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* Adrián Gurza Lavalle é doutor em Ciência Política pela FFLCH – USP, pesquisador
do Cebrap e professor do Departamento de Política da PUC-SP — layda@usp.br.
Graziela Castello é mestranda em Ciência Política no IFCH-UNICAMP, e assistente
de pesquisa do Cebrap — grazielacastello@hotmail.com. Renata Mirandola Bichir é
mestre em Ciência Política pela FFLCH–USP, e pesquisadora do Cebrap —
renatambichir@yahoo.com.br
Adrián Gurza Lavalle, Graziela Castello e Renata Mirandola Bichir. “Os Bastidores da Sociedade Civil - Protagonismos,
Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro
de 2006.
ÍNDICE
1. Introdução 3
2. À Captura dos Atores Elusivos 9
3. A Literatura e as Caracterizações 12
4. A Análise Relacional como Estratégia Metodológica 21
5. Padrões de Relacionamento das Organizações Civis 27
Uma só rede complexa e esgarçada 28
Organizações Civis Centrais e Periféricas 30
Dinâmicas Internas dos Tipos de Organizações Civis 33
Da periferia ao Centro e do Centro ao Centro 35
6. Protagonismos das Organizações Civis 38
As Organizações Populares 38
As Articuladoras 41
As Ongs 47
Os Fóruns 51
As Entidades Assistencias 53
As Associações de Bairro 56
As Associações Comunitárias 59
7. Para uma Agenda de Pesquisa 61
Bibliografia 68
Anexo 1 73
2
Adrián Gurza Lavalle, Graziela Castello e Renata Mirandola Bichir. “Os Bastidores da Sociedade Civil - Protagonismos,
Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro
de 2006.
1. Introdução
1
Cohen e Arato (1992) realizaram o esforço mais sistemático e abrangente de reconstrução teórica da
categoria “sociedade civil” de modo a lhe restituir o potencial heurístico e prático de transformação social.
Por sua vez, diferentes autores orientados para o aprimoramento qualitativo da democracia (“democratização
da democracia”) compartilham a centralidade da categoria sociedade civil nos seus trabalhos (Santos
Boaventura 2002, 1998; Avritzer 2003; Fung e Writ 2003; Heller, no prelo). A reconstrução da categoria
acabou por lhe conferir feições distintivas e irreconciliáveis com as famílias de argumentos da sociedade civil
que a partir do jusnaturalismo tem-na incorporado na reflexão da relação entre Estado e sociedade (Gurza
Lavalle 1999).
2
Entre 1970 e 1990, as contribuições privadas e governamentais transferidas mediante as ONGs do
hemisfério norte a suas homólogas do hemisfério sul aumentaram significativamente, passando de 1000 a
7.200 milhões de dólares. De fato, no início da década de 90, 13% das contribuições oficiais do hemisfério
norte para o hemisfério sul eram alocadas por intermediação das ONGs (PNUD, 1993: 100 e 106).
3
Nos orçamentos participativos das cidades de Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, São Paulo e Santo
André, por exemplo, mais da metade dos delegados eleitos durante a primeira rodada de assembléias
territoriais e temáticas são lideranças de organizações civis e não cidadãos “avulsos”. Nos conselhos gestores
de políticas públicas ocorre fenômeno semelhante (Houtzager et al 2004), suscitando questões acerca da
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Adrián Gurza Lavalle, Graziela Castello e Renata Mirandola Bichir. “Os Bastidores da Sociedade Civil - Protagonismos,
Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro
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Adentrando nos “bastidores”, este paper visa trazer à tona e apurar problemas pouco
trabalhados, bem como avançar na elaboração de respostas alicerçadas na produção de
conhecimento empírico.5 Com maior precisão, a partir de estratégia analítica de análise de
redes aplicada aos resultados de survey realizado na cidade de São Paulo em 2002, nas
páginas que se seguem será abordada uma questão que, a despeito da sua relevância, tem
recebido tratamento precário na literatura: como funcionam as organizações civis? Isto é,
quais as diferentes lógicas de atuação e dinâmicas internas de interação que organizam o
universo desses atores societários? O equacionamento de tal interrogação de modo a torná-
emergência de novas formas de representação explicitamente política no seio das organizações civis (Gurza
Lavalle et al 2006a, 2006b).
4
Dois componentes normativos definem as fronteiras da sociedade civil na literatura, a saber, autolimitação e
autonomia dos atores societários (ver Cohen e Arato 1995; Olvera 2003a). Para evitar mal-entendidos,
cumpre esclarecer que não se sustenta nestas páginas qualquer crítica geral ao papel da teoria na construção
de conhecimento, apenas atenta-se para os custos cognitivos de certas formulações teóricas da chamada
sociedade civil de caráter normativo e altamente estilizado.
5
Os resultados apresentados nestas páginas formam parte de projeto de pesquisa mais amplo, cuja formulação
por extenso, bem como diferentes publicações dele derivadas encontram-se gratuitamente disponíveis na
página eletrônica do próprio projeto (Houtzager et al 2002): “Rights, Representation and the Poor:
Comparing Large Developing Country Democracies – Brazil, Indian and Mexico”-
http://www.ids.ac.uk/gdr/cfs/research/Collective%20Actors.html
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Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro
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Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro
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lado, a análise de redes definida como metodologia, com suas potencialidades heurísticas e
restrições internas, difere do uso mais comum por vezes quase corriqueiro da noção
de “redes” na semântica contemporânea das ciências sociais. De modo flexível, com limites
laxos, e, a rigor, com estatuto de metáfora, as “redes” se tornaram elemento freqüente na
análise social. Entre a metodologia de redes e os usos metafóricos da noção “redes” há
diferenças de gênero e não apenas de grau, da mesma forma em que a metáfora da
mecânica aplicada de modo brilhante no Leviatã não constitui uma aplicação da física
mecânica. Sem dúvida, as metáforas também desempenham funções cognitivas, embora
apenas como sugestão intuitiva do espírito das idéias quanto àquilo que elas visam iluminar
no mundo. Aqui, a análise de redes se atém ao bônus e ônus da sua definição como
metodologia com um repertório próprio de recursos técnicos6.
6
Foi utilizado o software Ucinet (Borgatti et al 2002)
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tipo de organização civil e sua estratégia de atuação em relação aos seus pares. Terceiro
achado: verificou-se a existência de vínculos preferenciais entre certos tipos de
organização. Tais vínculos seguem sempre a mesma direção: das entidades periféricas para
aquelas com maiores alcances e capacidade de atuação ou, como era de se esperar, das
organizações com posições privilegiadas para outras organizações igualmente privilegiadas.
Em suma, uma só rede de conectividade difusa, hierárquica, mas com capacidade de
agregação e coordenação de caráter horizontal entre entidades bem posicionadas, e de
índole vertical em relação a organizações como as associações de bairro, comunitárias e
entidades assistenciais.
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Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro
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atuação das organizações civis na cidade de São Paulo do que as organizações populares e
do que as ONGs; o que também aponta para mudanças importantes apenas parcialmente
registradas na literatura a começar pelo fato de as articuladoras não terem sido objeto de
estudo específico. A centralidade das articuladoras atesta a capacidade de construção
institucional das organizações civis, em particular das ONGs, e os alcances desses
“andaimes” institucionais para escalar demandas e problemas, bem como para representar
interesses e perfilar agendas compartilhadas por constelações amplas de atores socais.
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No trabalho de campo foram entrevistadas 229 organizações civis, mas devido a critérios metodológicos
apenas foram contempladas 202 na análise de redes.
8
Também foram indagados as atividades, objetivos, origens e perfil institucional das organizações civis.
Neste paper, além das características contempladas para a delimitação dos diferentes tipos de organizações
civis (ver Quadro 1), apenas os vínculos receberão tratamento sistemático; entretanto, achados relevantes
sobre atributos das organizações civis paulistanas têm sido aventados alhures (Houtzager et al 2004; Gurza
Lavalle et al 2004b, 2006a, 2006b). As informações metodológicas, bem como o questionário (Houtzager et al
2003), encontram-se disponíveis para consulta na página do projeto (ver nota de roda-pé 5).
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Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro
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como membros ou sócios, como público alvo, ou como a comunidade. No segundo caso, a
cada tipo de associação corresponde (i) uma estratégia de atuação distintiva e (ii)
combinações excludentes de atividades orientadas para a reivindicação e mobilização, para
o fornecimento de serviços, para a organização popular, ou para a intermediação entre o
governo e os beneficiários.
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Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro
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superiores a 15% da amostra. Por sua vez, fóruns, associações comunitárias e organizações
populares constituem os tipos com menor freqüência (entre 5% e 8%).
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Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro
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constitui uma síntese do conhecimento acumulado sobre esse universo de atores e agiliza a
interlocução com atores e autores interessados nas questões aqui analisadas; do outro, testes
empíricos não revelaram outras formas de agrupação consistentes.
3. A Literatura e as Caracterizações
As lacunas no conhecimento das dinâmicas internas do universo das organizações
civis não passaram desapercebidas sequer entre aqueles que mais decisivamente
contribuíram para alimentar a variante enfática da sociedade civil para dizê-lo com
fórmula cunhada por Sergio Costa9 ; antes, seus autores mais lúcidos reagiram, não sem
certo estranhamento, contra os excessos simplificadores e maniqueístas dos usos da
categoria sociedade civil, bem como assinalaram as ambigüidades analíticas que a sua
própria redefinição conceitual tinha deixado em pé.10 Andrew Arato (1994: 21), por
exemplo, em texto apenas dois anos posterior a sua influente obra publicada com Jean
Cohen11, atentou para os efeitos de escurecimento da categoria “sociedade civil” sobre a
variedade de grupos e movimentos por ela englobados. Mais: re-confirmou de modo
incisivo aquilo que sua alentada atualização teórica da categoria “sociedade civil” tinha
processado e construído de modo profuso, a saber, “... a unidade da sociedade civil só é
óbvia quando considerada de uma perspectiva normativa” (Arato 1994: 21; ver Cohen e
Arato 1992: 395-475).12
Destarte, não é de causar espanto que, no Brasil, uma das poucas distinções
afincadas por essa literatura para diferenciar atores societários tenha objetivado não a
9
Trata-se de autores do debate teórico internacional que, nos anos 1990, apostaram no fortalecimento da
sociedade civil como “nódulo normativo de um projeto radical democrático”, como “um desiderato político-
emancipatório” (Costa 1997: 9). Os autores são bem conhecidos pela sua obra e influência: Andrew Arato,
Jean Cohen, Charles Taylor, John Keane, Michel Walzer.
10
Michael Walzer, por exemplo, no seu conhecido ensaio “The Civil society argument”, julgou pertinente
esclarecer aos seus colegas de argumento: “Eu gostaria de introduzir uma advertência contra as tendências
antipolíticas que comumente acompanham a celebração da sociedade civil. As redes de associações não
podem dispensar, mas incorporam as agências de poder do Estado” (1998: 304). Arato (1994: 25) realizou
advertência semelhante a respeito da “... desastrosa tendência de desvalorizar o parlamento e a competição
partidária”.
11
Trata-se, é claro, de Social theory and civil society, publicada em 1992.
12
De fato, o debate pela re-especificação da “correta” compreensão da categoria sociedade civil, próprio dos
anos 1990, foi estabelecido em termos da superioridade do novo conceito pela sua capacidade da colher e
iluminar o componente normativo da sociedade civil (ver Avritzer 1994: 271-308). Para um balanço crítico
sobre o ciclo em que foram entronizadas e, depois, abandonadas compreensões enfaticamente normativas da
sociedade civil ver Gurza Lavalle (2003).
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Para uma defesa da diferenciação entre grupos de interesse e sociedade civil ver os trabalhos de Costa
(1997: 127; 1994: 42-48); para uma análise dedicada a fundamentar a relação entre sociedade civil e interesse
geral no plano da teoria ver Cohen e Arato (1992: 395-475).
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agendas de pesquisa, por certo menos influentes, debruçaram-se sobre o estudo das
organizações civis em registro teoricamente menos sobre-determinado. Embora a
nominação do campo da ação societária seja sabidamente um terreno de disputa simbólica,
pelo que optar entre termos como “terceiro setor” ou inclusive “sociedade civil” não é mero
recurso lingüístico, é fato que, no Brasil, algumas das reconstruções mais ricas e nuançadas
da difícil sedimentação de identidades no interior do universo das organizações civis foram
elaboradas sob a agenda de pesquisa do terceiro setor (v. gr. Landim 1998; Fernandes
2002).14 Por fim, porque parte nada desprezível do conhecimento sobre as transformações
internas das organizações civis foi produzida pelos próprios atores sociais, céticos e
receosos perante um mundo acadêmico que, nos anos 1980, cultivou exíguo interesse pelos
fenômenos de invenção e renovação organizacional emergentes no plano da ação coletiva
institucionalizada notadamente as ONGs (Landim 2002).
O trabalho desenvolvido nas últimas décadas por essas e outras perspectivas para
apreender a profusão de “projetos parcelares” e “micro discursos” (Carvalho, 1998: 85), o
pragmatismo e práticas diversas da miríade de entidades que compõem o universo das
organizações civis, constitui o conhecimento disponível para caracterizar os diferentes tipos
de organizações aqui estudadas. Esse conhecimento é marcadamente desigual não apenas
em virtude da maior ou menor distância entre cada tipo de organização da tipologia aqui
proposta e as denominações usuais entre os atores e na literatura, mas, sobretudo, devido a
que a própria literatura tem prestado atenção muito díspar a esses atores em função da sua
relevância dentro de determinadas compreensões da transformação social. Na segunda
metade dos anos 1970 e ao longo da seguinte década, os movimentos sociais ocuparam
posição proeminente em agendas acadêmicas e políticas, cedendo sua centralidade à
categoria sociedade civil nos anos 1990 com destaque para as ONGs. No outro extremo,
14
Via de regra, aqueles que “optam” pelo termo “terceiro setor” levantam ressalvas perante o caráter mais
restrito da “denominação” “sociedade civil”, procurando englobar esta dentro do primeiro (v.gr. Coelho 2000:
57-79). Por sua vez, aqueles optam pela semântica da sociedade civil acusam que, nas suas conotações, o
terceiro setor “Encobre ou recobre o próprio significado da ação política da sociedade civil contemporânea”
(Carvalho, 1998: 83). Para uma análise a este respeito ver o trabalho de Paoli (2003). De fato, a semântica da
sociedade civil é própria de atores e autores passíveis de serem alinhados dentro das coordenadas vagas de um
campo popular e de esquerda, enquanto o registro do terceiro setor costuma ser comum em organizações civis
filantrópicas, no circuito da ação social empresarial e em comunidades de formuladores de políticas públicas.
Não parece fortuito que, em clara interface entre ação societária e mercado, uma das qualidades mais
valorizadas do terceiro setor seja o uso social sem fins de lucro de propriedade privada (Bresser e Grau 1998).
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V.gr: “... as ONGs passaram a ter muito mais importância nos anos 90 do que os próprios movimentos
sociais” (Gohn 2003: 22; ver também Paz 2005: 8-11).
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1996: xiv).16 A definição de para quem trabalham as ONGs é menos pacífica na literatura,
pois mesmo se aceita essa função de mediação capaz de transitar “entre os locais
românticos das comunidades tradicionais e os esclarecidos territórios da cidadania”
(Fernandes 2002: 76), ou sua conhecida origem como entidades de apoio aos movimentos
populares,17 parece inescapável reconhecer que “tal função de mediação é unilateral”
(Fernandes 2002: 78). A compreensão dos beneficiários do trabalho dessas organizações
em termos de público alvo, a despeito de parcialmente controversa, aponta precisamente
para essa unilateralidade.18
A segunda categoria da tipologia, organizações populares, corresponde em parte
àqueles atores que, a partir dos anos 1970 e, sobretudo, nos 1980, passaram a ser
denominados e pensados nos registros teóricos desenvolvidos em torno do conceito
“movimentos sociais” especialmente quando utilizado para apreender a lógica de
atuação de atores específicos voltados para a mobilização coletiva a propósito de demandas
populares. À margem das orientações teóricas mais influentes na literatura sobre
movimentos sociais19, o conceito apresenta problemas de ambigüidade na sua definição:
tem sido utilizado igualmente na definição de atores empíricos específicos, normalmente
portadores de capacidade de contestação perante o Estado — Movimento dos Sem Terra
16
Na caracterização de Maria do Carmo Carvalho (1998: 87-88), as ONGs se regem pelo princípio da
solidariedade, por ações de multiple advocacy, de empowerment, e determinam fortemente a agenda pública.
A importância das redes ou a caracterização do estilo de trabalho das ONGs com base na noção de redes é
constante na literatura (Fernandes 1994: 128-131; Scherer-Warren 1996).
17
Há quem ainda descreva a relação entre as ONGs e seus beneficiários em termos que parecem mais
apropriados para as décadas de 1970 e 1980: “... na maior parte [trabalhando] junto a grupos populares
discriminados ou marginalizados...” (Gohn, Ilse In: Coelho 2000: xv). Também: até há alguns anos e pelas
prioridades das agências financiadoras “... a razão de ser de muitas ONGs estava associada a sua aliança com
organizações populares”. (Casanovas e García 1999: 63-67) Ver o trabalho de Landim (2002) para uma
reconstrução notável da gênese das ONGs como entidades de assessoria e apóio nos anos setentas, e sua
diversificação temática e adensamento organizativo na forma de sub-redes, o que teria levado essas entidades
em processo tortuoso a assumir para si a identidade de ONGs e a se desvencilhar progressivamente do
seu arraigo e in-diferenciação dos atores populares. A mesma autora afirma, no entanto, que o contato com
grupos populares continua a ser relevante para as ONGs (Landim 1998).
18
É possível, ainda, encontrar especificações dos beneficiários do trabalho das ONGs em registro semelhante
ao da assistência, próprio de entidades beneficentes (ver Coelho 2000: 60).
19
Houve três grandes vertentes na literatura internacional sobre os movimentos sociais: abordagens
estruturalistas que privilegiaram o movimento urbano popular (Castells 1988; Borja 1981; Singer et al 1980);
abordagens pós-estruturalistas centradas nos processos de construção das identidades dos chamados novos
movimentos sociais (Evers et al 1984; Melucci 1989; Touraine 1983; Sader 1988); e as abordagens
estratégicas do debate anglo-saxônico, que atentaram para as capacidades e dilemas da mobilização de
recursos (Klandermans e Tarrow 1988). Para um balaço acessível das três perspectivas ver Gohn (1997). As
duas primeiras abordagens tornaram-se dominantes no Brasil, por vezes em combinações inovadoras de
extraordinária riqueza sociológica (ver Sader 1988).
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Ver, por exemplo, os balanços desenvolvidos por Ruth Corrêa Leite Cardoso (1994: 81-90), Flávio S.
Cunha, (1993: 134-135) e Edison Nunes (1987: 92-94).
21
Segundo Gohn (2003: 13-32), por exemplo, nos anos 1990 não há processos de mobilização de massa, mas
de mobilização pontual dentro da lógica da participação cidadã, e não do ativismo popular coletivo.
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A expansão das denominações evangélicas não-tradicionais deve ter produzido mudanças no terreno das
organizações comunitárias existentes, bem como nos seus repertórios de problemas e formas de ação. Embora
existam estudos acerca do papel das igrejas evangélicas na política (Coradini 2001) e na formação de valores
políticos nos seus fieis (Fernandes et al 1998; Montero et al 1997), seu efeitos na vida associativa comunitária
não parecem ter merecido igual atenção por parte dos sociólogos e antropólogos da religião.
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Da mesma forma em que boa parte das articuladoras são pensadas como Ongs, algumas poderiam ser
assimiladas às organizações populares; porém, a atuação dessas entidades na coordenação e representação de
interesses de outras organizações civis, e não voltada para mobilização direta de segmentos da população,
valida essa distinção. De modo emblemático, todas as articuladoras de movimentos sociais contempladas na
amostra analisada aqui nasceram após o contexto de transição: Central de Moviementos Populares (fundada
em 1993), Fórun dos Mutirões de São Paulo (1992), União dos Movimentos de Moradia (1987) e Associação
dos Movimentos de Moradia da Região Sul (1994).
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O plural da palavra latina forum é fora, de uso raro na literatura. Preserva-se aqui a opção de uso corrente:
fóruns.
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Em termos gerais, um ator central no interior de uma dada rede é aquele que, a
partir de um número considerável de relações, consegue exercer grande influência sobre os
demais atores e gerar neles certa dependência, controlando diversas possibilidades de
25
Os trabalhos de Marques (2000; 2003) são pioneiros na área e constituem a referência mais relevante de
aplicação bem-sucedida da análise de redes no campo das políticas públicas.
26
Tilly, “Prisioners of the State”. In: Historical Sociology, nº133, 1992. Citado em Marques (2000).
27
Ao contrário das análises estruturalistas “clássicas” que tinham as estruturas como pressupostos analíticos
(Marques, 2005).
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fluxos e desfrutando uma capacidade maior de fazer escolhas dentro de seu universo de
relações (Hanneman 2001). Enquanto as escolhas aparecem associadas à capacidade de
ação ou agência, os fluxos remetem a bens materiais e imateriais, cuja natureza varia
enormemente dependendo dos atores contemplados pela análise; por exemplo, dinheiro,
mercadorias ou coisas no primeiro caso, e informações, influência ou afeto, no segundo.
Ademais, atores centrais ocupam localizações estratégicas no interior da rede, sendo
importante considerar não apenas os vínculos diretos com outros atores, mas também
aqueles de caráter indireto (Wasserman e Faust 1994). A centralidade no interior de uma
rede surge como conseqüência dos padrões de relações estabelecidos entre os atores e,
portanto, não é um atributo ou “posse” dos atores em si.28 Em suma, a noção de
centralidade está associada às noções de escolha entre diversas alternativas possíveis e de
autonomia ― pouca ou nenhuma dependência ― em relação aos vínculos estabelecidos
com atores específicos.
28
Conforme destaca Scott (1992), a centralidade de um ator não pode ser determinada isoladamente, sem a
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De uso mais modesto nesta análise, algumas medidas de coesão foram empregadas
com o intuito de determinar o modo de estruturação dos atores e suas relações no interior de
uma rede, abordando aspectos como o tamanho da rede, a densidade da rede, as distâncias
existentes entre cada um dos atores (geodesic distance) e o número de atores que podem ser
alcançados no interior da rede (reachability).32 Conforme será demonstrado, as redes de
cada tipo de organização civil possuem características bastante específicas em termos de
coesão e estruturação geral, cuja consideração permite compreender melhor a centralidade
dessas organizações e as funções por elas desempenhadas. Além disso, também foram
30
Ambas as medidas registram a direcionalidade ou direção nos vínculos, isto é, permitem diferenciar
analiticamente relações em que ser citado ou citar outrem não possuem o mesmo valor ou importância.
Devido a diversos interesses analíticos, resolveu-se diferenciar a origem e o destino dos vínculos. Apenas no
caso de algumas medidas, por motivos técnicos, as relações presentes na rede foram consideradas de modo
simétrico. Esses casos serão ressaltados ao longo do texto. Como nem todas as organizações citadas foram
entrevistadas, algumas não tiveram a oportunidade de citar outras entidades, gerando alguns vieses em certas
medidas de centralidade que procuramos minimizar.
31
Para um exame da proximidade como “vantagem estrutural” ver o trabalho de Hanneman (2001:65).
32
O tamanho da rede corresponde ao número total de atores e pode limitar significativamente a capacidade de
construção e manutenção de vínculos, isto é, as interações possíveis. A densidade corresponde à proporção de
vínculos realmente existentes dentre o total de vínculos possíveis, sendo que ela tende a ser menor quanto
maior o tamanho da rede. Além disso, de acordo com Hanneman (2001), redes com baixa densidade tendem a
ter pouco poder – este tende a estar bem diluído entre os diversos atores. Isso é comprovado na descrição dos
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Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro
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resultados. As distâncias são importantes para caracterizar a rede como um todo. A menor distância possível
entre dois atores é denominada distância geodésica.
33
Nos sociogramas cada ponto representa uma organização civil e os traços representam as relações
existentes entre essas organizações. Conforme será visto, os sociogramas são particularmente intuitivos e não
requerem maiores explicações para sua compreensão visual: as setas indicam as direções dessas relações
(atores que citam ou “lançam” relações e atores que são citados ou recebem relações); entretanto, cumpre
esclarecer que o comprimento das linhas e a representação visual da posição do ator no desenho são
“arbitrários”, isto é, não representam qualquer “distância” entre esses atores, mas apenas a presença ou
ausência de relações.
34
Além de abordar vários aspectos dessas associações – como fundação, missão, nível de formalização, temas
de trabalho, membros e/ou beneficiários – essas entrevistas recolheram os vínculos mais fortes dessas
associações com outras organizações civis e também com instituições governamentais; informações estas que
serviram de base para a montagem das redes aqui analisadas. Foram trabalhadas apenas as informações
referentes à existência de vínculos entre organizações civis, sendo desconsiderados na análise os vínculos com
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atores pertencentes à esfera estatal, como agências do governo, ou mesmo as relações com os atores políticos
clássicos, como partidos e sindicatos.
35
Listas apresentam sérias limitações, uma vez que, por definição, são construídas com base em critérios de
exclusão/inclusão, introduzindo vieses incontornáveis à análise. Ademais, implicam aceitar definições e
recortes a priori dos limites do universo das organizações civis assunção de um conceito implícito de
“sociedade civil”. Os estudos de caso fornecem reconstruções nuançadas de processos, mas dificuldades de
generalização a eles inerentes constituem, como contrapartida, um dos seus pontos vulneráveis.
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É importante reiterar que tais resultados dizem respeito a uma descrição geral das
posições estruturais das organizações civis na rede; entretanto, atores são igualmente
centrais ou periféricos por motivos diferentes e, não raro, desempenham funções muito
dissímeis, incorporando modalidades bastante específicas de centralidade e padrões
diferenciados de construção de relações. A descrição geral que agora se segue cederá passo,
na seguinte seção, a indagações acerca do significado das posições estruturais de cada tipo
de organização civil.
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Os resultados não apenas mostram uma baixa centralização geral da rede quer
dizer, baixa integração da rede em torno de alguns poucos atores centrais , mas permitem
mensurar o quão esgarçada ela é, oferecendo um indicador claro da dispersão da lógica da
36
A visualização desse conjunto é extremamente difícil: constituído por 741 atores e 1.293 relações diretas,
torna-se inútil apresentar aqui o sociograma dessa rede, tal e como realizado para o caso dos recortes
específicos por tipo de organização civil.
37
Para uma exposição detalhada dos critérios de controle do fluxo de entrevistas desencadeado pela bola de
neve, bem como dos testes efetuados para validar a confiabilidade da mostra de organizações civis assim
levantada, ver o trabalho de Houtzager et al (2003).
38
Assumir que as relações em uma rede não são recíprocas, ou seja, que a direcionalidade é relevante, é
opção pertinente para redes hierárquicas, tal e como é o caso da rede de organizações civis paulistanas aqui
analisada.
29
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ação coletiva presente no universo das organizações civis.39 Nesse universo composto por
mais de 700 organizações civis, de um total hipotético de mais de 500 mil vínculos
possíveis, apenas 1.293 estão realmente presentes, o que significa uma densidade que
sequer atinge o 1% das relações possíveis — apenas 0,24%40. Além da baixa densidade
total, o esgarçamento da rede de organizações civis paulistanas foi confirmado mediante
outras medidas de centralização da rede; medidas que apontam para a existência de diversas
centralidades difusas e reforçam os diagnósticos da pluralidade do universo das
organizações civis.41 Como será visto na próxima seção, mesmo aquelas entidades que
ocupam o “topo”, possuindo as posições mais centrais, desfrutam de diferentes tipos de
centralidade e desempenham papéis específicos distintos no interior da rede. Em suma,
trata-se de uma rede complexa e esgarçada, marcada pela hierarquia entre as organizações
civis e pela presença de múltiplas centralidades. Em contrapartida, e malgrado sua baixa
densidade, a existência de uma só rede com tais dimensões destaca a conectividade difusa
das organizações civis em São Paulo.
39
As medidas de centralidade, se aplicadas não para comparar atores específicos, mas para analisar as
relações de todos eles em conjunto, também podem ser utilizadas para caracterizar a centralização de uma
rede como um todo (Scott 1992).
40
O total hipotético das relações possíveis corresponde à multiplicação do número total de atores pelo número
total de atores menos um, pois não são consideradas as relações de um ator consigo mesmo
matematicamente: n X (n-1). Este cálculo indica o número máximo de relações que podem estar presentes em
uma rede e serve de base para o cálculo da densidade da rede. Já as relações realmente presentes
correspondem à soma de todas as relações que conformam a rede. De acordo com Hanneman (2001, p.41),
esta medida de densidade calcula o quão próxima (em percentagem) está uma rede em relação a uma rede
saturada, na qual todas as relações possíveis estão realmente presentes (situação hipotética, de difícil
observação na realidade).
41
Todas as medidas de centralização da rede calculadas com base em diferentes parâmetros (degree,
betweennes, distância geodésica, etc) tiveram como resultado uma centralização total inferior a 5%.
30
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42
Todas as mediadas a serem apresentadas foram estimadas mediante a aplicação de diferentes ponderadores
(normalização) para controlar os efeitos decorrentes do peso dos distintos tipos de organização civil na
amostra. Aqui se apresenta apenas o ranking elaborado a partir das medidas normalizadas.
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No. de caminhos
Proximidade dos
Proximidade dos
Caminhos mais
a
Intermediação
b
Tipologia de
b
a
a
que referem
alcançáveis
mais curtos
Informação
b
a
a
a
recebidos
Influência
Entidades
enviados
referidos
Vínculos
Vínculos
a
a
Atores
curtos
Poder
Organizações Populares 3 1 1 3 1 1 2 1 5 2 3
Articuladoras 2 2 2 5 2 3 3 3 3 4 5
ONGs 1 3 3 2 4 2 7 7 6 3 1
Fóruns 5 4 6 6 3 5 5 2 2 6 6
Entidades Assistenciais 7 5 5 4 6 4 1 4 4 5 4
Associações de Bairro 4 6 4 1 5 6 6 5 7 1 2
Associações Comunitárias 6 7 7 7 7 7 4 6 1 7 7
a
Médias calculadas apenas para as entidades entrevistadas (n=202)
b
Médias calculadas para toda amostra (n=829)
43
Neste caso, para o cálculo das medidas foi considerada a direção das relações. A tabela apresenta os
resultados na forma de um ranking constituído a partir dos resultados das médias por tipo de organização
civil.
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com posições mais centrais, os fóruns diferenciam-se das entidades da periferia da rede
especialmente devido a sua proximidade com muitos atores, a possuírem número
significativo de vínculos, além de contarem com fluxos de relações que permitem acesso a
informações e a vários outros atores de modo indireto. Com resultados levemente
inferiores, as entidades assistenciais são relativamente procuradas e efetuam certa
intermediação.
33
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posições mais centrais na rede como um todo; inversamente, os tipos com redes menos
densas e mais fragmentadas coincidem com aquelas que tendem a ocupar posições
periféricas na rede. Esse resultado parece apontar para uma estreita relação entre os modos
de organização interna dos diferentes tipos de entidades padrões de relação, grau de
coesão e hierarquização interna e os papéis por eles desempenhados no universo das
organizações civis.
No. Caminhos
Proximidade
alcançáveis
mais curtos
mais curtos
Informação
Número de
Caminhos
Influência
Nº Atores
vínculos
Poder
44
. Neste caso, para o cálculo das medidas não foi considerada a direção das relações. Por se tratar de relações
entre entidades de mesmo tipo, as relações foram consideradas recíprocas. A tabela apresenta os resultados na
forma de um ranking constituído a partir dos resultados das médias das redes de cada tipo de organização
civil.
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45
Para tanto, foram considerados apenas os ganhos obtidos em cada um dos cruzamentos entre dois tipos de
organizações civis, cancelando os resultados oriundos das redes internas. Por outras palavras, consideram-se
apenas os saldos da interseção entre duas redes.
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46
Em todos os casos considerou-se a direção das relações. Os resultados, dispostos em ranking relativo ao
ganho de relações para cada tipo de organização civil, são proporcionais ao número de organizações civis de
cada um dos tipos analisados aqui.
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associações de bairro e as comunitárias não estabelecerem relações densas entre si. Mais:
não há uma densidade significativa de relações entre as entidades periféricas.
As Organizações Populares
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47
Ver as diferenças entre “vínculos enviados” e “vínculos recebidos”, bem como entre “proximidade advinda
das próprias citações” e “proximidade advinda das citações e outros” (Tabela 1).
48
Conforme será visto no caso das entidades assistenciais e dos fóruns, é possível manter redes mais densas
com outros tipos de atores que não os pares.
49
Embora normalizados, neste caso os resultados exprimem em certo grau o baixo número de atores na rede
das organizações populares.
50
O número de isolados será reportado na parte inferior direita de cada sociograma.
51
Sociogramas com formato de estrela (Star graph) são redes que possibilitam os vínculos de todos os atores
presentes na rede, configurando visualmente um centro para o qual chegam ou do qual saem todas as relações
por isso o formato de estrela (Wasserman e Faust 1994: 169-172).
39
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constituídos em relação a dois atores centrais, o Movimento dos Sem Terra e o Movimento
dos Sem teto do Centro (mstc). O MST é a “ponte” que vincula movimentos nacionais
como o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (mnlm), e movimentos de índole rural
como o Movimento dos Pequenos Agricultores (movpeqagri) e dos Atingidos por
Barragens (moab), com movimentos urbanos locais, quer dizer, da cidade de São Paulo,
nucleados em torno do segundo ator Movimento de Moradia do Centro (mmc) ou
Defesa do Favelado (mdf), por exemplo. A referência central, neste caso, está no ator de
maior capacidade de mobilização e visibilidade pública, o MST, e não em atores que
atendem demandas localizadas ou apresentam afinidades temáticas, como acontece com
praticamente todos os tipos de organizações civis.
A lógica seletiva de se relacionar com atores mais centrais ou com maior capacidade
de ação vale também, embora algo atenuada, para os vínculos privilegiados pelas
organizações populares com outras organizações civis (Tabela III). A proximidade com as
ONGs está inscrita na origem das próprias ONGs como assessoras de movimentos sociais,
mas proximidade das organizações populares com as articuladoras é fato mais recente que
não tem sido apontado na literatura. Por sua vez, em consonância com os padrões gerais
descritos na seção anterior, a maioria das organizações civis recorre às entidades em
questão como vínculos privilegiados. Há, todavia, resultados inesperados: organizações
populares conferem importância mínima às relações com associações de bairro e, por sinal,
trata-se de uma “indiferença” completamente recíproca. Por outras palavras, a construção
de relações com entidades que apresentam demandas urbanas locais e de baixa visibilidade
parece ser infrutífera para o ator examinado. Paradoxalmente, dentre os três tipos de
entidades mais centrais, as organizações civis apresentam relativamente mais vínculos com
as associações comunitárias, o que contribui para a compreensão do caráter assimétrico de
suas relações quando olhadas do primeiro recorte analítico relações com o conjunto dos
atores da amostra.
40
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Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro
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lida com a questão da moradia metade no caso do Sociograma 1.52 Embora a análise
relacional evidencie que as organizações populares continuam a ocupar posição protagônica
no seio das organizações civis em que pese o foco dominante da literatura em outro tipo
de atores , a perda de relevância dessas organizações para as associações de bairro e vice-
versa sugere deslocamentos inéditos no plano da ação coletiva durante os anos pós-
transição; deslocamentos que ganharão contornos mais precisos mediante a interpretação
dos outros tipos de organizações civis.
As Articuladoras
Articuladoras são atores de terceiro nível, quer dizer, exprimem o resultado dos
esforços de outras organizações civis — em boa mediada das ONGs, mas não só — no
sentido de ampliar e fortalecer o trabalho por elas desenvolvido mediante a
52
Contudo, as organizações populares são, dentre os tipos mais centrais, aquelas que mantêm relações mais
próximas com associações comunitárias.
41
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As relações internas das articuladoras iluminam com maior precisão sua forma de
operação. De um lado, sustentam entre si relações das mais equilibradas configurando uma
rede notavelmente densa, com um 54% de atores isolados; de outro, seus padrões internos
de relacionamento obedecem a divisões claras, diminuindo a proximidade dos seus vínculos
(Tabela II).55 O Sociograma 2 permite visualizar tais padrões. Nele se verifica que as
articuladoras ordenam suas estratégias de relacionamento por afinidades temáticas,
funcionais e programáticas, não raro parcialmente sobrepostas. O nicho das entidades que
tratam da questão de gênero é caso de afinidade eminentemente temática, e aquele das
articuladoras de associações de bairro supõe clara afinidade funcional; entretanto, as sub-
redes de movimentos populares, financiadoras do terceiro setor e articuladoras religiosas
combinam com peso relevante mais de uma afinidade. Nos últimos três casos, as
articuladoras de cada nicho trabalham em prol de atores com um perfil específico, e, a um
tempo só, disputam e representam concepções diferentes do sentido da ação coletiva na
nossa sociedade. De fato, dadas suas funções, importância e o custo de criar e manter
53
Os nomes referentes às siglas contidas neste sociograma econtram-se no Anexo 1; no mesmo anexo
também constam os nomes das entidades presentes nos demais sociogramas desta seção.
54
Conforme explicitado na quarta seção, as entidades entrevistadas foram solicitadas a enunciar, para
diversos tipos de atores, seus vínculos mais relevantes (até 5). Isso implica, no caso das articuladoras,
mencionar associações além do conjunto ou perfil daquelas que a fundaram ou constituem seus membros.
55
Ver as medidas “proximidade” e “caminhos mais curtos”, contrastantes em relação ao padrão das
articuladoras (Tabela II).
42
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entidades com semelhante perfil, a composição do universo das articuladoras acaba por
projetar, como em jogo de sombras, as constelações de atores com maior peso na disputa
pelo sentido da ação coletiva perante o Estado e perante os próprios atores sociais. Por fim,
a despeito da densidade de relações internas, as relativas distância e dificuldade de alcançar
atores decorrem do fato de os nichos dependerem de entidades ponte Gatekeepers
para se vincularem a seus pares orientados por outras afinidades; notadamente, União
Brasileira de Mulheres (ubm) para as articuladoras do movimento de gênero, Confederação
Nacional de Associações de Moradores (conam) para as aquelas das associações de bairro,
Central dos Movimentos Populares (cmp) para as dos movimentos, e Rede Brasileira das
Entidades Assistenciais Filantrópicas (rebraf) para as religiosas.
O exame das relações que as articuladoras estabelecem com outras associações traz
à tona algumas feições que complementam a compreensão do papel deste novo ator.
Embora cada tipo de organização civil sustente vínculos preferenciais com outros tipos, as
relações entre articuladoras e ONGs constituem o único caso nítido de aliança encontrado
na amostra, quer dizer, o único caso em que, nas relações entre dois tipos de atores,
coincidem reciprocidade plena e importância máxima (Tabela III). Por outras palavras, para
todas as medidas de inter-relação entre pares de entidades, as ONGs são os vínculos mais
relevantes para as articuladoras e vice-versa. A aliança exprime a origem das próprias
articuladoras e, simultaneamente, mostra seus vínculos mais recorrentes, reforçando seu
perfil temático. Em segundo plano, as entidades em questão estabelecem vínculos com
organizações populares e, depois, com organizações civis de condição intermediária
fóruns e entidades assistenciais. Cumpre notar que a existência de articuladoras de
associações de bairro franqueia o acesso das próprias associações de bairro, classificadas
como periféricas, aos atores mais centrais da rede. Por outro lado, e como seria de se
esperar, os vínculos preferenciais com articuladoras são cultivados por todos os tipos de
organizações civis, com especial destaque para as associações de bairro, que obtém os
maiores benefícios da sua inter-relação com articuladoras para todas as medidas aqui
trabalhadas.
43
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conjunto das organizações civis quanto sua relevância para cada tipo de entidade, e, em
especial, para atores periféricos como as organizações de bairro, não parece descabido
apontar que os esforços de organizações civis orientados para a construção de novos atores
com maior capacidade de intermediação e agregação foram não apenas bem-sucedidos para
organizações altamente centrais, mas também para entidades territoriais de base, de
condição periférica, que, graças à intermediação das articuladoras, ampliam sua capacidade
de ação para além do plano local. A ausência de relações entre organizações populares e
associações de bairro e os achados apresentados acima apontam não apenas para a
existência de mudanças de envergadura na ação coletiva, até agora desapercebidas na
literatura as articuladoras costumam ser classificadas como ONGs e não têm sido objeto
de estudo , mas também para a plasticidade da própria ação coletiva e para a capacidade
de inovação institucional das organizações civis no sentido de incrementarem sua escala de
atuação.
44
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As Ongs
As Ongs completam o grupo dos atores civis de alta centralidade e atuam mediante
a tematização pública de problemas, não raro abordados a partir de uma semântica política
de direitos cidadãos; isto é, são eminentemente entidades de advocacy o que não exclui,
mas subordina a prestação direta de serviços. A análise relacional revela que as atividades
de advocacy das ONGs guardam conexão com uma forma de centralidade passível de ser
contraposta àquela própria das organizações populares e das articuladoras: a centralidade
das últimas encerra um componente passivo, quer dizer, são mais procuradas do que
procuram e encontram-se próximas das entidades que vêm ao seu encontro; já a
centralidade das ONGs segue um perfil ativo, pois se trata do tipo de organização civil que
mais constrói vínculos mais procura do que é procurado , além de não ser próximo
das organizações que o citam como parceiras, mas sim daquelas com as quais entabula
ativamente relações (Tabela 1). A idéia de as ONGs trabalharem em rede encontra-se
amplamente presente na literatura, todavia, quando assumidos os pressupostos da análise de
redes, tal afirmação torna-se um truísmo, visto que o ponto de partida é o caráter relacional
do mundo. Os resultados permitem qualificar melhor o perfil das ONGs como construtoras
de vínculos ou atores centrais ativos por sinal, os mais eficientes quanto à capacidade de
alcançar outras entidades ou locais da rede. Outra feição distintiva das ONGs, cujo
significado tornar-se-á claro graças aos outros recortes analíticos, é o caráter marcadamente
simétrico das relações por elas construídas, pois se trata das entidades que criam menor
dependência nos seus relacionamentos.
56
Posição no ranking das medias “número de caminhos mais curtos” e “número de atores alcançáveis”
(Tabela II)
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À coesão, densidade e perfil temático da rede é preciso acrescer mais duas feições.
Em parte devido ao grande número de entidades na rede interna das ONGs, a proximidade
entre seus integrantes é baixa e, ao contrário do que ocorre nas relações dessas entidades
com as outras organizações civis, os vínculos internos são assimétricos, ou seja, as relações
entre ONGs são consideravelmente hierárquicas. A combinação entre a simetria das
relações das ONGs com a rede como um todo e a dependência gerada pelos vínculos com
seus pares contrasta com padrão inverso dos outros dos tipos de organizações civis centrais
organizações populares e articuladoras, cujo caso combina horizontalidade nas relações
internas com aguda assimetria nos vínculos por elas estabelecidos com o conjunto das
organizações civis. Semelhante contraste não parece decorrer apenas do maior tamanho e
densidade da rede internas das organizações civis, mas do perfil ativo e passivo que
diferencia as centralidades desses três tipos de atores.
57
Apenas foram destacados os maiores nichos temáticos para permitir a visibilidade da informação
apresentada.
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Para citar apenas dois exemplos, atores quase indispensáveis para conectar diferentes nichos são: Coletivo
Feminista (coletivfem) e Ação Cidadão (acaocidada).
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Gênero e Homossexuais
Gênero e
Raça
Violência
Habitação
Crianças Deficientes
Igreja Católica
Educação
Nº Isolados: 59 (33%)
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Os Fóruns
Justamente por serem instâncias temáticas de encontro que abrigam outros tipos de
organizações civis (acessibilidade), os fóruns não apresentam inclinação a estabelecer
vínculos entre si, a não ser no caso raro de sobreposições nos temas trabalhados. Nesse
sentido, o padrão de conexões internas do tipo de ator em questão é o mais desconexo e
menos centralizado de todas as redes entre pares aqui apresentadas (Tabela II). O
Sociograma 4 ilustra nitidamente a magnitude da desconexão: 83% dessas entidades são
isoladas em relação aos seus pares, ou seja, não possuem qualquer relação com outros
fóruns. Trata-se, de longe, do tipo de organização civil que menos mantém vínculos entre
si. O Sociograma também permite apreciar o caso raro de sobreposições temáticas parciais
que animam a construção de pequenas sub-redes: o Fórum “ONGs Aids”, por exemplo,
mantém relação com o Fórum de Patologias; o Fórum do Idoso, por sua vez, sustenta
vínculos com os de Assistência Social e de Saúde. Cumpre salientar, ainda, que o Fórum de
Saúde apresenta a maior capacidade de articulação e intermediação da rede interna.
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Redes e Afinidades no Seio das Organizações Civis”. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – CEBRAP, SP, novembro de 2006
cultivado pela maior parte das organizações estudadas, embora nunca em posição
privilegiada; isto é, nunca antecedendo os três tipos de entidades centrais acima
examinados (Tabela III). Embora a afirmação recíproca também seja verdadeira fóruns
privilegiam vínculos com organizações civis centrais , um olhar mais cuidadoso revela
que, de fato, os fóruns privilegiam fundamentalmente relações com entidades centrais de
perfil temático, ou seja, com articuladoras e ONGs. Por sua vez, organizações populares e
entidades assistenciais encontram-se em patamar inferior com importância semelhante para
os fóruns, e associações de bairro e comunitárias são irrelevantes nos termos relativos do
ranking utilizado.
59
Proximidade em relação aos atores que citam os fóruns, grande número de caminhos mais curtos e balanço
favorável entre vínculos enviados e recebidos (influência).
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As Entidades Assistenciais
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Conforme o resultado da medida “poder” na Tabela I.
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As Associações de Bairro
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Não é fortuito o fato de possuírem a maior distância geodésica (ver Tabela I).
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Como seria de se esperar, a lógica interna das sub-redes esta pautada pela
proximidade territorial. O Sociograma 7 mostra, por exemplo, que entidades da Zona Leste
de São Paulo alcançam nicho de entidades sediadas na Zona Sul através das relações que
estabelecem com entidades da Zona Norte. Cabe notar ainda que todas as entidades de
Heliópolis formam um componente à parte, sem relações com as demais entidades da zona
Sul. Mesmo essa sub-rede de Heliópolis apresenta um formato geral de “linha”, sem atores
fortemente centrais. Ao contrário de redes internas como as das organizações populares ou
ONGs, não há neste caso atores “estrelas” exercendo por si só intermediação em grau
elevado; cada associação localizada ao longo da “linha” é importante e boa parte delas
indispensável para a conexão com outros segmentos da rede.
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Para as três formas de aferir os ganhos da interseção, organizações populares e associações de bairro
aparecem em 6º lugar.
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As Associações Comunitárias
As associações comunitárias são, junto com as ONGs, amostra emblemática da
diversidade e heterogeneidade do universo das organizações civis. De dimensões modestas,
inseridas em nichos muito localizados e normalmente orientadas para a auto-ajuda, tendem
a desenvolver atividades restritas e, não raro, exclusivas ao grupo de indivíduos
participantes da entidade. Semelhante perfil torna-se mais nítido mediante a análise
relacional: o traço distintivo das entidades em questão é a ausência de relações (Tabela 1).
Dado que as atividades são construídas por e para os integrantes de cada associação, não é
de estranhar que apresentem os piores resultados excetuando sua capacidade de alcançar
rapidamente outras entidades e a disposição de relações moderadamente assimétricas.
Ambas as exceções acusam os efeitos do número particularmente limitados de vínculos à
disposição das associações comunitárias e da existência e relações diretas, embora
limitadas, com entidades mais centrais.
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medida irrelevantes, para seus protagonistas 63% dessas associações são isoladas, ou
seja, não possuem vínculos com seus pares.63 O Sociograma 8 mostra que a proximidade
deriva da fragmentação ou da existência de sub-redes pequenas basicamente díades e
tríades , animadas por lógicas internas exclusivas, quer dizer, lógicas que não parecem
estimular a criação de pontes com associações pares guiadas por outras preocupações. Por
exemplo, os Grupos de mães e as organizações civis de hip-hop apresentam relações entre
si e nenhum contato com outra associação comunitária. Inclusive o nicho com o maior
número de entidades organizações representantes da polícia militar obedece a uma
lógica interna exclusiva. Nesse caso, todas as relações encontram-se direcionadas para um
único ator. Assim, os raros vínculos estabelecidos pelas entidades em questão costumam ser
pontuais e não-diversificados, tornando assimétrica a posição dos atores na sua própria
rede.
Em plena consonância com a caracterização acima esboçada, as associações
comunitárias ocupam, de longe, as posições mais periféricas em relação aos outros tipos de
organizações civis. Por outras palavras, e a despeito da indiferença recíproca entre
organizações populares e associações de bairro, essas entidades são as menos importantes
para os outros atores do universo de organizações civis estudado (Tabela III),
plausivelmente porque seu perfil as torna estrategicamente desinteressantes para as lógicas
de atuação do outros atores. Por sua vez, embora as associações comunitárias privilegiem
os vínculos com organizações populares, não apresentam uma hierarquia clara de
relacionamento no que diz respeito às outras entidades centrais ou não.
Associações comunitárias são construídas por e para seus membros, e isso guarda
estreita conexão com o caráter exclusivo do seu padrão de relações ou da ausência delas
como sua feição mais distintiva. De um lado, parecem alimentar propósitos muito restritos
de expansão do seu trabalho; de outro, suas funções de auto-ajuda situam-nas em plano
verdadeiramente secundário para as demais organizações. È claro que mantêm relações,
mas são pontuais e animadas por afinidades exclusivas. A esse respeito cumpre lembrar
como contraponto que, apesar da sua condição periférica, as associações de bairro se
destacam por constituir uma rede extensa.
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Próximas conforme as medidas “proximidade” e “caminhos mais curtos”, e assimétricas conforme a
medida poder (Tabela II).
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debate em curso no campo da teoria democrática não abordado nestas páginas.64 O quão
corrosivos possam eventualmente ser achados como estes depende, em boa medida, do grau
de exigências normativas introduzidas pela teoria, bem como do papel que tais exigências
desempenham no diagnóstico do mundo. Seja como for, os resultados são persuasivos
sobre dois aspectos passíveis de interpretação a partir de diferentes registros teóricos:
primeiro, os alcances da atuação das organizações civis mal podem ser compreendidos se
desconsiderados os processos de diferenciação funcional impulsionados intencionalmente
por esses atores para incrementar suas chances de incidência nas instâncias pertinentes de
tomada de decisões ou na conformação da agenda pública; segundo, a ação coletiva no
contexto da pós-transição acusa mudanças, mas sem abordagens sistemáticas e
comparativas do universo das organizações civis, o tratamento do assunto carece de
parâmetros e corre os riscos de firmar formulações “impressionistas”. Com maior precisão,
nestas páginas há evidências tanto de transformações de envergadura sem tratamento
adequado na literatura quanto, em sentido inverso, de mudanças menores tidas como
consensuais e incorretamente sobre-enfatizadas.
No que diz respeito a processos intencionais de diferenciação funcional, há
desenvolvimentos notáveis nas entidades analisadas. A existência de organizações civis
dedicadas a propósitos distintos e empenhadas na realização de atividades diferentes remete
ao plano do pluralismo societário ou da heterogeneidade da ação coletiva, mas a presença
de funções complementares implica algo mais: processos complexos de divisão do trabalho,
cuja cristalização atesta o grau de complexidade e a capacidade de atuação de atores
coletivos situados dentro do universo das organizações civis. As abordagens centradas no
ator (ou não relacionais), seja dito de passagem, tendem a escapar tal “divisão do trabalho”
e os alicerces relacionais e estruturais que subjazem às possibilidades de atuação da
chamada sociedade civil em diferentes contextos.
Assim, a presença de protagonistas centrais na rede não significa ausência de
protagonismo nos tipos de organizações civis intermediárias e periféricas, antes, o modus
operandi difere nitidamente para cada tipo, não raro obedecendo a uma espécie de divisão
do trabalho dentro do universo dos atores estudados. De fato, apenas os atores periféricos,
associações de bairro e comunitárias, desempenham funções auto-referenciais, em que
64
Notadamente no que diz respeito à junção com as teorias deliberativa e participativa da democracia.
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parte de suas criadoras as ONGs , com as quais preservam a única aliança estratégica
presente no universo de organizações analisadas. Tal aliança é recíproca e evidencia não
apenas o caráter ativo ou de construtoras de relações das ONGs, mas também notável
habilidade e vigor para imprimir sua lógica no universo das organizações civis, em
momento marcado pela redefinição da intervenção social do Estado, agora marcada sob o
signo da focalização, descentralização, participação e pluralização de provedores.
No que diz respeito aos achado que iluminam mudanças, é pertinente explicitar o
pano de fundo consensual na literatura. A narrativa mais aceita acerca das transformações
no terreno dos principais atores coletivos ao longo das últimas décadas pode ser resumida
na seguinte formulação: as classes sociais e sua lógica inscrita na estrutura econômica das
sociedades capitalistas teriam cedido passo, nas décadas de 1970 e 1980, ao surgimento dos
movimentos sociais atores novos e agentes da construção/invenção de suas identidades
não subordinados ao roteiro prescrito pela teoria conforme clivagens classistas. Uma
década depois, encerrado o ciclo da transição, os novos atores teriam saído de cena,
eclipsados pela multiplicação de uma miríade de entidades unificadas sob a categoria
sociedade civil, emblematicamente representada no estilo de trabalho e estratégia de
atuação das ONGs. O halo de legitimidade e prestigio imbuído nessa rubrica estaria a
promover como em cada um dos momentos anteriores sob as outras categorias, é bom
que se diga a indiferenciação do universo das organizações civis sob um efeito de
“onguização” de entidades com princípios de atuação distintos e, por vezes,
irreconciliáveis.
À margem dos efeitos de “novidade” e “sumiço” produzidos pela substituição de
categorias analíticas “velhas” por outras “novas” discutidos alhures (Gurza Lavalle et al
2004) , os resultados aqui examinados sugerem, dentro dos limites inerentes a evidências
circunscritas a São Paulo, a introdução de correções e especificações a tal narrativa.
Primeiro, os movimentos sociais continuam usufruindo posição proeminente com a
maior centralidade da amostra , pelo que diagnósticos denunciando seu ocaso parecem
ter sido precipitados, quiçá em parte devido à perda relativa da visibilidade desse tipo de
ator após os anos conturbados da democratização, quiçá em parte devido ao desencanto,
frustração, “ressaca” e outras conseqüências de efeito invertido características de
diagnósticos do mundo marcados por uma “inflação” de expectativas. Segundo, os
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movimentos dividem sua posição outrora hegemônica no campo das organizações civis
com entidades mais novas, mas não apenas nem fundamentalmente com ONGs, como
apontado na literatura, mas com articuladoras de criação mais recente e cujo padrão de
relacionamentos é similar ao das organizações populares ou movimentos. A centralidade
adquirida vertiginosamente por essas entidades de terceiro nível, criadas para representar
interesses de organizações de segundo nível e para coordenar e impulsionar a construção de
agendas comuns, atesta tanto a maleabilidade da ação coletiva institucionalizada quanto a
imbricação da força das ONGs para moldá-la a sua imagem e semelhança com os efeitos de
anos de reforma do Estado na implementação e gestão de políticas públicas sob o signo das
parceiras público-privado. Por outras palavras, as articuladoras seguem a lógica temática
das ONGs e orientam parte considerável do seu trabalho para a incidência em políticas
públicas, mas simultaneamente tornaram-se referência e canal privilegiado das associações
de bairro, que, assim, abandonaram sua velha aliança com movimentos sociais,
plausivelmente substituindo estratégias de atuação centradas na mobilização e no protesto
para desenvolver habilidades na administração de benefícios públicos baseados em
convênios. Terceiro, as denúncias preocupadas com a “onguização” das organizações civis
notadamente as entidades assistenciais , presuntivamente responsável por eclipsar
distinções relevantes às clivagens e disputas entre concepções diferentes do sentido da ação
coletiva institucionalizada, conformam diagnóstico pelo menos impreciso: se a constituição
de 1988 e as políticas públicas das duas últimas décadas vêm estimulando deslocamentos
semânticos na fala dos atores, agora porta-vozes de discursos cifrados no registro da
cidadania e dos direitos, a análise de redes desvela elementos mais permanentes das
práticas dos atores, uma espécie de “DNA relacional” que identifica nitidamente tipos de
organizações civis e atesta, no caso das entidades assistenciais, a continuidade do seu perfil
tradicional.
A análise de redes aplicada a organizações civis é ainda incipiente no Brasil,
todavia, não é necessária muita imaginação para antever os horizontes de problemas ou
problemáticas passíveis de serem elaboradas e sistematicamente verificadas a partir de uma
agenda de pesquisa relacional. Cumpre apontar brevemente apenas dois horizontes. No
plano mais óbvio dos limites e potencialidades do universo de atores analisados,
abordagens relacionais favoreceriam a compreensão de suas condições coletivas de atuação
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sem pressupor dinâmicas unitárias, bem como permitiriam realizar estudos comparativos
sistemáticos para examinar os efeitos de diversos fatores na construção histórica desses
limites e potencialidades. No terreno das políticas públicas e das inovações institucionais de
co-gestão, a análise de redes constitui uma estratégia promissora para avançar na
compreensão dos efeitos da administração societária de recursos públicos, pois estes são
canalizados e aplicados via redes, favorecendo determinados atores e seus públicos e não
outros. Desbravar esses ou outros horizontes de problemas possíveis é uma tarefa coletiva
de médio prazo, eventualmente cristalizável na elaboração e depuração de agendas de
pesquisa. Estas páginas, ao oferecer um panorama do modus operandi das organizações
civis, constituem apenas um passo inscrito no primeiro plano. Seria desejável que este
passo fosse rapidamente corrigido, re-especificado e eventualmente refutado pela
acumulação de evidências oriundas de outros contextos urbanos e de novos estudos guiados
por hipóteses capazes de aprofundar o nosso conhecimento sobre as diversas lógicas que
animam o universo das organizações civis. .
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ORGANIZAÇÕES POPULARES
ARTICULADORAS
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ONGS
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FÓRUNS
ENTIDADES ASSSISTENCIAIS
aacd AACD
abiah ABIAH
abras ABRAS
acaocomun Ação Comunitária
aeb AEB - Associação Evangelista Beneficiente
aebedra Aebedra
aguainumbi Associação Guainumbi
arco ARCO
asbenprovi Associação Beneficiente Provisão
casadomaca Casa Dom Macária
casataig Casa Taiguara
cencovsdor Centro de Convivência Santa Dorotéia
cesep CESEP
comkolparc Comunidade Kolping Arco-Íris
cphnsajped Centro de Promoção Humana Nossa Senhora Aparecida do Jd. Pedreira
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ASSOCIAÇÕES DE BAIRRO
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ASSOCIAÇÕES COMUNITÁRIAS
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