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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA


FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – FDUFBA
DIREITO PENAL II

MOACIR ANTONIO OLIVEIRA MIRANDA

JUSTIÇA RESTAURATIVA:
COM NOVO OLHAR SOBRE AS VÍTIMAS DOS DELITOS

SALVADOR-BAHIA

2010
1

MOACIR ANTONIO OLIVEIRA MIRANDA

JUSTIÇA RESTAURATIVA:
COM NOVO OLHAR SOBRE AS VÍTIMAS DOS DELITOS

Resenha elaborada pelo


graduando do terceiro semestre em Direito na
Faculdade de Direito da Universidade Federal
da Bahia, Moacir Antonio Oliveira Miranda,
para avaliação no Componente Curricular
Direito Penal II, acerca do seminário “Justiça
Restaurativa com Novo Olhar sobre as Vítimas
dos Delitos", ministrado pela Professora Drª.
Selma Pereira Santana, realizada no auditório
do The Plaza Residence, Salvador-BA, em 29
de maio de 2010, turno matutino.

Orientadora: Profª. Drª. Selma Pereira Santana

SALVADOR-BAHIA

2010
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RESENHA DO SEMINÁRIO “JUSTIÇA RESTAURATIVA COM NOVO OLHAR


SOBRE AS VÍTIMAS DE DELITOS”

RESUMO – VIDA DA PALESTRANTE – 1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES - 1.1


INTRODUÇÃO - 1.2 O TRATAMENTO DOS PRESOS - 1.3 O TRATAMENTO DOS
REGRESSOS - 1.4 A INSEGURANÇA NA METRÓPOLE SOTEROPOLITANA - 1.5 O
SENSACIONALISMO DA MÍDIA - 1.6 A SITUAÇÃO DAS VÍTIMAS DOS DELITOS - 1.7
SITUAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO - 2 JUSTIÇA RESTAURATIVA - 2.1 HÁ
POSSIBILIDADE DE CONCEITUAÇÃO? - 2.2 SITUAÇÃO NO MUNDO - 2.3 AS
DIFICULDADES DE IMPLANTAÇÃO NO BRASIL - 3. PARTICIPAÇÃO DOS PRESENTES
NO EVENTO – REFERÊNCIA

Moacir Antonio Oliveira Miranda, acadêmico de Direito da Universidade Federal da Bahia.

RESUMO

A Justiça restaurativa consiste num procedimento que envolve um mediador,


no qual há um consenso entre a vítima de um delito e o infrator do mesmo. Ademais, quando
necessário, envolve também outras pessoas, membros da comunidade, que possam ter sido
afetadas pela atitude delituosa. Eles participam de forma coletiva e ativa na elaboração de
soluções para a restauração dos traumas e perdas ocasionadas pelo crime.

VIDA DA PALESTRANTE

Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia, Doutora em


Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2006) e
Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela mesma Faculdade (2002). Membro do Ministério
Público Militar da União. Professora adjunta, de Direito Penal, da Faculdade de Direito da
Universidade Federal da Bahia (graduação e mestrado). Tem experiência na área de Direito
Público, com ênfase em Direito Penal e Direito Penal Militar.1

1
CURRÍCULO LATTES. Selma Pereira Santana. Disponível em http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=W8537853.
Acesso em 29 de maio de 2010.
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1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

1.1 INTRODUÇÃO

Após cumprimentar os presentes na ocasião, professores e alunos, a Profª. Drª.


Selma Pereira Santana iniciou a sua abordagem acerca do tema “Justiça Restaurativa”.
Salientou, primeiramente, que a Justiça Restaurativa é uma compreensão da justiça que está se
impondo progressivamente no Brasil, mas ainda está sendo descoberta.
Segundo ela, nos Estados Unidos e em países Europeus este método já é
estudado há muito tempo. Isso demonstra o relativo atraso do nosso país em comparação a
outros ditos desenvolvidos, haja vista que até hoje as novas tendências referentes aos métodos
de aplicação da justiça demoram a ser conhecidos.

1.2 O TRATAMENTO DOS PRESOS

Em seguida, a Profª. Drª. Selma Pereira Santana questionou: “Como nosso


sistema penal trata os presos”? Segundo ela, o descaso é evidente, sendo que os presos são
tratados de forma desumana 2.
Consoante sua opinião, a Drª. Selma Pereira Santana não defende que eles
sejam dignos de “canonização” – até porque milhares entram na vida do crime por mau
caráter e defeito de personalidade mesmo –, mas deve ser assegurados àqueles seres humanos
a dignidade3 necessária para que vivam a sua restrição de liberdade sem ter seus demais
direitos fundamentais – os quais estão expressos na Constituição Federal de 1988 –
negligenciados pelo Estado.
Nesse sentido, a Profª. Drª. Selma Pereira Santana opina, ainda, que o prejuízo
causado pelos maus parlamentares – devido, por exemplo, ao desvio de verbas públicas da

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Segundo Flávia Macêdo Nolasco, em artigo publicado na Edição 11 da Revista do Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas da Faculdade de
Direito da Universidade Federal da Bahia - CEPEJ - “Em verdade, importante notar que a própria criação e evolução do Direito Penal já foi
uma tentativa de humanizar as punições impostas, representando, pois, uma fiscalização do sistema punitivo. O fato de existirem previsões
legais e penas determinadas já contribuiu em muito para o respeito à dignidade da pessoa humana, uma vez que, ainda que em pequena
escala, minimizava o alvedrio estatal no exercício da pretensão punitiva.
Até o século XVIII, por exemplo, a tônica eram as penas cruéis, com prioridade para os castigos corporais e penas de morte. O movimento
iluminista, com suas idéias racionais e antropocêntricas, entretanto, alterou tal cenário, buscando a humanização da punição com o
abrandamento e o respeito às disposições previamente estabelecidas no direito penal. O principal expoente do referido movimento no aspecto
jurídico foi Cesare Beccaria, que preconizava a substituição, no que se refere à aplicação dos dispositivos criminais, da razão da autoridade
pela autoridade da razão, aqui representada pela lei. A existência de uma legislação a ser respeitada, nesse momento, já representava um
grande avanço e um elemento limitador dos abusos estatais”. (NOLASCO, 2009, p. 286)
3
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui -se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;
4

saúde, educação, cultura, esporte, lazer – causa mais danos ao Brasil do que os furtos simples
cometidos por diversos daqueles que estão neste encarceramento hostil.
Assim, diversos parlamentares que cometem crimes tipificados na lei penal
deveriam estar onde merecem – na prisão –, sendo punidos pelas infrações cometidas. Isso
porque as grandes quantias do orçamento que se destinariam para saúde, educação, transporte,
emprego, turismo, entre outros serviços, acabam sendo sujeitas à lavagem de dinheiro e ao
posterior envio a bancos do Exterior, destinados contas de propriedade privada.
A Profª. Drª. Selma Pereira Santana, então, na abordagem inicial do seminário,
critica o descaso com os presos por parte do sistema penitenciário nacional. Sistema este que,
segundo ela, não socializa nem ressocializa, em total desconformidade com o prometido pelos
legisladores.
Para ela, o que a sociedade brasileira busca, na verdade, explicitamente, é a
vingança. Ou seja, ao serem vítimas de delitos, os integrantes do “povo brasileiro” querem ver
o bandido sofrer e “mofar” atrás das grades, não se importando com a noção “fantasiosa” de
ressocialização. Esse é o pensamento que impera na sociedade brasileira.
Destarte, com acúmulo de dezenas de detentos em espaços exíguos, os
presídios acabam por ser vistos como “Universidades do crime”. Isso porque os presos se
misturam, com promiscuidade. Bandidos de alta periculosidade – assaltantes de banco,
narcotraficantes, estupradores – convivem diariamente em espaço ínfimo com pessoas que
cometeram pequenos atos ilícitos – como furtos ou porte ilegal de armas4.
Assim, nos tempos de ociosidade, as conversas que compartilham envolvem,
decerto, aspectos de sua vida de crimes e de revolta contra o Estado e a sociedade excludente.

1.3 O TRATAMENTO DOS REGRESSOS

Adiante, a professora opina sobre a campanha de reinserção do preso na


sociedade acerca do dever social de não ter preconceitos com egressos de presídios. A Profª.
Drª. Selma Pereira Santana, então, aconselha uma “relação de honestidade conosco e com os

4
Segundo Cezar Roberto Bitencourt em sua obra “Tratado de Direito Penal”: “Para a criminologia crítica, qualquer reforma que se possa
fazer no campo penitenciário não terá maiores vantagens, visto que, mantendo-se a mesma estrutura do sistema capitalista, a prisão manterá a
sua função repressiva e estigmatizadora. Em realidade, a criminologia crítica não propõe o desaparecimento do aparato de controle, pretende
apenas democratizá-lo, fazendo desaparecer a estigmatização quase irreversível que sofre o delinqüente na sociedade capitalista.
O grande problema é que continuará existindo um aparato de controle, e ninguém garante que os novos mecanismos de "controle
democrático" não continuarão sendo tão repressivos e estigmatizadores quanto os anteriores. Por outro lado, quando se produzi rá a
revolução? Não se pode estabelecer o momento em que ocorrerá a transformação qualitativa das relações de produção. E, enquanto
esperamos essa evolução, o que acontecerá com as pessoas que se encontram no interior de prisões? Esta imprecisão é uma das d ebilidades
das idéias revolucionárias da nova Nova Criminologia, posto que em outros aspectos sua crítica é importante e decisiva”. (BITTENCOURT,
2010, p. 136).
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outros”. Assim, questiona ao público: “Você empregaria um regresso ou uma regressa?”.


Para ela, segundo o próprio entendimento, a resposta é: “teria medo”.
A Profª. Drª. Selma Pereira Santana, ao persistir discutindo acerca da situação
lastimável que se verifica nos presídios brasileiros, discorre sobre o “Preso morcego” para
exemplificar a superlotação que há nos presídios. Assim, os presos, devido à falta de espaço,
se revezam para dormir. Outros acabam por amarrar um lençol às grades e nele se apoiar para
ficar dependurado e poder “relaxar” o corpo para o descanso, numa situação desumana e
totalmente indo de encontro aos princípios da dignidade da pessoa humana expressos na
Constituição Federal.
Assim, ao conviver diariamente nesta situação, centenas deles eles saem com
mais raiva ainda dos presídios, prontos para descontar tamanho ódio na sociedade, reincidindo
na vida criminosa – agora com o conteúdo assimilado no aprendizado diário com os colegas
detentos da “Universidade do Crime”.
Ademais, diversas vezes, devido à distância do lar e à falta de perspectiva de
manter a família estando dentro da penitenciária, eles têm o profundo desprazer de ver seus
filhos na criminalidade, as filhas se prostituindo, a esposa abandonada ou mesmo com outro
companheiro, o que alimenta em seu âmago revoltas e a sensação de injustiça, de exclusão
social.
Adiante, a Profª. Drª. Selma Pereira Santana aplaude o trabalho dos Defensores
públicos – “Trabalho enorme e relevantíssimo”, segundo ela. Isso porque eles recebem
diversos processos para analisar e defender e, mesmo assim, recebem má remuneração do
Estado.

1.4 A INSEGURANÇA NA METRÓPOLE SOTEROPOLITANA

A Profª. Drª. Selma Pereira Santana, ao discorrer acerca da insegurança da


sociedade, indica o caso dos “Homens-aranha”. São aqueles que escalam prédios
metropolitanos até o terceiro, quarto andar, para roubar, em alturas surpreendentes que
perpassam os 10 metros.
Ela aponta que o brasileiro é dotado de enorme força de vontade e criatividade,
mas diversas vezes usa isso para atitudes ilícitas. Muitas vezes acontece que os moradores do
terceiro andar colocam grade na fachada de seu apartamento, pois no segundo andar põe-se
grade e no primeiro também, podendo o ladrão escalar pelos andares inferiores até atingir os
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superiores. Assim, gera-se um efeito cascata causado pelo sentimento de medo em se deparar
com um bandido entrando pela janela de casa e anunciando um assalto.
A Profª. Drª. Selma Pereira Santana opina que “Salvador só tem o que há de
ruim nas metrópoles”. Assim, em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, também há
criminalidade, mas também diversos benefícios sociais, desenvolvimento humano,
constituindo grandes pólos financeiros. Só que em Salvador reúne-se “tudo o que não presta”,
sendo que o que “há de bom”, não chega aqui. Até o Metrô que foi feito em Salvador é uma
“vergonha”, mais parece uma montanha-russa, pois não é em linha reta igual aos metrôs de
outras cidades, mas detém diversas sinuosidades, altos e baixos, sendo pequeno e curto, um
“mini-metrô”.
Devido ao sentimento de medo, de pavor, nós, habitantes da metrópole
soteropolitana, vivemos “presos”. “Não podemos ser nós mesmos”, segundo palavras da
Profª. Selma Santana. “Quem pode, sai armado, sejam homens ou mulheres”, complementa.
As mulheres, no caso, mais vulneráveis e temerosas de estupros, saem com spray de pimenta,
que, mesmo sendo ilegal, ainda é bastante adotado pela população feminina. Assim, se há 10,
20 anos, era possível passear tranquilamente pela orla à noite admirando as estrelas sob o mar
enegrecido, hoje isso constituiria uma demonstração de extrema coragem ao aceitar a alta
probabilidade de ser vítima de um assalto à mão armada – ou outro crime muito pior.

1.5 O SENSACIONALISMO DA MÍDIA

A Profª. Drª. Selma Pereira Santana, mais à frente em sua oratória, discorre
acerca dos programas televisivos “NA MIRA”, com Oziel Bueno, na TV Aratu (Sistema
Brasileiro de Televisão – SBT), e “SE LIGA BOCÃO”, com José Eduardo, na TV Itapoan
(Rede Record). Ela indica que, nestes programas, a pretexto de investigação jornalística, há
alarde para nutrir uma cultura do medo, explicitando evidentes desrespeitos a princípios
constitucionais. Destarte, o sensacionalismo do programa cria um sentimento de fragilidade,
de medo, de insegurança na população baiana, que assiste àquilo nutrindo um sentimento de
pavor diário.
“Esses programas desrespeitam o princípio da presunção de inocência”,
indica a Profª. Drª. Selma Pereira Santana. Ela diz que a exposição de rostos dos suspeitos vai
de encontro ao disposto de que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em
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julgado da sentença criminal condenatória (Art. 5º, LVII, CF5). Ao terem seus rostos
expressos como culpados, com entrevistas que induzem a respostas criminalizantes pelo
suspeito, há desrespeito ao princípio de que o réu não é obrigado a dizer algo que possa
criminalizá-lo posteriormente6.
Como exemplo ela cita a ocasião em que os policiais prenderem diversos
indivíduos em Vitória da Conquista-BA, cidade situada a 509 km de Salvador, que estavam
na “festa do pó”, uma festa em comemoração ao aniversário de um traficante, onde havia
música, bebidas e muita droga para consumo. Ao serem pegos no evento e levados em um
ônibus, a câmera da reportagem se posicionou na entrada deste e, a cada pessoa que entrava
no veículo, havia a filmagem do rosto, em fila.

1.6 A SITUAÇÃO DAS VÍTIMAS DOS DELITOS

Adiante a Profª. Drª. Selma Pereira Santana passa a discorrer acerca da questão
das vítimas dos delitos. Inicialmente, ela leva os presentes no salão de eventos a refletir:
“Vocês pararam para pensar mais de cinco minutos nas vítimas dos delitos?”. Assim, ela
explica que “Nós não temos o hábito de pensar nas vítimas”.
“Nós temos nossa atenção voltada ao réu. O ser humano tem dificuldade de
lidar com a sua dor, quanto mais com a dor do outro”, aponta a Drª. Assim, a vítima passou a
ser totalmente esquecida.
Complementa indicando: “A tramitação de seu processo nem ela mesmo,
principal interessada, consegue acompanhar”.

1.7 SITUAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO

“Como está nosso sistema judiciário?”, questiona a Profª. Drª. Selma Pereira
Santana. “Pilhas e pilhas de processos, sem ver a pilha baixar. Juízes desmotivados,

5
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
6
O certo é que, no afã de divulgar, não sobra espaço ou tempo para pruridos morais. É sempre mais lucrativo divulgar a novidad e, mesmo
com o risco de desmentí-la em oportuno, do que deixar o concorrente fazê-lo. Isso cria não poucos conflitos, quase sempre submetidos à
apreciação judicial.
A área de tensão entre os direitos da mídia e o direito das partes é evidente e contínua. De um lado, a liberdade de expressã o, a tornar
inadmissível a censura prévia de qualquer natureza, e o direito de informação titularizado pela comunidade. De outro, o direito à privacidade,
à intimidade e à tutela da dignidade humana.[...]
Não se espere a conversão ética espontânea. Os comunicadores têm visão muito heterogênea do que seja ética. Na busca da notícia,
acreditam-se legitimados a atropelar quaisquer outros interesses. Fazem leitura muito pessoal do direito à informação, priorizando-o em
relação ao direito à intimidade ou à privacidade. (NALINI, 2009, p. 258-259).
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defensores públicos desmotivados”, indica. Ainda mais, ela explicita que aos policiais e
delegados, que atuam no front de batalha, nas operações em favelas, arriscando a vida, é pago
um salário baixo e desmotivador.
A Profª. Drª. Selma Pereira Santana esclarece que só podemos pensar em bem-
estar do ponto de vista coletivo. Assim, deve-se “tirar a cortina do egoísmo, da hipocrisia”.

2 JUSTIÇA RESTAURATIVA

2.1 HÁ POSSIBILIDADE DE CONCEITUAÇÃO?

À frente, a Profª. Drª. Selma Pereira Santana passa a discorrer acerca do tema
principal do seminário, após ter feito essas considerações iniciais. Assim, indica que não há,
ainda, um conceito plenamente formado do que seja Justiça Restaurativa. De maneira
exemplificativa, aponta que “Justiça restaurativa, na realidade, constitui uma série de
métodos e mecanismos, através dos quais a vítima e o agressor podem chegar a uma
conciliação. Não está preocupada com o crime, mas com o meio de satisfação dos que estão
envolvidos, sob diversos prismas de análise. O crime atinge a vítima, o ofensor, a sociedade
em sua totalidade”.
“Deve-se tratar as conseqüências do crime”, aponta a Profª. Drª. Selma
Pereira Santana. A proposta é que a vítima e autor do delito se encontrem7. Ali deve haver a
pessoa do mediador. Este seria como que um facilitador para o diálogo. Ele não interfere no
conteúdo do acordo, por isso se diferencia do conciliador. O mediador é neutro, o conciliador,
não. Assim, a justiça restaurativa se aplica mais a crimes de pequena e média gravidade. Não
pode se estabelecer penalidades de privação de liberdade nem tarefas educativas ou prestações
de serviços que sejam humilhantes, no entanto.

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A Justiça Restaurativa baseia-se num procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou
membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a
restauração dos traumas e perdas causados pelo crime. Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, intervindo
um ou mais mediadores ou facilitadores, na forma de procedimentos tais como mediação vítima -infrator (mediation), reuniões coletivas
abertas à participação de pessoas da família e da comunidade (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles). Na forma de
mediação, se propicia às partes a possibilidade de uma reunião num cenário adequado, com a participação de um mediador, para o diálogo
sobre as origens e conseqüências do conflito criminal e construção de um acordo e um plano restaurativo. Na forma de reunião coletiva e
círculo decisório, ocorrerá também uma mediação em sentido amplo, mais abrangente e reflexiva, ou seja, o diálogo sobre origens e
conseqüências do conflito criminal e a construção de um acordo e um plano restaurativo ocorre não em nível individual, mas de forma
coletiva e integrada com a comunidade. Tais procedimentos propiciam às partes a apropriação do conflito que originalmente lhe s pertence,
legitimando-os a construir um acordo e um plano restaurativo, alcançando o resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as
necessidades individuais e coletivas das partes e se lograr a reintegração social da vítima e do infrator. (PINTO, 2010).
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2.2 SITUAÇÃO NO MUNDO

A justiça restaurativa começou nos Estados Unidos, na década de 70 8. Foi


aprimorada na década de 80. Posteriormente, foi adotada na Europa, no Canadá, França,
Portugal, África do Sul, País de Gales, entre outros9.
Nesse sentido, a Profª. Drª. Selma Pereira Santana indica que desenvolve na
Universidade Federal da Bahia um Projeto de Pesquisa acerca do tema Justiça Restaurativa10.
Quaisquer alunos que se interessarem poderiam adentrar num período próprio de inscrição pra
auxiliar nas tarefas. Nessa ocasião, ao adentrarem no âmbito da pesquisa muitos discentes
nem sequer sabiam o que era Justiça Restaurativa, haja vista a desinformação que há acerca
do tema por parte da mídia e dos autores de livros jurídicos.
A Profª. Drª. Selma Pereira Santana cita o Projeto de Lei 7.006/200611, que
visa criar e autorizar o funcionamento dos núcleos restaurativos no Brasil.

8
A denominação justiça restaurativa é atribuída a Albert Eglash, que em 1977, escreveu um artigo intitulado Beyond Restitution: Creative
Restitution, publicado numa obra por Joe Hudson e Burt Gallaway, denominada “Restitution in Criminal Justice” (Van Ness e Strong,
2002:27). Eglash sustentou, no artigo, que haviam três respostas ao crime – a retributiva, baseada na punição; a distributiva, focada na
reeducação; e a restaurativa, cujo fundamento seria a reparação. A expressão “justiça restaurativa” acabou por prevalecer em português,
embora pareça uma tradução imprópria de “restorative justice”, porque, talvez, em língua portuguesa, fosse mais indicada a expressão
“justiça restauradora”. Além da possível impropriedade da tradução, existe também diversidade na terminologia, havendo autores que
preferem expressões tais como “justiça transformadora”, “justiça relacional”, “justiça comunal”, “justiça recuperativa”, “justiça
participativa”. (PINTO, 2010).
9
A implantação do sistema de justiça restaurativa é objeto de recomendação da ONU aos países membros, não sendo assim uma visão
apenas teórica, mas concreta perspectiva para ser um mecanismo valoroso ao enfrentamento da criminalidade com maior êxito.
Experiências relativamente recentes tem sido apresentadas em diversos países com resultados benéficos, como Nova Zelândia, Austrália,
Inglaterra, Noruega, Canadá e Estados Unidos. Na América Latina, Colômbia e Argentina. No Brasil há alguns institutos pré-restaurativos,
como a transação penal e a composição de danos civis – Juizado Especial Criminal – Lei 9.099/95. A suspensão condicional do processo
prevista no art. 89 da mesma lei é outro exemplo e a remissão ao menor infrator, prevista no Estatuto da Criança e do Adolesc ente se
sedimenta como outro formato restaurativo.
Ainda é muito restrita a discussão do tema no Brasil mesmo no mundo acadêmico, e deve ser alavancado o debate, a fim de possibilitar a
experiência em torno do assunto, exigindo-se a base legislativa que dê fundamento à aplicação da justiça restaurativa e o investimento na sua
operacionalização pelo Poder Judiciário. (SILVA, 2010)
10
Segundo a Profª. Drª. Selma Pereira de Santana, em resumo de artigo publicado na Edição 10 da Revista do Centro de Estudos e Pesquisas
Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - CEPEJ – “O objetivo desse artigo é ressaltar o surgimento de uma
tendência consensualista na justiça penal, que, embora não seja alheia ao movimento de expansão dos direitos fundamentais, ob edece a uma
lógica racionalizadora e de eficácia. O movimento em prol da justiça restaurativa reconhece que o crime atinge a vítima, a comunidad e e o
autor do delito. A justiça restaurativa considera que, para combater, com êxito, os efeitos do crime, devem ser atendidas as necessidades das
vítimas individuais e da comunidade. Ademais, pondera que deve dar-se aos autores de delitos a oportunidade de responderem, perante suas
vítimas, de forma significativa, e de responsabilizarem-se pela reparação do dano que tenham causado. Entende que a mera recepção de uma
pena constitui um ato passivo, e não requer que aqueles se conscientizem de suas responsabilidades, não atingindo dessas formas as
intenções da prevenção geral e especial”. (SANTANA, 2009, p.57)
11
Atualmente na Câmara dos Deputados, há o Projeto de Lei 7.006/2006 que visa criar e autorizar o funcionamento dos núcleos
restaurativos no Brasil. O relator é o deputado federal, Antônio Carlos Magalhães Neto e o projeto aguarda parecer na Comissã o de
Constituição e Justiça e de Cidadania daquela Casa Legislativa. (SILVA, 2010)
Suas principais características são: 1) modifica o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei 9.099/95 que trata do Jui zado Especial
Criminal para introduzir os procedimentos de justiça restaurativa; 2) o procedimento é opcional, depende da concordância de autor e vítima;
3) o procedimento consistiria em encontros conduzidos por facilitadores entre vítima e autor do fato delituoso e se apropriado outros
membros da comunidade, visando o encontro de solução adequada para compor os traumas e conseqüências do crime, em locais adequados
chamados núcleos de justiça restaurativa; 3) das reuniões pode-se chegar aos acordos restaurativos, em que as soluções deverão atender as
necessidades dos envolvidos; 4) quando o juiz se deparar com um caso que pode ser resolvido pelo sistema restaurativo depois de ouvir o
Promotor de Justiça pode remeter os autos para o núcleo; 5) o núcleo deverá ter condições pessoais e materiais para funcionamento, contando
com uma coordenação, equipe técnica interdisciplinar e facilitadores (preferencialmente psicólogos e assistentes sociais); 6) os atos do
procedimento: consulta às partes (autor e vítima) quanto a concordância da instauração do procedimento; entrevistas prévias com os
facilitadores, separadamente para esclarecimentos; encontros restaurativos para viabilizar a solução adequada; 7) deve ser observada a
confidencialidade (sigilo de justiça); 8) o cumprimento do acordo restaurativo leva à extinção da punibilidade do autor do fato delituoso; 9)
no período da homologação do acordo restaurativo até o seu efetivo cumprimento não flui o prazo de prescrição quanto ao delito; 10) no
inquérito, no relatório, o Delegado de Polícia pode sugerir a instauração do procedimento restaurativo; 11) se as partes (autor e vítima)
concordarem podem ser remetidos os autos de ação penal ou do inquérito para o núcleo restaurativo; 12) o Ministério Público pode deixar de
oferecer denúncia, enquanto tramita o procedimento restaurativo, assim como o curso da ação penal já iniciada pode ser suspenso para aquela
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2.3 AS DIFICULDADES DE IMPLANTAÇÃO NO BRASIL

Uma das dificuldades presentes no Brasil que a Profª. Selma Santana indica
que possam impedir uma eficaz implementação da Justiça Restaurativa é o pensamento
retributivista por parte dos brasileiros.
A sociedade brasileira é uma sociedade retribuitiva, assim, aqueles que
cometem crimes são condenados de maneira ampla, sendo odiados e “merecendo vingança”,
segundo a opinião da mídia que logo é adotada pela massa populacional.
Assim, a Profª. Drª. Selma Pereira Santana cita a Chacina do Carandiru,
ocasião na qual policiais militares invadiram o Complexo Penitenciário numa rebelião e, com
a resistência dos presos em render-se aos policiais (segundo versão dos próprios policiais),
houve confronto, com 111 mortos, em 02 de dezembro de 2002. Nessa ocasião a sociedade,
em sua maior parcela, aplaudiu a atitude policial, haja vista que, em entrevistas veiculadas
pela mídia televisiva, diversos entrevistados, populares, cidadãos brasileiros, disseram que são
“menos 111 criminosos circulando e espalhando terror e revolta pelas ruas”.
Segundo a Profª. Drª. Selma Pereira Santana, “A justiça tardia não é justiça.
Ela tem de ser rápida”. Assim, a eficiência que pode advir da Justiça Restaurativa trará
melhorias na celeridade judicial, haja vista que casos simples, como furtos, injúrias, invasões
de domicílio, calúnias, poderiam ser resolvidos por intermédio de mediador, evitando que eles
onerem a decisão de casos mais complexos, como assassinatos, seqüestros, latrocínios ou
estupros.
Mesmo assim a Profª. aponta que haveria a necessidade das pessoas, tanto
vítimas quanto agentes, tivessem vontade livre de participar de uma conversa mediada por
terceiro. Eles não poderiam ser levados à força, mas seria oferecido a eles essa alternativa
mais célere de resolução do litígio.

3. PARTICIPAÇÃO DOS PRESENTES NO EVENTO

“Nós temos o hábito de importar as coisas da exata maneira que elas são lá”,
aponta a Profª. Drª. Selma Pereira Santana ao se referir ao fato de o Brasil almejar adotar um

finalidade; 13) se a personalidade do autor, antecedentes, circunstâncias ou conseqüências do fato delituoso recomendarem, o juiz poderá
remeter os autos para núcleo restaurativo visando cientificar os envolvidos sobre a possibilidade de opção pelo procedimento e para que
façam a escolha por sua adoção ou o rejeitem; 13) o acordo restaurativo é homologado pelo juiz; 14) o projeto prevê a vacatio legis de 01
ano, visando a preparação dos núcleos restaurativos; 15) enquanto não for homologado o ajuste restaurativo, pode ocorrer a desistência do
acordo. (SILVA, 2010)
11

sistema que advém, inicialmente, dos Estados Unidos da América. Para trazer a justiça
restaurativa ao Brasil é necessário capacitar bem os mediadores à realidade brasileira, aponta.
Segundo ela, em Portugal, país que já adotou a Justiça Restaurativa, como
exemplificação, os mediadores devem ser pessoas idôneas e passar por um curso de
capacitação, não sendo exigido que tenham bacharelado em Direito.
Disposto a discorrer acerca do tema, um Sr. que se apresentou como Albérico
opinou indicando a necessidade de controle de natalidade, distribuição de renda e cuidado
daqueles que já nasceram, com acesso à saúde, cultura e educação para que se possamos
almejar melhorias na segurança e tranqüilidade na sociedade brasileira.
Adiante, a Profª. Drª. Selma Pereira Santana indica que, na África do Sul, o
pensamento restaurativo é uma prática há anos. Ela usou esse exemplo devido à Copa do
Mundo que será, neste ano de 2010, sediada neste país que integra o rol dos países em
desenvolvimento, semelhantemente ao Brasil.
A política criminal deve pensar à frente do pensamento populacional. Assim,
está mais do que na hora do Brasil acompanhar as evoluções que se verificam em tantos
outros países do mundo, incluindo neste rol a Justiça Restaurativa, com as devidas
modificações à realidade que aqui se verifica.
A almejada aprovação do Projeto de Lei 7.006/2006 pelos parlamentares, com
a posterior sanção do Presidente da República, é a grande esperança. Contudo, a Profª. Drª.
Selma Pereira Santana indica que, decerto, ainda demorará bastante, haja vista que o enfoque
principal dos parlamentares neste momento é a sua reeleição nas votações deste ano, através
de suas campanhas políticas.
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REFERÊNCIA

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Bitencourt - 15. ed. rev. e atual. - São Paulo : Saraiva, 2010.

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