em crianças e adolescentes A Tabela a seguir apresenta uma progressão
Um treinamento bem organizado e supervi- de exercícios dos 5 aos 18 anos. O programa de
sionado para jovens pode ser realizado em até 20 TF deve ser realizado em condições favoráveis,
minutos por sessão de treino. Durante o período tanto para segurança quanto para o divertimento
inicial, para crianças de 8 a 10 anos, a frequência da criança e do adolescente. Vale ressaltar que
semanal de duas sessões pode trazer ganhos sig- são informações sugestivas e que, de maneira al-
nificativos de força e mudanças na composição guma, substituirão a avaliação e coleta de dados
corporal. Além disso, nesse período, um núme- mediante o professor de Educação Física.
Tabela. Orientações básicas para a progressão de exercícios de força para crianças e adolescentes
Prescrever exercícios básicos com pouco ou nenhum peso; desenvolver o conceito de uma
5-7 sessão de treinamento; ensinar as técnicas do exercício; progredir de exercícios calistênicos
com peso do corpo para aqueles com parceiros e cargas leves; manter o volume baixo.
Progredir para programas com exercícios de força mais avançados; incluir componentes
14 – 15
específicos do esporte; enfatizar as técnicas; aumentar o volume.
Entrar no nível inicial de programas para adultos depois que toda a experiência anterior tiver
16 ou mais
sido obtida.
Adaptado de: Fleck, S; Kraemer, W. Fundamentos do Treinamento de Força Muscular. 3. ed. Porto Alegre: Artimed, 2006.
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Recomendações do ACSM para aptidão física na sam dar assistência nas formas de integrar outros
infância e na adolescência aspectos da promoção da saúde – boa nutrição,
por exemplo – nas instruções sobre exercício e
Em informações do American College of Sports
aptidão física. Os componentes educacionais de
Medicine (ACSM), a aptidão física para crianças e
adolescentes deve ser desenvolvida como primei- avaliar, ensinar atividades de condicionamento
ro objetivo de incentivo à adoção de um estilo físico e reconhecimento através de premiação
de vida apropriado com prática de exercícios por devem ser complementares e precisam ser coor-
toda a vida, com intuito de desenvolver e manter denados para um programa compreensivo19.
o condicionamento físico suficiente para melho-
ria da capacidade funcional e da saúde19.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
>
Programas de Educação Física em escolas
são parte importante do processo geral de edu- O TF pode ser benéfico para crianças e ado-
cação e devem ser incentivados para desenvol- lescentes, desde que as devidas precauções se-
ver e manter hábitos de prática de exercício ao jam adotadas. A utilização de cargas elevadas e
longo da vida e prover instruções sobre como posturas incorretas na realização dos exercícios
adquirir e manter uma aptidão física adequada. devem ser evitadas, pois aumentam os riscos de
A quantidade de exercício necessária para uma lesões e desestimulam a prática da atividade fí-
capacidade funcional adequada para a saúde
sica. Intensidades leves a moderadas e a técnica
nas variadas idades ainda não foi precisamente
correta dos exercícios devem ser priorizadas, evi-
definida. Até que evidências definitivas estejam
tando, desta forma, o risco de evasão diante de
disponíveis, as atuais recomendações são que
seus diversos motivos, tais como, uma atividade
crianças e adolescentes realizem 20-30 minutos
monótona e que pode causar tendinopatias, sem
de atividade física vigorosa ao dia. Aulas de Edu-
ludicidade, cansativa ao extremo e repetitiva.
cação Física normalmente dedicam algum tem-
Alguns dos benefícios do TF em jovens são:
po para instruções sobre a prática das atividades,
aumento da força, melhora da coordenação
mas o tempo de aula é geralmente insuficiente
motora, aumento da densidade mineral óssea e
para desenvolver e manter condicionamento físi-
prevenção de lesões. Prejuízos no crescimento
co adequado. Por isso, programas escolares tam-
longitudinal são apenas observados quando a in-
bém devem focar mudanças na educação e no
comportamento para incentivar o engajamento tensidade do exercício é extremamente alta. O TF
em atividades apropriadas fora das aulas. O as- estimula a síntese do hormônio GH, favorecendo
pecto lúdico no exercício deve ser enfatizado19. o crescimento e desenvolvimento de crianças e
Programas educacionais projetados para adolescentes. Atua também como um compo-
aumentar o conhecimento e o reconhecimento nente importante na aquisição de maior rendi-
do papel e do valor do exercício na aptidão física mento em jovens atletas, nas mais diversas moda-
e na saúde são virtualmente inexistentes em es- lidades, contribuindo para melhores resultados.
colas, embora tais programas sejam comuns em Diante das diversas pesquisas, como as re-
universidades. Esforços profissionais são necessá- tratadas neste trabalho, ao que parece, mesmo
rios para desenvolver, testar e publicar materiais quando a atividade é exercida com altas cargas,
educativos adequados para o uso em escolas. porém sistematizada, não há riscos de lesões e
Programas de treinamento precisam ser desen- tão pouco afeta o crescimento de jovens, como
volvidos e iniciados para proporcionar professo- no exemplo do famoso “pequeno Hércules” Ri-
res com conhecimentos e habilidades para ajudar chard Sandrack, que cresceu normalmente mes-
os alunos a atingir qualidades cognitivas, afetivas mo com níveis altíssimos de treinamento que,
e comportamentais associadas a exercício, saúde na época, foi muito contestado por arriscar o
e condicionamento. Os docentes também preci- crescimento normal do jovem.
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Figura 3: Richard por volta dos 10 anos Figura 4: Richard por volta dos 20 anos
> REFERÊNCIAS
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5. Faigenbaum A. Strength training for the young athlete. Orthopaed Phys Ther Clin North Am.
1996;7(1):67-90.
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