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A RELAÇÃO QUANTIDADE E QUAIDADE NA EDUCAÇÃO

PÚBLICA TÉCNOLÓGICA1 DE ENSINO MÉDIO.2


Gudêncio Frigotto

Sustentar a “qualidade” contra a quantidade significa,


precisamente, apenas isto: manter intactas determinadas
condições de vida social, nas quais alguns são pura
quantidade, outros pura qualidade (Gramsci,1978, p.50).l

O que buscamos nos capítulos anteriores foi situar uma realidade histórica,
produzida de forma específica nas relações sociais brasileiras, cujo resultado é de uma
sociedade de aguda desigualdade e injustiça. As práticas educativas escolares e, mais
amplamente o conjunto das práticas sociais onde as crianças, os jovens e os adultos se
educam ou deseducam não estão descoladas das relações de classe, poder e de violência
(simbólica e física) que se efetivam neste monstrengo social. Elas são constituídas e
constituintes do mesmo.
A classe dominante ou burguesia brasileira e seus intelectuais, não só no campo
educacional, mas mais amplamente nas esferas econômica, social, política, cultural e
artística tem se apoiado na construção ideológica que contrapõe a quantidade à
qualidade. No campo específico da educação escolar tem sido um senso comum do
pensamento dominante, introjetado de forma muito ampla na categoria dos professores,
técnicos, alunos e pais, a antinômica entre a quantidade e a qualidade. Assim, a queda
da qualidade na escola pública e na universidade estaria relacionada à massificação da
escola mediante uma crescente luta da classe trabalhadora pelo direito à educação
pública. Por outra parte, de forma crescente e intensa, o tema da qualidade tem ocupado
os debates das conferências internacionais sobre educação e os documentos de
organismos internacionais vinculados ao sistema econômico.
Uma análise histórica sobre a questão da relação quantidade-qualidade na
educação, de imediato, nos revela que a mesma está visceralmente entranhada nas

1
Ao longo deste texto estaremos utilizando o conceito de tecnologia não em seu sentido comum de up-
grate da técnica, mas como a entende Carlos Paris (2000) como um salto qualitativo na forma de tratar a
matéria e os processos produtivos. Da mesma forma, entendemos o conceito de educação tecnológica no
sentido de educação politécnica na compreensão dada por Dermeval Saviani (2006) e desenvolvida no
capitulo anterior ( cap. III).
2
. Cap. IV do Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro. UERJ.CNPq. 2008 .
concepções de natureza e ser humano e nas relações sociais dominantes. Isto significa
dizer que seu entendimento e a explicitação de sua natureza vinculam-se aos mesmos
processos históricos das sociedades de classe nos quais estão inseridas as lutas pela
igualdade de condições (objetivas e subjetivas) de produção da existência humana. Do
mesmo modo vinculam-se aos processos históricos das lutas pela democracia, liberdade
e igualdade entre os seres humanos, nos limites das sociedades de classe e na busca de
sua superação.
Este pressuposto nos conduz a um segundo, de natureza teórico-metodológica o
qual nos serviu de eixo analítico da pesquisa em seu conjunto. A relação entre
quantidade e qualidade de educação vincula-se, primeiramente, a determinada
concepção de realidade, a métodos de abordá-la e a formas concretas ou a políticas de
tratá-la3. Vincula-se, por outro lado, às formas que assumem as relações sociais na
singularidade e particularidade dos processos históricos. Para o que nos interessa mais
especificamente, esta relação assume determinações específicas em sociedades
capitalistas dos centros hegemônicos do capital e em sociedades de capitalismo
dependente.
Neste capítulo trataremos, inicialmente, de evidenciar que a concepção da
relação quantidade-qualidade vincula-se à concepção da realidade humana no seu
conjunto e que se trata, portanto, de uma construção de uma concepção de acordo como
a ótica de classe. Em seguida nos buscaremos aprofundar a compreensão desta relação
na concepção burguesa e mercantil e sua especificidade na realidade brasileira,
sociedade de capitalismo dependente.
Examinaremos, em seguida, de forma exemplificativa, as mediações mais gerais
das “bases materiais” e das concepções e práticas pedagógicas de algumas escolas de
ensino médio técnico no Brasil.4 Nos interessa assinalar em que medida estas escolas
3
. Para o leitor interessado em aprofundar esta relação, ver Frigotto (1989) . Vale ressaltar que, na esteira
do entendimento de Marx, assumimos que nenhuma teoria, senso comum ou ideologia são despidas de
efeito sobre as ações humanas. Daí constituírem-se em parte da realidade mesma. Por isso o foco de
embate não é atribuir maquiavelismo as visões de mundo antagônicas da burguesia e de seus intelectuais
e às ações e políticas que daí decorrem, ainda que possa haver atitudes maquiavélicas.
4
. Esta exemplificação se fixa em três instituições (A, B. e C) que, de acordo com alguns indicadores que
desenvolveremos no item 4.3, as constituem como as de melhor qualidade no ensino público de nível
médio no Brasil. Esta exemplificação, todavia, toma um sentido mais amplo quando a relacionamos aos
projetos de pesquisa anteriores sobre o ensino médio técnico no Brasil. Os três últimos Projetos
Integrados que desenvolvi com o apoio do CNPq foram: Conhecimento e qualificação do trabalhador;
desafios face à nova base técnica do processo produtivo” (no período de 1994 a 1997); Educação básica,
formação técnico-profissional, empregabilidade e requalificação face aos limites do desenvolvimento e
crise do trabalho assalariado (Período de 1998 a 2000); e, finalmente, o Projeto Integrado desenvolvido
com Maria Ciavatta e outros pesquisadores associados sobre: A formação do "cidadão produtivo" – da
responde às demandas do mercado capitalista no Brasil, sociedade de capitalismo
dependente e/ou em que medida correspondendo à qualidade técnico/científica
mercantil buscam questionar as relações sociais dominantes na perspectiva de melhorar
as relações sociais capitalistas ou de superá-las.
Por fim, no último item, buscaremos esclarecer o enigma do denominado apagão
educacional centrado na idéia de que a escola brasileira não produz egressos em
quantidade e qualidade suficientes às demandas de um mercado emergente e de
crescimento acelerado. O foco aqui é demonstra que a análise dicotômica e antinômica
se fixa na realidade fenomênica e não alcança o terreno dos conflitos e contradições
resultantes de uma construção social produzida pela classe ou frações de classe que
reclamam do “apagão educacional”.

4.1 - A relação quantidade e qualidade e as concepções de ser humano5.

A relação entre qualidade e quantidade, quando referida à história e realidade do


ser humano, pode ser analisada em dois grandes referenciais, dentro dos quais há
significativas variações e nuances que não nos deteremos neste texto: um de natureza
dominantemente dual/transcendental ou metafísico e outro de natureza histórica.6
Destas concepções mais gerais derivam teorias, idéias, valores que consubstanciam as
visões de mundo ou as ideologias que justificam e orientam os diferentes modos de
produção historicamente conhecidos7.
Com efeito, se remontarmos à antiguidade grega, o pensamento dominante sobre
o ser humano se define por uma essência humana que determina a história da
humanidade, mas ela não pode ser determinada ou alterada pela história. Trata-se da

política de expansão do ensino médio técnico nos anos 80 à fragmentação da educação profissional nos
anos 90: entre discursos e imagens (Período de 2001 a 2004). Em relação à esta última pesquisa mais
diretamente vinculada ao que assinalo aqui com respeito às escolas tomadas como referência neste
trabalho, ver Frigotto, G. e Ciavatta. M. ( 2006)
5
. Registro e, ao mesmo tempo, agradeço a efetiva colaboração de Carlos Roberto Alexandre no
desenvolvimento deste capítulo. Ressalto, sobretudo, sua leitura atenta e crítica e a parcimoniosa atenção
com o desenvolvimento e mediações históricas implicadas nesta temática. A responsabilidade de
imprecisões que porventura permaneçam no texto é, todavia, de minha responsabilidade.
6
. Utilizamos aqui a compreensão de KOSIK (1978) que utiliza a idéia de visão metafísica no sentido de
uma visão religiosa e teocêntrica do mundo para referir-se a visões que buscam uma essência humana
transcendental ou a-histórica. Assim se refere à metafísica da vida cotidiana, metafísica da razão e da
cultura ou da realidade concebida como soma de fatores isolados
7
. Em Marx e Engels o modo de produção social constitui-se fundamentalmente por uma estrutura de
relações sociais que organizam a base material – relações econômicas ( não como fato, mas como uma
estrutura de relações), as relações políticas, jurídicas, éticas, religiosas, culturais justificadas por
concepções de realidade, teorias, idéias, ideologias, valores, símbolos, etc., e instituições que tem a
função de reproduzir a ordem social vigente.
existência de forças ou de ser eterno, fixo, onipotente e imutável. Isso não elide a
existência de um pensamento divergente que já engendra os elementos da dialética
como aponta Konder. Nos fragmentos deixados por Heráclito, pode-se ler que tudo
existe em constante mudança, que o conflito é o pai e o rei de todas as coisas (Konder,
1986, p. 8).
Mas, como observa Konder, esta concepção que os seres estão em movimento e
que podem deixar de ser aquilo que são, era tida como muito abstrata. O pensamento
dominante e que prevaleceu era o de Parmênides para quem a essência profunda do ser
era imutável e dizia que o movimento (a mudança) era um fenômeno de superfície.
(op.cit. p.9).
Em Platão, a história é feita em referência ao modelo fixo da esfera essencial
das idéias. Para Aristóteles, mesmo que em seu pensamento entenda a realidade em
movimento esse se dá dentro do Cosmos, dentro do qual cada ser ocupa seu lugar
natural, menor e efêmero. Na Idade média, a metafísica cristã, fundamentalmente da
igreja católica, a essência está em Deus e o homem, um ser finito e passageiro na
espera do juízo final. Trata-se de forças onipotentes das quais o ser humano depende e
deve a elas se submeter. Perante estas forças é reveladora a metáfora do grão de areia
que representa o ser humano.
Sob esta concepção ou visão de mundo justificava-se a escravidão, o servilismo,
o extermínio de índios e o direito ou não à cidadania. Da mesma forma, e por
conseqüência, apenas parte dos seres humanos tinham direitos sociais e individuais. As
idéia de “homens de ouro e de prata” em contraposição aos homens de ferro, barro etc,
em Platão, serviam para justificar a estrutura social de sua República. Na tradição
metafísica do mundo medieval, sob o auspício do poder hegemônico da igreja, as idéias
de eleito, dom e vocação, entre outras, justificavam as diferenças entre clero e leigos e,
mais que isso, a ordem social medieval. Também se estabelece uma hierarquia de
qualidade entre os seres humanos: seres de uma qualidade superior e outro inferior.
Qualidade que é restrita, sempre, a minorias.
Uma análise mais detida sobre o que acabamos de assinalar não é objeto deste
trabalho. O que buscamos é demarcar, por um lado, é a justeza da análise de Marx e
Engels (1986) quando na Ideologia Alemã evidenciam de que as idéias dominantes de
um determinado tempo histórico ou modo de produção são as idéias das classes
dominantes. Por outro lado, salientar de que nas mudanças de um modo de produção
para outro mantém-se elementos de continuidade e o surgimento de novos elementos
que definem no plano material e ideológico, o novo modo de produção.
Na modernidade a revolução burguesa realiza uma ruptura profunda com os
modos de produção pré-capitalistas, mas, como veremos adiante, mantém a concepção
dominante de uma “essência humana” supra-histórica. Mas é, também, no contexto da
modernidade que se desenvolve a dialética idealista e materialista histórica. Hegel é o
pensador do século XIX que vai permitir a que outros pensadores avancem no terreno
do pensamento da dialética e, mais profundamente, se constitui na base para Marx e
Engels construírem o materialista histórico ou da dialética materialista.. Sob a
influência das idéias da Revolução Francesa e do pensamento da economia clássica,
Hegel estrutura de forma densa a compreensão da dialética. As condições objetivas da
realidade condicionam a atividade do sujeito.
Por essa via, como indica Konder, Hegel vai buscar no trabalho o centro das
atividades criadoras do sujeito. É a intervenção do ser humano, como ser da natureza,
mas diferente da natureza em geral, que permite transformar a realidade e criar novas
realidades. Ou seja: O trabalho criou para o homem a possibilidade de ir além da pura
natureza”(op.cit. p.34). Encontramos, pois, já em Hegel, formalmente, que o trabalho
humano é a chave da superação dialética – ou do movimento - tese, antítese e nova
síntese que incorpora algo novo. Trata-se de um movimento que nega e, ao mesmo
tempo conserva parte da realidade negada e se manifesta numa nova realidade.
Hegel, entretanto, não rompe com o idealismo e com o
dualismo. O pensamento, como um Espírito Universal Absoluto se
constitui em causa primária de todas as coisas, sendo a natureza algo
secundário e apenas um reflexo. Por isso o movimento dialético é do
pensamento e no pensamento e não deste na apreensão da realidade
histórica objetiva. O pensamento constitui-se, assim, numa essência
isolada e independente, que constitui a base dos fenômenos da natureza e da sociedade.
Sem o edifício filosófico de Hegel, todavia, seria impossível pensar o
desenvolvimento da construção de uma compreensão não dual do ser humano e,
portanto, de uma concepção unitária e materialista histórica da realidade humana que
encontramos em Marx e Engels. Trata-se de um processo acumulativo e, ao mesmo
tempo de rupturas tanto com o idealismo, quanto com o materialismo vulgar.
É partindo do legado de Hegel, mas invertendo seu idealismo, que Marx supera
a herança que entende a realidade como criação pura do pensamento e não o movimento
do pensamento no seu terreno próprio de mediação na construção do conhecimento
histórico. Trata-se de um esforço do pensamento para apreender o movimento, as
determinações e mediações que constituem a realidade humana, que se coloca como
desafio, como problemática a ser compreendida.
A produção das idéias, de representações da consciência, está
de início diretamente entrelaçada à atividade material e com o
intercâmbio material (...) os homens são produtores de suas
representações, de suas idéias, etc., mas os homens reais e
ativos (...) A consciência jamais pode ser outra do que o ser
consciente e o ser dos homens é seu processo de vida real
(Marx& Engels, 1986)..

É, também, na compreensão das relações sociais capitalistas ou do modo


de produção social capitalista que Marx, como indica uma vez mais Konder, efetiva
uma modificação decisiva na relação entre teoria e práxis e de práxis e poiésis. E essa
modificação se torna possível para Marx quando encontra na classe trabalhadora, no
proletariado, o sujeito histórico ou o portador material da revolução capaz de superar a
sociedade capitalista (Konder, 1992:1003).
A tese dois, acima transcrita, ganha densidade histórica. Teoria e práxis e práxis
e poiésis não são realidades dicotômicas. Teoria deixa de ser uma pura abstração que
idealiza o real. Práxis não se reduz à atividade prática ou ativismo e poiésis mera
produção material, produção de objetos ou de mercadorias. Teoria histórica, práxis
revolucionária e poiésis, expressões da atividade vital dos seres humanos, vinculam-se a
um projeto de travessia do modo de produção capitalista para o socialismo e para a
sociedade sem classes.
É a partir desta concepção que Marx, ao mesmo tempo que reconhece os
avanços do pensamento de Feuerbach na crítica ao idealismo, evidencia os seus limites.
Tais limites derivam do fato de que Feuerbach se por um lado identifica a diferença
entre as idéias e os objetos sensíveis, por outro ainda prende-se a uma compreensão
contemplativa da realidade. O defeito Feuerbach estava na sua incapacidade de
enxergar a importância da atividade real dos homens de carne e osso (Konder,
1992:115).
Na Tese VI sobre Feurbach Marx vai explicitar que o fato do mesmo não enxergar
a atividade real dos homens apenas desloca a essência religiosa para uma essência
humana .
Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas
a essência humana não é uma abstração ao indivíduo singular.
Em sua realidade é o conjunto das relações sociais. Feuerbach,
que não compreende a crítica dessa essência real, é por isso
forçado: 1. a abstrair o curso da história e a fixar o sentimento
religioso como algo para-si e a pressupor um indivíduo humano
abstrato, isolado. 2. Por isso, a essência só pode ser aprendida
como “gênero”, como generalidade interna, muda, que liga de
modo natural os múltiplos indivíduos (Marx e Engels, 1986 p.13).

A separação da quantidade e qualidade nos processos sociais e educativos


deriva de uma concepção de realidade e realidade humana dual. É na compreensão
materialista de história e de realidade humana e na dialética materialista histórica que
podemos perceber a ruptura que Marx e Engels efetivam com esta herança que, como
assinalamos acima, se manifesta de forma diversa no pensamento grego, antigo e
clássico, na idade média e na modernidade burguesa.
Ponto fundamental da compreensão materialista dialética de natureza humana e
de ser humano em Marx e Engels é de que não existe uma essência ou natureza
humana que não seja a própria história produzida pelos seres humanos. O ser humano e
suas possibilidades e limites resultam do que os seres humanos constroem uns em
relação com os outros. Karel Kosik explicita esta compreensão do ser social em Marx e
Engels de forma muito direta e clara.
O homem não existe sem as “condições” e só é criatura
social através das “condições”. O contraste entre o homem e as
“condições”, o antinomismo da consciência impotente e das
onipotentes “condições”, consiste no contraste entre as
“condições isoladas e o íntimo obscurecimento do homem isolado.
(...).)
O caráter social do homem, porém, não consiste apenas que ele
sem o objeto não é nada; consiste antes de tudo em que ele
demonstra a própria realidade em uma atividade objetiva. Na
produção e reprodução da vida social, isto é, na criação de si
mesmo como ser histórico social, o homem produz:
1) os bens materiais, o mundo materialmente sensível, cujo
fundamento é o trabalho;
2) as relações e as instituições sociais, o complexo das condições
sociais;
3) e, sobre a base disto, as idéias, as concepções, as emoções, as
qualidades humanas e os sentidos humanos correspondentes.
Sem o sujeito, estes produtos sociais do homem ficam privados
de sentido, enquanto o sujeito sem os pressupostos materiais e sem
produtos objetivos e uma miragem vazia. A essência do homem é
a unidade da objetividade e da subjetividade”(Kosik, 1968, p.
113).

Na compreensão de como o ser social se produz, a concepção dialética rompe com


a visão fragmentária do real entendido como soma de fatores e a explicita como uma
totalidade histórica que resulta das relações dentre determinações ou mediações
que o constituem.
Assim, quantidade e qualidade de uma realidade histórica, são coisas distintas,
mas não separáveis. Elas se processam numa mesma realidade ou totalidade concreta.
Como mostram Marx e Engels, as leis fundamentais da dialética materialista são: 1) lei
da passagem da quantidade à qualidade; 2) lei da interpenetração dos contrários; 3)e
lei da negação da negação. (Konder, 1986, p.58)8
Gramsci, pensando os processos sociais, nos oferece uma contribuição
fundamental para entender a quem interessa contrapor quantidade e qualidade e que
destacamos na epígrafe deste capítulo. Sustentar a “qualidade” contra a quantidade
significa, precisamente, apenas isto: manter intactas determinadas condições de vida
social, nas quais alguns são pura quantidade, outros pura qualidade (Gramsci, 1978,
p.50).
Do mesmo modo Gramsci oferece elementos preciosos para compreender, no
campo das relações sociais, exemplos onde a quantidade é um elemento da qualidade
ou da passagem da quantidade em qualidade. Destacamos duas passagens de sua
análise sobre o tema da relação quantidade e qualidade nas relações sociais.
Criar uma nova cultura não significa apenas fazer
individualmente descobertas “originais”; significa também, e,
sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas,
“socializá-las por assim dizer; transformá-las, portanto, em base
de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem
intelectual e moral. O fato de uma multidão de homens seja
conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a
realidade presente é um fato “filosófico” bem mais importante e
original do que a descoberta de um “gênio filosófico, de uma
8
. Konder observa nesta mesma obra de que apesar da centralidade destas leis na compreensão da dialética
materialista a mesma não é redutível a elas. Por outro lado, observa que entre a dialética da natureza e a
dialética histórica há mediações e determinações profundamente diversas e que, por isso, exemplos
extraídos das leis da natureza trazem limitações insanáveis para entender os processos históricos. Ver,
também, a esse respeito Raymond Willians (2007) no verbete sobre os diferentes sentidos de dialética e a
polêmica, no interior do marxismo, sobre as denominações de materialismo dialético e materialismo
histórico.
nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos
grupos intelectuais”(Gramsci, 1978, p. 13-14)..

O efeito, no plano político, de uma multidão de trabalhadores passarem da


simples experiência de classe para a consciência de classe, muda qualitativamente a
natureza da correlação de forças frente à classe detentora do capital. Por isso reservar
uma elevada qualidade de desenvolvimento intelectual, social, cultural e de acesso aos
bens econômicos para poucos se constitui numa das estratégias básicas de dominação e
de reprodução das relações de poder dominantes na sociedade.
Outro exemplo pelo qual Gramsci nos mostra a passagem da quantidade a
qualidade é quando se refere à obra do capital onde a mesma evidencia a potenciação
do trabalhador coletivo no processo de produção sob o comando da gerência capitalista.
A explicação teórico-prática mais concreta se encontra no I
volume do Capital, onde se demonstra que no sistema fabril existe
uma cota de produção que não pode ser atribuída a nenhum
trabalhador individual, mas sim ao conjunto dos operários, ao
homem coletivo (op.cit. p. 194).

A tomada de consciência dos trabalhadores, no plano da práxis, desta mudança


qualitativa pela mediação quantitativa constitui-se na forma de entender como o capital
além de expropiar individualmente cada trabalhador ganha na potenciação daquilo que
resulta do trabalho coletivo.
Na lei da mudança da quantidade em qualidade estão implicadas as duas outras
leis básicas da dialética materialista: interpenetração dos contrários e a negação da
negação. No primeiro caso trata-se de perceber que nada na realidade humana está solto
e por isso nada pode ser entendido de forma isolada, mas sim de forma relacional e em
seu contexto. No segundo, a negação da negação, não significa anulação, mas um
movimento de superação. Nas relações sociais capitalistas, trata-se de um processo
construído pela práxis humana de superação de toda a forma de propriedade privada e,
por conseqüência a instauração de um processo cujo epílogo seja o fim da divisão da
sociedade em classes e da exploração de uns sobre outros.
A forma como a burguesia constrói a compreensão do ser humano ou a natureza
humana e, sob sua base, a justificação da manutenção da propriedade privada dos
meios e instrumentos de produção e a expropriação dos trabalhadores é muito mais
complexa de ser desvelada. Com efeito, Marx e Engels reconhecem a avanço
civilizatório da revolução burguesa por ter, mediante a luta política e o desenvolvimento
das ciências, confrontado as verdades metafísicas da igreja.
Todavia, a burguesia rompe com a essência divina da idade medieval, mas, ao
mesmo tempo, a substitui por uma essência humana entendida como “natureza dos
homens”. Natureza humana utilitarista e egoísta que, ao impulsionar cada indivíduo ao
bem próprio, empreenderia o progresso e o bem comum. De Locke, Hobbes a Rousseau,
com os enfoques particulares de cada um, trata-se da projeção da universalidade da
natureza específica do homem burguês, da racionalidade do proprietário privado que se
relaciona com os outros pela mediação dos seus interesses egoístas como isso fosse a
universalidade dos seres humanos. Nos termos de Marx, a essência do homem
capitalista foi elevada à essência capitalista do homem.
Por esta via que a ideologia burguesa define o modo de produção capitalista
como fim da história. Trata-se de postular que este modo de produção corresponde à
natureza dos seres humanos - essência capitalista dos homens. Tese esta atualmente
reforçada por uma conclusão reducionista do colapso do socialismo real.
Por isso é que Marx na introdução à Crítica da filosofia do direito de Hegel
explicita a necessidade da análise histórica no processo de desvelar o caráter de classe
da concepção burguesa de realidade e de ser humano.
Conseqüentemente, a tarefa da história, depois que o outro mundo da verdade
se desvaneceu é estabelecer a verdade deste mundo. A imediata tarefa da filosofia, que
está a serviço da história, é desmascarara a auto-alienação humana nas suas formas
não sagradas, agora que ela foi desmascarada na sua forma sagrada. A crítica do céu
transforma-se deste modo em crítica da terra, a crítica da religião em crítica do
direito, e a crítica da teologia em crítica da política (Marx, 2005... p. 146).
A tarefa acima aludida por Marx cabe aos intelectuais comprometidos com a
luta de superação do modo de produção capitalistas Florestan Fernandes, num contexto
em que analisa a burguesia brasileira, apreende com justeza a tarefa histórica aludida
por Marx. Ao falar-nos do intelectual divergente nos mostra que o desafio é o de repor
o intelectual no circuito das relações e conflito de classe (...). Mas, de nada adiantaria
uma retórica ultra-radical de condenação e de expiação: o intelectual não cria o
mundo no qual vive. Ele já faz muito quando consegue ajudar a compreendê-lo e
explicá-lo, como ponto de partida para sua alteração real (Fernandes, 1980).
Ao trabalho de pesquisa, calcado numa perspectiva materialista histórica, cabe a
tarefa de desvelar como a burguesia, no âmbito mundial, ou, em nosso caso mais
especificamente da burguesia brasileira, mascara as relações de classe por idéias, noções
e “teorias” sob uma concepção fragmentária e antinômica da realidade.

4.2 – A função social da antinomia entre quantidade e qualidade da


educação na sociedade capitalista.

Buscaremos neste item sinalizar, apenas, os elementos mais gerais das formas
que assume a educação escolar no processo de constituição da classe burguesa e a
função social da contraposição entre quantidade e qualidade. Destacaremos, também,
em linhas gerais, a particularidade na sociedade brasileira. Ao longo da análise
sinalizaremos algumas referências que permitem aprofundar aspectos do tema aqui
analisado.
A revolução burguesa resulta, como nos mostra Marx (1970) em sua análise
sobre as formações econômicas pré-capitalistas, das contradições do desenvolvimento
das relações sociais no plano da produção material destas sociedades e pelo surgimento
de novas instituições sociais e por novas idéias, teorias e concepções, ideologias,
símbolos e valores que, concomitantemente, foram se desenvolvendo sob estas bases
sociais. Assim, ao mesmo tempo em que se desenvolve a propriedade privada, também
se desenvolvem as ciências da natureza e as ciências sociais e afirmam ideologias e
teorias que se contrapõe ao domínio do poder absolutista e o poder da igreja.
Marx, como observa Hobsbawm, desde seu prefácio à Crítica da e economia
política,
preocupa-se em estabelecer o mecanismo geral de todas as
transformações sociais: isto é – a formação das relações sociais
de produção correspondentes a um estágio definido de
desenvolvimento das forças produtivas materiais; o
desenvolvimento periódico de conflitos entre as forças produtivas
e as relações de produção; as “épocas de revolução social” em
que as relações de produção se ajustam novamente ao nível das
forças produtivas (Hobsabawm, 1977, p. 15).

Por essa via sua análise rompe com a visão de uma história humana produzida
fora da história. São, pois, os seres humanos, em circunstâncias produzidas por seus
antepassados que produzem a história. A base objetiva do humanismo de Marx e de sua
teoria de evolução social e, simultaneamente de sua teoria de evolução social e
econômica, é a análise do homem como animal social. O homem – ou melhor, os
homens – realizam trabalho, isto é, criam e reproduzem sua existência na prática
diária, ao respirar, ao buscar alimento, abrigo, amor, etc. ( op cit. p.16).
A antinomia entre quantidade e qualidade nas relações sociais no seu conjunto
e, especificamente, nos processos educativos, cumpre uma função ideológica na
legitimação da estrutura de classe produzida pela revolução burguesa. A burguesia
rompe com o a visão metafísica de realidade, com o Estado Absolutista e com o regime
escravocrata, mas não rompe com as relações sociais classistas que dominaram a
história humana até o presente. A transição da sociedade feudal, num longo processo de
séculos, vai estruturar as novas classes fundamentais da modernidade: burguesia e
proletariado.9
Neste longo processo vai se definindo a propriedade privada dos meios e
instrumentos de produção como a base fundamental da geração do lucro mediante a
exploração dos que tem apenas sua força de trabalho para vender e receber em troca um
salário. O salário é apenas parte de seu tempo de trabalho despendido na produção, pois
a outra parte fica na mão de que comprou sua força de trabalho.
Os valores, idéias, teorias, valores, símbolos e instituições que sedimentam o
novo modo de produção são de natureza diversa dos modos de produção pré-capitalista.
O individualismo, o consumismo, os valores laicos, e ideário de liberdade, igualdade e
fraternidade e o direito positivo (ciência da burguesia) constituem a superestrutura do
novo modo de produção.
Entretanto, como mostra numa densa obra Domenico Losurdo (2006), uma
coisa e examinar as idéias do liberalismo na sua forma pura e abstrata e outra e analisar
as suas ações e políticas nas sociedades nas relações e práticas concretas. Passando um a
um os grandes momentos e principais personagens do pensamento liberal, Losurdo vai
evidenciando que na prática o liberalismo não podia ser liberal e nunca pode, pela
natureza da estrutura social classista, concretizar o que postula. Por isso no plano das
relações e dos interesses concretos, mesmo depois de abolida a escravidão, na prática
não é abolida de todo a idéia de que os escravos entendidos como bois que falam.
Assim, também, o ideário de igualdade, liberdade e fraternidade, ícones da força
aglutinadora da ideologia liberal, não é capaz de elidir os fatos que tratam os

9
.Numa nota de Engels, na edição inglesa do Manifesto Comunista em 1988, o mesmo define burguesia e
proletariado nos seguintes termos: Por burguesia compreende-se a classe de capitalistas modernos,
proprietários dos meios de produção social, que emprega o trabalho assalariado. Por proletários
compreende-se a classe de trabalhadores assalariados modernos, que privados dos meios de produção
próprios, se vêem obrigados a vender sua força de trabalho para poderem existir( In: Fernandes, 1983,
p.365).
trabalhadores, como salienta Taylor em sua teoria geral de administração, de macacos
domestificáveis.Trata-se de iguais apenas formalmente e, por isso, o espanto de
Manddeville diante do fato dos trabalhadores buscarem se organizar para lutar por seus
direitos.
Recebo informações de pessoas dignas de fé que alguns desses
lacaios chegaram a ser tão insolentes até o ponto de se reunir e
fazer leis conforme as quais se obrigam a não prestar serviço por
soma inferior à estabelecidas por eles, a não transportar cargas
ou embrulhos ou pacotes que superem certo peso, fixado a duas
ou três libras, e se impuseram uma série de regras diretamente
opostas ao interesse daqueles aos quais prestam serviço, e ao
mesmo tempo contrárias ao objetivo pela qual foram
assumidos(Mandeville, apud Losurdo, 2006, p. 224).

Ao contrário da crença de que no espaço do mercado a natureza do homem


capitalista agindo pelo impulso natural do interesse próprio acabaria, por esta força
invisível, por gerar o bem comum, na realidade social e humana, o que evidenciou é
algo muito diverso.
No mercado tem sido vendidos e comprados também servos
brancos a contrato, condenados assim a uma sorte não muito
diferente da reservada aos escravos negros; em nome do mercado
têm sido reprimidas coalizões operárias e têm sido ignorados e
negados os direitos econômico-sociais, com a conseqüente
mercantilização de aspectos essenciais da personalidade e
dignidade humana ( a saída, a instrução, etc.) (Losurdo, op cit, p.
360).

Não obstante a incompatibilidade da liberdade, igualdade e fraternidade sob as


relações sociais capitalistas e as contradições cada vez mais profundas e insanáveis, o
sistema vale-se do que Gramsci denominou de aparelhos de hegemonia para manter-se.
A escola, tal qual a conhecemos hoje, surge como o espaço por excelência de produção
e reprodução de conhecimentos, atitudes e valores, ideologias e teorias capazes de
justificar o novo modo de produção.
Com efeito, a gênese histórica da escola dá-se, ao longo do século XVIII, dentro
do mesmo processo de emergência da ciência moderna e da ascensão da burguesia
como classe social hegemônica. Ela nasce como uma instituição pública, gratuita,
universal e laica que tem, ao mesmo tempo, a função de desenvolver uma nova cultura,
integrar as novas gerações no ideário da sociedade moderna e de socializar de forma
sistemática o conhecimento cientifico. Todavia, não poderia ser uma escola da mesma
qualidade para os filhos da burguesia e para os lacaios trabalhadores.
Essa percepção advinha das relações sociais e o fundamental era a sua
naturalização. Por isso, no início do século XIX, Destutt de Tracy, de forma
emblemática caracteriza aquilo que será a tônica, ainda que de forma diversa em
diferentes nações, dos sistemas escolares até hoje: uma escola dual.
Em toda a sociedade civilizada existem necessariamente duas
classes de pessoas: a que tira sua subsistência da força de seus
braços e a que vive de renda de suas propriedades ou do produto
de funções onde o trabalho do espírito prepondera sobre o
trabalho manual. A primeira é a classe operária; a segunda é
aquele que eu chamaria de classe erudita.
Os homens da classe operária têm desde cedo necessidade do
trabalho de seus filhos. Essas crianças precisam adquirir desde
cedo o conhecimento, sobretudo, o hábito e a tradição do trabalho
penoso a que se destinam. Não podem, portanto, perder tempo na
escola. (...)
Os filhos da classe erudita, ao contrário, podem dedicar-se a
estudar durante muito tempo; têm muita coisa a aprender para
alcançar o que se espera deles no futuro. Necessitam de um certo
tipo de conhecimento que só se pode apreender quando o espírito
amadure e atinge determinado grau de desenvolvimento. (...)
Esses são fatos que não depende, de qualquer vontade humana;
decorre, necessariamente da própria natureza dos homens e da
sociedade; ninguém está em condições de poder mudá-los.
Portanto, trata-se de dados invariáveis dos quais devemos partir.
Concluamos, então, que em todo Estado bem administrado e no
qual se dá devida atenção à educação dos cidadãos, deve haver
dois sistemas completos de instrução que não têm nada em
comum entre si (grifos meus) (Destutt de Tracy, 1917, tomo I,
aptud Frigotto, 2002, p15) ).

A direta e explicita compreensão de Destutt da função social dual da escola na


sociedade capitalista é reiterada de diferentes formas quando os intelectuais da
burguesia buscam entender o papel da escola na economia e no processo produtivo.
Adam Smith recomenda que do ponto de vista da economia a instrução para os
trabalhadores deve ser em doses homeopáticas. Taylor, em sua teoria geral da
administração, defende uma divisão de trabalho, de tal sorte que um macaco
domesticado pudesse executar. A quantidade e a qualidade da educação, neste contexto,
são colocadas e campos antinômicos. Mesmo quando a escola dá acesso a todos não
pode ser, no plano da realidade social, da mesma qualidade.
A literatura do campo educacional é ampla e abundante na demonstração da
natureza estrutural da dualidade do ensino. Dualidade inerente à estrutura social
classista. Na sua anatomia mais geral institui-se processos educativos de caráter geral,
clássico e científico para a formação das elites dirigentes e uma escola mais restrita,
profissionalizante e adestradora voltada para aqueles destinados ao mundo do trabalho
“industrial” e produtivo. Não por acaso os estudos mais densos sobre o caráter dual da
escola tenham se originado na mais republicana das sociedades ocidentais do século XX
- a França - onde justamente as lutas e conquistas dos direitos econômicos e sociais
alcançaram, nos limites do capitalismo, patamares avançados. Destaco os estudos de
Baudelot e Stablet (1971) sobre a escola dual na França e o livro de George Synders
(1981) sobre a escola e a luta de classes.
Em sociedades de capitalismo dependente e de desenvolvimento desigual e
combinado a dualidade assuem mediações que a tornam mais explicita e profunda. O
Brasil, como já indicamos no capítulo III, protagonizou ao longo do século XX um dos
exemplos de sociedades ocidentais mais emblemáticos de combinação de nichos
altamente desenvolvidos e uma massa de milhões à margem dos direitos econômicos
elementares (direito a comer, morar, locomover-se, vestir-se) e dos direitos sociais
(saúde, educação, cultura, etc.).
Como mostra Ianni, ainda que se desenvolvendo de maneira desigual, combinada e
contraditória, o capitalismo expande-se pelas mais diferentes nações e nacionalidades, bem
como culturas e civilizações, dinamizado pelos processos de concentração e centralização,
concretizando a sua globalização (Ianni, 2001:178).
As categorias de capitalismo dependente e desenvolvimento desigual e combinado
têm intima relação e são centrais para entender a especificidade e particularidade de como se
construiu o capitalismo no Brasil, a natureza da estrutura e relações de classe e as alianças da
burguesia brasileira com as burguesias do capitalismo hegemônico.
Com efeito, para Löwy as análises sobre o desenvolvimento desigual e combinado
introduzem uma diferença crucial com os teóricos da dependência, pois diferente destes
últimos, afirmam o caráter exclusivamente capitalista das economias latino-americanas,
desde a época da colonização - na medida em que (...) trata-se mais de um amalgama entre
relações de produção desiguais sob a dominação do capital (Löwy, 1995).
A dualidade estrutural, na sociedade brasileira acrescenta-se a manutenção de
quinze milhões de analfabetos, um tempo de escolaridade média para a classe
trabalhadora adulta que não passa de cinco anos e uma desigualdade abismal na
possibilidade de prosseguir os estudos além da quinta série nas regiões norte e nordestes
e no meio rural. Dos mais de mil assentamentos da “Reforma Agrária”, o dominante é
a oferta da escola até a quinta série.
No plano mundial, ao contrário da suposta capacidade do Deus mercado
regular as relações sociais conduzindo a um equilíbrio econômico-social e educacional,
caracterizou-se pela acumulação e concentração do capital e da riqueza e por
desigualdades absurdas entre e intra-nações. O século XX, como bem o caracterizou o
historiado Eric Hobasbawm (1995), constituiu-se numa era de extremos: duas guerras
mundiais, inúmeras lutas, revoltas da classe trabalhadora, a revolução socialista de
outubro de 1917 e seu colapso e derrota no fim da década de 1980.
A efetiva derrota do socialismo realmente existente, não pode ser confundida
com o seu fracasso. Pelo contrário demarcou a luta capital-trabalho no século XX e
obrigou o capitalismo regular o sistema capital mediante as políticas keynesianas após
a década de 1930. Naquelas nações onde, efetivamente, Estado de Bem-Estar vigorou a
classe trabalhadora conquistou amplas vantagens econômicas e sociais e a era de ouro
do capitalismo, como a caracterizou Hobsbawm na obra acima referida. Mas, as
políticas de regulação keynesianas não só não foram generalizadas como seu ciclo
completo apenas atingiu não mais que duas dezenas de nações. Do mesmo modo, o
sistema capital, como uma força indômita, cujo limite só é a força de outro capital, na
teoria e na prática foi se contrapondo ao socialismos e às políticas keynesianas10.
A conclusão de Hobsbawm (1990) é de que já na década de 1950 o domínio do
sistema capital era de tal ordem, mormente o capital financeiro, que a nação já não
existia do pondo de vista econômico. Dito de outro modo, o sistema capital, acima dos
regimes políticos, tornou-se o governo do mundo. Neste contexto a desigualdade tendia
a aumentar como o número de pobres no interior das nações, especialmente dos países
de capitalismo dependente e periférico.
É neste contexto de luta pelas desamarras do capital da regulação Keynesiana e no
avanço da influência do socialismo no Leste Europeu do pós II Guerra Mundial e do
clima de guerra fria que economistas, sentinelas do sistema capital, buscam entender o
10
. O leitor interessado em aprofundar esse combate sistemático, que durou meio século, pode ter uma
compreensão clara na obras do intelectual mais influente deste combate - Frederic Hayek. Ver, Hayek,
1980 e 1987.
que poderia explicar as “disfunções” do sistema econômico e as ameaças que disto
poderiam decorrer para o aumento do socialismo. Na América Latina, a pequena ilha de
Cuba, com a revolução popular e depois socialista, tornou-se um pesadelo para o
império norte-americano.
Ao longo da década de 1950, o economista Theodoro Schultz liderou uma
equipe cujo projeto era de decifrar o enigma da desigualdade entre países e entre
indivíduos. Estes estudos levam Schultz expor em duas obras sobre o valor econômico
da educação cuja síntese é explicitada pela categoria de capital humano, (Schultz, 1962,
1973). Estes estudos lhe valeram o Prêmio Nobel de Economia em 1978. O fator H
( capital humano), como ficou sendo conhecido na função de produção do pensamento
econômico neoclássico, era constituído por instrução, treinamento e saúde. Haveria, de
ora em diante, duas formas de deter capital: ser proprietário de meios e instrumentos de
produção ou deter capital humano resultante do estoque de conhecimentos,
habilidades, atitudes, valores e níveis de saúde que potenciam a força de trabalho.
O caráter ideológico da teoria do capital humano e sua natureza reducionista de
sociedade, de trabalho, de ser humano e de educação, o demonstramos em trabalhos já
publicados (Frigotto, 1985 e 1997). O que importa aqui é reter dois aspectos que nos
parecem centrais para o tema que estamos discutindo.
Primeiramente que se tratava de uma regressão da concepção do papel da escola
em cuja origem a mesma era concebida como um espaço de organização, reprodução e
produção de conhecimentos, valores, atitudes, símbolos no preparo das novas gerações.
À dualidade já presente desde sua origem acrescia-se, agora, a idéia de que a educação
tinha que ser encarada como uma mercadoria, um capital, de cujo investimento público
e privado se poderia impulsionar o desenvolvimento dos países de capitalismo
periférico e mobilidade social dos indivíduos pobres. Supondo que de fato e de forma
linear a educação tivesse este poder, o que não está explicitado - por condição de
classe11 - é como os países de capitalismo dependente e os indivíduos pobres adquirem
uma boa escolaridade. Ou, como pergunta Beluzzo: os países e indivíduos pobres são
pobres porque não tem escolaridade ou não tem boa escolaridade porque são pobres?
Ao contrário do que pretendem os mandamentos e as lengalengas do pensamento

11
. A condição de classe conduz as análises num raciocínio linear e circular não alcançando, portanto, as
mediações e determinações que permitem entender como a desigualdade e a pobreza são produzidas nas
relações sociais de produção. Como observa Marx, os economistas burgueses presos às representações
capitalistas vêem, sem dúvida, como se produz dentro da relação capitalista, mas não como se produz
essa própria relação.
único, a maioria não é pobre porque não conseguiu boa educação, mas, na realidade,
não conseguiu boa educação porque é pobre. (Beluzzo,2001, p. 2)
O segundo aspecto diz respeito a que a ideologia do capital humano foi utilizada
de forma ampla e intensa nos países do capitalismo periférico. Na América Latina todos
os países foram, primeiramente, colônia de metrópoles e, atualmente, reféns das dívidas
externa e interna e cujas burguesias locais assumem uma postura de sócios subordinados
aos centros hegemônicos do capitalismo. Implícito nas políticas capitaneadas pela noção
de capital humano estava a luta ideológica contra o socialismo, tendo Cuba como um
alvo a derrotar12.

Não por acaso, a América Latina foi assolada por ditaduras a partir da década de
1960. E é no contexto das ditaduras que são implementadas, sob orientação dos
organismos internacionais e regionais, as reformas educativas. O Banco Mundial
(BIRD), Organização Mundial do Comércio (OMC) e Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), fortemente apoiados pela grande imprensa, tornam-se
aparelhos de hegemonia na tarefa de convencimento das massas de que o problema da
desigualdade entre países e entre grupos sociais não se deve à relação assimétrica de
poder e relações de classe, mas as diferenças educacionais.

No Brasil, como demonstra Saviani (1998) sob a ditadura civil-militar efetivou-


se um ciclo completo de reformas que atingiram todos os níveis de ensino e sob o
ideário do economicismo. Foi durante o período da ditadura, também, que os
economistas de orientação conservadora tornaram-se os grandes consultores das
reformas educacionais. No Brasil destacam-se Mário Hernrique Simensen, Carlos
Geraldo Langoni e Claudio de Moura Castro, todos eles com passagens e vínculos com
os organismos internacionais. É neste período que é implantada nos cursos de pedagogia
e de pós-graduação a disciplina economia da educação.

A regressão que a noção de capital humano estabelece sobre a concepção da


função da escola é análoga à passagem da Economia Política Clássica, cuja referência
era a relação dos indivíduos e grupos sociais com a sociedade para a economia
neoclássica, onde não mais a sociedade, mas, sim, o mercado é a referência.

12
. Paradoxalmente, Cuba foi o único país latino-americano que teve uma mudança qualitativa no campo
da educação, porque a mesma se efetivou dentro de uma revolução socialista. O inimigo a ser derrotado
tornou-se exemplo concreto de que, mesmo com recursos escassos e um bloqueio econômico de meio
século, mudanças substantivas na educação só ocorrem quando há mudanças substantivas na sociedade.
Com efeito, a escola, na consolidação da hegemonia burguesa em relação à
sociedade feudal e ao poder da igreja e do Estado absolutista, nasce como uma
instituição pública, gratuita, universal e laica que tem, ao mesmo tempo, a função de
desenvolver uma nova cultura, integrar as novas gerações no ideário da sociedade
moderna e socializar de forma sistemática o conhecimento científico. É importante
ressaltar que, em sua característica clássica, a escola é um ambiente de diferentes
aprendizagens sistemáticas: os valores, as atitudes, os símbolos e as concepções são
traços tão importantes quanto o desenvolvimento de conhecimentos e de habilidades
cognitivas.

Ao tratar a escola como o lócus de desenvolvimento do capital humano, dentro


deu uma função de produção neoclássica, a referência aqui também não é mais a
sociedade e o direito de todos, ainda que desigual. A referência e o critério da
quantidade e da qualidade são dados pelo mercado. Trata-se de implementar políticas e
concepções educativas e de conhecimentos utilitaristas e pragmáticas: uma educação
voltada para o que serve ao mercado. Formação do cidadão produtivo a que nos
referimos anteriormente.

A noção de capital humano é incorporada, já num contexto de crise do fordismo


e Keynesianismo. Ela, todavia, guarda a idéia de inclusão no mundo do emprego e se
relaciona, também, à idéia de qualificação como um direito social. A partir do final da
década de 1980, com o colapso do socialismo real, monopólio crescente do
conhecimento, mudanças profundas na base técnica e organizacional do processo
produtivo e hegemonia do capital financeiro, consolidou-se um quadro onde o sistema
capital poderia vingar-se das barreiras ao lucro maximizado e contra os direitos dos
trabalhadores.
O documento que se denominou de Consenso de Washington, representa a bíblia
do ajuste fiscal, da desregulamentação dos mercados, da flexibilização das leis
trabalhistas e da privatização do patrimônio público. Trata-se de apagar a herança das
políticas sociais distributivistas e dos mecanismos de regulação do mercado e do capital.
As bases institucionais que regulamentam o direito internacional e na esfera nacional,
deslocam-se para as organizações genuínas do mercado. A Organização Mundial do
Comércio (OMC) passa a se constituir no fórum que decide, por cima das nações, as
regras do livre mercado.
No plano ideológico a doutrina neoliberal passa a orientar as políticas
econômicas, a reforma do Estado. Um Estado que se amplia como segurança
especialmente do capital financeiro e um estado mínimo para a garantia dos direitos
sociais. A frase emblemática e cínica de Margareth Teacher, ícone do conservadorismos,
- não vejo a sociedade vejo apenas os indivíduos – explicita uma regressão da regressão
no campo social e que vai se manifestar nas reformas e concepções educativas da
década de 1990.
Com efeito, as noções que redefinem e atualizam a ideologia do capital
humano, dentro deste novo contexto são de: sociedade do conhecimento (que deriva do
determinismo tecnológico), qualidade total (que deriva, sobretudo, das mudanças
organizacionais das empresas) e pedagogia das competências (que deriva de uma
concepção ultra-individualista de formação e do deslocamento da organização e direitos
coletivos para uma luta e competição individual)13. Estas “novas” noções se vinculam,
no plano mais geral, à visão de uma sociedade em rápida e constante mudança e de
incertezas. Por isso a idéia de emprego e de estabilidade é tida como anacrônica e que
acomoda o trabalhador. A “galinha dos ovos de ouro” agora e a segurança, se
denominam empregabilidade. Não se trata mais de querer o emprego vitalício, mas de
ser dotado e adquirir permanentemente as competências que o mercador reconhece
como as desejáveis.

“A empregabilidade é um conceito mais rico do que a simples busca ou


mesmo a certeza de emprego. Ela é o conjunto de competências que
você comprovadamente possui ou pode desenvolver - dentro ou fora da
empresa. É a condição de se sentir vivo, capaz, produtivo. Ela diz
respeito a você como indivíduo e não mais a situação, boa ou ruim da
empresa - ou do país. É o oposto ao antigo sonho da relação vitalícia
com a empresa. Hoje a única relação vitalícia deve ser com o conteúdo
do que você sabe e pode fazer. O melhor que uma empresa pode
propor é o seguinte: vamos fazer este trabalho juntos e que ele seja
bom para os dois enquanto dure; o rompimento pode se dar por
motivos alheios à nossa vontade. ( ...) ( empregabilidade) é como a
segurança agora se chama (Grifos meus). (Moraes, 1998)14

Viviane Forrester explicita o sentido desta promessa e a violência que isso


representa sobre os direitos e vida dos trabalhadores.

13
. Em relação às noções de sociedade do conhecimento e qualidade total ver Frigotto (1997). Para uma
análise da pedagogia das competências ver Ramos (2001).
14
. O leitor encontrará esta citação em diferentes trabalhos por mim publicados. A sua repetição deriva do
fato de que o autor explicita de forma direta o grau máximo de mistificação e cinismo num contexto de
desemprego estrutural. Desmistificá-la, científica e ético-política.
(...) uma bela palavra soa nova e parece prometida a um belo
futuro: “empregabilidade”, que se revela como um parente muito
próximo da flexibilidade, e até como uma de suas formas. Trata-
se, para o assalariado, de estar disponível para todas as
mudanças, todos os caprichos do destino, no caso dos
empregadores. Ele deverá estar pronto para trocar
constantemente de trabalho (como se troca de camisa, diria a ama
Beppa) (Forrester, 1997, p. 118).

Esta regressão da regressão do campo educacional vincula-se a uma regressão


da regressão do sistema capital que, como demonstra Istvan Mèszàros acresce à tese de
Chumpeter da destruição produtiva do capitalismo a destruição produtiva. Enquanto a
primeira sinaliza a tendência da competição inter-capitalista de destruir precocemente
inovações técnicas a segunda indica que o sistema capital funda-se cada vez mais no
desperdício, na produção de armas, na destruição dos recursos naturais, na ampliação
do desemprego estrutural e na abolição ou minimização de um a um dos direitos
conquistados pela classe trabalhadora.
Não por acaso, então, o surgimento do ideário das propostas pedagógicas
centradas em categorias do determinismo tecnológico (sociedade do conhecimento), na
perspectiva gerencial (qualidade total) e em propostas educativas fragmentárias,
pragmáticas e ultra individualistas (pedagogia das competências). As novas habilidades
- de conhecimento, de valores e de gestão, e, portanto, de novas competências para a
empregabilidade apagam o horizonte da educação e formação técnico profissional como
um direito social subjetivo. A ideologia do capital humano se apresenta sob outra
forma, numa perspectiva desintegradora e justificadora do agravamento da desigualdade
e exclusão social. Recauchutada, ela volta para explicar, ou tentar explicar, o
agravamento das desigualdades no capitalismo contemporâneo. Assim, fica mais fácil
atribuir ao indivíduo a responsabilidade por suas desgraças e por sua derrota. "Sou
pobre porque sou incompetente e sem qualificação” (Beluzzo, 2001, p.1).
A ênfase no tema da qualidade da educação, sem menção da quantidade, nos
documentos e nas conferências internacionais e seu vínculo à problemática do
desenvolvimento, “equidade”, “empregabilidade” ( não mais emprego), também não é
causal. Referindo-se a uma pesquisa de Rocio Lerena, Bianchetti assinala que o mesmo
identificou, na revisão de literatura de documentos internacionais e nacionais, 950
referências do termo qualidade da educação. O senso comum que vai se formando sobre
a boa e má qualidade da educação, como aponta Bianchetti, vincula-se sobretudo ao
entendimento e juízos de valor (de classe) dos organismos internacionais. A qualidade
referida, por estes organismos, como assinalamos anteriormente, é auferida e avaliada
pelos critérios do mercado e dentro da lógica da atual fase do capitalismo.
La idea de una “educación de calidad” se encuentra
originariamentevinculada a una forma de concebir las
características y funciones que debe poseer y cumplir la
educación, como herramienta de formación para adaptarse a las
demandas requeirdas para reproducir y potenciar um modelo de
desarrollo capitalista(Bianchetti, 2088).

Na nova fase do capitalismo de produção flexível e de desregulamentação dos


direitos, o que se requer da educação não é qualquer qualidade, mas uma qualidade
total. Trata-se de formar trabalhadores educados para a instabilidade, mutabilidade e
adaptabilidade do sistema flexível de produção em cujo perfil reúnam o conjunto de
“competências” e predisposições técnicas, cognitivas, afetivas, psico-sociais e culturais
que lhes permita operar em menor tempo, com o máximo de perfeição, na produção de
mercadorias ou serviços que, no menor espaço de tempo, realizam, no mercado local,
regional ou mundial, o lucro maximizado.
E como o mercado cada vez mais seletivo e flexível, a qualidade total implica a
conformação à instabilidade e a aceitação da conclusão cínica, hoje tornada senso
comum, explicitada no trecho grifado da citação acima de Moraes. O melhor que uma
empresa pode propor é o seguinte: vamos fazer este trabalho juntos e que ele seja
bom para os dois enquanto dure; o rompimento pode se dar por motivos alheios à
nossa vontade. ( ...) ( empregabilidade) é como a segurança agora se chama.
Na sociedade do conhecimento, de mudança veloz e de incerteza, a ideologia do
capitalismo tardio15 constrói um novo fetiche para mascarar o desemprego estrutural
dentro do qual a educação de qualidade total facultaria a quem a possui prescindir do
emprego e tornar-se empreendedor ou patrão de si mesmo. A profusão de cursos de
MBA ((Master Business Administration) reforça o fetiche16 dando a entender que um

15
. Referimo-nos aqui às análises que mostram que o sistema capitalista atual já esgotou sua parca
“capacidade civilizatória” e que, portanto, a luta não é de remediá-lo, mas de superá-lo. Ver a esse
respeito, entre outras análises, Mèszàros (2002)e Jameson (1996 e2001).
16
. Por fetiche entendemos aqui a mistificação ideológica que, por um lado, mascara a assimetria das
relações de poder e de classe da qual resulta a degradação, precarização e super-exploração dos
trabalhadores e desemprego estrutural e, por outro, empresta ao investimento na educação o poder mágico
de tornar cada trabalhador empreendedor e gerente do seu próprio negócio.
dos ingredientes da educação de qualidade total é fazer de cada trabalhador um mestre
na administração ou gerenciamento do seu negócio17.
Do que expusemos até aqui fica amplamente compreensível e demonstrado de
que a antinomia entre quantidade e qualidade na educação cumpre a função social de
justificar a dualidade estrutural, especialmente, mas não só, dos sistemas de educação
básica. Esta função social justificadora se refina e se agrava no contexto do caráter cada
vez mais regressivo das relações sociais capitalistas. As noções de capital humano,
sociedade do conhecimento, qualidade total, pedagogia das competências,
empregabilidade e empreendedorismo apontam que não basta qualquer qualidade da
educação, mas a qualidade definida pelos valores do mercado. Nos países de
capitalismo dependente o poder mistificador e justificador destas noções se plasma
como dogmas nas propostas de reforma educativa e no conteúdo, método e forma que
assumem os processos educativos.

4.3 - O embate sobre a relação quantidade e qualidade na educação no Brasil nas


décadas de 1990 e 2000 e a indicações de três experiências de ensino médio
integrado18

As síntese que chegamos, por diferentes trabalhos de pesquisa, orientação de


dissertações e teses sobre a temática das concepções e das políticas educacionais no
Brasil da década de 1980 para cá, podemos demarcar que há uma estrita relação entre os
embates em torno da definição do projeto societário e estas concepções e políticas.
Assim a década de 1980 foi demarcada pela luta do que se denominou na época de

17
. No Brasil, algumas instituições tornaram-se, paradoxalmente, especialistas em ensinar a gerenciar
qualquer coisas, reforçando a idéia senso comum que os problemas da educação, da saúde, do transporte,
emprego, trabalho, etc. devem-se ao mau gerenciamento. O leitor que queira comprovar isso é só
consultar, como exemplo, o site da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, que encontrará MBA ou
cursos de gerenciamento até para o campo do cinema. Instituição que no início da década de 1990, no
início do governo Collor de Mello, num ato unilateral mediante uma portaria, fechou oito cursos ligados
às ciências humanas e sociais.
18
. Do ponto de vista metodológico destacamos que estas três experiências tiveram sua escolha a partir
de estudos anteriores, mencionados na nota 3 deste capítulo. Especialmente o último projeto concluído
em 2004 sobre A formação do "cidadão produtivo" – da política de expansão do ensino médio técnico
nos anos 80 à fragmentação da educação profissional nos anos 90: entre discursos e imagens. Trata-se de
experiência que, tomados diferentes indicadores como carreira e formação docente, tempo do professor,
espaço físico, laboratórios, origem social dos alunos, história e características institucionais, desempenho
nas avaliações do Ministério da Educação e os “projetos e concepções pedagógicas, reúnem as condições
de ensino no patamar mais elevado na sociedade brasileira. Por isso, a exemplificação não pode ser
tomada apenas em si, mas como indicativo de um âmbito mais amplo que representam na rede de
ensino médio público federal. Mesmo que uma destas experiências seja uma fundação estadual ela se
enquadra muito mais nas condições da rede federal, já que o ensino médio nos Estados de uma maneira
geral se desenvolve dentro de uma ampla precariedade.
“redemocratização” na sociedade e educação. Um trabalho denso sobre este aspecto foi
desenvolvido por Luiz Antônio Cunha no livro: Educação, estado e democracia no
Brasil (1991). O processo constituinte colocou, como já discutimos no capítulo anterior,
em confronto as concepções e políticas educacionais do economicismo do período da
ditadura civil-militar e as concepções e políticas educacionais na perspectiva da
educação integral, omnilateral e politécnica e da escola pública, universal, gratuita,
laica e unitária. Confronto e debates que se prolongam na construção da nova Lei de
Diretrizes e Bases e o Plano Nacional de Educação.
A longa postergação da nova LDB, como demonstramos noutros trabalhos
(Frigotto, 2002 e 2005) não era fortuita. A conjuntura era outra. A década de 1990, sob
os oito anos de Fernando Henrique Cardoso como Presidente e Paulo Renato Souza
Ministro da Educação, como analisamos no Capítulo III, definiu-se, mediante as
privatizações e a Reforma do Estado o pêndulo entre construir uma nação soberana e
autônoma ou selar o que já era dominante – a opção por um capitalismo dependente de
desenvolvimento desigual e combinado.
A analise deste período em boa parte a fizemos no capitulo anterior e em outros
trabalhos. O que queremos salientar aqui é de que é nesta nova conjuntura, cujo
significado tem conseqüências profundas na desagregação social e educacional, que as
reformas educativas assumem como orientação o ideário da sociedade do conhecimento,
qualidade total, pedagogia das competências, da empregabilidade e do
empreendedorismo.
O bloco de poder que dirigiu o Brasil neste período, antes de assumir o governo
tinha um projeto elaborado por especialistas, todos com passagens pelos organismos
internacionais, para ser aplicado para a sociedade. O caráter minimalista e
desregulamentador da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9394.20.12.96) se coaduna tanto com a estratégia de impor pelo alto um projeto
preconcebido, quanto com à tese do “Estado mínimo” com a tríade do ajuste estrutural:
desregulamentação, descentralização e privatização. Ou seja, como observa Saviani,
isso deixa o caminho livre para a apresentação de reformas pontuais, tópicas,
localizadas, traduzidas em medidas como o denominado Fundo de Valorização do
Magistério, os Parâmetros Curriculares Nacionais, a lei de reforma do ensino
profissional e técnico (Saviani, 1997:200).
O peso deste período na conformação de um senso comum conservador na
sociedade e no meio educacional tem sido maior do que a literatura crítica dimensionou.
Isto não apenas pelo que expusemos no capítulo anterior em relação da perda da agenda
no debate teórico e político na década de 1990 e do viés quase que apenas cultural das
experiências dos governos populares. Os efeitos daquelas reformas e seu ideário no
essencial permanecem após quase seis anos de um governo eleito, no primeiro turno
pelo menos, pelo conjunto de forças que tinham uma proposta contra-hegemônica. E o
que, talvez, seja o mais letal é que as definições que se solidificaram no atual governo
Lula estão estilhaçando as frágeis forças de esquerda duramente construídas ao longo do
século XX e que poderiam dar a base para um projeto, no curto prazo, nacional popular
e solidificar as bases para embates para a construção do socialismo.
O deslocamento da disputa da escola unitária e politécnica da década de 1980
para os debates de uma educação de qualidade social na década de 1990 reforçam a
compreensão de Florestan Fernandes, exposto no capítulo anterior, sobre a tendência de
um teorismo ou subjetivismo revolucionários do campo da esquerda brasileira. A
categoria de qualidade social que se contrapõe à de qualidade total não tem sido
explicitada de forma sistemática em seu sentido teórico-prático. O que Florestan,
certamente, indicava não é uma crítica à justeza desta contraposição, mas a necessidade
de dar-lhe sentido mais concreto. Daí o esforço de buscarmos, brevemente, qualificar
esta expressão, a partir da pauta de luta dos educadores do campo de esquerda, em dois
níveis: a concepção e a materialidade que lhe podem dar saturação histórica.

4.3.1 – Educação de qualidade social: concepção e sua materialidade.

A palavra qualidade, em seu sentido mais restrito dicionarizado, refere-se ao


juízo de valor que permite avaliar alguma coisa ou processo para aceitá-lo ou recusá-lo
ou aos atributos de uma pessoa para ocupar determinada função. O debate sobre
qualidade da educação está vinculado às concepções de ser humano discutidas no item
4.1 e à natureza das relações sociais e projetos societários. No âmbito das relações de
sociais capitalistas a qualidade da educação está marcada pelas visões de classe. E no
contexto das formas regressivas destas relações sociais a concepção de qualidade da
educação assume uma função dominantemente ideológica
Assim, como assinalamos acima, quando os organismos internacionais,
interpretando o juízo de valor do mercado de compra e venda de força de trabalho, se
referem a uma educação de qualidade total a entendem como: aquela que prepara o
trabalhador no plano científico-técnico, psicofísico, cultural, afetivo e político a fazer
bem feito o que se lhes prescreve. Ou seja, produzir uma mercadoria ou realizar um
serviço no tempo médio menor, com menor preço possível e dentro dos atributos
exigidos pelo mercado na competitividade intercapitalista. Tanto os atributos científico-
técnicos de domínio na realização do trabalho, quanto os político-ideológicos de
disciplina, aceitação ou submissão ao estabelecido ou à hierarquia, são fundamentais
nos processos formativos reprodutores da ordem social do sistema capital.
Quando os educadores, pesquisadores, movimentos sociais e sindicatos
classistas contrapõe à educação de qualidade total a educação de qualidade social na
realidade se quer dizer: uma educação de qualidade para outras relações sociais, já que a
educação de qualidade total se refere à qualidade social requerida para a reprodução das
relações sociais capitalistas e de um capitalismo tardio. O que apontamos no capítulo
III, quando nos referimos à perda do debate teórico e da agenda política do campo de
esquerda na disputa de projetos educativos no Brasil, ganha aqui melhor clareza e, ao
mesmo tempo, demanda que se qualifique a defesa da qualidade social da educação no
conteúdo, método e forma e a materialidade que a viabiliza, vinculando-a ao horizonte
da superação das relações sociais capitalistas.
Trata-se, pois, de um embate nas concepções e nas mediações materiais que
concorrem para a concretização destas concepções. Concepções e materialidade cuja
realidade ou indícios, para não serem idealizados, necessitam serem apreendidos no
plano da práxis19.

a) A outra qualidade social da educação pública de nível médio e a batalha das


idéias no campo das concepções.

No plano mais geral da batalha das idéias no embate político-ideológico implica


combater a dualidade estrutural da educação que se manifesta de diferentes formas na
realidade brasileira. Debate e embate que estão organicamente associados aos processos
e lutas mais amplos no projeto societário, na direção não de reformar o capitalismo, mas
de superá-lo. Na travessia significa distinguir as ações, práticas e reformas que apenas

19
. O sentido de práxis aqui se refere ao que Marx elabora na construção do materialismo histórico. Como
indica Konder (1992), Marx efetiva, quando encontra na classe trabalhadora, no proletariado, o sujeito
histórico ou o portador material da revolução capaz de superar a sociedade capitalista, uma modificação
decisiva na relação entre teoria e práxis e de práxis e poiésis. Teoria e práxis, e práxis e poiésis não são
realidades dicotômicas. Teoria deixa de ser uma pura abstração que idealiza o real. Práxis não se reduz à
atividade prática ou ativismo e poiésis a mera produção material, produção de objetos ou de produtos.
Teoria histórica, práxis revolucionária e poiésis, expressões da atividade vital dos seres humanos,
vinculam-se a um projeto de travessia do modo de produção capitalista para o socialismo e para a
sociedade sem classes.
mudam as relações sociais capitalistas para manter a ordem do sistema capital daquelas
que corroboram para a sua superação. Não por acaso é no projeto educativo do
Movimento dos Sem Terra que este horizonte aparece de forma mais explícita e
orgânica.20
Na direção da superação, ganha centralidade a não separação da quantidade da
qualidade da educação, tanto do ponto de vista do acesso universal das crianças e jovens
na escola básica (fundamental e média) quanto à natureza das bases materiais possíveis
de serem oferecidas pela sociedade brasileira no acesso ao patrimônio científico, técnico
e cultural. A quantidade é assim entendida, como elemento da qualidade e, esta,
atributo daquela. A separação, como assinala a epígrafe significa produzir processos
educativos ligados à manutenção das relações sociais capitalistas, produtoras da
desigualdade econômico-social, cultural e educacional. Nesta compreensão é que se
cola a defesa da universalidade, laicidade, gratuidade e o caráter público e unitário da
educação.
No plano dos conteúdos do ensino e educação de qualidade social o foco
centra-se na compreensão da escola unitária, omnilateral, politécnica ou tecnológica. O
foco central contra a tendência de um ensino médio técnico específico de cunho
profissionalizante e, mesmo do ensino médio integrado nesta perspectiva, é a afirmação
da defesa da escola politécnica ou tecnológica unitária que permita uma formação
básica “desinteressada”, nos termos de Gramsci, do imediatismo do mercado.
Trata-se das bases de conhecimentos que permitem ler, analisar, interpretar e
compreender como funciona o mundo da natureza e da matéria (o que Gramsci
denomina da sociedade das coisas) e como funcionam a relações sociais, políticas,
culturais (sociedade dos seres humanos). Neste aspecto, a contraposição de uma escola
20
. A indicação de que o MST tem de forma mais explicita e orgânica a concepção da qualidade de
educação e das lutas que interessam à classe trabalhadora pode ser apreendida pelo combate sistemático
do judiciário, das organizações quer representam o capital agrário, industrial e financeiro através da
grande imprensa televisada e escrita. Os editoriais e artigos assinados fazem um claro confronte de
classe e buscam demonizar o movimento. O editorial do Jornal O Globo de 24.04.2008, após estabelecer
um paralelo entre o objetivo das Ligas Camponesas lideradas por Julião, apoiadas, de acordo com o
jornal, por Cuba, afirma a derrota do socialismo pelo dinamismo e democracia capitalista e adverte a
sociedade sobre os perigos do MST. Derrubar cercas, invadir, fazer ocupações não surgiu com o
Movimento dos Sem Terra (MST). Mas é com o MST que esta reforma (agrária) ganha maiores – e
perigosas – proporções. (...).O movimento sem terra (sic), para sobreviver, ampliou a agenda de “lutas”
e assim perdeu a máscara de um movimento pró-reforma agrária. Apareceu a verdadeira face de uma
organização política anti-democrática. Este é um grave momento de reflexão para os seus líderes e
inspiradores: se desejam participar do livre jogo da democracia – e para isso precisam se legalizar
como força política -; ou se querem continuar a radicalizar, em choque com a Constituição, dispondo-se
a enfrentar o Estado Brasileiro.” ( Jornal O Globo, Seita Política. Rio de Janeiro, 24.04.200; p.6.) O
jornal apenas esqueceu dizer que Estado Brasileiro equivale dizer o comitê da burguesia brasileira.
conteudista ou não conteudista redunda numa discussão escolática. A questão central é
quais conteúdos e ao que se articulam. A burguesia e seus intelectuais, para seus
interesses, primam na busca de uma escola de conteúdos e valores que permitam a seus
filhos a sua continuidade.
Em relação ao método o confronto é entre a visão fragmentária e linear da
realidade que concebe a totalidade como somos das partes e a concepção dialética-
histórica ou materialista histórica, cujo fundamento é buscar entender quais as
determinações ou mediações que produzem determinada realidade humana. Aqui a
totalidade resulta da relação das partes. No plano pedagógico isso implica ter como
ponto de partida e de chegada os alunos como sujeitos concretos e as condições que os
produzem . Uma escola de outra qualidade social é a que permite, partindo de realidade
adversa produzida socialmente em relação aos alunos filhos da classe trabalhadora,
atingir o mais elevado grau intelectual e cultural historicamente produzido. Trata-se de
transitar da particularidade e singularidade na apropriação das dimensões historicamente
produzida de universalidade em todas as esferas da vida.
No método que historicisa a produção da realidade humana no trabalho, na
ciência, na técnica e na tecnologia, na arte, na cultura, na educação etc., situa-se a
possibilidade de entender que sob as relações sociais capitalista situam-se limites de
classe e de dominação que esgarçam a possibilidade do gênero humano produzir uma
rica universalidade nas diferentes esferas da vida. Na cisão das classes cinde-se e limita-
se avanços para a humanidade em seu conjunto. Essa compreensão, no plano da práxis,
é que permite criar a convicção da necessidade de superação das relações sociais
capitalistas.
Por fim, sob aspecto das concepções, a educação de outra qualidade social é a
que se efetiva orientada por relações democráticas, mesmo que a democracia no seu
sentido substantivo não seja possível no capitalismo. Trata-se de instaurar relações na
escola e na sociedade orientadas por critérios de justiça, igualdade e solidariedade.
Critérios que não reduzem a democracia a uma visão de igualdade matemática ou
baseada na meritocracia, mas numa relação de diálogo e considerando os tempos de
vida e especificidade na responsabilidade da criança, jovem e adulto, aluno e professor.
Na construção e reconstrução dos critérios (justiça, igualdade, solidariedade) e
no seu exercício efetiva-se a possibilidade de superação do autoritarismo, personalismo,
paternalismo e dominação de uns sobre os outros. A indicação de Marx relacionada à
contribuição de cada um na produção dos meios de vida para superar a exploração e
alienação, sinaliza o sentido de uma relação democrática baseada na justiça, igualdade e
solidariedade. De cada um, de acordo com suas possibilidades, a cada um, de acordo
com suas necessidades.
Os processos de conhecimento e educativos, no conteúdo, método e forma,
numa perspectiva contra-hegemônica às relações sociais dominantes na sociedade
brasileira, engendram a perspectiva de outra qualidade social na medida que ajudam: a
superar a compreensão burguesa que naturaliza a concepção de homem capitalista que
age pelo egoísmo e interesse próprio, como sendo a condição natural eterna do ser
humano; superação da ciência/ideologia burguesa em todas as áreas de conhecimento; e,
a compreensão das particularidades de como a classe burguesa brasileira tem produzido
uma sociedade de capitalismo dependente, de desenvolvimento desigual e combinado –
sociedade que produz a desigualdade e se alimenta dela.

b) As bases materiais de outra qualidade social da educação pública de nível


médio

As concepções de ser humano, sociedade, ciência, tecnologia e conhecimento dão


a direção filosófica e teórica dos processos educativos, mas sua concretização depende
de bases objetivas que constituem a materialidade das praticas pedagógicas no chão da
escola.
E quais são estas bases materiais para o funcionamento de uma escola de nível
médio? Em termos sintéticos destacamos:
- Infra-estrutura física: que compreende a qualidade da construção, espaços
específicos para as atividades pedagógicas, tamanho das salas, ventilação,
luminosidade, espaços para atividades de esporte e lazer.
- Recursos e materiais pedagógicos: Biblioteca e laboratórios equipados e
atualizados e almoxarifado para as diferentes áreas de conhecimento que constituem o
currículo da escola e pessoal qualificado para o apoio na utilização dos laboratórios e
biblioteca.
- Corpo docente, trabalhadores técnicos e administrativos, serviços e pessoal de
apoio. Crucial em relação a cada um destes profissionais é a atuação numa única escola
e com um piso salarial inicial definido e plano de carreira regulamentado.
No caso do corpo docente é crucial o nível e qualidade de sua formação,
distribuição do seu tempo entre atividades em sala de aula e tempo de estudo,
organização de materiais, orientação de projetos e monografias de final de curso,
participação em reuniões, tempo para atualização etc. Nas experiências que utilizamos
como exemplificação de escolas de nível médio público que reúnem as melhores
condições de trabalho, a média de horas em sala de aula é de 14 a 16 horas semanais
de uma jornada de 40 horas.
Dermeval Saviani, ao analisar Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)
lançado pelo governo Federal em 2007, assinala que sem enfrentar o ponto nodal do
magistério nenhuma reforma educacional terá êxito. Trata-se de criar a carreira do
magistério da educação básica tendo como itens básicos um piso salarial
substantivamente elevado em relação ao atual e jornada em tempo integral numa
única escola, com 50% do tempo dedicado à docência e a outra metade distribuída
pelas demais atividades (Saviani, 2007, p. 5).
Estas bases objetivas, no âmbito mais decisivo, são dadas na definição de quanto
do fundo público se garante para financiar o sistema educacional nas diferentes esferas
do poder público e para os diferentes níveis de ensino. Sob este aspecto, um retrospecto
histórico nos indica que entre o que empresários e políticos proclamam sobre o valor da
educação e sua prioridade, no plano concreto dos recursos destinados, não passa de
discurso vazio e evasivo.
Não é objeto desta pesquisa recuperar o debate que se travou em reiteradas
conjunturas sobre o tema do financiamento da educação. Destacamos, apenas, alguns
aspectos para elucidar a exigüidade do fundo público para dar conta do que
denominamos aqui bases materiais para uma educação de qualidade social. Entre os
aspectos centrais sobre o financiamento da educação pública, para as organizações
científicas, políticas, sindicais, e movimentos sociais que se organizaram num Fórum
Nacional em defesa da escola pública, se destacam: recursos vinculados garantidos
constitucionalmente e porcentagens de gastos obrigatórios pela União, Estados e
Municípios no ensino público; de 08% a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) reserva
para manutenção da educação pública e verbas públicas somente para escolas públicas;
criação de um Sistema e de um Plano Nacional de Educação.
Tomados os dados do Produto interno Bruto e os gastos em educação, evidencia-se
que estes, em 2006, representavam, aproximadamente, apenas 4,3% do PIB. Para o
Ministério da Educação hoje teríamos atingido 5% do PIB. De todo modo representaria
aproximadamente 50% dos recursos necessários. A constituição de 1988 fixou a
obrigatoriedade de aplicação de 18% do orçamento pela União e 25% Estados e
Município. Mas isto só se refere aos recursos dos impostos21.
A União, para cumprir sua obrigação constitucional, além de manter o ensino
superior público e rede de escolas médias, tem que suprir necessidades dos estados e
municípios em regime de colaboração. Para isso tem se utilizado a política dos fundos
específicos como: Fundo de Manutenção da Educação (FNDE), Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF).
Como este fundo deixava de fora a educação infantil, ensino médio, educação
profissional a pressão de diferentes demandas levou à criação, em 2006, do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da
Educação.
Cabe salientar que todos os fundos são temporários e paliativos e, por vezes,
encobrem artifícios para atender mais demandas e com os mesmos recursos. Este é o
caso do FUNDEB como mostra Saviani ao mostrar que este fundo é a base do atual
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
A base de sustentação financeira do Plano é o FUNDEB, que,
entretanto, não significou aumento dos recursos; ao contrário,
se o número de estudantes atendidos pelo Fundo aumentou de 30
milhões para 47 milhões (56,6%), o seu montante passou de R$
35,2 bilhões para R$ 48 bilhões, apenas 36,3%. A
complementação da União também não implicou acréscimo.
Antes, ela deveria entrar com pelo menos 30% de seu orçamento;
ora, o orçamento do MEC para 2007, após o corte de R$ 610
milhões imposto pela Fazenda, é de R$ 9,130 bilhões, logo, 30%
corresponderiam a R$2,739 bilhões. No entanto, a
complementação prevista da União para 2007 se limita a 2
bilhões (Saviani, 2007p.6).

Mesmo tomando-se os recursos orçamentários totais da educação, incluindo-se


fundos e programas específicos, pode-se concluir que a cobertura daquilo que
denominamos bases materiais de outra qualidade social da educação é altamente
precária. Isso começa pela impossibilidade de valorização do magistério, pedra angular
da desta qualidade. Como garantir um piso salarial digno, um plano de carreira
estimulante, formação continuada, fixação numa única escola e divisão de sua carga

21
. Para uma análise crítica das políticas de financiamento da educação ver Oliveira, R.P. de e Adriaão,
T. (org) (2002) e Pinto, J.M.R. (2000) Os recursos para a Educação no Brasil no Contexto das
finanças públicas. Brasília. DF. Plano. 2000.
horária 50% em sala de aula e 50% para estudo, reuniões, orientação e pesquisa com
esse montante de recursos?
Tomando-se, apenas, um dos aspectos relativos à valorização do magistério – o
piso salarial, quando comparado com o piso de salário de professores de escola públicas
de nível médio da rede federal ou com indicadores internacionais, chega-se à conclusão
que o valor discutido de R$ 850,00 é débil. Os argumentos e o fato de que em certas
regiões isso representa um aumento de mais de 100% encobre, por um lado o descaso
histórico com a educação básica e, de outro, as desigualdades regionais.
Deste quadro resulta que os atuais investimentos em educação pública passam
longe das necessidades para dar uma base material ao ensino público de qualidade e que
as atuais políticas de educação continuam com a tradição da classe dominante brasileira
do que Saviani denomina de mecanismos protelatórios. Fica-se com a impressão que
estamos diante, mais uma vez, dos famosos mecanismos protelatórios. Nós chegamos
ao final do século 20 sem resolver um problema que os principais países, inclusive
nossos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai, resolveram na virada do século 19 para o
20: a universalização do ensino fundamental, com conseqüente erradicação do
analfabetismo (Saviani,2007 p.2).
A conclusão a que chegou Florestan Fernandes com o desfecho do que se aprovou na
Constituição de 1988 foi de que, uma vez mais, a educação não era tema prioritário para as
forças políticas representantes do poder dominante no Brasil. A educação nunca foi algo de
fundamental no Brasil, e muitos esperavam que isso mudasse com a convocação da
Assembléia Nacional Constituinte. Mas a Constituição promulgada em 1988, confirmando
que a educação é tida como assunto menor, não alterou a situação (Fernandes, 1991).
Isso se repetiu pelo que se aprovou no texto da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação e na aprovação do Plano Nacional de Educação. Os recursos vinculados e
garantidos constitucionalmente pelo seu montante obrigatório e vinculados
constitucionalmente revela este descaso. As avaliações que dão conta do frágil IDEB (Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica) e a desigualdade profunda entre regiões e a bateria
de avaliações nacionais expõem fenomenicamente o problema. Cabe explicar o que produz
esse quadro persistente. O que buscamos nesta pesquisa é mostrar que se trata de uma
construção social histórica da classe burguesa brasileira e que esse quadro se vincula
diretamente com o processo que foi definindo o Brasil como uma sociedade de capitalismo
dependente de desenvolvimento desigual e combinado.
Em relação ao debate contra-hegemônico o ponto nodal é a compreensão e a
luta de não separar a qualidade da quantidade ou a quantidade da qualidade, seja no
plano do acesso, cujo foco é a luta pelo atendimento do universo de crianças e de jovens
na educação básica, seja pela qualidade dos conteúdos e serviços educacionais, na
perspectiva da educação unitária, politécnica ou tecnológica.

4.3.2 – O que sugerem três experiências ou instituições de ensino médio integrado


sobre a relação quantidade e qualidade na educação.

A análise de diferentes dados nos últimos quinze anos no desenvolvimento de


vários projetos de pesquisa relacionados ao ensino médio e ensino médio técnico e, por
outra, as avaliações realizadas pelo Ministério da Educação pelo Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM) situam as escolas de ensino médio federal como as melhores do
país. Estas escolas, todavia, de acordo com os dados do Senso Escolar de 2004 realizado
pelo INEP/MEC representam apenas 0,7,% do total das matrículas deste nível de
ensino. A maioria das matrículas, 85,%, concentra-se nas redes estaduais cujas
condições de funcionamento, em relação ao que denominamos de bases materiais pata
para outra qualidade social da educação, são precárias na maior parte dos casos.
Por um conjunto de indicadores escolhemos três experiências de instituições
públicas que oferecem o ensino médio técnico, duas federais e uma fundação estadual,
que em nosso ver reúnem as condições para oferecer um ensino de melhor qualidade no
Brasil. Trata-se de três experiências com tempo histórico, natureza institucional e
tamanho diverso. Duas que atuam no ramo de industrial e uma no campo da saúde.

A Fundação Liberato, é uma instituição pública mantida pelo Estado do Rio


Grande do Sul e, em seu início, com apoio de recursos federais22. Situa-se em na cidade
de Nova Hamburgo, uma região industrial do Vale dos Sinos. A concentração industrial
da região e as características culturais tiveram um peso significativo na sua criação,
desenvolvimento e manutenção. Completou em abril de 2008, 41 anos. Seu foco é a
formação de nível médio na área técnico-industrial. Oferece, atualmente, sete cursos:
Química, Mecânica, Eletrotécnica, Eletrônica, Segurança do Trabalho, Automotivo e
Design. Uma instituição que tem forte integração com a região e promove anualmente
uma feira internacional. Seus alunos participam em feiras nacionais e internacionais e

22
. A breve caracterização das três experiências tomadas como exemplos referência para a análise que
estamos efetivando nesta pesquisa resulta de dados colhidos nas próprias instituições e, sobretudo, como
elas mesmas se apresentam no seu portal na internet. Em nenhum dos casos o objetivo é de fazer uma
caracterização específica institucional . A caracterização objetiva permitir ao leitor o entendimento da
natureza da instituição e suas especificidades.
nas diferentes áreas que atua, vários alunos foram premiados nacional e
internacionalmente. Seu desempenho no ENEM a situa como melhor escola da região
e das melhores do Estado e do país.

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), foi fundada em 1985 e


é uma unidade Unidade Técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz ,(FIOCRUZ)
instituição pública ligada ao Ministério da Saúde (MS). A escola tem atividades de
ensino, pesquisa, cooperação técnica nacional e internaicional. Seu foco é a Educação
Profissional em sáude e iniciação científica no ensino médio, informação e
comunicação. Oferece formação técnica de nível médio nas seguintes Áreas
Específicas: Atenção à Saúde; Vigilância em Saúde; Gestão em Saúde; Informações e
Registros em Saúde; Técnicas Laboratoriais em Saúde; e Manutenção de Equipamentos
de Saúde. Também oferece curso de pós-garduação, especialização em Educação
Profisisonal em Saúde, e, a partir de 2008 o mestrado profissional em Educação
Profissional em Saúde. Nas avaliações do ENEM foi a melhor escola pública de nível
médio nos resultados divulgados em 2006. Nas avaliações seguintes situa-se entre as
20 com melhor desempenho nacional.

Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca –


CEFET/RJ, é numa das instituições púbicas das mais antigas da atual rede de Centros
Federais de Educação Tecnológica e profissional. A história destes Centros remonta a
1909, quando o Presidente Nilo Peçanha determinou, por decreto, a criação de Escolas
de Aprendizes Artífices nas capitais dos estados, para proporcionar um ensino
profissional, primário e gratuito. Sua identidade que, permanece até hoje, tem origem na
criação da Escola Normal de Artes e Ofícios por Wenceslau Brás pela Prefeitura
Municipal do Distrito Federal. Em 1919 passou à jurisdição federal e, em 1967, passou
a se denominar Escola Técnica Federal Celso Suckow da Fonseca. Finalmente, em 1979
passou ter a atual denominação de Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de
Janeiro (CEFET/RJ).
Sua atuação educacional inclui a oferta regular de cursos de ensino médio e de
educação profissional técnica de nível médio, cursos de graduação (superiores de
tecnologia e bacharelado), cursos de mestrado, além de atividades de pesquisa e de
extensão, estas incluindo cursos de pós-graduação lato sensu, entre outros. Das três
experiências é, sem dúvida, a que tem maior complexidade e atende maior número de
alunos nas diferentes atividades. Na avaliação o do ENEM situação situa-se entre as 20
instituições públicas de melhor desempenho nacional.
Ao destacar estas três experiências o foco não é uma análise comparativa entre
as mesmas e, menos ainda, com as demais instituições de ensino médio público.
Buscamos apenas sinalizar alguns aspectos para averiguar como estas experiências se
situam dentro daquilo que apontamos como uma educação que busca uma outra
qualidade social.
Por isso, com justa razão e com senso de responsabilidade pública, o diretor da
Escola Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) ao comentar os
resultados da avaliação do ENEM divulgados em 2006, os quais situavam o curso de
nível médio da escola como a de melhor desempenho da rede federal, chamava atenção
sobre a impropriedade de comparações com escolas de ensino médio das redes
estaduais. Em diversas entrevistas que lhe fizeram para que explicasse tal sucesso de
desempenho dos alunos realçava que o resultado advinha de um conjunto de condições
que as escolas das redes estaduais estão longe de ter. Ente outros aspectos mencionava :
a formação dos professores (a maioria com mestrado e doutorado); o plano de carreira,
o tempo médio em sala de aula igual ou menor que o tempo para pesquisa, publicação,
orientação dos alunos e participação nas reuniões pedagógicas; laboratórios, bibliotecas,
infra-estrutura das instalações e tempo dos alunos que permanecem na escola a
organização de seminários, debates e atividades de arte, lazer e esporte.
A estratégia metodológica para aprofundar o entendimento das características
em termos de projeto pedagógico, compreensão institucional e sobre as condições
matérias que sustentam este projeto, foi de efetivar reuniões com a equipe dirigente
destas instituições. No caso da Fundação Liberato e Escola Politécnica Joaquim
Venâncio esta reunião foi mais detalhada com toda a equipe diretiva tendo em vista que
em relação à Rede CEFET tínhamos um estudo recente concluído. No caso do CEFET
tivemos uma reunião com alguns coordenadores da área de ciências humanas.
Os aspectos centrais que buscamos perceber e dialogar relacionam-se à
concepção do projeto pedagógico, organização curricular, processos avaliativos, a
clareza do que se esperava da escola em termos do tipo de formação dos seus alunos,
conhecimento do tipo de aluno que atendiam e como percebiam aquilo que no item
anterior denominamos de bases materiais de sustentação. Estes aspectos podem ser
resumidos nos seguintes:
a) No projeto pedagógico da escola há uma concepção coletiva e dominante e a
instituição tem a compreensão de que o ensino que ali se efetiva situa-se no de melhor
qualidade no seu contexto em no plano nacional.
b) Que elementos centrais das bases materiais do processo pedagógico, na
compreensão da instituição, permitem os resultados conseguidos e que desafios e
limites são percebidos e trabalhados.
c) Finalmente, em termos da qualidade da educação que oferece aos alunos onde
poderíamos situar dominantemente a instituição e por que razões fundamentais:

• Uma escola que prepara técnica e cientificamente seus egressos para disputarem
o mercado de trabalho dentro da atual estrutura e base técnica produtiva. Prepara
para o trabalho complexo, permite sucesso na disputa do mercado de trabalho e
também alternativas amplas no acesso ao ensino superior.

• Uma escola que prepare para o mercado, mas tem a preocupação com a questão
da cidadania, democracia e com o desenvolvimento de lideranças dentro de um
capitalismo não dependente e com melhor distribuição de renda.

• A escola prepara para as duas perspectivas anteriores, mas tem no seu ideário
pedagógico e ético-político o compromisso de formar sujeitos emancipados
capazes de buscar a construção de novas relações sociais que transcendam a
cidadania e democracia liberais, sob as relações sociais capitalistas.

Da análise que empreendemos com os dados e informações a que tivemos acesso


em material escrito e nos contatos diretos, temos a compreensão que as três instituições
têm clareza sobre o que as conduzem a se constituírem nas instituições que oferecem
um ensino médio e médio técnico de melhor nível no país. Isso não elide que apontem
dificuldades, mormente as que dizem respeito à manutenção e atualização da base
material da escola e as constantes mudanças de política educacional.
Em relação à concepção coletiva e à construção coletiva do projeto pedagógico da
escola há diferenças nas três instituições. Estas diferenças estão ligadas,
dominantemente, à natureza e à cultura institucional.
A Fundação Liberato, de um lado tem uma forte interação com a comunidade local
e regional, cuja presença afeta a cultura institucional e, de outro, nas últimas década, a
instituição construiu um modelo de gestão em que o corpo dirigente escolhido se dá na
base de uma proposta de trabalho previamente construída no debate e negociação das
diferentes correntes de pensamento. As diferentes tendências podem apresentar-se para
dirigir a escola, mas sabendo de antemão que devem se pautar pela proposta elaborada
pela instituição.
Quatro grandes atividades anuais, que envolvem toda a instituição e que
positivamente interferem no processo pedagógico favorecem uma construção coletiva
das atividades e interfaces com a sociedade. Atividades estas que têm seu
desenvolvimento forte na década de 1990. A Feira Interna de Ciência e Tecnologia
(FEICIT), uma atividade curricular anual. Os trabalhos apresentados derivam de
projetos desenvolvidos pelos alunos nas diferentes áreas de conhecimento. Outro evento
de caráter científico-pedagógico, também anual é o Seminário Internacional de
Educação Tecnológica (SIET), que envolve professores e pesquisadores brasileiros e de
outros países, especialmente do MERCOSUL, e estudantes do ensino médio técnico.
Juntamente com este seminário anual é com a base na Feira Interna de Ciência, a partir
de 1994 a instituição começou organizar um evento internacional – A Mostra
Internacional de Ciência e Tecnologia (MOSTRATEC) que envolve instituições
regionais, públicas e privadas, nacionais e internacionais. A revista Liberato de Ciência
e tecnologia constitui-se num dos instrumentos de condensação e divulgação destas
atividades acadêmico-científicas.
A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), tem sua identidade
demarcada pela Fundação Oswaldo Cruz, das mais importantes instituições públicas de
pesquisa, ensino e produção na área de saúde do Brasil e da América Latina. A escola
incorpora a relação entre ensino, pesquisa e intercâmbio, extensão e uma cultura
institucional marcada por processos de debate e construção coletiva. Sua origem
vincula-se, também, a um momento particular dos embates das concepções e políticas
educacionais no Brasil na década de 1980. Tratava-se do confronto entre a herança do
economicismo na educação da ditadura civil-militar e sua concepção fragmentária,
pragmática e estreita de educação e de ensino médio e médio técnico e as concepções
da escola unitária, ominilateral, politécnica e/ou tecnológica23. O tema do seminário que
deu origem ao projeto da escola – Choque Teórico – traduz, de forma emblemática a

23
. Mais recentemente desenvolveu-se um rico debate sobre se o conceito de politécnica seria, dentro do
pensamento de Marx, o mais adequado ou o de educação tecnológica. Dermeval Saviani (2006) e Paolo
Nosella (2006) nos trazem, de forma densa, os elementos históricos e conceptuais deste debate. A síntese
dos debates me conduz a perceber que, em nosso contexto, podemos utilizar o conceitos de educação
politécnia ou tecnológica, para significar aquela educação que faculta as bases científicas, sociais,
culturais para o desenvolvimento omnilateral de cada ser humana. No contexto da sociedade capitalista,
uma educação comprometida com a superação da sociedade de classes, vale dizer, a construção de uma
humanidade emancipada. .
natureza e conteúdo do embate24. À tradição de debates no campo da saúde pública, do
Sistema Único de Saúde, liderados pela FIOCRUZ, sendo um de seus ex-presidentes
Sérgio Arouca (de feliz memória) um dos mais destacados protagonistas, agregava-se o
pensamento educacional crítico.
A Escola Politécnica articula um amplo conjunto de atividades nacionais e
internacionais que a consolidam em seu papel de referência nacional na área de
Educação Profissional em Saúde no Brasil. Destacam-se, entre outras atividades: a
Secretaria Técnica da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS); coordena o
Programa de Formação de Agentes Locais em Vigilância em Saúde (Proformar) em todo
território nacional; sedia a Estação de Trabalho Observatório dos Técnicos em Saúde;
publica o periódico científico Trabalho, Educação e Saúde; coordena a Capacitação
Técnica de multiplicadores em Registros de Saúde para a implantação do Cartão
Nacional de Saúde (Cartão SUS); e elabora a Cartilha de Eventos Adversos Pós
Imunização. EPSJV realiza anualmente, a Semana de Vocação Científica.
Uma das marcas da Escola Politécnica, desde sua origem, foi dos jovens alunos
poderem conviver com cientistas em seus laboratórios e centros de pesquisa. Isto
impulsionou a Escola a se organizar com uma forte estrutura de pesquisa e produção
acadêmica, contratando e formando doutores e mestres.
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio possui atualmente nove
laboratórios que congregam grupos de pesquisa:
• Laboratório de Educação Profissional em Atenção em Saúde;
• Laboratório de Educação Profissional em Gestão em Saúde;
• Laboratório de Educação Profissional em Informações e Registros em Saúde;
• Laboratório de Educação Profissional em Manutenção de Equipamentos de
Saúde
• Laboratório de Educação Profissional em Técnicas Laboratoriais em Saúde;
• Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde;
• Laboratório de Formação Geral na Educação Profissional em Saúde;
• Laboratório de Iniciação Científica na Educação Básica;
• Laboratório de Trabalho e Educação Profissional em Saúde.

24
. Ver a síntese deste debate em Saviani ( 2003).
Seu principal foco e atuação é a Educação Profissional em Saúde no Ensino Médio
Integrado e a Iniciação Científica dos jovens alunos tendo como Áreas estratégiacas: a
Educação Profissional em Saúde; o Processo de Trabalho em Saúde e as Tecnologias
Educacionais em Saúde.
Congregam estas atividades a Semana de Iniciação Científica, seminários ao
longo de todo o ano, de caráter interno e de âmbito regional, nacional e internaiconal.
Um dos aspectos diferenciais desta experiência em relação às demais é a proposta
política e pedagógica da escola, construída coletivamente e centrada no debate e
concepção da escola unitária e politécnica e/ou tecnológica. Construção esta, que ao
longo de seus 30 anos de existência, não se fez sem percalços, tensões e contradições.
Uma escola comprometida em formar jovens que articulem ciência, cultura e trabalho e
lhes dê possibilidade de serem cidadãos autônomos.
O Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
(CEFET/RJ) por sua história, tamanho e complexidade apresenta características
peculiares, tanto do ponto de vista da cultura Institucional quanto do projeto
pedagógico.
Com efeito, um olhar em sua história de mais 90 anos, nos evidencia que em
1917 começou como Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Brás, mantida pela
prefeitura com a incumbência de formar professores, mestres e contramestres para o
ensino profissional. No ano de 1937 a escola Normal foi transformada em Liceu
destinado ao ensino profissional de todos os ramos e graus, agora sob jurisdição federal
vinculado ao Ministério da Educação. Curiosamente, antes mesmo do Liceu ser
inaugurado mudou de nome para Escola Técnica Nacional. Em 1965 passou a se
denominar Escola Técnica Federal da Guanabara e, dois anos depois, Escola Técnica
Federal Celso Suckow da Fonseca como homenagem póstuma ao primeiro Diretor
escolhido a partir de uma lista tríplice composta pelos votos dos docentes.
No ano de 1978, juntamente com mais duas escolas Técnicas Federais - de
Minas Gerais e do Paraná - foi transformada em Centro Federal de Educação
Tecnológica e passou a ter estatuto das instituições de educação superior. Com isto
passou a atuar como autarquia de regime especial, vinculada ao Ministério da Educação
e Cultura – detentora de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didática e
disciplinar –, na oferta de cursos de graduação e pós-graduação, em atividades de
extensão e na realização de pesquisas na área tecnológica. No momento presente a
instituição debate-se entre duas possibilidades de institucionalidade: transformar-se em
Instituto Federal de Educação Tecnológica, com status de Universidade ou lutar para ver
seu projeto de Universidade Tecnológica aprovado.
O percurso acima mostra, ao mesmo tempo, uma evolução, mas também as
implicações de ordem política que estão nestas mudanças. Mesmo tendo autonomia
institucional, o fato de pertencer a uma rede de Centros Tecnológicos Federais ligados a
uma Secretaria específica no Ministério da Educação, as mudanças de política do
governo federal tem interferência direta. Isto se agrava numa sociedade que tem cultura
políticas de governo e não de Estado. Isso consubstancia o que o sociólogo Luiz
Antônio Cunha denominou, referindo-se às políticas educacionais, de zig-zag para
designar a cultura de que quando muda os governos, mesmo das mesmas siglas
partidárias, mudam as políticas.
No caso da rede federal de Centros Federais de Educação Tecnológica, um exemplo
emblemático é a dos efeitos de desagregação que surtiu o Decreto Lei 2.208/97, no
ensino médio integrado25.
Hoje, a instituição conta com uma unidade-sede (Maracanã), um campus ligado
à unidade-sede (General Canabarro) e duas unidades de ensino descentralizadas: uma
em Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense; outra em Maria da Graça, bairro da
cidade do Rio de Janeiro. Sua atuação educacional inclui a oferta regular de cursos de
ensino médio e de educação profissional técnica de nível médio, cursos de graduação
(superiores de tecnologia e bacharelado), cursos de mestrado, além de atividades de
pesquisa e de extensão, estas incluindo cursos de pós-graduação lato sensu, entre outros.
Estas peculiaridades fazem com que o caráter coletivo da proposta e das atividades
pedagógicas não tenha a mesma visibilidade das outras duas experiências. Neste
sentido a análise nos leva a destacar que as mudanças de política educacional pelo alto
e, por vezes, as dificuldades de processos democráticos internos, acaba configurando
uma situação de relativa anomia institucional. Os debates em tono do Decreto Lei
2.208/97 e mais recentemente o Decreto Lei 5154/2005, como mostramos em trabalhos
anteriores (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005), mostram que um pequeno grupo de
professores e de técnicos e funcionários se envolvem no debate disputando as
perspectivas científicas e político-ideológicas implicadas em tais medidas e a grande
maioria permanece passiva.

25
. Para uma compreensão dos efeitos desta desagregação do ensino médio integrado na rede dos Centros
Federais de educação tecnológica ver: Frigotto, Ciavata e Ramos ( 2005)
O sintoma mais agudo que salientamos é expresso por um dos coordenadores da
área de História da escola que revela ter dificuldade para fazer reuniões sistemáticas
para discutir temas relativos ao processo pedagógico, muito embora os professores
tenham a maior parte da carga horária para pesquisa e atividades de orientação e
reuniões pedagógicas. Não obstante a essa situação, como pondera outra coordenadora,
pela formação específica dos professores e pelas condições dos alunos, a escola se
sobressai nos resultados tanto dos exames do ENEM, quanto no acesso ao mercado de
trabalho.
Em relação aos elementos centrais das bases materiais do processo
pedagógico, que na compreensão da instituição, permitem os resultados conseguidos e
que desafios e limites são percebidos e trabalhados há uma grande semelhança entre as
três experiências, guardadas as suas especificidades.
Com efeito, nas três experiências nota-se que o ensino médio e médio técnico se
desenvolve dentro do conjunto de mediações que constituem a materialidade do
processo pedagógico. Todas elas têm um quadro docente, técnico e administrativo que
atua, em sua maioria, em regime de 40 horas ou dedicação exclusiva. Nas três
instituições corpo docente tem aproximadamente um terço de sua atividade em sala de
aula e o tempo restante ocupam-se das demais atividades de pesquisa, extensão,
orientação dos alunos e participação de reuniões pedagógicas, além dos vínculos com
outros projetos e ações da instituição. Ainda em relação aos professores e técnicos
destacam-se pela formação, grande parte com mestrado e um crescente número com
doutorado. Também nos três casos há uma carreira definida e cujos salários são
compatíveis com os que se praticam nas universidades públicas.
Da mesma forma as três instituições dispõem de: infra-estrutura física que
compreende a qualidade da construção, espaços específicos para as atividades
pedagógicas, tamanho das salas, ventilação, luminosidade, espaços para atividades de
esporte e lazer; recursos e material pedagógicos que compreende biblioteca e
laboratórios equipados e atualizados e almoxarifado para as diferentes áreas de
conhecimento que constituem o currículo da escola e pessoal qualificado para o apoio
na utilização dos laboratórios e biblioteca; núcleos ou laboratórios de pesquisa.
É sob esta base que Dermeval Saviani, numa de suas análises, conclui que é
dentro desta materialidade de condições que poderia desenvolver-se a formação dentro
da perspectiva da escola unitária, politécnica ou tecnológica, mesmo que sua efetiva
realização demande, ao mesmo tempo, a superação das relações sociais de caráter
classista. Por outro lado, Luiz Antônio Cunha, referindo-se à rede CEFET, assinala que
o tipo de formação que se desenvolve na rede não pode ser confundida com aquela que
se postula como educação politécnica.
O último aspecto deste item é justamente averiguar como estas experiências
educacionais, no que concerne ao ensino médio, médio integrado ou médio técnico, se
situam: na ênfase a formar para o mercado; preparar para o mercado, mas buscando
desenvolver nos alunos uma perspectiva crítica dentro dos marcos da democracia liberal
e de um capitalismo menos selvagem e dependente; ou, sem deixar de preparar para o
mercado e lutar pela superação do capitalismo dependente, tem no seu ideário a busca
da emancipação humana e social que implica a superação das relações sociais de classe.
Pela análise que aqui empreendemos, com base no acúmulo de 20 anos de
pesquisa sobre o tema ou correlato ao mesmo e pelos dados desta pesquisa no Centro
Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), na sua ótica
institucional dominante centra-se em responder às demandas do mercado, dentro de
uma ótica social no processo formativo que oferece aos seus alunos. Quando
assinalamos dominantemente, queremos destacar que há grupos, mas restritos que
defendem uma ótica puramente mercantil e outros que lutam por um ideário pedagógico
e ético-político na perspectiva da escola unitária, politécnica ou tecnológica e em
relações sociais não classistas.
O dominante, todavia, é responder às demandas do mercado numa ótica social. Isso
não só se evidencia pelos dados que analisamos mas pela própria ótica institucional
expressa em sua filosofia. Assim é que na sua página da Internet pode-se ler:

O Centro é desafiado e se desafia, permanentemente, a contribuir


no desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro e da região.
Atento às Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de
Comércio Exterior do país, volta-se a uma formação profissional
que deve ir ao encontro da inovação e do desenvolvimento
tecnológico, da modernização industrial e potencialização da
capacidade e escala produtiva das empresas aqui instaladas, da
inserção externa e das opções estratégicas de investimento em
atividades portadoras de futuro – sem perder de vista a dimensão
social do desenvolvimento.26
26
Ver; CEFET/RJ em sua história. www.cefet-rj.br/instituicao/historico/historico.htm - 8k
A proposta pedagógica inclui uma perspectiva também direcionada para o
vestibular e disciplinas de formação mais ampla, mas que parecem ter relevância menor
pelo própria forma da instituição apresentá-las: Além das disciplinas básicas que
preparam para o vestibular - Língua Portuguesa, Literatura Brasileira, História,
Geografia, Matemática, Física, Biologia, Química e Língua Estrangeira (Inglês ou
Espanhol) -, também fazem parte da grade curricular disciplinas como Filosofia,
Relações Humanas e Sociologia, além de aulas de Educação Física e Artística ( I.
ref.25).
O depoimento de um jovem que faz licenciatura em Geografia no Centro Federal
de Educação Tecnológica de São Paulo (CEFET/SP), talvez represente o que em termos
dominante, com diferenças de caso a caso, é a concepção da Rede de Centros de
Educação Tecnológica Federal.

Gostaria de agradecer sua contribuição para a discussão referente


à implantação do ensino integrado no CEFET de São Paulo.
Na reunião, o senhor disse que o projeto de ensino integrado deve
ser o de formar cidadãos plenos, com formação nas mais diversas
áreas do saber.
Eu não tive uma formação como a desejada pelo senhor. Eu estudei
numa escola que, ,na época, tinha muito recurso financeiro. Era
motivo de orgulho para os políticos que a implementaram. Todos os
estudantes da rede de ensino básico de Barueri e região eram
estimulados por seus familiares a estudar no Instituto Tecnológico
de Barueri.
Eu passei por um processo seletivo muito penoso, durante seis
meses me dediquei quase que exclusivamente a essa seleção. Deixei
de praticar esportes, freqüentar festas familiares e de amigos, mas a
“recompensa” veio e acreditei que à partir daquele instante teria
uma educação “boa”.
Mas, o que era boa para mim? Eu tinha catorze anos na época,
minha família era pobre, meu pai falecido. Não há dúvidas, tenho
que ter uma profissão! Com o passar do tempo, percebi que eu
estava sendo formado para ser mais um “boi que pensa”, e um
pensar direcionado. Puxa! Eu estava no melhor colégio da região e
frustrado, eu não tinha tempo para me dedicar à minha formação
como cidadão, conceito este que, na época, sequer eu conseguia
abstrair. A grade curricular dos cursos tinha que privilegiar a
formação do técnico, não havia espaço para o atleta, o artista, o
crítico, sequer para o jovem. Queriam me tirar a juventude, me
transformar num adulto precoce. Responsabilidade é ter postura
profissional.
A maioria não “agüentou” essa pressão, não queríamos ser
profissionais, queríamos ser estudantes, saber de história, de
filosofia, de música, de futebol, de matemática (por que não?!),
Mas, a escola não propiciava.
Resumindo, terminei o curso, deixei de fazer o estágio, pois não
queria ser técnico em eletrônica e peguei apenas o certificado de
ensino médio. Entrei na faculdade de história (que ainda não
conclui), pois percebi que seria mais útil à sociedade e à mim
mesmo se me tornasse professor.
Hoje faço geografia (quando terminar volta pra história) e não
pretendo parar de estudar nunca. Talvez estivesse ganhando um bom
dinheiro com o diploma de técnico ou engenheiro, entretanto é bem
provável que eu nem ligasse pra este tipo de discussão a que nos
propusemos participar. (Doglas de Aquino, 2007).

Por certo este não é um depoimento isolado. Muitos jovens, porque sensíveis a
seu tempo, desejam mais que ser bons técnicos e esperam formação para enfrentar suas
angústias. Isto parece ser o que Paola, aluna de Ensino Médio do Centro Federal
Educação Tecnológica do Maranhão ( CEFET/MA) expressa em texto que me entregou
após uma conferência e debate sobre educação num seminário na Escola Técnica de
Cajaseiras (PB).

Algum dia irei.....Na verdade não sei o que irei fazer um dia, na
verdade não sei o que irei fazer da vida. É engraçado quando
falamos. Quando eu me formar terei tal trabalho, terei tal salário
e terei tais amigos. Na verdade ninguém manda na vida, a vida é
que manda na gente. A vida é quem manda na gente porque
deixamos de fazer o que sonhamos para fazer o que a sociedade
manda. Se não lutarmos por nossos sonhos não teremos vida e
sem vida não teremos nada. É por isso que sem sonhos e sem
vontade de realiza-los a vida, ou seja, a sociedade nos faz viver do
pior modo. Viver sem vida. E viver é realmente viver a vida.” (Ana
Botelho, 2000)

O que Doglas e Paola expõem, resulta, paradoxalmente, de uma escola que lhes
deu formação técnica sob uma base material que, não obstante uma visão pedagógica
dominantemente pragmática, lhes facultou espaços de socialização e de intercâmbios
que permitiram interrogar os limites da sua formação e assinalar que a escola que
freqüentaram podia ter dado mais na sua afirmação como sujeitos emancipados. Este
algo mais possível fica evidente, ainda que de forma diversa, nas duas outras
experiências.

A Escola Liberato, como assinalamos acima, tem uma projeto pedagógico denso
e um formato institucional que resultam de forças em equilíbrio e de concepções
pedagógicas e ético-política diversas. Isto conduziu a escola a um denso trabalho
coletivo de negociação para definir o projeto pedagógico e institucional. Esta estratégia
institucional aliada à cultura regional que estabeleceu um forte elo com a sociedade
local e regional lhes permitiu avanços significativos em sua relação nacional e
internacional. O Seminário Nacional e a Mostra Tecnológica Internacional (Mostratec)
estimularam docentes e alunos à projetos de pesquisa e interface com a sociedade.

A caracterização do perfil da Escola apresentado em seu portal na Internet


reflete, em grande parte, as tendências equilibradas da concepção formativa.

Nessas quatro décadas a Comunidade Liberato construiu um


reconhecimento como presença especial na educação profissional,
firmando-se como instituição pública estadual que contribui para
a formação de profissionais qualificados, com a missão de
atuarem no desenvolvimento da ciência e tecnologia, vivendo
como cidadãos sensíveis e comprometidos com um mundo e uma
sociedade auto-sustentável. A Fundação Liberato, na busca da
modernização, procura integrar-se cada vez mais com a
comunidade, especialmente a empresarial, objetivando atualizar
currículos e equipamentos. Também se preocupa com a formação
humanística e incentiva inúmeras atividades que promovem o
crescimento do aluno como cidadão crítico e responsável para
com o mundo que o cerca.27

Embora enfatize dimensões contraditórias de ênfase na modernização e


comunidade empresarial, o projeto pedagógico tem uma forte dimensão que permite ao
aluno uma perspectiva diversa do capitalismo dependente e a construção de um projeto
de desenvolvimento nacional popular. Há preocupação explicita com a formação de um
cidadão crítico e responsável com a realidade social. Um grupo significativo de
docentes pauta uma concepção pedagógica e ético-política que postula ir além das
relações classistas. Do mesmo modo há um grupo de docentes centrado na perspectiva
de formação mais unidimensional das demandas do mercado.

Por fim a experiência da Escola Politécnica Joaquim Venâncio. Por seu vínculo
institucional que tem forte cultura de debate interno e pela relação da escola com
pesquisadores, intelectuais e dirigentes vinculados a uma tradição crítica e de
pensamento da esquerda e, por outra, por ter nascido, como atestam vários documentos,
alguns já referidos nesta pesquisa, e outras revistas de divulgação, dentro da concepção
da escola unitária e politécnica, é experiência que além de preparar para mercado do
trabalho e a superação do capitalismo dependente, de forma explicita e orgânica busca
27
. Ver : www.clicnews.com.br/tecnologia/view
preparar intelectual e moralmente os jovens para a crítica e superação da sociedade
classista.

4.4 – O conflito ou paradoxo aparente entre a falta e a sobra de jovens


trabalhadores qualificados no Brasil.

O período final desta pesquisa coincide coma reiteração de um debate que, de


tempos em tempos, reaparece promovido pelas organizações empresariais, hoje
especialmente pela fração industrial da burguesia, grande imprensa e o aparelho do
Estado. Trata-se do fato que em determinadas conjunturas de expansão econômica se
constata a falta de trabalhadores em quantidade e com qualificação adequada para
preencher os postos de trabalhos. Neste último item buscamos interpretar este aparente
paradoxo e conflito já que isso se constitui na explicação de fundo de uma contradição
produzida pela classe burguesa brasileira. De forma sucinta delineamos medidas no
sistema educacional ou em determinados níveis do mesmo em algumas conjunturas
específicas ao longo do século XX.

A expansão do ensino público na década de 1930 buscava responde à um


contexto de uma sociedade em que o setor industrial se ampliava. Todavia, o sistema
escolar, por sua peculiaridade tem um tempo lento na formação e está aberto às disputas
de interesses conflitantes. O governo Vargas negocia com as lideranças dos industriais
- Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi, entre outros, e cria em 1944 o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI) com o objetivo de formar os trabalhadores diretos,
técnicos e supervisores dentro da ideologia do conhecimento técnico e atitudes e
valores para o “que serve à indústria”. Uma síntese da dissertação de mestrado
(Frigotto, 1983) caracterizo a pedagogia do SENAI como a que, pelas mãos faz a
cabeça do trabalhador, para demarcar o caráter unidimensional e de classe daquela
formação.
Em 1946, sob o modelo SENAI, criou-se o Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC) e, com expansão da produção capitalista no campo com o agro-
negócio, criou-se em 1993 o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR). No
início da década de 1960, foi criado o Programa Intensivo de Formação de Mão de Obra
Industrial (PIPIMOI). Durante a ditadura civil-militar completou-se um ciclo de
reformas, sendo a lei 5692/71, referente à atual educação básica, postulando uma
profissionalização compulsória no ensino médio. No governo Fernando H. Cardoso,
nova reforma educacional e, neste caso, com o Decreto 2.208/97 buscou-se separar a
formação técnico profissional de nível médio da formação, separando-se a formação
geral e específica. Finalmente, no atual governo o Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE) atrelado ao Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
A literatura que se detém na relação deste retrospecto histórico e as relações de
classe e de poder na sociedade brasileira, nos indica uma trajetória de interrupções dos
projetos societários que postulavam as reformas estruturais e os investimentos em
educação, ciência e tecnologia, condições necessárias à constituição efetiva de uma
nação soberana, mediante ditaduras e golpes.
Assim, os movimentos que configuraram a Semana da Arte Moderna foram
abortados ou cooptados dentro de um processo de transformismo, com a aliança
conservadora da "Revolução de 1930" e em seguida a ditadura Vargas. Os movimentos
pós-ditadura Vargas no campo da cultura, educação, arte e nas lutas e propostas pela
reformas estruturais forma abortados pelo golpe civil-militar de 1964. Os embates pós-
ditadura na constituinte e a inclusão de direitos sociais e subjetivos até então
postergado, foram abortados pela implantação da ditadura do mercado, mediante as
políticas neoliberais de privatização e ajustes às demandas do grande capital
protagonizadas pelos oito anos do Governo Fernando Henrique Cardoso. E, finalmente,
a assinatura antes da eleição de 2001, por todos os candidatos, da Carta aos Brasileiros,
imposição dos organismos internacionais guardiães do sistema capital, deixou o atual
governo de mãos e pés atados para reformas estruturais.
As questões que se impõem são: Por que todas as reformas, planos, programas e
políticas específicas para formar jovens trabalhadores para o sistema produtivo não
surtiram o efeito esperado? Por que, num contexto que sinaliza um crescimento um
pouco maior do Produto Interno Bruto e uma proposta de governo de um Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) o grito da burguesia brasileira, seus intelectuais e
imprensa clamam novamente que vivemos um “apagão educacional? O que explica
milhares de postos de trabalho, especialmente de empresas que utilizam tecnologias de
última geração, estarem à espera de profissionais qualificados e, ao mesmo tempo
milhares de jovens e adultos no mercado informal de trabalho ou desempregados? A
questão que mais intriga é: Como explicar os dados de pesquisa que o Brasil perde
anualmente 160 mil trabalhadores, a maioria jovens e os melhores qualificados para
exercerem o trabalho simples nos países capitalistas centrais?
A analise que empreendemos até aqui nos permite afirmar que o conflito ou
paradoxo é apenas aparente, pois um exame mais detido do desencontro dos dados nos
revela que se trata de uma produção social construída historicamente pela classe
dominante ou burguesia brasileira. O consenso do seu projeto societário, é um consenso
atrasado do ponto de vista da classe burguesa do capitalismo hegemônico ao qual se
vincula de forma associada, mas subordinada.
Esta condição de classe explicita uma contradição pela qual se pode perceber
porque a burguesia brasileira e os intelectuais a ela vinculados (economistas, gestores,
pesquisadores, sociólogos, filósofos, educadores, psicólogos, advogados, antropólogos,
etc.) identificam as disfunções entre a falta e sobra de jovens qualificados para suprir
a demanda do processo produtivo, mas são incapaz de explicar as mediações e
determinações reais que produzem esta disfunção.

1 - A "chave" para entender o aparente paradoxo da falta e da sobra de jovens


qualificados no Brasil hoje

A imprensa, pesquisadores e lideranças empresariais têm insistido, ao longo das


últimas décadas, sobre a falta de mão de obra qualifica para preencher os postos de
trabalho que os diferentes setores da economia necessitam. Em 2007, como o "Plano de
Aceleração do Crescimento" (PAC), cuja meta era de crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) de aproximadamente de 5% , o pesquisador Celso Pastores cunhou a
expressão de apagão educacional, para referir-se ao déficit de trabalhadores
qualificados demandados na atual conjuntural. O senador Cristovan Buarque, ex-
ministro da Educação, sugeriu uma Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) do
“apagão”. A própria metáfora impactante de “apagão educacional” dá a entender algo
conjuntural e momentâneo e que pode ser corrigido rapidamente, talvez por um novo
programa emergencial ou por um “gato ou gambiara” para concertar o estrago.
Dados de pesquisas do economista Márcio Pochmann, (2007), mostram que
efetivamente existe um déficit de 6.750 trabalhadores para postos de trabalho no
comércio e de 11.594 na indústria. Dos que procuram emprego, apenas 18% tem
qualificação técnica compatível. Pochmann alerta, todavia, que é paradoxal que faltem
trabalhadores qualificados em um quadro de excedente de mão-de-obra. Este mesmo
autor, como mostraremos abaixo, indica, também, que migram anualmente
aproximadamente 160 mil trabalhadores, dominantemente de jovens, em busca de
emprego nas mais diferentes países. Trata-se de jovens que tem melhor qualificação.
Estamos, pois, diante de uma realidade que nos traz, em sua aparência
fenomênica, uma contradição que para ser decifrada devemos ire além desta aparência.
Ou seja, estes dados contraditórios não se explicam por si mesmos. Há que esclarecer as
mediações e determinações que produzem, em nossa sociedade: altas taxas de
desemprego estrutural de jovens e adultos; falta de jovens qualificados para preencher
vagas disponíveis; e, êxodo de um contingente espantoso de trabalhadores,
dominantemente jovens e qualificados.
A breve análise que desenvolvemos no capitulo III, e que retomamos alguns
aspectos aqui, com base nos clássicos do pensamento social crítico brasileiro nos
fornece os elementos para decifrar o enigma deste aparente paradoxo. No legado deste
pensamento podemos compreender que, ao contrário da ideologia da globalização e da
sociedade do conhecimento e do determinismo tecnológico que passam a idéia de que
vivemos o melhor dos mundos, aprofunda-se a desigualdade entre regiões e
internamente nas nações. O sistema capital domina todas as partes do mundo, mas não
da mesma forma. Ele apresenta, em distintas sociedades, processos históricos
específicos que engendram particularidades28 tanto na estrutura de classes e relações de
classe, quanto nos efeitos da exploração da classe trabalhadora.
As análises, sobretudo, de Florestan Fernandes e de Francisco de Oliveira, são
fundamentais para compreender a especificidade que assume a sociedade brasileira
como herdeira emblemática do capitalismo dependente e de desenvolvimento desigual e
combinado. Seguindo a herança do pensamento dialético de Marx estes autores
desmistificam as teses do pensamento liberal e de boa parte do pensamento da esquerda
centrados na visão da antinomia de uma sociedade dual cindida entre o tradicional, o
atrasado, o subdesenvolvido e o moderno e desenvolvido, sendo as características
primeiras impeditivas do avanço das segundas. Ou seja, o que impediria o Brasil ter um
projeto "moderno de desenvolvimento" e sair de sua condição de dependência é o peso
do atraso. Pelo contrário, nos mostram estes autores que há uma relação orgânica entre o
“atraso” e o “moderno” que define a forma específica de nosso capitalismo dependente
de desenvolvimento desigual e combinado.
De forma mais ampla e, também no que nos interessa de específico, Francisco de
Oliveira nos permite apreender as determinações estruturais que nos conformaram ao
que somos até o presente. Para Oliveira, a imbricação do atraso, do tradicional e do
28
. Do ponto de vista teórico-metodológico, na abordagem do materialismo histórico, as categorias
particularidade e singularidade assumem centralidade pois por elas é que se pode superar as análises de
cunho economicista e lógico-estrutural.
arcaico com o moderno e desenvolvido potencializam nossa forma específica de
sociedade de capitalismo dependente e de nossa inserção subalterna na divisão
internacional do trabalho. Mais incisivamente, os setores denominados de atrasados,
improdutivos e informais se constituem na condição essencial para a sustentação do
núcleo interno integrado ao capitalismo orgânico mundial, tanto no plano econômico
quanto o político.
Na Crítica Razão Dualista e sua atualização com o texto "o ornitorrinco"
Oliveira (2003) metaforicamente compara o processo de desenvolvimento construído
pela burguesia brasileira como um monstrengo onde o analfabetismo, a precária
educação básica, o trabalho informal e as mais radicais formas de precarização e
flexibilização do trabalho, não são, ao longo de nossa história, como o pensamento
dominante insiste, o entrave para o desenvolvimento, mas a forma específica de
sociedade que se forjou. Uma sociedade que produz a desigualdade e se alimenta dela.
Oliveira mostra-nos que dentro desta forma societária específica a vigência do
modo de regulação fordista, tanto no plano tecnológico quanto no plano social, foi
parcial e precária e, do mesmo modo, nos situamos de forma ainda mais parcial e
precária na mudança científico-técnica de natureza digital-molecular. Como assinala
este autor, se a cópia já era problemática na base técnica fordista, cuja duração de
utilidade era maior, agora a cópia multiplica seus custos sociais já que a velocidade das
mudanças e muitíssimo maior. Não é contraditório, pois, que os nexos entre ciência,
produção, trabalho e vida e as demandas de educação e de formação técnico-
profissional tende ser, também, parciais e precários.
Isto nos permite depreender e sustentar que a classe burguesa brasileira, de
cultura e mentalidade escravocrata e colonizadora e historicamente associada e
subordinada à classe burguesa dos centros hegemônicos do capitalismo, impediu, por
diferentes mecanismos, a universalização da a educação escolar básica (fundamental e
média), pública, laica e unitária mesmo nos limites dos interesses de um capitalismo
avançado dentro de um projeto de autonomia nacional. Ou seja, nunca se colocou de
fato o projeto de uma escolaridade e formação técnico-profissional para a maioria dos
trabalhadores para prepará-los para o trabalho complexo que a tornasse, enquanto
classe detentora do capital, em condições de concorrer com o capitalismo central.
O que assinalamos acima em relação ao fundo público reservado à educação e
os mecanismos paliativos ou protelatórios para resolver os problemas da educação tem
sua origem, como mostra Florestan Fernandes em suas análises, a imbricação entre a
estrutura social desigual da sociedade brasileira e o caráter estrutural desigual e frágil
da educação. Isso explica, para ele, porque a Constituição de 1988 reafirmou que a
educação é tida como assunto menor.
O Brasil é o país econômica e politicamente mais importante da América
Latina e o único em que o ensino médio não é, de fato, obrigatório, embora constem
como a etapa final da educação básica. Ele se constitui numa ausência socialmente
construída, na sua quantidade e qualidade e é o indicador mais claro da opção da
formação dominantemente para o trabalho simples e da não preocupação com as bases
da ampliação da produção científica, técnica e tecnológica. Aproximadamente 50% dos
jovens têm acesso ao ensino médio na idade adequada, sendo que aproximadamente
60% destes o fazem no turno noturno. Desagregados por região e pela classificação
urbano e rural, estes dados assumem outras dimensões da desigualdade.
Tomando-se os dados do Censo Demográfico de 2000, feito pelo IBG, notamos
que no Brasil freqüentam nível médio na idade escolar correta apenas 12,9% dos
jovens do campo. A distorção por região é enorme. Enquanto no sudeste e sul,
respectivamente, 33,4% e 22,8% dos jovens do campo estão na faixa etária adequada,
no centro-oeste encontramos 14,4%; nordeste, 5,5% e norte 4,2%.
Os indicadores da área educacional são o sintoma de um longo processo de inserção
consentida e subordinada da burguesia brasileira ao grande capital e a conseqüente
aceitação de nosso papel subalterno na divisão internacional do trabalho com a
hipertrofia da formação para o trabalho simples. Opção esta que se consolidou mais
claramente na década de 1990 com o desmonte do Estado e as privatizações e adesão
explícita ao Consenso de Washington definindo um campo de lutas que perdurou todo
o século XX.
Como aponta Neves, a natureza das políticas educacionais em jogo na década de
1990 dependiam: a) das repercussões econômicas e político-sociais do
desenvolvimento do novo paradigma produtivo no espaço nacional; b) dos requisitos
técnicos e ético-políticos do novo conteúdo do trabalho industrial, c) dos
desdobramentos da luta entre a consolidação da hegemonia neoliberal e a construção
de uma contra-hegemonia democrática de massa (Neves, 2000, p.180-181).
O pêndulo, como já assinalamos anteriormente, não se movimentou na direção
das forças que lutam por um projeto nacional popular e democrático de sociedade e as
conseqüentes reformas estruturais necessárias. Isto implicaria em um projeto de
educação escolar e de formação técnico-profissional dos trabalhadores para o trabalho
complexo, condição para uma inserção ampla no processo de produção industrial-
moderno com base científica digital-molecular.
Chegamos ao Brasil dos anos 2000 reproduzindo, de forma ampliada, o
monstrengo social configurado pela metáfora do ornitorrinco e traduzido por uma
pirâmide social onde se configura um empobrecimento e esvaziamento da classe média
e a polarização de lados opostos da pirâmide social com a elevação da concentração de
renda e de capital e a ampliação dos inseridos precariamente na base da pirâmide.
Como mostramos pelas análises de Leda Paulani (2006), na mesma direção, o resultado
de uma economia financista e rentista, redunda em empregos pobres de baixo valor
agregado.
Como conseqüência, baseado na pesquisa que estou concluindo, pode-se afirmar
que a contradição aparente resulta de uma construção social historicamente plasmada
pela burguesia brasileira. Como destacamos da análise de Francisco de Oliveira, a
classe burguesa brasileira impediu que déssemos o salto da " revolução fordista" e, na
década de 1990 inviabilizou a possibilidade de dar o salto para a "revolução digital
molecular". Esta mesma burguesia não só impediu a universalização da educação
básica como, para a grande maioria que tiveram acesso à escola, não permitiu dar
suporte material e de concepção pedagógica para que a mesma tivesse qualidade
efetiva.
Ou seja, apoiada num projeto de capitalismo dependente de desenvolvimento
desigual e combinado, a burguesia brasileira, associada de forma subordinada aos
centros hegemônicos do capital, não viu ao longo do século XX real necessidade de
uma escola básica universalizada e de qualidade. O baixo investimento em educação de
nossa sociedade comparativamente com os países do capitalismo central, se reflete no
caráter precário das condições objetivas da oferta de um ensino fundamental e médio
de qualidade para todos os jovens brasileiros. O custo econômico aluno-ano no ensino
médio, das melhores escolas públicas das antigas Escolas Técnicas Federais, atuais
CEFETs, e de escolas com a mesma configuração, é de aproximadamente R$ 6.000,00.
Trata-se do ensino médio de ponta e que, representava, pelo Senso Escolar de 2004,
como vimos acima, apenas 0,7% do total de matrículas deste nível de ensino. Se
compararmos o custo médio aluno-ano de países desenvolvidos cerca de R$ 8.000,00,
aluno-ano para a educação básica, mesmo esta parte ínfima de alunos tem um custo
25% menor. Se compararmos com a escola de ensino médio onde estudam os filhos de
classe média, o custo aluno, também é aproximadamente de R$ 8.000,00. Os 85% de
jovens que freqüentam o ensino médio estadual, salvo exceções raríssimas como é um
dos casos acima estudados, seu custo médio é próximo de R$ 2.000,00.
O fato alarmante é que o INEP avalia que há um déficit de 250 mil professores
para o ensino médio como dados recentes revelam e que em 48% dos municípios
brasileiros o número de matriculados nos ensino médio diminuiu. O Censo Escolar de
2006 indica, por outro lado, que houve uma diminuição de 94 mil matriculas no ensino
médio regular em relação a 2005 e um aumento de 114 mil no mesmo nível na
educação de jovens e adultos (antigo ensino supletivo). A hipótese é de que a grande
parte destes 94 mil tenham migrado para o nível médio supletivo.29
A confirmação de que a classe burguesa brasileira e seus representantes nas
diferentes esferas do poder são responsáveis pelo que hoje reclamam, pode ser
depreendida do argumento básico utilizado para a imposição do Decreto Lei 2.208/87
que desmontou o pouco ensino médio integrado público: o elevado custo lavado. Este
foi o legado mais recente num governo cujo presidente Fernando Henrique Cardoso foi
considerado o governante de maior nível de escolaridade do século – doutor sociólogo -
e, também, do seu doutor Ministro da Educação, alto funcionário de organismos
internacionais, e oito anos à frente do Ministério.
Ao longo da década de 1990 o Ministério da Educação valeu-se, como mostra
Lobo Neto (2006), do discurso da tecnologia e da "tecnologia" do discursos para
organizar um sistema paralelo de ensino médio e dissimular sua efetiva natureza
tecnicista. Alguns Estados, como o do Rio de Janeiro, este sistema paralelo – Fundação
de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro (FAETEC), sequer está ligado à Secretaria
Estadual de Educação. Na verdade, como podemos depreender da análise de Lobo a
nomenclatura de educação tecnológica ou de educação profissional, neste caso,
escondem seu contrário - uma política de formação profissional estreita, fragmentária,
pragmática e desvinculada de uma concepção de educação omnilateral do ser humano
historicamente situado. (Lobo Neto,2006:170). Um caminho inverso, portanto, ao
sentido mesmo de educação tecnológica enquanto base ou fundamento científico das
diferentes técnicas e de formação humana no campo social, político e cultural.
A tríade que Caio Pardo Junior sinaliza como marcas crônicas do projeto da
burguesia brasileira - mimetismo, endividamento externo e assimetria entre ganhos do
capital e do trabalho - reforçam as análises de Florestan Fernandes e de Francisco de

29
. Ver. Jornal O Globo. Rio de Janeiro,01 de novembro de 2006, Caderno País, p. 17
Oliveira sobre nossa formação histórica e nos permitem decifrar o enigma da falta e
sobre (sobra?) de mão de obra qualificada.
Por um lado os empregos que demandam qualificação técnica, em grande parte
pelo baixo salário ou por preconceito com o trabalho técnico não atraem a parcela de
jovens de classe média que tem os melhores níveis de escolaridade. Com efeito, dados
de pesquisa sobre juventude brasileira e emprego de Márcio Pochmann do Centro de
Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP mostram que no
Brasil há uma crise crônica na transição do sistema educacional para o universo do
emprego (Pochmann, apud Manir, M. 2007. P. 1). Esta dificuldade, motivada pela
opção econômica que de acordo com este autor perfila um pífio crescimento econômico
há duas décadas e meia, traduz o paradoxo de que nosso país está se transformando em
grande exportador de mão de obra juvenil qualificada (op. cit. P. 2). A cifra alarmante
apresentada é de que perdemos, por ano, 160 mil jovens para o olho gordo do mundo.
É biscoito fino, mão- de- obra qualificada que busca futuro fora do país. ( IB, p. 1).
Por outro lado, a grande massa de jovens filhos da classe trabalhadora freqüenta
um sistema público de educação básica destroçado. Aqueles que chegam ao ensino
médio, em sua maioria o fazem no turno noturno, onde é mutilado no tempo, na infra
estrutura e nos conteúdos. O baixo poder aquisitivo de suas famílias não lhes permite,
por outra parte, pagar um curso técnico que o sistema S oferece. Sistema este
subsidiado com quase seis bilhões anuais mas que cobra mensalidades elevadas, pois
de forma cínica seus dirigentes batizam os centros de formação de "unidades de
negócio"30.
Ficam assim dadas as condições para entender o enigma. Os que têm
qualificação preferem migrar para outros países para ganhar muito mais por trabalhos
que estão muito abaixo de suas qualificações ou seguem, nos mais diversos cursos
superiores. O depoimento de uma jovem que trabalha na nova Zelândia é esclarecedor
neste sentido.
O Brasil é um país de salários de Terceiro Mundo e o custo de vida de Primeiro
mundo. Os empregos de nível médio pagam uma miséria. Eu ganho mais trabalhando
como empacotadeira aqui do que ganharia como técnica de qualquer coisa lá. O
trabalho honesto não é valorizado. (Texto de Gilberto Scofiel JR, Jornal O Globo,
22.01.2008, Caderno Opiniã, p. 7).
30
. Acompanho há mais de 20 anos as instituições do sistema S. Grandes partes de seus trabalhadores que
vendem sua força-de-trabalho nestas instituições percebem e não concordam com as políticas ditadas
pelas confederações empresarias e seus prepostos. A reação orgânica das federações
Os que buscam os empregos técnicos, mesmo mal remunerados porque que
necessitam, não tem os pré-requisitos de formação e nem condições sociais de pagar
por esta formação. Os cursos que o SENAI oferece na área técnica se baseiam no
negócio – portanto cobram valores do mercado.
Nos três exemplos acima brevemente analisados, não temos dúvida, que
preparam seus alunos para o trabalho complexo e em nível internacional seus alunos.
Por isso seu custo ser compatível com os custos médios internacionais, o que reflete a
base material das condições em termos de laboratórios, bibliotecas, salário e carreira
docente, nível de formação – especialização, mestrado ou doutorado, tempo em sala de
aula menor que o tempo para estudo, pesquisa, orientação e reuniões pedagógicas. O
mesmo se poderia falar da grande maioria da rede de escolas federais que representam,
como vimos, apenas 0,7% da matricula total do ensino médio. Mas vimos, também, que
pelo menos parte dos que trabalham nestas instituições tem a preocupação de dar aos
jovens elementos para entender em que sociedade vivem e possam se organizar para, no
mínimo, lutara por um projeto que a literatura crítica caracteriza de desenvolvimento
nacional popular.
O fato da burguesia brasileira e/ou a "elite" não perceber de que o que ela
denomina de apagão educacional não é conflitante e nem paradoxal com o tipo de
relações sociais que ela mesma produz e advém, portanto, de uma contradição de suas
práticas, revela a posição de uma classe atrasada, violenta e subordinada aos centros
hegemônicos do sistema capital. A falta de jovens qualificados e, ao mesmo tempo de
jovens que buscam desesperadamente emprego e qualificação e o assustador número de
jovens, os melhor qualificados, que saem do país em busca de trabalho, resulta das
contradições de uma sociedade que, como vimos, a miséria, o mercado informal, o
analfabetismo ou escolaridade precária são condições de sua forma de ser.
O grito de apagão educacional reitera, e de forma cada vez mais cínica, uma
cultura de violência societária que culpa a vítima por sua desgraça. O analfabeto, o sem
terra, o subempregado, o não qualificado, o não empreendedor ou, o não empregável
assim o são porque não souberam ou não quiseram ou não se esforçaram em adquirir o
“capital humano” ou as “competências” que os livrariam do infortúnio e seriam a mão
de obra qualificada que iluminaria o crescimento acelerado.
Na verdade, mais de um século e meio depois, caberia à burguesia brasileira a
jocosa referência ao atraso da sociedade e dos capitalistas alemães em relação à
sociedade e capitalistas ingleses feita por Marx: fabula de te narratur. Vale dizer, se a
burguesia brasileira quiser ser coetânea ao capitalismo dos países desenvolvidos
necessita entender que isso implica, mesmo sob relações de classe, uma garantia efetiva
do conjunto de direitos sociais e subjetivos (educação, saúde, moradia, acesso à cultura,
transporte, etc.) que permitam à classe trabalhadora não ser reduzida a “boi que fala” ou
a macaco domesticável.
O estigma colonizador e escravocrata da burguesia brasileira a constitui, como se
referiu Francisco de Oliveira, em vanguarda do atraso e atraso da vanguarda. Por isso
que é uma burguesia que entende, como revela com fina ironia a crônica de Luiz
Fernando Veríssimo, que a culpa de nosso atraso é mesmo do povo brasileiro.
Pesquisa recente concluiu que a elite brasileira é a mais moderna, ética,
tolerante e inteligente do que o resto da população. Nossa elite, tão atacada através
dos tempos, pode se sentir desagravada com o resultado do estudo, embora esse tenha
sido até modesto nas suas conclusões. Faltou dizer que, além das suas outras virtudes,
a elite brasileira é mais bem vestida do que as classes inferiores, tem melhor gosto e
melhor educação, é melhor companhia em acontecimentos sociais e é
incomparavelmente mais saudável. E que dentes!
A pesquisa reforça uma tese que tenho há anos segundo a qual o Brasil, para
dar certo, precisa trocar de povo. Esse que está aí é de péssima qualidade. Não sei qual
seria a solução. Talvez alguma forma de terceirização, substituindo-se o que existe por
algo mais escandinavo ( ...)
Se não tivéssemos um povo tão inferior, nossos índices sociais e de
desenvolvimento seriam outros. Estaríamos no primeiro mundo em vez de empatados
com Botsuwana. São, sabidamente, as estatísticas de subemprego, sub habitação e
outros maus hábitos do povo que nos fazem passar vergonha.

Que contraste com a elite. Jamais se verá alguém da elite brigando e fazendo
um papelão numa fila do SUS como o povo, por exemplo. Mas o que fazer? Elegância e
descrição não se ensina. Classe você tem ou não tem. Mas o contraste é chocante,
mesmo assim. Esse povo, decididamente, não serve. Se ao menos as bolsas famílias
fossem Vuilton (Veríssimo, 2007).

Ou será que o desafio é de instaurar processos sociais, políticos, culturais e educativos


que permitam substituir a classe dirigente burguesa pela classe trabalhadora? A
universidade tem um papel crucial para mostrar que “o apagão educacional” é sintoma
e ao mesmo tempo reforço do apagão social que o produz e para avançar sobre as
questões que esta pesquisa e outras, apontam.
Para Oliveira impõe-se a busca do consenso perdido: de que somos uma nação e não
um conglomerado de consumidores. Cabe à universidade um importante papel nesta luta.
(...) O malabarismo neoliberal da última década, no vagalhão mundial globalitário
desestruturou, perigosamente o estado e pode levar de roldão a Nação. A Universidade é o
lugar do dissenso, em primeiro lugar, dissenso do discurso do "pensamento único." Passo
insubstituível para um novo consenso sobre a Nação que é obra da cidadania, mas que pede
e requisita a universidade para decifrar os enigmas do mundo moderno (Oliveira, 2005:70).
Trata-se de lutar numa direção oposta das reformas que vem se impondo à
Universidade Pública desde a década de 1990 que buscam esvaziá-las de sua função
precípua: produzir conhecimento e pensamento críticos. Lutar, de igual modo, contra as teses
que derivam do pensamento único, com base nas leis do mercado, de que os professores não
necessitam de formação teórica, cabe apenas treiná-los par aplicar pacotes dos veiculadores
da pedagogia dos organismos internacionais.
Não por acaso a grande imprensa dá enorme espaço a intelectuais representantes do
pensamento único e que ocuparam posições de destaque nos organismos internacionais e nas
reformas do Estado e da educação na década de 1990. Também, não por acaso, ocupam lugar
de destaque na gestão de Secretarias Estaduais e Municipais de Educação de estados e
municípios com governos conservadores.
O que a pesquisa que efetivamos demonstra, de forma inequívoca, é de que o
propalado apagão educacional que busca designar uma sociedade com baixa escolaridade e
frágil qualidade da mesma, resulta do descaso histórico das classes dirigentes e seus
intelectuais em todas as esferas da sociedade. Quadro que se agravou com as políticas de
mercantilização da educação, agenda dos organismos internacionais vinculados aos centros
hegemônicos do capital mundo, assumidas de forma orgânica e subordinada na década de
1990 e que marcam as políticas educacionais até o presente. Os que proclamam o apagão
educacional, por condição de classe, não percebem que o mesmo é cria ou produto de suas
decisões e políticas.

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