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A RUSGA

Após o processo de independência, o cenário político nacional se viu


fragmentado em dois setores maiores que disputavam o poder entre si. De um lado, os
políticos de tendência liberal defendiam a autonomia política das províncias e a reforma
das antigas práticas instauradas durante a colonização. Do outro, os portugueses
defendiam uma estrutura política centralizada e a manutenção dos privilégios que
desfrutavam antes da independência.
Com a saída de Dom Pedro I do governo e a instalação dos governos regenciais,
a disputa entre esse dois grupos políticos se acirrou a ponto de deflagrar diversas
rebeliões pelo Brasil. Na região do Mato Grosso, a contenda entre liberais e
conservadores era representada, respectivamente, pela “Sociedade dos Zelosos da
Independência” e a “Sociedade Filantrópica”. No ano de 1834, as disputas naquela
província culminaram em um violento confronto que ganhou o nome de Rusga.
Segundo pesquisas, os liberais mato-grossenses organizaram um enorme levante
que pretendia retirar os portugueses do poder com a força das armas. No entanto, antes
do ocorrido, as autoridades locais souberam do levante combinado. Com isso, tentando
desarticular o movimento, decidiram colocar o tenente-coronel João Poupino Caldas –
aliado dos liberais – como novo governador da província. Apesar da mudança, o furor
dos revoltosos não foi contido.
Na madrugada de 30 de maio de 1834, ao som de tiros e palavras de repúdio
contra os portugueses, cerca de oitenta revoltosos partiram do Campo do Ourique e
tomaram o Quartel dos Guardas Municipais. Dessa forma, conseguiram conter a reação
dos soldados oficias e tomaram as ruas da capital em busca dos “bicudos”. “Bicudo” era
um termo depreciativo dirigido aos portugueses que foi inspirado pelo nome do
bandeirante Manuel de Campos Bicudo, primeiro homem branco que se fixou na região.
A ordem dos “rusguentos” era de saquear a casa dos portugueses e matar cada
um que se colocasse em seu caminho, levando como troféu a orelha de cada inimigo
morto. Segundo alguns relatos, centenas de pessoas foram mortas pela violenta ação que
aterrorizou as ruas de Cuiabá. Logo após o incidente, foram tomadas as devidas
providências para que os líderes e participantes da Rusga fossem presos e julgados pelas
autoridades.
Em um primeiro momento, Poupino Caldas quis contornar a situação sem
denunciar o ocorrido para os órgãos do governo regencial. Contudo, não suportando o
estado caótico que se instalou na cidade, pediu socorro do governo central, que – de
imediato – nomeou Antônio Pedro de Alencastro como novo governador da província.
Contando com o auxílio da antiga liderança liberal, os cabeças do movimento foram
presos e mandados para o Rio de Janeiro.
Apesar de nenhum dos envolvidos sofrer algum tipo de punição das autoridades,
o clima de disputa política continuava a se desenvolver em Cuiabá. O último capítulo
dessa revolta aconteceu em 1836, quando João Poupino Caldas – politicamente
desprestigiado – resolveu deixar a província. No exato dia de sua partida, um misterioso
conspirador o alvejou pelas costas com uma bala de prata. Na época, esse tipo de
projétil era especialmente utilizado para matar alguém que fosse considerado traidor.
1834 – RUSGA, A
(Mato Grosso)

A Regência no Brasil, que durou de 1831 a 1840, foi uma conseqüência


da abdicação de D. Pedro I. Durante esse período, dois grupos políticos
dominavam a vida pública nacional, embora, na verdade, essa predominância
tenha se estendido durante todo o Segundo Reinado, até 1889, quando da
proclamação da República. De um lado os progressistas (mais tarde, Partido
Liberal), aliados do regente padre Feijó, e de outro os regressistas (depois,
Partido Conservador), facção política composta na maioria por portugueses
que desejavam a volta do ex-imperador. Ideologicamente, essas duas
correntes políticas tinham pouca diferença entre si, mas a ambição pelo poder
as mantinha separadas, em constante pé de guerra.

Nas províncias, seus adeptos agrupavam-se sob nomes


diversos. No Mato Grosso não acontecia coisa diferente, e por isso os liberais
davam a si mesmos a denominação de “Sociedade dos Zelosos da
Independência”, enquanto os conservadores preferiam intitular-se como
“Sociedade Filantrópica”. Os membros dessas duas associações disputavam
ferrenhamente o poder local, e foi nessa busca obsessiva pelo “direito” de
mandar em tudo e em todos, que eles protagonizaram um capítulo sangrento
da história mato-grossense. A professora Elizabeth Madureira Siqueira, doutora
em Educação, Mestre em História e integrante do Conselho Diretor da
Fundação da Universidade de Mato Grosso, esclarece em seu livro “A Rusga
em Mato Grosso”, que:

“A Sociedade Filantrópica desejava recolocar no trono D. Pedro I,


assim como ver mantido no poder político da província do Mato Grosso o grupo
que tradicionalmente vinha conduzindo a política, e que, naquele momento,
estava simbolizado pelo então presidente Antônio Corrêa da Costa, nomeado
por D. Pedro I. A Sociedade dos Zelosos da Independência era responsável
pela aglutinação de forças políticas de tendência moderada, uma vez que esta
não concordava com as idéias republicanas (...) Almejava destituir do governo
da província de Mato Grosso o grupo político que há anos a dirigia, e em seu
lugar colocar os liberais”.

Segundo os relatos da época, os integrantes da Sociedade dos Zelosos


da Independência desejavam tomar o poder das mãos de seus adversários, e
com esse objetivo planejaram uma revolta com início marcado para a
madrugada do dia 30 de maio de 1834. Ao tomar conhecimento desse plano, o
Conselho de Estado pretendeu abortar o movimento elegendo, em 27 de maio,
o também conselheiro João Poupino Caldas, tenente-coronel ligado aos
Zelosos da Independência, para o cargo de presidente da província, mas essa
providência não surtiu nenhum resultado prático.

Porque, na versão do historiador Estevão de Mendonça, em sua obra


Datas Mato-grossenses, por volta das onze horas da noite do dia 30 de maio,
data acertada antecipadamente para a eclosão da rebelião liberal, “se ouviu
tocar rebate de cornetas e caixas de guerra, tiros de arcabuzes, e gritos de
morram os bicudos. Na escuridão da noite apenas se ouviam barulhos de
machados e alavancas arrombando as portas dos negociantes adotivos ali
residentes”. “Bicudo” era o apelido depreciativo que os cuiabanos davam aos
portugueses que moravam na cidade, e sua origem tem relação com Manuel
de Campos Bicudo, bandeirante paulista e primeiro homem branco a chegar à
região do estado de Mato Grosso. Foi ele quem fundou o arraial de São
Gonçalo Beira Rio, por volta de 1673, no lugar onde atualmente se ergue a
cidade de Cuiabá.

Os registros revelam que nesta noite, no Campo D’Ourique, onde agora


está instalada a Assembléia Legislativa estadual, uma multidão revoltada ali se
reuniu, e dali, incentivada pelo toque dos tambores e cornetas da Guarda
Nacional, partiu pela rua Joaquim Murtinho em direção ao Palácio da Instrução,
sede do Quartel dos Municipais, aos gritos de “Morram os bicudos pés de
chumbo”, percorrendo depois outras ruas de Cuiabá disposta a atacar, ferir e
até mesmo matar os portugueses encontrados pelo caminho. Segundo consta,
mais de quatrocentos portugueses e estrangeiros, entre eles crianças, foram
massacrados pelo populacho ensandecido.

O padre José de Moura e Silva, em “Aspectos Históricos de Mato


Grosso”, relata que “O presidente Poupino Caldas, tentou conter a fúria da
população enraivecida, mas nada conseguiu, a não ser que mais tarde o
taxassem de traidor, por pertencer ao grupo liberal. Da mesma forma, os
exaltados cuiabanos não ouviram os apelos do bispo D. José Antônio dos Reis,
que de crucifixo na mão implorava o término da carnificina, mas de nada
adiantaram seus apelos (...). Segundo Paulo Pitaluga Costa e Silva, em Breve
História de Mato Grosso e Seus Municípios, ‘O principal chefe desse
movimento nativista em Mato Grosso foi o médico cirurgião e botânico Antônio
Luís Patrício da Silva Manso, na época cognominado ‘O Tigre de Cuiabá’.
Antônio Pedro de Alencastro assumiu o governo da Província a 29 de
setembro de 1834 e promoveu processo contra os criminosos da sedição
mato-grossense”.

Em 04 de novembro de 1834, os jornais de Cuiabá informavam que


“Atendendo à representação do Promotor Público Joaquim Fernandes Coelho,
o Juízo de Paz do 1º Distrito iniciou ontem o Auto-sumário Crime para apurar
as circunstâncias da rebelião armada que, na madrugada do dia 31 de maio,
tomou de assalto prédios públicos, arrombou e saqueou casas comerciais e
matou pelo menos 40 estrangeiros em Cuiabá. Antes mesmo da sentença, já
estão presos no calabouço do Quartel da Guarda Municipal os cinco acusados
pela Promotoria de liderar o movimento. São eles: o fazendeiro José Alves
Ribeiro, o capitão da Guarda Nacional José Jacinto de Carvalho, o bacharel
Pascoal Domingues de Miranda, o professor de filosofia Braz Pereira Mendes e
o vereador Bento Franco de Camargo. As prisões teriam sido feitas ‘à ordem
da regência e pelo povo em massa’, conforme justificou o novo Presidente da
Província, Antônio Pedro de Alencastro. Os cinco ‘cabeças do movimento’,
como diz a denúncia da Promotoria Pública, serão encaminhados para o Rio
de Janeiro e julgados pelo Superior Tribunal de Justiça”.

Sobre esse julgamento, a professora Elizabeth Madureira Siqueira


esclarece que o Auto-sumário Crime puniu apenas soldados e populares que
participaram dos arrombamentos e saques. Dos cinco líderes presos e
enviados ao Rio de Janeiro, José Alves Ribeiro e José Jacinto de Carvalho,
retornaram inocentados a Mato Grosso. Os outros três foram soltos, sendo que
Pascoal Domingues de Miranda ficou na cidade carioca.

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