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Zenji
A VIRGEM
E A MULHER DE PEDRA
R Y O TA N T O K U D A
SUMÁRIO
Glossário....................................................................71
Este livro é uma coletânea de oito palestras proferidas pelo Mestre Zen
Ryotan Tokuda no Instituto Kamalashila, Centro de Budismo Tibetano, (próximo à
cidade de Bönn, Alemanha) durante o Sesshin (retiro de meditação) do Inverno de
1989.
1. A noite e o silêncio
Meister Eckhart diz: “Eu tomei primeiramente esta citação dos Evangelhos
em Latim, e significa o seguinte: ‘Nosso Senhor Jesus Cristo foi a uma cidadela
fortificada e ali foi recebido por uma virgem, que era mulher’.”
Esta história consta no Evangelho de São Lucas- cap. 10, vers.38. Mas a
palavra virgem não aparece no Evangelho. Meister Eckhart colocou sua própria
idéia na interpretação. Muitas vezes é assim, ele muda as palavras e as usa
livremente para dar seu esclarecimento. Ele põe muito peso nas palavras, cujo
significado ele muda, por assim dizer, para sua própria compreensão.
É interessante notar que Mestre Dogen também assim procedia com relação a
Sutras e Koans e os interpretava totalmente diferente. Importante é em todo caso,
tocar a origem, as bases dos dois grandes mestres, a partir das quais eles proferiram
as suas palavras.
Meister Eckhart diz que, aquela que recepcionou Jesus, era uma virgem e ao
mesmo tempo uma senhora ou uma mulher. Este é um paradoxo: como podemos ser
virgem e mulher ao mesmo tempo?
Tanto a virgem como a mulher de pedra, ambas não podem ganhar uma
criança, mas à noite elas podem ter uma criança. Por quê?
Neste Sesshin eu gostaria de falar sobre esta citada noite. A mulher de pedra
significa a verdade e a criança significa todas as coisas deste mundo. Ambos, mãe e
filho, no mundo absoluto, de pronto tornam-se um. Uma mulher de pedra dá a luz a
uma criança à noite.
Meister Eckhart não fala em noite, ele apenas diz que uma virgem, que era
mulher, recebeu Jesus.
Importante é que a mente não fique sentada como um gato amarrado numa
pensão de animais, que todo infeliz estica o pescoço para fora da coleira, mas não
consegue sair. Vocês devem procurar se concentrar no ponto central do corpo e
deixar todas as idéias e pensamentos entrar com a expiração neste ponto, e
conservar a concentração neste ponto e cuidar do tempo. E este é então o sagrado
silêncio. E o silêncio é então como o cachorro preto, que corre numa noite escura.
Após este silêncio podemos nos aprofundar ainda mais e alcançarmos então uma
forma de felicidade, e tornarmos Sunya (o vazio), a base de nossa inteira existência.
O sagrado silêncio é por assim dizer a primeira verdadeira experiência do Zazen.
Mestre Hakuin disse: “Na noite escura quando ouvimos a voz do corvo
que não canta, temos saudades de nossos pais antes que tivéssemos nascido.”
Meister Eckhart diz aqui que virgem significa pureza. Jesus é muito puro. E
aquele que quiser receber Jesus precisa ser muito puro. E por isso é dito que
precisamos ser virgens, porque pureza atrai pureza. Somente uma pessoa muito pura
pode receber Jesus Cristo. Este é o primeiro significado. Na Bíblia muitas vezes
acontece que Jesus foi recebido por alguém, quando ele chegava a uma cidade.
Meister Eckhart todavia interpreta este acontecimento mais espiritualmente. A
cidade na qual Jesus foi recebido por alguém é interpretada pelo Meister Eckhart
como a alma. Se nós estivermos preparados para isso, então podemos recepcionar
Jesus em nossa alma, nosso espírito. Como podemos preparar a nossa alma para que
ela possa receber Jesus? Isto aponta para a noite, precisa acontecer durante a noite.
São João da Cruz cita muitos tipos de noites na “Subida do Monte Carmelo” e
“Noite Escura”. A “Subida do Monte Carmelo” tem três partes: a primeira parte
trata da purificação de todos tipos de desejos ligados com sentidos. Por isto se
chama “noite dos sentidos”. A segunda e terceira partes tratam “a noite do espírito”
como a noite do intelecto, a noite das memórias e a noite da vontade. Passar através
de muitos tipos de noite significa o processo de purificação para preparar a completa
união mística com Deus. Quando a alma aproxima-se de Deus ela mergulha dentro
da “escuridão de Deus”, que é a moradia de Deus. Assim, a “noite escura” é uma
experiência de alma de absoluta transcendência de Deus. Aqui também lembra
“escuridão de Deus” de Gregório de Nyssa originada com Filão de Alexandria e
passando por Gregório de Nyssa e que foi transmitida até Dionísio Areopagita. Mas
hoje não vamos entrar dentro deste assunto. Deixa para outra ocasião.
No Zazengi diz o Mestre Dogen: “Não pensem nem no bem nem no mal;
não lidem nem com o correto nem com o errado. Detenham as ondas da mente,
intelecto e consciência; parem os cálculos do pensamento, idéias e percepções.
Não tentem se tornar um Buda através de sentar em meditação.” Significa que
ficamos totalmente pobres, não possuímos mais nada e nos tornamos o próprio
vazio. Quando não temos nada, temos o vazio Sunya. Neste mesmo momento
estamos livres de todo tipo de imagem e concepções. Então somos puros, no estado
como estávamos antes de nascer. Neste momento podemos ouvir a voz do corvo, sem
cantar.
2. Subiu na Montanha
Meister Eckhart disse: “Nós lemos no evangelho que Nosso Senhor evitou
a multidão e subiu a montanha. Então ele abriu sua boca e os ensinou sobre o
reino de Deus.”(Mat. 5:1) Aqui é dito que ele deixou o rebanho, o qual significa a
diversidade e subiu a montanha: Por que vocês estão agora aqui, por que vocês não
estão na cidade? Vocês se separaram de seus pais, amigos e conhecidos e vieram
sozinhos para cá, aqui está a montanha. O instituto Kamalashila é a montanha. E
vocês subiram a montanha.
Vocês já ouviram a voz de Deus? Talvez agora ainda não, mas talvez hoje à
noite. Nós precisamos ainda um pouco de tempo para nos prepararmos, isto significa
um processo. Primeiro nós precisamos nos preparar, isto quer dizer que nós
precisamos cortar todas as nossas relações exteriores. Segundo - nós precisamos
preparar o nosso ambiente. O ambiente aqui é muito bom. Isto aqui é um perfeito
centro de meditação. Porém isto ainda não é o bastante. O problema somos nós
próprios. Algumas vezes temos o verdadeiro silêncio a nossa volta, e então o
silêncio é tão barulhento, que não conseguimos dormir à noite, assim chegamos a
ter saudade dos ruídos e barulhos da cidade grande.
“Moisés foi para dentro de uma nuvem e subindo na montanha ali ele
encontrou a Deus e na escuridão ele achou a verdadeira luz.” (Ex. 20:21)
Moisés subiu na montanha e entrou na nuvem. Lá ele enxergou nada, mas nesta
escuridão ele achou a verdadeira luz. Subindo a montanha ele achou Deus. E assim
nós precisamos subir a montanha. Eu disse que o Instituto Kamalashila é uma
montanha e aqui nós precisamos subir a montanha e aqui precisamos ouvir a voz de
Deus e aqui achar a Deus. Para nós, achar Deus significa achar a nós próprios.
Achar-se a si próprios. Seu verdadeiro Eu, que existia antes de nascer. Nós nos
lembramos de um Koan do sexto Patriarca. “Quando não pensamos nem no bem e
nem no mal, qual é então a nossa face original?” Quando nascemos nós já temos
o pecado original. Nós já somos maculados, por isso precisamos voltar à origem,
antes do tempo, quando nasceram nosso pai e mãe. Este estado se chama corpo de
Buda cósmico. Para isso precisamos de prática, naturalmente também compreensão
e teoria. Mas isto não é ainda suficiente, por isso não devemos somente mudar corpo
e espírito, mas sim nosso subconsciente, o campo desconhecido. Neste campo
desconhecido temos muitos tipos de Karma em estoque.
No Sansuikyo Mestre Dogen diz que há quatro tipos de água. Para nós,água é
água, desde que possamos bebê-la. Para os pobres demônios famintos ela não é
potável. Para eles água é pus com sangue e fezes. Para os peixes a água é como um
palácio, e o lar, o espaço vital. Se dissermos para o peixe: a sua casa flui, então o
peixe diria: “minha casa não flui”. Para anjos e seres celestiais a água é como
espelho ou pedras preciosas brilhantes. Depende pois de nosso estado de
consciência, de que modo nós vemos as coisas. Mesmo que todos estejam vendo a
mesma coisa, cada um tem uma concepção diferente. Por isso devemos nos purificar,
e neste momento nós achamos Deus.
“Ele subiu a montanha. Isto quer dizer que Deus com isto mostra a
sublimidade e doçura de Sua natureza, da qual deve sair fora tudo aquilo que é
criatura”
N o Koan desta manhã constava: Uma mulher de pedra teve uma criança
durante a noite. Mestre Dogen fala a respeito: Isto significa a Iluminação. Eu
verifiquei o que o Meister Eckhart fala da noite e achei muitos materiais a respeito
disto.
Jacó, o Patriarca foi a um certo lugar quando era de noite e tendo pego
algumas pedras que ali se encontravam, as colocou debaixo da cabeça e em
seguida, descansou. (Gen. 28:11).
Aqui é dito que Jacó, o patriarca, chegou a um lugar, quando já era tarde.
Aqui é dito à tarde, mas para mim são tarde e noite, neste caso, com a mesma
significação.
E ele pegou algumas pedras que estavam naquele lugar e as tendo colocado
embaixo da cabeça, descansou. Jacó, o patriarca, chegou a um lugar, talvez este
lugar seja uma montanha. Talvez ele tenha subido uma montanha, e anoiteceu. No
início da noite, ele procurou um lugar para descansar e deitou-se.
Hoje de manhã eu falei que quem quer ouvir a voz de Deus, deve subir a
montanha, e ao mesmo tempo, estar na escuridão da noite. Isto significa,
simplesmente, quietude, paz, descanso, que para nós quer dizer meditação: Zazen.
Mestre Dogen dizia: “Nossa escola não é a escola Zen e também não a escola
Soto-Zen, porém a verdadeira transmissão do Dharma de Buda.”
Todavia, existem hoje mais dois tipos de escolas Zen: Rinzai e Soto. A Escola
Rinzai, nós chamamos Kanna-Zen, que significa praticar com Koans ou com antigos
acontecimentos, que são transmitidos, que foram acrescentados à história do Zen.
Soto nós chamamos de Mokusho-Zen, significa o Zen do silêncio e da luz auto-
resplandescente. Silêncio, escuridão da noite esta é nossa imagem.
No Budismo dirigjimos a atenção para um mundo que parece ser uma casa em
chamas. Todos, em competição, correm uns contra os outros, para ganhar dinheiro e
poder e assim por diante, mas não estamos contentes com esta correria. Quem tem
pouco dinheiro, sente-se triste. Quem juntou dinheiro também não está contente, e
precisa acumular cada vez mais. Possivelmente, qualquer um pode querer ter grande
sucesso nos negócios. Quando consegue, para onde ele segue adiante? Podemos ser
muito feliz com o sucesso, mas no momento seguinte pode-nos esperar um
gigantesco buraco e derrota. No momento da queda, dentro do buraco, levanta-se
uma pergunta: “O que é a vida?” Alguns poucos certamente perguntam a si próprios:
O que é a vida? O que é eterno? O que é absoluto? Este tipo de pessoas iniciam a
procura atrás de uma certeza absoluta, porque tudo passa para o nada. Quando
alguém tem uma grande estima põe dinheiro, ou por sua casa, ou por sua família, ou
por outras coisas, tudo um dia se transformará em nada. Quando falamos assim,
pensam que o Budismo é niilista, mas isso não ocorre na realidade.
O lugar onde Jacó dormia não tinha nome, isto quer dizer que a Essência de
Deus apenas é o lugar da alma, e não tem nome. O lugar onde Jacó dormia não tinha
nome. Dormir significa repousar, e isto que dizer, que a Divindade somente é o lugar
de repouso da alma e não tem nome. O que significa a expressão "a divindade"
(Gothait)? É uma expressão especial usada pelo Meister Eckhart. Talvez ele quisesse
dizer com esta palavra a essência de Deus, mais do que o Deus pessoal, a origem ou
a essência, ou a essência da essência de Deus.
Nós, Budistas, podemos dizer que este lugar é o Nirvana. Este lugar não tem
nome, ele é anônimo. Sem nome, sem ação, paz absoluta. Isto é especificamente o
Zazen.
O lugar onde Jacó dormiu não tinha nome. Meister Eckhart também chamou
este lugar de "deserto". No deserto não há plantas, árvores, nenhuma vida. Praticar
Zazen pode ser comparado com um velho incensário, que está abandonado no velho
templo em ruínas. Este velho incensário ficou muito tempo frio e não foi usado.
Nenhuma vida pode ser reconhecida nele.
Jacó descansou naquele lugar que é sem nome. Não sendo nomeado, é
contudo nomeado. Quando a alma vem a um lugar sem nome, ela acha o seu
descanso. Jacó repousa num lugar, que é anônimo. Exatamente porque ele não tem
nome, ele tem um nome. Seu nome é seu anonimato. Quando a alma chega a este
lugar anônimo, ela acha a paz específica. Esta frase é um pouco peculiar: porque
não damos a este lugar um nome, exatamente por isso o lugar é nomeado. Este fato
corresponde exatamente à Teoria do Prajna Paramita Sutra. No Sutra do diamante é
dito: o homem não é homem, por isso nós o chamamos de homem. A mulher não é
mulher, por este motivo nós a chamamos de mulher.
Eu sou um homem, um homem japonês, porque não sou uma mulher ou por
que não sou um alemão. Este é meu conflito, que eu não seja absoluto, mas só uma
parte deste mundo.
Jacó repousava à beira do lugar que era anônimo, sem nome, e por isso, como
este lugar não era provido de um nome, exatamente por isso ele está nomeado. Isto
significa, eu sou um homem, eu sou um japonês, mas simultaneamente não sou
homem, não sou japonês. Eu não sou um homem, isto significa que precisamos a
absoluta negação ou a dissolução de nosso próprio eu. Eu não sou homem, eu não
sou japonês, eu não sou o Tokuda. Por quê? Eu não tenho nome. Quando chego ao
citado lugar, eu consigo a minha paz. E neste momento eu me torno novamente
Tokuda. Isto é sabedoria, a teoria do Prajna, a negação imediata. Tokuda não é
Tokuda, mas exatamente por isso eu sou o Tokuda.
Este processo da negação é muitas vezes doloroso e duro para nós, mas este é
um processo de purificação, é como a escalada de uma montanha ou como entrar na
escuridão. A isto se chama via negativa. Significa que precisamos morrer. Isto, no
entanto, eu preciso viver para sempre, eternamente.
Neste momento o carro na via expressa saiu de nosso ângulo de visão. Ele não
é mais visível para nós, para onde ele rodou? Nossa vida é assim. Como uma espuma
saindo da água. Como fumaça ou como uma estrela cadente, que se apaga no céu
num instante.
Nós somos muito orgulhosos de nossas ciências, mas este ponto não levamos
em consideração. Quando uma vez negamos nossos próprios egos, então podemos
renascer como um novo ser. Isto nós chamamos assim: antes de principiarmos nossa
prática de Zen, a montanha é montanha e a água é água. Mas quando iniciamos
com a prática Zen, a montanha não é mais a montanha e a água não é mais a
água. E eu não sou mais o Tokuda. Onde eu posso achar a mim mesmo? Começamos
a procurar ansiosamente e no fim precisamos de paz ou repouso.
Ele disse: “Em um lugar”. Ele porém não o nomeia. Este lugar é Deus. Deus
não tem nome próprio e é um lugar e é uma designação de todas as coisas e é o lugar
natural de todas as criaturas.
O lugar é Deus, mas neste lugar Deus não tem nome. Quando nós chegamos a
este lugar, então podemos descansar e dormir em paz. Enquanto nós permanecermos
na dualidade, não conseguiremos achar paz, nunca. Eu sou um homem, você é uma
mulher. Eu sou japonês e vocês são alemães ou franceses. Enquanto permanecermos
neste impasse, não conseguimos nos achar e reconhecer.
Ele disse “A um lugar”, mas ele não cita o nome do lugar. Este lugar é Deus.
Deus é o começo de nós próprios, e quando retornamos para este começo, então
poderemos achar paz. O início é o fim ou o último, igual a Alfa e Ômega. Quando
acharmos Alfa e Ômega, então encontramos a eternidade, e isto significa Paz e
Descanso.
É por isso que precisamos adentrar o espaço que jaz antes do nascimento de
nossos pais. Ali, onde todas as coisas estiverem sendo Deus em Deus, é que ela
descansa. Aquele lugar da alma que é Deus, é sem nome. Deus é não falado.
Impronunciável por meio de palavras, não é descritível e é inexprimível. Esta é uma
característica da experiência dos místicos, da pura experiência original. Lá não há
nenhuma palavra, nenhum nome, é não-pronunciado e não-pronunciável. Esta pura
experiência está ligada à grande bem-aventurança, que não é a felicidade deste
mundo.
Naquele lugar a alma vai descansar, na parte mais elevada e mais interna
daquele lugar. E no mesmo chão, onde Ele tem o Seu próprio descanso, nós também
teremos o nosso descanso e o possuímos com Ele.
O mais elevado e íntimo lugar, é neste sentido que aponta a prática do Zen.
Para aquele lugar não podemos ir acompanhados de outros, para aquele lugar
precisamos ir sozinhos.
Uma outra expressão para isto é simplesmente só uma coisa, só uma, nenhuma
dualidade mais, só existe tudo uno, Deus e o mundo são duas coisas diferentes,
porque o mundo e Deus são nomes. Quando porém não existirem mais nomes,
também não mais existirão coisas diferentes.
Na própria divindade só existe um. Quando Deus criou este mundo, todas as
criaturas o chamaram Deus. E algumas pessoas loucas querem saber o que Deus
fazia antes de ter criado o mundo.
Estas pessoas não compreendem o que falamos aqui. Divindade para o Meister
Eckhart e Nirvana, Buda ou Tathata (ser, assim) designam o mesmo lugar. Quando
falamos sobre o lugar, então não falamos sobre Ele, porém é antes uma negação do
mesmo, o que Ele é, porque ninguém pode falar Dele de uma maneira apropriada.
Tão logo abrimos nossa boca e falamos, nós nos perdemos.
Quando alguém pergunta: “O que você faz propriamente no Zazen?” Para esta
pergunta nós temos um famoso Koan: quando sentamos como uma montanha, o que
pensamos então? Então pensamos sobre aquilo, sobre o que não podemos pensar.
Como podemos pensar sobre aquilo, que não podemos pensar? A esta pergunta
responde Mestre Dogen com Hishiryo. Shiryo significa pensar. Fushiryo significa
não pensar, e Hishiryo significa pensar sobre os dois. Pensar com não pensar.
Este estado nós mesmos precisamos trilhar e perceber em nós próprios. Por
este motivo, nós estamos todos aqui.
Este lugar é indizível e ninguém pode expressar uma palavra apropriada sobre
ele.
A VIRGEM E A MULHER DE PEDRA- A LUZ E A ESCURIDÃO
Terceira Palestra
No Sutra consta que, neste instante, o Deus Brahma apareceu e lhe pediu que
ensinasse o Dharma, porque talvez existissem pessoas que poderiam entendê-lo.
Num outro Sutra consta que um demônio apareceu, e ele disse ao Buda: “Oh!
Gautama, permaneça no silêncio e retiro, porque isto é nobre”. Estas duas vozes
levantaram-se, e eu penso que seja uma descrição do conflito dentro da alma de
Gautama Buda.
Durante uma meditação, Buda viu um lago, que estava coberto com muitas
flores de lótus. Algumas flores ainda estavam submersas na água, outras estavam na
superfície, e mais outras já estavam florescendo acima da superfície da água. Isto
significa que nós já temos, dentro de nós, a natureza-Buda.
Sarnath é o lugar onde Buda fez seu primeiro sermão espontaneamente. Este
lugar é, sob alguns aspectos, muito importante para a vida de Buda. O que foi
transmitido no primeiro sermão, nós a chamamos o Sermão da Luz Radiante. Buda já
estava diferente na radiação. Um dia, quando Buda praticava Kinhin vieram dois
negociantes e queriam falar com ele. Quando eles o viram na floresta caminhando
Kinhin, eles ficaram tão emocionados, que se curvaram e se prostraram diante dele.
Quando a cabeça deles tocou o solo, ambos alcançaram um estado. Nós chamamos
este acontecimento de “o Kinhin do Buda”, o caminhar devagar do Buda. Cada
movimento do Buda é um sermão.
Numa citação consta que São João diz: “A luz brilhou na escuridão, veio a
si mesma e tantos quantos a receberam se tornaram com toda autoridade filhos de
Deus; a estes foi-lhes dado o poder de se tornarem como filhos de Deus”. (João
1;5, 11-12). A eles foi dado força para se tornarem filhos de Deus. Este é o primeiro
capítulo, versículo cinco, do Evangelho de São João. Esta parte é difícil de entender,
porque expressa a experiência mística de São João. No primeiro trecho é falado da
luz e da escuridão. Na escuridão brilha a luz. Esta é a pura, mística original
experiência da vida religiosa. No segundo trecho, eles se tornaram filhos de Deus.
No Shobogenzo de Mestre Dogen há um capítulo, onde se diz: “ Só Buda pode
transmitir para Buda.” Transmitir não é atividade de um ser humano, porém uma
atividade do próprio Buda. Quando alcançamos a Iluminação, é ao mesmo tempo
todo o universo iluminado, porque tudo é simplesmente uno. Compreendamos isto,
então não podemos mais matar e nem roubar ninguém. Por quê? Porque só existe
um, não existe mais ninguém que possamos matar, só há um. E também não
podemos mais roubar ninguém, porque só existe um. É como uma espada, que pode
cortar tudo, mas jamais pode cortar a si própria.
Com os olhos é a mesma coisa, nossos olhos podem olhar tudo, mas eles não
podem se olhar a si próprios. Esta é a expressão ou o significado de um. Como pode
o espírito de Buda ser transmitido? Quando ficamos totalmente Unos, podemos em
conjunto transmiti-lo. Mestre para o discípulo, Buda para o patriarca, pai para filho.
Com esta interpretação fica mais fácil compreender Alfa e Ômega. Alfa é o
princípio e Ômega é o fim. Alfa e Ômega juntos significam a eternidade. Quando
alcançamos a eternidade, nós alcançamos a paz e o repouso. Isto é Zazen. Zazen é
como retornar ao lar, onde tiramos os sapatos, o casaco, o terno, a gravata, e todas
as vestes não confortáveis. Nos sentimos novamente livres e leves. Tudo é novo,
fresco e à vontade.
O começo existe por causa do fim, pois no fim último tudo descansa, o que
jamais obteve o ser racional. O fim último do ser a escuridão ou essência da
Essência de Deus oculta, cuja luz ilumina, mas esta escuridão não a compreende.
Tentarei falar do último fim, o que significa esta escuridão, e como poderemos
alcançar paz, descanso e Nirvana. No Budismo chamamos Gautama Siddharta de
Shakyamuni Buda. Shakya indica o nome da família, e Muni significa Homem sábio.
O significado original de Muni é aquele que preserva o silêncio.
Uma outra palavra aqui é muito interessante, a essência de Deus oculta. Existe
a trindade: Pai, o Filho e o Espírito Santo. O Pai é o céu, e não o podemos ver, ele é
oculto e nunca aparece. Mas ele mandou o seu único filho para nós, e ele é Jesus
Cristo.
Uma outra expressão para isto é a palavra. A função da palavra é nos indicar
algo oculto através da palavra. Quando Buda alcançou a Iluminação, ele exclamou:
“Oh! Maravilhoso, toda a existência tem a natureza-Buda”. E ele se levantou e
falou: “Quem tem ouvidos, que ouça meu Dharma”. A essência de Deus, quando
falamos de Deus, nós falamos de duas coisas, criador e criaturas, mas originalmente
não existe o nome de Deus, porém só existe a essência de Deus. A luz brilha na
escuridão, trata-se de uma experiência. Luz pode significar iluminação, mas o que é
propriamente subentendido é a luz da sabedoria, com a qual tudo é entendido com
clareza.
Todos nós temos a natureza-Buda, mas quando não praticamos, ela não tem
condições de se manifestar. E quando não alcançamos a Iluminação, não
conseguimos alcançar a natureza-Buda. É importante impregnar o corpo, a fala e o
espírito com o símbolo de Buda. Então Buda aparecerá através de nosso corpo.
São João diz: Deus é uma verdadeira luz que brilha na escuridão. O que é
esta escuridão?
Em segundo lugar: “Deus é uma luz que brilha na escuridão,” ele é uma luz que nos
cega, isto quer dizer uma luz de tal natureza que não é compreendida. E é sem fim, em outras
palavras, ele não tem um fim em vista e tampouco conhece fim algum. O cegar da alma quer
dizer que ela nada sabe e de nada se encontra ciente.
A terceira escuridão é a melhor de todas e quer dizer que não existe luz
alguma. Um mestre diz que o céu não tem luz, que é por demais elevado para tal:
ele não brilha e ele não tem nem quente nem frio por si mesmo. Assim nesta
escuridão a alma perdeu toda a luz, tendo superado tudo que nós chamamos de calor
e de cor.
Olhando do lado Zen, dizemos que não se deve tentar alcançar nada. Nossa
prática é assim colocada: soltar-se, deixar-se, esquecer-se e no final morrer
totalmente. Este é o significado de não se apegar a nada, não ter mais nada em que
se apegar.
Chegou um monge Zen para um mestre: “Mestre, eu não tenho nada em que
possa me segurar ou apegar. O que posso agora fazer ?” O mestre respondeu:
“Hoge!” que quer dizer: “Jogue fora.” O monge voltou a dizer: “Mas mestre, eu
realmente não tenho mais nada que eu possa ainda jogar fora.” Resposta: “Então vá
carregando isto embora”. Este conceito que não nos prendamos mais a nada, é
novamente uma forma de se prender. Aí reside a dificuldade.
Quando o mestre chama para Dokusan, todos correm. É dado um Koan para o
qual precisamos achar uma resposta. Eu não sabia a resposta, fiquei só sentado no
Zendô. Então apareceram uns monges mais veteranos e me levaram junto, me
catando pelas pernas e braços, como uma trouxa, me obrigando a ir para o Dokusan.
Eu então achei muitas respostas, mas cada resposta era nenhuma resposta. No fim,
tendo juntado todas as respostas possíveis, eu não sabia mais o que dizer. Então o
mestre falou: “Pronto, fale, fale agora.” E eu não tinha mais nada para falar. O
mestre de novo: “Fale, fale”. Nada. Às 9 ou 10 horas fomos para a cama, e o
dirigente saiu para fora. Quando ele fechava as portas corrediças totalmente,
podíamos ficar deitados e dormir. Mas quando ele deixava as portas corrediças
entreabertas, poderia haver mais um Zazen. Todos estavam deitados e olhavam para
a porta e pensavam: “Por favor, feche a porta totalmente.” E quando as portas
ficavam entreabertas, muitas vezes todos tínhamos que sair novamente para mais um
Zazen. Depois de trinta minutos sentados, levantava-se o monge mais veterano e
entrava novamente no dormitório. Depois, a cada cinco minutos e na seqüência de há
quanto tempo se encontravam no Mosteiro, os mais veteranos primeiro, os monges
se levantavam e deitavam para dormir. Nós eramos os principiantes, e havia muitos
monges antes de nós. Cada cinco minutos que passavam pareciam mais que uma
hora de espera. No verão tem mosquitos, não um ou dois porém uma coluna inteira
composta de mosquitos. Quando não havia mais dirigentes por perto, puxávamos as
mangas largas por cima de nossas cabeças. Nisto a escola Soto é diferente. Quando é
hora de dormir, todos vão dormir juntos (ao mesmo tempo). Quando é hora de
levantar, todos levantam na mesma hora. Esta é uma característica do Soto-Zen.
Viver juntos e morrer juntos.
D esde o primeiro dia deste Sesshin eu repeti o mesmo tema sobre silêncio e
escuridão.
Importante é que vocês agora adentrem cada vez mais esta escuridão.
A vida Zen significa unir completamente a nossa qualidade original com nossa
vida no dia-a-dia.
Uma mulher de pedra teve uma criança à noite. Esta parte é uma resposta à
seguinte citação: “Eu me sentarei em silêncio e ouvirei o que Deus me dirá.” Isto
significa que Cristo é nascido na própria alma, no próprio espírito.
Assim é uma virgem que recebe Jesus Cristo e que ao mesmo tempo é uma
mulher, porque ela dá à luz a uma criança. Isto pode parecer um pouco complicado,
mas se vocês realmente entenderem o que acontece, então diversas expressões não
são tão importantes.
Num Sutra é dito que antes de Gautama Buda entrar no Parinirvana, ele
meditou através de todos os céus até o trigésimo terceiro. Esta é uma expressão
diferente, mas parece ser a mesma coisa que o terceiro céu do Meister Eckhart. Lá
nós ouvimos sem haver ruído e vemos sem haver nada de material para ver.
De manhã há em cima das folhas gotículas de orvalho. Este orvalho não tem
cor, é transparente. Representa o vazio, sem cor e transparente, mas quando a gota
estiver em cima de uma flor vermelha ou folha verde, então ela assume a cor da flor
ou da folha. Assim podemos ver todas as cores da gota, mas na realidade a gota de
orvalho não tem cor.
Existe uma teoria da evolução espiritual descrita pelo mestre Tozan Ryokai,
que diz que o primeiro estado espiritual é aquele antes da lua aparecer ao redor da
meia-noite, quando se encontram duas pessoas na escuridão, e essas duas pessoas
não se conhecem entre si. Esta é a primeira experiência Zen, a escuridão. Há um
movimento e um encontro, mas não nos conhecemos entre nós. Isto quer dizer:
tornou-se totalmente uno. Quando todavia entendemos e reconhecemos, então isto é
igual a duas coisas distintas. Esta é a experiência do silêncio da escuridão da noite,
em segredo e no oculto.
A vida de Jesus Cristo foi muita curta, e assim não podemos falar muito dela,
porém os três anos que são contados pela Bíblia foram cheios de energia e atividade.
Com Buda Shakyamuni foram quarenta e cinco anos, nos quais ele trabalhou,
após a Iluminação para os outros sem se abater.
De onde eles conseguiram esta forte energia? Nós precisamos voltar à fonte, à
origem, à fonte do universo. Voltar para a energia do universo, Qi, energia vital
original, universal. Quanto mais gastamos dela e damos para os outros, tanto mais
isto vem para nós. Neste contexto precisamos falar sobre Mahakaruna, sobre a
grande compaixão. “A luz do eterno Pai brilhou eternamente na escuridão, mas a
escuridão não a compreendeu.” Isto significa que a luz brilhou desde sempre, para
sempre e continuamente, na escuridão.
A VIRGEM E A MULHER DE PEDRA - NO MEIO DA NOITE
Quinta Palestra
Eu quero continuar falando sobre a noite. Agora já não é mais noite, porém é
no meio da noite. Escuridão e silêncio predominam, e neste momento desce a
palavra. E esta palavra pertence à razão e chama-se Verbo. E Verbo significa o Filho
de Deus. Portanto deve haver silêncio e uma quietude e o Pai deve falar aqui
mesmo, e dar o nascimento ao Seu Filho e fazer o Seu trabalho livre de todas as
imagens. Quando todas as coisas estão paradas, no silêncio, onde nada e ninguém
fala, então o Pai precisa falar e fazer nascer seu Filho. Nós nos lembramos da
primeira palestra, onde era dito que Cristo chegou a um lugar e foi recebido por uma
virgem, que era mulher. E adiante era dito que uma mulher de pedra deu a luz à noite
a uma criança. Esta mulher de pedra ganhou à noite uma criança.
"A mulher de pedra dá luz a uma criança à noite" e "No meio da noite, o Pai
faz nascer seu Filho" querem dizer exatamente a mesma coisa. Quando tudo fica
calado, o Pai fala a palavra e a palavra desce à terra. E esta palavra é seu Filho Jesus
Cristo. Com esta frase nós fechamos o círculo dessas coisas que estão ligadas.
Para estudar os Koans nós próprios precisamos nos tornar esses Koans. Isto
significa, não pensar sobre os Koans, mas sim nosso corpo e mente tornarem-se o
próprio Koan. Esta é a prática do Koan. Nós a chamamos de Nentei. O Nentei do
Koan. Nentei significa que sovamos uma massa como quando fazemos pão e não só
pensamos sobre o koan com o intelecto. Há um Koan: quando você subiu do mastro
de cem metros de altura, ainda não é suficiente, você precisa dar mais um passo
acima da ponta do mastro onde não tem mais nada, mas mesmo assim é necessário
subir mais um passo. Quando porém damos mais este passo, nós fatalmente cairemos
. Mas nós precisamos subir, dar exatamente mais um passo, isto quer dizer que
precisamos morrer. Quando quisermos a vida, a vida eterna, precisamos morrer uma
vez. Neste caso é assim, mas quando não queremos morrer, e dar este passo além,
então é que ficamos mesmo como um morto.
Eu vou lhes esclarecer o método, de como nos tornamos ricos: subimos numa
árvore muito alta e nos penduremos num galho. Um outro homem está lá embaixo e
nos chama: abra as suas mãos. "Não, se eu o fizer, eu vou cair. Não, nunca". E
seguramos firme. Este é exatamente o método como ficar rico, porque quando
tivermos uma vez dinheiro, não queremos soltá-lo mais. É importante dar um passo a
mais. Então Ele não nos quer mostrar o segredo oculto de sua divindade oculta.
Quando vocês quiserem este segredo ou essência de Deus, vocês precisam dar um
passo a mais. Em outras palavras, precisamos morrer. O ego precisa morrer. Nosso
egocentrismo precisa morrer todo.
Lá Ele repousa consigo próprio e com todas as criaturas. Depois deste pulo,
depois da morte do ego, então nós nos encontramos conosco, por isso falou o sábio:
“No meio da noite quanto todas as coisas estavam em calmo silêncio, foi-me falada
uma palavra oculta. Veio a mim como um ladrão e às escondidas”. (Sap. 18:14-15).
Novamente é no meio da noite, quando todos estavam em repouso e no silêncio. Este
silêncio não se refere só ao silêncio exterior, quando nenhuma voz, nenhum latido de
cachorro, nem pio de pássaro mais se ouvia, e havia paz dentro de nós também. O
mestre Zen às vezes diz: “Ficamos totalmente nus e despidos”. Então foi falado para
mim a palavra oculta. E esta palavra oculta significa Jesus Cristo.
Quando é muito frio o pato entra na água e a galinha sobe na árvore. Agora
temos inverno, e as árvores estão sem folhas. Assim todos falam do inverno e nada é
mantido em segredo.
Esta confiança para Meister Eckhart é a confiança entre Deus, seu filho Jesus
Cristo e o Espírito Santo.
No Budismo temos os três tesouros: Buda, Dharma e Sangha. Cada uma dessas
palavras tem três diferentes significados. O primeiro significado de Buda é o Buda
Shakyamuni histórico, que nasceu em Kapilavastú e morreu com oitenta anos em
Kushinagara. Neste nível o Dharma é a sua doutrina e a Sangha são seus discípulos.
É dito que o Buda tinha dez grandes discípulos e também quinhentos iluminados.
Neste nível o Dharma são os Sutras e a Sangha são todos os budistas e a linha
de transmissão de patriarca para patriarca.
Sangha é o monge e a monja, mas no final Sangha que dizer: vocês são a
Sangha. Só em vocês já está tudo contido: O Buda histórico, as pinturas, o Dharma
e a Sangha. Tudo isso está em vocês, só em vocês, porque a recepção e a
passagem adiante do Dharma, de geração em geração, depende de vocês. Assim tudo
passa simplesmente adiante através de vocês.
“Porque é que ele a chamou de uma palavra, quando ela estava oculta? A
natureza de uma palavra é revelar o que está oculto. Ela se revelou a mim e
brilhou ante a mim me declarando algo e tornando Deus conhecido de mim, e
portanto foi chamada de uma palavra.”
Deus é um Deus oculto, nós não podemos vê-lo diretamente, Como nós
podemos vê-lo? Só através da "palavra" ele se manifesta, e esta palavra é Jesus
Cristo. Deus-pai, onde está o Pai, no céu de nosso espírito, lá não há forma, não há
cor, não há aroma e não há nenhum sabor, nada e assim ele precisa mandar Seu
próprio filho. E esta é a experiência da meia-noite, quando a palavra desce do trono
real.
Meister Eckhart disse que Deus é Uno, e assim são todas coisas do mundo em
Deus. Se vocês podem ver algo em Deus, então este algo, por exemplo, uma mosca,
é mais relevante que um anjo em si próprio. Isto significa que tudo neste
momento se torna radiante através desse ser divino.
Por isso falou assim Buda, quando alcançou a iluminação: “Maravilhoso, toda
a existência, todos os seres vivos tem a natureza-Buda”. Isto é como Mestre Dogen
disse: “Quando não praticamos, a natureza-Buda não se manifesta. Quando nós
mesmos não nos iluminamos, a natureza-Buda não consegue se manifestar”. Zazen
significa dar expressão a Buda em nosso corpo. No Prajna paramita sutra consta que
a forma é o vazio e o vazio é a forma. “Abriu-se e brilhava diante de mim, para
algo se tornar conhecido para mim, para me tornar Deus conhecido.” É o Deus
oculto. A divindade torna-se visível para nós.
“E é contudo o que ficou oculto de mim. E foi assim que ela chegou
sorrateiramente para mim, em uma calma murmurante para se revelar. Veja
bem, justamente porque está oculta é que a pessoa deve sempre persegui-la.
Ela brilha e contudo está oculta.”
"As montanhas são o que são. Não existe vestígio da penetração nas
montanhas."
Um dia um monge entrou nas montanhas para achar um galho de árvore para
fazer um bastão. Ele se perdeu e por acaso encontrou uma choupana, na qual se
achava outro monge. Então ele perguntou ao monge da choupana:
O monge voltou e contou o caso para seu mestre Enkan, que foi irmão de
Dharma do Mestre Daibai. Mestre Enkan pensou: “Possivelmente trata-se do
próprio mestre Daibai, que desapareceu há muito tempo. Pode ser que seja ele.”
Esta história foi contada por Enkan para o Mestre Basô: “Um dos meus discípulos
achou Daibai nas montanhas.” Mestre Basô então pediu ao monge: “Por favor,
volte novamente para Daibai e diga-lhe : ‘Tudo no Budismo mudou. Quando
alguém pergunta o que é Buda, não dizemos mais que a mente é Buda’.”
O monge provavelmente não entendeu nada de tudo isso, mas ficou quieto
porque ele era apenas mensageiro.
Encontrou-o e lhe disse o que o Mestre Basô falou. Após ouvir o monge,
Daibai disse. “Oh, este velho maluco, se ele agora não quer nem a mente e nem o
Buda, então está bem, mas para mim a mente continua sendo o Buda”.
O monge novamente não entendeu nada, mas voltou com as palavras de Daibai
para Basô. Basô ouviu a mensagem e respondeu: “Muito bem, muito bem. A ameixa
ficou completamente madura”. Pois Daibai significa “grande ameixa”.
Vejam, pois, por ser oculto, devemos e precisamos correr atrás dele. Isto
significa para nós, que praticamos Zazen, prática incessante - Gyoji, onde não há
abismo entre o despertar para o espírito da iluminação e a prática, e entre o espírito
da iluminação e a própria iluminação.
Em geral há no Budismo duas teorias. A primeira chama-se em Japonês
Shikakumon, que quer dizer: através da prática chega-se à iluminação. A segunda é
Hongakumon, que significa que desde nossa origem nós já temos a iluminação, por
isso começamos com o treinamento.
“Era noite do dia. Então o nosso Senhor veio aos seus discípulos e se
quedando no meio deles, lhes disse: A paz esteja convosco! Naquele dia a
manhã, o meio dia e a noite ficam juntos e não terminam, mas no dia que é
temporal, a manhã, e o meio dia passam e a noite vai depois. Não é o que
ocorre no dia da alma, ali tudo permanece uma só coisa.
Então ele fala (S.João): “Era noite naquele dia. Este é o dia da alma”. Ele
descreve aqui o processo dentro do desenvolvimento espiritual: primeiro a luz
natural, então a luz angelical e depois meio-dia e depois noite e então meia-noite,
que é a escuridão, que é a luz sem luz. Num dia de manhã, meio-dia e noite se
juntam e não se desunem um do outro, ficam um só. "O divino na alma abre-se
cada vez mais, até que um dia completo se realiza, mas a manhã não foge do meio-
dia, nem o meio-dia foge da noite: fecham-se totalmente num só". Tudo está fechado
em um.
A lua passa por diversas fases: lua cheia, lua nova, lua crescente e lua
minguante, estas quatro fases da lua comparam-se com o despertar do espírito da
iluminação: a prática, o espírito da iluminação, a iluminação e o Nirvana.
Estas quatro fases parecem ser diferentes, mas para nós e para o Mestre
Dogen elas formam uma unidade, um círculo ou um ciclo. Quando despertamos para
o espírito da iluminação, neste instante o despertar já está completado, por isso
começamos com a prática. Esta prática é uma manifestação da iluminação e assim
alcançamos a iluminação (capítulo do Bendowa do Shobogenzo). Muitos tem ilusões,
e quem tem ilusões na iluminação é um ser humano, mas quem ilumina as ilusões é
um Buda. Algumas pessoas acumulam ilusões sobre ilusões, e algumas realizam
iluminação após iluminação.
No meio está a lua cheia e lá a lua crescente e aqui a lua minguante e isto
representa o espírito do Bodhisattva. Aqui está o Bodhisattva, que quer ficar cheio, o
Bodhisattva que quer ficar Buda. E ele estuda mais e mais e aproxima-se assim da
lua cheia do estado de Buda. Isto significa que no momento ele bebe três ou quatro
luas cheias, porque ele ainda não está cheio, por isso ele precisa beber diversas luas,
para ficar cheio. Depois que ele se tornou lua cheia, ele emagrece novamente, e nós
dizemos que ele vomita sete ou oito luas. Este é o segredo do Bodhisattva, de um
lado ele quer ficar cheio, mas ao mesmo tempo ele quer ficar lá, onde ele está, e este
é o paradoxo do Bodhisattva. Outra maneira de falar é ter menos desejos.
Geralmente queremos cada vez mais coisas, e não há fim neste desejo.
Nós estamos agora neste lugar e nesta condição, mas dentro desta condição
estão contidas as três condições restantes, e quando chegamos à próxima condição,
então esta contém também as três outras e assim por diante.
E Ele também disse: ‘Era noite naquele dia e lá estava nosso Senhor no meio
de seus apóstolos e falou: "A paz esteja convosco".’ Que cheguemos à eterna paz e
ao lugar anônimo que é o ser divino.”
Eterna paz e ao mesmo tempo lugar anônimo, este lugar sem nome. Meister
Eckhart disse que a manhã torna-se meio-dia, o meio-dia vira tarde, e a tarde torna-
se noite; mas no dia das almas (as partes do dia) não se desassociam, tudo torna-se
uno.
“São João viu uma ovelha no Monte Sion e ela tinha escrito em sua testa
seu nome e o nome de seu Pai, ela tinha com ela cento e quarenta e quatro mil
pessoas. Ele diz que eram virgens e entoavam uma nova canção, que somente
elas podiam cantar, e elas seguiam a ovelha por onde quer que ela fosse.”
Ele disse que todas eram virgens. Virgem significa aqui, como já falei
anteriormente, livre de todas as imagens. Para nós budistas, livre de todas as coisas
do mundo. Finalmente significa no Budismo trilhar mu-i, a não-ação mushin, a não-
mente e muga, o não-ego. Este mu, que quer dizer não, nada, é uma característica
do Zen-Budismo.
Meister Eckhart também fala freqüentemente sobre mu, dizendo que Deus é o
nada. "E elas cantavam uma nova canção, que só elas podiam cantar". O que é esta
canção? No Hokyozanmai há o seguinte trecho: "O homem de madeira se levantou
e começou a cantar e a mulher de pedra se levantou e começou a dançar."
Estas palavras não podem ser compreendidas com o intelecto, isto é, a pessoa
não pode refletir discriminatoriamente sobre estas palavras.
"Elas entoavam uma nova canção". O que significa a palavra "Nova"? Quando
alguém torna-se Buda, ele é uma nova pessoa. O velho ego precisa morrer, e
precisamos renascer, como um ser novo. Novo aqui não quer dizer o antônimo de
velho, porém sinônimo de absoluta verdade.
"Elas entoavam uma nova canção, que ninguém podia cantar" e "O homem
de madeira levantou-se e começou a cantar" e "A mulher de pedra levantou-se e
começou a dançar"; e isto eles o fizeram para o som da flauta sem furos e do violão
sem cordas.
Nós podemos ouvir esta canção e dançar com esta música. Nós podemos de
fato fazer isto. Nós podemos ouvir o som batendo palmas com uma só mão.
"E elas seguiam a ovelha independente de onde ele ia". Elas o seguiam. Esta é
a constante e ininterrupta prática, como eu esclareci ontem, Gyoji Dokan, o círculo
da prática incessante, a iluminação e o Nirvana. Ao despertamos o espírito da
iluminação, neste instante, ao mesmo tempo, recebemos Bodhi, a iluminação.
Quando praticamos, vem a iluminação e simultaneamente precisamos muitas vezes
continuar.
Meister Eckhart disse que o sofrimento que vem a nós, quando estamos nesta
condição, não é mais absorvido por nós, mas já recebido por Deus.
Quando alguém morre no Japão, dizemos que virou Buda. Isto quer dizer
que durante a sua vida neste mundo, ele viveu como um Bodhisattva.
Uma pessoa é a criança de seus pais, e ao mesmo tempo irmão ou irmã, neto
ou sobrinho, amigo e assim por diante. Assim tem a mesma pessoa muitos tipos de
relações com os outros, e assim ele trabalha para os outros.
A vida do mestre Kodo Sawaki foi exatamente assim. Ele viajava o ano inteiro
com sua agenda programada e ficava em muitos lugares, algumas vezes poucos dias,
outras vezes muitos dias. E onde ele ia, lá sempre havia um grupo Zen. Muitos e
muitos anos ele fez este trabalho, e foi assim até um ano antes de sua morte. Após a
sua morte apareceram muitos discípulos dele, que antes eram desconhecidos e que
muitas vezes nem se conheciam entre si, mas todos eram alunos de Kodo Sawaki.
Ele (São João) disse: Elas eram virgens e estavam na montanha e estavam
confiadas a uma ovelha, e separadas de todas as criaturas, e seguiam a ovelha,
aonde ela fosse.
Há dias atrás eu disse que havia uma floresta de sândalos, na qual só viviam
leões. Os leões têm um costume especial de educar os seus filhotes. Quando os
filhotes de leão nascem, eles são testados. O pai ou a mãe jogam o filhote ladeira
abaixo, e o filhote começa a subir. Quando o filhote arrasta-se de volta ao topo do
lugar, ele é novamente estapeado para baixo. O filhote não entende e recomeça a
subida, a mãe novamente o empurra para baixo, o filhote torna a subir novamente e
finalmente antes da mãe o empurrar de volta, o filhote ruge energicamente para a
mãe. Neste momento diz a leoa: “Muito bem, muito bem, você é meu filho, vem cá.”
Quando o filhote cai encosta abaixo e não retorna sozinho, ele é fraco, então ele
morre, e deve morrer. O leão é o rei da selva, quando ele ruge para os outros
animais, todos ficam amedrontados.
Negar todas as criaturas, isto quer dizer estar livre de todas as imagens e
coisas da criação, isto é, virgem, o estado antes do nosso nascimento. Nós o
chamamos no Zen de fu-sho, o Zen do não nascimento, dessa forma as pessoas estão
livres de todos os tipos de pecados e sujeira. Um outro símbolo do Budismo é a flor
de lótus, ela é muito bonita, apesar de florescer na lama. Podemos também dizer
que nós temos muita ignorância, mas com purificação e limpeza transformam-se
nossas ilusões em sabedoria.
Em cada Sesshin nós recitamos: “Vivemos neste mundo como a flor de lótus,
livres de toda a sujeira.” Nenhum tipo de sujeira ou maldade podem jamais nos
macular. Nós nos inclinamos em gasshô, uns diante dos outros. Cada um possui a
natureza-Buda e por isso eu me inclino diante da natureza-Buda dos outros. Quando
eu faço gasshô, e me inclino diante de você, abre-se a flor de lótus da natureza-Buda
dentro de mim. No botão da flor já está contida a semente da natureza-Buda e
através do gasshô abre-se o botão da flor, tornando visível a semente da natureza-
Buda.
Há por exemplo a história de uma senhora idosa, que em seu terreno garantia
o sustento de um monge em uma choupana de eremita, que ali viveu às suas custas
durante 20 anos. Um dia ela mandou a sua filha ao monge para abraçá-lo e depois
lhe perguntar “O que você sentiu?”. O monge respondeu: “Eu sou como uma pedra,
com uma árvore seca em cima, no inverno. Quer dizer, sou todo frio e não tenho
mais o coração quente dos seres humanos.” A velha senhora retrucou: “Este monge
é um charlatão,” e botou fogo na choupana e a queimou.
Quando uma mulher jovem e bonita quer dormir conosco, então isto nos
parece agradável e positivo, mas quando alguém nos queima a casa isto nos parece
doloroso, mas o monge aceitou a situação com naturalidade, e foi embora.
Uma outra história: Uma freira amava muito o Buda Amitaba, mas em seu
templo havia muitas imagens de outros Budas, não só do Buda Amitaba. Quando ela
queimava incenso, a fumaça ia naturalmente para todos os demais Budas, mas ela
queria que só o Buda Amitaba recebesse o aroma, e ela tentava pegar a fumaça para
conduzi-la unicamente para o Buda Amitaba, conduzindo-a por intermédio de um
tubo até o nariz do Buda Amitaba.
Uma noite Amitaba apareceu para a freira e ela ficou grávida, porque
demônios aproveitaram-se do relacionamento dela com Amitaba. Neste caso,
demônios usaram a máscara de Buda.
Logo, quando o sofrimento chega até você através de seus amigos ou através
de você mesmo, isto complica muito a sua vida diária.
Se ela desse um passo adiante, ela cairia num buraco fundo e se ela desse um
passo para trás, ela novamente estaria na situação anterior. O que significa este
rabo? Quando vocês tiverem qualquer tipo de problema dentro de vocês, então este
momento é o rabo para vocês. Se vocês querem fugir ou esquecer este problema,
então vocês cairão no buraco. Se vocês querem voltar atrás, então vocês estarão
enfiados de uma vez no problema, e isto seria um erro. Não podemos evadir o
problema, e quando o seguramos, sofremos, esta é uma situação paradoxal. Mas
quando vocês são virgens e livres de todas as coisas deste mundo, livres das
criaturas e das imagens, então vocês não se incomodarão com nada, e este é o
caminho do meio.
“São João teve uma visão de uma ovelha ficando, junto com esta ovelha
haviam pessoa que não eram deste mundo e que não tinham o nome de esposa.
Elas eram todas virgens e ficavam tão próximas quanto possível desta ovelha.
E onde quer que a ovelha fosse, elas a seguiam, e elas entoavam uma canção
especial com a ovelha, e tinham os seus nomens e o nome do seu pai escritos em
suas testas.”
Importante é que elas não eram terrenas, não eram deste mundo. De onde
vieram? Talvez elas sejam um homem de madeira e uma mulher de pedra, que não
são deste mundo. Uma mulher de pedra e um homem de madeira não significam mais
do que emoções deixadas para trás. Trata-se do estado de morte religiosa. Nós
precisamos atravessar este estado.
Diz-se que numa maratona existe sempre um ponto em que não conseguimos
mais nos superar, a não ser com grande dificuldade. Nós o chamamos de
ponto da morte. Quando ultrapassamos este ponto, então tudo fica mais fácil.
Neste ponto os músculos, todas as partes do corpo e o fôlego não funcionam mais,
mas nesta altura precisamos dar mais um passo, é por isso que este treinamento é
tão difícil. O treinamento Zen propriamente dito não é difícil, porém a nossa vida
mesma é difícil. É muito difícil para nós olharmos a verdade nos olhos, mas vocês
sabem que as coisas que para nós têm muito valor são difíceis de alcançar. Como a
pérola do dragão, precisamos primeiro lutar com o dragão, antes de tirar a pérola
dele.
Elas eram todas virgens, e estavam tão perto da ovelha quanto era possível.
O que quer dizer tão perto da ovelha quanto era possível. Quedistância havia
então? 10mts, 5 mts, 1 mt, 5 cm, 1 cm, 1mm, zero mm? Tão perto quanto possível.
Quando vocês praticam Zazen, vocês não precisam se preocupar com a prática
do Zazen, pois depois estaremos com o mestre olho no olho, e veremos com os
mesmos olhos que o mestre e falaremos com a mesma boca do mestre. Este é o
significado da proximidade com a ovelha.
E elas o seguiam para onde a ovelha ia, e elas cantavam uma canção
especial. O que é uma canção especial? A canção de uma flauta sem furos e de um
violão sem cordas, esta é uma canção especial. Vocês gostariam de cantar e dançar
esta canção? Nós podemos fazer isto, cantar e dançar com elas, mas para tal
precisamos ser virgem.
“E São João diz que ele viu uma ovelha na montanha. Eu digo: S.João, ele
próprio, era a montanha, na qual ele viu a ovelha. Quem quiser ver a ovelha de
Deus deve ele mesmo ser a montanha e subir na sua parte mais pura e mais
elevada.”
São João era ele próprio a montanha. Esta é uma outra teoria típica Zen.
Santos e sábios vivem no fundo das montanhas. As montanhas são seu corpo e seu
espírito. Santos e sábios realizam as montanhas disse Dogen Zenji.
Um samurai estava de viagem, então ele chegou a uma aldeia, onde diziam
que lá nas montanhas era muito perigoso, porque havia um demônio nas montanhas.
Muitas pessoas foram às montanhas e nunca mais voltaram. O samurai respondeu:
“Sim, eu sei, por isso vim até aqui.” “Muitos samurais também falavam assim, e
todos foram mortos.” “Não tem importância, eu quero tentar.” E ele continuou a
viagem e subiu a montanha e encontrou o demônio. Primeiro ele pegou o arco e
atirou com toda a força, mas o corpo do demônio era como borracha e a flecha
ricocheteou e caiu no chão. A lança, que ele também jogou com toda a força, ficou
espetada na superfície do corpo, e o samurai não conseguiu enfiá-la mais fundo no
corpo do demônio, e nem retirá-la. Como próximo passo, ele pegou a sua espada,
mas com todas as armas era a mesma coisa. No fim, ele ainda tinha uma pequena
faca disponível, e esta ele fincou com toda a força na barriga do demônio, mas este
último ria ainda e pegou o samurai. Mas o samurai preservou a sua calma, e isto
admirou o demônio, e o último disse:
Demônio : Você é diferente dos outros guerreiros, porque você não se lamenta
e chama por ajuda?
Samurai : Por que deveria eu pedir por ajuda?
Demônio : Todos os outros gritaram e lamentaram-se, e isto me fazia muito
feliz.
Samurai : Você é muito maluco.
Demônio : Por quê?
Samurai : Porque na verdade você está em mim e eu estou em você. Se você
me devorar, então você devorará a você mesmo. Você entende?
Demônio : Eu não entendo, mas você é diferente dos outros, e vá embora!
E assim é aqui: “Eu digo que S.João, ele próprio era a montanha, na qual ele
via a ovelha.” E quem quiser ver a ovelha de Deus, precisa se tornar montanha.
Quando quisermos realizar Deus, precisamos nos tornar como uma montanha; se
quisermos conseguir o verdadeiro Zazen, precisamos nos tornar a montanha, e
precisamos subir até o mais alto e mais puro ponto. Neste momento, não pensamos:
“Eu não sou capaz para isso.” Mestre Dogen disse:
“Eu já disse de certa feita: Os virgens devem seguir a ovelha, onde quer
que ela vá, não se deixando ficar para trás. Alguns desses são virgens e outros
não são, apesar de acharem que são. Aqueles que verdadeiramente são virgens
seguem a ovelha onde quer que ela vá, na alegria ou na tristeza. Alguns seguem
a ovelha enquanto ela está na doçura e na tranquilidade; mas tão logo isto se
transmute para a tristeza e o desconforto e o sofrimento, eles dão as costas e não
mais a seguem. Estes não são verdadeiramente virgens. Muitos dizem: Pois é,
Senhor, eu talvez posso chegar até lá, na honra, na riqueza ou na ventura. Se a
ovelha assim vivia, assim eu os permito que também vivam; as verdadeiras
virgens o acompanham através das dificuldades das alegrias, aonde ela queira ir
(Eckhart).”
Aqui é comentada a qualidade das virgens, que seguem a ovelha aonde ele vá,
e não desejam voltar. No Budismo existe um estado, que descreve exatamente esta
condição, o não-voltar para trás. Quando alcançamos este estado, depois de longa
prática e experiência, mesmo quando queremos fazer algo errado ou ceder a
alguma tentação, não podemos mais fazê-lo. Um grande poder então está lá, que nos
põe novamente no caminho certo, ao invés de trilharmos caminhos errados.
No treinamento Zen é dito que somos dirigidos para a libertação, mas de certo
modo, no meu entender, isto não é certo. No caso do menor deslize, quando
tentamos não ser correto, somos imediatamente reajustados ao caminho certo por
Buda ou pelo mestre: “Não, assim não vai, assim não vai.”
Aquelas que são verdadeiras virgens, seguem a ovelha aonde ele for, na
alegria ou no sofrimento.
Referente a esta frase eu me lembro do seguinte: “Não pensem nem bem nem
mal, sigam apenas o caminho de Buda e patriarcas.” Não é importante o que outra
pessoa pensa de nós, quando se trata do caminho. Nós o seguimos, seja debaixo de
reclamações ou de críticas, neste momento não colocamos a nossa idéia de bom ou
de ruim, porém simplesmente aceitamos os ensinamentos dos Budas e patriarcas, e
seguimos firmes em suas pegadas. Hoje este caminho no mato desapareceu, mas se
vocês olharem cuidadosamente, vocês descobrirão essas pegadas no mato. Quando
tivermos entrado no "mato" e olharmos à esquerda e à direita, então não mais
haverão acompanhantes. Estaremos simplesmente sozinhos, porque este caminho
não é para qualquer um, só alguns, como os heróis, escolhem este caminho. E estes
penetrarão cada vez mais fundo na floresta ou na montanha, e eles se tornarão a
própria floresta, a própria montanha.
“São João diz: a luz brilhava na escuridão, e entrava em seu próprio ser e
no dos outros que a luz recebiam. Eles se tornaram fortemente Filhos de Deus. A
eles foi dado força para se tornarem Filhos de Deus.”
Então fala Nosso Senhor: “Ninguém reconhece o Pai a não ser o Filho, e
ninguém reconhece o Filho, a não ser o Pai.” Certamente, para reconhecermos o Pai
precisamos ser o Filho, porque o Pai com o Filho não é mais do que o Filho sozinho,
e o Filho com o Pai não é mais do que o Pai sozinho.
Aqui fala o Meister Eckhart da união ou unidade do Pai e Filho, esta é uma
pura e original experiência religiosa. O pai é algo invisível como Sunya, o vazio,
como o universo, mas quando vocês o entendem, então tudo neste mundo é como
árvores, pedras, montanhas. Tudo está em Deus, e quer dizer que o Pai se tornou o
Filho. Ele mandou o seu único Filho para nós, alguém com estatura como o histórico
Jesus Cristo, que tem a mesma qualidade e o mesmo princípio que seu Pai.
Como vocês sabem, Jesus Cristo recebeu o Batismo de São João, que veio
batizado do deserto, ele precisou ser batizado. São João soube por si próprio como
batizar a água, mas este homem o batizou com o Espírito Santo.
Um homem preparou uma grande banquete, mas ele não tinha nome, vocês o
conhecem? Sim, ele é Deus. Deus não tem nome, ele preparou um grande banquete
de noite, e ele convidou algumas pessoas: “Por favor venham.” Muitos tinham
desculpas e pretextos e assim não foram, mas o banquete já estava pronto, já
preparado, e não podia esperar. Assim ele mandou seus serventes para as ruas para
buscar os doentes e paralíticos e os fracos e miseráveis, e para todas essas pessoas
foi um banquete maravilhoso.
As pessoas que não podem chegar, que têm compromissos com o mundo,essas
nunca terão oportunidade de saborear a ceia. Qual é o sabor desta ceia? É o sabor do
Dharma, é a alegria e a sorte do Dharma,e não é sorte deste mundo, não é sorte que
possamos achar neste mundo. Todos os mestres, tanto faz sejam cristãos ou budistas,
se uma vez provaram o gosto da ceia, nunca mais o esquecerão e querem levar outras
pessoas para a ceia para prová-la, mas as quando elas não querem ir, nada pode ser
feito.
Quando o Buda ainda era um príncipe, ele algumas vezes ia com seu cavalo
branco para a cidade. Um dia ele encontrou um doente na rua, e Buda perguntou ao
seu servente, “O que é isto?” “Este é um doente,” respondeu o servente. “O que é
doente?” E o servente respondeu: “Todos que têm um corpo ficam doentes.” “Eu
também?” Perguntou o Buda. “Naturalmente.” Buda ficou aflito com isso e voltou
para o palácio.
No outro dia ele encontrou um homem velho. “O que é isto?” “Um homem
velho.” “Quem nasce também envelhece.” Respondeu o servente. “Eu também?”
“Naturalmente.” Na terceira vez, eles encontraram um homem morto. “O que é
isto?” “Um morto.” “Todos que nascem precisam morrer.” “Eu também?”, “Sim,
todos.”
Buda era um príncipe que tinha tudo que podia pensar: saúde, juventude, luxo,
mas os que ele encontrou eram doentes, velhos e mortos, ele não sabia disso. Isto
chamamos de ignorância. Mesmo quando somos instruídos, doutores, quando não
compreendemos este ponto direito, não passamos de ignorantes.
Na quarta vez Buda encontrou um monge, que andava muito calmo e cheio de
dignidade. “O que é isto?” “Este é um monge.” “Oh, este é meu caminho.” Pensou
o Buda. Um dia foi preparado um grande banquete com música e dança, para alegrar
o príncipe, mas todos ficaram muito cansados, porque o príncipe não mostrava
nenhum interesse. Foram afinal deitar e dormir.
Quando Buda Shakyamuni viu todos deitados, então ele teve a impressão de
que se tratava de um cemitério cheio de cadáveres. Neste momento, ele tomou a
decisão, “Agora eu vou embora.” Esta separação de pais, filhos e mulher às vezes é
muito dura para nós. No Sutra é dito que quando ele ia embora com seu cavalo,
muitos anjos levantaram os cascos do cavalo, para que não fizessem barulho. E o
Dharma iluminou o caminho, enquanto Brahma jogava flores para Buda.
Esta é uma expressão literária, mas esta expressão tem vários significados
simbólicos para nós. O campo da religião não é um caminho deste mundo, este
caminho é propriamente uma linha divisória separando o mundo profano do
mundo sagrado.
A VIRGEM E A MULHER DE PEDRA
Textos da Bíblia
T EXTOS DA BÍBLIA QUE INSPIRARAM AS PALESTRAS,
COMENTADAS PELO MESTRE TOKUDA.
Jacó o patriarca veio a um certo lugar quando era de noite e ele pegou
algumas pedras que estavam naquele lugar e as colocou sob sua cabeça, e
descansou. (Gen.28:11)
O lugar onde Jacó dormia não tinha nome, isto quer dizer que a Essência de
Deus apenas é o lugar da alma, e não tem nome.
Jacó descansou naquele lugar que é sem nome. Não sendo nomeado, é
contudo nomeado. Quando a alma vem a um lugar sem nome, ela toma o seu
descanso.
Ali, onde todas as coisas estiverem sendo Deus em Deus, é que ela descansa.
Aquele lugar da alma que é Deus, é sem nome. Deus é não-falado.
Ele diz: há um lugar; ele não falou que lugar era este. Este lugar era Deus.
Deus não tem um nome para si mesmo, e é o lugar e a posição de todas as coisas e é
o lugar natural de todas as criaturas.
Naquele lugar a alma vai descansar, na parte mais elevada e mais interna
daquele lugar. E no mesmo chão, onde Ele tem o Seu próprio descanso, nós também
teremos o nosso descanso e o possuímos com Ele.
O lugar não tem nome, e não há quem o possa mencionar com palavras
adequadamente.
Moisés foi para dentro de uma nuvem e subindo na montanha ali ele
encontrou a Deus e na escuridão ele achou a verdadeira luz. (Ex. 20:21)
Ele subiu as montanhas. Isto quer dizer que Deus com isto mostra a
sublimidade e a doçura da sua natureza, da qual deve sair fora tudo aquilo que é
criatura.
Portanto, quem quer que queira receber o ensinamento de Deus deve subir
nesta montanha.
A Luz e a Escuridão
São João disse: a luz brilhou na escuridão, veio a si mesma, e tantos quantos
a receberam se tornaram com toda a autoridade filhos de Deus; a estes foi dado o
poder de se tornar como filho de Deus.(João 1;5, 11-12)
O começo existe por causa do fim, pois no fim último tudo descansa, o que
jamais obteve o ser racional. O fim último do ser é a escuridão ou essência da
Essência de Deus oculta, cuja luz ilumina , mas esta escuridão não a compreende.
São João diz: Deus é uma verdadeira luz que brilha na escuridão. O que é
esta escuridão?
Em primeiro lugar: um homem não deve se apegar a nada e se segurar com
este nada, de ser cego e de nada saber das criaturas. Eu disse antes: Aquele que vê a
Deus deve ser cego.
Em segundo lugar: Deus é uma luz que brilha na escuridão,ele é uma luz que
nos cega, isto quer dizer uma luz de tal natureza que não é compreendida. E é sem
fim, em outras palavras, ela não tem fim e não conhece fim algum. O cegar da alma
quer dizer que ela nada sabe e de nada está ciente.
A terceira escuridão é a melhor de todas e quer dizer que não existe luz
alguma. Um mestre diz que o céu não tem luz, que é por demais elevado para tal: ela
não brilha e ela não tem nem quente nem frio por si mesmo. Assim nesta escuridão
a alma perdeu toda a luz, tendo superado tudo o que nos chamamos de calor e de
cor.
No Meio da Noite
Portanto deve haver silêncio e uma quietude e o Pai deve falar aqui mesmo, e
dar o nascimento ao seu Filho e fazer o seu trabalho livre de todas as imagens.
Por que é que ele a chama de uma palavra, quando ela estava oculta? A
natureza de uma palavra é revelar o que está oculto. Ela se revelou a mim e brilhou
ante a mim me declarando algo e tornando Deus conhecido a mim, e portanto se
chamou de uma palavra.
É contudo o que ficou oculto de mim. É assim que ela chegou sorrateiramente
a mim em uma calma murmurante para se revelar. Veja bem, justamente porque está
oculta é que a pessoa deve sempre persegui-la. Ela brilha e contudo estava oculta.
Era na noite do dia. Então o nosso Senhor veio aos seus discípulos e ficou no
meio e disse: A paz esteja convosco!
Naquele dia a manhã, o meio dia e a noite ficam juntos e não passam, mas no
dia temporal a manhã e o meio dia passam e a noite se segue. Não é o que acontece
no dia da alma, ali tudo permanece uma só coisa.
Quando a luz deste mundo some o homem se retira e descansa. Então Deus
disse: Paz e novamente Paz e Recebam o Espírito Santo.
Que possamos nós virmos a esta paz eterna e àquele lugar sem nome que é a
essência divina.
A ovelha e as virgens
São João viu uma ovelha no Monte Sion e ele tinha escrito na sua testa o seu
nome e o nome do seu Pai, ela tinha com ela cento e quarenta e quatro mil pessoas.
Ele diz que eram virgens e cantavam uma nova cantiga, que apenas elas podiam
cantar, e elas seguiam a ovelha por onde ela fosse.
São João teve uma visão de uma ovelha se quedando, e com ela haviam
pessoas que não eram deste mundo e que não tinham o nome de esposa. Elas eram
todas virgens e ficavam tão próximas quanto possível desta ovelha. E onde quer que
a ovelha fosse, elas a seguiam, e elas cantavam uma canção especial com a ovelha, e
tinham os seus nomes e o nome do seu pai escritos em suas testas.
Quem quiser ver a ovelha de Deus deve ele mesmo ser a montanha e subir na
sua parte mais pura e mais elevada.
Eu já disse uma vez: Os virgens devem seguir a ovelha, onde quer que ela vá,
não se deixando ficar para trás. Alguns destes são virgens e outros não são virgens,
apesar deles pensarem que são.
Aqueles que verdadeiramente são virgens seguem a ovelha onde quer que ela
vá, na alegria ou na tristeza.
O pai e o filho
São João disse: a luz brilhou na escuridão, veio a si mesma, e tantos quantos
a receberam se tornaram com toda a autoridade filhos de Deus; a estes foi dado o
poder de se tornar em filho de Deus. (João 1:15; 11-12)
Agora o Nosso Senhor diz, Ninguém conhece o Pai exceto o Filho, nem o
Filho senão o Pai. (Mat 11:27)
Na verdade, para conhecer o Pai devemos ser o Filho, pois o Pai com o Filho
nada mais é do que o Filho apenas, e o Filho com o Pai nada mais é do que o Pai
apenas.
Quem receber dignamente esta refeição deve vir de noite. Quando a luz deste
mundo some, é noite.
Havia um homem. Aquele homem não tinha nome, pois aquele homem é Deus.
Quem preparou esta festa? Um homem. Vocês sabem qual é o nome dele?
Aquele que é impronunciável?
Agora o Rei Davi diz: Ó senhor, quão grande e quão múltipla é a tua festa, e
o gosto de doçura que você preparou para aqueles que te amam, não para aqueles
que te temem.(Ps. 31:1)
Agora ele disse ao assistente: Vai e convida aqueles convivas que eu convidei:
tudo está agora pronto.
A alma recebe tudo o que Ele é. Tudo o que alma deseja está pronto agora.
Tudo o que Deus dá tem vindo a ser eternamente: o seu vir a ser está agora novo e
fresco e completamente em um agora eterno.
Pelas cercas: alguns poderes estão cercados em um lugar. Eu não ouço com o
poder com o qual eu vejo, e eu não vejo com o poder com o qual eu ouço, e assim
também é com os outros, contudo a alma está por completo em cada membro, e
alguns poderes não estão de forma alguma cercados.
ARAHAT (S) - Aquele que alcançou o estado do Nirvana. Assim também são
chamados os grandes discípulos do Buda Shakyamuni.
ASHOKA (S) - Rei hindu que viveu cerca de 100 anos após o falecimento do
Buda, considerado grande divulgador do Budismo, e estudado hoje em dia pela
UNESCO, pois tendo sido o único que ganhou todas as batalhas, após isto
abandonou as conquistas como meio de governar.
BHAGAVAT (S) - Um dos mais altos títulos do Buda, aquele que veio para
ensinar.
EIHEI DOGEN (J) - Mestre Zen budista japonês, introdutor da Escola Soto
Zen da China para o Japão, nascido em 1200 e falecido em 1253.
ENKAN (J) - Mestre Zen budista chinês, discípulo de Basõ, que viveu no
século 6 D.C.
EIHEI-JI (J) - Principal mosteiro da Escola Soto Zen, fundado pelo mestre
Dogen em 13 de julho de 1244.
GYOJI (J) - Prática contínua. É também o nome dado ao 66° capítulo do livro
Shobogenzo, escrito pelo mestre Eihei Dogen.
HUNG CHUAI (Chinês) - Mestre Zen budista chinês, nascimento não sabido e
falecido em 902. É citado no capítulo Mitsugo do livro Shobogenzo do Mestre
Dogen.
HOJO DAIBAI (J) - Mestre Zen budista chinês, nascido em 752 e falecido em
data desconhecida.
JOSHU (J) - Mestre Zen budista chinês, nascido em 778 e falecido em 897.
KEIZAN JOKIN (J) - Mestre Zen budista japonês nascido em 1268 e falecido
em 1325.
KODO SAWAKI (J) - Mestre Zen budista japonês da Escola Soto, nascido em
1880 e falecido em 1965. Um dos renovadores contemporâneos da Escola Soto
Zen. Jamais possuiu um templo.
SHOBOGENZO (J) - Livro escrito pelo mestre Dogen com 95 capítulos. Seu
significado é O Olho da Verdadeira Lei. É considerado um dos mais profundos
tratados da Literatura budista.
SANDOKAI - Texto clássico da Escola Zen, escrito por Sekito (J), mestre Zen
chinês que nasceu em 700 e faleceu em 790 d.C. A palavra literalmente significa
"condição fundamental e suas atividades reunidas".
A Virgem e a Mulher de Pedra 76
SUTRA (S) - Literalmente "um recipiente onde são colocadas as jóias". São os
Sermões do Buda ou os textos de grandes mestres da antiguidade.
TAISEN DESHIMARU (J) - Mestre Zen budista japonês que viveu na França,
falecido em 30 de abril de 1982.
TATHAGATA (S) - Aquele que vem como vem, o absoluto mesmo, um dos
mais altos títulos do Buda.
UMMON (J) - Mestre Zen budista chinês nascido em 862 e falecido em 949.
ZEN (J) -Provem do original sânscrito Dhyana (S), que quer dizer
meditação, em chinês C'han. É a escola budista fundada pelo mestre hindu
Bodhidharma na China.
ZAZENGI (J) - Livro escrito pelo mestre Dogen no qual são relatados
instruções para os praticantes do Zazen, também conhecido como Fukan Zazengi.