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GEORGE MARSHALL
SUMÁRIO
///
Este livro vai decepcionar aqueles que pensam que vão ler um tratado
de neonazismo, um manual do terrorista ou algo tipo MEIN KAMPF
requentado.
Quem encara o careca por essa óptica vai quebrar a cara. Após a
leitura, verá que o skinhead é, antes de tudo, uma "tribo", ou seja,
um segmento da juventude e da sociedade cuja característica básica é
um gênero musical. Há gêneros efêmeros que duram tanto quanto a moda
da estação (de rádio), e outros que acompanham toda uma geração. O
skinhead é talvez o mais duradouro, anterior ao hippie, ao heavy
metal, ao punk, ao funk, ao rap e ao próprio reggae, com o qual
conviveu em sua origem. Só é caçula em relação ao rockabilly e,
naturalmente, ao blues. Confundir, ou tentar confundir o skinhead com
alguns desdobramentos políticos ou policiais de natureza episódica ou
cíclica, tais como atos de vandalismo, terrorismo ou racismo, é
falsear a realidade histórica e atiçar a intolerância. Seria o mesmo
que tachar todos os favelados de bandidos, todos os policiais de
assassinos, todos os militares de golpistas, todos os empresários de
sonegadores, todos os políticos de corruptos e todos os governantes de
culpados, só porque alguns merecem os respectivos rótulos. Por esse
caminho, não se salvaria ninguém.
///
[Uma vez me lembro de ter lido que os jornais russos, sabendo que a
palavra "skinhead" nada significava na União Soviética, escreveram que
"gente careca" estava causando bagunça e quebra-pau nos campos de
futebol britânicos. Obviamente o capitalismo era tão completamente
podre que até mesmo os que sofriam de queda de cabelo se juntavam para
protestar contra ele.]
Temos nossos defeitos como qualquer um, mas ser um skinhead é muito
mais do que dar porrada na boca de alguém. E quando vier o Dia do
Juízo vai ter muito vendedor de bota e suspensório escalando os
portões do Céu. Quem viver verá.
Tomara que este livro ajude de alguma forma a pôr o movimento skinhead
em pratos limpos. Não porque queiramos entrar para a história como
inocentes injustiçados, e certamente não para impressionar algum
estúpido estudante de sociologia. Este livro não foi escrito por
nenhuma outra razão exceto dar aos próprios skinheads uma idéia melhor
de onde vieram.
Não alfinetamos nem tiramos da seringa, e por isso mesmo este livro é
uma celebração do modo de vida skinhead. Não me desculpo pelo conteúdo
do livro. Tudo que faço é tentar, da melhor maneira, resgatar
livremente o movimento nestes vinte e poucos anos. E você pode pegar
ou largar.
Sem dúvida muitos verão este livro como uma glorificação da violência.
Não tem nada a ver. Quando os skinheads detonavam as gigs da Sham 69 e
aprontavam na turnê da 2-Tone, as únicas pessoas que eles machucavam
eram eles mesmos. Não precisa ser muito inteligente para perceber. E
nunca houve motivo de orgulho ao se ouvir falar que algum skinhead
cheirador de cola tenha violentado uma velhinha. Qualquer um dessa
laia nada mais é que escória.
[2] Em muitas ocasiões tive que evitar a tradução literal para poder
falar a linguagem das tribos daqui. É o caso da expressão "skinhead
cult" -- onde "cult" para eles não tem tanta conotação religiosa como
para nós -- que ficou traduzida como "movimento skinhead", onde
"movimento" tem para nossa juventude um sentido mais comportamental
que ideológico, mais próximo de "onda" ou "agito" que de "corrente" ou
"tendência". (NT) [nota do tradutor]
///
AGRADECIMENTOS
///
Capítulo Um
ESPÍRITO DE 69
[algo como:
"Skinhead, ô skinhead!
Como é que é não ter cabelo?
É quente ou frio?
É como ser CARECA!"]
"A gente tá aqui pra quê? Pra nada, é isso aí. Somos só um grupo de
caras. Não estamos nem aí pra nada." (Chris Bridges, 16 anos, skinhead
de Brighton)
A palavra "skinhead" não teve uso corrente antes de 1969, mas moleques
usando botas e cabelo à escovinha eram vistos nos círculos mods desde
1964. Foram eles os precursores do movimento skin, que veio derivando
lentamente daquele grupo. Toda a papagaiada de "paz & amor" só pintou
três anos depois, de modo que rotular o skin de "reação ao hippie" é
querer pôr o carro adiante dos bois. Rejeição vá lá, mas reação nunca.
"A visão das cabeças raspadas e o barulho das botas pesadas, bar ou
danceteria adentro, é verdadeiro motivo de friozinho na barriga."
(Chris Welch, MELODY MAKER, 1969)
Ainda bem que essa receita de "avanço" não era do gosto geral. No
norte da Inglaterra, por exemplo, as coisas eram bem diferentes. O mod
tinha aparecido no final dos anos 50, nos clubes e cafés do Soho
londrino, mas levou bom tempo para pegar ao norte de Watford Gap. Em
compensação, a cena setentrional sobreviveu mais algum tempo,
ambientada em torno de fanáticos clubes de lambretistas e, mais tarde,
em casas noturnas de soul, como o famoso Casino Club em Wigan e The
Torch em Stoke.
A música ainda desempenhava seu papel na vida grupal dos mods, mas não
tanto quanto nos primeiros anos. Havia pouco interesse em curtir novos
gêneros, e o soul americano e o ska jamaicano tornaram-se dieta básica
para a maioria.
Cada movimento juvenil pode ser identificado pelo estilo ou pela moda
que o acompanha, e o skinhead não foge à regra. No final de 69, um
uniforme estava virtualmente definido e em exposição através destas
belas ilhas, mas nada indicava que a coisa pararia por ali. Uma vez
usando botas, você já podia se intitular um skinhead, o que valia para
praticamente todo adolescente da classe operária naquela época.
"O que eles precisam é dumas boas varadas, é o que eu sempre digo."
(Dona-de-casa de Bournemouth, 1970)
Foi por isso que o movimento passou por fases chamadas "suedehead" e
"smooth", como veremos adiante. Mesmo assim, a figura da cabeça
raspada, uma mistura de reco com preso, tinha forte carga simbólica e
se popularizou. Até porque havia o lado prático. A aparência limpa
podia ser bem vista por pais e patrões, e os próprios garotos viam
vantagem em dispensar o pente.
Outro dado sobre a Levi's é que a calça era desenhada para ser usada
nos quadris, mas todo mundo a puxava até a cintura, daí a necessidade
de algo que as segurasse bem, o que acrescentou o suspensório ao
guarda-roupa dos skinheads.
Hoje a noção que fica é a de que eles não usavam Bennies brancas, como
se os skinheads nunca as tivessem usado. A verdade é que a Ben Sherman
branca foi popular entre os skinheads pelo país todo, em várias
épocas, e era considerada tão elegante como qualquer outra camisa,
particularmente com soda ou água tônica, ou terno de "tonic". E fim de
papo.
A Ben Sherman pode ter sido a marca mais famosa, mas não era a única
na qual os skinheads punham fé. A Brutus também tinha uma coleção
decente e, em tartã, não se podia comprar uma melhor. A Jaytex era
outra concorrente, que oferecia as melhores camisas axadrezadas do
mercado. A Permanent Press tinha feitio tão de primeira quanto as
demais, e suas blusas femininas gozavam de boa aceitação. Até Arnold
Palmer, o jogador de golfe, emprestou seu nome a uma grife de
excelentes camisas de colarinho americano. Na verdade, a demanda por
boas camisas era tal, que alguns alfaiates fabricavam sua própria
grife, sabendo que teria saída entre a clientela skinhead.
"Aquela época foi demais, sabe? Tudo tinha seu nome. Se você saía à
noite, saía de camisa Ben Sherman, calça Levi's, bota Doctor Marten...
Todos tínhamos a mesma aparência, como se usássemos uniforme,
encasacados, de jeans branco e botas." (Andrew McClelland, skinhead de
Woolwich, 1971)
Outro tipo de camisa usado por skinheads era a velha Fred Perry de
tênis, com mangas curtas. A propaganda garantia produto de alta
qualidade, mas a popularidade estava nos detalhes, como o rolotê no
colarinho e nas mangas, além da combinação de cores imitando as dos
times de futebol: branco e azul-marinho (do Spurs), púrpura e azul (do
West Ham), e assim por diante.
Cada área tinha pelo menos um boteco onde os skinheads podiam levantar
umas canecas e jogar um bilharzinho, antes de dar a noite por
encerrada ou partir para uma esticada até o baile mais próximo.
Enquanto rolava na jukebox a última novidade em reggae ou soul, a
carecada trocava figurinhas sobre mulheres e tretas, com novas canecas
brindando a cada caso mais quente. Era essa a hora propícia para usar
a melhor roupa, quando a nata da turma dava aos caras o reconhecimento
que compensava toda a grana deixada nas lojas. E enquanto as manchetes
viviam cheias de botas e suspensórios, pouca gente reparava que os
skinheads representavam talvez a parcela mais estilosa e distinta da
juventude.
Não bastava estar bem-vestido, era preciso ter lugares aonde ir. O
Mecca Ballroom, o Palais, o Locarno, entre outros pontos quentes para
beber e dançar a noite toda. Os salões ficavam lotados de skinheads
ávidos por reggae, ska e soul.
Isso fez dos salões e dos pontos de venda (que geralmente não passavam
de barracas de mercado) os únicos locais onde se podia ouvir os
últimos lançamentos. Mesmo os discos que chegavam às paradas, como o
grande sucesso de Dekker "Israelites", passavam meses expostos nos
clubes e pubs até galgarem uma posição. Mas em 1969 já era tal a
procura que os pequenos comerciantes não davam conta. Não demorou para
que o som fosse ouvido em locais públicos nos fins-de-semana, até que
casas noturnas badaladas, como o Flamingo ou The Roaring Twenties
começaram a atender aos fãs de reggae. [4]
O grande nome do reggae skin foi a Trojan, uma etiqueta lançada pela
gravadora Island Records e pela Beat & Commercial Company em 1968. A
Island já tinha tradição no mercado de música jamaicana na Grã-
Bretanha e chegara ao segundo lugar nas paradas em 1964 com "My boy
lollipop" de Millie. Mas em 1968 o dono da gravadora, Chris Blackwell,
estava mais interessado em transformar a Island num grande selo do
rock, com um elenco de bandas tipo Free, Fairport Convention ou King
Crimson. Para isso tinha que se livrar da imagem de gravadora
especializada em "minoria", e descartou todos os astros do reggae, com
exceção de Jimmy Cliff. Já a companhia Beat & Commercial pertencia a
Lee Goptal, um comerciante de tino, bem entrosado na música jamaicana.
A princípio a B & C trabalhava na distribuição entre a Musicland e as
lojas da Music City em Londres, nas áreas de Stoke, Newington, Brixton
e Shepherd's Bush.
O rolo tinha começado quando Bunny Lee cedeu uma mesma música ("Seven
letters", de Derrick Morgan) para a Trojan, que a lançaria em sua nova
subsidiária Jackpot, e para a Pama, que a lançaria pela Crab. Na hora
em que a Pama cronogramava seus melhores lançamentos para sair em
função do sucesso de "Moonhop", a Trojan melou tudo com uma versão
não-creditada da dita cuja, que não era outra senão a famigerada
"Skinhead moonstomp", interpretada pelos Pyramids sob a falsa
identidade de Symarip (um óbvio anagrama), a fim de faturar em cima da
promoção da concorrente.
Claro que "Skinhead moonstomp" não foi o primeiro nem o último disco
de reggae a celebrar seus próprios fãs skinheads. Os mesmos Pyramids
aproveitaram a onda para faturar outras canções em cima do tema, sob o
nome fantasia de Symarip, como a clássica "Skinhead girl" e a
"Skinhead jamboree". Algumas canções eram excelentes, outras
pavorosas. Os Mohawks pintaram com "Skinhead shuffle" pela Pama,
Laurel Aitken com "Skinhead train" (Nu Beat), os Hot Rod Allstars com
"Skinheads don't fear" e "Skinhead moondust" pela Torpedo, Joe The
Boss com "Skinhead revolt" (Joe), Desmond Riley com "Skinhead, a
message to you" (Downtown), e a lista vai longe. [6]
"O grande barato do reggae é que esse tipo de música tem um público de
brancos e negros completamente integrado. Se é que se pode conseguir
uma harmonia racial dessa maneira, eu acho que nosso trabalho não tá
nada mau." (Tony Cousins, empresário de reggae, 1969)
Alguns skins instalavam seu próprio sistema de som, para concorrer com
os mais profissionais dos negros e com o equipamento dos outros skins.
Dava pra escutar de longe a briga de amplificação (caixas cada vez
maiores) dos baixos para disputar a atenção do público dançante.
Os skins mais jovens (vale dizer, a maioria) tinham que se contentar
em ouvir discos na casa dos colegas ou no clube local.
O futebol era uma das raras ocasiões em que todos os skinheads duma
cidade ou área podiam se juntar duma só vez. Nos outros dias da
semana, só dava chance pra coturnar junto com a própria turma, e as
turmas só se cruzavam nos bailes ou para algum ajuste de contas. Mas
aí vinha o sábado, e as diferenças locais eram momentaneamente
deixadas de lado, em nome da torcida pelo time da casa contra os
torcedores do clube visitante.
Times como o Manchester United, com sua famigerada galera Red Army
(Exército Vermelho), bem como os grandes clubes de Londres, contavam
aos milhares seus torcedores skins. Até um clube menor, como o Crystal
Palace, tinha sempre algumas centenas deles animando o Holmesdale End.
No norte, o futebol chegava a superar a música como paixão maior do
movimento skinhead, a ponto de tornar a moda das arquibancadas
(camisa, jeans e botas) mais típica que a da noite. Times tipo
Sunderland e Newcastle United eram grandes rivais, e ambos contavam
com cerca de dois mil skins a serviço da treta nos dias de clássico.
Para cada membro, a gangue era o mundo. Se você fosse chutado fora,
dava pra se sentir um peso morto, um otário, ou pra se julgar traído.
Mas nunca pra se dar por vencido. Um chute no rabo podia ter seu sabor
de vitória, se você se tomasse de brios e corresse logo pra casa a fim
de lamber as feridas e remoer alguma vingança.
Hippies também eram vítimas fáceis. Eram vistos pelos skins como
parasitas sujos e desgrenhados, rebeldes de araque, totalmente
estranhos aos valores tradicionais da comunidade donde os skins eram
oriundos. Não que os hippies passeassem de propósito pelo território
dos skins, mas estes os caçavam onde quer que estivessem, como se
organizassem uma expedição ou excursão. E não era difícil capturá-los.
Bastava localizar a "comunidade" (o cortiço onde moravam) ou ir a um
festival pop, e estavam no papo.
"Odeio cabeludos. Toda aquela conversa de paz & amor e aquelas roupas
todas. Eles são vagabundos. Quer dizer, eu trabalho pra viver e tenho
que sustentar eles com o imposto que pago. A maioria deles tem sotaque
chique e todos estão na escola pública." (Jimmy, 17 anos, skinhead de
Bethnal Green, East London)
Nos festivais pop, você não tinha trabalho para achar os hippies, já
que ninguém precisava pagar ingresso. O maior festival de 69 foi o
show dos Rolling Stones no Hyde Park, em julho, que atraiu 250 mil
pessoas.
Novamente lá estavam os Hell's Angels, pagos para manter a ordem, mas
eles não puderam barrar os skins penetras, que viraram algumas motos
de rodas para o ar e sabotaram algumas cestas de piquenique. No ano
seguinte, os festivais gratuitos pululavam por toda parte, no Hyde
Park de novo, na ilha de Wight, em Bath, todos formigando de hippies.
Os skinheads bem que tentaram "limpar" as ruas deles, mas a tarefa era
inglória. Até mesmo o crítico pop Jonathan King, que nunca foi muito
amigo dos skins, chamava a fauna de Bath de "sombria, suja, baixo-
astral e mal-encarada", e dizia que ela "tresandava a meia fedida e a
cueca sem lavar". Isso deixava os skins ainda mais crentes que Deus
estava do seu lado.
A cor da pele fez deles bodes expiatórios dum país que, tendo ganhado
a guerra, estava perdendo a paz. Os asiáticos eram encarados como
competidores por trabalho e habitação, numa época em que o emprego na
indústria pesada ficava mais difícil e as tradicionais comunidades da
classe operária perdiam terreno para os novos planejadores do
urbanismo, interessados na construção de torres de apartamentos.
Somando-se a isso o fato de que os pakis não revidavam, o alvo se
tornava perfeito para um soco no meio da cara.
Algum jovem skinhead pode ter aclamado o velho Enoch como herói, mas o
fato é que os skins que se engajaram na política o fizeram pela mão
dos Jovens Liberais em Skegness, num feriado bancário. A maioria dos
skins era jovem demais para votar, mas o Partido Trabalhista seria
seguramente o mais popular entre eles. A prática da "paki-bashing" (ou
"paki-rolling", como também era chamada a pancadaria nos imigrantes)
certamente não estava no programa partidário de nenhuma extrema-
direita.
Os pakis eram mais um inimigo que os skins acrescentavam à lista que
já incluía hippies, gays, tarados em geral, greasers e outros que
aparentemente estivessem do lado errado da vida.
"Tinha uma mina num cortiço que era mesmo feia. Era a coisa mais gorda
que eu já vi, e também a mais feia. Parecia a garota dum Hell's Angel.
Bom, pensei eu, roubar a garota dum Hell's Angel é o tipo da coisa do
cacete prum skinhead fazer, certo? É por isso que fui parar na Clínica
Stratford." (John Butler, 20 anos, skinhead de East Ham, 1970)
Ali pelo final de 1970, muitos skins mais velhos começaram a partir
pra outra. O movimento já estava sendo associado à violência pura e
simples, e a garotada mais nova acreditava que o skinhead se resumia
nisso. Em Luton, os skinheads já nem podiam sair à rua, depois que um
verdadeiro "toque de recolher" lhes foi imposto pelos homens da farda,
por causa duma série de incidentes violentos envolvendo asiáticos,
greasers, gangues de skinheads rivais e quaisquer outros interessados
em exercitar o braço e a perna. Poucos skins podiam passear sem
problema, e, quanto mais velhos, mais facilmente se recolhiam e mais
rapidamente tratavam de se ocupar com coisas mais sérias. Para que
sair à procura de encrenca se os pais da sua namorada vão passar a
noite fora?
Tudo que é bom dura pouco, e, cedo ou tarde, o movimento tinha que dar
um tempo. Mas o velho cachorro ainda não estava morto e não iríamos
nos livrar dele tão fácil. As botas e os suspensórios podiam ir pro
fundo do armário, mas o fantasma, ou o espírito de 69 continuaria
saltitando pela casa.
///
[notas/boxes ao capítulo 1]
[3] O reggae deve muito de seu sucesso na Grã-Bretanha aos skins, que
o adotaram como sua própria música. Sucessos como "Wet dream" de Max
Romeo explodiram nos clubes e pubs sem apoio da mídia. Sistemas de
som, como o dirigido por Sir Neville The Enchanter, passaram a tocar
fora das comunidades antilhanas e chegaram a clubes freqüentados pela
juventude branca. Isso propiciou uma temporária convivência entre
garotos brancos e negros, que dançavam a noite inteira juntos sem o
menor problema. A paz durou até 1970, quando a assim chamada "Grande
Guerra do Reggae" comeu solta por nove meses, à revelia dos clubes e
das senhoritas que os freqüentavam. Num clube jovem do sul de Londres,
a resposta dos skinheads à canção "Young, gifted and black" de Bob &
Marcia foi cortar o fio dos alto-falantes e entoar o coro contrário de
"Young, gifted and white" ("Jovem, talentoso e branco"). Em 1971, o
reggae perdia parte de seu charme junto aos garotos brancos. A mudança
de rumo nas letras, em direção à Babilônia, Jah e outros temas
africanos, deixou muita gente a ver navios, e mais uma vez o som foi
ficando confinado nos guetos da colônia jamaicana.
[6] "Skinhead girl" tem uma excelente cover Oi! pela banda Oppressed
(1984). "Skinhead moonstomp" tem cover num medley ao vivo pelos
Specials, intitulado "Skinhead symphony". (NT)
[10] O autor alude aqui não aos "hardmods" (ou "gangmods"), tipos mais
barra-pesada dos quais derivaram os skinheads, mas sim ao lado
pó-de-arroz dos mods, os chamados "art college mods" ou "trendy mods"
(mods estudantes de arte ou mods modistas), cuja vaidade na aparência
beirava a frescura nos detalhes & retoques, extrapolando a "dureza" do
estilo skin. Em tempo: a palavra "mod" vem de "modern", o que já
indica a tendência ao lado "visual" do comportamento. (NT)
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REGGAE SKINHEAD
ACKEE - Etiqueta que esteve na praça entre 1969 e 1972, mais dois anos
sob controle da Trojan. Cerca de 50 lançamentos, com "Life of a
millionaire" de Dave Barker superando "Whispering bell" de Owen Gray.
BIG SHOT - Uma das mais tradicionais etiquetas da Trojan, que remonta
a 1968, antes mesmo da fusão da Island com a B&C. Cerca de 130
lançamentos, mais quatro discos de diamante, com nomes como Niney The
Observer, Rudi Mills, Lloyd & The Prophets e o impecável Judge Dread.
Entre os destaques, The Kingstonians com "Sufferer", ameaçado de perto
por Rudi Mills com "John Jones".
CALTONE - Divisão da R&B Records, dirigida por Rita e Benny King, com
boas faixas de rocksteady, destacando o talento de Tommy McCook e
outros. Foi arrendada do jamaicano Ken Lock, antigo empresário dos
Skatalites. Lançou as primeiras produções de Bunny Lee.
CAMEL - Clássico selo da Pama, com cerca de 100 lançamentos entre 1969
e 1973. Principais artistas: Owen Gray e as bandas The Techniques, The
Upsetters, The Maytones e Gloria's All Stars. Muito material bom, mas
para os skins o fundamental é "For a few dollars more" dos Upsetters,
"Who you gonna run to" dos Techniques (que inaugurou o selo) e
"Jumping Dick" dos Gloria's All Stars.
COLLINS DOWNBEAT - Pequena gravadora dirigida por Sir Collins, que não
lançou mais que uma dúzia de discos, hoje raros. "Dry the water from
your eyes" de C. Collins e "I'm a fool for you" dos Uniques são
quentes.
DICE - Principalmente ska e rhythm & blues, mais algum soul. A maioria
das gravações na Grã-Bretanha. "Blackhead Chinaman" de Prince Buster
(dedicada a Derrick Morgan) saiu neste selo.
DRAGON - Etiqueta do finado Byron Lee, durou de 1973 a 75, com algum
bom material dos Maytals e Eric Donaldson. Posteriormente encampada
pela Trojan.
DUKE - Tal como a Trojan e a Big Shot, foi uma das etiquetas que
precederam a associação da Island com a B&C. Entre 1968 e 1973, lançou
mais de 170 gravações e está entre as mais seletas etiquetas da
Trojan.
Principais astros: Boris Gardiner, Carl Dawkins, Winston Wright, The
Dials e The Techniques. Qualquer boa coleção de reggae skin tem que
ter uma cópia de "I wish it would rain" dos Techniques, "Elizabethan
reggae" de Boris Gardiner, "Love is a treasure" dos Dials e "The law"
de Andy Capp. O material mais antigo da gravadora é difícil de
descolar.
DUKE REID - Subsidiária da Trojan, tem material colecionável. Menos de
30 lançamentos. O interesse maior está nas gravações de U-Roy.
ESCORT - Etiqueta da Pama, lançou alguma coisa boa entre 69 e 71, mas
não é o melhor da companhia. Principais artistas: Tony Scott, Stranger
Cole e Lloyd Charmers (ou Chalmers). Vale conferir "What am I to do"
de Tony Scott, que usa o ritmo de "Liquidator" com grande efeito, e a
versão de Denzil e Jennifer para "Young, gifted and black".
FAB - Partindo do ponto onde a Blue Beat tinha parado, este selo é
conhecido pelos lançamentos de Prince Buster, como "Madness" e o
temperadíssimo "Pharaohan house crash" (no ritmo de "Everything crash"
dos Ethiopians). Também é casa de clássicos tipo "Ride your donkey"
dos Tennors e de Owen Gray. Como os mesmos códigos de catálogo foram
usados para mais de uma gravação, o trabalho do colecionador vira um
pesadelo.
Há raridades dos Wailers, Ethiopians e outros, que ficaram esquecidas
na confusão.
GAS - Selo da Pama de 1968 a 1971. Nos primeiros meses lançou algumas
faixas de rocksteady em meio a muito reggae. Alguns clássicos skins,
incluindo o melhor de Pat Kelly, entre cerca de 70 lançamentos. Para
quem não conhece Pat Kelly, vale conferir "How long will it take",
"Festival time" e "If it don't work out", só pra começar. "Sail away"
dos Marvels é outra faixa da Gas que não pode passar em branco.
HORSE - Etiqueta da Trojan nos anos 70, uma das mais duradouras
(1971-78). Mais conhecida pelos dois hits de Dandy Livingstone,
"Suzanne beware of the devil" e "Big city".
PRINCE BUSTER - A Blue Beat gerou a Fab, que gerou a Prince Buster.
Poucos lançamentos em 67, mas o grosso dos seus cerca de 50 itens saiu
entre 71/72. O "Príncipe" (o próprio Buster) foi o principal astro, é
claro ("Big Five" e "Rough rider" foram antigos lançamentos), com
Dennis Alcapone e John Holt na retaguarda.
R&B / SKA BEAT - Selo principal do esquema da R&B, dirigida pelo casal
King a partir da loja em Stamford Hill, Londres. Entre 1963 e a venda
da empresa em 67, saíram mais de 300 lançamentos, figurando ao lado da
Island e da Blue Beat no mercado de ska. Principais astros: The
Wailers, Delroy Wilson, Lee Perry, Dandy Livingstone e Winston
Samuels. Grande selo.
TREASURE ISLE - Entre 1969 e 1973 foi uma etiqueta da Trojan, mas nos
dois anos anteriores tinha lançado rocksteady como parte do esquema da
Island. O nome vem da etiqueta jamaicana da Duke Reid, responsável por
algumas das melhores faixas de rocksteady. É só conferir qualquer
coisa de Phillis Dillon, especialmente "Things of the past". Já nas
mãos da Trojan, alguns clássicos skins vieram à luz, incluindo
"Skinhead moonstomp" e "Parson's corner" do grupo Symarip (também
chamado The Pyramids) e "Pop a top" de Andy Capp.
UNITY - Grande etiqueta da Pama. Entre 1968 e 1970, entrou com mais de
70 singles, na maioria reggae, com algum ska. Clássicos skins incluem
"Return of Jack Slade" e "Top the pop" de Derrick Morgan, "Wet dream"
de Max Romeo e seu "Clap clap" com os Hippy Boys, "1,000 tons of
version" de Jeff Barnes, "Peyton Place" de Don Tony Lee e "Pepper
seed" de Ranny Williams. Mais um montão de coisas de Slim Smith.
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[1] Para muitos, Jonathan King não passa dum gabola metido a sabichão,
mas justiça lhe seja feita: ele ao menos diz o que quer e não o que as
pessoas querem ouvir, e nesse ponto merece algum respeito. Ainda nos
anos 60 e no começo dos 70, Jonathan King manjava de tudo no negócio
da música. Enquanto os pretensos cobrões todos trabalhavam em álbuns
"conceituais", Mr. King tinha toda uma série de hits no gênero
"bubblegum pop" (isto é, pop "descartável" como chiclete) debaixo duma
porrada de pseudônimos. Surpreendente hit de 1970 foi o terceiro lugar
obtido por "Johnny Reggae" (Bell) dos Piglets. A música falava sobre
"a real tasty geezer" (um camarada gostosão pra caramba) que usava
"two tone tonic strides" (calças de tonic de dois tons) e que olhava
sua menina nos olhos "when he shoots" (quando gozava). Claro que os
Piglets nunca existiram fora do estúdio, e basta uma olhada mais
atenta no disco pra verificar que ele foi "concebido, criado,
produzido e dirigido por Jonathan King". A banda nada mais era que
três vozes novatas cantando em falso sotaque cockney (londrino) e
fingindo ser putas velhas de 30 anos.
Curioso foi que King imaginava que o disco seria o último prego no
caixão do reggae, e, ironicamente, a gravação é tida hoje como um
clássico por muitos skinheads.
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O ATAQUE ÀS PARADAS
1970
Desmond Dekker & The Aces - "Pickney gal" (Pyramid) 42
The Melodians - "Sweet sensation" (Trojan) 41
Derrick Morgan - "Moonhop" (Crab) 49
Boris Gardiner - "Elizabethan reggae" (Duke) 14
Jimmy Cliff - "Vietnam" (Trojan) 46
Bob & Marcia - "Young, gifted and black" (Harry J) 5
The Maytals - "Monkey man" (Trojan) 47
Nicky Thomas - "Love of the common people" (Trojan) 9
Desmond Dekker - "You can get it if you really want" (Trojan) 2
Horace Faith - "Black pearl" (Trojan) 13
Freddie Note & The Rudies - "Montego Bay" (Trojan) 45
1971
Dave and Ansel Collins - "Double barrel" (Technique) 1
Bruce Ruffin - "Rain" (Trojan) 19
Bob & Marcia - "Pied piper" (Trojan) 11
Dave and Ansel Collins - "Monkey spanner" (Technique) 7
Greyhound - "Black and white" (Trojan) 6
The Pioneers - "Let your yeah be yeah" (Trojan) 5
1972
Greyhound - "Moon river" (Trojan) 12
The Pioneers - "Give and take" (Trojan) 38
Greyhound - "I am what I am" (Trojan) 20
Bruce Ruffin - "Mad about you" (Rhino) 9
Dandy Livingstone - "Suzanne beware of the devil" (Horse) 14
Judge Dread - "Big 6" (Big Shot) 11
Judge Dread - "Big 7" (Big Shot) 8
1973
Dandy Livingstone - "Big city" (Horse) 26
Judge Dread - "Big 8" (Big Shot) 14
///
Capítulo Dois
FILHOS DO SKINHEAD
"Eu me tornei skinhead porque era moda, e porque queria alguma coisa
pra fazer à noite. Era só uma moda. Quer dizer, agora eu uso calça de
botões brilhantes. Me livrei do capote." (Alan Timms, ex-skinhead de
Archway, 1971)
"Eu me lembro das roupas leves e exibidas, das pessoas que não estavam
mais a fim de posar de gente grossa." (Chris Lightbrown, skinhead de
West Ham)
"É gozado: quanto mais longe você vai no território das turmas do
Black Country [1], mais velhos são os estilos. Tem gente ali que ainda
usa coturno, enquanto aqui na cidade nós todos usamos 'brogues'. Os
tiras nos pegavam se a gente estivesse de bota. 'Brogues' parecem
inofensivos, mas podem machucar." (Bob, 18 anos, chefe da Quinton Mob,
galera de Birmingham composta de bootboys, 1971)
Pela primeira vez, as garotas tinham seu próprio nome enquanto tribo.
As "smoothie girls" eram chamadas "sorts". O skinhead tinha sido um
movimento eminentemente machista, mas, à medida que evoluiu, as
"skingirls" desenvolveram seu estilo peculiar, que se manteve na fase
suedehead, e, por volta de 1971, elas partiam para uma identidade à
parte como "sorts". Neste caso o cabelo também ficou mais longo, mas o
rigor no vestuário continuava sendo a prioridade máxima, com
conjuntinhos de duas peças de trevira, camisas Brutus, medidas
justinhas e aqueles pesados sapatinhos de enfermeira, tão charmosos,
que completavam o modelito feminino.
O futebol era o ponto alto da semana dum bootboy. Casacos brancos tipo
açougueiro, geralmente com o nome do time gravado nas costas e manchas
de sangue respingado, representavam a última palavra no estilo
arquibancada da época. Diz a lenda que a Shed (galera do Chelsea)
inventou essa maluquice, mas a verdade é que torcedores da Inglaterra
toda aderiram ao pano branco ensangüentado.
///
[notas/boxes ao capítulo 2]
Tudo bem, o cara raspava até o fundo do baú, mas acontece que os
livrinhos de bolso de Richard Allen já faziam parte da cultura popular
e até já caíam nas provas de literatura inglesa das escolas.
Hoje pode até ser chique meter o pau neles, mas no começo da década de
70 eram o que de melhor um skin podia comprar com a grana que tinha. O
tema dos sonhos de todo skin era o que ele lia sobre Joe, trepando &
tretando a cada dois capítulos alternadamente. Quando você passou dos
12 anos e não chegou aos 21, não pode exigir mais que isso.
Ele acaba enjaulado por causa duma série de crimes, mas é libertado
sob a condição de que se submeta a uma nova cura para delinqüentes, a
qual envolve lavagem cerebral e drogas que provocam náuseas se o cara
reincide na violência. Alguns liberais, convictos de que ele está
sendo privado da liberdade de escolha, entram em cena, e Alex vira
pivô do jogo político.
[6] SLADE
Lamento contrariar alguém, mas o Slade não era um grupo de skins que
resolveram formar uma banda e fazer nome como tal. Na verdade, quando
o movimento skin ganhou notoriedade nacional, em 1969, eles nem
estavam no país, mas nas Bahamas, tocando reggae e soul como banda de
apoio. E o pior é que eles odiavam aqueles gêneros!
///
Capítulo Três
ANJOS DE CARA SUJA
"-- Esta é pra vocês! -- Foi o que dedicou Jimmy Pursey aos estudantes
da platéia que faziam compras na King's Road, editavam fanzines e
cheiravam à amenidade da classe média. -- A música se chama 'Hey
little rich boy' [Ei, menininho rico]." (Tony Parsons, NEW MUSICAL
EXPRESS, 1977)
Não é nenhuma surpresa, portanto, que o punk tenha sido rapidamente
absorvido pela ordem estabelecida que ele fingia desdenhar tão
radicalmente. Quando ele virou moda na High Street a preços da High
Street, tornou-se ao mesmo tempo um patrimônio dos que podiam comprar
e não dos que poderiam viver sua realidade. Virar punk de butique
comprando na King's Road podia parecer algo "esperto" em certos
círculos, nem que você pagasse uma nota por um pano rasgado. Eu mesmo
quase me tornei um punk, mas o símbolo da anarquia, que eu encomendei
pelo correio pra pregar na roupa, nunca chegou.
Por volta de 1978 o recado estava grafitado nos muros. "Punk is dead"
(O punk está morto), em letras garrafais. Mais um maldito ponto a
favor da indústria musical, que reduziu a bandas cuspidoras aquilo que
seria a rebeldia contra a sociedade. Na verdade, o movimento nem
sequer continuou a ser chamado de punk. As palavras que rolavam nos
buchichos eram "new wave" (nova onda). O fanzine punk mais inspirado &
inspirador, SNIFFIN' GLUE (Cheirando cola), xerocava seu último
número. The Roxy fechava as portas pela última vez. The Roundhouse
celebrou um "love-in" (orgia de paz & amor) à moda hippy. E Johnny
Rotten resumiu tudo quando, na gig de despedida dos Pistols em
Winterland, San Francisco, perguntou ao público: "Vocês já tinham
sentido a sensação que acabaram de ter?".
Até mesmo bandas como os Stranglers, que nos deram um dos mais
"antenados" hinos do punk, a canção "No more heroes" (1977),
dispensaram a intimidade dos pequenos clubes para tocar no Ally Pally
e outros templos do rock, onde poderiam concentrar 6 mil otários
endinheirados.
"Aqui está a paixão e a raiva dum garoto endiabrado e de índole
agressiva." (Adrian Thrills, sobre Jimmy Pursey no NEW MUSICAL
EXPRESS, 1978)
Tudo acabaria bem se aquela onda toda não houvesse deixado tantos
garotos a ver navios. Um contracheque quinzenal nunca seria passaporte
para o sonho, mas isso não importava, desde que um punhado de bandas
ainda tocasse punk rock do jeito que viviam. Nada de palavras-de-ordem
sobre anarquia. E nada de ficar tocando no estúdio enquanto a
Grã-Bretanha pegava fogo e enquanto, no quarto de hotel, tudo estava
pronto para um banho quente com TV a cores.
Mas não bastava reviver o velho visual skin, com suas armas e
bagagens.
Muita água tinha passado por debaixo da ponte, e a nova estirpe
refletia as mudanças da década em que vivia. Em vez de máquina três ou
dois, a raspagem a zero e até a careca lisa viraram norma. Ainda se
usavam botas como antes, mas agora totalmente expostas, com a perna da
calça acima da beira do cano. Além disso, a moda passou a ser botas de
14 e até 22 ilhoses, em alguns casos chegando ao joelho. Até que você
acabasse de amarrá-las, a moda já teria passado.
Com a tatuagem você não ia ter uma segunda chance caso errasse na
ortografia ou na concordância das palavras, sem falar no desenho. Sua
burrice ficaria imortalizada.
Jimmy Pursey, letrista e vocalista da Sham 69, disse uma vez que, se o
som punk já existisse em 1969, os skinheads iriam se ligar nele e
adorar, mas o mais provável é que ele fosse logo tachado de música
para greaser ou para hippy. Se alguém usando jaqueta de couro e cabelo
moicano pintasse no pedaço (a cidade balneária de Margate, por
exemplo) durante um típico feriado bancário, na certa seria
transformado em bola de futebol como parte do programa de divertimento
dos skins.
Da mesma forma, nada causava mais nojo a um legítimo ted que um raio
de punk sujo, vagabundando de casaco esfarrapado cheio de
penduricalhos escrotos. No entanto, eram ambos, o punk e o teddy boy,
fregueses de McLaren, já que este tratava de equipar sua butique com
roupa para teds, desde o tempo em que a Sex se chamava Let It Rock e
atendia aqueles primitivos adolescentes rebeldes da Inglaterra.
Uma das bandas que teriam preferido ficar em casa naquele verão foi um
grupo punk de Blackpool chamado Skrewdriver. Era a primeira viagem que
faziam à grande capital, e, no que eles saíam do The Roxy com seu
equipamento após uma gig, foram atacados por uma gangue de teds. O
baterista Grinton foi quem levou a pior: perdeu uns dentes e precisou
de 23 pontos por causa dum suporte de microfone que lhe entrou pela
cara. No dia seguinte, o furgão da banda foi roubado com todo o
equipamento dentro, deixando o líder Ian Stuart e seus rapazes com uns
trocados no bolso e sem condução para casa. Não é de se admirar que
eles tenham dedicado seu segundo single, "Anti-social", aos queridos
teds.
Seja como for, a Sham nunca foi uma banda puramente skin. Eles estavam
era a fim de conquistar a molecada em toda parte, fosse ou não de
cabelo raspado. A única que, ainda na década de 70, deixou de lado a
moda punk e adotou o vestuário skin, visando satisfazer as
expectativas dessa faixa de público, foi a Skrewdriver.
A Sham começou carreira com os habituais ensaios, até que fez sua
primeira gig em novembro de 1976 nas sessões matinais de sábado do
Walton. Seguiu-se um ano de apresentações ao vivo, que lhe valeram a
reputação de feras do palco, graças ao desempenho do líder Pursey. As
coisas só vieram a acontecer pra valer em junho do ano seguinte,
quando Jimmy expurgou da banda quem não compartilhava de sua fé no que
faziam.
A nova formação passou a contar com Dave Parsons na guitarra, Mark
Cain na bateria e, poucos meses depois, Dave Treganna no baixo,
substituindo Albie Slider, que se tornava empresário de estrada da
banda.
"Eu tô sabendo que não vou mudar o mundo. Se eu tivesse essa ilusão,
seria um perfeito panaca. Tudo que eu posso é subir no palco, cantar a
respeito e deixar as pessoas curtirem e se tocarem enquanto ouvem. Não
sou um político. Não sou um líder, sou só um cara que sobe no palco e
canta rock'n'roll." (Jimmy Pursey)
Jimmy fazia e desfazia simplesmente porque a banda era ele. Isso não
desmerece os outros, mas eles próprios eram os primeiros a reconhecer
que não estavam disputando nenhum prêmio de melhor músico do ano. A
questão é que, sem aquele homenzinho de bocarra, eles nunca seriam a
Sham 69.
A boca de Jimmy não era apenas seu maior trunfo, era também seu maior
problema. Quando ele a abria, seu coração vomitava. O pior é que
geralmente suas declarações faziam tanto sentido quanto um discurso de
bêbado. Não era culpa dele, contudo. Jimmy não tivera boa instrução,
muito menos graduação em nenhuma porra de filosofia, e ainda por cima
sua opinião era cobrada em questões que políticos escolados se
esquivam de responder.
Claro que Jimmy nunca foi de deixar nada sem resposta, mas quando se
encaixava na pergunta era por puro acaso. Era engraçado e chegava a
ser divertido. Alguém lhe perguntava uma coisa e ficava tentando catar
no ar cada uma de suas palavras, enquanto ele despejava as maiores
abobrinhas durante cinco minutos. Uma ou outra pausa para meditação,
que, em vez de ajudar, só aumentava a expectativa de mais merda no
ventilador.
Uma canção atrás da outra, falando da vida no lado mais fraco da corda
e na base da pirâmide, e todas com aquele refrão no melhor estilo da
arquibancada, que o "exército" entoava uníssono, fazendo como que um
coro de torcida acompanhando os versos de Jimmy. "Tell us the truth",
"Hurry up Harry", "I don't wanna", "The cockney kids are innocent".
Cada uma delas era um sucesso, e isso era só a ponta do iceberg da
Sham. Quando ele gritava "Que é que a gente ganhou?", os anjinhos de
cara suja de Jimmy não titubeavam. "Porra nenhuma!" era a resposta
automática.
Além do mais, parece não haver dúvida de que o cara era gente fina e
sincero em seus sentimentos. Ninguém poderia acusá-lo nesse
departamento, a não ser que depositasse nele mais expectativas do que
estava a seu alcance. Alguns seguidores skins embarcaram nessa e
acharam que a Sham 69 podia "mudar" alguma coisa. Se não o mundo, ao
menos a cabeça dos que apoiavam a banda. Jimmy também pensava assim,
e, mesmo que custasse uma hora ou metade do concerto da Sham,
martelava na tecla do "mundo sem futuro" a cada semana.
"O Sistema adora essas divisões: teds contra Hell's Angels, contra
skinheads, contra estes, contra aqueles. Mas se a molecada tivesse a
mínima consciência de que não importa o que você veste ou pensa, que o
que importa é se unir contra o Sistema, aí sim, ele, o Sistema, teria
motivo pra se preocupar. Agora, do jeito que está, com 27 tribos e
identidades diferentes, o Sistema sabe que pode nos derrotar." (Jimmy
Pursey)
A gota d'água que entornou o copo da Sham não foi tanto a violência em
si. Um ou outro quebra-pau poderia ter sido controlado ou contornado.
Mas a violência orquestrada em nome da política era algo bem mais
sério.
A questão é que grande parte dos skinheads que curtiam o som da Sham e
de outras bandas punks rueiras apoiava o National Front e o British
Movement, duas organizações de extrema-direita cuja militância já
tinha crescido bastante àquela época. Muitos skins viam as duas coisas
como atividades paralelas e compatíveis, mas a Sham acabou se
defrontando com a contingência de repudiar publicamente os militantes
ou expulsá-los das gigs.
"É muito fácil e muito bacana pra gente que nem Tom Robinson ficar
cantando que não querem ser nazistas. Comigo a coisa muda um
pouquinho, já que eu tô lá na frente de cem skinheads e eles chegam
pro meu lado puxando faca, me encurralando no camarim e me acusando de
ser um comuna." (Jimmy Pursey)
Mas era tarde para recuperar a independência. Uma vez que o nome da
Sham tinha estado ligado às cores da bandeira do RAR, a militância
direitista recrudesceu em violência nas gigs, particularmente na área
de Londres, onde o apoio ao Front e ao British Movement era mais
forte.
Os skins ficaram no centro da tormenta, usados como joguete das
batalhas políticas cujo foro devia ser o palanque dos comícios
eleitorais, não o palco das gigs. Foi assim que sobreveio a
degringolada para a Sham 69.
"Ao menos eu posso dizer que tentei, mas vocês continuaram chutando a
nossa boca." (Jimmy Pursey)
Aquilo que devia ser a suprema hora e meia da Sham até que começou sem
problema. Ironicamente, o som parecia o dos velhos tempos, senão
melhor. "What have you got?" abriu o show, mas, quando era tocado o
quarto número, "Angels with dirty faces", as coisas começaram a dar
errado. Um skinhead tentou subir no palco e foi barrado pela
segurança.
Seguiu-se um tumulto, e, para acalmar os ânimos, Jimmy deixou o skin
se juntar à banda. Foi a deixa para que os outros skins pulassem a
cerca.
A segurança formou uma barreira humana, e a Sham teve que se retirar
do palco.
O show "Sham's last stand" (A última posição da Sham) fez jus ao nome
no exato momento em que o "general Jimmy Custer" era apunhalado pelas
costas por supostos "fãs" da banda. Ele quis dar mais uma chance a
Londres, e só levou na cabeça, numa derradeira prova de ingratidão. E
os skins pareciam não estar nem aí. No dia seguinte, cem deles melaram
uma gig dos Young Socialists (um movimento jovem de esquerda) onde se
apresentariam as bandas The Ruts e Misty, em prol da criação de mais
empregos para a juventude. Bela metáfora.
E o que é que havia de errado em querer subir na vida? Quem disse que
a classe operária tem que ficar confinada em guetos suburbanos e viver
na fila das esmolas governamentais? Temos nosso amor próprio, e já é
tempo de parar com essa mania de ficar reivindicando "assistência" e
ir à luta. Quanto à grana que a banda tenha eventualmente faturado,
boa sorte a eles. Certamente fizeram por merecê-la.
Jimmy desembolsou uma boa grana dando força a outras bandas no começo
de suas carreiras. Pelo menos duas delas se firmaram, quando a Sham 69
acabou: os Angelic Upstarts e os Cockney Rejects.
Towers era o nome dum treinador de boxe que tinha morrido enquanto se
achava sob custódia policial, e a música era uma maneira de denunciar
as suspeitas circunstâncias de sua morte. Naturalmente a coisa não
pegou nada bem junto às autoridades, muito menos a performance que a
banda montou quando a canção era tocada ao vivo: uma cabeça de porco
esmagada em pleno palco.
"O skin malha o mod, mas qual a diferença? Uma polegada de cabelo."
(Grant Fleming, do grupo Kidz Next Door, que tocou na mesma noite dos
Upstarts no 100 Club, templo punk de Londres)
Tal como ocorrera com a Sham, não havia condições de impedir que
membros do NF ou do BM freqüentassem as gigs, nem a banda queria isso.
O jeito era tentar dialogar, trocar idéia, o que a banda achava menos
perigoso que simplesmente ignorá-los ou repudiá-los.
A banda acabou tocando para o RAR e fazendo outra gig até para a CND
(Campaign for Nuclear Disarmament) durante turnê pela Escócia, mas a
política não era a mola mestra da banda naquela época. Na gig da CND,
Mensi foi solicitado a dizer algumas palavras à platéia em prol da
campanha. "Faça amor, não faça a guerra. Garotas, façam fila depois do
show!" -- berrou o "homem-elefante" no seu carregado sotaque
nordestino, antes de detonar a canção seguinte.
"Nós somos o que o pessoal achava que a Sham era. Nós somos só quatro
caras do East End. Você não acha outra banda tão real como nós. Ou que
represente a realidade como nós." (Micky Geggus)
Em maio de 79, Mick e seu mano Geoff (que viria a ser conhecido como
Stinky Turner) cruzaram num pub com um jovem redator do jornal musical
SOUNDS chamado Garry Bushell, a quem entregaram uma demo. O cara ficou
impressionado a ponto de apresentá-los a Jimmy Pursey, o qual
concordou em produzir-lhes uma demo mais profissional. Foi essa demo
que, com algum cuspe e graxa, acabou saindo em vinil em agosto como o
EP "FLARES AND SLIPPERS", pela (como não podia deixar de ser)
gravadora Small Wonder.
"Jimmy Pursey fez cagada com a gente e nós cagamos pra Sham 69. Ele
usa as pessoas. Quando pintava treta nas gigs, ele pulava fora e
deixava a gente segurando a barra." (Vince Riorden, baixista dos
Rejects)
Se pintasse alguma encrenca nas gigs, a banda e seus fãs mais chegados
estavam a fim de agir com energia e apagar o estopim antes que
detonasse. Foi assim quando os Rejects tocaram com os Upstarts no
Electric Ballroom. A atitude lhes rendeu a primeira aura de
respeitabilidade, mas os Rejects foram além. Todos eles eram hooligans
e torciam pro West Ham. Pois bem: estava resolvido que ninguém devia
ficar em dúvida sobre isso. Os incomodados que não dessem as caras. A
banda pendurava bandeiras da Inglaterra (apelidadas "Union Jacks") e
do time no palco, e a maioria de seus discos incorporava as cores
púrpura e azul na capa. Eles chegaram a gravar sua própria versão de
"I'm forever blowing bubbles" para celebrar os Hammers chegando à
final da Copa, seguida de "We are the firm" e "War on the terraces".
Tudo isso quando a violência relacionada com futebol invadia as gigs e
parecia incontrolável.
Naquela noite a banda que tocou junto foram os Kidz Next Door,
liderados pelo irmão de Jimmy Pursey, Robbie. Outro que fazia parte da
banda era um ex-ajudante da Sham, Grant Fleming, baixista que estrelou
um documentário sobre a Sham intitulado GRANT'S STORY, para a série
"Arena" da BBC. Grant era um veterano da violência em Hendon e no
Rainbow (gigs da Sham) e em Hatfield (gig do Madness), mas o quebra-
pau no Cedar Club suplantou todos os outros.
[notas/boxes ao capítulo 3]
[1] O autor se refere à entrevista de 1º de dezembro de 1976, onde
Johnny Rotten usou a palavra "fuck" ("foda" ou "foder") num programa
de TV, coisa inadmissível em público na Inglaterra. O apresentador do
programa foi suspenso, a imprensa fez escândalo, as famílias se
indignaram, mas o compacto de "Anarchy in the UK" vendeu e isso era o
que interessava. Para outras informações sobre o episódio, veja O QUE
É PUNK de Antônio Bivar (coleção "Primeiros passos" da Brasiliense).
(NT)
[4] Segue texto escrito por um skin presidiário, que recebeu o irônico
título de "Borstal breakout", alusão à canção da Sham 69:
Não vou fazer nenhuma porra de sermão a vocês. Cada um leva a vida que
quer e como quer. Mas posso falar por mim, e no momento estou
cumprindo pena de 4 anos e meio em Portland. Fui em cana quando menos
esperava.
Eu já tava evitando encrenca e não queria mais saber de treta. Já
tinha até parado de beber com os tais 'camaradas', e não só tava com a
ficha limpa como não ia a gigs ou festas. A questão é que os caras que
só se ligam em pontos da moda nunca vão aos lugares que eu curtia pra
sair à noite.
Uma noite eu tava com minha turma festejando o aniversário dum amigo.
Quando dei por mim, estava de novo em clima de comemoração... e tô
comemorando até agora. Tudo bem, sou o primeiro a admitir que a vida
aqui não é tão dura (em outras prisões é até mais leve). Já cumpri 20
meses e até que passaram voando. Mas é óbvio que eu preferia estar do
lado de fora, fazendo o que quisesse e não o que me dissessem pra
fazer. Gigs, pubs, namoradas, a casa dum colega, a lista é infinita.
Em vez disso, aqui meu dia normal corre mais ou menos assim:
"Uma porrada de fãs nossos já tá em cana. Acho que é por isso que já
não tem tanta gente nas gigs. Talvez tenhamos que fazer uma turnê
pelas prisões." (Jimmy Pursey)
8:20 Quarto aberto de novo, desta vez pro trampo. São poucos os
serviços à sua escolha, e todos em 'benefício' da comunidade.
Mas antes tem a formatura da sua ala, e você fica perfilado junto com
a sua turma de trabalho, e depois outra formatura da prisão toda. Aí
você marcha até o local de trabalho para outra formatura, onde vão lhe
dizer o que fazer naquele dia. O bom do trampo é que você passeia por
toda a prisão e até por fora dela, se o serviço for externo.
11:50 Cada turma marcha de volta pra sua ala, pro almoço. De novo,
nada de esperar pelo cardápio, mas, pra ser sincero, podia ser pior.
De novo, toca pra cela pra comer.
18:15 Quarto aberto pra hora de lazer. Você tá liberado pra se reunir
com os colegas, menos às quartas, mas mesmo nesse dia você tem
permissão pra participar de alguma atividade vespertina (trabalhos
manuais tipo marcenaria, ou então algum passatempo leve). O bom de
Portland é que você pode tomar um banho na hora de reunião, o que não
ocorre em todas as prisões. Há sessões de vídeo quatro noites por
semana, quando não a própria TV, além da sinuca, dos dardos, do tênis
de mesa ou coisa do tipo.
20:00 Fim da hora de convívio, volta à cela, e você fica trancado até
o dia seguinte. Aí começa tudo de novo.
De qualquer modo, você não tá aqui pra passar férias nem por ter
recebido um prêmio. Como você veio parar aqui dentro é assunto seu. Eu
sei onde devia estar em vez de ficar preso, mas já que a gente tá na
jaula o jeito é ficar na linha e não deixar que os filhadaputas te
abatam o moral.
///
DISCOGRAFIA DO MENACE
SINGLES:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
///
SINGLES:
ÁLBUNS:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
Os caras do Cock SParrer podem não ter sido skinheads, mas para muita
gente são eles os fundadores do punk de rua. Eles já guigavam havia um
ano quando os Sex Pistols se juntaram, e ao final da onda punk já
estavam na mira das grandes gravadoras por tocarem juntos havia tanto
tempo. Mas o Sparrer era tão genuinamente rueiro que sua estrela não
se apagaria tão cedo: eles ainda fariam uma reaparição triunfal com o
advento do Oi!. Não há dúvida de que bandas como os Cockney Rejects
têm uma dívida com o Cock Sparrer, e a maioria das bandas punks
rueiras coloca o grupo na sua lista de influências.
///
DISCOGRAFIA DA SHAM 69
SINGLES:
ÁLBUNS:
///
SINGLES:
ÁLBUNS:
"WARGASM"
"OI! CHARTBUSTERS" vols. 1 a 5 (Link)
"OI! THE MAIN EVENT" (Link, 1988)
///
SINGLES:
ÁLBUNS:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
"OI! THE ALBUM" (como The Postmen e The Terrible Twins, EMI, 1980)
"TOTAL NOISE"
"OI! OI! THAT'S YER LOT" (como Arthur and The Afters, Secret, 1982)
"BACKSTAGE PASS"
"BURNING AMBITIONS" (Cherry Red, 1982)
"VIVA LA REVOLUTION"
"THE VINYL SOLUTION" (Dojo, 1986)
"OI! THE RESURRECTION" (Link, 1987)
"OI! CHARTBUSTERS" vols. 1, 2, 4 e 6 (Link)
"THE SOUND OF OI!" (Link, 1987)
"OI! THE PICTURE DISC" vols. 1 e 2 (Link)
"OI! GLORIOUS OI! (Link, 1987)
"BEAT OF THE STREET" (Link)
///
Capítulo Quatro
O SENTIMENTO RUEIRO
O cabeça do The Special AKA era o tecladista Jerry Dammers. Com seu
sorriso de manicômio e sua dentuça banguela, o garoto parecia
completamente retardado, mas na verdade era exatamente o contrário.
Apesar das aparências, o cara era crânio. Ele vinha conseguindo manter
a banda unida havia dois anos. Horace Panter fora colega de Dammers na
escola de arte, e tocava baixo numa banda local de soul chamada
Breaker.
Além disso, ele sabia dirigir um furgão. Lynval Golding tocara
guitarra numa banda chamada Pharoah's Kingdom, da qual sairiam dois
futuros Selecters. Terry Hall fora vocalista e cuspidor-mor num grupo
punk do pedaço chamado Squad. Roddy "Radiation" Byers tinha sido
guitarrista e vocalista dos Wild Boys. Outros desgarrados eram o
baterista John Bradbury, que viera de empréstimo duma sessão de
gravação e nunca mais voltara ao estúdio, e Neville Staples, que
participara da turnê como roadie e acabou entrando na banda junto com
Terry.
A segunda coisa foi "vender" a banda não apenas pela música, mas como
um "pacote" completo, o que significava "ser do ramo" e não meramente
"tocar o som de quem tá no ramo". 1979 iria se revelar um ano
histórico para os movimentos jovens, não só para um ou outro, mas para
todos. Se você entrasse numa sala de aula de escola secundária naquele
momento, iria se deparar com uma festiva pluralidade de botas, parkas
(tipo de agasalho de lã com capuz), alfinetes de fralda, topetes e
emblemas do Motorhead.
Se foi a Sham e suas co-irmãs que deu aos skinheads um novo sopro de
vida no plano musical, a 2-Tone foi quem lhes deu uma trilha sonora
mais autêntica no que concerne ao aspecto dançante. Na verdade, os
Specials carrearam para si muitos skins que curtiam bandas punks, e
transformaram seu ska num chamariz para novos skins.
Mal sabiam os Specials que não eram a única banda a fazer tanto
sucesso com o ska. Na mesma ocasião, pelo menos duas bandas trilhavam
as mesmas ruas em Birmingham: The Beat e UB40. Na própria Londres já
havia bandas similares, nos moldes do Madness e dos Bad Manners. Todas
gerando imitadores por toda parte. O passo inicial fora dado pelos
Specials, e agora era questão de tempo para que as outras quebrassem
as barreiras da indústria musical e pusessem aquela palavrinha
simpática -- ska -- no vocabulário da moda dançante.
Quem estava em seu próprio território naquela noite era o Madness, que
no momento contava com o maior contingente de fãs skins entre as
bandas de ska. Muitos desses fãs eram comerciantes de botas e
suspensórios que aproveitavam a maré favorável para levar alguma
vantagem. Um dos skins mais fanáticos, Chas "Smash" Smythe, acabou
entrando para a banda. Ele já tinha sido cortado da primeira formação,
porque só "fingia" tocar baixo, mas conseguiu reconquistar o lugar de
membro permanente graças à sua habilidade como "mestre de cerimônias"
nas gigs e também como passista do ska (incluindo umas botinadas de
lambuja).
Na verdade, a banda vinha sobrevivendo aos trancos e barrancos desde
sua formação em 77 como The North London Invaders. Desde então,
tentavam manter uma formação fixa. O principal vocalista, Graham
"Suggs" McPherson, chegara a ser cortado porque tinha abandonado um
ensaio só para assistir o jogo do seu time do coração, o Arsenal.
Outro não muito garantido na banda era o saxofonista Lee Thompson.
Somando-se Mike Barsons no teclado, Chrissy Boy Foreman na guitarra,
Mark Bedford no baixo e Dan Woodgate na bateria, os Invaders começaram
1979 rebatizados de Madness, e daí em diante foi o que se viu: pura
loucura (significado da palavra "madness").
Tão logo o Madness começou a fazer nome como banda skinhead, suas gigs
se encheram de skins os mais pirados e desabotinados, que se sacudiam
à sua maneira no embalo daquele som incrementado.
Uma banda londrina de Fellow Norf, chamada Bad Manners, também teve
seus tipos excêntricos entre os fãs e na própria formação,
particularmente um que fez enorme sucesso no meio da carecada,
conquistando a simpatia de todos, principalmente dos gordos.
Seu nome era Doug Trendle, mas o pesoal o conhecia como Buster
Bloodvessel (algo como "o brutamontes batuta"). Sua marca registrada,
além da lenda de encarar trinta Big Macs duma vez só e de ter uma
língua de treze polegadas de comprimento, era a cabeça totalmente
careca. Dentro ou fora do palco, aquele vocalista descomunal era
inconfundível, graças ao crânio reluzente e ao corpo condizente. Um
artista de peso, poder-se-ia dizer.
"Outro dia eu tava num pub e dois caras tavam tocando acordeão. De
repente, começou um quebra-pau. Por aí se vê que esse lance não rola
só nas nossas gigs..." (Louis Alphonso, guitarrista dos Bad Manners)
Quando o cara pulava nas suas botas, suando em bicas por dentro dos
jeans e cantando coisas sobre skinheads, gordos e pileques, ficava
rodeado de músicos que pareciam refugiados duma liquidação de
hospício.
Seria difícil achar uma trupe de marcianos mais esquisita. Não é que
Buster se vestisse mal. É que, quando Deus estava distribuindo
camisetas listradas sujas e furadas, o gordo devia ser o único cara
que tava na fila.
Os skinheads estavam como peixe n'água com o novo som do ska. Era como
reencontrar velhos amigos depois duma longa ausência, em vez de tentar
fazer novos. Principalmente praqueles que tinham idade pra lembrar dos
melhores dias do reggae skinhead.
Mesmo assim, ainda metia um pouco de medo tocar para uma audiência
majoritariamente skinhead, como ocorria regularmente em Londres. Uma
banda chamada simplesmente The Beat, que lançou "Tears of a clown"
pela 2-Tone, teve prova disso na primeira vez que se viu cara a cara
com um mar de carecas numa gig. Foi um concerto desconcertante para os
concertistas. Eles talvez não contassem com tantos skins, mas o caso é
que o cabelo raspado tinha virado moda de novo e nem todo mundo
percebia isso. Porém o susto da Beat não se repetiria. Eles se
acostumaram depressinha.
Não nos esqueçamos, porém, que a vida no meio da estrada não é feita
só de cestinhas de piquenique e flores do campo. A violência dos
skinheads não tardava a dar o ar de sua graça, ameaçando estragar a
festa. Era aquela velha história: a treta podia começar por causa do
futebol, da política ou da própria rivalidade entre gangues ou tribos.
São coisas que não mudam nunca, e assim continuava pintando gente nas
gigs só para comprar barulho. Nesse caso, bastava uma simples
cotovelada no balcão do bar, e pronto. Estava entornado o caldo pruma
tretinha em proporções monumentais.
Eram os mesmos caras que tinham sido barrados na entrada pouco antes,
por estarem portando bandeiras com as inscrições "The Hatfield Mafia"
e "Hatfield Anti-Fascist League" (Liga Antifascista de Hatfield), e
estava na cara que eles tinham vindo procurar confronto com adeptos do
National Front. Por "adepto do NF" entenda-se (segundo a cabeça deles)
qualquer um que estivesse de cabelo raspado e de botas, já que eram os
skins que pagavam o pato em caso de violência. Pra que perder tempo
perguntando sobre filiações partidárias se tudo "estava na cara"?
Placar final: entre "mortos & feridos", dez pessoas hospitalizadas,
onze presas e um puta prejuízo material no prédio dos estudantes da
Politécnica.
O que estava na cara, pra quem tem a cabeça no lugar, é que a maioria
dos skinheads que iam assistir as bandas da 2-Tone não apoiava nem o
NF nem o British Movement. Na verdade, não estavam nem aí pra
política. Mas acontece que, apesar da óbvia composição e postura
multi-racial das bandas, alguns setores do público das gigs da 2-Tone
dava força, ao menos da boca pra fora, à extrema-direita. Fingimento?
Provavelmente não.
Muitos skinheads não viam o menor problema em dançar num show do grupo
The Beat com um exemplar do BULLDOG debaixo do braço ou enrolado no
bolso de trás da calça. Nem lhes passava pela cabeça qualquer sinal de
incoerência. Mas aí é que estão as vicissitudes e contingências duma
participação coletiva envolvendo meninos que caminham para a idade
adulta.
Mesmo as pessoas que deviam ter maior noção das coisas pareciam não
enxergar muito mais longe que seus narizes metidos. A maioria dos
tablóides sensacionalistas vinculava a 2-Tone aos skinheads, e faziam
tal associação para tentar exorcizar o que se supunha ser um movimento
fascista musical. O EVENING NEWS de Londres chegou a estampar uma foto
do Selecter sob a seguinte manchete: "Don't rock with the sieg
heilers" ("Não entre no rock dos hitleristas"). Considerando que, numa
banda de sete membros, o único branco era Neol Davies, qualquer
criança de três anos concluiria que o conjunto não era exatamente o
candidato favorito das bases do NF. O movimento Rock Against Racism
(Rock contra o racismo) não demorou a vir pegar no pé das bandas de
ska com aquela ladainha de que elas não estavam fazendo "o suficiente"
para combater o racismo, mas isso só servia para dar uma idéia da
visão mesquinha e sectária do RAR, em comparação com a total abertura
de cuca do Madness ou dos Specials.
Não podia haver melhor apelo em favor da harmonia racial que ver
negros e brancos juntos no mesmo palco, principalmente quando o palco
era da TV, atingindo milhões de lares. Muitos skins talvez fossem do
NF na época, mas, se não fosse a 2-Tone, vocês podem apostar até o
esfíncter que os partidários do nazismo seriam muitos milhares a mais.
O Madness foi a banda que sofreu mais crítica, por serem todos
brancos.
Quem sabe se Lee Thompson se travestisse de menestrel mulato a coisa
fizesse alguma diferença... O fato é que ska e fascismo nunca foram os
melhores parceiros na cama, e o Madness deixava isso claro, ao
declararem que não pertenciam ao NF nem faziam política. Como se não
bastasse, eles avisaram os fãs que, se a violência não tivesse um
paradeiro, a banda jogaria tudo pro alto e pediria o boné. [1]
Era até melhor que eles estivessem dentro das gigs, onde poderiam
ouvir ska e reggae e talvez aprender a apreciar o som negro com todas
as suas implicações, até concluírem que ser um skinhead envolvia algo
mais que erguer o braço direito e cuspir slogans.
Não era a tática que o RAR tinha em mente, mas se você perguntar a
alguém do lado da 2-Tone do que ele mais se lembra disso tudo, é quase
certo que ele lhe contará uma história sobre um skin racista que levou
um papo com Lynval ou outro membro negro duma banda, e acabou voltando
sem o distintivo do NF.
Ninguém queria violência nas gigs, mas, ao mesmo tempo, as bandas não
tinham interesse em repelir os fãs skinheads. Eram eles, antes de
tudo, quem tinha dado força para que elas galgassem os primeiros
degraus do sucesso. Muitos clubes adotaram a política da porta fechada
aos skinheads por causa das tretas, mas a reação das bandas como os
Specials e as Bodysnatchers foi a recusa de tocar em tais clubes.
Boicote respondido com boicote. Pena que sejam poucas as bandas a
colocar seus fãs na frente de interesses menos lúdicos e mais
contábeis.
"Todo mundo cai de pau em cima do skinhead, mas ninguém olha o lado
bom. Em Dingwalls, por exemplo, os skins estavam sempre em volta,
prontos pra acabar com qualquer bagunça." (Chas Smash, trompetista e
vocalista do Madness)
Não quer dizer que todas as gigs acabassem em treta. Assim como as
passadas gigs da Sham e as futuras do Oi!, muitas transcorriam sem o
menor incidente, a menor "palavrinha" trocada ou qualquer intervenção
da polícia, a qual vivia estacionada nas imediações, torcendo para ter
uma chance de "manter a ordem".
Uma ou outra ocasião, nesta ou naquela praia, você podia deparar com
mods tretando com teds, skins tretando com motoqueiros, torcedores
tretando com skins, ou mesmo mods tretando com mods.
Tudo dependia de com quem você estava e com quem você cruzava. As
pessoas se reconhecem ou se estranham por vários motivos, desde uma
paquera até um pisão no pé. O resto é com a turma.
Guinadas como essa em direção ao som mais pop não eram do agrado de
todo mundo. Alguns viam nisso apenas uma jogada comercial, oportunista
e até traidora. Algo como: primeiro deixamos que os skins nos promovam
e incrementem nossa lenda; depois a gente os descarta como
inconvenientes e sujadores de barra. Nem sempre era esse o caso.
Quanto ao Madness, os skins compareceram às gigs até que "The ghost
train" marcasse a despedida da banda em outubro de 1986. E nunca
deixaram de prestigiar as antigas preciosidades como "One step
beyond", "Night boat to Cairo" e "My girl".
Uma que não caiu nas boas graças da mídia foi a Bad Manners. Sua linha
de música desencucada, de pura curtição, caracterizada por faixas
descontraídas e piradas como "Ne ne na na na na nu nu", era
estigmatizada pelos críticos de paladar exigente como "nonsense
superficial" e relegada à categoria de material descartável.
Tem gente que tem sérios problemas com a curtição e não consegue
admitir que alguém só queira se divertir. Vendo os Bad Manners ao vivo
se tem a exata noção disso. As músicas dos caras podem não ser páreo
para as do Selecter ou dos Specials em termos de conteúdo social, mas
o gordo e sua curriola estavam pau a pau com qualquer banda em matéria
de entretenimento.
O single seguinte, "Easy life", era tão bom quanto outros lançamentos
da famosa etiqueta xadrezinha, que amargaria outros fracassos de
bandas mistas como The Swinging Cats, The Higsons e The Apollinaires,
todas três vistas como inferiores aos grupos masculinos do gênero e
rejeitadas pelo próprio público da 2-Tone.
A verdade é que não havia uma única banda de ska que não tivesse
"ressuscitado" algum sucesso do passado como "muleta" do repertório. O
EP dos Specials "Too much too young" incluía quatro clássicos do
reggae skinhead, e até a faixa-título era uma nova roupagem do "Birth
control" de Lloyd Terrell. O Selecter incorporou ao repertório
"Murder" de Owen Gray e "Carry go bring come" de Justin Hinds & The
Dominoes, e o Madness teve acesso a uma bela coleção de canções de
Prince Buster. The Beat fez cover de "Tears of a clown" dos Miracles,
entre outras, e praticamente todas as bandas interpretavam "Madness"
do Prince alguma vezinha. A UB40 chegou a tocar ao vivo como banda
cover, resultando no álbum "LABOUR OF LOVE".
Tudo isso tinha um lado positivo. Canções clássicas, que perigavam ser
esquecidas, voltavam à vida e ganhavam nova geração de apreciadores
entre os skinheads. Em troca, a demanda pelos originais era
incrementada, o que daria à Trojan e à Island novo gancho para
relançar seus catálogos. "Skinhead moonstomp" pôde reassumir seu
lugarzinho lá no fim da lista dos mais vendidos, enquanto os veteranos
Prince Buster, Desmond Dekker, Judge Dread e outros viam-se de volta
aos estúdios de gravação. Laurel Aitken teve inclusive seu primeiro
hit nas paradas, com "Rudi got married" (I Spy), mas o grande barato
mesmo foi poder ver de novo os velhos monstros como Laurel em cima do
palco, o lugar que lhes cabia.
Durante 1980, Jimmy Cliff, Desmond Dekker, The Heptones, Toots & The
Maytals, Judge Dread e a patota toda correram a Grã-Bretanha pra cima
e pra baixo, para deleite do novo público. Eles tinham mais é que
agradecer às bandas da 2-Tone pela chance de revitalizar o som da
Jamaica.
Quanto à própria 2-Tone, parecia um monstro fora de controle. Era algo
certamente muito maior do que Dammers e sua turma poderiam ter
sonhado, mas em lugar duma trilha de conto de fadas rumo ao sucesso, a
coisa tendia mais pro pesadelo. Os planos e pretensões originais da
gravadora já estavam mortos e enterrados sob uma pilha de distintivos
costuráveis, gravatas pretas baratas e coisinhas do gênero. Para o
Selecter era o que bastava pra dizer chega.
Música para servir de tema a estudantes era algo que fazia um skinhead
fugir de susto, mas, depois de tudo feito e irreversível, o álbum até
que satisfazia aos vários gostos, abrindo a brecha para que a banda
continuasse produzindo outras coisas do agrado coletivo como "Rat
race", "A message to you Rudy", "Concrete jungle", etc.
"Veja o caso dos Specials. Nós não viramos sucesso da noite pro dia.
Já as Bodysnatchers e os Swinging Cats parece que não querem batalhar
pra chegar lá. Eu acho que os Swinging Cats são é folgados, isso sim."
(Lynval Golding, guitarrista dos Specials e da Selecter)
"Não basta você pessoalmente ser anti-racista. Você tem que ser
afirmativamente anti-racista. Você tem que assumir firmemente uma
posição contra o racismo, do contrário nada vai mudar." (Jerry
Dammers)
///
[notas/boxes ao capítulo 4]
[1] O autor ironiza aludindo ao fato de que uma outra banda, os Bad
Manners, ainda mais avacalhada que o Madness, tinha como vocalista o
performer Bloodvessel, o qual, além de gordo e careca, se travestia e
dançava cancan no palco, coisa que, curiosamente, em vez de irritar um
público machista como os skins, levava-os ao delírio, talvez porque o
travestismo de Buster pertencesse ao gênero caricato absoluto. Com
relação ao Madness, o patrulhamento não era maior apenas por serem
todos brancos: é que o vocalista Suggsy já tinha sido roadie da
Skrewdriver e ainda mantinha amizade com Ian Stuart, o grande vilão
dos conflitos raciais na área musical. (NT)
Eu não estava nem aí. Meus jeans eram bem justos na cintura, e um
bolso cheio de clipes logo resolvia o problema da falta de cordão na
bota.
A hora mais difícil para mim era como fazer pra descolar uma cerveja.
Sendo um fedelho de 15 anos, os balconistas sempre me perguntavam a
idade. Quando eu dizia ter 18, eles riam e me despachavam de mãos
abanando. Não faz mal. Sempre tinha um skin mais velho e camarada que,
pelo preço duma lata, compraria outra pra mim. E com quatro daquelas
na caveira, eu tava bem servido.
Mais tarde, quando os pubs punham pra fora sua clientela mais bêbada,
todos os skins podiam se reunir. Era hora pra esbordoar algumas
cabeças, e uma delas geralmente era a minha. A polícia nos via como o
inimigo. Qualquer chance era pretexto pra parar a gente na rua. Eles
nos levavam até a praia, nos faziam esvaziar os bolsos e vinham com
perguntinhas idiotas tipo "Que é que você veio fazer em Margate,
filho?". Eu pensava comigo mesmo que a resposta era óbvia. Nós
estávamos atrás duma tretinha.
///
DISCOGRAFIA DO SELECTER
SINGLES:
ÁLBUNS:
///
DISCOGRAFIA DO MADNESS
SINGLES:
ÁLBUNS:
///
SINGLES:
ÁLBUNS:
///
SINGLES:
ÁLBUNS:
///
DISCOGRAFIA DA 2-TONE
SINGLES:
ÁLBUNS:
///
Capítulo Cinco
BEM-VINDOS AO MUNDO REAL
[Uma lei pra nós e outra pra eles. Foi assim que os 4-Skins
sintetizaram a ressaca de Southall. E com toda razão. A noite em que a
Hambrough Tavern pegou fogo foi o início do maior buraco na colcha de
retalhos do lado de fora da fábrica de máquinas de costura. A música
Oi!, as bandas que a tocavam nas gigs e seu público de skinheads, tudo
foi usado como bode expiatório, de tal forma que nenhum dedo
consciente pôde apontar na direção dos verdadeiros culpados por todo
aquele estado de coisas.]
É muito fácil jogar pela janela a culpa daquilo que acontece na nossa
porta, principalmente quando os skins têm as costas largas pra receber
todo tipo de responsabilidade num raio de dez milhas. Perante a
comissão parlamentar do horror nacional, os skinheads ocupam uma
posição intermediária no ranking, logo abaixo dos terroristas e
imediatamente na frente dos traficantes, estupradores e
seqüestradores, e, claro, dos criminosos do colarinho branco. É como
se raspar a cabeça e calçar um par de botas DM seja um ritual
demoníaco capaz de transformar os "possuídos" em algum tipo de Alien
exterminador.
Afinal, qual é o quarto dum skin que não está forrado de recortes de
jornal sobre quebra-paus de feriado bancário, brigas de torcida ou
quebra-quebra em show de rock? É claro que os jornais distorcem e
exageram, mas isso também faz parte da consciência do movimento, saber
que assusta mais do que faz. É o efeito psicológico, que faz bem ao
moral do grupo social explorado e ao ego do indivíduo anonimizado. Mas
tudo isso dista um abismo de tudo quanto foi dito a respeito de
Southall.
O Oi! foi o autêntico som de rua em seu melhor momento. Era, quiçá, a
primeira vez em que os caras do palco pertenciam à mesma turma do
pessoal da pista de dança. Antes da gig, as bandas bebiam no mesmo bar
e jogavam uma sinuquinha com seus próprios fãs e colegas. Era como que
um mundo povoado por gente igual a qualquer um, que se cruzava na
esquina. Muitos poderiam ter feito fortuna como fofoqueiros ou
comerciantes, e alguns fizeram isso mesmo.
Antes de Southall, o Oi! tinha tudo para se firmar e dar certo. O nome
desse gênero musical tinha sido tomado duma música dos Cockney Rejects
("Oi! Oi! Oi!"), e se devia à insistência do vocalista Stinky Turner
em repetir esse grito em vez do costumeiro "Um, dois, três..." no
início de cada canção. Acabou virando um grito de guerra para as novas
bandas punks rueiras que vieram na trilha da Sham e seus amigos
Rejects e Upstarts. [1]
Além da antena ligada, Bushell escrevia bem pra caralho, ainda que
meio preso a um mítico mundo cockney (londrino) povoado de peões
honestos, assalariados honrados, proletários puros, pubs vitorianos,
portas sem tranca e todo mundo se tratando por John. E ainda por cima
torcia pro Charlton Athletic. Aliás, a prova de que Londres não era
aquela colossal maravilha que ele pintava está no time que escolheu.
Costuma-se dizer que Bushell "inventou" o Oi!, mas isso seria dar
muita cancha ao cara e subestimar a importância das bandas. Se o Oi!
Tivesse sido arquitetado nas páginas do SOUNDS, tudo não passaria duma
frágil paparicação dos Rejects em seu cenário londrino. É verdade que
o movimento às vezes ficou concentrado demais na capital, tanto que
uma série de álbuns foi quase totalmente dedicada ao som da Big Smoke
(a "Fumaçona", como Londres é apelidada), mas a contribuição de bandas
do interior como a nordestina Upstarts, a Criminal Class (de Coventry)
e a Blitz (de Manchester) deixa claro que a coisa acontecia em escala
nacional. Como diz o ditado inglês, a Zona Leste tá em todo lugar, ou,
como diriam os Titãs, miséria é miséria em qualquer canto.
Mas justiça seja feita. Bushell teve a visão necessária para perceber
que as bandas punks da segunda safra precisavam dum novo denominador
comum, algo além da mera anarquia dos anos 70, que as aglutinasse
enquanto movimento. Se dependesse de algumas bandas, elas continuariam
tocando no velho estilo punk numa boa. Mas um novo nome tinha o sabor
de proposta mais avançada e radical, num mundo onde as pessoas vivem
esperando pela próxima atração. Basta perguntar aos caras do Cock
Sparrer.
Eles nem tinham ouvido falar em Oi!, até que foram comunicados que sua
"Sunday stripper" fora incluída no LP "OI! THE ALBUM", uma coletânea
de som punk rueiro que, por sugestão de Bushell, o SOUNDS e a EMI
estavam bancando e lançando em novembro de 1980. A banda tocava desde
1975, não estava conseguindo gravar nada desde 77, e tinha
praticamente tirado seu cavalo da chuva. Resumindo, não eram
exatamente jovens estreantes à espera da primeira chance.
"Quando a gente era punk, em 1977, tinha os skins que andavam com a
gente, e por isso éramos todos chamados de skunks." (Chubby Chris,
vocalista da Combat 84) [2]
Até os Cockney Rejects deram um jeito de incluir nada menos que três
faixas, sendo duas sob o nome falso de The Postmen e uma como The
Terrible Twins. E como todo álbum Oi! tinha que ter seus altos e
baixos, o baixo ficou por conta dos Splodgenessabounds com a pavorosa
"Isubeleene", uma canção que não estava nem de longe à altura de seu
sucesso do último verão, a estupidamente gelada e deliciosa "Two pints
of lager and a packet of crisps" ("Duas canecas de cerveja e um pacote
de batatinhas chips", um dos slogans que os hooligans sabiam de cor),
lançada pela Deram.
O disco "OI! THE ALBUM" lhes deu o pontapé inicial de que precisavam,
e no ano seguinte eles já estavam prontos para levar o movimento Oi! a
maiores glórias. Mas não sem antes dar uma reformulada na formação.
Saiu o H, que foi ser roadie dos Rejects. Hoxton Tom tomou seu lugar
no baixo, enquanto Rockabilly Steve Pear veio para a guitarra. A
batera ficou por conta dum tal de John Jacobs.
O vocalista da Criminal Class era Craig St. Leon, que já tinha sido
skinhead dos antigos, mas, quando a banda se formou em 79, suas
maiores influências eram a Sham, a Skrewdriver e o Slade, e não o
reggae e o soul dos primórdios. O som também tinha pesada dose dos
antigos Upstarts, e viera ao conhecimento público nas Midlands
(interior da Inglaterra) como um tipo de rock bandido enquanto o Oi!
ainda não tinha despontado. Era a primeira gig da banda em Londres, e
os caras encaravam muito bem a platéia de punks, skins e "normais".
"A única diferença entre punks e skins é que os skins ainda chocam."
(Mackie, baixista da Blitz)
A banda era empresariada por Micky French, que dirigia a loja homônima
com sua esposa Margaret, e quase todas as decisões eram tomadas na
própria arquibancada do estádio Den (do time do Millwall). A loja já
era por si só uma verdadeira Meca de skinheads de todas as partes do
mundo no início da década de 80, como que um segundo lar para muitos
deles. Como peça principal da decoração, tinha uma Marilyn Monroe em
tamanho maior que o natural. Ali se podia comprar roupa skin e punk de
tudo quanto era gosto. Não que você tivesse que comprar alguma coisa.
Também servia como ponto de encontro para um bate-papo, um cigarro, o
que era muito bem-vindo da parte do casal proprietário, ambos
respeitadíssimos nos círculos skins. Além disso, a loja sediava um
zine chamado justamente SKINS.
"Os moleques que tocam nas bandas são os mesmíssimos que estão ali
ouvindo." (Garry Bushell)
O negócio foi entrando em decadência nos dois anos que se seguiram aos
incidentes de Southall, principalmente nas vendas por encomenda
postal, quando os garotos começaram a receber mercadoria usada em
troca da grana remetida. A loja acabou fechando as portas quando Mick
foi preso por "mau comportamento", e com ela se virou uma página no
livro de História do Movimento Skin.
Mas era uma batalha que tinha que ser ganha. Tretas sempre tinham sido
problema em gigs punks desde o show da Skrewdriver no Vortex em 77,
mas o movimento Oi! aprendia a descascar o abacaxi com a experiência.
A maioria das bandas Oi! tinha como público a galera dalgum time, que
implicava a inevitável presença das galeras adversárias nas gigs. Ora,
todo mundo sabia como a barba dos Rejects tinha ardido e todo mundo
queria pôr a sua de molho. Aquele negócio de querer "tocar torcendo"
era sujeira. Claro que as gigs Oi! não iriam se ver livres das
torcidas (basta lembrar a "gloriosa" gig da Business e da Oppressed em
Cardiff), mas agora já se adotava um de dois jeitos práticos de
prevenir encrencas: convocar uma trégua por uma noite ou contratar uma
equipe de segurança a fim de peitar as patotas de hooligans.
Claro que essa total perda dos referenciais não atingia todos os
membros do movimento. Ainda havia os que permaneciam fiéis ao
vestuário, à roupa no rigor do estilo (o que eles chamavam de
"dressing hard, dressing smart") e às tradições da classe operária
daqueles que os precederam, enquanto outros apenas se limitavam a
vestir qualquer coisa que não fosse social e a freqüentar os estádios
como qualquer "arquibaldo" ou "geraldino" em tarde de sábado.
E eis que aquela palavra nojenta, a política, tinha que meter sua
colherzinha torta na sopa de bota dos skins. Sempre tem quem acha que
dois skinheads juntos já são um congresso da Juventude Hitlerista, e
não se pode fazer nada para desmentir isso, já que sempre tem alguma
Juventude Hitlerista fazendo algum congresso e convidando algum skin.
O movimento Oi! teria que agüentar mais essa, a pecha de direitista. O
chato é que o Oi! tinha de fato uma motivação política, mas de
esquerda, arriscada a se comprometer com o corpo estranho nazista. Uma
rápida olhada na contracapa do EP "BOLLOCKS TO CHRISTMAS" (Bolas pro
Natal!), lançado pela Secret, já basta para dar uma idéia do nível de
engajamento. Ali estava um verdadeiro manifesto que qualquer partido
de oposição poderia subscrever com todo o orgulho. Bem, pelo menos o
Monster Raving Loony Green Giant Party (Partido Gigante Verde Pirado
Delirante Monstro) assinaria tranqüilamente. Nacionalização das
cervejarias, barateamento do preço da loira gelada e fim do desemprego
pelo incentivo à superprodução de discos Oi! estavam entre os três,
digamos, pontos programáticos do "movimento". [5]
O Oi! era a fim de tirar sarro mesmo, mas sempre passando um conteúdo
crítico ("Having a laugh and having a say"), ou seja, a política das
ruas e não das urnas ou das cadeiras parlamentares.
Os Gonads resumiam isso muito bem em "Pubs not jails" (Bares, não
cadeias) e "Hitler was an 'omo" (Hitler era gay), já que todo mundo
estava careca de saber que, independentemente de quem estivesse no
governo, a classe operária estaria sempre na base da pirâmide. A
maioria das bandas e respectivo público não estava nem aí pra partido
político algum e não queria nada com extremistas de esquerda ou
direita.
"O problema todo tava rolando do lado de fora da gig, e não tinha nada
a ver com os 4-Skins." (Gary Hodges, vocalista dos 4-Skins)
Por volta das sete e meia, os caras que vinham pra gig entravam
contando os boatos sobre o que rolava do lado de fora do pub. Alguns
tinham sido atacados no caminho, outros puteados. Um skinhead chegou a
ser arrancado do ônibus e agredido, enquanto outros recebiam ameaças
sobre o que os aguardava mais tarde da noite. O pior foi quando uns
skins resolveram espatifar a vitrine duma lojinha, mas isso não dava
nem idéia do que estava pra vir.
A chegada de dois ônibus fretados pela loja Last Resort certamente não
contribuiu para pacificar o ambiente, segundo a imprensa. Quando
Southall fosse para as manchetes de primeira página, os jornais
estampariam que nada menos que seis ônibus lotados desembarcaram um
exército mobilizado pelo National Front. Na verdade, o próprio Micky
French havia contratado os ônibus, e aquilo era um procedimento
habitual quando a banda da Last Resort tocava fora e sabia que seus
fãs precisavam de condução.
Teria sido isso que provocou a reação dos moradores da área, mas
parece que só mesmo neste país desfraldar a bandeira nacional pode ser
interpretado como algo ofensivo. Por sinal, a mesma bandeira que lutou
contra Hitler e seus partidários durante a Segunda Guerra, vejam só.
O que todo mundo parecia esquecer é que o National Front não era
detentor exclusivo dos direitos de utilização da "marca" Union Jack, e
não havia razão alguma para imaginar que alguém se "apropriasse" do
símbolo da pátria. Praticamente todo skinhead era patriota, mas isso
não quer dizer que todo skinhead fosse racista. Sem chance.
Ainda se tentou manter a calma lá dentro, mas quem estava mais perto
das janelas se cortava nos pedaços do vidro estilhaçado que voavam pra
todo lado. Foi quando a Tavern sofreu ataque pelos fundos. Parecia que
o local estava sendo atingido por raios, enquanto bombas incendiárias
(improvisadas com gasolina) substituíam as pedras através das janelas,
até que, já por volta das onze, as portas foram destrancadas e tomou-
se a decisão de evacuar o recinto.
Mas na hora em que o pub estava sob ataque, muita gente pensou que
tinha chegado sua hora. Alguém podia mesmo ter morrido naquela noite,
mas quando se olha para trás dá para ver que houve também uns lances
cômicos. Como o do operador de som, que acorrentou seu equipamento
todo, de medo que os skinheads o roubassem. Os amplificadores ficaram
tão fortemente presos que foram consumidos pelas chamas junto com o
pub, porque o cara não conseguiu tirar as correntes a tempo.
"Oi! não é música skinhead. É pra punks sem cabelo e sem miolo."
(Darren, skin de Stoke, 1981)
Alguns foram ao ponto de usar como "prova" das acusações o fato das
bandas terem seus nomes constantes do programa em Southall, mas a
maledicência envolvia até quem tinha um bom álibi.
Garry Bushell entrou como Pilatos no Credo, pois ele nem estava na
fatídica gig. Quando o episódio de Southall foi noticiado, Bushell se
encontrava em Newcastle com os Angelic Upstarts. Para surpresa dos
caras da Cock Sparrer, até sua banda apareceu num jornal local como
sendo uma das que provocaram o incidente!
Outro tipo de notícia que volta e meia pegava no pé dos 4-Skins era
uma que saiu no SOUNDS sobre skinheads, na qual o empresário da banda,
Gary Hitchcock, teria dito que já pertencera ao British Movement. Mas
o que não era mencionado é que ele também dissera que os skins que se
envolviam em política não passavam de otários, ou que a banda não era
tão antiga quanto a data de formação ali citada.
Por seu turno, os políticos não perdiam a chance de fazer média com a
comunidade asiática de Southall. Ken Livingstone, do GLC (Greater
London Council, espécie de conselho administrativo metropolitano) e a
primeira-ministra Margaret Thatcher (apelidada de Maggie nas ruas)
compactuaram com toda a demagogia, mas ninguém se interessou em
conversar com um representante das bandas para ouvir o outro lado da
história. Nem mesmo o Partido Trabalhista, supostamente porta-voz da
classe operária. Tão unilateral ficou o panorama pós-Southall, que
qualquer historiador seria capaz de registrar que os skinheads
destruiram o pub enquanto meia dúzia de asiáticos jantavam
tranqüilamente sua porção de "halal".
Com uma canção como "A.C.A.B." no repertório, muita gente achava que a
banda era contra a polícia, e agora era o caso de desfazer essa
impressão. Praticamente todo mundo sabe que a sociedade tem que ter
algum tipo de força policial se quiser sobreviver. O que os 4-Skins e
outras bandas (como os Upstarts) condenavam era o mau policiamento,
voltado contra o cidadão menos favorecido. Em Southall, os tiras
tinham sido literalmente o cego no meio do tiroteio, e acabaram
levando a maior sobra de cacete. Uma gig beneficente era a forma de
reatar relações tanto com a comunidade local quanto com as
autoridades. Mas a bandeira branca da banda foi repelida tanto pela
polícia como pela organização da gig anti-racista. Bem, pelo menos
eles tentaram.
Uma gig secreta foi preparada no pub Prince of Wales de Mottingham (no
sul de Londres), e a equipe do "Nationwide" da BBC foi contatada a fim
de verificar in loco que o Oi! não era sinônimo de encrenca. Os 4-
Skins entravam no programa disfarçados como um conjunto de música
country chamado The Skans, e a banda encarregada de abrir o show era
uma tal de The Bollyguns, que não era outra senão a Business em nome
fantasia. A noite transcorreu sem problema, mas prejudicada porque o
som era cortado toda hora durante a apresentação dos 4-Skins. A coisa
redundou num certo fiasco, já que metade do público subiu no palco
para compensar a falta de volume dos amplificadores.
Skunk era o nome dado ao som para skins e punks, tal como fora
idealizado na primeira das convenções Oi! no Conway Hall de Londres,
pouco antes de Southall, numa proposta de conciliação para acabar com
as tretas entre as duas tribos durante as gigs.
"Veja como são as coisas. Num debate punk você vê todos aqueles
notórios esquerdistas metendo o pau na mídia, mas eles preferiram
acreditar no que a mídia disse sobre nós e Southall, porque isso
ficava bem para eles, era coerente com suas idéias estereotipadas."
(Hoxton Tom, baixista e líder dos 4-Skins)
Até os 4-Skins, que chegaram a crer que nunca mais tocariam ao vivo
depois de Southall, voltaram à estrada antes do fim do ano. Gary
Hodges saíra da banda logo em seguida à gig de Mottingham, e antes da
gig que marcaria o retorno do grupo, no Branningan's, em Leeds, Steve
Pear também pediu o boné. Mesmo desfalcada, a decisão foi manter a
carreira e o nome da banda. Um ex-roadie, Panther Cummins, assumiu os
encargos do vocal; John Jacobs largou a bateria e pegou a guitarra; e
um ex-baterista da banda Conflict chamado Peter Abbott ficou nos
tambores. [11]
A única banda que não deu tudo que tinha foi a Last Resort. O grupo
era pra ter explodido e mostrado muito mais, se Southall não pintasse
no meio para atrapalhar. É só perguntar a quem viu a banda de perto.
Só que, em vez de percorrer o país tocando e fazendo seu nome, eles
ficaram naquela de não sair do pedaço, no meio daquele mesmo
publicozinho de bebuns do sul de Londres.
Outra decepção foi o livro OI! A VIEW FROM THE DEAD-END OF THE STREET
(Oi!: uma análise do ponto de vista da rua sem saída) pela Babylon
Books. O que supostamente seria a verdadeira história do Oi! deixou a
desejar. Era realmente mal escrito, paternalista e confuso, como se
Garry Johnson o tivesse elaborado em cima da coxa numa noite de porre.
Bem que poderia ter sido feito por um Garry, só que duma outra
estirpe, a dos Bushell. Aí sim, seria o documento oficial do
movimento.
Com o lançamento de "OI! OI! THAT'S YER LOT", último LP Oi! da Secret,
bem como a publicação do (embora irônico) artigo de Bushell intitulado
"Punk is dead", no SOUNDS, a impressão era de que o Oi! estava
encerrado. Empresas como a Riot City em nada contribuíam oferecendo
velharias de merda com quatro moicanos na capa.
No final de 82, a Blitz estava desfeita após ver seu álbum "VOICE OF A
GENERATION" chegar ao 27º posto entre os LPs mais vendidos no país,
sem qualquer tipo de promoção. Naturalmente, sem a Blitz a No Future
também estava liquidada. Em dezembro foi a vez da Business, que acabou
por diferenças musicais entre os membros.
"As dez mais incríveis e infames razões pelas quais os skins são
barrados na entrada dum pub ou clube:
1. Vai se foder!
2. Eu também já fui skin, mas...
3. Sem chance, rapazes.
4. Se dependesse de mim...
5. Vai desculpar, mas tá lotado.
6. Hoje é só pra sócios.
7. Só casais.
8. Aliás, você nem ia gostar daqui, pode crer.
9. Só com camisa e gravata.
10. Nada. (Nada de gangues, nada de jeans, nada de camisetas, nada de
nada!)"
Mas o grupo andava meio puto por não conseguir guigar tanto quanto
pretendia, e no meio das discussões Paul Swain e Ian Davies acabaram
pulando fora, ou, segundo outra versão, sendo expulsos por "mau
comportamento" ou "malcriação". [12]
A banda diria adeus com um álbum gravado ao vivo pela Syndicate que
levou o título de "FROM CHAOS TO 1984". O disco tinha todos os
clássicos, menos "Sorry", e foi um tributo à altura da banda número um
do Oi!.
Mas o ano não podia terminar sem uma nova coletânea Oi!. Embora o
último empreendimento da Secret parecesse um ponto final, o texto da
capa abria margem pra novas empreitadas e dava a entender que material
era o que não faltava. Em novembro de 1983 saiu a quinta coletânea da
série, o LP "SON OF OI!", lançado pela Syndicate, uma gravadora que
pegou o bonde mais ou menos no ponto onde a Secret tinha parado. A
etiqueta era mais uma boa cartada da Business, já que seu proprietário
vinha a ser o próprio empresário da banda, Lol Pryor (o mesmo que,
mais tarde, retornaria aos mesmos trilhos com a Link Records). Mas o
novo LP não era o melhor dos álbuns Oi!, já que muitas bandas nem
sequer sobreviveram às sessões de gravação. A bandeira, pelo menos,
continuava hasteada.
///
[notas/boxes ao capítulo 5]
[2] "Skunk" é um tipo de gambá bem fedorento e, assim como "punk" (que
significa madeira podre), reverte a idéia de porcaria e ainda faz
trocadilho com a palavra "skin", numa fusão muito feliz. Musicalmente,
a designação se popularizou entre os jovens por causa da banda Blitz,
formada meio a meio, por dois skins e dois punks. Era o som pra gregos
e troianos. Ou melhor, os troianos preferiam o som da Trojan... (NT)
[3] "Chaos" tem várias versões gravadas. Dos próprios 4-Skins são pelo
menos quatro gravações, cada uma com vocal diferente: a "oficial" de
estúdio na voz de Gary Hodges (da primeira formação); a versão
"Herbert" (que seria creditada a Harry & The Herberts na coletânea
"SON OF OI!") com o líder Hoxton Tom abrindo uma exceção e fazendo o
vocal (por sinal péssimo); e duas ao vivo, a de Panther (da segunda
formação) no LP "THE GOOD, THE BAD, AND THE 4-SKINS", e a de Roi
Pearce (da terceira formação) no LP "FROM CHAOS TO 1984". Fora as
covers de outras bandas, até antagônicas, como a Oppressed (no LP "OI!
OI! MUSIC") e a Skullhead (no LP "ODIN'S LAW"). É decididamente o
maior hino skin de todos os tempos. (NT)
[4] Título duma letra da banda Exploited em cima da melodia do "Jingle
Bells", que diz, em resumo: "Fode um mod; chuta um mod; mata um mod
hoje: é divertido paca!". (NT)
Nunca tive nada a ver com bandas que sejam nazistas ou racialistas
(sic). Inclusive me orgulho e me regozijo com o fato de que, ANTES DE
SOUTHALL, as bandas Oi! tenham se comprometido a tocar em gigs
beneficentes para organizações que lutam contra a exploração e o
desemprego, os dois males que afligem a classe operária britânica,
independentemente de credo ou cor -- males que reduzem as atividades
marginais dos lunáticos da ultradireita à insignificância, que é a
verdadeira dimensão desses visionários." GARRY BUSHELL, editor do
SOUNDS
///
SINGLES:
ÁLBUNS:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
///
ÁLBUNS:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
DISCOGRAFIA DA INFA-RIOT
SINGLES:
ÁLBUNS:
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DISCOGRAFIA DA BUSINESS
SINGLES:
ÁLBUNS:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
///
DISCOGRAFIA DA BLITZ
SINGLES:
ÁLBUNS:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
///
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SINGLES E EPS:
12" SINGLES:
"Culture" - Brian Brain
"Britannia Waives the Rules" - Exploited / Chron Gen / Infa-Riot
"Ruff Cutts" - Twisted Sister
"Troops of Tomorrow" - The Exploited (1982)
"Somebody's in my Drain" - Dinah Rod and The Drains
"The Dossers" - The Dossers
"Out of Business" - The Business (não lançado)
ÁLBUNS:
Capítulo Seis
NEM WASHINGTON NEM MOSCOW
"É o tal negócio. Se tem quatro punks no palco usando suásticas, eles
são só uma banda punk. Se tem quatro skinheads no palco usando a mesma
coisa, eles são automaticamente de direita." (Chubby Chris, vocalista
da Combat 84)
Chubby Chris nunca desmentiu sua ideologia, e talvez tenha sido esse
seu maior erro. Outros que haviam flertado com a extrema-direita
trataram de maneirar suas declarações públicas e acabaram se dando
bem.
Nem precisa dizer que quem tivesse militado na extrema-esquerda, por
mais radical que fosse, podia se vangloriar tranqüilamente.
"Eu só levo bronca, dos dois lados. Alguns skinheads não acreditam que
eu seja um deles por causa da minha cor. Aí vêm os negros pra cima de
mim e falam: você é uma vergonha pra sua raça." (Darryl, skinhead
negro de Bournemouth)
Para variar, sempre aparecem aqueles que só enxergam o que querem ver.
E a Combat 84 obviamente tinha algo escrito na testa. Graças aos
boatos sobre política e treta que acompanharam a banda ao longo da
carreira, a Combat perdeu gigs, turnês e até um contrato com a
gravadora Secret.
Mas uma coisa que ela nunca perdeu foi sua fiel torcida (como se diz
no futebol) ou suas bases (como se diz na política), que a
prestigiavam lotando as casas punks do circuito londrino, e que
levaram o EP de estréia da banda, "Orders of the day", ao 11º posto na
parada alternativa (tabulada entre as gravadoras independentes),
depois de vender cerca de 5 mil cópias. Nada mau para um lançamento
autofinanciado na própria etiqueta da banda, a Victory, que nem tinha
espaço na imprensa e mal podia fazer a distribuição.
Em outubro de 83, um ano após a exibição de "Skinheads", a Combat 84
se desfez durante a gravação de seu álbum de estréia, "SEND IN THE
MARINES". Deptford John e o guitarrista Jim (muito popular por suas
orelhas de macaco) ficaram de saco cheio com aquela imagem direitista
e caíram fora, indo trabalhar de roadies para os UK Subs. Graças à
política, a Combat entrava para a lista das baixas ilustres do
movimento skinhead.
Foi o National Front quem pela primeira vez meteu a política no meio
dos skinheads. Antes de 76, muito pouca gente levava o NF a sério, e
ele passava o tempo todo perambulando a esmo e clamando no deserto.
Tudo mudou, no entanto, com a chegada duns refugiados africanos vindos
de Malawi naquele verão. A quantidade de gente era irrisória, mas os
tablóides trataram de converter algumas dezenas em um êxodo, causando
um clima de histeria com papos de hotel cinco estrelas e uma porrada
de mordomias às custas do Estado e a título de ajuda.
Ah, pra quê! O National Front viu que os ventos sopravam a seu favor
e, de praticamente nenhuma base eleitoral, encetou uma virada e lançou
candidatos a centenas de cadeiras, assegurando 250 mil votos nas
eleições locais de 77. A voz da direita despertava como um vampiro
adormecido, e já tinha gente falando do Front como a terceira força na
política britânica, tomando o lugar do Partido Liberal.
Mas isso foi alguns anos mais tarde. Por enquanto, ainda nos anos 70,
o Front angariava considerável apoio, principalmente junto à juventude
do interior. Não eram só os skinheads que atendiam à convocação às
armas feita pelo Front. Punks, teds, mods, cabeludos e tipos normais,
todos passaram a mostrar simpatia pelo Front, embora pouca gente
pudesse contar pra você qualquer coisa sobre o partido que não fosse
meia dúzia de slogans, e menos gente ainda tivesse idade pra votar.
"Você lê nos jornais que todos os skinheads são uns valentões broncos
e fascistas. Eu não sou um valentão bronco e não sou fascista. Tem
algum valentão bronco aí? Tem algum fascista aí?" (Mick, da banda The
Burial, falando do palco pra platéia em Stockton, em 1985. Ninguém se
manifestou.)
O maior erro da ANL, porém, foi tentar acuar o National Front no canto
do ringue. Aquilo tornava o partido mais atrativo para os moleques que
querem dar uma de rebeldes e levava-os a ficar do lado mais "maldito".
[3] Tudo contribuía para reforçar a típica atitude skin resumida na
clássica frase do movimento: "Nobody likes us, we don't care."
("Ninguém gosta da gente, mas não estamos nem aí.") Era já uma postura
amplamente difundida entre os skinheads do YNF. Mas é bom que se diga:
mesmo no seu auge, a filiação ao National Front nunca ultrapassou os
15 mil militantes, e mesmo assim o crédito para tanto reforço deve ser
dado à ANL e organizações antifascistas similares, com sua campanha
antipática e moralista.
A tal Liga teve vida tão curta quanto algumas das bandas que viveram
seus cinco minutinhos de glória ao participar daquelas coletâneas, e
depois nunca mais foram ouvidas. O mesmo se pode dizer dos Skins
Against Nazis, que se formaram em julho de 78 e cuja única invocação à
fama foi uma notícia de meia página no SOUNDS. Na realidade, aquilo
nada mais era que outro distintivo a ser usado ao lado do logotipo dos
Skateboarders Against Nazis (skatistas contra os nazistas), e nunca
angariou larga margem de apoio.
Não que houvesse algo errado com o patriotismo, ainda mais nos
círculos skinheads. Os próprios fanzines existiam como uma forma de
manter o movimento unido, mais que pra dividi-lo. O problema era que,
fustigando a Skrewdriver, fazendo média com os antifascistas rueiros
da Red Action (Ação Vermelha) e propagandeando bandas como os
Redskins, o HARD AS NAILS ia sendo tragado pelo pegajoso e fedido
mundo da política, quer gostasse, quer não. E não se avistava o menor
raio de esperança de que o movimento pudesse ser novamente reunido sob
um único teto.
Todavia, o apoio dado à banda pelo HARD AS NAILS tinha pouco a ver com
sua cor política. Na verdade, o patrocínio dogmático vindo do SWP era
uma pedra no coturno de muitos skinheads que curtiam os Redskins. A
maioria vinha pra ver a banda por causa da música e da cerveja e não
pra ficar escutando discursos bombásticos contra as outras bandas.
Um skinhead chamado Fat Jim costumava dizer pra quem quisesse ouvir
que ele curtia a Skrewdriver só por causa da música e não pela
política. Embora ele mentisse por todos os poros do corpo, tocava no
ponto certo. Na mesma roda de papo tinha fã dos Redskins, mas que não
trabalhava pro SWP como Jim.
No meio da música "Lean on me", uma garrafa voou pra cima da banda.
Foi como que uma senha para uns 50 skinheads, do National Front e da
torcida organizada Chelsea Headhunters, que investiram contra o palco.
No caos reinante, o baixista acabou se estatelando nos tambores da
bateria, cabeças se partiram e mais garrafas voaram, tudo sob o som
dos amplificadores, inclusive os gritos e palavras-de-ordem dos
nazistas. Os skins antinazistas e outros fãs dos Redskins revidaram,
mas a maioria do público, nas suas camisetinhas da moda escritinhas
com slogans tipo "Free Nelson Mandela" (Libertem Nelson Mandela!),
debandou pra longe dali na base do pernas-pra-que-te-quero. Quanta
solidariedade...
Afinal, é duro de engolir que uma banda skinhead fique tocando pra
aluninhos de classe média, cujo interesse na esquerda é tão efêmero
quanto uma bolsa de estudos. Por outro lado, aquilo assegurava cerveja
e ingressos baratos, além de proporcionar verbas beneficentes, já que
os grêmios estudantis se propunham a reverter a arrecadação em prol de
campanhas que os promotores comerciais não costumavam prestigiar.
Claro que cada lado jogava a culpa no outro. O White Noise Club
acusava a Skrewdriver de dividir o movimento por causa de seus
próprios interesses, e afirmava que tais interesses se resumiam a uma
palavra: grana. Pra complicar as coisas, as bandas dissidentes eram
nazistas, e o NF já não queria se comprometer diretamente com elas nem
com o nazismo.
Mas a embrulhada não ia parar por ali. As coisas ficaram mais confusas
porque os dois lados que haviam rachado dentro do NF continuaram
usando o nome do partido, mas a ala que controlava o White Noise Club
enveredou pelo que se chamou "revolução nacional". Surpreendentemente,
o jornal oficial do partido, o NATIONAL FRONT NEWS, apareceu com o
punho cerrado de um negro na capa, mais as palavras "Fight racism"
(combata o racismo). Até mesmo o coronel Gadaffi da Líbia virava um
herói involuntário e inesperado.
A Blood & Honour não fazia segredo sobre sua linha nacional-
socialista. Ao contrário, já que o número dois do magazine descrevia o
ideal nazista como "incomensurável". A No Remorse era uma banda que se
coadunava bem com tal filosofia, de vez que fizera uma opção
intransigente pelo nazismo desde sua formação em novembro de 87, e
isso foi o que lhe permitiu uma rápida ascensão nos círculos do Rock
Against Communism, acompanhada da respectiva infâmia nos meios
opostos.
Quanto ao White Noise Club, sobreviveu ainda por mais uns meses,
graças à lealdade das bandas e fanzines que se recusavam a acreditar
que aquela era uma panelinha corrupta e moribunda. O maior nome ainda
associado com o WNC era uma banda de Consett chamada Skullhead,
formada em 1984. Seu líder, o vocalista Kev Turner, participou do
racha e resolveu ficar do lado do WNC, embora não se envolvesse na
lavagem de roupa suja entre o NF e a Blood & Honour.
Depois de preso e solto, Turner seguiu tocando com a banda nas gigs do
White Noise Club. Mesmo durante o período de prisão em Arlington, ele
aproveitava os fins-de-semana livres pra tocar com a banda, pra
indignação das entidades antifascistas e da polícia local. Mas até a
fidelidade da Skullhead não resistiu quando o NF decidiu tirar o corpo
fora do White Noise Club e fundou uma outra organização chamada
Counter Culture (contracultura).
Com tamanha caretice, era natural que a Counter Culture não decolasse.
A Skullhead caiu na real e fundou sua própria entidade, a Unity
Productions, que não se alinharia com nenhum partido político, e sim
com uma religião pagã nórdica, o odinismo. [9] A Unity nunca atingiria
a influência e o prestígio da Blood & Honour, mas contribuiu para
congregar a cena musical nacionalista com numerosas e concorridas
gigs.
A Blood & Honour podia não ser uma firma especializada, mas não era
tão tacanha como os esquerdistas "espertinhos" imaginavam, e, no mais
das vezes, as gigs acabavam acontecendo. A tática era antecipar a
venda de ingressos em diversos locais públicos, usando falsos nomes
para as bandas e organizadores, enquanto o palco escolhido era mantido
em segredo até o último minuto, por meio de localizações frias
anunciadas só pra despistar. A informação quente ficava só no boca-a-
boca.
Mas como não há regra sem exceção, houve uma gig no Rock Against
Communism que degenerou. Foi em Brest, na França, em maio de 1988. A
No Remorse era aguardada como nome de destaque num pacote que seria
completado por bandas francesas tipo Brutal Combat, Bunker 84, Légion
88 e Skin Korps. Mas a polícia entrou no meio e cancelou a gig uma
hora antes que as portas fossem abertas, deixando várias centenas de
skinheads, muitos dos quais tinham viajado desde a Alemanha e a
Inglaterra só pra assistir à gig, do lado de fora a ver navios.
Primeiro a revolta geral, em seguida a reação mais típica em se
tratando de skinheads: violência. As gangues saíram feito doidas pelas
ruas da cidade, detonando tudo que viam pela frente. Saldo geral:
gente esfaqueada, prisões à beça.
Mais uma vez, como não podia deixar de ser, as atenções da mídia, com
sua habitual incursão pelo terreno nebuloso das meias-verdades e das
chamadas apelativas, têm imputado ao movimento skinhead tudo quanto é
excentricidade e perversão, como se os skins fossem todos psicopatas
perigosos. Às vezes é puro sensacionalismo, às vezes mera ignorância,
mas dá tudo na mesma. Como no caso do SAN FRANCISCO CHRONICLE, que
escreveu que os skinheads racistas "se espelham nos teddy boys, que
surgiram na Inglaterra no fim dos anos 60", e chegou ao ponto de dizer
que a única diferença entre os skins americanos e os britânicos era um
toque californiano, qual seja, as camisas Fred Perry! [15]
Estima-se que haja entre três e cinco mil skinheads racistas nos
Estados Unidos, e o maior beneficiário de seu apoio tem sido o Aryan
Youth Movement (Movimento da Juventude Ariana), braço caçula da White
Aryan Resistance. A entidade era virtualmente desconhecida nos
círculos skinheads, até que a Skrewdriver deu-lhe crédito na
contracapa dum álbum, e dali por diante a WAR aproveitou a deixa e se
tornou o grupo que mais tem atuado no sentido de aliciar adeptos entre
os skins.
Seu líder, Tom Metzger (pai de John Metzger, encarregado da ala jovem,
o AYM) viu nos skins seus "guerreiros da linha-de-frente" na batalha
pela supremacia branca, mas poucos levaram sua mensagem de "limpeza
das ruas" tão a sério a ponto de formar pelotões de lixeiros. Dois
assassinatos racistas, cometidos por skinheads da WAR em San José e
Remo, foram seguidos por outro crime, o espancamento até a morte de um
estudante etíope por três skins do East Side Pride (Orgulho do Lado
Leste) em Portland. Longas sentenças de prisão foram proferidas, mas a
corte foi muito além da punição dos que empunhavam os bastões de
beisebol.
"Parece que tá na crista da onda ser politizado outra vez. Usar uma
suástica e sair dando Heils nada tem a ver com ser inglês no meu
dicionário. Uma coisa que me enche o saco pra valer é que, se eu digo
isso, a turma do NF logo cai em cima na base do Ah, lá vem mais um
esquerdista vermelhinho, e merdas do tipo." (Colin Hoskin, no skinzine
CROPTOP, 1986)
A idéia do SHARP foi exportada para a Europa e pro resto do mundo por
Roddy Moreno, que tinha sido líder e vocalista duma banda Oi! de Welsh
chamada The Oppressed. Numa visita aos States para observar e contatar
bandas americanas para sua etiqueta independente Oi! Records, um
panfleto do SHARP lhe caiu nas mãos e ele resolveu levar a idéia pra
casa. Embora a direita o pintasse como comunista, a verdade é que
Roddy não tinha tempo pra política dos outros (o slogan de sua
gravadora era "Neither red or racist", nem vermelho nem racista) e
queria simplesmente combater o foco da mídia sobre a Blood & Honour,
que enviesava a falsa noção de que cada skin era um terrorista
neonazi.
Por causa da Blood & Honour, o movimento skinhead tem se afastado cada
vez mais de suas raízes. A tal ponto, que a palavra "bonehead"
(cabeça-dura) virou termo correlato ao de skinhead para descrever o
típico tiete da Skrewdriver, trajado com jaqueta preta de piloto,
botas pesadas e nenhum cabelo. Quase como se se tratasse dum movimento
à parte.
///
[notas/boxes ao capítulo 6]
It's a time when our old people can not walk the streets alone
Hoje em dia nossos velhos não podem andar sozinhos pela rua
Fought for this country, is this all they get back
Eles lutaram por este país, e é isso que levam em troca
Risked their lives for Britain,
Arriscaram suas vidas pela Inglaterra,
And now Britain belongs to aliens
E agora a Inglaterra é dos estrangeiros
It's about time the British went, and took their Britain back
Já é tempo dos ingleses tomarem de volta sua Inglaterra
[6] Não apenas os Redskins, mas outras bandas que adotavam uma postura
abertamente antifascista tinham pouco a ver com o movimento skinhead,
mas havia algumas, como a londrina The Blaggers, a Red Alert e a Red
London, que constituíam honrosas exceções. Demais a mais, ao contrário
dos Redskins, estas não se prendiam a vínculos com nenhum partido
político, e assim tinham mais tempo pra olhar a realidade da vida em
vez de ficar repetindo slogans.
[12] Tal como Joe Pearce, Kev Turner, e outros ativistas & artistas
comprometidos com a extrema-direita, Ian Stuart não podia passar sem
um contato com a cadeia: em dezembro de 85 foi condenado a um ano de
reclusão por tretas com negros. (Segundo Pearce no livro SKREWDRIVER:
THE FIRST TEN YEARS, o rolo foi o seguinte: Stuart teria sido atacado
por uma gangue de negros na estação King's Cross do metrô só porque os
caras implicaram com seu "corte" de cabelo, e tudo que fizera foi se
defender. Só que o juiz interpretou que os negros é que seriam
"vítimas" e os inocentou, enquanto Stuart, mesmo sem ter antecedentes
na polícia, foi sentenciado.) A exemplo de Hitler, que escreveu MEIN
KAMPF na prisão, Stuart aproveitou para compor (e ruminar mais ódio).
Aliás, parece que ir em cana dá mais moral a quem quer ser herói, já
que acrescenta uma dose de martírio à lenda pessoal... (NT)
O grosso dos leitores (Eu disse grosso? Disse-o bem.) é formado por
skinheads, mas a tentativa é ampliar o público. O trabalho de Ian
Stuart com a Klansmen (banda que mistura as letras da Skrewdriver com
o som do grupo de rockabilly Demented Are Go) visa atrair os
rockabillies como recrutas em potencial, além de sinalizar
amistosamente em direção ao público WASP norte-americano, para o qual
Stuart fez pequena adaptação na letra de "White Power" (versão
rockabilly gravada pela Klansmen onde, em vez de "White Power for
Britain before it gets too late", ele canta "White Power for Europe
and the U.S.A.", sem falar na paródia de "Johnny B. Goode" do negro
Chuck Berry, que virou "Johnny joined the Klan", "Johnny entrou pra Ku
Klux Klan"). A filosofia geral parece ser a seguinte: se o cara se
orgulha de ser da raça branca, merece atenção e respeito. O que
surpreende é que isso inclua skinheads japoneses que provavelmente
seriam reprovados num teste de arianismo feito pelos antropólogos do
III Reich, mas que lembram o Eixo Berlim-Tóquio. Desde que se declarem
anticomunistas e fiquem em seu próprio país, até os latinos são vistos
como aliados sem maior problema.
Claro que o BLOOD & HONOUR não é ilegal, mas a esquerda só defende seu
direito à livre expressão quando concorda com o que você diz. Por sua
vez, a extrema-direita não tem base pra se queixar, já que o velho
Adolf nunca foi um paladino da liberdade de expressão. É uma roupa
suja a ser lavada no quintal dos dois vizinhos, mas o fato é que,
enquanto os piquetes boicotavam a venda nas lojas em pleno sábado, pra
indignação dos skins que iam comprar outras coisas, a poucos metros
dali um lojista asiático continuava faturando com suas quinquilharias
e souvenirs nazistas em prol do Quarto Reich. Sem nenhum cartaz
esquerdista pra "denunciar"...
///
DISCOGRAFIA DA COMBAT 84
SINGLES:
ÁLBUNS:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
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DISCOGRAFIA DA SKREWDRIVER
SINGLES:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
SINGLES:
ÁLBUNS:
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SINGLES:
ÁLBUNS:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
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SINGLES:
ÁLBUNS:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
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DISCOGRAFIA DA NO REMORSE
SINGLES:
ÁLBUNS:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
DISCOGRAFIA DA SKULLHEAD
SINGLES:
ÁLBUNS:
PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS:
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Capítulo Sete
RESSURREIÇÃO DO SKINHEAD
[A menos que você estivesse "rockando pela raça e pela pátria" [1]
junto com o White Noise Club, era o caso de meter a viola no saco pra
quem se achasse no fronte skin em meados dos anos 80. Cada um dos
grandes nomes do Oi! já tinha dado tchau pra sua torcida, e a 2-Tone
não passava duma pálida lembrança. Se não fosse pelos rachas de
lambreta, as coisas seriam um total marasmo para os skins não-
racistas.]
"Eu fiz minha mãe chorar quando cortei todo o cabelo." (Cathy Price,
skingirl de Worcester)
Aquilo tudo aconteceu tão rápido que deixou a maioria sem entender
nada. Mas não chegou a haver pânico. O pequeno Desmond foi socorrido e
a noite terminou sem maiores incidentes. O chato é que alguns
elementos da segurança eram, eles próprios, skins do NF, de forma que
muita gente suspeitou que eles teriam facilitado a invasão do palco em
vez de barrar os invasores. Os demais membros da segurança, que não
eram skins, ficaram numa situação ainda mais constrangedora, e deram
graças a Deus por ter sido mantida a ordem.
Aqueles que seguiam o chamado "espírito de 69" faziam pouco caso dos
skins do WNC, classificando-os de cabeçudos e marrudos boçais. Os
skinheads do White Power revidavam, rotulando os rivais de comunas
sujos, escória do movimento. Este, por sua vez, se via
irremediavelmente rachado pelo meio, as duas metades se vestindo
diferentemente, ouvindo diferentes bandas e cultivando valores
totalmente inconciliáveis com os do outro lado.
Mais engraçado foi a histeria dos tablóides com uma banda apologista
do porre que tinha a audácia de voltar com o mesmo nome e ainda por
cima entrando de sola no tema etílico e lúdico. Era a prova definitiva
de que a Business continuava a boa e velha Business.
E ainda por cima a banda não estava só. De tudo quanto era canto
afluíam outras bandas doidinhas para agarrar a peteca do Oi!. A
Condemned 84, de Ipswich, liderava a nova leva, que incluía a Section
5, de Stoke, a Vicious Rumours, de Londres, e a Betrayed, da
ensolarada Folkestone.
Por alguns anos, a etiqueta levantou a bandeira das novas bandas Oi!
praticamente sozinha. Ficou logo conhecida por promover a música punk
e skin conjuntamente (não apenas em sua série de álbuns "split"
SKINS'N'PUNKS) e também por suas capas muito pouco criativas em
matéria de design. Nenhuma trazia fotos. Mas era essa a Oi! Records,
bem garagística. Nada de contrato, nada de releases pra imprensa, e
naturalmente nada de repercussão. Com Roddy era assim: se na hora do
expediente a TV começava a exibir seu programa favorito, ele
simplesmente desligava o telefone mais depressinha do que você cata
uma nota de dez libras do chão. [4]
Ali por 1987, uma outra etiqueta de rua viria dar à Oi! Records um bom
motivo pra se preocupar com a concorrência. O baixista da Business, um
tal de Mark Brennan, e o velho empresário da banda, Lol Pryor, partiam
pra fundação da Link Records, com a primeira coletânea Oi! (exceto a
antologia organizada por Roddy, "THIS IS OI!") desde aquela que saíra
pela Syndicate, "THE OI! OF SEX". O nome já dizia tudo: "OI! THE
RESURRECTION". Aquilo era o arauto da chegada duma verdadeira
gravadora rueira, que se especializaria em lançar som punk,
psychobilly, ska e, lógico, Oi!, e que sobreviveria ao fim da Oi!
Records de Roddy, em 1990.
"Me contaram que as garotas skins têm um visual bem mais apurado que o
das modettes. Quem me disse foi um casal de mods apuradíssimos que eu
conheci num rally mod." (Mandy Jarman, skingirl de Walsall)
Naquela noite, 1.500 pessoas lotaram a casa para ouvir e ver Vicious
Rumours, Section 5, Condemned 84, os prodigiosos holandeses da
Magnificent, um pacote-surpresa chamado The Oi! Allstars, mais a
Business e os Upstarts. Centenas de fãs sem ingresso foram barrados, e
até o grande Judge Dread compareceu para fazer as honras de
apresentador das bandas e ainda aproveitou pra cantar alguns de seus
"hinos" tribais.
Com ou sem treta, o Oi! continuará existindo por muitos anos, disso
não há dúvida. Mas que tenha o brilho e a glória de 81 é coisa pra
esperar pra ver. Com certeza, nenhuma das bandas mais recentes
contribuiu com algum clássico que rivalizasse com os da Sham, dos 4-
Skins, ou de qualquer dos velhos grupos punks rueiros, e enquanto isso
não ocorrer elas não serão mais que meras continuadoras do movimento.
Os ossos do ofício duma banda Oi! são tais, que muitas acabam se
dispersando em direção a outros gêneros. A banda The Burial é uma que,
vinda duma terra conhecida como fértil em rock e esterco chamada
Scarborough, entrou com duas faixas no LP "THE OI! OF SEX", sendo uma
de Oi! e outra crossover no ska. Um experimentalismo que teve
seqüência e resultou num volátil coquetel de punk e soul não muito
distante duma mistura de Redskins com Madness. O tipo de música que
seria mais de esperar dalguma gravadora tipo Go Discs, Zarjazz, ou
mesmo da etiqueta Respond de Paul Weller, isso se algum destes nomes
tivesse colhão e sensibilidade para contratar tal som.
"Meu melhor momento como skinhead rolou numa festa muito boa. Só que
eu tava muito grogue pra lembrar direito que foi que rolou." (Oliver
Bauer, skinhead de Nuremberg)
1987 foi um ano que testemunhou algo como uma terceira onda de ska.
Revival é uma palavra muito infeliz, pois sempre existe quem mantenha
o ska vivinho da silva, mas pode-se falar com propriedade num revival
de destinos e fatalidades.
A Oi! Records vinha preparada pra lançar sua subsidiária Ska Records,
que resultaria num canal para bandas americanas de ska tipo The
Toasters, Bim Skala Bim e The N.Y. Citizens. A Link também tinha sua
etiqueta Skank na capa de discos reservados a algumas das melhores
bandas do ska britânico, a exemplo dos Loafers, dos Hotknives e dos
Riffs. Mesmo uma etiqueta mod como a Unicorn virou quase que
totalmente ska, projetando principalmente som europeu no feitio dos
Busters (da Alemanha) e do Spy Eye (da Itália), antes de chamar
talentos tipo Laurel Aitken e Derrick Morgan.
Sim, mais uma vez os velhinhos estavam de volta pra mostrar pra
meninada como é que se fazia. Até Prince Buster apareceu de surpresa
no primeiro (e melhor) International Ska Festival em Londres, no
conceituado The Sir George Robey. Afinal, ficava no Finsbury Park. E
depois do fiasco do Main Event, Judge Dread também fez seu bem-vindo
retorno ao palco.
"Eu não gosto de skinheads vindo nas minhas gigs. Eu adoro skinheads
vindo às minhas gigs." (Laurel Aitken)
"O skinhead tá no sangue que corre nas suas veias, no ar que você
respira, é simplesmente um meio de vida." (Simone Carline, skingirl de
Worcester)
Podia parecer estranho, mas era algo mais realista do que imaginar
algum punk estudante abrindo uma conta bancária. Skinheads
aconselhando você a ler THE GUARDIAN ou a comprar secadores de cabelo
era uma imagem televisiva bem distante da vida nas ruas, mas enfim...
De qualquer forma, era pouco provável que tais campanhas fossem
imitadas pelo resto da Europa, onde as pessoas guardavam uma impressão
bem mais estereotipada e negativa do skinhead.
Tudo indica que o movimento skinhead estará vivo e ativo entrando pelo
século vinte e um. Nem todo mundo se alegra com a hipótese, mas é bom
que ela contrarie os políticos, os cientistas sociais e os doutores da
imprensa que estão sempre de plantão pra diagnosticar o certo e o
errado, o "problema" e a "solução". Que cada um faça seu prognóstico,
mas há uma coisa que a fraternidade do cabelo raspado, a confraria dos
pés botinudos não deve esquecer nunca.
///
[notas/boxes ao capítulo 7]
[1] "Rockin' for race & nation" é um dos slogans que virou título de
canção, no caso uma da banda Brutal Attack. (NT)
"Muitos dos que se dizem skinheads são só punks carecas. Skins não têm
nada a ver com a cabeça careca, a cheiração de cola e botas Doc Marten
de 18 ilhoses." (Ian, no zine HARD AS NAILS)
O HARD AS NAILS foi criado por uma pequena turma de skins de Canvey
Island, no Essex, que viviam de saco cheio com a Last Resort e com o
estereótipo de skinhead difundido por tablóides como THE SUN. Os caras
queriam voltar aos bons tempos da roupa típica do skin, do estilo de
vida suburbano e proletário, e da boa música. Claro que os tempos eram
outros, particularmente em termos do que os skins entendiam por "boa
música", de maneiras que bandas como The Oppressed, The Burial e Red
London eram tão bem-vindas às páginas do zine quanto velhos ídolos
tipo Desmond Dekker.
Havia inclusive espaço para info tipo nova coletânea Oi! que levaria o
título de OI! TIGHTEN UP, com possível inclusão das bandas Condemned
84, Allegiance To No One, Winston and The Churchills, The Burial e
outras, mas o disco acabou não saindo e o HARD AS NAILS também parou
de sair e acabou logo depois.
[4] Roddy Moreno tem tido sua importância subestimada, não digo pelo
autor deste livro, mas principalmente pelos skins WP, que o odeiam e
ofendem sistematicamente em seus skinzines, em parte por causa do
logotipo do movimento SHARP nos discos de sua gravadora (cujas bandas
são antinazistas), em parte porque se esquecem (ou ignoram) que a
banda Oppressed foi a legítima sucessora dos 4-Skins em relação ao
movimento Oi!, já que o LP "OI! OI! MUSIC" da Oppressed saiu no mesmo
ano (1984) em que os rapazes de Hoxton Tom se despediam. Roddy foi
fera no vocal e nas letras, que retomavam toda a temática skinhead
mais original, desde o reggae primitivo (cover de "Skinhead girl" do
Symarip) até a ultraviolência do filme LARANJA MECÂNICA, passando
pelos livrinhos de bolso de Richard Allen (na canção "Joe Hawkins").
As canções do LP "OI! OI! MUSIC" (Jungle Records) reapareceram no LP
"DEAD AND BURIED", já sob o selo da Oi! Records. (NT)
[6] TUPINISKIN
O autor não chega a cometer uma injustiça com os brasileiros deixando
de citar o país como um dos terrenos férteis para o movimento skin e
pro Oi!. Na verdade, o Brasil assimilou o skinhead em grande proporção
pela via musical, mas, devido ao baixo nível de instrução e
informação, não houve comunicação nem intercâmbio com as "matrizes"
(Inglaterra e States), pois os principais fanzines estão em inglês e
pouquíssimos carecas dominam sequer o português. Acresce que, ao
contrário das demais tribos, o skinhead não tem cobertura favorável da
grande imprensa e é ignorado como público-alvo pela imprensa musical e
esportiva, razão pela qual os carecas brasileiros ficaram ilhados em
relação aos skins de fora.
O tempo passa
E tudo modifica
Inventam moda
E nada nos transforma
Somos consciente
Que o mundo é decadente
E também bem forte
Skin até a morte
Mas tudo isso passa para um plano secundário quando verificamos que,
não só no visual mas nas preferências sonoras e até esportivas (há WPs
e carecas nas torcidas uniformizadas mais fanáticas do futebol
paulista, como a palmeirense Mancha Verde, a corinthiana Gaviões da
Fiel e a são-paulina Independente), todos comungam os mesmos valores,
ou seja, raça, no sentido da garra, não da cor da pele.
[7] Esta é pra fundir a cuca dos desavisados que, dentro ou fora do
movimento, ignoravam que este comportaria uma posição libertária a tal
ponto. A banda escocesa Oi Polloi, que dividiu um LP split com a
Betrayed (o vol. 2 da série SKINS'N'PUNKS da gravadora Oi! Records), e
teve seu LP "UNITE AND WIN" lançado pela mesma etiqueta, não só
incorporou o espírito "confraternizacionista" da Sham 69 ("Unite and
win" era também uma canção-slogan da Sham, que pregava a união das
tribos) e a causa anti-nazi dos Upstarts, como deu um passo além: seu
mais recente CD (1992), intitulado "TOTAL ANARCHOI", reúne material de
estúdio e ao vivo que, além dos temas habituais (anti-armamentismo em
"Nuclear waste", anti-imperialismo em "Americans out" e antinazismo em
"Nazi scum"), assume posições muito avançadas em relação às demais
bandas Oi!. Os lucros do CD (tiragem limitada de mil cópias) são
parcialmente doados à Liga Antinazista e também ao Greenpeace, numa
clara atitude ecológica. Mas a postura mais corajosa está na canção
"When two men kiss" (considerada por eles das mais importantes do
repertório), que combate a homofobia e a perseguição aos gays por
parte dos direitistas. A letra vale a transcrição:
WHEN TWO MEN KISS
QUANDO DOIS HOMENS SE BEIJAM
///
DISCOGRAFIA DA CONDEMNED 84
SINGLES:
ÁLBUNS:
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Ao lado da Oi! Records, Roddy Moreno dirigiu também a Ska Records, que
lançou principalmente ska americano, inclusive quatro volumes da série
de coletâneas SKAVILLE USA.
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DISCOGRAFIA DA POTATO 5
SINGLES:
ÁLBUNS:
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Capítulo Oito
A-Z DO VESTUÁRIO SKIN (E OUTROS SÍMBOLOS)
ABERCROMBIE - V. CROMBIE
BATISMO - V. SANGRAMENTO
CADARÇOS - A cor dos cordões da bota é assunto pra mais discussão que
um juiz de futebol cego. O problema é que cores diferentes significam
coisas diferentes. Branco pode ser NF numa cidade, mas representa
anarquia na outra. Em Montreal, amarelo quer dizer apoio ao assassino
de tiras. O que complica as coisas é que sempre tem um sabidinho que
conhece tudo e "dita" os significados.
CROMBIE - Seja lá o que for que você leu ou ouviu por aí, os crombies
(capotes usados como sobretudo) não são traje típico dos suedeheads
pós-1970. Eles têm sido marca registrada dos gangsters desde décadas,
e foram aprovados & aproveitados pelos skinheads desde 1968. Confira
no filme de 69, BRONCO BULLFROG se você e seus amigos duvidarem. O que
variava era o feitio. Os genuínos da marca Abercrombie (origem do nome
abreviado) eram mais curtos, mas havia muitas imitações, sempre com
forro de cetim vermelho. Mesmo estas tinham eventualmente sua
qualidade. O importante era o peso do casaco e um bolso superior do
lado esquerdo onde você pudesse pendurar o lenço. Gola aveludada era
um toque que valorizava.
DOCTOR MARTEN - Também chamadas Docs ou DMs, são a mais famosa marca
de botas e sapatos, graças ao solado tipo "airwair" (aerado) inventado
pelo bom "doutor" austríaco (na verdade, nem doutor e nem austríaco,
mas um soldado de Luxemburgo que quebrara o pé na Segunda Guerra e
resolvera fazer uma sola mais macia pra sua bota, dividindo a idéia
com um amigo, Klaus Maertens, que o ajudou a produzir em série). Muito
confortáveis, daí vem sua popularidade.
FRED PERRY - Linha de roupa pra tênis, que leva o nome do maior
tenista da Grã-Bretanha. A camisa polo de manga curta foi popular
entre os mods nos anos 60, e hoje é peça comum do vestuário skin.
Originalmente de quatro botões, depois três, e atualmente só de dois e
em material mais leve. A variação de cores já foi amena, mas muito
elegante graças ao rolotê da gola e das mangas. Hoje é disponível em
52 tonalidades pavorosas, numa lamentável tentativa de competir com a
Benetton. Já se foram os dias em que os anúncios diziam "Camisas marca
Fred. Não precisa dizer mais nada." Outras linhas da famosa grife,
como cardigans, blusões e jaquetas tipo Harrington também são
populares.
HARRY FENTON - Famoso alfaiate dos anos 60, que confeccionava uma
camisa bem elegante pro gosto skin, especialmente em tartã.
HAVING A LAUGH AND HAVING A SAY (Tirar um sarro mas ter algo a dizer)
- Um dos lemas do movimento Oi!. A expressão "Having a laugh" é
anterior ao movimento, e servia de pretexto automático, tipo resposta
de algibeira, para retrucar às perguntas cretinas e acusações caretas
dirigidas aos skins. Algo assim: "Que é que vocês foram fazer numa
butique de shopping center?" "Só tirar um sarro..." Posteriormente
virou até nome duma gravadora independente italiana, ligada à banda
Klasse Kriminale.
LUVAS - Estava mais por dentro quem usava as que deixam os dedos de
fora. Fora disso, só as de boxe, dentro do ringue, claro.
NOBODY LIKES US, WE DON'T CARE (Ninguém gosta da gente, mas não
estamos nem aí) - Espécie de frase proverbial que exprime a verdadeira
dimensão do movimento skinhead: independência e indiferença, quer isso
agrade ou não à sociedade, que tenta reprimir os skins, ou às
correntes políticas (de esquerda ou direita), que tentam cooptá-los.
NO MESS, NO FUSS, JUST PURE IMPACT: THE LAST RESORT (Nem confa, nem
bronca, só puro impacto: o último recurso) - Palavra-de-ordem da banda
Last Resort, justificando a violência em vez do protesto infrutífero.
A expressão foi muito reutilizada dentro do movimento, e inspirou o
título dum dos mais importantes skinzines, o belga PURE IMPACT.
ÓCULOS - A menos que você seja míope ou caolho (como Roi Pearce, dos
4-Skins, ou o tradutor deste livro), o uso de óculos não é
aconselhável para os skins que vivem às voltas com treta. Como item de
estilo, os óculos escuros de haste larga fazem parte do visual dos
rude boys até mesmo à noite. Fora disso, os do tipo raibã de aviador,
de haste fina, também andaram em moda.
PENTES - Não têm muita utilidade quando você raspou o cabelo. Mas em
69 alguém com cabelo suficientemente longo pra ser penteado podia ser
um skinhead. Pentes de aço eram bem cotados, de qualquer modo, não só
pela finalidade básica, mas também porque poderiam servir de arma bem
portátil e enrustível. Guardá-lo no bolso de trás era uma boa maneira
de mostrar aos outros que você tinha um.
POLIMENTO - Os skinheads não primam por ser polidos ou por serem bons
de saliva. Eu arriscaria dizer que ninguém gosta de engraxar sapato,
mas conheço algumas pessoas que precisavam muito trabalhar nesse ramo.
É claro que, se você se orgulha de sua aparência, não vai sair sem dar
uma lustrada nas suas botas ou sapatos, mesmo que dali a pouco eles
sejam pisados numa gig ou tenham que se sujar esfregando a cara dalgum
filhadaputa.
TANKTOP - Blusão sem manga, popular no começo dos anos 70. Geralmente
com padronagens, algumas de péssimo gosto. O suspensório era usado por
cima.
VELUDO COTELÊ - Por esta você não esperava! Pois é, jaquetas e calças
da Levi's, da Lee e da Wrangler nesse tecido (que os ingleses chamam
de "corduroy") eram "o fino" no começo dos anos 70.
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She don't care what the others do, don't care what they say
Ela não tá nem aí pro que os outros fazem ou falam
She's the vagabond of these streets, that's the way she lives today
Ela é rueira mesmo, é assim que ela vive
No one can twist her mind, she just wanna make love with her life
Ninguém muda a cabeça dela, ela só quer transar com sua própria vida
When she comes through the night I know, she's the girl I've been
[waiting for
Quando ela pinta na noite, sei que é a garota que sempre esperei
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Music is sweet,
A música é doce,
Come and join the beat.
Venha e entre no ritmo.
Music is nice,
A música é legal,
It makes you feel alright.
Ela faz você se sentir bem.
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[8] PULLING ON THE BOOTS [do filme ROMPER STOMPER, de Geoffrey Wright]
When the coppers see us, at first they pull the gun,
Quando os tiras nos avistam, vão logo sacando as armas,
But when they see us come towards, then they start to run!
Mas quando vêem que a gente avança, eles saem correndo!
When we wear our badges it make us feel proud!
Quando usamos nossos símbolos, nos sentimos orgulhosos!
Skinhead, skinhead, shout it out loud!
Skinhead, skinhead, grite isso bem alto!
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[9] SKINHEADS [Condemned 84]
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Hear that cry throughout the streets? We know just what it means
Tá ouvindo aquele grito pelas ruas? Sabemos bem o que significa
And even to the ignorant, it ain't what it seems
Até quem tá por fora não se ilude com isso
From every scene and fashion, the kids from all around
De tudo quanto é cena ou moda a molecada vem chegando
They all come and join the fun because they know that sound
Todos vêm se juntando porque sacam esse som
They will try to ignore us, but we won't let them win
Eles vão nos menosprezar, mas não deixaremos que vençam
The wankers try to put us down, but we will smash them in
Os imbecis querem nos derrubar, mas vamos rechaçá-los
Because we all say that they are full of shit
Porque todos dizemos que eles não estão com nada
And we're running down the backstreet! (Oi! Oi! Oi!)
E vamos tomar conta das quebradas!
And we're running and we're free! (Oi! Oi! Oi!)
E vamos em frente, que somos livres!
Because we all know that that's the sound of the streets
Porque sabemos todos que esse é que é o som da rua
And we're running down the backstreet! (Oi! Oi! Oi!)
E vamos tomar conta das quebradas!
We got our Martens on our feet! (Oi! Oi! Oi!)
Estamos de bota no pé!
And you're all running down the backstreet with me
E vocês todos vêm pras quebradas comigo
The kids they come from everywhere, the East End's all around
Os moleques vêm de todo canto, a Zona Leste tá por todo lado
Because they all know just what it means when they hear that sound
Porque todos sacam bem quando escutam esse som
Do you know what to do when you hear the call?
Sabe o que fazer quando você ouve o chamado?
Put your boots and Harrington and kick down that fuckin' wall
Calçar botas e jaqueta e meter o pé na parede
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Who is he then?
Então, quem é ele?
He's the king, (the) king of the skins
Ele é o rei dos skins
What's his name? Joe Hawkins!
Qual o nome dele? Joe Hawkins!
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[sumário de canções]
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