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Antropolítica

No 25 2o - semestre 2008

ISSN 1414-7378
Antropolítica Niterói n. 25 p. 1-266 2. sem. 2008
© 2009 Programa de Pós-Graduação em Antropologia UFF
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Catalogação-na-Fonte (CIP)
A636 Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia — (n. 25, 2º sem. 2008, n. 1, 2. sem.
1995). Niterói: EdUFF, 2009.
v. : il. ; 23 cm.
Semestral.
Publicação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal
Fluminense.
ISSN 1414-7378
1. Antropologia Social. I. Universidade Federal Fluminense. Programa de Pós-Graduação em
Antropologia.
CDD 300

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Secretária da Revista Ruben George Oliven (UFRGS)
Priscila Tavares dos Santos Sofia Tiscórnia (UBA)
Editora filiada à
Sumário
Nota dos editores, 7
Dossiê: Estudos de imigração: novas abordagens e perspectivas, 9
Apresentação: Márcio de Oliveira e Jair de Souza Ramos

Tempo e estudo da Assimilação, 23


Nancy L. Green
A imigração: o nascimento de um “problema” (1881-1883), 49
Gérard Noiriel
O papel dos agentes administrativos na política de imigração, 75
Alexis Spire

Artigos

Observação flutuante: o exemplo de um cemitério parisiense, 99


Colette Pétonnet
Itinerários ocupacionais, juventude e gestão de empregabilidade, 113
Delma Pessanha Neves
Performance e empreendimento
nos assaltos contra instituições financeiras, 139
Jania Perla Diógenes de Aquino
A colonização alemã na região central do
Rio Grande do Sul – capital social e desenvolvimento regional, 159
José Marcos Froehlich, Everton Lazzaretti Picolotto,
Heber Rodrigues Silva e Matheus Alegretti de Oliveira
Narrar, redigir e escrever:
o diário nos prontuários da assistência social, 179
Isabelle Csupor e Laurence Ossipow
Resenhas
Livro:Pétonnet,Colette.L’observationflottante:l’exempled’uncimetière,
parisien, L’Homme, oct-déc. 1982, XXII (4r),p. 37-47
Autor da resenha: Soraya Silveira Simões, 193
Livro: Marques, Ana Claudia (Org.). Conflitos, política e relações
pessoais.Fortaleza,CE:UniversidadeFederaldoCeará/Funcap/CNPq–
Pronex; Campinas, SP: Pontes Editores, 2007.
Autor da resenha: Leonardo Vilaça Dupin e Sheila Maria Doula, 197
Livro: Carneiro, Sandra Sá. A pé e com fé: brasileiros no Caminho de Santiago.
São Paulo: Attar, 2007. 277p.
Autor da resenha: Sílvia Regina Alves Fernandes, 205

Notícias do PPGA
Relação de dissertações defendidas no PPGA, 211
Relação de teses defendidas no PPGA, 237
Revista antropolítica: números e artigos publicados, 243
Coleção antropologia e ciência política (livros publicados), 261
Normas de apresentação de trabalhos, 265
Contents
Editors note, 7
Dossier: Immigration Studies: new approaches and perspectives, 9
Foreword: Márcio de Oliveira e Jair de Souza Ramosa
The Time, and The Study of Assimilation, 23
Nancy L. Green

The immigration: The beginning of a problem (1881-1883), 49


Gérard Noiriel
The role of the administrative agents in the immigration policy, 75
Alexis Spire
Articles
Floating Observation. A Parisian Cemetery as an Example, 99
Colette Pétonnet
Occupational Itinerary, youth and employment management, 113
Delma Pessanha Neves
Performanceandenterpriseinassaultsagainstfinancialinstitutions,139
Jania Perla Diógenes de Aquino
TheGermancolonizinginthecentralareaofRioGrandedoSul–Brasil-
social capital and development of the region, 159
José Marcos Froehlich, Everton Lazzaretti Picolotto, Heber Rodrigues
Silva and Matheus Alegretti de Oliveira
Tonarrate,towriteandtocompose:thediaryinthehandbooksofsocial
assistence, 179
Isabelle Csupor and Laurence Ossipow
Reviews
Livro:Pétonnet,Colette.L’observationflottante:l’exempled’uncimetière,
parisien, L’Homme, oct-déc. 1982, XXII (4r), pp.37-47
Soraya Silveira Simões, 193
Livro: Marques, Ana Claudia (Org.). Conflitos, política e relações
pessoais.Fortaleza,CE:UniversidadeFederaldoCeará/Funcap/CNPq–
Pronex; Campinas, SP: Pontes Editores, 2007.
Leonardo Vilaça Dupin and Sheila Maria Doula, 197
Livro: Carneiro, Sandra Sá. A pé e com fé: brasileiros no Caminho de Santiago.
São Paulo: Attar, 2007. 277p.
Sílvia Regina Alves Fernandes, 205
PPGA News
PhD Thesis defended at PPGA, 211
Thesis defended at PPGA, 237
Revista Antropolítica: numbers and published articles, 243
Published Books Coleção Antropologia e Ciência Política, 261
Norms for Article Submission, 265
Nota dos Editores

A Revista Antropolítica nº 25 integra múltiplos intercâmbios de pesquisadores


nacionais e estrangeiros, colaborações individuais e parcerias interinstitucio-
nais. O dossiê temático Estudos de imigração: novas abordagens e perspectivas, or-
ganizado por Jair de Souza Ramos, antropólogo, professor do Departamento
de Sociologia e da Pós-graduação em Antropologia da UFF, e por Márcio de
Oliveira, professor do Departamento de Ciências Sociais da UFPR, confere,
pela tradução, facilidades para leitura de artigos até então publicados em língua
francesa. Mas não só: também melhores oportunidades para se acompanharem
desdobramentos temáticos de uma questão social e sociológica sempre renova-
da, como estão enfatizados nos textos. Os autores anfitriões, organizadores e
apresentadores do dossiê, põem em destaque o lugar que eles próprios e seus
convidados ocupam no campo temático, destacando as diferenciadas modali-
dades de valorização de problemáticas e de encaminhamentos metodológicos.
Na sessão de artigos, os editores da revista têm a honra de incorporar um
dos textos de Colette Pétonnet – Observação flutuante: o exemplo de um cemitério
parisiense –, graças ao empenho de Soraya Silveira Simões, responsável pela
tradução, mas também por alguns comentários sobre a obra da antropóloga
francesa (na sessão Resenha). Os demais artigos registram a elaboração de temas
bastante diversos e instigantes. Um deles corresponde à contribuição de Delma
Pessanha Neves, que focaliza os constrangimentos e as alternativas enfrentadas
por jovens, residentes em espaços urbanos periféricos, para se constituírem
como trabalhadores. A autora enfatiza o caráter institucional da economia de
proximidade em que os jovens se apoiam para qualificar competências, habi-
lidades e recursos de autorização da apresentação de si como trabalhadores.
Contribuindo de maneira singular, dada a novidade da questão eleita para a
pesquisa, Jania Perla Diógenes de Aquino, no artigo “Performance e empreen-
dimento nos assaltos contra instituições financeiras”, problematiza novos espaços
de trabalho de campo e aspectos racionais das ações ou dos empreendimentos
que suportam tais atos de impositiva apropriação material. Pela análise de
processos de imigração no sul do Brasil, José Marcos Froehlich lidera equipe
de pesquisadores dedicados ao estudo da valorização da memória coletiva de
grupos sociais. E, por fim, circulamos uma inovadora contribuição de duas
antropólogas suíças, Isabelle Csupor, vinculada à Haute École de Travail et de
Santé de Lausanne (HES-SO/HETS&S-VD, EEPS) e Laurence Ossipow, afiliada
à Haute École de Travail Social de Génève (HES-SO/HETS), que, no artigo
Narrar, redigir e escrever: o diário nos prontuários da assistência social, demonstram
o caráter relacional ou interativo desse gênero de registro, todavia metafori-
8

zado para valorizar as interdependências e cumplicidades entre os pró-


prios profissionais que nele cristalizam práticas e performances.
Complementamos o investimento institucional do PPGA-UFF registrado
no decorrer dos diversos números da Revista Antropolítica, como neste
25, pela circulação de conhecimentos produzidos pelo corpo discente,
dando continuidade à apresentação de teses e dissertações aí defendidas.
Este tem sido um recurso que adquire valor documental pelo acervo de
títulos mais facilmente identificados.
Portanto, agregamos reflexões de autores nacionais e estrangeiros, sem
perder de vista a importância da expansão do acervo de conhecimentos
que as ciências sociais, nos últimos anos, vêm consolidando pelo trabalho
de mestres e doutores no decurso da formação.
Ampliamos ainda as formas de comunicação acadêmica pela inclusão de
uma sessão de resenhas, neste número da Revista Antropolítica, distin-
guindo textos referidos a temáticas ligadas à ação política e à religião.
Com o objetivo de ampliar o alcance do público leitor às contribuições
meritórias com que nos têm prestigiado os colegas que encaminham seus
artigos para publicação, estamos, paulatinamente e em ordem decres-
cente, disponibilizando Antropolítica em versão digital, cujo acesso pode
ser obtido pela página do PPGA (www.uff.br/ppga).

Comitê Editorial

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 7-8, 2. sem. 2008


Dossiê:
Estudos de imigração:
novas abordagens
e perspectivas
Márcio de Oliveira*
Jair de Souza Ramos**

Apresentação
É com grande prazer que organizamos este
dossiê sobre o tema da imigração, trazendo a
tradução de três textos atuais mas inéditos para
o público de língua portuguesa. Como se sabe,
os estudos sobre imigração no Brasil foram
inicialmente realizados, a partir de mea­dos do
século XIX, em relação às políticas imigratórias
(­SEYFERTH, 2004). Do ponto de vista das ciên-
cias sociais brasileiras, a realidade é bastante dife-
rente, por exemplo, dos estudos norte-americanos
em que o tema da imigração se tornou central
(CHAPOULIE, 2001) e mesmo dos estudos rea-
lizados na Argentina (DEVOTO, 2004). Deve-se
lembrar ainda que o tema da imigração foi bas-
tante trabalhado da perspectiva historiográfica,
sendo muitas vezes considerado um objeto de
estudo da disciplina da história, ou seja, tratado
como a história dos deslocamentos de grandes
contingentes populacionais da Europa para di-
versos países americanos, sobretudo os Estados
Unidos, que ocorreu principalmente entre 1840
e 1940 e o impacto disso na história das nações
envolvidas (RYGIEL, 2007).
Não obstante, na maior parte dos países que
acolheram imigrantes, os estudos produzidos tra-
taram do fenômeno da imigração a partir da traje-
tória, digamos inicialmente, da integração. Assim
*
Professor do Departamen- falando, percebe-se claramente que, embora a
to de Ciências Sociais da imigração seja um fato histórico e demográfico,
UFPR. marciodeolivei-
ra@ufpr.br
repleto de estatísticas de partidas e entradas, con-
**
Professor do Departa- troles sanitários, relatórios oficiais etc., a questão
mento de Sociologia e da trazida junto com os imigrantes foi, em termos
Pós-graduação em Antro-
pologia da Universidade legais e administrativos, essencialmente política
Federal Fluminense. e social. Do ponto de vista intelectual e científico,
12

portanto, a questão da imigração foi fundamentalmente tratada como


objeto da sociologia e da antropologia.1
Os imigrantes, migrando individualmente ou em grupos, eram, formavam
ou ainda passavam a ser identificados, uma vez nos países de destino,
como grupos sociais novos que deveriam ser controlados, integrados,
assimilados e, por vezes, nacionalizados. Os estudos sobre imigração no
Brasil seguiram tendência próxima a este esquema geral, com uma pe-
quena ressalva. Entre nós, a questão da imigração esteve sempre ligada ao
problema do povoamento e da ocupação do território, quando não, ainda
de forma algo envergonhada, do embranquecimento da “raça brasileira”.
Da década de 1920 em diante, a imigração passa a ser ainda um pro-
blema administrativo e legal, uma competência do Estado e dos seus
serviços (RAMOS, 2006), mas sempre com prerrogativas negociadas ou
executadas pelos estados. Nos anos 1930, com a ascensão de Vargas ao
poder, a questão torna-se “nacionalista”, os imigrantes, sobretudo aqueles
residentes em comunidades isoladas e relativamente homogêneas, indi-
cando mesmo uma perda de soberania. É neste momento que o tema da
assimilação (forçada no caso da “Campanha de Nacionalização”) entra
na pauta dos estudos socioantropológicos, coincidindo justamente com a
criação dos primeiros cursos de ciências sociais em São Paulo, assim como
dos cientistas engajados que muito publicaram no Boletim do Serviço de
Imigração e Colonização.
No campo das ciências sociais, ainda nos anos 1930-1940, é nos estudos
de Vianna (1934), Willems (1940, 1946, 1948), Baldus e Willems (1941)
e Freyre (1942, 1948) que o tema assume uma forma acadêmica. Na
década de 1950, Carneiro (1950), Martins (1955), Ávila (1956), Schaden
(1956, 1957) e Cardoso (1959) ainda perseguem o tema da assimilação
das comunidades estrangeiras, insistindo aqui e ali no par imigração-de-
senvolvimento dos estados do sul. À exceção deles, mas ainda neste perío­
do, Ianni (1960), a partir de pesquisas de campo realizadas em Curitiba,
apresenta original estudo sobre descendentes de imigrantes poloneses
e práticas discriminatórias. Contudo, nas décadas de 1960 e de 1970, o
tema da imigração e os estudos sobre imigrantes, ainda que enfocando
perspectiva da assimilação e da etnicidade (DURHAM, 1966; SAITO;
MAYEMA, 1973; SEYFERTH, 1974; WACHOWICZ, 1967, 1970), passam
a ter suas problemáticas emolduradas pelo contexto do desenvolvimento
do capitalismo no Brasil (DIEGUES JR., 1964; MARTINS, 1973).
1
Com efeito, ambas as ciências pouco se diferenciavam quando se iniciaram os estudos sobre imigração, tanto
nos Estados Unidos quanto no Brasil.
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Os estudos sobre imigração renasceriam apenas nos anos 1980 e, prin-


cipalmente, a partir dos anos 1990, emoldurados por novo contexto,
no qual a emigração, fenômeno ainda irrelevante na história social do
Brasil, surge pela primeira vez. A quantidade de trabalhos e perspectivas
adotadas, a variedade das temáticas (do futebol aos estudos sobre políticas
migratórias) nos impedem de resumir em tão pouco espaço a imensa
gama de estudos de excelente nível produzidos nos muitos centros de
pós-graduação das universidades brasileiras. O certo é que, finalmente, o
tema teria sido resgatado, e não apenas por autores comprometidos com
um ou outro grupo de imigrantes, mas em pesquisas que problematizaram
o tema da imigração sob novas perspectivas teóricas, como novos estudos
empíricos, tentando pensar os grupos de imigrantes em si (suas formas
culturais e tradições), bem como suas trajetórias, inserções etc., em quase
todos os estados brasileiros em que foram e são presentes.
É fato nessa nova esteira de trabalhos em que nos situamos e, por isso,
decidimos organizar este número, trazendo contribuições de autores
estrangeiros que têm os fenômenos migratórios como objeto de estudo
e pesquisa. Senão, vejamos.
O primeiro texto, de Nancy Green, historiadora norte-americana e
­atual Diretora de Estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais
(EHESS/MSH) em Paris, é seminal. Em Tempo e estudo da assimilação, a au-
tora apresenta ao leitor a trajetória do conceito mais central nos estudos
sobre migrações, qual seja, o conceito de “assimilação”. É interessante
observar como, durante muito tempo, o ato de migrar, o processo de
migração, sempre esteve ligado ao país de chegada, à nova vida e à nova
sociedade. É óbvio pensar que, nestas condições, os indivíduos isolados
ou os grupos que migram (sejam eles familiares ou não) são sempre
imensamente menores (em termos demográficos) do que os grupos que
formam as comunidades já residentes nos lugares em que se instalam.
Assim, é natural imaginar que deveriam ser “assimilados”, “integrados”,
“igualados”, que tendessem a desaparecer naquele novo todo. A palavra
“assimilação”, seja em inglês, seja em suas diversas acepções nas línguas
latinas,2 não deixa dúvidas quanto a esta compreensão que tanto a So-
ciologia quanto a Antropologia e a história emprestaram da Biologia.
Mas, e é aqui que o artigo se torna muito interessante, os diversos pro-
cessos de assimilação encontraram a sociedade e a história. Assim, o que
poderia parecer uma simples apresentação das formas e dos lugares em
que o conceito foi utilizado, torna-se uma análise crítica e contextual so-
bre as formas e os lugares em que o conceito foi, e como, utilizado. Para
2
Nestas línguas, “assimilar” vem do latim assimilare, que significa literalmente tornar-se semelhante.
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não dizer, é claro, sobre os autores (e suas filiações disciplinares) que o


usaram e tudo que daí resultou. É neste sentido que se pode compreen-
der a autora afirmar, inicialmente, que “houve inúmeras tentativas de
definir assimilação” e que já se reclamou da “confusão de significados”.
Estabelecido o norte do artigo, a autora recupera os diversos usos da “as-
similação”, tanto historiográficos quanto sociológicos e, dessa forma, inicia
sua viagem analítica, a viagem de uma “categoria analítica construída por
sociólogos e historiadores através do tempo usando diferentes quadros
temporais” (p. 1). Iniciando com a definição de assimilação de Gordon
(1964), que inclui os três principais processos de assimilação nos Estados
Unidos, “angloconformidade, melting pot e pluralismo cultural”, a autora
pode viajar tanto no tempo quanto no espaço, resgatando criticamente
não só as histórias e os processos sociais ocorridos nos grandes países
de destino de imigrantes, os Estados Unidos e a França, mas também os
conceitos e modelos de sociedade e cidadania aí produzidos.
Não é o caso aqui de resenhar o artigo em questão, que os leitores poderão
apreciar na íntegra nas páginas que se seguem. Mas convém, para con-
cluir, apresentar três questões levantadas pelo trabalho. Primeiro, trata-se
da importância do conceito de melting pot (primeiro questionamento da
ideia de assimilação pura e simples de judeus na Inglaterra vitoriana do
começo do século XX) e da tentativa de superá-lo através de um estudo
das condições sociais e históricas (para quais grupos e em que momentos
históricos) que tornaram possível pensar numa “amalgamação”, ou seja,
como, onde e por que conceberam um conceito assim? Para em segui-
da analisar o resultado desse processo social em três possibilidades: a)
desaparecimento das culturas imigrantes no seio da cultura dominante;
b) construção de um novo padrão cultural fruto da fusão da cultura do-
minante com as culturas imigrantes; e c) metamorfose de cada uma das
culturas (adventícias e dominante) em produtos novos, mas que ainda
guardariam alguns de seus elementos tradicionais.
A segunda questão diz respeito à crítica do conceito de etnicidade (enten-
dido como identidade cultural de grupos) e seu uso na esteira tanto dos
movimentos sociais (Os Panteras Negras) quanto do pluralismo cultural
e político (caso da história social dos judeus nos Estados Unidos e na
Europa). Aqui, a assimilação assumiu contornos políticos claros, envere-
dou-se pelos corredores jurídico-administrativos do Estado e chocou-se
frontalmente com as constituições republicanas cidadãs e os direitos à
diferença. Assimilação dura, assimilação leve, manutenção de padrões
culturais, diversidade de sociabilidades e processos de identificação, in-
dividualismo etc. Daqui surgiram os conceitos de adaptação, colonização,
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inserção, as políticas públicas assistencialistas e mesmo uma redefinição


dos códigos de nacionalidade e das políticas de imigração, temas sempre
sensíveis. O interessante aqui é ver como os conceitos não são neutros,
como vão e vêm, como se enraízam ou não nas diversas sociedades e
histórias, enfim, como a atividade científica é sempre engajada e atual.
Finalmente, a terceira questão diz respeito ao processo de migração stricto
sensu, ou seja, à migração analisada a partir dos grupos, das gerações
que migram e das diferentes formas de inserção que cada uma delas,
dentro de cada período histórico específico, trilhou. Não há movimento
linear ou universal; tudo varia dentro de um mesmo grupo em função do
tempo, da idade, do gênero, da atividade profissional, do país de destino
e dos laços sociais deixados ou rompidos nos países de origem e, enfim,
dos processos de retorno e da construção dos espaços transnacionais. A
variedade de casos é tão grande que se duvida mesmo da possibilidade
de categorizá-los. Mas a conclusão da autora, após tão exaustiva análise,
não deixará de surpreender os leitores por sua simplicidade e clareza.
O segundo artigo traduzido, do sócio-historiador francês e também dire-
tor de Estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS/
MSH) em Paris, Gérard Noiriel, é um trabalho-chave nos estudos de
imigração. Isso, pelo simples fato de datar historicamente, na França, o
surgimento da questão da imigração, analisando as diversas variáveis que
permitiram transformar o fato – a imigração – em uma questão social,
econômica e política, o “problema do imigrante”.
Neste artigo, várias dimensões são importantes e merecem comentários,
ainda que breves. A primeira delas diz respeito ao contexto histórico.
Como fica claro no artigo de Nancy Green, os conceitos têm lá suas his-
tórias, suas trajetórias e seus significados. Um dos maiores pecados do
cientista social continua sendo o do anacronismo que, muitas vezes, é
resultado do insuficiente conhecimento da história. Ora, essa questão
é exatamente o ponto de partida de Noiriel. Ele pergunta: mas de fato,
na França, quem era o cidadão que imigrava, em que época este fenô-
meno tomou proporções de monta e, finalmente, por que isso se tornou
um “problema”?
As perguntas, como se vê, são simples e diretas. Mas são as respostas que
obviamente nos interessam. De cara, a descrição das condições histórico-
demográficas, a repartição da população nas cidades e nas zonas rurais
e o analfabetismo que viceja nas últimas, enquanto as cidades, sobretu-
do Paris, eram reduto da vida intelectual e política, ainda que, mesmo
entre estas, outra clivagem oponha o “bárbaro” mundo operário à elite
dirigente. Em seguida, a centralização administrativa, o fortalecimento
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do Estado e seu aparelho legislador e controlador. Aqui, chama a atenção


a “invenção” do passaporte, revelando que a mobilidade, mesmo dentro
do país, se fazia sob certas condições, inclusive legais. Finalmente, as pri-
meiras consequências, sobretudo revolucionárias, da chegada maciça de
camponeses e outros trabalhadores a Paris, mostrando as raízes do “pro-
blema social” provocado pelo deslocamento das grandes massas ou como
os migrantes rapidamente tornam­‑se um assunto de Estado. Percebe­‑se
assim que, até então, a migração era um problema interno, desvinculado
da questão dos estrangeiros.
O surgimento do imigrante e o “problema” que “vem” com ele são, deve-
se notar, uma novidade, tanto conceitual quanto sócio­‑histórica. Para
apreendê-la, Noiriel vai explorar, in loco e no detalhe, ou seja, na cidade
de Marselha e através de uma primorosa descrição de fatos históricos e
da consulta de jornais da época, como tantos e tantos trabalhadores urba-
nos passam simplesmente de estrangeiros (italianos, alemães ou outros),
a quem se permitia migrar nesta liberal Europa da segunda metade do
século XIX e vivendo nas suas comunidades (a “pequena Alemanha de
Paris”), a imigrantes, ou seja, cidadãos oriundos de outros Estados (o que
implicava a própria definição de nacionalidade e de Estado-nação), a quem
se devia temer e/ou controlar.
Deste ponto em diante, o artigo é rico, detalhista e instigante, e novamente
datado. O ano de 1870, após a derrota na guerra franco-prussiana, é rico
em consequências. Trata-se não apenas do início de uma nova República
(a terceira), mas da elaboração político-ideológica de uma nova noção de
povo, ou melhor, da incorporação do povo na vida política da nação, o
que implicou, é claro, uma nova concepção de nação e de nacional. Com
estas vieram, como os leitores descobrirão, as noções de estrangeiro e de
imigrante, emolduradas por debates públicos e legislações específicas,
movimentos de protesto e finalmente a transformação do imigrante em
um “problema”.
Mas não pretendemos nos substituir ao autor e, assim, nos limitamos a
comentar aqui uma última questão. O surgimento, na França, dos ter-
mos imigração e emigração. De fato, foi exatamente em 1868, em um
“dicionário das ciências médicas” que os termos aparecem pela primeira
vez. Mas o problema de fundo não é da ordem da medicina ou da saúde
pública, mas da demografia. É para esta nova ciência, que trata da na-
ção e de seus habitantes como um todo, que estes termos têm utilidade.
Eles explicam a entrada e a saída de indivíduos, procura compreender
os benefícios (econômicos com os novos trabalhadores) e os problemas
oriundos (manutenção da baixa natalidade) destes movimentos popu-
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lacionais, mas tudo isso a partir da perspectiva da nação (dos nacionais)


e do Estado (dos benefícios e dos perigos e conflitos que os estrangeiros
provocam). Percebe-se assim que o surgimento da “categoria imigrantes”
constrói outras mais (a do cidadão nacional, sobretudo) e define algumas
já existentes (piemonteses, bretões etc.), reposicionando o xadrez social e
étnico no interior do Estado francês, provocando e acirrando rixas entre
as comunidades e, finalmente, criando uma nova clivagem no seio da
República – direita e esquerda –, cujos argumentos ideológicos em relação
aos imigrantes reais manter-se-ão praticamente inalterados até hoje tanto
no Parlamento quanto na imprensa! Eis como os imigrantes passam a ser
um “problema” cada vez mais grave, envolto no tradicional corolário de
situações (ausência de patriotismo, conflitos, violência etc.).
A publicação do artigo de Gerard Noiriel, e dos demais artigos desse dossiê,
supre ainda uma lacuna importante na atualização da literatura contem-
porânea sobre políticas de imigração. Noiriel é um historiador francês
conhecido no Brasil pela sua participação no campo da epistemologia da
história e, em especial, nos debates sobre o estatuto da história contempo-
rânea a partir da constituição da chamada “história do tempo presente”.
Contudo, a maior parte da sua carreira foi dedicada ao exame do tema da
imigração. De fato, quando seu livro Le Creuset Français3 foi publicado em
1988, ele rapidamente foi recebido como uma síntese inovadora da história
da imigração na França. Mais tarde, Noiriel afirmou que a intenção do
livro era constituir um programa de pesquisa mais do que uma síntese, e
efetivamente esta é uma pista fundamental para a compreensão dos des-
dobramentos do livro porque desde então há um crescente investimento
de jovens pesquisadores sobre o tema da imigração, especialmente em
torno do exame das relações de poder envolvidas aí envolvidas.
O livro representou também uma renovação nos estudos de política
de imigração, por encarar este objeto não mais nos marcos da análise
da política que emana de um estado já constituído, mas como o lugar
mesmo do qual se pode observar a construção do Estado e a cristalização
de relações de poder entre grupos sociais na sociedade francesa, ambos
os processos a partir dos fenômenos de imigração. Este interesse pela
abordagem do Estado através da imigração reatualizou de modo bas-
tante fecundo o argumento de Sayad de que a sociologia da imigração
é a melhor entrada para uma sociologia do Estado.4
3
NOIRIEL, Gerard. Le creuset français. Paris: Éditions du Seuil, 1988. Sem tradução para o português.
4
Cf. SAYAD, Abdelmalek. Immigration et pensée d’État. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, n. 129,
1999.
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O programa envolvido em Le Creuset Français não se resumia à história


da imigração, mas já desenhava a abordagem que viria a ser chamada
de sócio-histórica e que se inscreve na reaproximação crescente, desde
os anos 1980, entre a história e as ciências sociais como a sociologia e a
antropologia. Esta aproximação se alimenta, de um lado, da percepção
crescente de que os fenômenos que os cientistas sociais estudam são
fenômenos históricos; e de outro, que a história é uma disciplina no
interior das ciências sociais e que os historiadores devem fazer uso dos
instrumentos analíticos aí desenvolvidos para avançar na compreensão
de seus objetos de estudo.
Contudo, não se trata simplesmente de uma associação interdisciplinar.
No projeto da sócio-história, a articulação entre sociologia e história opera
em torno de uma perspectiva fundamental que é a crítica da reificação das
relações sociais. A perspectiva crítica aí assumida foi conduzida segundo
uma lógica da desconstrução que se alimentava metodologicamente da
influência de autores como Foucault, Bourdieu, Derrida, entre outros,
e que tinha como alvo as categorias da vida cotidiana, especialmente
aquelas que eram produto de um trabalho de consagração, como aquele
que é empreendido por agentes estatais em torno de fenômenos natu-
ralizados, tais como o registro civil e o passaporte.
Esta perspectiva sócio-histórica, de que Noiriel é um dos mais importantes
autores, se desdobrou mais tarde em dois projetos de trabalho coletivo
que ainda permanecem bastante ativos: a revista Genèses5 e o seminário
de sciences sociales et imigration.6 Em ambos os projetos se trata de com-
preender as sociedades contemporâneas à luz da história, restituindo os
processos que as modelaram. No caso da revista, de modo mais amplo,
e no caso do seminário, de forma mais restrita à centralidade do tema
da imigração nas sociedades europeias contemporâneas.
O terceiro artigo, de Alexis Spirre, um jovem pesquisador francês que
tem assumido a coordenação do seminário sciences sociales et imigration,
se dedica ao exame das representações e práticas de agentes encarrega-
dos de imigração nas prefeituras de polícia e é um excelente exemplo
desta perspectiva, intitulada sócio-história, construída em torno de duas
preocupações.
5
Genèses é uma revista internacional de ciências sociais e história criada em 1990 e que tem por objetivo reunir
contribuições de pesquisadores que buscam compreender as sociedades contemporâneas à luz da história.
6
Inicialmente intitulado “seminário de história social da imigração”, o seminário foi inaugurado em 1997, em
uma associação entre a École Normale Superieure e a École des Hautes Études em Sciences Sociales, sob a direção
de Gerard Noiriel e Philipe Rygiel, e vem se repetindo anualmente desde então, sempre sob a direção de
novos pesquisadores. Ele tem por objetivo reunir pesquisadores franceses e estrangeiros de forma a partilhar
informações e contribuições teórico-metodológicas no estudo da imigração.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 11-22, 2. sem. 2008
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A primeira consiste em explicitar as relações entre passado e presente, isto


é, de um lado, afirmar a historicidade do presente, o que implica fazer a
sociogênese das categorias que ordenam o presente.
Em segundo lugar, a sócio-história privilegia a abordagem das instituições
entendidas como complexos de relações interindividuais. Daí a centrali-
dade de uma perspectiva metodológica baseada em Weber.7 Este também
é um dos aspectos que aproximam a sócio­‑história de uma antropologia
do estado, concebida como uma analítica do estado por uma perspectiva
ascendente, isto é, de baixo para cima, mas, também, a partir das relações
sociais estruturadas em torno da presença de agentes, recursos e autoridade
estatais. Neste sentido, muitas análises sócio-históricas tentam mostrar que
os indivíduos que falam e escrevem em nome do Estado fabricam persona-
gens coletivos como o “espírito público”, a “opinião pública”, o “povo” etc.
Outro aspecto fortemente ligado à influência de Pierre Bourdieu8 e que
aproxima a sócio-história de uma perspectiva antropológica é a análise dos
processos de nominação e categorização dos indivíduos exercidos desde
as posições legítimas no Estado e nas posições dominantes em campos
específicos. Este processo de nominação é analisado como uma relação de
poder que permite agir a distância sobre as identidades dos indivíduos e
de orientar suas condutas.
Em seu texto, Spirre aborda as práticas estatais em relação aos imigran-
tes numa perspectiva d’en bas, com base no modo de organização dos
funcionários intermediários, suas representações e práticas diante dos
“problemas” representados pelos imigrantes. Com isso, ele desloca o foco
habitualmente centrado no exame da política de imigração a partir do
texto da lei e das decisões ministeriais. Isto significa, de um lado, atualizar
a advertência de Foucault, de que o poder deve ser estudado lá onde ele
se investe diretamente sobre seus alvos visados; e de outro, abordar o
Estado não como entidade genérica e abstrata, mas como entrelaçamento
socialmente estruturado de ações individuais, no qual os destinos concretos
de imigrantes são jogados à frente e atrás de guichês.
Em um detalhado trabalho de sociologia histórica, Spirre demonstra
a existência de uma divisão de trabalho que hierarquiza funcionários
graduados e subalternos e define as modalidades de sua relação com
a letra da lei. Num achado sempre didático em um país como o nosso,
prenhe de legislações de todo o tipo, o autor mostra como a proliferação
de leis, decretos, portarias e circulares pode levar tanto à paralisia do
7
Cf. WEBER, Max. Conceitos sociológicos fundamentais. Lisboa: Ed. 70, 1997.
8
Cf. BOURDIEU, Pierre. Esprit d´État. Actes de la Recherche in Sciences Sociales, Paris, n. 96- 97, p. 49-62, Mars
1993.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 11-22, 2. sem. 2008
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funcionário subalterno, temeroso de desobedecer o que quer que seja,


quanto à maior autonomização do funcionário graduado, que “escolhe”
a portaria que vai seguir. Nestes termos, como pensar a aplicação da lei,
sem levar em consideração o modo como estão estruturados, em termos
de divisão do trabalho e de ethos, os comportamentos dos agentes encar-
regados da sua aplicação?
Tornar visíveis estes princípios estruturantes é uma das principais con-
tribuições desse artigo.
Concluindo, acreditamos que estes textos podem representar uma impor-
tante contribuição para todos aqueles que querem não apenas estudar o
fenômeno da imigração no Brasil, mas também compreender a trajetória
do conceito de imigração, tanto do ponto vista teórico quanto em suas
dimensões empíricas no interior das mais diversas tradições nacionais
das ciências sociais.
Eis, em síntese, o dossiê que apresentamos aqui, esperando que os artigos
traduzidos possam abrir novas perspectivas para os estudos migratórios
no Brasil.

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Nancy L. Green*

Tempo e Estudo da Assimilação**

Este artigo busca explorar as maneiras pelas quais


os esforços para classificar a assimilação (e seus
vários opostos) estão ligados a noções do tempo – a
taxa relativa de incorporação –, elas mesmas sendo
produzidas em diferentes períodos históricos. O conceito
de assimilação incorpora diferentes escalas de tempo
e gerações em sua análise, mas o uso deste termo tem
também seus próprios ciclos de uso. “Assimilação”,
portanto, precisa ser reexaminada não somente como
uma descrição da história da imigração per se, mas
como uma categoria analítica construída por sociólogos
e historiadores através do tempo, usando diferentes
quadros temporais.
Palavras-chave: assimilação; imigração; gerações;
tempo; historiografia.

*
Professora da École des
Hautes Études en Sciences
Sociales, Paris, França.
**
“Time and Study of Assimi-
lation”. Artigo originalmen-
te publicado em Rethinking
History, v. 10, n. 2, p. 239-
258, June 2006, Tradução
de Marcelo Teixeira de
Oliveira.
24

Assimilar ou não assimilar depende muito da definição. E certamente


houve inúmeras tentativas de definir assimilação. Ela tem sido explorada
como um conceito sociológico e tratada como um fenômeno histórico.
No entanto, um historiador reclamou de uma “confusão de significados”
(BARKAN, 1995). O que segue não é somente mais uma tentativa de
identificar assimilação como uma realidade histórica, mas uma exploração
da prática historiográfica que produziu o termo. Proponho explorar as
maneiras como os esforços para classificar a assimilação (e seus vários
opostos) estão ligados a noções do tempo – a taxa relativa de incorporação
– e são, elas mesmas, produzidas em diferentes períodos históricos. O
conceito de assimilação incorpora diferentes escalas de tempo e gerações
em sua análise, mas o uso deste termo tem também seu próprio ciclo de
uso. “Assimilação”, portanto, precisa ser reexaminada não somente como
uma descrição da história da imigração, per se, mas como uma categoria
analítica construída por sociólogos e historiadores através do tempo,
usando diferentes quadros temporais.
Uma das mais citadas, e ainda válidas, definições de assimilação como
sendo um conceito sociológico é aquela de Milton Gordon (1964). Nos
Estados Unidos no início da década de 1960, Gordon distinguiu, dentre
outros processos, a assimilação cultural (comportamental) da assimilação
estrutural. A assimilação comportamental inclui a aquisição de padrões
linguísticos, sociais, rituais e culturais da sociedade hospedeira enquanto
permite a manutenção de certo sentido de alteridade. Assimilação estru-
tural, a grande porta de entrada nos clubes e instituições da sociedade
receptora, incluindo, eventualmente, intercasamentos, leva ao desapa-
recimento final do particularismo (GORDON, 1964). Principalmente
para o historiador, Gordon esboçou uma tipologia com três teorias
principais da assimilação nos Estados Unidos e que correspondem a
períodos históricos relativamente distintos: angloconformidade, melting
pot1 e pluralismo cultural.
Outros tipos de distinções sociológicas foram criados em outros países,
e as diversas preocupações de pesquisadores fora dos Estados Unidos
devem ser lembradas. Na França, por exemplo, diferentes formas de
identidade são frequentemente atribuídas a diferentes esferas. Em
termos gordonianos, isto significa que alguém pode dizer que a esfera
pública é o local da assimilação estrutural, enquanto a alteridade com-
portamental é relegada à esfera privada. (Assim, ao legislar contra o uso
de burcas mulçumanas em escolas públicas, o Estado francês enfatizou
1
A tradução mais exata de melting pot em português é “crisol de raças”. É, algumas vezes, traduzida também
por “caldeirão de raças”. Contudo, uma vez que se trata de expressão bastante corrente, decidimos mantê-la
no original em inglês aqui e nos outros lugares em que ela foi empregada. (N. do T.)
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25

oficialmente que é o lugar em que se veste e não a burca em si – uma


manifestação particular de religião – que está em questão.) Muitos his-
toriadores e sociólogos franceses realçaram esta distinção e, se afastando
do termo assimilação propriamente dito, enfatizaram a longa história
da França como um melting pot integrador (GREEN, 1999; NOIRIEL,
1988; S­ CHNAPPER, 1991, 1994).
Entre as numerosas interpretações da questão da assimilação nos Esta-
dos Unidos, o sociólogo William Newman propôs, uma década depois
de Gordon, uma formulação mais sistemática das teorias da assimilação
(NEWMAN, 1973). A abordagem de Newman é interessante por dois
motivos: sua tentativa de “cientificizar” uma descrição do processo
através de uma simples fórmula matemática e, sobretudo, seu esforço,
ainda mais explícito que o de Gordon, de simular modelos de assimilação
historicamente. Deste modo, a noção de assimilação (ou angloconfor-
midade) foi expressa por Newman como A+B+C=A, onde A repre-
senta a cultura principal. Como ele indicou, essa noção foi o produto
do período de imigração maciça entre 1860 e 1940, e isso refletiu no
ponto de vista da maioria, reagindo aos recém-chegados. Amalgação,
para Newman, poderia ser esquematizada como A+B+C=D, onde D
representa a definição de Israel Zangwill de melting pot. A emergência
deste conceito, na primeira década do século XX, foi o resultado do
ponto de vista próprio das “minorias” e, assim, uma reação à ideologia
da assimilação. A noção do pluralismo cultural (A+B+C=A+B+C), que
se originou nas escritos de Horace Kallen em 1915, foi também uma
resposta imigrante, contrariando explicitamente a ideia do melting pot
(ZANGWILL, 1908; KALLEN, 1924). Beyond The Melting Pot, de Nathan
Glazer e Daniel Patrick Moinyhan, levou o ponto de vista da minoria um
passo adiante – A+B+C=A1+B1+C1 –, no qual grupos de minoria se
tornaram grupos de influência, uma posição que Newman (claramente
assombrado pelo espectro dos Panteras Negras e da Liga de Defesa Judia)
criticava. Com certeza, Newman tomou a teoria da assimilação (Milton
Gordon) e a teoria da minoria (GLAZER; MOYNIHAN, 1970) como lição
para admitir uma assimilação muito linear, de um lado, e um pluralismo
indiferenciado, de outro.
Mas, acima de tudo, Newman enfatizou a necessidade de historicizar os
conceitos. “As ideologias de assimilação, amalgação e pluralismo cultural”,
ele escreveu, “devem ser entendidas no contexto das condições sociais
que precipitaram os grupos sociais e os endossaram” (NEWMAN, 1973,
p. 53). Eles não são conceitos a-históricos. Nós precisamos considerar que
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26

as maneiras nos diferentes períodos de tempo nos quais os pesquisadores


enfrentaram o problema afetaram as análises da identidade.

Sobre sociologia e história


Sociólogos definiram e redefiniram o termo muitas e muitas vezes;
os historiadores utilizaram-no. Muitos, mas nem todos os sociólogos
(especialmente nos Estados Unidos) tentaram quantificar a assimilação
estrutural; historiadores (apesar de haver quantificadores dentre eles)
usaram, com mais frequência, o conceito de modo mais metafórico.
Este não é o lugar para reexaminar as diferenças entre as disciplinas e
os repetitivos contrastes entre a generalização sociológica e a narrativa
histórica, sendo os historiadores criticados por deixarem a teoria para
os outros cientistas sociais, enquanto os últimos eram repreendidos por
ignorar a mudança no tempo. E isso ainda que realizar empréstimos
(“esburacando” e “contrabandeando”, como disse William Swell) entre
as disciplinas seja comum em assimilação/estudos étnicos como em outros
campos (SWELL JR., 2005; ABOTT, 2001).2 Isso pode ser implícito ou
mais explícito quando feito por sociólogos históricos ou historiadores
sociais. Questões relativas à assimilação talvez transponham a divisão
disciplinar mais do que nunca, desde que elas impliquem inerentemente
um estudo sobre tempo que é ao mesmo tempo limitado por um tempo
histórico e enquadrado por um conceito sociológico. A este respeito, os
sociólogos voltados para esse estudo estão se engajando em uma discus-
são sobre a mudança através do tempo, enquanto os historiadores estão
buscando entender o mesmo com referência a um conceito sociológico.
Deste modo, as distinções disciplinares são talvez menos importantes
neste campo do que as temporalidades escolhidas por pesquisadores e
o período sobre o qual eles escrevem.
No caso de estudos (étnicos) e de “assimilação”, eu argumentaria, assim,
que as duas disciplinas usaram quase os mesmos conceitos (desconsideran-
do qual das duas produziu-os primeiro ou quantificou-os melhor) mais
ou menos simultaneamente, ao longo de uma linha do tempo similar
de ascensão, queda e, mais recentemente, ressurgimento. Assimilação
foi de início bastante conceituada, em processo de americanização, na
década de 1920, por parte dos sociólogos da Escola de Chicago e acla-
mada durante o consenso do pós-guerra, nas décadas de 1950 e 1960,
2
Sobre pesquisadores da imigração “crescentemente cruzando fronteiras disciplinares”, ver Rubault et al.
(1999, p. 1260); Brettel; Hollifiel (2000). Para ver sociologia e história “como uma única aventura ­intelectual”,
ao mesmo tempo conclamando para um melhor entendimento da epistemologia de cada disciplina, ver
Morawska (2003, p. 645).
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27

por sociólogos e historiadores como o ápice do melting pot americano.


Isso foi então repetidamente criticado a partir dos anos 1960, quando o
ressurgimento da etnicidade contestou sua insensibilidade em relação às
identidades individuais e grupais e seu envolvimento em um processo
de mão única. Os meados da década de 1990 marcaram uma virada de
curso em direção a uma conversa sobre o renascimento de uma avalia-
ção positiva da assimilação. Assim, embora historiadores e sociólogos
da migração seguissem uma linha de tempo de interesse na assimilação
praticamente igual, escrevendo como se estivessem no mesmo período
histórico, a grande diferença teve a ver com a preferência do quadro
temporal escolhido, que variou tanto entre os historiadores quanto entre
os sociólogos.
O que segue é uma investigação sobre as maneiras pelas quais dois dife-
rentes entendimentos e usos de tempo estão embutidos em estudos de
assimilação: aquele do período de tempo sobre o qual estudiosos estão
escrevendo; e aquele do quadro temporal (longo ou curto) escolhido
para o estudo.

Estudiosos no tempo

A virada para a etnicidade

O cotidiano da assimilação é tedioso e não inspirador... A agonia e o


esplendor da assimilação são relativamente breves, localizados, um
episódio na história do mundo moderno... A particularidade (e pre-
ferivelmente, a singularidade) se tornou o único atributo universal
humano mundialmente louvado; toda a seriedade sobre assimilação
adquire um curioso sabor arcaico. (BAUMAN, 1998, p. 321-322, 331)
O livro de Milton Gordon, publicado primeiramente em 1964, pode
ser visto historiograficamente como talvez o último hurra da teoria da
assimilação antes da investida étnica. Escritores como Newman, uma
década depois, já estavam avisados (e neste caso ansiosos) da virada para
identidades mais plurais. Criticados por seus pressupostos etnocêntricos,
por sua natureza normativa, sua noção teológica de que imigrantes ne-
cessariamente se transformam em nacionais indiferenciados, os estudos
de assimilação entraram em colapso.
A história do surgimento da etnicidade, com sua crítica direta da assi-
milação como um conceito sociológico e uma prática histórica, é agora
bem conhecida. É um exemplo claro da maneira como a produção de
categorias de estudo pode ser ligada a tendências sociais mais amplas
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(NOVICK, 1988). Os movimentos sociais da década de 1960 – dos mo-


vimentos antiguerra e de Direitos Sociais passando pelo “ressurgimento
da etnicidade” – tiveram um enorme impacto na consciência histórica
e na escrita da sociologia e da história. O ativismo daqueles que, expli-
citamente ou não, questionaram a homogeneidade do Estado-nação
confrontou ou talvez induziu a pesquisa da ciência social a fazer o mes-
mo. Na história da imigração e na sociologia, a assimilação se tornou
duvidosa e ridicularizada. O novo ou renovado interesse em etnicidade
questionou uma variedade de modelos anteriores, desde os sociólogos
da Escola de Chicago – pelo seu implícito, se não explícito, endosso da
americanização – ao historiador Oscar Handlin e sua destruição das
origens, em seu tempo, The Uprooted.3 A crítica de Rudolph Vecoli ao The
Uprooted tornou-se um clássico, enquanto o livro de Handlin passou a
ser visto como um modelo ultrapassado de alienação no qual a assimi-
lação permaneceu o resultado implícito (VECOLI, 1964, 1972, 1985).
De forma semelhante, na história do trabalho, Herber Gutman criticou
uma historiografia nacional que assimilou trabalhadores imigrantes a
um todo indiferenciado. Ele clamou por um entendimento renovado
do que eles haviam trazido – cultural e politicamente – para as costas do
Novo Mundo e argumentou em favor de uma importante reavaliação
das culturas imigrantes para entender a história americana do trabalho
(GUTMAN, 1976, p. 3-78; BARRET, 1992).
Uma estória historiográfica a respeito da história francesa deve ilustrar
as mudanças casuais do conceito. Quando Michael Marrus escreveu um
livro publicado em 1971, intitulado The Politics of Assimilation, foi acla-
mado como um estudo pioneiro no campo da história social do povo
judeu (MARRUS, 1971). Ele analisou a reação dos judeus franceses ao
Caso Dreyfus, explicando por que eles não testemunharam em defesa de
Dreyfus até muito mais tarde no caso, e criticou-os implicitamente por
sua covardia. No entanto, o livro de Marrus foi em seguida severamen-
te criticado por sua visão (não crítica) da assimilação do povo judeu à
França. Na verdade, o livro produziu uma segunda geração de livros
e artigos de sentido inverso, tentando provar o quão judeus, os judeus
franceses do século XIX realmente eram. Trata-se aqui de uma questão
da assimilação histórica ou não de judeus franceses, ou de uma questão
do empréstimo de um conceito sociológico por um historiador social
logo antes da crítica do próprio conceito? Alguém poderia argumentar
que a maneira de descrever os judeus franceses mudou com o tempo,
3
Sobre o impacto da Escola de Chicago na Europa, ver Oriol (1981). Sobre a Escola de Chicago, ver Kivisto;
Blanck (1990); Persons (1987); Smith (1988); Higham (1975, p. 214-217). O precoce clássico de Oscar Handlin
apareceu pela primeira vez em 1951 e tem sido reimpresso desde então (HANDLIN, 1973).
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29

em sincronia com o tempo. Da década de 1970 até a década de 1990, à


medida que a assimilação foi reduzida e o etnicismo se tornou importante,
os judeus franceses se tornaram mais “judeus” em termos de história e de
memória (ALBERT, 1982; BIRNBAUM, 1992; SIMON-NAHUM, 1991).
A virada em direção ao etnicismo não foi, contudo, o “fim da assimilação”
como conceito ou prática. Isso não levou, como muitos debates subse-
quentes mostraram, ao fim definitivo de toda e qualquer noção de inte-
gração dentro do governo ou da sociedade. Quando, pela primeira vez,
o historiador Marcus Lee Hansen sugeriu o que ficou conhecido como
“Hansen’s Law” (Lei de Hansen) em 1937 – a ideia de que a primeira
geração emigra, a segunda esquece (assimila), mas a terceira retorna às
suas origens – o que ele propôs como princípio histórico pode ter descrito
bem muitos historiadores de 1970 e 1980, estudiosos de terceira – ou
quarta – geração interessados em aspectos das experiências de seus an-
tepassados (HANSEN, 1937; KIVISTO; BLANCK, 1990).
Mais importante, a Lei de Hansen nos fornece uma percepção para di-
versos assuntos relativos ao tempo. O comportamento do grupo pode se
alterar com o tempo, assim como se altera a atividade dos observadores.
Cada geração de historiadores e sociólogos escreve em um tempo espe-
cífico e com questões diferentes daquelas que os precederam.

A década de 1990: o retorno da assimilação (redefinida)


Nos anos 1990 estudos étnicos tinham se tornado, até certo ponto, ins-
titucionalizados nos Estados Unidos, principalmente nos programas de
estudo universitários. Céticos questionaram se a etnicidade tinha che-
gado para ficar e se a construção histórica da noção havia sido analisada
(ALBA, 1990; COZEN et al., 1992; GANS, 1979; STEINBERG, 1981;
WATERS, 1990).
Enquanto aquela consagração se estabelecia, dois movimentos políticos e
históricos contraditórios estavam acontecendo simultaneamente. De um
lado, uma etnicidade frequentemente reificada surpreendeu o pluralismo
cultural dos anos 1970, argumentando em favor de um multicultura-
lismo mais agressivo sob forma de uma identidade política. Do outro, e
em resposta àquela radicalização, surgiram novas chamadas a favor de
uma virtude cívica comunitária, variando dos apelos de Warner Sollors e
David Hollinger por uma América pós-étnica, às várias ênfases tanto de
culturas mestiças, transitórias e híbridas quanto à renovada celebração
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008
30

da assimilação de Anthony Appiah (APPIAH, 1992; HOLLINGER, 1995;


MORAWSKA, 1994; NASH, 1995; SOLLORS, 1986).
Em outros países, o droit à la différence –4 uma forma de afirmação cultu-
ral étnica – teve vida curta e nunca foi institucionalizado nos programas
universitários. França, Inglaterra, Holanda etc., com algumas diferenças
de época nos processos de sensibilização, tornaram-se crescentemente
conscientes de suas histórias da imigração a partir das décadas de 1970
e de 1980 (DIGNAN, 1981; HOLMES, 1988; LUCASSEN; PENNINX,
1997; NOIRIEL, 1988). Não obstante, o episódio étnico foi tratado com
cuidado, pois seu potencial de divisão era frequentemente temido. Deste
modo, enquanto na França a duradoura relevância do modelo républicain
d´intégration5 permaneceu forte entre políticos, sociólogos e historiadores,
pesquisadores holandeses, de forma semelhante, puseram a assimilação
em primeiro plano, fazendo estudos de longa duração sobre a imigra-
ção na Holanda (LE BRAS, 1998; LUCASSEN, 1997; LUCASSEN;
­PENNINX, 1997; SCHNAPPER, 1991; TRIBALAT, 1996).6
Um número de sociólogos e historiadores dos dois lados do Atlântico
retornou, deste modo, ao conceito de assimilação como forma de se afas-
tar da controversa natureza sobre um multiculturalismo “duro” (ALBA;
NEE, 2005; BRUBAKER, 2001; KAZAL, 1995; MORAWSKA, 1994).
No entanto, e de forma importante, eles fizeram isso redefinindo a as-
similação no intuito de mudá-la de suas mais odiosas (e culturalmente
repressivas) conotações e incorporando algumas das críticas da etnici-
dade. Deste modo, os sociólogos Alejandro Portes, Rubén Rumbaut e
Minzhou ou a historiadora social Ewa Morawska nos Estados Unidos, o
sociólogo Dominique Schnapper na França, e o historiador Leo Lucassen
na Holanda, todos eles perceberam o retorno ao que pode ser chamado
de assimilação “leve”. Acredita-se assim em uma adaptação no longo
prazo, sem aniquilar todas as diferenças (LUCASSEN, 1997; PORTES,
2000; PORTES; ZHOU, 1993; RUMBAUT, 1999; SCHNAPPPER, 1991).

A busca por um termo adequado


Durante a última metade do século, estas tentativas cambiantes de definir
e usar o conceito de assimilação foram atrapalhadas pela dificuldade de
encontrar um termo melhor. Enquanto as décadas de 1980 e 1990 pre-
4
Em francês no original. Traduz-se como “o direito à diferença”. (N. do T.)
5
Apenas “républicain” e “intégration” estavam em francês no original. Toda a expressão pode ser traduzida
como “modelo republicano de integração”. (N. do T.)
6
Veja o debate entre Tribalat (1996) e Le Bras (1998).
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008
31

senciaram uma dramática queda no uso do próprio termo, numerosos


críticos falharam em tentar achar um substituto satisfatório.7
Mesmo antes disso, dois demógrafos franceses (Girard e Stoetzel) haviam
sugerido, nos anos 1950, os termos “inserção” ou “adaptação”, enquanto
o sociólogo israelita Samuel E. Einsenstadt falou explicitamente, em
1954, de “absorção”. Do começo da década de 1980 em diante, e frente
ao crescente criticismo, a busca por outro termo avançou depressa. O so-
ciólogo alemão Hoffmann-Novotny era um antigo proponente do termo
“integração”. Um historiador israelita (Ezra Mendelsohn) sugeriu “inte-
gracionismo” (EINSENSTADT, 1954; GIRARD; ­STOTZEL, 1953-1954;
GORDON, 1964; HOFFMANN-NOVOTNY, 1983; ­MENDELSOHN,
1993).
O sociólogo belga Gilles Verbunt alertou sobre a linearidade de uma lin-
guagem na qual a consequência seria que a inserção (“la prise en charge
par les instituitions du pays d’accueil”) levaria à adaptação (“de la part de
l’immigré”) e então à integração (“dans le logement et dans le travail”),8
seguida pela assimilação (cultural) e finalmente pela naturalização.
Ele preferiu o termo integração, considerando uma relação recíproca.
Desde então o termo se espalhou pela linguagem sociológica francesa e
foi até incorporado por uma comissão governamental: o Haut Conseil
à l’Intégration,9 criado na França em 1990 (LONG, 1988; VERBUNT,
1985; WEIL, 1991).10
Mas, devido à sua utilidade, o debate continuou. Adrian Favell mostrou
como, em muitos países europeus, a “integração” esteve fortemente li-
gada ao paradigma do Estado-nação, enquanto Michael Banton rejeitou
o termo por implicar uma totalidade matemática, preferindo “interação
maioria-minoria” (BANTON, 2001; FAVELL, 2003).
Aquilo que pode funcionar em uma sociedade pode não funcionar em
outra. Apesar das inerentes dificuldades de definição, os termos não são
universalmente aplicáveis de uma língua para outra. A “integração”,
construída com o significado de total rendição ao modelo dominante na
Holanda, foi, portanto, vista como pejorativa por alguns historiadores.11
7
Na França, a própria ideia foi às vezes criticada como uma importação americana (ORIOL, 1981).
8
Essas três expressões estão em francês no original. Traduzem-se, respectivamente, por “as instituições do país
que acolhe ficam encarregadas”, “da parte do imigrante” e “no local de moradia e no trabalho”. (N. do T.)
9
Em francês no original. Traduz-se por “Alto Conselho da Integração”.
10
Para uma história da política das políticas francesas de imigração, ver Weil (1991).
11
Portanto, Jan Lucassen e Rinus Penninx preferem o termo assimilação (LUCASSEN; PENNINX, 1997, p.
102-103). Comunicação pessoal de Jan Lucassen para Nancy Green, 29 de outubro de 2001. Não obstante,
o Wet Inburgering Niewkomers foi traduzido como ato da integração dos recém-chegados (DE HEER, 2004).
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008
32

O termo teve outra, e mais específica, conotação nos Estados Unidos


para os afro-americanos. O economista Michael Pior certa vez sugeriu
“colonização” como um termo mais neutro, enquanto o historiador John
Laslett aceitou “aculturação”, “acomodação” ou “adaptação” (LASLETT,
1985, p. 589-590; PIORE, 1979, p. 76-81). Os termos às vezes podem ser
difíceis de “traduzir” de uma disciplina para outra. Quando os historia-
dores começaram a falar de aculturação ao invés de assimilação, alguns
antropologistas ficaram horrorizados, porque cultura é um construto
em si complexo demais para o termo ser facilmente traduzido. Outros
antropólogos aceitaram aculturação, apesar de definida mais especifi-
camente. Os termos podem, deste modo, ser específicos em diferentes
países, linguagens ou disciplinas. Ou podem migrar alegremente de
um para outro.12
A análise da assimilação como uma realidade histórica pode, assim, ser
uma questão de disciplina acadêmica e linguagem, mas não é somente
isso. Ela está também relacionada à posição do próprio observador no
tempo. Não é que simplesmente objetos históricos mudaram de assimi-
lados para étnicos. Os pesquisadores também trouxeram novas questões
e categorias para suas pesquisas, ancoradas em seu próprio presente.
Desse modo, precisamos estudar as gerações de migrantes e de estudio-
sos. O que me interessa aqui não é mapear noções do tempo como uma
experiência social,13 nem analisar a força do discurso político relativo
à assimilação ou etnicidade através do tempo. É mais o uso de termos
como assimilação, etnicidade, integração ou multiculturalismo por parte
dos cientistas sociais, que incorporam na análise diferentes escolhas feitas por
pesquisadores que estão eles mesmos enraizados no “tempo histórico”.
A mudança historiográfica e histórica do século XX, de assimilação para
etnicidade e de volta para assimilação, é um fenômeno tanto histórico
quanto historiográfico. Sincronicamente, em todo o período de tempo,
houve frequentes e fervorosos debates sobre definições de identidade.
Diacronicamente houve também tendências identificáveis através do
tempo. No entanto, a maioria das análises sincrônicas ou diacrônicas
presumem que um modelo é historicamente “correto”, o que pode ser
chamado, usando a terminologia de William Swell, uma temporalidade
teleológica (SWELL JR., 2005, cap. 3: “Três Temporalidades”). O mo-
delo de etnicismo dos anos 1970 procurou triunfantemente derrubar o
12
Para os debates na história americana, ver, por exemplo, Gleason (1980, p. 32-58; 1992); Higham (1981); e
o debate entre Olivier Zunz e John Bodnar (1985).
13
Ver, por exemplo, a interessante análise sobre a diversidade das percepções temporais por parte dos migrantes
como uma dimensão crucial de suas práticas culturais de Saulo B. Cwerner (2001).
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008
33

consenso assimilacionista do período pós-guerra, assim como a noção de


hibridismo é hoje construída contra uma enrijecida política de etnicidade.
É essencial enfatizar a capacidade de mudança desses termos através do
tempo. Etnicidade e assimilação não são apenas fenômenos situados em
períodos históricos. Cada conceito é um construto historiográfico que
comumente discute de uma maneira implícita ou explícita que ambos,
o objeto e a análise dele, representam um tipo de “fim da história”. Na
verdade, as normas profissionais encorajam uma individualidade histo-
riográfica sobre interpretações anteriores. Enquanto pudermos traçar
a popularidade: a) de um fenômeno histórico e b) as construções de
análises através do tempo, precisamos ter em mente que são processos
cambiantes e estão sempre sujeitos a novas críticas.

Estudiosos que escolhem o tempo

Múltiplas estruturas de tempo


No final, o que está em foco não é tanto a definição de assimilação ou
o contrário disso. Alguém pode acreditar que a assimilação tem funcio-
nado até agora e ainda estudar a diversidade étnica na curta duração.
Mas é importante reconhecer que o conceito de assimilação – em suas
várias transformações linguísticas – tem sido utilizado diferentemente
através do tempo e utiliza o tempo de forma diferente em suas várias (e
múltiplas) definições.
Além disso, para historicizar as tendências interpretativas do século
passado, existe outro modo importante no qual analisar a assimilação
(assim como, genericamente, analisar identidade) é uma questão de
quadro temporal. Análises baseadas em diferentes escalas de tempo pro-
duzem diferentes resultados. Isso pode ser verdade tanto para sociólogos
quanto para historiadores. Eu sugeriria que existem várias maneiras de
analisar assimilação como um fenômeno histórico, cada uma utilizando
diferentes estruturas de tempo e cada tentativa contendo as sementes
dos diferentes desfechos.
Em primeiro lugar, a assimilação pode ser, e frequentemente é, estu-
dada como um fenômeno intergeracional. Ela tem sido, sem dúvida, a
abordagem mais comum, apesar de a importância e de as implicações
de escolher uma, duas, três ou mais gerações como uma estratégia ex-
plícita de pesquisa não haverem sido suficientemente examinadas. O
fato de se estudar um comportamento de um grupo ao invés de estudar
o comportamento de várias gerações pende para o lado de entender
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008
34

a assimilação como um resultado (de longa duração). Duas outras


abordagens relacionadas ao tempo foram ainda menos estudadas. Em
segundo lugar, a renovação do grupo, ou o estudo de sucessivas levas de
imigrantes da mesma origem através do tempo, é um tópico que pode
questionar a formação da identidade como sendo fixada pelo tempo.
Em terceiro lugar, assimilação como um fenômeno intrageracional – o
impacto diferencial nos pais ou filhos – mal foi mencionada. E finalmente,
então, retornaremos à assimilação como uma tendência historiográfica
produzida por estudiosos.

Assimilação como um fenômeno intergeracional:


a escolha e o impacto do estudo sobre o longo prazo
Das quatro opções sugeridas, a primeira vem sendo a mais usada, porém
tem sido raramente teorizada como uma estratégia de pesquisa. Quanto
tempo leva, quão rapidamente pode ocorrer, e qual critério conta: aqui-
sição da língua, padrões de moradia, entrar para clubes, naturalizar-se,
afrancesar ou americanizar o primeiro nome de alguém ou o último de
outro? Quanto é muito pouco? Quantos “degraus” de assimilação são
necessários para que a coisa aconteça? Uma geração é muito pouco tem-
po? Duas são suficiente, como na “lei de Hansen”, mesmo se a terceira
geração voltar às suas “raízes’? A avaliação da assimilação é tanto uma
questão sobre a duração escolhida para o estudo quanto um dos fatores
selecionados para serem apreciados.
A escolha do quadro temporal de longo prazo é crucial. Em seu útil
artigo de revisão, Russel Kazal tomou três historiadores de estudos étni-
cos – Herbert Gutman, John Bodnar e Paul Buhle – para justificar não
estudar o destino dos grupos de imigrantes além das duas primeiras ge-
rações (KAZAL, 1995, p. 458). Em suma, Kazal repreendeu estes autores
por suas escolhas de estrutura de tempo. Deste modo, ele reconheceu
implicitamente que uma visão da longa duração enfatiza a assimilação,
enquanto um estudo de curta duração aumenta a diversidade e destaca
as diferenças das culturas imigrantes.
Talvez ironicamente, Gérard Noiriel criticou a metodologia da longue
dureé14 de Fernand Braudel porque, como consequência, ela tornou invisí-
veis (assimilados) os imigrantes dentro da história francesa. Isto é, Noiriel
sugeriu que a visão da longa duração de Braudel é estruturalista demais,
imóvel demais, estática demais em sua ênfase do nacional. Entretanto,
Braudel dedicou apenas breves 35 páginas em seu último (incompleto e
14
Em francês no original. Esta expressão aparece também em outros lugares, sempre citada em francês. A
tradução mais corrente é “longa duração”.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008
35

póstumo) livro de três volumes (mais de mil páginas) sobre a identidade


francesa. Como o próprio Noiriel notou, o assunto da imigração na Fran-
ça (assim como nos Estados Unidos, eu acrescentaria), (simplesmente) não
era um grande espaço de investigações historiográficas na época em que
Braudel escreveu (NOIRIEL, 1988, p. 50-67; ver também BRAUDEL,
1969, 1986). No entanto, não há nada intrínseco no método histórico e
no pensamento de Braudel que impeça sua aplicação aos estudos sobre
migração. Certamente, existe também uma história de longue dureé nas
mudanças e amálgamas de populações, tudo isso contribuindo para a
criação da maioria dos “Estados-nação” como nós os conhecemos hoje
(MATHOREZ, 1914, 1919-1921; LEQUIM, 1988).
A este respeito, um uso renovado da longue durée está no coração de
qualquer estudo sobre migrantes e seus descendentes. No entanto, o que
tanto as críticas de Kazal como as de Noiriel mostram são as maneiras
como as escolhas dos quadros temporais definem o palco para o estu-
do da diferença ou amalgamação na história da imigração. Como Leo
Lucassen descreveu, existe um abismo entre as abordagens de longa e
de curta duração nos estudos sobre imigração (LUCASSEN, 1997; ver
também HUTCHINSON, 1956; TRIPIER, 1981).
A opção de um estudo longitudinal pode, assim, dentro e fora dela
mesma, enfatizar assimilação como o desfecho final. Esta escolha é uma
opção de pesquisa e deve ser reconhecida como tal. Pode ser a escolha dos
otimistas em um mundo fragmentado ou xenófobo; pode ser uma escolha
política, enfatizando a coerência de um ideal républicain15 acima de uma
temida fragmentação. Os contos de transformação – de estrangeiros em
nacionais – contados sobre a longa duração podem naturalmente tran-
quilizar os temores de uma presumida não assimilabilidade, tornando-se
todos os “novos” imigrantes finalmente “velhos” com o tempo.
Não obstante, um “final feliz” assimilacionista na longa duração pode
minimizar as diferenças culturais, econômicas da primeira geração e
suas dificuldades de adaptação. Ora, como Gary Gerstle nos lembrou,
isso pode nos levar ao esquecimento daqueles elementos de coerção que
acompanharam a liberdade de amalgamação (GERSTLE, 1997, 2001).
Duas questões precisam, deste modo, ser explicitamente dirigidas aos
estudos de migração e de etnicidade. Qual(is) período(s)/geração(ões)
é(são) objeto de estudo? Quais são as comparações implícitas que salien-
tam esta opção?
15
Em francês no original. Traduz-se por “republicano”. (N. do T.)
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008
36

A escolha de qual período/geração do tempo a ser estudado(a) não é


neutra. Como nos lembrou Herb Gans, “pesquisadores das novas e an-
tigas imigrações têm estudado diferentes gerações de recém-chegados”
(GANS, 1997). E mesmo dentre os (então) “novos” imigrantes, escolher
imigrantes judeus ou italianos na virada do século em Nova York não
é a mesma coisa que estudar seus descendentes nos anos 1970. É claro,
escolher a primeira geração de imigrantes para estudar assimilação não
é a mesma coisa que escolher a segunda, a terceira ou a quarta geração.
Mas ao mesmo tempo, a escolha da geração também significa situar
o estudo dentro de um período histórico específico. Ser uma terceira
geração alemã ou irlandesa nos anos 1920 não é a mesma coisa que ser
uma terceira geração de judeus ou italianos nos anos 1970. As escolhas da
geração e de seu período histórico precisam, assim, ambas ser analisadas.
Além disso, a maioria das “avaliações” da assimilação – seus sucessos, seus
fracassos – está baseada implícita ou explicitamente em pontos de par-
tida comparativos, transitórios. Na verdade, uma das razões pelas quais
o conceito de assimilação foi criticado inicialmente deve-se àquilo que
pode ser chamado de linearidade teleológica inerente à análise: a ideia
de que imigrantes seriam assimilados pela cultura receptora e, nisso, eles
perderiam suas identidades originais. Esta crença implicava uma dupla
estrutura comparativa temporal e espacial: aquela do “antes” (o país de
origem) e aquela do “depois” (o país da colonização).
De forma semelhante, “comparações” intergeracionais – aquela do “pri-
meiro” grupo imigrante e seus descendentes – dependem fortemente de
dois outros tipos de comparações que eu chamei de divergentes e conver-
gentes (GREEN, 1999, 2002). Comparações divergentes examinam um grupo
em dois ou mais lugares, como fizeram Samuel L. Baily, Herbert Klein e
Donna Gabaccia com os italianos ao redor do mundo ou como fez Karin
Hofmeester com trabalhadores judeus de Paris, Londres e Amsterdã
(BAILY, 1999; GABACCIA, 2000; HOFMEESTER, 2004; KLEIN, 1983).
Comparações convergentes (mais frequentemente utilizadas) comparam
grupos imigrantes através do tempo em um lugar, assim como Olivier
Zunz fez com Detroit ou John Bodnar com Pittsburgh (BODNAR, 1977;
ZUNZ, 1982). A escolha da estratégia comparativa, assim como a escolha
da geração estudada ou do período considerado, deve ser toda concebida
como parte do quadro temporal do estudo da assimilação. A assimilação
é um processo de longa duração, mas certamente não é a-histórica.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008
37

Grupo renovado através do tempo


Além do estudo intergeracional que considera um grupo indo adiante
no tempo através de seus filhos e filhas, netos e bisnetos, outro processo
de longa duração para se levar em conta é o que pode ser chamado
homônimo na linha do tempo. Um grupo não é uma unidade estática.
Ele está sempre sofrendo constantes redefinições, devido não apenas a
opções de identidade de seus filhos, mas também à chegada de novas
afluências de pessoas da mesma origem. Os novos membros podem afe-
tar os padrões da assimilação do grupo de várias formas: acelerando ou
segurando-os no grupo antigo, criando tensões dentro da comunidade,
impulsionando as chegadas anteriores numa espécie de tutorial (tipo
goste disso ou não) em direção àqueles que vêm depois deles. Os judeus
e armênios na França, por exemplo, são na verdade categorias resul-
tantes de um número de coortes do século passado. Os judeus em Paris
sozinhos precipitaram-se da Alsácia-Loraine (nos anos 1870), do leste
da Europa (a partir de 1880) e, mais recentemente, do norte da África
(desde 1950). A partir de cada leva de imigrantes, o grupo predecessor é
redefinido como “nativo” ou grupo “francês”. De maneira similar, os ar-
mênios que fugiram da Turquia após o Genocídio de 1915 têm sido mais
recentemente seguidos por armênios do Líbano, que chegaram, assim
como diferentes coortes judias, com diferentes fantasias e expectativas
(GREEN, 1989; HOVANESSIAN, 1992). Tanto para judeus como para
armênios, as tensões realçaram relações intraétnicas com as repetidas
mostras de solidariedade. Migração, como um fenômeno repetitivo, tem
um impacto na aculturação, mas ele é complementar e, porém, distinto
da abordagem multigeracional discutida anteriormente.

Assimilação como um fenômeno intrageracional


O próprio termo “geração” precisa ser definido com mais cuidado para os
estudos sobre migração. Relativamente, foi feito pouco trabalho histórico
a respeito das “gerações” como nós as conhecemos no cotidiano: pais e
crianças, irmãos. O termo “gerações” foi muito usado e, com diferentes
significados, para analisar coortes migrantes (judeus do leste europeu
de 1880 a 1924; imigrantes asiáticos pós-1965...). Contando com o fato
de que grupos migrantes são da mesma família, eles podem ser na ver-
dade pelo menos duas gerações: pais e filhos (com, eventualmente, avós
acompanhantes). Conflitos entre eles sobre língua, educação ou normas
culturais foram estudados. Porém, essas variadas experiências dentro
da primeira geração imigrante “primo” têm um impacto em qualquer
análise da aculturação do grupo através do tempo.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008
38

Conflitos entre pais e filhos podem ser concebidos como modos diferen-
ciados de adaptação dentro da primeira geração imigrante. Tempo e gê-
nero podem intervir diferentemente. Estudos sobre gênero provocaram
questões a respeito dos padrões de adaptação de homens e mulheres. Mas
pouco foi feito a respeito de dois outros fatores relacionados ao tempo:
idade na chegada e classificação dentro da unidade familiar. Diferenças
nas experiências com crianças jovens e mais velhas, dependendo da
idade com que chegaram e oportunidades de educação ou obrigações
no trabalho são outras instâncias no impacto das questões relacionadas
ao tempo em relação à imigração, à instalação e ao gênero.

Transnacionalismo: onde diferem as


disciplinas através do tempo
Embora eu tenha argumentado anteriormente que o engajamento das
disciplinas em relação à assimilação/etnicidade/assimilação tenha seguido
um padrão bastante parecido, existe um ponto muito importante em que
a sociologia e a história diferem nas suas apreciações sobre assimilação.
Cada disciplina tem um régime d’historicité16 ou relação ao tempo histó-
rico globalmente diferente (HARTOG, 2003). Isso ficou especialmente
claro com a “descoberta” do transnacionalismo e com o debate em torno
de sua originalidade. Transnacionalismo é (o contrário presumido de
assimilação) – a manutenção de elos e costumes através do espaço – um
novo fenômeno ou não? Os sociólogos e antropólogos que inventaram
o termo dizem que sim. Os historiadores, entretanto (auxiliados pela
socióloga histórica Ewa Morawska), dizem que não, enfatizando a simi-
laridade com fenômenos do passado (KIVISTO, 2001; MORAWSKA,
2002; SCHILLER et al., 1992; WALDINGER; FITZGERALD, 2004).
Quão novo é o transnacionalismo? Na verdade, o próprio termo foi
cunhado (ou rejuvenescido) para expressar uma novidade, indican-
do o contemporâneo crescimento do movimento e da comunicação
para dentro e para fora das fronteiras, o que implica um afastamento
da pertinência do Estado-nação. O debate a respeito de quão novo é
o transnacionalismo parece ser essencialmente aquele da escala versus o
escopo. Sociólogos e antropólogos argumentam que uma mudança na
escala é uma mudança no escopo: o transnacionalismo é novo. Os his-
toriadores argumentam que se trata de uma mera mudança de escala,
o que finalmente não é novo.
16
Em francês no original. Em português, traduz-se por “regime de historicidade”. (N. do T.)
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008
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Pensando assim, cada disciplina tem sua própria percepção de tempo e


novidade. Focando o passado, historiadores estão mais inclinados a uma
forma de déjà vu17 no entendimento da migração atual e os padrões de
abrigo (ou falta dele) do que os sociólogos e antropólogos que se preocu-
pam com o mundo contemporâneo. Estes postulam uma diferenciação
do passado para o presente, o que contrasta com o entendimento dos
historiadores de possíveis continuidades temporais. Historiadores que
contestam sua “realidade” não estão necessariamente descartando o
“transnacionalismo”. Eles estão apenas afirmando que isso ocorreu no
passado também.
Finalmente, contudo, nossas disciplinas, assim como nossas escolhas de
termos, também mudam com o tempo. Por que, por exemplo, estudar
essa novidade agora? Como eu já sugeri, as respostas têm muito a ver
com os estudiosos e seus objetos. Uma mudança geral de interpretação
nos últimos 30 anos afetou todas as ciências sociais. A ênfase nas estru-
turas cedeu espaço para a atividade individual; pesquisas a respeito da
opressão, constrangimentos e protestos coletivos cederam muito espaço
para uma ênfase nos indivíduos e nas possibilidades de suas próprias
ações e reações. A antiga literatura da assimilação estava presa a uma
crença nas estruturas integracionistas dos países de chegada, visto que
a literatura da etnicidade, desenvolvida dentro do contexto de aumento
da atenção voltada para atividades individuais (ou grupais), expressava
a continuidade com formas importadas de expressão cultural.

Conclusão: assimilação como


um fenômeno historiográfico
Escolher uma geração, um período, um curto ou longo período de tempo
para estudar, focar-se em pais ou filhos, homens ou mulheres, tudo isso
implica escolhas para construir um estudo sobre assimilação. Questões
de tempo, sobre o tempo, contexto histórico e historiográfico afetam
qualquer análise do processo de identidade. Assimilação ou aculturação
não é somente uma questão histórica ou uma questão inter ou intrage-
racional. É também uma questão historiográfica. Se o momento da che-
gada de qualquer grupo imigrante precisa ser considerado em qualquer
conta de assimilações subsequentes, também precisa ser o momento da
chegada das novas gerações de historiadores na cena historiográfica.
Precisamos, deste modo, historicizar a historiografia. A historiografia da
“eterna etnicidade”, que pretendia explicar a experiência imigrante para
17
Em francês no original. Em português esta expressão pode ser traduzida livremente para “já visto”. (N. do T.)
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008
40

sempre – assim como a abordagem da assimilação fez anteriormente –,


teve seu próprio lugar no tempo: os anos 1970 e 1980. Um movimento
historiográfico em direção a considerações sobre assimilação está agora
em curso, e isso é uma questão tão importante na história da experiência
de migração quanto o é na história da produção da pesquisa histórica. Tal-
vez, na medida em que os estudos sobre migração desenvolvidos nos anos
1970 e 1980 foram, de um lado, institucionalizados (nos Estados Unidos)
e, de outro, essencializados por alguns multiculturalistas dos anos 1990,
não é de surpreender que estejamos vendo outro movimento de retorno
feito por teorias de melting pots com qualquer outro nome (modificado),
com seu corolário de interesse no longo prazo. Os próprios repertórios
de investigações históricas mudam com o tempo. Mas eu argumentaria
que esta nova corrente assimilacionista não está tão enraizada na pedra
historiográfica quanto os trabalhos dos sociólogos de Chicago ou de
Milton Gordon. Talvez seja um lance de sorte, no entanto, dizer quem
mudou mais: os imigrantes ou seus historiadores. Certamente os dois.

Abstract
This article aims to explore the ways through which efforts towards the
classification of the assimilation (and its various opposites) are connected
to the notion of time - the relative rate of incorporation - being produced in
different historical times. The concept of assimilation incorporates different
time scales and generations in its analysis, but the usage of the term has its
own use cycles. “Assimilation”, therefore, needs reexamination not only as a
historical description of immigration per se, but also as an analytical category
built by sociologists and historians through time using different time frames.
Keywords: assimilation; immigration; generations; time; historiography.

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Nota da autora
Eu gostaria de agradecer a Leo Lucassen, que primeiro me convidou
a começar a pensar nestes assuntos durante uma conferência orga-
nizada pelo Instituut Voor Migratie-em Etnischi Studies em Haia.

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 23-47, 2. sem. 2008


Gérard Noiriel*

A imigração: o nascimento
de um “problema” (1881-1883)**

Os discursos sobre o “problema” da imigração se


dividem em dois grandes capítulos, constantemente
colocados no centro da atualidade. O primeiro diz
respeito à entrada e à estada dos estrangeiros em
território nacional. O segundo aborda a questão da
integração destes estrangeiros (ou de seus filhos) na
sociedade francesa. Eu mostrarei aqui que o termo
“imigração” se impôs brutalmente no vocabulário
político francês no começo dos anos 1880, para
designar de início estes dois tipos de preocupação.
Naquele momento a matriz que produziu e reproduziu
todas as polêmicas sobre este assunto há 125 anos foi
inventada.
Palavras-chave: problema da imigração; França;
identidade nacional.

*
Historiador e professor na
École des Hautes Études en
Sciences Sociales (Paris).
**
Publicado originalmente
na revista Agone, nº 40, p.
15-40, 2008. Tradução de
Márcio de Oliveira, profes-
sor de sociologia (UFPR).
marciodeoliveira@ufpr.br.
50

Os discursos atuais a respeito do “problema” da imigração se repartem


em dois grandes capítulos, constantemente colocados no centro da atua-
lidade. O primeiro diz respeito à entrada e à estada dos estrangeiros em
território nacional. O segundo se refere à questão da integração destes
estrangeiros (ou de seus filhos) na sociedade francesa. Nesta contribui-
ção, eu mostrarei que a palavra “imigração” se impôs brutalmente no
vocabulário político francês, no começo dos anos 1880, para designar de
início estes dois tipos de preocupação. Naquele momento foi inventada
a matriz que produziu e reproduziu todas as polêmicas sobre o assunto
nestes 125 anos.

No tempo das “migrações”


A mecanização dos deslocamentos humanos (invenção do barco a vapor
e da estrada de ferro) provocou um desenvolvimento formidável da
mobilidade a partir dos anos 1840.1 Se todas as partes do mundo foram
afetadas por este processo, suas modalidades e seus efeitos variaram
fortemente em função dos contextos históricos. A principal originalidade
do caso francês deve-se ao fato de que, diferentemente do que se passa
então em outros países da Europa, a mecanização dos transportes não
acarretou uma intensificação da emigração.
Para compreender este fenômeno, deve-se parar um momento sobre a
história das zonas rurais francesas. Como mostrou Marc Bloch, as lutas
que opuseram o poder real ao poder senhorial a partir da Idade Média
serviram finalmente aos interesses dos pequenos camponeses, muitos
dentre eles tendo conseguido se tornar proprietários de seus pedaços
de terra.2 Longe de romper com esta lógica, a Revolução francesa a ar-
rematou, distribuindo as terras confiscadas das Igrejas. O peso enorme
da pequena classe camponesa desempenhou um grande papel no de-
senvolvimento da indústria rural desde a metade do século XVIII, até a
metade do século XIX. A pluriatividade, baseada na complementaridade
entre as atividades agrícolas e industriais, tornou-se, neste período, o
modo de produção dominante nas zonas rurais, levando à multiplicação
do número de operários-camponeses.
1
Os especialistas estimam em 55 milhões o número de indivíduos que teriam deixado a Europa para se
instalar na América e nas colônias depois de 1840, números aos quais devem ser acrescentadas as migrações
intraeuropeias. O desenvolvimento da grande indústria, a liquidação dos laços feudais e o agravamento das
perseguições religiosas na parte oriental da Europa são outros fatores essenciais que explicam a intensifica-
ção dos movimentos migratórios. Sobre esta questão, ler RYGIEL, Philippe. Le temps de migrations blanches:
migrer en Occident (1840-1940). Paris: Aux lieux d´être, 2007. p. 33.
2
BLOCH, Marc. Les caractéres originaux de l´histoire rural française. Paris: Armind Collin, 1932; BLOCH, Marc.
Seigneurie française et manoir anglais. Paris: Armind Collin, 1960.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 49-73, 2. sem. 2008
51

O êxodo rural foi igualmente perturbado por dois outros fenômenos. De


um lado, a precocidade do sufrágio universal masculino (suprimido após
a Revolução, mas restabelecido após 1848) conferiu aos camponeses os
meios políticos para se opor a ele. De outro lado, as práticas maltusianas,
que se desenvolvem nas zonas rurais francesas três quartos de século antes
do que em outros países da Europa, provocaram uma forte diminuição
da natalidade. A França, que era o país mais populoso da Europa em
1789, ocupava apenas a quarta posição um século mais tarde.
Para compreender a situação particular da França no plano das migra-
ções, deve-se insistir também sobre as consequências sociais e políticas da
sociedade da corte, implantada por Louis XIV para atrair para si uma
nobreza que a burocracia embrionária do Estado monárquico não con-
seguia disciplinar a distância. A primeira, sem dúvida a mais importante,
está ligada à centralização precoce das atividades econômicas, culturais e
políticas na capital parisiense. Primeira cidade operária da Europa, Paris
é também incontestavelmente a capital da vida intelectual e concentra,
dentro de seus muros, todos os órgãos dirigentes do Estado. Tal como o
demonstra a história política do país entre 1789 e 1870, em Paris, uma
revolta pode rapidamente se transformar em uma revolução por pouco
que o povo se irrite. A capital surge assim como uma espécie de Estado
dentro do Estado, que os poderes estabelecidos se esforçam para pro-
teger, dotando-a de suas próprias forças de segurança (o comissariado
de política).
A antiguidade e a centralidade do Estado monárquico explicam também
a precocidade e a força do processo de afrancesamento das elites e a
radicalidade com a qual o poder revolucionário conseguiu em seguida
quebrar todas as barreiras corporativas, os privilégios das castas e o mo-
saico de direitos particulares, característicos das sociedades do Antigo Re-
gime. A Revolução francesa pode assim organizar um Estado fortemente
hierarquizado (prefeitura, comissários de polícia, ministérios), capaz de
impor o mesmo direito civil a todos os habitantes dispersos no território
colocado sob sua soberania. É na direção destas subversões que a noção
moderna de “fronteira” (como limite que separa dois Estados nacionais
soberanos) se fixou, como testemunha a legislação napoleônica sobre os
passaportes “exteriores” e os passaportes “interiores”.
Contudo, nunca se insistirá demasiado sobre o fato de que, nesta época,
nos encontramos apenas na primeira fase da construção do Estado-nação.
Tal fase é dominada pelo processo de nacionalização territorial (horizon-
tal) do Estado, mas este último não se insere profundamente na sociedade
francesa, a qual permanece dividida por uma clivagem fundamental,
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 49-73, 2. sem. 2008
52

opondo os notáveis às “classes trabalhadoras”, assimiladas às “classes


perigosas”. Especificamente, existem duas grandes linhas de fraturas
nesta época. A mais fundamental opõe a França “civilizada” (agrupando
todos aqueles que estão integrados no mundo da comunicação escrita)
à França “selvagem” (que reúne todos os analfabetos), oposição que re-
corta a clivagem cidades/zonas rurais. Ao final do Segundo Império, a
maioria dos camponeses está ainda excluída da esfera da cultura escrita
(ainda que eles saibam assinar seus nomes). Eles são incapazes inclusi-
ve de se exprimir em francês (de Paris).3 A segunda linha de clivagem
é própria do mundo urbano. Ela diz respeito principalmente a Paris e
opõe a elite dirigente (nobres e grandes burgueses) ao mundo operário
(artesãos e serventes, imigrantes recentes, estes últimos frequentemente
apresentados nos textos das elites como “bárbaros”, em função da ameaça
revolucionária que encarnam).4
Todos estes fatores se conjugam para explicar o fraco êxodo rural no
século XIX. Não apenas os camponeses têm meios de se agarrar às suas
terras, mas a própria classe dirigente procura frear a emigração devido
ao medo de uma nova revolução.
Tal contexto não impede que a sociedade francesa seja afetada, desde
esta época, pela intensificação da mobilidade. Esta apresenta dois grandes
aspectos. De um lado, assiste-se a um forte desenvolvimento das migra-
ções sazonais. Durante o Segundo Império, estima-se que em torno de
800 mil pessoas sejam afetadas por tal fenômeno. A partir de então, os
operários-camponeses podem utilizar as estradas de ferro para procurar
trabalho bem longe de suas residências durante a estação agrícola morta.
De outro lado, mesmo se o êxodo rural é limitado, comparado ao dos
outros grandes países europeus, suas consequências sociais e políticas são
muito importantes, porque o grosso dos fluxos se dirige para a capital.
Durante a primeira metade do século XIX, Paris conhece um crescimento
vertiginoso, atraindo uma multidão de migrantes de todas as origens. A
força da clivagem Paris/província (cidade/zona rural) explica os pontos em
comum entre as migrações regionais e a imigração estrangeira do período
seguinte. Estes trabalhadores desenraizados – que, em sua maioria, não
falam francês e vivem amontoados nos arrabaldes da capital – vão en-
grossar as fileiras do proletariado revolucionário. Esta emigração massiva
será considerada, pelos observadores da época, como uma das principais
causas da Revolução de 1848. É por isso que a politização do “problema”
da migração se focaliza então sobre a questão da emigração dos rurais em
3
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4
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Antropolítica Niterói, n. 25, p. 49-73, 2. sem. 2008
53

direção às cidades. Em um mundo no qual ainda é o uso da força física


que possibilita conquistar o poder do Estado, deve-se necessariamente
evitar a concentração dos operários neste local nevrálgico que constitui
a capital. Deve-se evitar também que, quando uma crise econômica se
produzir, os mendigos cheguem à cidade e provoquem motins de fome.
São estas as preocupações que explicam a legislação sobre os passaportes.
Os passaportes interiores (e as cadernetas operárias) têm por objetivo
vigiar e canalizar os deslocamentos dos migrantes, para evitar sua con-
centração nas grandes metrópoles, principalmente em Paris.
A natureza do regime é outro fator que deve ser levado em conta para
compreender como se coloca, nesta época, o “problema” dos migrantes.
As classes populares estão excluídas de qualquer participação real na
vida política, pois somente os notáveis, em função de sua educação e
de seu senso moral, são considerados como verdadeiros cidadãos. Uma
vez que as comunicações a distância estão ainda pouco desenvolvidas,
os notáveis são intermediários obrigatórios entre a sociedade local e o
poder central. Em um mundo em que a identidade e o pertencimento se
definem principalmente a partir do interconhecimento, o enraizamento
surge como uma garantia de estabilidade e de segurança. Toda a teo-
ria do patronato, desenvolvida por Frédéric Le Play, eminência parda
de Napoleão III, se baseia nesse princípio. Os notáveis, que ele chama de
“autoridades sociais”, devem assumir suas responsabilidades residindo
em suas terras, expostos ao olhar de todos. É o olhar de outro, conjugado
ao respeito da religião, que é considerado, segundo o modelo dado pela
família, o instrumento mais eficaz de disciplina coletiva. Consequente-
mente, os notáveis rejeitam a intervenção do Estado na sociedade civil.
O princípio republicano da igualdade perante a lei é contrário à sua
concepção de liberdade individual. Ao contrário de Guizot, eles opõem
à soberania da razão à soberania do povo. Parece-lhes algo totalmente
sem sentido, difundido por demagogos que procuram manipular o
povo em seus próprios interesses, que camponeses analfabetos possam
ter o direito de voto. É a mesma lógica que explica a recusa de Le Play
do método estatístico em proveito das monografias locais: sua visão de
mundo combina a escala local e a escola europeia, sem realmente levar
em consideração o nível nacional.5
5
Frédéric Le Play, mesmo sendo um engenheiro de minas, recusa o uso das estatísticas sociais em proveito das
investigações monográficas (LE PLAY, Frédéric. La Réforme sociale en France déduite de l´observation comparée des
peuples européens. Paris: Plon, 1864). As primeiras estatísticas de nacionalidades elaboradas sob a monarquia
de Julho – a monarchie de Juillet (1830-1848) sucede na França o período conhecido como restauração –,
no momento da “primavera dos povos”, têm por função principal contabilizar as ajudas distribuídas aos
refugiados. Mas estas classificações nacionais são estabelecidas sobre a base da autodeclaração e não a partir
de critério jurídico de pertencimento ao Estado. É por isso que os “poloneses” e os “italianos” já aparecem
nos registros.
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Uma vez que as classes populares são percebidas como uma entidade
exterior à nação, que ameaça a civilização, o discurso social dos notáveis
é bastante malthusiano. Ao mesmo tempo em que procuram impedir as
migrações, para não engrossar as fileiras do proletariado, eles tentam
“moralizar” o povo para impedi-lo de crescer, reprochando-o de “se
multiplicar excessivamente”. Como disse um advogado de Bordeaux em
um ensaio sobre a população, publicado ao final do Segundo Império:
“Esta excessiva pululação do proletariado torna-se uma causa perpétua
das desordens e das revoluções”.6
Esta concepção do mundo explica por que antes da IIIª República a
questão dos migrantes estava completamente desconectada da questão
dos estrangeiros. Os discursos sobre os últimos são geralmente positivos
e apreendidos através do prisma do “princípio de nacionalidade”. Os
acordos de livre-troca assinados pela França com a Grã-Bretanha e a
Bélgica levam esta lógica ao paroxismo, consagrando a livre circulação
de mercadorias e de homens. Doravante, um belga ou um inglês pode
vir à França sem passaporte, enquanto um habitante de Lille que quer
ir a Nancy deve pedir uma autorização para sair de seu departamento.
Um vento de otimismo liberal sopra então sobre as elites, sejam elas bo-
napartistas ou republicanas. Em sua tese, Léonce Lehmann, advogado na
corte, afirma assim que “as leis de uma nação relativas aos Estrangeiros
indicam o tamanho de sua civilização”. Enquanto a questão dos estran-
geiros não é associada à questão dos operários, este humanismo é fácil
de defender. Segundo ele, “as necessidades do comércio, a amenidade
do clima, um sentimento de curiosidade bem justificado, o desejo de se
instruir, a paixão das viagens e mil e outros motivos podem trazê-los ao
território francês”. Mas a ideia de que um estrangeiro possa vir à França
para trabalhar não parece ainda despertar este jurista.7
Os raros textos que fazem a ligação entre a questão dos estrangeiros
e aquela das migrações dos operários privilegiam o tema da caridade.
Pode-se ilustrar este ponto citando um artigo do Tempo dedicado à “pe-
quena Alemanha” de Paris. O autor parte da constatação de que a maior
parte dos parisienses jamais viu a esquadra de varredores que se agitam
desde o amanhecer nas ruas da capital. Assim, eles não percebem que
6
GIRESSE, J. L. Essai sur la population. [S.l.]: Guillaumin, 1867, p. 21-27.
7
LEHMAN, Léonce. De la condition des esclaves en droit romain: de la condition des étrangers en France. Paris:
De Moquet, 1861. p. 99. Notemos de passagem que o autor se mostra bastante crítico em relação ao seu
próprio meio. Ele indica que nenhum texto da lei “exige a nacionalidade francesa para exercer a profissão de
advogado. As cortes imperiais admitem que os estrangeiros fazem juramento profissional, mas os conselhos
de ordem os repelem, sem justificativa séria, quando eles querem começar seu estágio”. Isto “em contradição
com as ideias liberais e o espírito de fraternidade que fazem a base da honra de nossa corporação” (LEHMAN,
1861, p. 115-116).
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“poucos são franceses, quase todos são emigrantes alemães que a miséria
expulsou”. Eles esperam se empregar na construção. “Infelizmente, os
emigrantes alemães, apesar de sua coragem e probidade, não encontram
em nossa casa a terra prometida que eles tinham sonhado.” São assim
obrigados a trabalhar como varredores. Felizmente, acrescenta o autor,
uma missão evangélica protestante franco-alemã criou, em muitos bairros
de Paris, salas de asilo, escolas e serviços religiosos para estes alemães.
“Os emigrantes reencontram assim o culto, a língua, a proteção, a alma
da pátria.” O responsável por essa missão evangélica é um pastor “que
pertence a uma grande família prussiana”. Filho de um antigo minis-
tro das finanças da Prússia, ele “se dedica inteiramente a esta colônia
de miséria, espalhada na Chapelle, na Villete, em Belleville, aos pobres
varredores de nossas ruas. Ele vive em uma pobre cabana, celebra seu
ofício religioso”. Sua mulher é “originária como ele de uma grande fa-
mília prussiana” – o jornalista indica que seu pai é o atual ministro das
finanças da Prússia. Ela “mostra às meninas a costura e lhes faz executar
em coro cantos alemães. [...] Suas pobres e insuficientes vestimentas
atestam a miséria de suas famílias, mas ao menos eles adquirem hábitos
de limpeza, de ordem, de trabalho e recebem cuidados higiênicos”. Em
conclusão, o jornalista do Tempo extrai a moral da história. Ela prova tudo
o que pode realizar “um estrangeiro por seus compatriotas na França”
sem o socorro dos poderes oficiais.
Este texto é bastante esclarecedor da concepção de mundo que defendem
os notáveis. Ele coloca em cena um “nós”, ao mesmo tempo cristão e cari-
doso, que une todos aqueles que, em razão de sua posição social elevada,
estimam ter uma responsabilidade moral em relação aos pobres (“eles”).
Para matizar estas observações, deve-se, contudo, indicar que já nesta
época encontram-se discursos que apresentam sob um aspecto negativo
os operários estrangeiros. Mas eles estão localizados nos departamentos
fronteiriços, principalmente no norte da França (onde os belgas são
numerosos). A principal razão desta animosidade deve-se ao fato de que
as crianças dos estrangeiros podem escapar do serviço militar, o que os
dá uma vantagem no mercado de trabalho, porque os patrões preferem
empregar jovens que eles têm certeza de manter. Desde a Restaura-
ção, os votos colocados pelos conselhos gerais, as petições, os projetos
de lei apresentados pelos eleitos se sucedem para tentar resolver este
“problema”. Em 1856 Pierre Legrand, deputado do Norte, denuncia o
comportamento de “um grande número de jovens, nascidos no ambiente
de nossos filhos, compartilhando seus estudos, seus trabalhos, falando a
mesma língua, tendo os mesmos direitos, os mesmos costumes, os mesmos
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56

hábitos, [que] se valem, a um momento supremo, de sua qualidade de


estrangeiro, para obter para si uma vantagem bastante considerável”,
escapando às suas obrigações militares. O deputado conclui sublinhando
que, faz 40 anos, este é sempre o mesmo argumento apresentado para
impedir toda modificação na legislação. O serviço militar é considerado
como um direito, uma honra “inerente à qualidade dos franceses”. Em
consequência, não se pode obrigar aos filhos dos estrangeiros a servir a
uma pátria que eles não reconhecem como sendo a sua.8
Se as reivindicações dos eleitos no norte que visavam impor o serviço
militar aos filhos dos estrangeiros não produzem resultado, é também
porque o poder central considera que se trata de um problema local e
próprio às classes populares. (Nesta época, com efeito, os filhos da bur-
guesia também escapavam do serviço militar pagando uma taxa.) É a
mesma lógica que explica que os conflitos opondo os operários franceses
aos operários piemonteses que afluíram a Marselha a partir dos anos 1860
nunca sejam evocados no Parlamento, nem mesmo na imprensa nacional.

A ruptura de 1870
A derrota para a Prússia e o advento da IIIª República provocam uma
ruptura histórica tão importante quanto aquela de 1789. Esta ruptura
resulta do estabelecimento radical do princípio da cidadania republicana,
proclamado durante a Revolução, mas que não pudera ser aplicada até
este momento, pois não havia meios materiais para isso. As reformas mais
importantes adotadas pelos fundadores da IIIª República tiveram por
objetivo essencial integrar as classes populares no seio do Estado-nação.
Para colocar um fim na dupla clivagem evocada anteriormente, era preci-
so civilizar os camponeses, inserindo-os no modo de comunicação escrita,
e pacificar os operários, permitindo-os participar verdadeiramente do
jogo político eleitoral. É neste momento que começa a segunda fase da
construção do Estado-nação. Após a nacionalização do território, é a
nacionalização de toda a sociedade que começa.
Para compreender a coerência da estratégia desenvolvida pela IIIª Re-
pública, é preciso dizer uma palavra sobre a natureza do regime demo-
crático. Antes da Revolução de 1789, o poder soberano era exercido pelo
rei, em nome de um princípio dinástico. O monarca era considerado o
enviado de Deus na terra. Por ser de outra “essência”, diferente daquela
do povo francês, é que ele podia “representá-lo”. Este é o mesmo tipo de
8
LEGRAND, Pierre. De l´assimilation des étrangers aux nationaux en matiére de recrutement. Paris: Imprimerie de
Leleux, 1856.
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argumento que os nobres põem à frente para justificar seus privilégios. O


princípio democrático, que triunfa com a Revolução, marca uma ruptura
total com o princípio dinástico. Doravante, o poder soberano é exercido
por representantes que justificam sua função pelo fato de pertencerem
ao mesmo povo representado. A concepção de cidadania que se impõe
sob a IIIª República é inteiramente fundada neste princípio de identi-
dade. Todos os cidadãos participam da elaboração das leis às quais eles
se submetem. Todos devem aceitar pagar o “imposto do sangue” para
defender a pátria e, por conseguinte, para lutar contra o aniquilamento
da nação. Todo cidadão detém assim uma parcela do poder soberano.
Isso significa que todo representado pode ser representante e vice-versa.
Os dirigentes da IIIª República vão conferir logo de cara um conteúdo
concreto a estas considerações teóricas. Para eles, se a França perdeu a
guerra diante da Prússia, foi justamente porque o regime antidemocrá-
tico de Napoleão III manteve o povo fora da política. O imperador foi
incapaz de mobilizar o conjunto dos cidadãos como os revolucionários
o tinham feito em Valmy em 1792. Numa época em que o resultado de
uma guerra depende cada vez mais do número de soldados que um
Estado pode mobilizar e do número de operários que ele consegue fazer
trabalhar nas usinas de armamento, a implicação do povo na vida coletiva
da nação torna-se uma necessidade vital.
O levantamento da Comuna de Paris é outro acontecimento maior que
os fundadores da IIIª República apresentam para denunciar o regime
de Napoleão III. Para eles, para acabar com os levantes revolucionários
de Paris, a única solução é democratizar a política.
Sem insistir aqui sobre uma questão que eu desenvolvi alhures, lembre-
mos que as reformas adotadas no começo dos anos 1880 sob a égide de
Jules Ferry vão permitir, em poucos anos, estruturar um novo espaço
público em torno de três polos, ao mesmo tempo autônomos e profis-
sionalizados, concorrentes e complementares: a política, o jornalismo
e a ciência.9 A ruptura democrática mudou o sistema de poder porque
doravante dominantes e dominados não formam mais dois blocos sepa-
rados um do outro por um fosso intransponível. Eles estão ligados por
relações de interdependência. Os dirigentes não podem mais governar
impondo um sistema de constrições exteriores finalizadas por lições de
moral. Os profissionais da política têm necessidade de seus eleitores
para continuar a exercer seu ofício. Mesma coisa para os jornalistas em
9
Sobre a reestruturação do espaço público no início da IIIª República, ler NOIRIEL, Gerard. Immigraiton,
antisémitisme et racisme en France: discours publics, humiliations privées (XIXe-XXe siècle). Paris: Fayard, 1997,
capítulo 2.
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relação a seus leitores. Quanto aos eruditos, eles não são mais notáveis
esclarecidos, vivendo de rendas. São universitários remunerados pelo
Estado, tendo apenas seus salários para viver.
O surgimento da palavra “imigração” no vocabulário político francês, no
começo dos anos 1880, é a consequência de todas estas subversões. Ela
é o resultado da conexão entre dois temas: a questão dos estrangeiros e
a questão das migrações. Dois argumentos vão permitir estabelecer esta
conexão a partir dos anos 1870. O primeiro diz respeito aos “espiões
prussianos”. Em virtude do princípio de identidade governados/gover-
nantes evocado antes, um estrangeiro é visto doravante como cidadão
de outro Estado nacional, titular de uma parcela do poder soberano
deste Estado. Se este está em conflito com a França, o estrangeiro será
percebido como um “inimigo”, um suspeito em potencial, que deve
provar sua lealdade. Um dos reproches mais frequentes endereçados a
Napoleão III, nos anos que se seguiram à derrota de 1870-1871, é não
ter confinado os 100 mil imigrantes alemães que trabalhavam na França.
A ideia imposta então é que estes imigrantes teriam sido “espiões” que
facilitaram as operações do exército prussiano.
O segundo argumento graças ao qual se estabelece um laço entre a
questão dos estrangeiros e a questão das migrações é de ordem de-
mográfica. Deve-se parar um momento neste ponto, pois é nos textos
sobre tal assunto que se vê, pela primeira vez, aparecer uma definição
da palavra “imigração”. Os métodos estatísticos, rejeitados pelos notáveis
leplaysianos, mas encorajados pelo poder republicano, se impõem após
1870 nos estudos dedicados à população, revelando aos olhos de todos
o declínio demográfico que atinge a França. No dicionário enciclopédico
das ciências médicas, Louis-Adolphe Bertillon dedica vários artigos a esta
questão. Seu estudo sobre a natalidade compara as estatísticas publicadas
em um grande número de países para mostrar, com apoio de dados, que
a França, devido à sua baixa natalidade, se diferencia na Europa. Passa-
se brutalmente de um discurso que explicava a ameaça revolucionária
recorrente pela “pululação” das classes populares a um discurso que vê
na crise da natalidade uma ameaça para a nação francesa. O impacto da
guerra de 1870 aparece aqui com força, pois todo o raciocínio é cons-
truído a partir da comparação com a Prússia.10
10
Para Bertillon, a solução do problema passa pelo desenvolvimento de uma nova disciplina científica. “Esta
ciência é a Demografia. Ela deveria ser para a arte do legislador e do administrador aquilo que a física e a
química são para a arte industrial”. Infelizmente, acrescenta Bertillon, as pessoas do governo ignoram até
o seu nome: “Nós somos (pelo menos na França) meia dúzia de desconhecidos a lhe dedicar nossa vigília”.
E ele acrescenta patético: “Sentinela avançada, nós teremos feito nosso dever, lançado para a pátria amea-
çada nosso grito de alarme” (BERTILLON. Natalidade. In: DICTIONNAIRE encyclopédique des sciences
médicales. [S.l.]: Masson, 1868 -1889).
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59

O artigo das migrações ilustra bem, ele também, o novo olhar que decorre
do uso intensivo das estatísticas do Estado. Doravante, é a escala nacional
que se impõe inteiramente. Pela primeira vez, a questão migratória é
concebida, com efeito, sob o ângulo da contabilidade nacional.

Do ponto de vista da contabilidade social, uma nação pode ser compa-


rada a uma usina. Qualquer que seja a produção, homens ou coisas, o
controle dos livros tem sempre as mesmas regras, as mesmas obriga-
ções: registrar exatamente tudo que entra, tudo o que sai; estabelecer
o balanço deste duplo movimento, e verificar pela situação do caixa e
dos produtos na loja (inventário ou recenseamento) a exatidão da con-
tabilidade dos movimentos (entradas ou saídas). [...] É assim que esta
contabilidade é ao mesmo tempo um meio de controle, uma garantia
e um instrumento de ciência e de progresso.
O objetivo é “permitir à direção suprema (chefe da usina ou chefe de
Estado)” conhecer a marcha da empresa.
Partindo deste quadro nacional, Bertillon pode propor definições pre-
cisas para os termos utilizados no estudo dos fenômenos migratórios. A
migração “é o ato pelo qual um grupo mais ou menos considerável de
seres vivos muda o local geográfico de sua residência. Diz-se emigração
quando se considera a partida, a saída do país que se abandona e, pouco
depois, imigração quando se pensa na chegada ao novo país adotado”.
A palavra “imigração” aparece assim como um termo novo, forjado por
esta ciência nova que é a demografia. Contudo, a leitura destes artigos
mostra que se está ainda em um período de transição. O raciocínio
de Bertillon se inscreve em um quadro nacional, mas ele não leva em
consideração a nacionalidade jurídica das pessoas. É isso que o permite
afirmar: “Nós mesmos Celtas, Gauleses e Francos somos também imi-
grantes”. Constata-se, além disso, que ele confere um lugar bem mais
importante ao problema da emigração dos franceses ao estrangeiro (e
às colônias) que ao problema da imigração dos estrangeiros à França.
Ele estima, com efeito, que “de acordo com os números respectivos, as
entradas e as saídas parecem bem próximas de se compensar”. Mas,
segundo ele, no plano qualitativo, a França é perdedora porque os 20
mil emigrantes que partem, a cada ano, deixam definitivamente o país
enquanto os imigrantes chegam à França de maneira temporária. O
caráter nocivo da imigração se explica pelo fato de que a prosperidade
econômica atrai os trabalhadores estrangeiros, o que impede a natalidade
de se reerguer. Este fenômeno é muito deplorável,
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60
do ponto de vista da defesa nacional, pois estes imigrantes estrangeiros
(alemães ou outros), tão ávidos em responder a um chamado de tra-
balho para partilhar os benefícios, respondem bem raramente àquele
do canhão para defender o território que os alimenta. [...] Existe aí,
nestes nossos tempos cruéis, um ponto de vista sobre o qual nossos
legisladores devem se preocupar.
O raciocínio de Bertillon em relação aos estrangeiros não é, contudo,
sistematicamente negativo. Ele não só sublinha que a imigração é um
“bom negócio” para os países receptores, uma vez que se beneficiam do
trabalho de indivíduos que eles não tiveram a necessidade de formar,
como também evoca os sofrimentos que vivem os que são obrigados a
deixar seu país para sobreviver.11
Foi preciso esperar ainda alguns anos antes que os políticos e os jorna-
listas, por sua vez, descobrissem o “problema” da imigração. O caso das
“Vespas marselhesas”, que estourou em junho de 1881, pode ser con-
siderado, em relação a isso, como um acontecimento fundador. Em 17
de junho de 1881, o corpo expedicionário enviado à Tunísia por Jules
Ferry para domar os “rebeldes” argelinos infiltrados no país (os Kroumis)
e afastar a Itália daquela região está de volta a Marselha. As bandeiras
tricolores florescem nas varandas. Mas os italianos reagrupados nos
locais de seu “círculo nacional” recusam se enfeitar e vaiam o cortejo. A
multidão se concentra diante do imóvel para conspurcar os dissidentes.
Choques se produzem. Durante os três dias que se seguem, a cidade é o
teatro de enfrentamentos violentos que fazem três mortos.
Ainda que, até este momento, a violência entre operários interessasse
apenas aos jornais locais, o caso das Vespas marselhesas é recuperado
pela imprensa nacional. Contudo, estamos ainda no início do processo
de “mediatização” do “problema” da imigração. Os dois jornais que
consultei, Le Temps e Le Figaro, mencionam estes enfrentamentos apenas
nas páginas interiores, citando a imprensa local e os comunicados da
agência Havas. O simples fato de que as violências internas tenham sido
selecionadas como uma “informação” suscetível de interessar os leitores
da imprensa parisiense ilustra, apesar de tudo, a “generalização” que se
opera em relação a tal tipo de assunto neste momento. A maneira pela
qual estes diários dão conta dos acontecimentos reflete a clivagem direita/
esquerda que domina então a cena política. Le Temps, jornal de centro-
esquerda que apoia os republicanos moderados instalados no poder, se
11
Notemos também que a questão da “assimilação” é ainda abordada na perspectiva da “aclimatação”, no
prolongamento da antiga teoria dos climas: “Uma migração rápida só pode constituir uma colônia durável e
próspera se ela se afasta pouco da mesma zona isotérmica” (BERTILLON. Migrations. In: DICTIONNAIRE
encyclopédique des sciences médicales. [S.l.]: Masson, 1868-1889).
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61

contenta em relatar os fatos, insistindo no caráter patriótico e republicano


do movimento de hostilidade aos estrangeiros. O diário sublinha que os
manifestantes gritaram, diante do círculo nacional italiano tomado de
assalto: “Viva a França. Viva a República”. Le Figaro, jornal conservador,
recentemente e de forma bem moderada aliado ao regime republicano,
trata o acontecimento, se apropriando do ponto de vista tradicional dos
notáveis sobre as “classes perigosas”. Os agressores são apresentados
como “vagabundos”. De acordo com o jornalista, “os mesmos que se
encarniçam sobre os capuchinos e outros religiosos caçam os italianos
nas ruas. Estes pobres diabos piemonteses são hospitalizados, roubados,
jogados na fonte do pátio de Belzunce”. Alguns dias mais tarde, Le Figaro
retorna aos “distúrbios de Marselha”, acentuando desta vez a crueldade
dos italianos. Ele cita o caso de um francês “atingido por uma facada nas
costas por um italiano que lhe enfiou a arma na espinha dorsal batendo
com uma moringa. A cada golpe a moela da espinha esguichava” (21
de junho de 1881).
O caso das Vespas marselhesas marca também uma virada na gestão
deste tipo de problema pelas autoridades do Estado. Ao longo dos anos
precedentes, as rixas e os protestos contra os “piemonteses” haviam se
tornado bastante frequentes, “sem que isso inquietasse as autoridades
municipais de Marselha”.12 Em junho de 1881, os eleitos se envolvem
totalmente no conflito. O prefeito ordena o fechamento do círculo italia-
no e coloca cartazes na cidade, felicitando a população: “Vós provastes
vosso patriotismo e vossa abnegação à República”.
Outra mudança de grande importância está ligada ao fato de que estas
violências entre operários param de ser consideradas como assuntos
puramente locais. Algumas semanas após os enfrentamentos, o ministro
do interior encarrega o chefe de polícia do Bouches-du-Rhône de

estabelecer uma estatística exata dos operários italianos trabalhando


em grupos mais ou menos importantes nas fábricas ou nas grandes vias
nos trabalhos de canalização e de estradas. Esta estatística será feita no
dia a dia e permitirá ao governo conhecer de uma maneira precisa o
caráter de cada aglomeração de italianos e de franceses (Le Temps, 13
de julho de 1881).
Estes números conduzem ao mesmo resultado dos artigos dos jornais
nacionais. Eles possibilitam centralizar e, assim, homogeneizar as rea­
lidades disparates, reagrupando-as em uma nova rubrica intitulada
“Conflitos entre operários franceses e estrangeiros”, que retomam tanto
12
DORNEL, Laurent. La France hostile: socio-histoire de la xénophobie (1870-1914). Paris: Hachette, 2004. p. 40.
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a imprensa quanto os relatórios de política. É a partir daquele momento


que o termo “imigração” se impõe no vocabulário usual dos políticos e
dos jornalistas. O exame dos quadros do jornal Le Temps mostra que o
primeiro artigo que este diário de referência dedica à “imigração” data
de 18 de setembro de 1881.13 Lá ainda, a cidade de Marselha é destaque
porque Le Temps reproduz in extenso o “voto” de um membro do conselho
geral da Bouches-du-Rhône, endereçado às autoridades centrais. O texto
afirma que “a imigração exagerada destes estrangeiros à França [é] um
fato inegável”. Ele acrescenta que Marselha é a cidade da França mais
exposta a esta “invasão”, pois um terço da população “pertence a nacio-
nalidades estrangeiras”. O conselheiro geral insiste em seguida sobre o
fato de que ele é um grande partidário da união dos povos, razão pela
qual ele não quer “reprochar aos estrangeiros suas origens”. Contudo,
esta imigração massiva traz problemas. “Nós temos apenas que ler os
jornais para constatar a gravidade do mal”. Estes estrangeiros concorrem
com “nossos operários franceses” no mercado de trabalho. E as estatísticas
dos tribunais mostram que existe uma forte proporção de criminosos
entre eles. Para resolver o problema, o conselheiro geral pede uma ação
enérgica dos poderes públicos.
A matriz do discurso republicano sobre a imigração aparece aqui claramen-
te. Ela apresenta três grandes características. A primeira deve-se à postura
de porta-voz adotada pelo político marselhês, que lhe possibilita se exprimir
publicamente em nome dos trabalhadores franceses, “nossos operários”. A
segunda característica reside na frase ritual sobre seu apego aos direitos do
homem, que legitima a ladainha das censuras endereçadas aos estrangeiros.
Enfim, deve-se doravante “provar” a gravidade do problema da imigração,
convocando os escritos dos especialistas em estatística e dos jornalistas.
A matriz será definitivamente estabelecida em março de 1882, quando
uma nova rixa entre operários franceses e imigrantes estoura em Salindres,
fazendo um morto do lado italiano. O cônsul da Itália protesta oficialmente
contra essa agressão fatal, e um deputado de direita intervém no Parlamento
italiano para denunciar a frouxidão do governo. As autoridades francesas
respondem deplorando estas violências e prometendo uma investigação,
assim como medidas para que este tipo de drama não mais se reproduza
(Le Temps, 24 de março de 1882). As rixas entre trabalhadores de diferentes
nacionalidades, que alguns anos antes eram consideradas assuntos locais,
e principalmente casos específicos das classes trabalhadoras, tornam-se as-
suntos nacionais e também disputas diplomáticas de primeira importância.
13
Institut français de presse, Tables du journal “Le Temps”, Ed CNRS, 1966-1972.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 49-73, 2. sem. 2008
63

No início de 1883, a maior parte dos argumentos que se encontram ainda


hoje nos discursos sobre imigração está em vigor. Entra-se então em uma
nova fase, marcada por uma reestruturação da clivagem direita/esquerda,
que constitui o campo político nos regimes parlamentares. Enquanto,
até aqui, esta clivagem opunha partidários e adversários da República,
o alinhamento progressivo dos notáveis ao novo regime e o grande au-
mento da nova ameaça social que faz pesar sobre os ricos o socialismo
industrial provocam uma série de reclassificações que conduzirão ao
caso Dreyffus. A clivagem direita/esquerda toma então a forma de uma
oposição entre o polo nacional securitário e o polo social humanista. Esta
mutação do campo político não é, evidentemente, exclusiva da França.
Mas a originalidade do caso francês deve-se ao fato de que o “problema”
da imigração foi uma questão central neste processo. É o que eu gostaria
de mostrar na última parte deste texto.

A imigração no cerne da clivagem direita/esquerda


Enquanto, até o final dos anos 1880, a vida política francesa tinha sido
dominada pela clivagem opondo os partidários e os adversários da Re-
pública, a severa crise econômica que atravessa a França no início desta
década provoca o começo de uma reclassificação das forças republicanas
na cena parlamentar. É neste momento que os guedistas param de se dizer
republicanos para se engajar no caminho do socialismo revolucionário.
Aqueles que não querem romper com a democracia se dividem, contudo,
em relação à questão da intervenção do Estado nos assuntos econômicos
e sociais. Os liberais, que dirigem o governo, estimam com Jules Ferry
que as crises econômicas resultam de grandes desequilíbrios sobre os
quais os governos não têm ação. Eles estão assim convencidos de que só
se deve tocar em “coisas delicadas” com as maiores precauções. Ferry
está, aliás, persuadido de que não se trata de uma crise geral, mas sim
que ela afeta simplesmente o setor de construção e obras públicas14 e a
indústria do luxo. Por todas essas razões, ele recusa substituir a iniciativa
privada pelo Estado.15 Inversamente, a esquerda radical, conduzida por
Goerges Clemenceau, se engaja na via do protecionismo, inaugurada
pela lei de 7 de maio de 1881, que prevê o estabelecimento de uma tarifa
geral para taxar as mercadorias estrangeiras.
Assim como os tratados de livre-comércio assinados pela França a partir
de 1860 instauram a livre circulação das mercadorias e dos homens, os
14
No original, BTP, sigla que em francês quer dizer “Bâtiments e Travaux Publics”. (N. do T.)
15
Ler TOURNERIE, Jean-André. Le Ministère du travail: origines et premières développements. [S.l.]: Cujas,
1971.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 49-73, 2. sem. 2008
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mesmos textos protecionistas fazem imediatamente o elo entre a esfera


dos objetos e aquela dos indivíduos. Em 1883, dois projetos de lei são
apresentados à Câmara, propondo taxar os estrangeiros que trabalham
na França. O primeiro é de um deputado conservador do Gard, Adolphe
Pieyre, e o segundo, de um deputado radical do Ain, Cristophe Pradon. O
fato de que os eleitos de direita e de esquerda possam defender o mesmo
tipo de medida mostra bem o papel que o “problema” da imigração está
tendo na reconfiguração do campo político francês.
O texto de Pradon, publicado em uma brochura de umas 15 páginas,
largamente difundido e comentado pela imprensa, tem o efeito de um
verdadeiro obstáculo que impede a maré republicana. Pradon retoma
para si os argumentos elaborados por seus amigos ao longo dos anos
precedentes, mas ele os integra em um relato que estabelece um elo
entre a guerra de 1870 e a crise econômica.

Nossas populações do leste, que viram retornar aos exércitos inimigos


uma grande massa de estrangeiros que uma longa estada na França
tinha feito considerar e tratar como concidadãos, experimentam senti-
mentos bastante naturais de desconfiança e de cólera. Isso foi esquecido
no grande esforço econômico que nos proporcionou, entre 1873 e 1880,
de sete a oito anos de prosperidade. Mas com a paz e a prosperidade
se renovou a invasão dos estrangeiros. Então reapareceram os mesmos
alemães que se fizeram guias dos exércitos prussianos.
Pradon prossegue sublinhando que nunca a imigração foi tão importante
na França. Cita os números dos últimos recenseamentos, indicando que
eles são muito subestimados. Denuncia o tamanho da criminalidade dos
estrangeiros e a enorme carga que eles representam para as repartições
de caridade. “Nunca, na massa imigrante, se tinha visto tal proporção
de elementos perturbadores. Nosso território parece ter se tornado um
refúgio de gente suspeita de todos os países.” Ele afirma enfim que esses
trabalhadores fazem uma concorrência insuportável aos franceses no
mercado de trabalho, porque não têm encargos e porque escapam ao
serviço militar. “O trabalhador francês, mais inteligente, mais cultivado,
não menos trabalhador e valente, mas mais orgulhoso”, é vencido por
“um estrangeiro cuja docilidade patente e tenaz aparece, por vezes, como
um mérito”. Para proteger os nacionais, devem-se taxar os estrangeiros.
Como se vê, os argumentos denunciando a criminalidade dos migrantes,
que tinham sido elaborados desde muito tempo no quadro da oposição
cidade/zona rural, são reestruturados para alimentar um novo discurso
securitário, apreendido então sob a perspectiva da clivagem entre o
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 49-73, 2. sem. 2008
65

nacional e o estrangeiro. O impacto deste novo discurso é tal que o go-


verno republicano, mesmo dominado pelos liberais, aceita a criação de
uma comissão parlamentar, presidida pelo próprio Pradon, encarregada
de propor medidas que possibilitem taxar os estrangeiros. É a partir
das recomendações desta comissão que o governo adotará, em 1888,
um decreto obrigando os trabalhadores estrangeiros a se registrar na
comunidade em que residem e a carregar constantemente com eles o
recibo provando este registro. É assim que se inicia a história do enqua-
dramento dos estrangeiros.
Alguns meses após a primeira ofensiva contra os liberais, a esquerda
radical obtém do governo a criação de um organismo de “estatísticas
sociais permanentes” e o lançamento de uma vasta investigação, cujo
objetivo é compreender as causas da crise econômica.16 O questionário
elaborado por altos funcionários no quadro desta investigação confere
um grande espaço ao “problema” da imigração, apreendido aqui na
perspectiva da concorrência estrangeira. Mas quando se examinam as
respostas fornecidas pelos eleitos locais, os militantes sindicais etc., vê-se
claramente o papel que desempenhou este questionamento do poder
central na inculcação de um novo discurso sobre a sociedade. Em muitas
regiões, as questões 102: “Existem operários estrangeiros no seu atelier?
Quantos?” e 103: “A presença deles determinou uma diminuição de
salário?” ficam sem resposta. Mesma constatação para as questões 192:
“O estrangeiro lhe faz concorrência no mercado francês?” e 193: “De
onde provém a superioridade estrangeira?” O prefeito de Hannonville,
uma pequena comunidade de Meurthe-et-Moselle, mostra o embaraço
dos eleitos do mundo rural diante das preocupações da elite parisiense:
“É quase impossível responder a um grande número de demandas co-
locadas no questionário anexado, já que umas parecem se endereçar a
um mestre-agricultor, outras, aos operários e que, em muitas delas, se
perguntam coisas que não acontecem na nossa comunidade.” As reações
dos correspondentes do mundo operário são sempre idênticas. Como
confessa um deles, “todas as questões colocadas neste parágrafo estão
acima do meu alcance, para mim simples operário que não teve e não
pode ter mais do que a instrução primária”.
Compreende-se, através destes exemplos, por que os discursos sobre
a imigração tiveram tal eficácia política. Não somente os eleitos repu-
blicanos o utilizam para explicar a crise econômica e os sofrimentos do
povo; graças aos questionários elaborados pela administração central,
eles obrigam os militantes e os eleitos de base a retomar para si essa lin-
16
Ler TOURNERIE, Jean-André. Le Ministère du Travail: origines et premières développements. [S.l.]: Cujas,
1971.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 49-73, 2. sem. 2008
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guagem. A inculcação é mais eficaz quando os indivíduos que pertencem


às classes operárias se sentem “envergonhados” por não compreender
as preocupações das elites. Eles são mesmos levados a se apropriar deste
novo vocabulário de Estado porque eles pensam (com justeza) que, uti-
lizando a linguagem dos dominantes, terão mais chance de ver aceitas
suas reivindicações.
A ofensiva conduzida pelos radicais contra o governo liberal se focaliza,
como se acabou de perceber, na questão da concorrência entre operá-
rios franceses e estrangeiros. Ela diz respeito assim à primeira face do
“problema” da imigração: o controle das fronteiras. Mas quando Padron
evoca, no seu projeto, “uma multidão de estrangeiros que uma longa
estada na França tinha feito considerar e tratar como concidadãos” e
que retornou aos “exércitos inimigos”, ele aborda, sem contudo insistir,
a outra face do “problema”: aquela que diz respeito à assimilação dos
estrangeiros. Este mito do trabalhador alemão que se tornou espião vai
permitir conferir um conteúdo concreto ao princípio de identidade sobre
o qual repousa a concepção republicana de cidadania.17 Sendo o estran-
geiro doravante percebido antes de tudo como um representante de sua
nação, todo conflito que o opõe a um francês, ou a ordem estabelecida,
pode ser denunciado como um ato ameaçando a identidade nacional,
ato que prova que o estrangeiro não está “assimilado”.
Este tipo de raciocínio já tinha sido esboçado nos comentários publicados
por ocasião das Vespas marselhesas. Ainda que, até este momento, as
elites tenham constantemente estigmatizado a violência popular como
uma prova da selvageria ou da barbárie, doravante a cólera do povo
apareceria como legítima quando ela pudesse ser apresentada como uma
resposta patriótica contra os estrangeiros que ameaçavam a nação. É este
raciocínio que incita o prefeito de Marselha a parabenizar os revoltosos.
Este ponto de vista é imediatamente caucionado pelos membros mais
eminentes da intelligentsia republicana parisiense. Por exemplo, Paul
Lorey-Beaulieu, economista, líder do campo liberal, professor da Escola
Livre de Ciências Políticas, publica um artigo sobre os “distúrbios de
Marselha”, em que afirma: “Às vezes, os italianos parecem mais perto de
insultar o patriotismo nacional do que de partilhar suas aspirações”.18 O
fato de que imigrantes possam recusar enfeitar seus locais com as cores
17
As referências à guerra de 1870 são constantemente mobilizadas para sustentar este tipo de argumento.
Numerosos autores afirmam assim que os 100 mil prussianos que trabalhavam na França no final do Segundo
Império foram auxiliares das tropas de Bismarck. Eles acrescentam que os italianos de Nice se aproveitaram
do contexto da guerra para organizar um movimento separatista e acusa os estrangeiros de terem ficado à
frente dos participantes da comuna que colocaram Paris sob fogo e sob sangue. Ler sobretudo LAUMONIER,
Jean. La nationalité française. Paris: Bourloton, 1889-1892.
18
Artigo publicado na Revue politique et littéraire de 16 de julho de 1881.
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da França aparece agora como um sinal de ausência de lealdade para


com a nação que lhes faz viver. Esta grade de leitura não se aplica apenas
às ações dos imigrantes. Ela serve também para que se suspeite de sua
“cultura”. Os estrangeiros que continuam a falar sua língua de origem
ou que permanecem fiéis às suas tradições também são considerados in-
divíduos que não se “assimilaram”. São, portanto, traidores em potencial.
O espectro do “comunitarismo” (ainda que a palavra não seja utilizada
nesta época) começa então a assombrar as noites dos republicanos.
É através desta nova grade de leitura que a questão do serviço militar dos
filhos dos imigrantes é recolocada sobre a mesa. O fato de que a maior
parte deles decline a qualidade de francês quando eles alcançam a maio-
ridade é denunciada, agora, como uma falta de assimilação, como uma
prova de que eles permaneceram fiéis à sua antiga pátria. Existe então
um risco de que eles se sublevem contra a França em caso de guerra. O
principal critério que permite medir a assimilação é a lealdade à nação, e
esta é medida com a régua do respeito à ordem estabelecida. Quando se
examinam as polêmicas suscitadas no projeto Pradon, vê-se bem que as
divergências entre os liberais e radicais não se assentam sobre a realidade
do “problema” da imigração. Todo mundo está de acordo com isso. A
clivagem se assenta sobre as soluções que se deve levar a ele. O artigo
publicado na primeira página do Le Temps no dia 9 de agosto de 1883
resume bem o ponto de vista liberal sobre a questão. “Falamos muito
estes últimos tempos da invasão da França pelos estrangeiros. Fizemos
cálculos, apresentamos números para tornar aterrorizante a imagem
desta conquista sombria do solo francês pelos cada vez mais numerosos
imigrantes. Eles eram algumas centenas de milhares faz quarenta anos,
eles ultrapassam um milhão hoje”. Os belgas residindo no norte, os ale-
mães no leste e os italianos no sudoeste são apresentados como fileiras
do exército. Mas, acrescenta o autor, esta transposição do militar para
a economia é somente “pura fantasmagoria”. Ele evoca os estrangeiros
ricos que residem em Nice e em Paris para constatar: “É verdade que
não são estes que a gente denuncia. Visamos principalmente à imigração
operária.” O jornalista conclui rejeitando os projetos de taxação, porque
o emprego de operários estrangeiros trabalhando por salários mais baixos
do que aqueles dos nacionais permite que os produtos franceses sejam
mais competitivos. Trata-se, portanto, de um meio de frear a importação
de mercadorias estrangeiras.
O artigo aborda igualmente a questão da assimilação dos imigrantes.
Ele denuncia o “preconceito de raça contra esta assimilação desejável e
possível”, sublinhando que “a França é o único país, conjuntamente com
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a Suíça, onde este preconceito é proibido, pois a França é composta de


numerosas raças iniciais”. Os neerlandeses, os bretões etc. foram assimila-
dos à nação francesa através da Revolução de 1789. Ele conclui assim que
“nós sabemos manter e assimilar estes recém-chegados. [...] O problema
se coloca então de uma maneira diferente daquela compreendida pelos
economistas chauvinistas e pede outra solução”. Deve-se “incorporá-los à
própria nação”, facilitando as naturalizações. Para resolver este problema,
é preciso então “uma boa lei assimiladora”.
Como se vê, para os liberais, a verdadeira solução ao problema da imigra-
ção é a assimilação dos trabalhadores estrangeiros. Esta é possível porque
o povo francês é o produto da fusão de raças concluída pela Revolução
francesa. Transformar estes estrangeiros em franceses permitirá resolver
o problema maior com que a nação francesa está confrontada: o deficit
demográfico que gera uma escassez de mão de obra e de soldados. A
“boa lei assimiladora” pregada pelo Le Temps será finalmente adotada
em 1889. É a lei da nacionalidade francesa, cujos principais artigos estão
ainda em vigor.
As polêmicas que precederam o voto deste texto marcaram a radicalização
da corrente protecionista em direção ao nacionalismo. Sob a égide do
general Boulanger, este movimento alcançará seu apogeu no final dos
anos 1880, sacudindo as bases do regime republicano. O crescimento
do nacionalismo é uma das consequências maiores do alinhamento pro-
gressivo dos conservadores à ideologia nacional elaborada e defendida
inicialmente pelos republicanos. Este alinhamento se fez dificilmente,
pois os notáveis foram durante muito tempo reticentes em relação a
uma política que consagrasse a intrusão do Estado na vida cotidiana
dos cidadãos. Portanto, a lei de 1889 sobre a nacionalidade francesa, à
diferença dos textos anteriores sobre a “qualidade dos franceses”, impôs
pela primeira vez a vontade do Estado em detrimento da livre escolha das
pessoas. Com efeito, a partir de então, os filhos dos estrangeiros nascidos
na França de pais igualmente nascidos na França eram automaticamente
franceses desde o nascimento. Em consequência, eles não podiam mais
escolher sua pátria quando alcançassem a maioridade, como era o caso
anteriormente. Trata-se de uma ruptura radical com a lógica do Código
Civil elaborada por jurisconsultos e inspirada pela filosofia das Luzes
e que tinham recusado a Napoleão o direito de “anexar”, contra seu
consentimento, indivíduos vindos de outros países.
Após a guerra de 1870-1871, o argumento da soberania do povo tornou-
se tão forte que os conservadores não podiam mais barrá-lo eficazmente.
Eles vão então retomar para si o discurso do interesse nacional, mas
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69

modificando-o de forma a poder legitimar seus próprios interesses na


cena parlamentar. Durante as polêmicas que precederam a adoção da
lei de 1889 sobre nacionalidade francesa, o argumento principal atrás
do qual se colocava a direita não consiste mais em negar a necessidade
de uma lei geral que fixasse os critérios de pertencimento ao Estado-
nação. Ela se limita a recusar as soluções apresentadas pelo governo
para resolver o “problema” da imigração. A corrente nacionalista se
estrutura e retoma para si os argumentos que radicais como Pradon
tinham desenvolvido para justificar o protecionismo. Mas ela os leva
até as últimas consequências, afirmando que não se muda por decreto o
“sentimento de pertencimento” de um estrangeiro em relação à nação.
Uma vez que a lei de 1889 “nacionalizou” à força indivíduos que, em
sua imensa maioria, haviam recusado até então se tornar franceses para
escapar ao serviço militar, os adversários deste texto tiveram facilidade
em denunciar esta anexação pacífica, afirmando que ele não resolverá o
“problema” da assimilação, pois a lealdade política não se fabrica através
de medidas administrativas. Os nacionalistas invocarão o mesmo tipo de
“prova” dos radicais. Exemplos, selecionados a partir da rubrica dos fatos
diversos, para as necessidades da causa, permitirão demonstrar que os
naturalizados não se “assimilam”. Contudo, se aquelas pessoas, que ju-
ridicamente são francesas, continuam a agir como estrangeiras, não se
pode mais afirmar que o direito é um critério confiável para definir a
nacionalidade. Devem-se encontrar outros argumentos para responder
a grande questão: o que é um (verdadeiro) francês?
A partir dos anos 1860, os textos dos antropólogos e dos filósofos posi-
tivistas conferiram forte legitimidade científica à questão das raças e da
hereditariedade. Os nacionalistas vão então se apoderar destes trabalhos
para justificar seu pleito, se permitindo assim o luxuoso privilégio de
combater os republicanos em sua própria seara. Para demonstrar a rup-
tura que, ao longo dos anos 1880, se produz na maneira de apreender
este assunto, tomarei o exemplo de Théodule Ribot, um dos filósofos
mais influentes da IIIª República e líder da corrente positivista que
combatia, desde o Segundo Império, os dogmas religiosos difundidos
pela direita católica.
Em um dos livros que ele dedica à psicologia dos povos, Ribot afirma
que “é a hereditariedade que mantém as características iniciais de uma
nação”. Ele estima que “nos judeus a hereditariedade é mais percebida”.
E acrescenta: “No aspecto físico, os judeus se fazem notar pela cor negra
de seus cabelos e barbas, seus longos cílios, suas sobrancelhas grossas,
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saltadas, bem-arqueadas, seus olhos escuros grandes e vivos, sua pele


cor de mate, seu nariz bastante aquilino”.19 Esta passagem, que poderia
ser interpretada hoje como uma prova de antissemitismo, se inscreve
de fato em uma problemática que se apoia sobre o princípio das nacio-
nalidades. O raciocínio não tem por objetivo estigmatizar a população
judia. Ao contrário, Ribot sublinha o grande valor intelectual e artístico
desta “raça”, que ele julga pouco propensa à violência. Contudo, ainda
que tenha sido elaborado por um filósofo republicano, este tipo de ar-
gumento entra em contradição com o discurso oficial sobre a assimilação
nacional, elaborado nos anos 1880, pois o fato mesmo de sublinhar que
uma categoria de franceses conservou características específicas está
em contradição com a definição de povo francês como produto de uma
fusão de raças. Os nacionalistas podem então se apoderar dos discursos
sobre as raças e sobre a hereditariedade para definir a nacionalidade
francesa a partir do critério da origem comum, da religião católica e
do enraizamento na região natal. Os antigos notáveis que tinham sido
apartados brutalmente do poder pelos fundadores da IIIª República vão
então utilizar o critério racial para pedir que os judeus e os naturalizados
sejam excluídos das funções dirigentes por serem estrangeiros, e porque
eles não representam o povo francês. Fortalecidos pelas descobertas da
ciência antropológica, os notáveis reabilitam assim o velho princípio
aristocrático em virtude do qual, para “representar” a nação, deve-se ser
de raça nobre. Porém, o argumento é agora readaptado às realidades
da democracia. A nobreza não procura mais legitimar seus privilégios
afirmando que ela é de outra “essência”, diferente daquela do povo. O
argumento racial é posto a serviço do princípio de identidade gover-
nantes/governados. Apenas os nobres e, além deles, o povo “enraizado”
podem representar a nação, porque somente eles pertencem à raça
fundadora da nação. Aqueles que não fazem parte disso são “inimigos”,
que se devem eliminar, pois ameaçam a existência mesma da França. É
este tipo de raciocínio mobilizado, desde 1886, por Edourad Drumont
em “A França judia” para legitimar o antissemitismo. O racismo como
projeto político, adaptado aos impedimentos da soberania nacional, é
apenas a consequência extrema desta nova estratégia conservadora.
No momento em que os sábios se enfrentam para saber qual deles vai
descobrir a ciência que permitirá descobrir as leis de funcionamento
das sociedades humanas, o discurso sobre a raça se propaga bastante no
círculo dos especialistas. Utilizando uma linguagem de hoje, poder-se-ia
dizer que o leitimotiv destes autores é afirmar que o “modelo republica-
19
RIBOT, Théodule. L´hérédité: étude psychologique sur sés phénomènes, ses lois, ses causes, ses conséquences.
[S.l.]: Ladragen, [19--]. p. 128 et seq.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 49-73, 2. sem. 2008
71

no” fracassou em seu projeto de assimilação dos imigrantes porque os


partidários da direita subestimaram a questão racial. Na sua obra sobre
a nacionalidade francesa, Jean Laumonier dedica assim um capítulo
inteiro à “imigração contemporânea da França”, no qual fustiga os “mo-
ralistas e filósofos de quarto” que afirmam a universalidade do homem.
Ele se apoia nos trabalhos da sociedade de antropologia para concluir
que “até aqui não se levou suficientemente em conta a raça”, o que fez
com que a influência do meio tenha sido privilegiada em detrimento da
hereditariedade.20
Os textos publicados por Jacques Bertillon, eminente demógrafo do
final do século XIX, que vem a ser filho de Louis-Adolphe Bertillon,
antes citado, mostram bem tudo o que mudou em vinte anos no discur-
so dos especialistas sobre a imigração. Jacques Bertillon retoma para si
o problema que seu pai tinha contribuído para lançar nos anos 1870.
Diante da crise demográfica que não para de se agravar, “como impedir
a França de desaparecer?” Tal é a questão que estrutura a obra.21 Mas
o autor responde a ela com argumentos bastante distintos daqueles de
seu pai. Constata-se, por exemplo, que a questão da emigração está ca-
duca. Jacques Bertillon sublinha que a “estatística da emigração francesa
parou de ser publicada. Ela era incompleta e pouco interessante”. Além
disso, não se encontram em seu texto reflexões sobre a contribuição
positiva dos imigrantes ao desenvolvimento da economia francesa, e
seus sofrimentos são completamente ignorados. Em contrapartida, o
tema da invasão torna-se praticamente obsessivo. O comentário sobre
os recenseamentos leva à constatação de que “existirá um dia na França
uma Frendenfrage [questão de estrangeiros]”, tal como na Alemanha. Para
justificar essa constatação pessimista, o sábio demógrafo cita os artigos
de jornais dedicados às rixas e às greves envolvendo estrangeiros, tipo
de prova que seu pai ainda não utilizara. Enfim, Jacques Bertillon ataca
a lei de 1889 sobre a nacionalidade francesa, pois estima que o projeto
assimilador que a subentendia fracassou. “Pode-se bem dar a certo nú-
mero de estrangeiros um falso nariz francês, e os direitos que lhe estão
associados, mas é mais difícil lhes inculcar o amor à França e o desejo de
cumprir com seu dever a ela.”22
20
Jean Laumonier cita os sábios americanos que afirmam que “cada raça tem suas aptidões e tendências
particulares”. E ele conclui: “Se a ciência histórica ficou tão para trás das outras ciências naturais, é porque
tal ensinamento foi obstinadamente desconhecido” (LAUMONIER, Jean. La nationalité française. Paris:
Bourloton, 1889-1892. p. 32-34).
21
BERTILLON, Jacques. De la dépopulation de la France et des remèdes à y aporter. Paris: Imprimerie de Berger-
Levarult, 1896.
22
Ibid., p. 48.
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72

O termo “imigração” foi, portanto, inventado no começo dos anos 1880


para designar um dramático “problema” de sociedade, que era necessário
resolver urgentemente para salvar a França. Mas constata-se que, desde
esta época, quanto mais aumentou o número daqueles que se devotaram
a esta nobre causa, mais o “problema” se agravou. Nada menos do que
35 projetos de lei visando taxar os estrangeiros foram apresentados
ao Parlamento entre 1885 e 1902! O número de artigos da imprensa
dedicados à imigração conheceu ao longo deste mesmo período um
crescimento exponencial. E as medidas tomadas pelas autoridades para
fazer diminuir isso que se chama, desde o começo do século, a “violência
xenófoba”, ao invés de resolver o problema, o agravou. Enquanto duas
dezenas de rixas entre operários franceses e estrangeiros tinham sido
contabilizadas nos anos 1870, este número triplica na década seguinte
e ultrapassa a centena nos anos 1890.

Abstract
The discourses about the “problem” of immigration are divided in two great
chapters, constantly placed in the centre of current times. The first is related
to the entry and the permanence of foreigners in national territory. The
second approaches the question of the integration of these foreigners and their
children in French society. I will show here that the term “immigration” has
brutally imposed itself in the French political vocabulary since the beginning
of the 1880s, to first refer to these two types of concerns. At that moment,
the matrix that produced and reproduced all controversy on the subject for
the last 125 years was invented.
Keywords: immigration problem; France; national identity.

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Antropolítica Niterói, n. 25, p. 49-73, 2. sem. 2008


Alexis Spire*

O papel dos agentes administrativos


na política de imigração**

A partir da análise do papel desempenhado pelos


agentes da prefeitura de polícia, este artigo examina
a elaboração e a aplicação de uma política pública que
teve por alvo os imigrantes entrados na França entre
1945 e 1980. Nesse sentido, representa uma ruptura
com abordagens de políticas públicas que privilegiam
exclusivamente a ação dos atores que intervêm no
processo de produção da lei, em favor de um exame
do modo como estavam estruturadas as representações
e práticas de agentes encarregados de imigração
nas prefeituras de polícia e do modo como estas
condicionavam a interpretação do conjunto variado de
leis, portarias e circulares na definição do tratamento
dado aos imigrantes.
Palavras-chave: política de imigração; antropologia
do estado; sociologia do direito.

*
Alexis Spire é charge de
recherche au CNRS, mem-
bro do comitê de redação
da revista Politix-Sciences
sociales du politique, chercheur
do CERAPS desde 2003 e
leciona na Universidade de
Lille 2.
**
Tradução de Jair de Souza
Ramos
76

A elaboração de uma política pública é frequentemente apresentada


apenas como resultado da ação dos atores que intervêm no processo
de produção da lei. Ora, o exemplo do tratamento dos estrangeiros
na França entre 1945 e 1980 mostra que os agentes da administração
podem desempenhar um papel preponderante na condução de uma
política pública. Durante estas três décadas, o quadro jurídico que or-
ganizava as condições de entrada e de estada de estrangeiros na França
permaneceu estável. A ambição deste artigo é chamar a atenção para
os agentes de polícia que durante tal período foram encarregados de
aplicar esta legislação. O desafio é identificar o trabalho permanente
de produção, de apropriação e de reinterpretação das regras jurídicas
realizado por aqueles que qualificaremos de agentes intermediários de
estado. Intermediários, eles o são tanto pela sua posição hierárquica,
que os posiciona entre os altos funcionários e os agentes de execução,
quanto por sua posição institucional, que os situa entre o poder central
e o trabalho de terreno no local. Raramente consultados pelos gabine-
tes ministeriais, eles aparecem muito pouco nos arquivos e têm uma
visão muito desvalorizada de sua atividade profissional para restituí-la
em suas memórias ou livros de lembranças. O método de pesquisa por
entrevistas parece então o mais adaptado, porém a reserva que eles
apresentam diante de qualquer observador torna-se rapidamente um
obstáculo. Diferente de outros agentes do serviço público para os quais
o “mito estruturante”1 é antes a defesa dos interesses dos usuários, eles
se referem a um princípio de defesa dos interesses de estado que extrai
uma parte de sua eficácia do segredo que os circunda. Para desfazer esta
cultura da discrição, escolhemos realizar as entrevistas a posteriori como
os antigos agentes da prefeitura de polícia de Paris que tiveram, entre
1945 e 1975, a função de instruir os dossiês individuais de estrangeiros.2
Menos habituados a serem questionados sobre a sua prática profissional
que os diretores da administração, eles são também menos inclinados a
respeitar um tipo de fronteira implícita que separa o dizível do indizível,
o oficial do oficioso. A dimensão retrospectiva destas entrevistas não nos
permite obviamente apreender diretamente as interações cotidianas tal
como elas se desenvolveram nos guichês.3 Ela nos oferece, por outro
lado, a possibilidade de estabelecer uma ligação entre a concepção que
1
LIPSKY, M. Street-level bureaucracy: dilemnas in the Individual in Public services. New York: Russel Sage
Fundation, 1980.
2
Para uma análise aprofundada das condições da pesquisa, ver SPIRE, Aléxis. Etrangers à la carte:
l’administration de l’immigration en France (1945-1975). Paris: Grasset, 2005.
3
Nos trabalhos etnográficos, o estudo das práticas é concebido como a restituição de um conjunto de interações
observadas e de seu quadro temporal, histórico e institucional; em uma perspectiva histórica, não se trata
de estudar tanto o desenrolar das interações quanto de seguir os traços que elas deixam no tecido social.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
77

estes agentes têm de seu trabalho e sua trajetória. Seu ponto de vista
nos coloca imediatamente na perspectiva traçada por Michel Foucault,
que preconizava que devíamos estudar o poder lá onde ele está em re-
lação direta com seu alvo visado, lá onde ele produz seus efeitos os mais
reais.4 O tratamento da imigração poderia então constituir um modo
de entrada privilegiado para uma sociologia da administração. Mais do
que qualquer outro domínio, ele ilumina a distância que separa a ação
pública legal e a prática discreta de cada funcionário, a parte explícita
da lei e a face escondida do estado.

A divisão do trabalho prefeitural


Entre as diferentes instituições estatais encarregadas do tratamento da
imigração, as prefeituras ocupam uma posição central. Em cada departa-
mento, elas exercem um controle prévio a toda admissão dos imigrantes
ao direito de estada e constituem um interlocutor incontornável para as
outras administrações. A prefeitura de polícia de Paris abriga desde 1925
um serviço de estrangeiros no interior do qual está constituído um corpo
de agentes especializados há bastante tempo no tratamento da imigração.5
Logo que um estrangeiro se apresenta pela primeira vez à prefeitura de
polícia, ele é primeiramente recebido por um agente de acolhimento que
o indica um guichê no qual será estabelecida sua “ficha de identificação”.
Sua demanda é então transmitida aos outros agentes, encarregados de
verificar, a partir de suas fichas de polícia, que ele não é objeto de processo
judiciário, atingido por uma ordem de repatriamento ou procurado como
“devedor do tesouro”. Se atende a estas condições, ele recebe então um
recibo que vale por três meses, o tempo em que seu dossiê é examinado,
mas nenhuma decisão é tomada no guichê. Os casos que correspondam
exatamente aos critérios enunciados pelo regulamento são, em geral,
tratados pelo chefe de sala. Por outro lado, desde que se trate de um
dossiê que necessita de interpretação da regra de direito, ele é transmitido
ao chefe do Bureau ou ao seu adjunto. Nesse dispositivo complexo em
que as tarefas administrativas são fortemente divididas, propomos que
se identifiquem duas categorias de funcionários: os funcionários subal-
ternos, que têm o grau de agente ou de comissionado e que são alocados
o mais frequentemente ao nível do guichê ou da instrução cotidiana dos
dossiês individuais de estrangeiros, e os funcionários graduados, que,
4
FOUCAULT, M. Il faut défendre la société. Paris: Éditions du Seuil: Gallimard, 1997, p. 27.
5
ROSENBERG, C. Une police de simple observation?: le service actif des étrangers à Paris dans l’entre-deux-
guerres. Genèses, [S.l.], 2004.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
78

tendo o grau de administrador ou de adjunto, ocupam as funções de


adjunto ou de chefe de Bureau.
Os funcionários de base ocupam postos subalternos, que têm como ca-
racterística comum corresponder a tarefas de execução: pode se tratar de
secretarias administrativas, de comissões de administração, de datilógra-
fos, de funcionários de guichê, ou ainda de chefes de sala encarregados
de vigiar a atividade no guichê e de instruir os dossiês mais comuns.
Os dois principais modos de acesso a essas funções são o concurso, que
permite aceder ao grau de comissário ou de secretário administrativo, e
o auxiliariat,6 que se traduz geralmente por um período, mais ou menos
longo, passado nos postos mais subalternos, como a entrega de correio
ou a classificação das fichas individuais de estrangeiros. Nos dois casos,
o funcionário subalterno não tem jamais a escolha de sua ocupação; ele
é lotado, num primeiro momento, nos postos vagos do serviço para o
qual foi enviado, mas pode em seguida ser mudado, de acordo com a
demanda ou com a necessidade do chefe do Bureau. Não é raro que
alguns agentes permaneçam várias décadas no mesmo Bureau, sem
mudar de posto, às vezes se beneficiando de uma progressão funcional
que corresponde de fato a uma simples mudança de função. O pro-
cesso de socialização administrativo específico a cada Bureau favorece
uma ligação, isto é, uma identificação, dos agentes ao seu trabalho e ao
seu posto que contribui igualmente para a grande estabilidade de sua
carreira profissional.
Para os funcionários subalternos, uma clivagem importante separa o
trabalho de guichê, que coloca os agentes em posição de receber os
estrangeiros (os “postos avançados”), das outras tarefas administrativas
(a “retaguarda”), que são a entrega do correio e a gestão dos diferentes
fichários. A mais penosa das tarefas é sem dúvida nenhuma aquela efe-
tuada nos arquivos do Casier Central: trabalham ali aqueles encarregados
de encontrar e reclassificar um dossiê cada vez que acontece uma mo-
dificação na situação de um estrangeiro. Os funcionários subalternos aí
colocados permanecem constantemente de pé e não dispõem de nenhu-
ma autonomia. A atividade de “recepção” oferece condições de trabalho
muito diferentes: obedecendo a regras de apresentação relativamente
estritas (como o uso obrigatório do uniforme), os agentes que ficam no
guichê se beneficiam de maior independência em relação à autoridade
hierárquica,7 mas são submetidos a um ritmo de trabalho mais contínuo.
6
O concours e o auxiliariat são modalidades de acesso a um posto estável no serviço público francês. (N. do T.)
7
DUBOIS, V. La vie au guichet: relation administrative et traitement de la misere. Paris: Economica, 1999, p. 84.
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O ritmo se intensifica a partir do fim dos anos 1950, em razão do au-


mento considerável do número de estrangeiros recebidos na prefeitura:

Nós recebíamos, na época, de 1.200 a 1.300 pessoas por dia, nos anos
1966 ou 1967 [...] E ademais, havia pessoas doentes, e havia as folgas,
e não havia funcionários o bastante para lhes substituir. Então um
empregado a menos significava umas 40 pessoas que não eram re-
cebidas. Era infernal. Havia funcionários de guichê que diziam estar
numa prisão. E você sabe, o público nem sempre é fácil. Havia moças
que chegavam ao seu limite e não suportavam mais. (Entrevista com
Jacques, Montrichard, em 18/9/2000)
Os números oferecidos por esse antigo funcionário de guichê, tornado
chefe de sala em 1962, ilustram a amplitude que as atividades de recepção
tomavam no cotidiano do Bureau de cartas de sejour. O fenômeno da
massificação do acolhimento é acompanhado igualmente pelos primeiros
controles de produtividade. Durante um longo tempo, esta vigilância era
assegurada pelo chefe de sala que, a qualquer momento, poderia passar
por trás dos guichês e medir, com a ajuda de um cronômetro, o tempo
gasto por um agente para instruir um dossiê; ou então, um microfone
era colocado em cada guichê, para que o chefe do Bureau pudesse a
qualquer momento controlar a interação e intervir em caso de problema.
A estes modos de vigilância quase militares se soma progressivamente
um controle através de ferramentas estatísticas: cada pessoa emprega-
da no guichê deve logo que possível assinalar sistematicamente sobre
uma folha os números dos dossiês tratados ao longo do dia, para que o
chefe de Bureau pudesse avaliar a produtividade de cada um de seus
agentes. Esta forma de intensificação das tarefas de recepção é acompa-
nhada de uma feminização do recrutamento que segue um movimento
análogo àquele observado nas outras administrações: as mulheres “não
substituem os homens, mas vêm completar os efetivos quando a inflam
os trabalhos”.8 O recurso cada vez mais sistemático a auxiliares, mais
do que a titulares, e a degradação das condições de trabalho em razão
do aumento do número de estrangeiros recebidos, caminha em paralelo
com a progressão dos efetivos femininos. A despeito dessas evoluções, o
guichê permanece mais desejável que as outras tarefas administrativas
mais subalternas:

No que diz respeito aos serviços, as tarefas nobres eram aquelas do


guichê. A retaguarda, as pessoas que se ocupavam do fichário, do cor-
8
SCHWEITZER, S. Les femmes ont toujours travaillé: une histoire du travail des femmes aux XIXe et XX e
siècles. Paris: Odile Jacob, 2002, p. 2.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
80
reio, que faziam todas as tarefas de organização do Bureau, preencher
os impressos de consulta aos outros serviços, integrar o que vinha das
informações gerais, o que vinha do Casier judiciário, ou, ainda, tirar
e organizar as fichas. É verdade que o guichê era, ao mesmo tempo,
uma tarefa nobre e difícil. (Entrevista com Carine, préfecture de Police
em 10/10/2002)
A atividade de “recepção” de estrangeiros se encontra então em posição
intermediária na divisão do trabalho prefeitural: nobre se comparada
às tarefas mais penosas como o correio ou a classificação dos arquivos,
o trabalho no guichê permanece uma atividade repetitiva, que era
submetida a uma obrigação de produtividade e deixava abertas poucas
possibilidades de promoção. O trabalho de instrução de dossiês é ao
contrário mais valorizado e constitui, para os funcionários subalternos
que conseguem chegar aí, o meio de escapar das tarefas administrativas
subalternas e do guichê. Aqueles que conseguem ocupar estes postos são
num primeiro momento encarregados de redigir os memorandos e de
estabelecer a comunicação com outras administrações, podendo mais
tarde ser levados a assumir mais responsabilidades. Em contato com os
agentes da prefeitura mais experientes, eles aprendem como estudar um
dossiê individual e como observar rapidamente os elementos importantes.
São menos isolados dos outros serviços administrativos da prefeitura de
polícia, mas são objeto de um controle de produtividade semelhante:
sua ficha de avaliação compreende em detalhe cada operação que eles
devem efetuar, bem como a parte de tempo que lhe consagraram ao
longo do dia. Dispõem de uma fraca autonomia em relação à hierarquia,
porém possuem mais chances que seus funcionários e que os funcioná-
rios que trabalham no guichê de se tornarem redatores, isto é, de ter
a responsabilidade de instruir dossiês e de decidir o tipo de permissão
a ser atribuído aos imigrantes. A passagem do guichê para a redação
permanece, entretanto, difícil e bastante rara:

– Você nunca desejou tornar-se redator?

– Não. Eu nunca tive talento para isso. É preciso ter talento para redigir
uma carta. Seria necessário que eu trabalhasse mais. Você sabe, quan-
do acabava um dia de trabalho no sexto Bureau, eu não tinha muita
vontade de trabalhar ainda um pouco mais. Se tivesse um diploma, eu
poderia ter acabado administrador. Mas bem, é preciso que a gente
enxergue aquilo que a gente pode, é preciso permanecer simples.
(Entrevista com Jacques, Montrichard, em 18/9/2000)
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
81

Tendo um diploma de nível inferior ao baccalauréat,9 jamais se sentiu o


suficientemente competente para tentar se transformar em redator e
justifica retrospectivamente a justeza de sua própria posição social ao se
atribuir a responsabilidade por ela. No quadro de um serviço exclusi-
vamente administrativo e no qual o essencial da atividade é a instrução
de dossiês individuais, o controle da expressão escrita e a capacidade
de redação constituem um capital importante para subir os degraus e
chegar até os níveis hierárquicos mais elevados, e até mesmo posição de
quadro administrativo.
Os funcionários do quadro administrativo assumem uma atividade
de direção de um ou de vários serviços, o que os coloca em posição de
supervisionar os funcionários subalternos, mas que não os dispensa
de todo o contato com a instrução de dossiês de estrangeiros. De fato,
em caso de litígio ou de uma grande complexidade do dossiê, não é
raro que o redator consulte o responsável do Bureau ou seu adjunto.
Os funcionários do quadro administrativo devem igualmente receber as
pessoas “recomendadas” pela direção da prefeitura de polícia ou pelo
ministério do interior e instruir pessoalmente seu dossiê. Essa parte do
trabalho administrativo é, entretanto, marginal na sua atividade, que
consiste principalmente em enquadrar o trabalho dos chefes de sala
e dos funcionários que trabalham no guichê, em corrigir os redatores e
lhes transmitir as disposições contidas na circulares, a fim de que eles as
levem em conta na instrução cotidiana dos dossiês. Os que chegaram a
esses postos de quadro administrativo o fizeram através seja de promo-
ção interna, seja, no caso dos titulares de uma licença, depois de terem
passado com sucesso por um concurso de administrador.
A esta direção vertical do trabalho prefeitural se somam as distinções
mais implícitas que atravessam as diferentes atividades administrativas
no interior de um serviço encarregado de imigração. Cada possibilidade
de promoção ou de mudança constitui um importante objeto de disputa,
como mostram os propósitos deste antigo diretor da polícia geral que
entrou na prefeitura em 1945:

Para o oitavo bureau, que era encarregado do repatriamento, procu-


rava-se uma personalidade específica. Era preciso que a pessoa fosse,
ao mesmo tempo, um bom conhecedor da legislação, que tivesse uma
boa cultura jurídica porque às vezes tinha de lidar com advogados, mas
era preciso também alguém que fosse extremamente firme, porque de
repente poderia haver dez pessoas dos quatro cantos do mundo que
9
O Baccalauréat é uma qualificação acadêmica a ser obtida ao final do ensino secundário como requisito para
o ingresso na educação superior. (N. do T.)
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
82

deviam ser conduzidas no mesmo dia ao aeroporto. Então era preciso


alguém que tivesse muita autoridade natural e que não fosse apenas
uma sombra bruta. Por tudo isso, é preciso procurar; mas procuramos
alguém que preenchesse verdadeiramente essas condições. Para os ou-
tros, era preciso alguém que não fosse mole. Para o sexto Bureau, isto
é, o Bureau das cartas de sejour, era preciso alguém bem organizado,
que tivesse uma boa cultura jurídica porque lá também existem sempre
questões que envolvem advogados, e que tivesse uma boa capacidade
de se relacionar com as pessoas. O quinto Bureau, isto é, o Bureau de
admissões, é o mais homogêneo, mas mesmo assim é necessário alguém
que se faça respeitar. Existem pessoas que a gente não pode colocar em
qualquer lugar, senão nós corremos riscos. (Entrevista com Armand,
Paris, em 14/10/2000)
Essa descrição minuciosa das qualidades necessárias para dirigir os
diferentes Bureaus revela um sistema de oposições que organiza o tra-
balho da prefeitura, no seio da subdireção de estrangeiros, em torno da
distinção entre atividades de repatriamento e atividades de admissão.
A firmeza requerida para dirigir o Bureau de repatriamento se opõe
à “boa capacidade de se relacionar”, indispensável para supervisionar a
atribuição das cartas de sejour. Além disso, a cada qualidade (virtude)
específica corresponde um risco padrão específico: o defeito maior na
prática das expulsões é ser “uma sombra bruta” (polo negativo da autori-
dade), ao passo que, para a admissão, é o fato de não se fazer “respeitar”
e de ser “mole” (polo negativo da competência relacional). As qualidades
de temperamento não têm o mesmo valor segundo o Bureau no qual
serão exercidas; elas parecem intervir diretamente na seleção dos fun-
cionários dos quadros administrativos que são distribuídos segundo uma
divisão horizontal do trabalho, opondo admissão e repatriamento. Este
modo de recrutamento ajustado à “personalidade” de cada candidato é
acompanhado de um processo de socialização administrativo ao fim do
qual se estabelece uma harmonia entre as exigências implícitas requeri-
das por um posto de quadro administrativo e as qualidades do agente
escolhido para ocupá-lo. O trabalho de ajustamento recíproco entre as
“qualidades de temperamento” associadas a uma função e às disposições
do agente que o ocupam se encontra além disso igualmente nas regras
de distribuição dos postos subalternos. Armand descreve nos seguintes
termos as competências necessárias para trabalhar na recepção no guichê:

Existe um problema permanente que é um problema de acolhimento.


Existem pessoas que atendem bem, de forma cortês, e existem pessoas
que são insuportáveis e que atendem mal. Mas isso não é porque o
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
83

regulamento é mais duro ou mais mole, isso depende muito mais do


temperamento. Atenção, é preciso que as pessoas também não sejam
muito moles, porque isso também não funciona. É preciso pessoas com
uma cortesia média, que não dão a impressão de rejeitar a priori, mas
que também não dão a impressão de fazer qualquer coisa. (Entrevista
com Armand, Paris, em 14/10/2000)
A preocupação constante dos altos funcionários da prefeitura é associar a
“boa pessoa” ao posto que lhe corresponde, de maneira que as disposições
dos agentes sejam perfeitamente ajustadas à atividade administrativa às
quais elas são alocadas. No caso dos guichês, essa maneira de fabricar
“vocações” constitui igualmente um meio de melhor garantia à legiti-
midade da autoridade da prefeitura junto aos estrangeiros. A escolha
dos agentes que não oferecem uma imagem de excessiva severidade,
mas que expressa uma dureza necessária, constitui um meio de tornar
crível a característica impessoal das decisões da prefeitura e de revelar,
assim, uma neutralidade burocrática como garantia de imparcialidade.
A maneira de adequar disposições e qualificações dos agentes é igual-
mente marcada pela característica sexuada da divisão do trabalho da
prefeitura. Essa dimensão intervém sobretudo no recrutamento dos
funcionários dos quadros administrativos. Se as mulheres chegam a essa
posição, é em parte em razão da posição a que é relegado um serviço
que tem a característica de receber um número considerável de dossiês.
Os três Bureaus dirigidos por mulheres são aqueles que necessitam
de maior massa de trabalho: o Bureau encarregado da admissão, que
agrupa as atividades de verificação dos passaportes e dos vistos de todos
os estrangeiros; o Bureau das primeiras cartas de sejour; e o Bureau das
fichas de arquivos. Em contrapartida, a direção do Bureau de repatria-
mento é estruturalmente reservado aos homens. A repartição sexuada
da atividade administrativa na prefeitura revela então duas dimensões
bem distintas, características dos empregos femininos: à segregação
vertical, perceptível na oposição de funcionários subalternos e quadros
administrativos, se combina uma diferenciação horizontal organizada
em torno da oposição entre Bureaus. Aqueles para os quais se supõe
que necessitem de autoridade e firmeza são implicitamente reservados
a responsáveis masculinos, ao passo que aqueles que exigem maior vo-
lume de trabalho e competência relacional são atribuídos às mulheres.
A presença das mulheres na direção dos Bureaus encarregados da ad-
missão e da atribuição de cartas de sejour permanece, até o fim dos anos
1960, atípica em comparação com outros serviços da prefeitura. Mais
tarde, a feminilização do pessoal dos quadros administrativos se estendeu
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84

ao conjunto da administração da prefeitura, mas é provável que a sub-


divisão de estrangeiros tenha constituído um dos primeiros espaços da
prefeitura de polícia no seio do qual as mulheres tiveram a possibilidade
de adquirir certas responsabilidades. Depois da suspensão da imigração
de trabalho em 1974, essa presença feminina foi ao contrário percebida
às vezes como obstáculo à instauração de práticas mais restritivas. Em
um relatório administrativo de inspeção interna, o antigo prefeito afirma
por exemplo que “a feminilização crescente do pessoal das prefeituras
não pode acontecer sem influenciar a ‘sensibilidade’ dos serviços”.10 Tal
constatação retoma uma concepção tecnocrática da divisão do trabalho
que consiste em opor uma disposição masculina para a “dureza” a ou-
tra propriamente feminina para a “compreensão”. Em outras ocasiões,
encontramos frequentemente esse tipo de oposição, em todas as escalas
da hierarquia burocrática.
À repartição clássica das tarefas burocráticas entre atividade de recepção
(“o front do escritório”) e às instruções de dossiês (“a retaguarda”) se
somam então outras clivagens, mais específicas a um serviço responsável
pela imigração: os Bureaus encarregados da admissão se opõem àqueles
encarregados do repatriamento, e essa dicotomia recorta ainda outra
posição entre as “qualidades femininas” de acolhimento e de sociabili-
dade, e as disposições “masculinas” para a firmeza e para a autoridade.

As dimensões do ethos prefeitural


Para além da divisão do trabalho prefeitural, funcionários subalternos e
funcionários dos quadros administrativos partilham uma concepção do
ofício feita de valores e de representações que fazem parte de um mesmo
ethos, no sentido que Max Weber deu a este termo.11 A noção weberiana
de ethos permite pensar relação entre representações e práticas sem as
dissociar ou as opor: o ethos é precisamente aquilo por meio do qual uma
visão de mundo feita de máximas e de regras é tornada coerente com as
práticas cotidianas que surgem na sua singularidade. Nessa perspectiva,
o ethos prefeitural pode, numa primeira aproximação, ser definido como
um conjunto de princípios e de disposições para a ação que organizam
a prática dos agentes da prefeitura; este ethos recobre certas caracte-
rísticas comuns a um universo burocrático, mas no caso de um serviço
10
Relatório da missão de inspeção consagrada ao controle das regularizações em setembro de 1980, Centre des
Archives Contemporaines 1996 0048, art. 9.
11
Max Weber utiliza este conceito para analisar as condições sociais e materiais que propiciam a emergência
de uma concepção de mundo que conduz uma elite protestante a se investir no trabalho e na indústria. Cf.
WEBER, M. L’éthique protestante et l’esprit du capitalisme. Paris: Flammarion, 2000, p. 94.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
85

encarregado da imigração, ele comporta certos traços específicos que


convém explicitar.
A primeira particularidade de um serviço prefeitural encarregado da
imigração reside no lugar preponderante que ocupam aí as circulares,
em detrimento de outras referências jurídicas, que são as convenções
internacionais, as leis ou os decretos. Instrumento privilegiado de comu-
nicação entre a administração central e as prefeituras, a circular constitui
um documento de uso interno que, como a etimologia da palavra indica,
tem por vocação circular entre os serviços e entre os agentes. Em geral,
é transmitida pelo prefeito ao diretor do serviço de estrangeiros, que
comunica em seguida ao chefe do Bureau implicado, a fim de que ele
extraia daí as diretrizes principais e que as transmita aos funcionários
subalternos. Essa forma de circulação hierárquica, do alto até a base,
deve, entretanto, ser nuançada pela margem objetiva de liberdade da
qual dispunham os agentes para interpretar as diferentes disposições
que podem estar contidas em uma circular.
Os usos administrativos da circular podem variar primeiramente segundo
a posição hierárquica do agente e o poder de decisão que lhe é investido:
desigualmente distribuído, esse poder também é desigualmente reivin-
dicado e mobilizado. Para Jacques, antigo funcionário de guichê que se
tornou chefe de sala, o sentimento de ser ilegítimo, ou insuficientemente
competente, para intervir pessoalmente na instrução dos dossiês, se
traduz por uma relação sacralizada com a circular:

– Você trabalhou com as circulares?

– Sim, claro. E eu tinha uma pilha inteira desses papéis. Porque eu lia
as circulares, não me contentava de lê-las e depois guardá-las... Era
preciso agir com base nas instruções. Nós não éramos nossos próprios
chefes, veja bem. Não se tratava de dizer a qualquer um que chegava
para nos ver “eu te dou um documento”. Não. Era preciso sempre se
apoiar sobre as instruções, as circulares... Eu creio que, tirando os altos
funcionários, os outros não têm nenhum poder. Isso é apenas para os
níveis elevados. Quando os acontecimentos nos obrigam a tomar uma
decisão, nós podemos ser punidos mais tarde quando nos acusam de
havermos agido sem estarmos referidos ao regulamento. Isso é o tipo
de coisa que eu não teria feito por mim mesmo. Ou então, teria sido
necessário que isso fosse verdadeiramente uma coisa excepcional;
nesse caso, eu me reportaria o mais rápido possível ao meu superior.
(Entrevista com Jacques, Montrichard, em 18/9/2000)
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
86

Todo o eventual poder de apreciação em relação à circular aparece aqui


neutralizado por um reflexo de delegação à autoridade hierárquica que
constitui, para o funcionário subalterno, uma proteção frente à comple-
xidade das situações a gerir. Para os agentes que são alocados nos guichês
ou encarregados de supervisionar sua atividade, a circular é utilizada
como um meio de limitar a incerteza gerada pela diversidade de situa­
ções a gerir e pela complexidade de determinados casos particulares.
Esse sentimento de delegação, formulado por um funcionário tornado
chefe de sala depois de ter permanecido quase vinte anos no guichê, pode
parecer em desacordo com a percepção dos usuários que frequentemente
superestimam o poder dos funcionários dos guichês que eles têm diante
de si.12 Ele corresponde, no entanto, a uma estratégia em geral obser-
vada nos escalões mais baixos da burocracia, consistindo em renunciar
a reivindicar a menor margem de manobra e a se comportar como uma
pessoa anônima e substituível. O formalismo da circular constitui então,
para o funcionário subalterno, um meio de se prevenir contra toda a
sanção ou pressão que emane da hierarquia interna e de se abrigar sis-
tematicamente atrás da regra erigida pela autoridade superior.
Por outro lado, nos níveis hierárquicos mais elevados, a circular não tem
de modo algum o mesmo estatuto nem as mesmas funções: os agentes se
baseiam nelas, mas reivindicam a existência de uma esfera de autonomia
no interior da qual eles podem tomar diferentes decisões:

– Você trabalhou com as circulares?.

– Nós éramos obrigados a tomá-las como referência, é claro, mas de


todo modo havia uma margem de manobra na medida em que nós
só tratamos de casos particulares: nem sempre nós podemos caber no
molde... Existe uma grande parte de apreciação pessoal, conforme se
seja uma madre Tereza ou um bicho-papão. Bom, existem os casos
humanitários, existem aqueles que vêm se juntar à família ou então que
têm necessidades de cuidados médicos. É evidente que aquele que vem
como turista e que em seguida diz “como Paris é linda” não é um caso
humanitário, então para ele a resposta é não. (Entrevista em Carine,
préfecture de police, em 10/10/2002)
A relação que os agentes desenvolvem com a circular decorre em parte do
estatuto que atribuem à escrita e então indiretamente da sua relação com
12
DUBOIS, V. La vie au guichet: relation administrative et traitement de la misere. Paris: Economica, 1999, p.
57 et seq.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
87

a cultura escolar.13 Como muitos de seus colegas, Carine saiu de um meio


operário, mas conseguiu seguir seus estudos até a licenciatura e ensinou
história e geografia durante quatro anos como professora auxiliar. Depois
de ter fracassado no exame de professora permanente ela foi recrutada
como assistente contratada da prefeitura de polícia e tornou-se em se-
guida responsável pelo Bureau de admissões. Tal trajetória lhe permite
desenvolver uma relação dessacralizada com a circular: para ela, a circular
representa uma referência que fixa as orientações e os princípios gerais,
mas que pode ser interpretada. A invocação do caráter geral da circular
permite ainda ao funcionário do quadro administrativo justificar sua
legitimidade em adaptá-la à situação local e a cada caso singular. Assim,
quanto mais alto se está na hierarquia, mais aumenta a consciência (ou
o sentimento de legitimidade) de estar à altura de exercer um poder de
interpretação das regras ditadas pela administração central.
A abundância de regulamentações que caracteriza o tratamento burocrá-
tico da imigração tende não a restringir o poder de decisão destes agen-
tes intermediários de estado, mas, ao contrário, aumentar sua margem
de manobra: eles podem ignorar certas disposições, ao enfocar outras de
forma seletiva,14 ou ainda atribuir importância central a um texto que é
apenas um entre outros. A interpretação da regra jurídica consiste assim
em mobilizar os critérios de decisões que variam sem cessar no curso do
tempo e da qual a definição é o objeto de constantes negociações entre
agentes intermediários e altos funcionários:

Para decidir sobre a concessão desta ou daquela carta, existiam vários


fatores a se levar em conta: era preciso verificar junto aos serviços ativos
que o demandante não se tratava de um delinquente; isso depende
também do interesse que podia despertar o estrangeiro. Existia mesmo
um elemento utilitário na apreciação... Na condição de funcionário,
nós estávamos investidos de uma missão de serviço público, de uma
missão de defender o estado e os interesses do estado. (Entrevista com
Bernard, Paris, em 16/10/2000)
Cada agente pode “investir” subjetivamente as categorias abstratas extraí-
das das regras direito e as reinterpretar segundo suas próprias convicções.
Para esse filho de politécnico, a referência a grandes princípios como a
“missão de defender os interesses do estado” constitui um meio de eno-
brecer uma condição profissional que apresentava todos os sinais de ser
13
Sobre as relações entre as classes populares e práticas escriturais, cf. LAHIRE, Bernard. Tableaux de familles.
Paris: Éditions du Seuil: Gallimard, 1995, p. 18 et seq.
14
Essa constatação vai ao encontro da tese desenvolvida por Micahel Lipsky em sua obra Street Level Bureaucracy
(New York: Russel Sage Fundation, 1980).
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
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relegada a um papel secundário. A trajetória de Bernard poderia, no


entanto, ter-se afastado dessa relação sacralizada com o estado: afastado
da função pública em outubro de 1940 porque era judeu, ele retornou à
prefeitura em 1945 e recuperou um cargo durante a Reconstrução, antes
de tornar-se o responsável pelo Bureau e por admissões em 1950. Tal
afeição à “defesa dos interesses de estado” pode então ser interpretada
como uma adesão a um princípio ao mesmo tempo vago e consensual
que, como todos os conceitos de geometria variável, deve a sua eficácia
simbólica ao fato de que cada um pode ajustá-la aos seus preconceitos e
às suas representações.15 Segundo as disposições do agente que a invoca,
ela pode designar tanto a preocupação de preservar a “ordem pública”,
quanto a necessidade de selecionar determinadas profissões ou ainda de
privilegiar certas nacionalidades, cada um desses critérios se inscrevendo
respectivamente em uma lógica da polícia, uma lógica da mão de obra
e uma lógica da população. Assim, a abundância de circulares estava
longe de significar um quadro mais restrito: para os funcionários do
quadro administrativo, ele garantia, ao contrário, uma margem maior de
interpretação e de iniciativa. Segundo as épocas e segundo o estado do
equilíbrio de forças no interior do campo administrativo, uma ou outra
dessas três lógicas podia então ser privilegiada no trabalho cotidiano de
instrução de dossiês individuais.
Outra dimensão do ethos prefeitural que partilhavam os agentes en-
carregados da imigração concerne à representação que eles faziam do
seu poder e do seu lugar nos aparelhos de estado. Para um agente da
prefeitura de nível subalterno, a missão de representar os interesses de
estado constitui o aspecto o mais valorizado de sua atividade administra-
tiva. Essa tensão entre uma grande modéstia de posição e o sentimento
de uma responsabilidade em relação à “defesa da ordem pública” é
específica do ethos prefeitural dos agentes encarregados da imigração.
Ela se encontra igualmente no discurso daqueles que são alocados ao
trabalho de instrução dos dossiês individuais de estrangeiros:

Meu chefe de Bureau acreditava que eu era incapaz de escrever, eu


havia sempre lhe dito que não gostava desse tipo de trabalho. Então
uma vez, ele me confiou um dossiê, e a partir do seu exame eu escre-
vi uma carta. Eu o vejo ainda descendo as escadas, a porta se abre, ele
vem até mim e me beija as faces (risos). Eu fiquei vermelho. Ele me disse
“mas sua carta é formidável”. Ele estava contente. Era um assunto de
nacionalidade, eu sempre adorei os contenciosos de nacionalidade. Des-
de o oitavo Bureau, eu me ocupava de ver se as pessoas eram francesas
15
BOURDIEU, P. Vous avez dit populaire? Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, n. 46, p. 98, 1983.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
89

ou estrangeiras, realmente eu amava isso. Eu havia provado por A +


B que o demandante era argelino. Então, depois disso, o que é que ele
fez? Ele copiou a carta e isso funcionou muito bem. Esse foi um renas-
cimento para mim, a redação dessa carta. É muito grande, você sabe, o
impacto que os chefes de Bureau têm sobre o pessoal. Quando existem
pessoas que sabem conduzir dessa maneira, é formidável. Isso não é
para todo mundo. (Entrevista com Christine, Stains, em 26/5/2000).
O interesse dessa antiga secretária administrativa pelo contencioso da
nacionalidade se explica em grande parte pelo objeto de disputa em
que se constituiu essa matéria jurídica complexa em um serviço encar-
regado de imigração. No caso do dossiê de um estrangeiro em processo
de repatriamento, a responsabilidade de decidir se pode ou não ser
considerado como francês torna-se, por consequência, decidir se pode
ou não ser expulso. Para os agentes limitados, a princípio, às tarefas de
execução, da impressão de possuir uma espécie de monopólio dos usos
administrativos do direito deriva o sentimento de ter um poder quase
ontológico sobre a vida das pessoas. Sentindo-se investido de um man-
dato para agir em nome da autoridade do estado, o agente da prefeitura
pode ser levado a tomar decisões suscetíveis de transformar a situação
administrativa de certos demandantes das cartas de sejour. O ethos pre-
feitural reside então nessa tensão entre o sentimento de não estar jamais
associado à elaboração da regulamentação e a certeza de dispor de um
poder demiúrgico sobre cada dossiê de estrangeiro.
A capacidade de invasão na vida das pessoas de que dispõem os agentes
das prefeituras não se reveste necessariamente de uma dimensão repres-
siva. No cotidiano, ela se manifesta igualmente pela atribuição de novos
estatutos e novos direitos, e essa dimensão pode se revelar preponderante
na definição do posto ou da função:

O mais interessante era realmente o problema humano. Não era o


dossiê, era uma vida humana, uma criatura humana. Eu mesma jamais
gostei da papelada abstrata. Havia um ser humano no fim de tudo
isso, com sua história, que esperava talvez por um emprego, por casar
com uma moça, por qualquer outra coisa. E era isso o que havia de
interessante. Todo o resto era supérfluo. Nós fazíamos assim mesmo
uma pesquisa bastante detalhada sobre as pessoas, sobretudo sobre a
forma de viver, sua residência, seus hábitos etc. E depois bastava ter um
pouco de bom-senso, não era necessário ser um jurista emérito nem
um filósofo. (Entrevista com Laurence, Paris, em 9/5/2000)
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
90

Os agentes encarregados da instrução de dossiês individuais de estran-


geiros podem desse modo se reapropriar das rotinas burocráticas de
forma mais frequente que em outros serviços, apresentando ao mesmo
tempo todas as características de procedimentos impessoais. Filha de
professoras, Laurence também começou sua carreira como professora, e
os significados que atribui à sua prática administrativa residem essencial-
mente no poder de decisão sobre a vida das pessoas. Ela apresenta sua
atividade no Bureau de naturalizações como um conjunto de decisões
tomadas em função do “crédito” que ela atribui ao relato do estrangei-
ro demandante. Uma tal concepção do seu ofício revela uma relação
“artesanal” com o direito, por oposição ao uso puramente técnico ou
teórico que dele fazem os juristas ou os altos funcionários.16 A substância
mesma do ethos prefeitural resiste nesta casuística do caso particular que
consiste em julgar os requerentes com base no seu estilo de vida, seus
hábitos e a tomar a partir desses elementos uma decisão administrativa,
independentemente de todo o formalismo jurídico. Para esses aplicadores
do direito, a norma jurídica só ganha sentido em relação aos problemas
práticos que ela permite resolver e em relação às decisões sui generis
que ela permite fundar em direito. O primado de um tal uso empírico
caminha, consequentemente, ao lado de um ensinamento “artesanal” e
não formalizado: não existe nenhuma formação específica, nem nenhum
estágio, para os agentes que acabam de ser alocados ao serviço encarre-
gado de imigração. O conhecimento dos regulamentos se adquire pela
prática, sobre a pilha de papéis: depois de ter sido familiarizado com as
principais regras de instrução de dossiês, o funcionário recém-chegado é
colocado sob a responsabilidade dos colegas veteranos que lhe ensinam,
durante um curto período de socialização administrativa, as técnicas e
os procedimentos em vigor no Bureau. Mais do que um conhecimento
teórico do direito, é, sobretudo, um certo uso pragmático dos regula-
mentos que lhe é transmitido assim.
O ethos prefeitural pode enfim ser analisado por meio da relação específica
que os agentes desenvolvem com a instituição, tal como aparece através
do conteúdo dos seus dossiês individuais de carreira. Encontramos aí
julgamentos e avaliações que a autoridade hierárquica formula sobre
cada um deles quanto ao seu devotamento à instituição. A avaliação do
devotamento é medida de início a partir da quantidade e da qualidade
do trabalho realizado. Um primeiro conjunto de avaliações agrupa ex-
pressões comuns a outras administrações e valoriza os princípios de uma
moral de trabalho segundo a qual nada se deve poupar na realização
da tarefa: “trabalho assíduo”, “trabalhador incansável”, “consciencioso
16
WEBER, M. Sociologie du droit. Paris: PUF, 1986, p. 144.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
91

em seu trabalho” são as expressões que aparecem mais frequentemente.


A esta temática do devotamento se agrega um imperativo de lealdade
mais específico à prefeitura de polícia que se enquadra em um registro
quase militar: “coragem excepcional”, a “energia sem falha”, ou ainda
“sabe demonstrar autoridade” são algumas dessas avaliações destinadas a
descrever as qualidades dos agentes mais valorosos. Um tal campo lexical
não é surpreendente no seio de uma instituição policial. As referências
ao universo militar parecem ainda mais “naturais” no seio da prefeitura
de polícia, uma vez que a maioria dos seus agentes foi recrutada entre
antigos funcionários do ministério da defesa. Eles se encontram profun-
damente marcados, não apenas no vocabulário e nas representações,
mas também nos comportamentos e nas relações que estabelecem com
a hierarquia. As avaliações contidas nos dossiês de carreira dos agentes
deixam assim transparentes as formas que pode tomar a exigência de
lealdade em relação à instituição em um universo tão marcado por valo-
res militares. O ethos prefeitural revela então um princípio de submissão
à autoridade hierárquica, atestada por um controle burocrático que se
exerce ao longo de toda a carreira profissional.
A exigência de lealdade em relação à instituição supõe igualmente uma
certa atitude para lidar com a regra e adaptá-la aos interesses da pre-
feitura. Em um serviço encarregado de imigração, essa possibilidade
de tomar uma certa distância em relação à norma jurídica é tão mais
frequente quanto menos a atividade dos agentes é objeto de algum tipo
de controle da parte de uma instância exterior. Até o fim dos anos 1970,
o juiz administrativo não intervém senão de forma excepcional, uma vez
que os textos são redigidos de tal maneira que a administração dispõe de
larga margem de poder de avaliação e, sobretudo, porque os estrangeiros
não dispõem de recursos suficientes para estabelecer um contencioso.17 A
intervenção dos profissionais de direito não é, no entanto, excluída, em
particular no caso da colocação em prática de medidas de repatriamento
que implicam, em princípio, certas garantias para o estrangeiro e que
podem ser efetuadas sob o olhar de um advogado:

Nós tínhamos as fotocópias das condenações, e desde que um estrangei-


ro saía da prisão, ele era conduzido sob escolta ao oitavo Bureau. Isso
não era exatamente legal, pois quando o estrangeiro acaba de cumprir
sua pena, nós não temos realmente direito de retê-lo. Então os advo-
gados protestavam bastante contra esse procedimento. É por isso que
o oitavo Bureau é difícil, porque nós temos que lidar com advogados
17
LOCHAK, D. Les étrangers face au pouvoir discrétionnaire de l’administration. Communication au colloque de
l’IFSA, Le pouvoir discrétionnaire et le juge administratif, Paris, 5 mars 1977.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
92
e frequentemente com advogados especializados que conhecem muito
bem os pequenos truques do procedimento. (Entrevista com Martin,
musée de la préfecture de police, em 3/4/2000)
Filho de um ferroviário, Martin começou sua carreira como um simples
agente da prefeitura de l`Aube, antes de passar em agosto de 1945 num
concurso de administrador da cidade de Paris. E foi, a princípio, alocado
no Bureau de repatriamentos, do qual assumiu a direção entre 1955 e
1963. Para ele, o imperativo da eficácia burocrática supõe poder agir
com toda a independência em relação ao direito e aos profissionais que
vivem dele, os advogados. A capacidade legal de interpretar a regra de
direito se transforma aqui em um puro e simples poder de transgres-
são da lei: para assegurar maior efetividade das medidas de expulsão
e de recusa de vistos, os agentes da prefeitura retinham, de forma
completamente ilegal, o estrangeiro em processo de repatriamento até
que ele fosse conduzido sob escolta à fronteira. Na forma como Martin
se apresenta, a confrontação com os advogados é sempre apresentada
como um obstáculo à realização de suas obrigações, na medida em que
a intervenção de profissionais do direito perturba o sigilo administrativo
que habitualmente se impõe sobre a relação entre agentes da prefeitura
e estrangeiros. A prática, ilegal na época, de prisão administrativa de
estrangeiros em processo de repatriamento foi muito utilizada nos anos
1960, em relação aos imigrantes de nacionalidade argelina, até que ex-
plodiu o escândalo da “prisão d’Arenc” em abril de 197518 e que esse tipo
de prática tenha se tornado finalmente objeto, alguns anos mais tarde,
de um controle mais sistemático da autoridade judiciária.
Em resumo, o ethos prefeitural dos agentes encarregados de imigração
aparece como um conjunto de disposições, colocando em jogo qualidades
aparentemente contraditórias: uso pragmático da circular de tal modo
que não impede a preservação das margens de avaliação; modéstia de
posição que se combina perfeitamente com o sentimento de ter um
poder decisivo sobre o destino administrativo dos estrangeiros; e enfim
exigência de lealdade em relação à instituição prefeitural, que é acom-
panhada da aplicação de uma distância frente à norma jurídica. Nessa
perspectiva, o ethos prefeitural deve ser compreendido não como um
sistema unitário de disposições homogêneas, mas como um conjunto
de princípios genéricos graças aos quais os agentes adaptam o direito às
18
Em abril de 1975, a existência de um hangar situado no interior do porto de Marselha foi revelado ao grande
público graças a um processo judicial engajado pelo Sindicato dos Advogados da França contra o sequestro
de imigrante marroquino. Como resultado de uma campanha midiática e política exigindo o fechamento
desta “prisão clandestina”, o ministério do Interior dará a posteriori uma base legal a esta prática de retenção.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
93

necessidades da prática e conseguem tornar coerentes injunções apa-


rentemente contraditórias.

As modalidades de incorporação do ethos prefeitural


Resta-nos ainda perguntar como o ethos prefeitural que partilham os
agentes encarregados de imigração é transmitido e se perpetua através
do tempo. A aquisição deste ethos repousa a princípio sobre um processo
de interiorização da divisão do trabalho prefeitural de que os agentes se
apropriam, e não por uma inculcação qualquer, mas por uma socializa-
ção difusa. Em um universo burocrático no qual a mobilidade é fraca,
cada funcionário tem a tendência de se identificar com seu cargo e com
seu local de trabalho, reforçando assim a divisão simbólica das tarefas.
Christine por exemplo conta nos seguintes termos o que representou
para ela o anúncio de sua mudança para o serviço de admissões, depois
ter estado encarregada durante 13 anos do serviço de repatriamento
de argelinos:

Depois eu passei a me ocupar apenas com os processos de admissão.


Então para mim isso era esquisito, eu que não fazia senão expulsar
os argelinos. As reconduções eram uma fonte de contenciosos com
os advogados, com os juízes, a gente tem a impressão de ser útil. Era
necessário realmente fazer malabarismos algumas vezes. Ao passo que
as admissões não eram nada divertido... Nosso chefe me anunciou isso
uma sexta-feira à noite. Eu chorava como um chafariz por ter de ir para
a admissão. Eu não desejava confessar isso (risos). Não, eu não tinha
vontade de mudar, eu tinha me tornado apegada ao já conhecido...
Não, eu não tinha vontade de mudar de posto, eu não tinha vontade
de estar na admissão. E depois eu refleti e no dia seguinte aceitei. Meu
chefe de Bureau ficou contente porque ele havia se sentido muito
mal de me ver chorar, ele me disse depois. (Entrevista com Christine,
Stains, em 26/5/2000).
A expressão “fazer corpo” com seu cargo toma aqui todo o sentido: o
anúncio de mudança de alocação provoca uma desorganização na relação
que esta funcionária mantém com a sua missão no seio da instituição. Em
um serviço encarregado de imigração, a identificação com um Bureau
encontra seu lugar no seio da oposição entre admissão e repatriamento
que estrutura a divisão horizontal do trabalho prefeitural: depois de ter
adquirido o conjunto das qualidades necessárias para a atividade de
repatriamento, Christine fica arrasada com a ideia de ter de admitir os
estrangeiros. Além de ter incorporado certas normas do trabalho, ela
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
94

sobretudo adquiriu a convicção de ter se tornado “útil” ao seu posto, a


ponto de não poder mais imaginar a mudança. Seu apego à missão de
repatriar os estrangeiros resulta de um longo processo de adequação
entre suas próprias disposições e as qualidades associadas à função que
ela ocupou. Essa forma de apropriação da divisão do trabalho prefeitural
constitui um componente fundamental da identidade profissional dos
agentes da prefeitura e revela ser um primeiro modo de incorporação
do ethos que lhe corresponde.
No mesmo sentido, a organização das carreiras é um recurso importante
utilizado pela hierarquia para suscitar a adesão dos agentes à instituição
e para obter melhor interiorização do ethos prefeitural. Não se confor-
mar com isso pode então significar receber a atribuição de uma “tarefa
ingrata” e se encontrar privado de toda perspectiva de mudança. Assim,
depois de ter trabalhado mais de vinte anos à frente de um Bureau de
cartas de sejour, Gisèle pede para ser alocada em um outro serviço:

Mas sim, em uma ocasião, eu pedi para mudar de serviço. Porque eu


já estava cheia, tinha muito trabalho e não aguentava mais. Eu queria
qualquer outro serviço, desde que ele fosse menos sobrecarregado. No
serviço de estrangeiros, havia uma enorme quantidade de trabalho,
trabalho demais. Algumas vezes, eu tinha a impressão de puxar um
caminhão de não sei quantas toneladas... Me acontecia de ter uma fila
até o corredor... Eu queria mudar para ter alguma coisa menos sofrida
em matéria de carga de trabalho. (Entrevista com Gisèle, Paris, em
18/3/2000)
Suspeita de ser uma funcionária demasiadamente autônoma e de ter
um conhecimento da regulamentação melhor que o dos seus superiores
hierárquicos, ela jamais obteve essa mudança e acabou por se manter
em seu posto até a aposentadoria, em 1979. Os usos para a autoridade
hierárquica da repartição entre “tarefas nobres” e “tarefas ingratas”
afetam igualmente a repartição dos funcionários subalternos entre os
diferentes postos. Os menos dóceis podem ser alocados aos guichês mais
“expostos”, isto é, lá onde se efetua o acolhimento, onde o número de
atendimentos alcança o máximo. Em contrapartida, os agentes que res-
pondem melhor às expectativas da instituição são alocados nos guichês
mais “abrigados”, isto é, os que são menos submetidos ao fluxo contínuo
ou das chegadas de imigrantes.
O estudo de um serviço prefeitural de imigração permite apreender a
dimensão prática da atividade dos agentes estatais envolvidos no controle
da presença dos estrangeiros sobre o território. Chefes de Bureau, chefes
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008
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de sala e redatores são permanentemente levados a reformular as regras


do direito, as circulares e as normas administrativas, segundo sua traje-
tória, sua posição hierárquica e sua alocação a um Bureau encarregado
de admissão ou encarregado de repatriamento. Esboça-se assim uma
divisão vertical e horizontal do trabalho que caminha lado a lado com a
constituição de um ethos prefeitural que funciona segundo um sistema
de pares de oposições: uma relação pragmática com a circular que não
exclui as margens de interpretação, a consciência de ser excluído do
processo de decisão que não impede de ter o sentimento de exercer um
poder sobre a vida das pessoas, e a lealdade a toda prova à instituição
prefeitural, que é acompanhada algumas vezes de certas liberdades to-
madas em relação ao direito. Essas antinomias da razão prefeitural dão
lugar a um conjunto de práticas que não se reduzem a uma aplicação
neutra e uniforme dos textos. Examinar o modo como essas práticas se
desenvolvem ao abrigo de todo o debate público é enxergar a influência
determinante que elas podem exercer sobre as condições de sejour de
estrangeiros em uma sociedade de acolhimento.

Abstract
From the analysis of the role of the prefecture de police agents, this article
examines the elaboration and the application of a public policy whose
targets have been the immigrants that entered France between 1945 and
1980. Thus, it represents a break up with the public policy approaches
that exclusively privilege the action of actors that interfere in the process
of law production, in favor of the exam of the way the representations and
practices of the agents in charge of immigration in the prefecturs de police
were structured, and the way the prefecturs de police shape the interpretation
of a complex compilation of laws and administrative rules, in the definition
of the treatment given to immigrants.
Keywords: immigration policy; state anthropology; juridical sociology.

Referências
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Sociales, Paris, n. 46, p. 98, 1983.
DUBOIS, V. La vie au guichet: relation administrative et traitement de la
misere. Paris: Economica, 1999.
FOUCAULT, M. Il faut défendre la société. Paris: Éditions du Seuil:
Gallimard, 1997.
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LAHIRE, Bernard. Tableaux de familles. Paris: Éditions du Seuil:


Gallimard, 1995.
LIPSKY, M. Street-level bureaucracy: dilemnas in the Individual in Public
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LOCHAK, D. Les étrangers face au pouvoir discrétionnaire de l’administration.
Communication au colloque de l’IFSA, Le pouvoir discrétionnaire et le
juge administratif, Paris, 5 mars 1977.
ROSENBERG, C. Une police de simple observation?: le service actif des
étrangers à Paris dans l’entre-deux-guerres. Genèses, Paris, 2004.
SCHWEITZER, S. Les femmes ont toujours travaillé: une histoire du travail
des femmes aux XIXe et XX e siècles. Paris: Odile Jacob, 2002.
SPIRE, Aléxis. Etrangers à la carte: l’administration de l’immigration en
France (1945-1975). Paris: Grasset, 2005.
WEBER, M. L’éthique protestante et l’esprit du capitalisme. Paris: Flammarion,
2000.
. Sociologie du droit. Paris: PUF, 1986.

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 75-96, 2. sem. 2008


ARTIGOS
Colette Pétonnet*

Observação flutuante:
o exemplo de um cemitério parisiense**

A cidade, como lugar de todas as misturas, convém


ser estudada em seus diversos meios. Entretanto, as
variadas realidades urbanas, do mobiliário aos lu-
gares públicos, resistem à investigação. O fenômeno
urbano do encontro, em especial, não ofereceu os seus
segredos. Caiba talvez ao etnólogo surpreendê-los. O
método da “observação flutuante” consiste em perma-
necer disponível, em não mobilizar a atenção sobre
um objeto preciso. Colocado à prova no cemitério do
Père-Lachaise, ele nos permitiu descobrir, em alguns
dias, um uso insuspeitado do cemitério parisiense e a
existência de verdadeiros profissionais da lembrança.
Mas estes só oferecem o seu saber ao acaso do encontro.
Palavras-chave: antropologia urbana; método etno-
gráfico; observação flutuante; observação direta.

*
Antropóloga, fundadora e
membro do LAU (Labo-
ratoire d’Anthropologie
Urbaine), CNRS, até 1995,
quando se aposentou.
**
“L’observation flottante
– l’exemple d’un cimetière
parisien”, publicado em
L’Homme, oct.-déc. 1982,
XXII (4), p. 37-47. Tra-
dução de Soraya Silveira
Simões e revisão de Evelina
Maria Cunha Carneiro da
Silva (ver comentários da
tradutora sobre a autora
na sessão resenha deste
número de Antropolítica).
100

A etnologia urbana está ainda por ser feita. Tentar teorizá-la será en-
tão prematuro, e é preciso, ao contrário, aceitar o desconforto de suas
hesitações. Entretanto, ela existe já há muito tempo para que suas ten-
tativas autorizem algumas reflexões teóricas. O conceito que se impôs
revela-se, aliás, insatisfatório naquilo que sugere uma dicotomia rígida
no interior de uma mesma sociedade. O fenômeno dos supermercados
implantados na periferia das cidades que atraem numerosos compra-
dores citadinos ou camponeses é um fenômeno urbano ou pertence ao
mundo industrial? Convém isolar os fenômenos urbanos? Melhor seria
falar da etnologia do mundo moderno. O poder revelador das outras
sociedades tende a lançar sobre a nossa um olhar diferente daquele da
racionalidade. Mas isto não resolve as dificuldades metodológicas, e os
problemas epistemológicos não param de ser debatidos pelos estudiosos
envolvidos com a pesquisa. Se o conceito, redutor, de etnologia urbana se
impõe com sucesso, é talvez precisamente porque ele reduz às dimensões
urbanas uma realidade muito mais vasta. Eis por que não há perigo em
aceitá-lo provisoriamente.
A cidade é conhecida desde suas origens por conter, ou deter, a au-
toridade – civil, militar, religiosa –, o comércio e a indústria, e por se
alimentar dos campos. Ela é desde sempre o lugar de todas as misturas,
do movimento incessante, da circulação incontrolável dos homens e das
coisas, da pluralidade, em suma. Como abordá-la? É provavelmente
tão falacioso encará-la como uma unidade social quanto acreditar que
um bairro é uma parte separada do todo. As cidades estão em relação
umas com as outras, e quem estuda o comércio se verá imediatamente
projetado fora das fronteiras nacionais.
Estudar diversos meios – profissionais, religiosos, estrangeiros... – é cer-
tamente uma das maneiras mais seguras de não se arriscar, quer dizer,
de permanecer fiel ao processo etnológico. Penetremos em uma dessas
empresas familiares do faubourg Saint-Antoine cujo letreiro anuncia: “Ir-
mãos Fulanos, sucessores de seus pais e avós”, e nós teremos o prazer
de explorar as redes de parentesco da aliança, os circuitos econômicos,
a tecnologia, sua evolução e sua transmissão, e de observar as práticas
advindas da ideologia, da religião ou da festa; ou seja, nós chegaremos
a um fenômeno social total. E se preferirmos começar uma enquete pelo
conhecimento íntimo do templo que reúne pessoas diversas, o resultado
obtido será similar.
Este método deve então ser assegurado, pois ele contribui eficientemente
para a compreensão de nossa sociedade. Entretanto, nesse tipo de en-
quete, o urbano é apenas uma interferência, ele toma a forma de trajetos
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 99-111, 2. sem. 2008
101

preferenciais, de territórios: tal bairro, tal igreja, tal mercado ou clube


representa um aspecto da cidade. Trata-se de estudos na cidade através
dos quais ela pode aparecer apenas como um contraponto ou anedoti-
camente. É verdade que no estudo dos Laocianos de Melun1 a cidade
não apareça em primeiro plano. Mas, supondo que, para uma dada
cidade, todos os meios sejam estudados, o crivo deixaria passar uma
quantidade de objetos urbanos, do mobiliário2 aos transportes coletivos
e aos lugares públicos ou, em outros termos, lugares frequentados por
indivíduos geralmente desconhecidos uns dos outros.
Uma infinidade de desconhecidos não suscita tradicionalmente o inte-
resse do etnólogo. Ou, lugares de passagem sem destinação particular,
os espaços públicos desprovidos de obrigações são com toda a certeza um
fenômeno urbano. Aqui se situa um dilema que o pesquisador deverá
enfrentar sem guia e sem modelo. Pesquisar a coerência dos laços entre
os seres esvaziaria efetivamente o fenômeno propriamente urbano do
encontro: não um encontro esperado em um círculo de interconheci-
mento, nem tampouco aquele de um rosto “conhecido de vista” surgido
ao acaso de um cruzamento, mas o encontro nu, entre pessoas privadas
de qualquer outro contexto senão aquele de suas roupas, e que consiste
em dirigir a palavra a alguém de quem não sabemos nem de onde vem,
nem o que faz, alguém de quem de nada sabemos. Estaria esvaziada ao
mesmo tempo a dimensão do anonimato, como se ela fosse negativa ou
nociva. Ora, é preciso levá-la em conta. Na cidade, “a gente vê gente”,
“tem muita gente”. É isto que apreciam os camponeses que vão à cidade
ou que lá passam a viver. O que dizem os imigrantes portugueses? “Al-
guns fazem besteiras aqui porque ninguém os está olhando, enquanto
que na cidadezinha...”
O espaço urbano pertence a todo mundo. Andar pela rua sem cumpri-
mentar ninguém, atravessar incógnito a multidão, tais são os direitos
dos citadinos. Que necessidade têm alguns de serem – ou de se dizerem
– nostálgicos das tagarelices da cidade pequena? A cidade é a liberdade.
Se a multidão foi estudada como uma unidade psicológica, se a sintaxe
oscila entre uma totalidade considerada coletivamente e uma pluralidade
considerada individualmente,3 os encontros entre simples passantes não
mostraram os segredos de seus ritos. E talvez caiba ao etnólogo a tarefa
de surpreendê-los.
1
Tese de doutorado em curso [na época da publicação do artigo] de Catherine Baix. (N. do T.)
2
A evolução da forma e da disposição dos bancos públicos deveria especialmente ser objeto de um estudo
etnográfico, pois participam da história das mentalidades.
3
“Uma multidão de visitantes veio – uma multidão de pessoas pensa que...” (definição do dicionário Robert).
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As linhas que vão seguir propõem um ensaio em seus primórdios, em um


estado inacabado e compreensível, já que os materiais foram recolhidos
no curso de um breve período do mês de março de 1982. O método
utilizado é aquele que nós qualificamos de “observação flutuante” e ao
qual nos dedicamos há algum tempo, ao longo dos trajetos parisienses
impostos pelas atividades cotidianas ou pela necessidade de movimento
que o sedentário experimenta. Ele consiste em permanecer vago e dis-
ponível em toda a circunstância, em não mobilizar a atenção sobre um
objeto preciso, mas em deixá-la “flutuar” de modo que as informações o
penetrem sem filtro, sem a priori, até o momento em que pontos de refe-
rência, de convergências, apareçam e nós chegamos, então, a descobrir
as regras subjacentes. Não é preciso dizer que para obter de si mesmo
esta disponibilidade de atenção é necessário se preservar da influência
de pensadores contemporâneos, tal como J. Baudrillard, que denuncia
os “citadinos separados e indiferentes”, a “cidade-gueto”, a “dessociali-
zação”, a “socialidade urbana abstrata”.4 (Como uma socialidade pode
ser abstrata?)
O etnólogo trabalha, como de hábito, em um tempo e espaço precisos.
Há lugares de tal forma estudados que não pensamos que eles possam
revelar outra coisa além do que já foi escrito.
***
Os cemitérios não têm nada de especificamente urbano, toda comunidade
possui o seu, e eles foram, segundo Émile Poulat,5 muito mais estudados
que os ritos funerários porque estão na junção da epigrafia e da semiótica.
O cemitério do Père-Lachaise apresenta a particularidade de abrigar um
grande número de personagens célebres e é regularmente visitado pelos
turistas. Por todas estas razões ele não integraria nossas preocupações.
Em meados de fevereiro, uma primeira visita teve por finalidade sim-
plesmente verificar a informação de uma estudante relativa à devoção
popular da qual a tumba de um famoso espírita, Allan Kardec, era objeto.
O pesquisador tomou a precaução de não se munir de um mapa a fim
de ter que perguntar seu caminho. A verificação foi feita rapidamente:
a primeira pessoa encontrada tinha indicado o local da sepultura, de
fato muito florida e cercada de pessoas em meditação. Mas era tarde e
a iminência de fechamento6 impediu de observar outra coisa. Todavia,
não longe da entrada, um senhor guiava três mulheres, cada uma apa-
4
J. BAUDRILLARD, L’Échange symbolique et la mort, Paris, Gallimard, 1976.
5
Entrevista com o autor.
6
17h30, no inverno.
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103

rentando uns 50 anos, por entre as sepulturas. Elas se inclinavam sobre


uma inscrição, ele dava explicações. Ele indicava com o braço uma estela
bordada de flores frescas em que estava gravado: À FRED. CHOPIN.
“Eis aí Chopin”, disse ele sobriamente. “Ah, sim! Veja só! Alfred Chopin!”,
fez uma das mulheres, e a outra acrescenta para nosso conhecimento:
“Ele é do bairro, ele conhece tudo, ele passa aqui toda a tarde, é o seu
jardim”. Então, era preciso atravessar a porta. Mas a decisão de voltar
para flanar havia sido tomada.
Quem entra no Père-Lachaise é arrebatado pela beleza do velho parque,
habitado por árvores e pássaros, que desposa a colina de Charonne desde
1804, quando foi aberto às sepulturas. O ar ali é vivo, menos poluído
que sobre o boulevard.
Aos pés da capela, à meia altura, se estende um gramado cercado por
bancos, todos ocupados por velhos que conversam, jovens que leem,
mulheres grávidas que tricotam. Em volta da rotunda de Casimir Périer,
de onde as aleias partem em estrela, os bancos também estão tomados.
Uma simples olhadela é suficiente para ver que esse cemitério serve de
jardim público, embora não encontremos vendedores de balões ou gu-
loseimas nem crianças brincando sozinhas. É um espaço não associado
ao consumo – salvo ao de flores, que lhe é específico –, um espaço em
que tudo é marcado e datado mas onde se misturam sincronia e diacro-
nia. Não apenas uma tumba nova ganha um lugar perto de uma estela
invadida por heras, mas um novo defunto entra em uma tumba antiga.
Os anos 1842 e 1979 estão gravados lado a lado. O tempo, aqui, tem
um estranho perfume.
O pesquisador caminhou um bom tempo, em uma tarde ensolarada,
descobrindo Balzac ou Géricault ao sabor das alamedas que se chamam
aqui “avenidas” ou “caminhos”. Ele meditou sobre a arquitetura fune-
rária, decifrou os epitáfios, leu os símbolos maçônicos, entre outros,
apreciou as esculturas, se deixando levar pelo charme do cemitério. Ele
marcou o tempo de parar diante da estátua de Victor Noir assassinado,
muito realista, em bronze e polido pelos toques sobre a face, o nariz, os
lábios e, à direita do sexo, onde o escultor tratou de representar a leve
intumescência. Ele se lembrou que o busto de Allan Kardec era de um
amarelo brilhante.
Depois, ele desceu até a entrada. No mesmo lugar do outro dia, um velho
homem conversa com os marmoristas, e os coveiros o cumprimentam
ao passar. Sobre seus conselhos, duas mulheres sobem a aleia e nos con-
vidam a “ir ver uma artista enterrada na véspera”. As flores suntuosas
juncam quatro metros quadrados. As mulheres se inclinam, admiram,
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 99-111, 2. sem. 2008
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leem as cartas dos floristas e as fitas de luto. Sobre uma delas: “Teatro
Marie Bell”. Estimando o número, a qualidade e o preço das flores, elas
supõem a idade da morta (“ela era jovem”), seus gostos (“ela gostava do
azul, a coitadinha, olhe só essas almofadas”) e a afeição que a cercava. A
alguns passos dali, em outra cova, elas se dedicam à mesma estimativa,
do preço das flores à consideração familiar e social. Sobre uma placa
provisória um nome caligrafado em anglaises: Walter. “É um W ou um
V?”, pergunta a mulher com capa, a mais volúvel das duas.
Depois, como estamos perto da saída e já é quase a hora do fechamento,
elas propõem mostrar algumas sepulturas célebres mais próximas: Carita,
em seguida Colette, cuja lápide de granito traz apenas este nome. “Olhe
atrás”, elas exigem, “há sua carteira de identidade”. “Eu não a conhecia
antes, a Colette”, diz a mulher com a capa, “mas eu fui ver sua peça, no
sábado, com Michele Morgan”. “Que peça?” “Ben! Querida, em cartaz
no Variétés, que fica no boulevard. É bem encenada.” É preciso também
ver a placa nua de Pierre Brasseur. “Era ele que não queria flores, mas
seu filho podia assim mesmo colocar um vaso. Nesse ponto, isso não se
faz.” Uma mão anônima plantou na areia da aleia, contra a placa, um
pequeno buquê de violetas de plástico. Na frente de uma tumba chine-
sa, negra, em forma de pagode, gravada de letras de ouro perpassadas
por dragões, um velho senhor surge, admirado: “Isso custa muito caro,
porque deve ser gravado à mão. Para as letras francesas, há os modelos,
as máquinas, mas para essas é preciso encontrar os artesãos.” Ele repete:
“é feito à mão”, como se estivesse reconhecendo as exigências chinesas
de perpetuar a existência dos artesãos.
Uma das mulheres pega o ônibus para o XVIIéme arrondissement. A outra
desce a pé a rue de la Roquette e, caminhando, me confia: “Eu não tenho
muita instrução. Desde que eu me aposentei, eu vou quase todos os dias
ao Père-Lachaise quando o tempo está bom. É um parque bonito, e os
mortos não são chatos. É uma loucura o que eu aprendo ali. É ali que
eu me instruo”.
Assim, o cemitério é um parque em que se pode descobrir as sepulturas
daqueles que ignorávamos, medir o fervor e a notoriedade, ler a vida
dos Grandes como em uma revista, e que torna o encontro fácil, cada
um tendo a sua vez de transmitir ou perguntar algo.
3 de março – O tempo frio e coberto encurta uma nova exploração soli-
tária. O velho senhor, bem-agasalhado, está sentado sobre um banco no
lugar habitual. Ele tem 87 anos e vai ao cemitério religiosamente, faça
chuva ou faça sol. Ele é inesgotável e recita o cemitério, “seus 44 hectares,
suas 12 mil árvores e seus duzentos gatos (para se ocupar dos gatos há
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 99-111, 2. sem. 2008
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senhoras), os 25 mil compartimentos do columbário (o crematório não


se visita, mas se você der uma nota aos coveiros...). Custa mais caro ser
enterrado à margem da alameda que atrás”. Podemos evidentemente
nos perguntar sobre sua relação com a morte. Mas isto não é nosso pro-
pósito. Ele é parisiense? “E como!” Ele nasceu na rue de Clignancourt. A
mulher de capa chega do alto. Ela maldiz os guardas e conta os disse me
disse que circulam sobre os espíritos. Começa a chover mas ela se senta
sobre o banco, e todos dois ficam conversando sob seus guarda-chuvas,
que se tocam.
É ele o verdadeiro guardião, sempre ali, sabendo tudo e velando o lugar
sagrado.
8 de março – Um pequeno grupo se formou em volta de duas mulhe-
res que colocam comida nas vasilhas que elas dissimulam nas covas
abandonadas e nas cavidades das árvores. Um visitante lhes assinala
um cachorro errante. Elas vituperam contra aqueles que derrubam
propositadamente as vasilhas e explicam seu papel: evitam que os gatos
se contaminem, levam antibióticos, tem por vezes o socorro de um ve-
terinário (precisam, então, capturar os bichos doentes). Ninguém lhes
dá subsídios. Elas são consentidas. Uma senhora se detém e pergunta
por Chopin. Uma outra nos arrasta em seu passeio: depois da rotunda
uma escada desemboca sobre um caminho circular rodeado de bosques,
entre dois níveis de sepulturas. “É terra, a gente pode se pensar num
verdadeiro parque, vendo a primavera chegar.” O caminho estende-se
ao longo de mausoléus barrocos, mulheres de pedra desoladas. Madame
M. lê seus nomes, comenta o túmulo da baronesa Strogonoff e conta sua
vida enquanto caminha. Ela era dançarina, um mal a abateu há trinta
anos, arruinando a sua musculatura e lhe deixando com problemas de
equilíbrio: “Eu engano, este guarda-chuvas é uma bengala, sem ele eu
cairia.” A linha do seu discurso, entrecortado por episódios de sua vida
e de reflexões sobre as tumbas, é impossível reconstituir. Mas chegando
no “canto dos Marechais”, ela diz: “Ah! Há com o que se instruir aqui,
você sabe! Podemos revisar a história!”, e ela conta uma segunda vez a
origem dos crepes Suzette assim batizados pelo Príncipe de Galles com o
nome de sua amante. Mas não se trata apenas de anedotas. Assim que
lê os nomes, ela busca incansavelmente reunir os casais, reencontrar as
alianças e as filiações. “A família deste aqui não se acabou, veja só: 1976.”
Em seguida, surgem dois gatos. Ela os chama, tira uma lata de sua bolsa,
lhes dá um pouco de alimento com a ajuda de um pequeno ramo que
catou, o que não a impede de continuar dando suas opiniões: “Eu não
sou a favor de Napoleão. Ele deixou a França debilitada, e todos esses
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 99-111, 2. sem. 2008
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presentes, princesa de Nápoles, rei de Roma, eu os desprezo!”. O passado


é estimado no presente.
Há também tumbas em que seus passos a conduzem com frequência: “Eu
o farei conhecer meus namorados, um casal que se amou por toda a vida,
é bonito, não é? Eu tenho também uma pequena, linda, tem uma foto.
Morrer aos 18 anos de uma bala perdida na Liberação não é aceitável,
então eu vou vê-la, eu a imagino e tenho a impressão de que isso é bom”.
Assim o povo vem se instruir – a palavra volta obstinadamente – neste livro
aberto do saber e do imaginário em que cada um pode se servir à sua ma-
neira, vibrar ao seu modo. Ninguém foge ao contato efêmero diante dos
túmulos cuja celebridade os tornou públicos. E todos se maravilham com
esta fidelidade fervorosa da qual participam: “Chopin sempre tem flores
frescas, eu tenho certeza, eu as toquei; é normal depois de tudo o que ele
nos deixou”. O que aqui está sendo abordado pertence às culturas popu-
lares, que se tornaram uma de nossas preocupações e das quais mostramos
anteriormente que não dissocia o afetivo do saber.
A visita seguinte destinou-se a investigar sobre esta “instrução pública”
difundida no Père-Lachaise. Um casal se detém diante do epitáfio de Desjar-
dins, atingido em Moskowa: “Que nós o honramos ainda/os vencedores
de tantas batalhas”. Ela: “Está marcado isso no teu livro sobre Napoleão?”
Ele: “Não creio. Será preciso que eu o reveja”.
O que mais podemos aprender além das guerras e do parentesco desses
personagens históricos? Podemos revisar seus departamentos7 (nascido em
Bard, Cote-d’Or); nos iniciarmos na filosofia: “Agir como se não houvesse no
mundo nada além de sua consciência e de Deus”, ou na língua antiga que,
em 1827, não colocava ainda o “t” na palavra enfans e dizia: “Aqui repousa
Dame Achille”; reler os poetas, alguns versos de Baudelaire gravados aqui
e acolá; progredir nas ciências e na literatura com os inventores e as obras
citadas, conhecer ainda mais as instituições, os títulos do defunto figurando
por extenso, e formar seu julgamento estético. As esculturas são numerosas,
e Madame M. diz: “Podemos saber, quando é mais ou menos a mesma data,
se trata-se do mesmo escultor, apenas olhando as faces das mulheres. Elas
se parecem porque o escultor representa sempre a mulher que ele ama,
mesmo não o fazendo voluntariamente”. Não há nada além da religião que
esteja, de modo paradoxal, simbolicamente representado pela cruz ou pela
estrela de David, com algumas injunções à prece. Os prelados parecem
raros. Podemos nos constituir, em suma, em boas figuras na sociedade ou
ganhar “jogos do milhão”. O Père-Lachaise é uma enciclopédia.
7
Unidade administrativa do território francês (N. do T.)
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107

Mas o pesquisador é perturbado por duas “mulheres dos gatos” já an-


teriormente encontradas. Ele se oferece para participar das despesas e
logo se vê encarregado das seguintes incumbências: “Você não colocará
nunca comida sobre os túmulos, há sempre pratos ou caixas escondidas
nas capelas. Traga o que você tiver, mesmo os restos de macarrão. Você
sempre me achará aqui por volta das três horas, embaixo de Colette
ou desta aqui, Ginette Neveu. A outra senhora fica lá em cima, perto
de Kardec. É preciso dividir bem o terreno, nós somos ao todo apenas
umas dez senhoras”.
Suas referências são estipuladas pelos túmulos que, por sua vez, nomeiam
os setores que elas traçaram. O nome dos caminhos não serve para nada.
Do cemitério elas têm um outro conhecimento: “Você já foi até os Ma-
rechais? Você viu os gays? Quando eles têm uma chave junto deles, quer
dizer que eles são livres. Tem muito verde lá em cima e grandes capelas,
todas quase inteiramente abandonadas... – Você sabe das coisas! – A gente
aprende desde quando começamos a vir aqui. Você também, você vai
ver! Se você pegar o vírus...”
Elas conhecem todos os gatos que vêm ao encontro, assoam as filhotes que
têm coriza, lhes dão uma pílula. Elas impedem a proliferação colocando
clorofórmio nos recém-nascidos, “quando podemos, pois as gatas des-
confiam”. São guardiãs do rebanho, em suma, a serviço da comunidade.
Nós saímos juntos, mas lhes falta ainda “alimentar os gatos da rue du Repos,
dos quais ninguém se ocupa”. Observações anteriormente memorizadas
passam, então, a convergir: sobre a praça de Aligre há um vendedor
de cereais que vende tudo o que é preciso para pássaros e gatos. Uma
pequena velha pergunta se o Gourmet está melhor que o Ron-Ron. Seu
gato está doente? “Ah, não! Ela não tem gato, mas domingo ela oferece
uma caixa àqueles da rue Beccaria. Era para mudar um pouco a comida.”
Passagem da Main-d’Or, domingo de manhã, uma mulher enche vasilhas
que depois dispõe sob os carros no estacionamento, com a ajuda de um
bastão que ela guarda, em seguida, na cavidade destinada a receber as
persianas de uma loja. Ela mora aqui? “Não, na rue d’Aligre. Domingo
passado alguém colocou merda nos dois lados do seu bastão para impedi-
la de alimentar os gatos da Main-d’Or.”
Assim a sociedade parisiense cuida de um rebanho de felinos semisselva-
gem cujas voluntárias guardiães se dividem em territórios, de preferência
longe de seus vizinhos imediatos, para darem conta desta atividade que
desperta surdos conflitos exprimidos de maneira não verbal em meio ao
anonimato urbano. Nova pista, nova pesquisa. Mas voltemos ao cemitério.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 99-111, 2. sem. 2008
108

16 de março – O tempo está bom mas o lazer de tomar notas não


vai durar muito. Atrás do monumento, em forma de lampadário, do
inventor da iluminação das cidades (Windsor), surge um pequeno
padre, bem-conservado para a sua idade avançada. “Ah! Há com o
que se instruir aqui, sobretudo!”, diz ele. “Você vê, ali, logo abaixo,
duas pequenas mulheres esculpidas e entre elas uma locomotiva? É
Seguin, o inventor da caldeira tubular. E ali, é o rei do açúcar. Você
conhece aquele que inventou o gás de iluminação? Vou levá-lo até lá.”
E durante três horas, ele agrimensará o cemitério em todos os senti-
dos, dirigindo-se a passos firmes, cortando através dos túmulos, sem
mesmo beneficiar-se de seus atalhos; ele é incansável, metralhando
com perguntas e respostas seu aluno do dia, o qual deixará esgotado,
a memória em destroços, incapaz de reter a localização, os nomes e as
histórias, subjugada pela personagem.
Por vezes ele faz suas perguntas em forma de adivinhas: “Você sabe o
nome do genro de George Sand? Quem era a mãe da mulher de Wag-
ner?” Ele para, distante de uma alameda: “Quem desenhava a cabeça de
Louis-Philippe em forma de pera?”, em seguida, voltando-se para um
túmulo: “É Daumier!”, ou então ele simplesmente se interroga: “Aquele
que fez as fortificações te diz alguma coisa? Você conhece o negro de
Alexandre Dumas?” E como responder à questão: “Você conhece Mo-
digliani?” Trata-se do pintor ou de sua sepultura? Ele prossegue: “Eu
vou mostrá-lo a você”, ou, se um personagem está por perto: “Vamos
passar por ali”, como costumamos passar na casa de alguém que esteja
vivo. Passamos, então, na casa dos Hugo, “mas Victor não está ali, ele
está no Pantheon”.
Ao final de um momento o pesquisador está cansado de confessar sua
ignorância, que já ressente desagradavelmente, mas tendo conseguido
uma pequena vingança graças a Proust e a Colette (você sabe seus ver-
dadeiros nomes?), ele se apercebe de que essas não são as boas regras
do jogo. O que o pequeno padre espera das gerações às quais ele quer
transmitir o seu conhecimento é justamente que ela não saiba. Algo
então se transforma, e o diálogo torna-se invariável: “Você sabe...?”
“Não”, digo eu. “Venha! Eu vou lhe contar no local.”
Como os mais velhos contam o mito da tribo seguindo uma espiral com
o dedo, ele espera contemplar a pedra tumular para contar o defunto.
Se começou, ele se interrompe, apressa o passo, e uma vez ali, imposta
uma voz de recitante. Proclama, assim, a vida e a obra, o verdadeiro
nome – se ele existe –, a filiação para os bastardos, as alianças e os amo-
res perdidos. A vida afetiva tem sempre a primazia, a não ser para os
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 99-111, 2. sem. 2008
109

inventores. Sobre Apollinaire ele pergunta: “Você sabia que ele devia
casar com Marie Laurencin? Mas foi Jacqueline quem o cuidou, então
ele enamorou-se dela. É humano.” E diante de Modigliani: “A mulher
com quem ele vivia, veja só, é a mesma data, ela se jogou pela janela
quando ele morreu”.
Por vezes um detalhe no túmulo incita a algum julgamento de ordem
afetiva: “Crozatier, você acredita que ele era marceneiro?” Por causa
dos móveis? “Ele era bronzista, o melhor.” E diante do mausoléu do
estatuário em cima de seu busto em bronze, ao lado daquele em pedra,
decapitado, de sua mulher, ele estima: “Ele poderia até ter feito um
bronze para sua mulher. Eu não acho bom de sua parte, um bronzista
com tal talento!” É preciso notar que um membro da família de Leon
Daudet está separado da cova: “Deve ter se passado alguma coisa, uma
disputa entre eles”.
Mas se, como as mulheres, ele dá vida às famílias e aos seres, mais do
que elas, ele se interessa pelas técnicas e pela história política, deixan-
do discretamente filtrar suas opiniões. “E Juliette Dodu? É preciso
conhecê-la, ela foi morta em 1970. Eu vou mostrá-la a você.” Seu périplo
se estende pelo Muro dos Federados, sempre florido de cravos, passa
diante da filha de Karl Marx. Lugares estão sendo reservados próximo
a Marcel Cachin: “É para não deixar os burgueses chegarem perto”. De
Victor Noir, ele confessa, pudico, que “dizem que as mulheres estéreis
deitam-se sobre ele”, mas, não as tendo visto, ele prefere contar sobre
o assassinato do jovem por Pierre Bonaparte.
Como ele constituiu o seu saber? Ele tem 80 anos. Desde os 16, vem
três vezes por semana. Anota os nomes em uma lista, depois efetua as
pesquisas em bibliotecas. “Na Pompidou tem muitos livros.” Antes ele
se contentava com as bibliotecas de bairro. “Somos cerca de uma dezena
de pessoas que sabem tudo do cemitério e nós nos passamos algumas
dicas.” Mas ele se lamenta pelas depredações sistemáticas – quebra de
cruzes e roubos de bronzes – das quais o Père-Lachaise tem sido alvo há
quatro anos. Do pequeno padre nós não sabemos nada, a não ser que
ele nasceu na rue Ordener mas, percebendo um frontão ornamentado
com instrumentos esculpidos, ele nota: “Com o paquímetro e tudo,
certamente um grande empreendedor!” E certamente ele é um velho
operário parisiense.
Diante das inscrições apagadas pelo uso, ele ensina o que foi gravado:
“São os pais de Fulano; é Mademoiselle Lenormand. – Como você
sabe? – Antes, a estela não estava quebrada”, ou ainda: “Há 16 anos
nós ainda podíamos ler”.
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Já são uma dezena a guardar o tesouro, depositários da memória coletiva,


verdadeiros profissionais da lembrança e da revivescência, submetendo
o cemitério aos seus interrogatórios, perpetuando a aliança entre vivos
e mortos. Evitemos pensar no griot,8 por medo do ridículo. Claro que
estamos em Paris e existem arquivos. Portanto, ali tocamos na ordem do
mito, com esse percurso iniciático, esta voz recitativa, um mito de origem
que oferece as sepulturas de tantos criadores, inventores, fundadores,
aos velhos parisienses; e a tradição oral das culturas populares, sempre
tão forte, depois de cem anos de certificado de estudos, mesmo quando
ela se pretende culta.
O pesquisador não tem, então, mais do que uma ideia: reencontrar o
pequeno padre. Mas em sua visita seguinte ele entra deprimido, furioso
consigo mesmo por ter transgredido suas próprias ordens: ele não se
deixou flutuar. Ele nada viu nem ouviu, perdido entre as tumbas, traído
por sua memória, indisponível porque ele procurava o pequeno padre,
que não apareceu. Todos os encontros no Père-Lachaise são de igual
valor. Se nós queremos compreender a que serve esse cemitério, não
devemos esperar por um informante privilegiado.
30 de março – Última lição. Está frio e úmido. Falta charme ao passeio,
nenhum encontro se produz. E subitamente, é ele, sua veste azul e seu
pequeno chapéu, que se dirige à saída. Alcançado, ele sorri: “O tempo
nos expulsa, mas já que estamos aqui, vou te mostrar Bichat. É uma
miséria! [uma humilde estela cercada de fusains], é tudo o que lhe fi-
zeram! Um tão grande doutor! Tenon também está aqui. Sua pedra é
no entanto melhor. Tem muitos judeus nesta parte antiga. Olha ali os
Rothschild e depois os Fould. Mas eu tenho algo mais interessante”. E
diante da velha estela de Kohen, “Cirurgião e Pedicure de Napoleão
I”, ele conclui: “Os Grognards, eles fizeram Paris-Moscou a pé sem que
ninguém se ocupasse deles, mas os outros, que iam a cavalo e de carroça,
estes tinham pedicures”.
Ao nos deixar na praça Léon-Blum, ele diz: “Até uma próxima vez”, mas
ele não marca um encontro, nem precisa os dias que costuma aparecer
ali. A lição foi entendida: o encontro deve continuar a ser obra do acaso, e
nossa pesquisa só seguirá com a condição de que seja jogado o verdadeiro
jogo da descoberta pessoal dos mortos. Então ele e os outros oferecerão
o que de bom lhes parecer ao grado do lugar ou de seus desejos.
Epílogo: para terminar, o pesquisador machucou gravemente a mão
direita e terminou seu artigo escrevendo penosamente. Talvez tivesse
8
Menestrel pertencente a uma casta profissional endogâmica na África ocidental. (N. do T.)
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 99-111, 2. sem. 2008
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ele que transmitir oralmente os segredos dos antigos em vez de torná-


los públicos através da escrita. Mas existe na comunidade científica um
lugar para contar?
Paris, 15 de abril 1982.

Abstract
Many aspects of urban life resist the application of orthodox research
techniques. Notably, the urban phenomenon of anonymous encounters
(“rencontres” in French) has yet to reveal its secrets. The anthropologist is
perhaps particularly well prepared to meet this challenge. the “floating obser-
vation” method consists in keeping one’s responsiveness, not focussing one’s
attention upon any specific object. Several days’ trails in the Père-Lachaise
cemetery of Paris bring to light a heretofore unsuspected use of this space
and the existence of genuine memory collectors. The latter, however, reveal
their knowledge only through chance encounters.
Keywords: urban anthropology; ethnographic method; floating observa-
tion; direct observation.

Referência
BAUDRILLARD, J. L’Échange symbolique et la mort, Paris, Gallimard, 1976.

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 99-111, 2. sem. 2008


Delma Pessanha Neves*

Itinerários ocupacionais, juventude


e gestão de empregabilidade

Neste texto, a partir de entrevistas com alunos que,


em horário noturno, se vinculavam a um dos Centros
Integrados de Educação Pública sediado no município
de São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro, analiso
processos de constituição de itinerários ocupacionais
entre jovens de 16 a 25 anos. Pelos dados obtidos,
caracterizo a formação prática de trabalhadores em
escala familiar e vicinal, inserção pela qual eles se
autorizam à apresentação em específicos mercados de
trabalho. Definindo-se como dotados de um saber-lidar
e, por vezes, de um saber-fazer, reconhecem-se como
portadores de atributos demonstrativos de qualidades
disciplinares valorizadas entre empregadores que
alocam trabalhadores constituídos pela experiência
prática. Esses atributos pouco qualificam trajetórias
profissionais, mas principalmente processos de apren-
dizagem na convivência com sistemas de disciplinas
também centralizados em atributos de gestão pessoal
dos empregadores.
Palavras-chave: jovens trabalhadores; economia de
proximidade; periferia urbana; itinerários ocupa-
cionais.

*
Antropóloga, professora
do Programa de Pós-gra-
duação em Antropologia,
bolsista de produtividade
do CNPq. Email: delmap-
neves@gmail.com.
114

Proponho-me a desenvolver algumas reflexões em torno da gestão da


empregabilidade entre jovens, mediante a análise de itinerários ocu-
pacionais, organizados a partir de dados coletados em pesquisa junto a
alunos da rede de ensino modelo CIEP (Centro Integrado de Educação
Pública), unidade sediada no município de São Gonçalo, Estado do Rio
de Janeiro. O trabalho de campo equivalente se desenvolveu entre 2004
e 2007, mas neste artigo considero apenas uma das situações valorizadas
no decorrer do levantamento de dados. O objetivo geral da pesquisa da
qual este artigo é um dos produtos orienta-se pela intenção de construir
aproximações em relação ao universo de expectativas dos jovens em
constituição como trabalhadores; e de sistematizar as condições de pos-
sibilidade de relativas objetivações de intenções e de ações práticas, todas
voltadas para a construção de modelos de gestão de empregabilidade.
Diante da situação de pesquisa, ou seja, segundo demarcação mais con-
sensual dos próprios entrevistados, são considerados jovens os estudantes
de ambos os sexos, solteiros ou casados, entre 17 e 25 anos. Pretendo
assim demonstrar como os jovens em apreço, investindo na expansão
do nível de ensino formal, tentam gerir ou se livrar das pressões que os
conduzem à composição de segmento de trabalhadores desprovidos de
direitos sociais formais correspondentes a esta posição.1
Os itinerários ocupacionais estão sendo compreendidos pela sucessão de
vínculos de trabalho alcançados ou afiliações por desempenho de ativi-
dade produtiva, nem sempre, por ocasião da entrevista, apresentadas
de forma relativamente detalhada e linear, mas segundo a importância
atribuída pelos entrevistados a cada situação. Este fato por si só é indica-
tivo da atribuição diferenciada de importância aos vínculos, pelo menos
no que diz respeito à possibilidade de apresentação de itinerários, isto
é, organização de pertencimentos laborativos, de forma a exprimir a
constituição de trajetórias individuais de trabalhadores em formação,
objetivo fundamental dos entrevistados, embora nem sempre tão claro
a si mesmos. Portanto, foi por provocação do pesquisador que os entre-
vistados elaboraram a sucessão e foram estimulados a reelaborar outros
modos de valorização ou desvalorização das diferenciadas inserções de
trabalho. Mediante a sucessão, visava-se sistematizar o patrimônio in-
dividual (e familiar) de relações e saberes constituídos a partir de cada
situação de vínculo de trabalho.
No conjunto da pesquisa, os itinerários foram classificados por setores
produtivos, identificados e sistematizados em consonância com o último
1
Sobre a problemática da relação entre jovens, formas de inserção social e formação profissional, afilio-me
às reflexões de outros pesquisadores, tais como: Groppo (2000); Guedes (1997); Lahire (1997); Pochmann
(1998, 2007); Ramos (2004); Spindel (1989); Willis (1991); Zaluar; Leal (1997).
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vínculo de cada entrevistado, isto é, onde, tanto do ponto de vista da


ascensão como do descenso, ele havia chegado. Foram também consi-
derados em conformidade com as dimensões propostas para a pesquisa:
ciclo de vida, diferenciação por gênero e modalidades de constituição da
vida adulta; projetos e modos de viver as condições atuais de socialização
para integração ao mundo do trabalho; mudanças geracionais de posição
na estrutura ocupacional, especialmente entre pais e filhos, assim como
entre faixas etárias diversas dos próprios entrevistados, posto que, na
escola, alguns alunos ultrapassavam o ciclo por eles considerado como
juventude e, por tal condição, foram entrevistados para criar alguns
contrapontos analíticos.
Notadamente, adotando os já anunciados critérios de referência da
pesquisa, os setores produtivos tomados para análise são comumente
pouco interrogados, inclusive pela pesquisa acadêmica, porque também
são secundarizados por perspectivas que valorizam as atividades que
ganham hegemonia. Por conseguinte, na leitura deste texto, é preciso
insistentemente considerar que estou operando em universos não atin-
gidos por organização sindical, por levantamento estatístico oficial, nem
representam ou exprimem, de imediato, as mudanças tecnológicas em
curso associadas às transformações mais recentes dos padrões de orga-
nização do trabalho.2
Tendo em vista os limites de espaço de um artigo, neste texto vou me
restringir ao setor de comércio, um dos mais expressivos em termos de
vínculos dos entrevistados, tomados em contato a partir da vinculação
como alunos de curso noturno de um CIEP. Nesta situação, dos 16
casos aqui tomados em referência analítica, os entrevistados se situa-
vam entre 17 e 25 anos. Dos quatro casos de entrevistados entre 17 e
19 anos, todos do sexo masculino, três se declararam sem vínculos de
religiosidade formalmente institucionalizada, e um deles se afiliava ao
universo religioso das Testemunhas de Jeová. Entre 20 e 25 anos, dos
12 entrevistados, oito eram homens e quatro mulheres. Também neste
agrupamento, cinco se declararam sem identificação religiosa, seis eram
evangélicos e um católico.

2
Para tal distinção, tomo em consideração diversos investimentos de construção da especificidade da or-
ganização produtiva qualificada como globalização, de modo a não dissolver os significados do termo em
onipresença presuntiva de homogeneizações. Valho-me, ao assumir essa perspectiva, de leituras de textos
de Ricardo Antunes (2002a, 2002b) e Marcio Pochmann (1998, 2002, 2007).
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Atributos sociais dos entrevistados


Estado Ocupação Período de
Idade Sexo Religião Escolaridade Local de trabalho Contrato/salário
Civil atual exercício
17 M Solt. S. rel. Fundam. Balconista mai/5 a jul/5 Cantina em Contrato
(3 meses) Funerária, Maruí, informal.
São Gonçalo Salário semanal.
18 M Solt. Evang. Médio Entregador dez/4 a fev/5 Ki-Água - Contrato
(3 meses) Distribuidora de informal.
água, venda de
comida caseira
18 M Solt. S. rel. Fundam. Faxineiro 15-16 anos Farmácia, Jardim Contrato
(12 meses) Catarina, São informal.
Gonçalo
18 M Solt. S. rel. Fundam. Vendedor ago/5 – atual Disk Gás, São Contrato
(17 meses) Gonçalo informal.
Salário semanal.
20 F Cas. Catol. Médio Panfleteira jul/4 a out/4 Ponta da Areia, Contrato
(4 meses) Niterói, em informal.
Campanha Política Salário semanal.
de candidato a
vereador
20 F Solt. S. rel. Médio Ajudante de dez/4 a dez/4 Restaurante Vivenda Contrato formal.
lanchonete (5 dias) do Camarão, Plaza, Salário mínimo
Niterói + benefícios.
20 M Solt. S. rel. Médio Ajudante de jul/5 – atual Restaurante não Contrato
cozinha (6 meses) identificado, Centro, informal.
Niterói
21 F Cas. Catol. Fundam. Ajudante de 18-19 anos Restaurante não Contrato
cozinha (12 meses) identificado, Volta informal.
Redonda
22 M Solt. Evang. Médio Garçom 20-22 anos De Buffet - Freelance, Contrato formal.
(24 meses) São Gonçalo
22 F Sep. S. rel. Médio Operadora mai/5 – atual Supermercados Contrato formal.
de caixa (19 meses) Sendas, Barreto, Salário mínimo
Niterói (1 1/2).
22 M Solt. Evang. Médio Auxiliar abr/4 a jun/5 Distribuidora de Contrato
de serviços (14 meses) Doces e Biscoitos informal.
gerais Vitoriosa, Niterói Salário mínimo
(1).
23 M Solt. Evang. Fundam. Vendedor 2000-atual Centro, Rio de Contrato
de rua (72 meses) Janeiro informal.
23 M Cas. S. rel. Médio Vendedor 10-23 anos Centro, Niterói Contrato
ambulante (atual) informal.
(26 meses) Salário
comissionado.

23 M Solt. S. rel. Médio Servente de 23-23 anos Sergen Engenharia Contrato formal.
obras (11 meses) - Empresa de Salário mínimo
construção civil, São (1 1/2).
Gonçalo
24 M Solt. Evang. Fundam. Peixeiro mai/97 – atual Loja de revenda de Contrato
(36 meses) peixe no Mercado informal.
São Pedro, Niterói Salário mínimo
(1).
25 F Solt. Evang. Fundam. Panfleteira 25-atual Consultório dentário Contrato
(4 meses) da Clínica Santo informal.
André, São Gonçalo
Códigos: Solt. = solteiro; Cas. = casado; Sep. = separado; Div. = divorciado; S.I. = sem informação;
S. rel. = sem religião; Evang. = evangélico; Catol. = católico; Fundam. = fundamental.
Os entrevistados classificados no ensino médio se encontravam em fase de finalização do respectivo ciclo de formação.

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Os 16 entrevistados selecionados exerciam as seguintes funções: opera-


dora de caixa, balconista, vendedor, entregador, panfletista ou vendedor
de rua; garçom, ajudante de lanchonete e de cozinha, auxiliar de serviços
gerais e faxineiro; serventes de obras e peixeiro.
Desse conjunto de entrevistados, apenas quatro detinham o vínculo
formal para cumprimento do trabalho, incidindo sobre trabalhadores
entre 20 e 23 anos, entre eles uma mulher e três homens. No setor co-
mércio, os empregadores se distribuíam entre proprietários de cantinas,
lanchonetes, restaurantes, farmácia, peixaria e distribuidoras de água
e gás. Em um dos casos, embora se constituísse como consultório den-
tário, a entrevistada operava na publicidade da oferta de serviço como
panfleteira. Os casos de contrato formal incidiam sobre restaurantes
situados em shopping ou no centro da cidade de Niterói, supermercado
e empresa de construção civil.

Itinerários Ocupacionais
Levando em consideração este restrito conjunto de dados obtidos por
questionário, apresento a tabela subsequente, seguida de considerações
sobre alguns dos itinerários elaborados.
Estado Ocupação Ocupações Período de Local de
Idade Sexo Religião Escolaridade Contrato/salário
Civil atual anteriores exercício trabalho
17 Solt. F S. rel.. Fundam. Balconista Entregador dez/2 a fev/3 Depósito de Contrato informal.
de bebidas (3 meses) bebidas e Salário semanal.
gelo, Barreto,
Niterói
Pistoleiro de 16-16 anos Madeireira Contrato informal.
cartazes (3 meses) no Barreto, Salário diário.
Contorno
Montador de 15-15 anos Oficina de Contrato informal.
bicicleta (2 meses) bicicleta, Rio Salário semanal.
das Ostras
Camelô 16-16 anos Camelô, Contrato informal.
(6 meses) Centro, Salário semanal.
Niterói
Balconista mai/5 a jul/5 Cantina em Contrato informal.
(3 meses) Funerária, Salário mínimo (1)
Maruí, São
Gonçalo
18 Solt. M Evang. Médio Entregador Faxineiro jan/99 a MSKE Sem contrato.
abr/99 Produções -
(4 meses) filmes, vídeo e
fotografia
Entregador dez/4 a fev/5 Ki-Água - Contrato informal.
(3 meses) Distribuidora Salário mínimo (1)
de água, venda
de comida
caseira

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Estado Ocupação Ocupações Período de Local de


Idade Sexo Religião Escolaridade Contrato/salário
Civil atual anteriores exercício trabalho
18 Solt. M S. rel. Fundam. Faxineiro Faxineiro 15-16 anos Farmácia, Contrato informal.
(12 meses) Jardim
Catarina, São
Gonçalo
18 Solt. M S. rel. Fundam. Vendedor Ajudante de jan/3 a jul/3 Sacolão, Contrato informal.
sacolão (6 meses) Amendoeira, Salário semanal.
São Gonçalo
Vendedor ago/5 – atual Disk Gás, São Contrato informal.
(17 meses) Gonçalo Salário
comissionado.
20 Cas. F Cat. Médio Panfleteira Panfleteira jul/4 a out/4 Ponta da Areia, Contrato informal.
(4 meses) Niterói, em Salário semanal.
Campanha
Política de
candidato a
vereador
20 Solt. F S. rel. Médio Ajudante Promotora 2004-2004 IBI - Crédito, Contrato formal.
de de vendas (4 meses) Plaza Salário mínimo +
lanchonete Shopping, benefícios.
Niterói
Promotora 2005 Credicard Contrato informal.
de vendas (15 dias) - Stand no
Terminal,
Niterói
Atendente de out/2005- McDonalds, Contrato formal.
restaurante atual São Gonçalo Salário mínimo (1).
(15 meses) Shopping
Ajudante de dez/4 a dez/4 Restaurante Contrato informal.
lanchonete (5 dias) Vivenda do
Camarão,
Plazza, Niterói
20 Solt. M S. rel. Médio Ajudante Ajudante de jul/5 – atual Restaurante, Contrato informal.
de cozinha cozinha (6 meses) Centro,
Niterói
21 Cas. M Cat. Fundam. Ajudante Doméstica 16-16 anos Casa de Contrato informal.
de cozinha (10 meses) família, Volta
Redonda
Ajudante de 18-19 anos Restaurante, Contrato informal.
cozinha (12 meses) Volta Redonda
22 Solt. M Evang. Médio Garçom Ajudante de 15-17 anos Padaria, Contrato formal.
padeiro (20 meses) Centro,
Niterói
Auxiliar de 17-22 anos Master Contrato formal.
escritório (60 meses) pesquisa no
Diário Oficial,
Centro,
Niterói
Garçom 20-22 anos De Buffet - Contrato informal.
(24 meses) Freelance
22 Sep. F S. rel. Médio Operadora Vendedora 14 anos até Residência Contrato formal.
de caixa Avon 2003 Salário mínimo
(36 meses) (1 1/2).
Vendedora 2002 Papelaria, Contrato formal.
Avon (3 meses) Bay Market, Salário mínimo
Niterói (1 1/2).
Operadora mai/5 – atual Sendas, Contrato formal.
de caixa (19 meses) Barreto, Salário mínimo (1)
Niterói + benefícios

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Estado Ocupação Ocupações Período de Local de


Idade Sexo Religião Escolaridade Contrato/salário
Civil atual anteriores exercício trabalho
22 Solt. M Evang. Médio Auxiliar Vendedor fev/1 a mar/3 Rua Visconde Contrato informal.
de serviços ambulante (24 meses) do Uruguai, Salário mínimo (1).
gerais Niterói
Auxiliar abr/4 a jun/5 Distribuidora Contrato informal.
de serviços (14 meses) de Doces Salário semanal.
gerais e Biscoitos
Vitoriosa,
Niterói
23 Solt. M Evang. Fundam. Vendedor Sorveteiro 1998-2000 Kibon, Niterói Contrato formal.
de rua (24 meses)
Vendedor 2000-atual Centro, Rio de  
de rua (72 meses) Janeiro
23 Cas. M S. rel. Médio Vendedor Vendedor 10-23 anos Centro, Niterói Contrato
ambulante ambulante (atual) informal. Salário
(26 meses) comissionado.
23 Solt. M S. rel. Médio Servente Faxineiro 20-22 anos Empresa Contrato formal.
de obras (24 meses) contábil, Rio Salário mínimo
de Janeiro (1 1/2).
Servente de 23-23 anos Sergen Contrato formal.
obras (11 meses) Engenharia Salário mínimo
- Empresa de (1 1/2).
construção
civil,
São Gonçalo
24 Solt. M Evang. Fundam. Peixeiro Serviços mar/97 a Vigban Contrato informal.
gerais mai/97 Empresa de Salário mínimo (1).
(104 meses) Segurança,
Itaboraí
Peixeiro mai/97 – atual Loja de Peixe Contrato formal.
(36 meses) no Mercado Salário mínimo (2).
São Pedro,
Niterói
25 Solt. F Evang. Fundam. Panfleteira Doméstica 9-12 anos Casa de Contrato informal.
(36 meses) família, Icaraí,
Niterói
Atendente 13-16 anos Trailler, Ponta Contrato informal.
de trailler (36 meses) da Areia, Salário semanal.
Niterói
Doméstica 16-16 anos Casa de Contrato informal.
(5 meses) família, Rio de Salário mínimo
Janeiro (1 1/2).
Garçonete 17-18 anos Dásio Contrato formal.
(12 meses) Lanchonete, Salário mínimo (1).
Rodoviária,
Casimiro de
Abreu
Babá 23-24 anos Casa de Contrato formal.
(12 meses) família, Santa
Rosa, Niterói

Panfleteira 25-atual Consultório Contrato informal.


(4 meses) dentário da Salário mínimo (1).
Clínica Santo
André
Solt. = solteiro; Cas. = casado; Sep. = Separado; Div. = divorcidado; S.I. = sem informação; S. rel. = sem religião; Evang. = evangélico; Cat. = católico; Fundam. = fundamental.
Os entrevistados classificados no ensino médio se encontravam em fase de finalização do respectivo ciclo de formação.

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Funções pelas quais os entrevistados já circularam (recorrência)


Funções Homens Mulheres Total de citações
Ajudante de cozinha 1 1
Ajudante de lanchonete 1 1
Ajudante de padeiro 1 1
Ajudante de sacolão 1 1
Atendente de restaurante 1 1
Atendente de trailler 1 1
Auxiliar de escritório 1 1
Auxiliar de serviços gerais 1 1
Babá 1 1
Balconista 1 1
Camelô 1 1
Doméstica 3 3
Entregador 2 2
Faxineiro 3 3
Garçom 1 1 2
Montador de bicicleta 1 1
Operadora de caixa 1 1
Panfleteira 2 2
Peixeiro 1 1
Pistoleiro de cartazes 1 1
Promotora de vendas 2 2
Servente de obras 1 1
Serviços gerais 1 1
Sorveteiro 1 1
Vendedor ambulante ou de rua 4 4
Vendedora Avon 2 2
Total de funções 25 13 38

A média de circularidade de funções não se destingue conforme o sexo.


Até a idade de 20 anos, todos os casos analisados apontam o predomí-
nio da informalidade nos contratos. A formalidade tende a incidir em
unidades comerciais voltadas para o consumo de alimentos e situadas
em locais de mais fácil incidência de fiscalização quanto às relações de
trabalho (lanchonetes, redes de fast-food) e construção civil. Nas demais
unidades, situando-se em espaços mais dispersos sobre os quais menos
incide fiscalização sistemática, a informalidade nas relações de trabalho
é padrão predominante.
Destaca-se um caso de grande circularidade de ocupações do traba-
lhador mais jovem, tendo mais extensamente permanecido no vínculo
quando camelô. Esta circularidade também se reafirma para o jovem
que se dedica à propaganda de cartões de crédito nos espaços de maior

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 113-138, 2. sem. 2008


121

movimentação de transeuntes, propagandista, cuja função é valorizada


sob o pomposo termo promotor de vendas. Nesse caso a remuneração
é muito variável, na dependência do sucesso do convencimento na
abertura de créditos.
Para as jovens, a função de operadora de caixa em supermercado tem
se apresentado como correspondente a contrato formal e mais estabili-
dade. Em condição relativamente excepcional, se apresenta o jovem de
23 anos, que manteve contrato formal desde os 20 anos, perpassando
por empresas de prestação de serviços contábeis e construção civil. No
momento da entrevista com 23 anos, mantinha há três anos a formalidade
dos contratos. A entrevistada de mais idade, 25 anos, circulou desde a
primeira ocupação por vínculos em prestação de serviços domésticos ou
em preparação de alimentos, mas aos 25 anos se integra a uma ocupação
por ela altamente desvalorizada, pois deve impor meios de divulgação
aos transeuntes e recebe pelo sucesso alcançado. Alega que o trabalho é
desgastante pela reação negativa dos transeuntes, por passar o dia inteiro
de pé e sem banheiro previsto, recebendo remuneração insignificante.
Dessas considerações, pode-se perceber não apenas que os itinerários
apontam para acúmulos positivos nas alternativas de inserção ao mer-
cado de trabalho, mas também reconhecer que um vínculo em situação
desvantajosa não significa acúmulo linear de limitações para inserções
consideradas mais positivas.

O mercado de trabalho local e a inserção


de jovens inexperientes
Para responder parte das questões formuladas na introdução deste artigo,
valorizarei, a partir dos dados obtidos em entrevista, alguns dos princípios
fundamentais na constituição dos itinerários construídos, limitando-me
a levar em conta basicamente as primeiras ocupações no mercado local,
visto que estou considerando entrevistados até 25 anos.3 Destaco então
que, na pesquisa, os itinerários não se correlacionam a um valor em si,
mas orientam a formulação de questões que permitem compreender as
condições imediatas de constituição de jovens trabalhadores. Os casos
que a seguir analisarei privilegiam determinadas associações de fatores
e correspondem a situações em que o trabalhador é solteiro e tenta se
ingressar no mercado de trabalho. A maior parte possui primeiro grau
completo, apenas um deles tendo alcançado o segundo grau. Em nenhum
3
Atenção contraposta tem sido investida por pesquisadores, ao focalizarem o trabalho de crianças e jovens
nas ruas, supostamente afastadas das referências familiares. Ver, por exemplo, Fausto; Cervini (1996).
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 113-138, 2. sem. 2008
122

dos casos o melhor acesso ao ensino básico facilitou a entrada no mercado


de trabalho, tendo todos eles obtido inserção mediante interferência de
vizinhos ou pessoas da família.
A expansão urbana sem correspondente integração de estrutura de
prestação de serviços, o custo de transporte assumido por moradores
que se encontram afastados dos centros de concentração de serviços
e comércio, a expansão do consumo por esses próprios moradores,
o deslocamento de trabalhadores especializados e autônomos, tendo
em vista o aumento do custo de pagamento de espaços nos centros
urbanos, todos estes e muitos outros fatores têm levado à constituição
de pequenas unidades produtivas de prestação de serviços e comércio
em bairros periféricos, fenômeno relativamente singular por estar pre-
sente neste tipo de expansão urbana e no contexto categorizado como
economia de proximidade. Tais unidades de trabalho acompanham os
movimentos e investimentos na resolução do aumento do desemprego
e diminuição do valor do salário, muitos deles não suportando trabalhar
distante das residências. É comum, na solicitação de vínculo trabalhista,
tais moradores serem excluídos por pressuporem um valor inaceitável
para pagamento de transporte. Visando eliminar o aumento deste custo
de integração ao mercado de trabalho constituído por unidades produ-
tivas situadas mais distante do local de residência e dotado de melhores
alternativas, principalmente aquelas regidas pela formalidade legal,
muitos moradores nestes bairros periféricos tentam montar seu negócio.
O tipo de atividade corresponde a certa criatividade gerencial na oferta
de serviços e bens que o convívio cotidiano permite projetar. Todos os
bens e serviços correspondem a consumos domésticos, seja no que tange
à alimentação, seja ao acesso a bens de modo mais pulverizado ou até
que, por relações vicinais, asseguram deslocamentos de pagamento ou
mesmo a subdivisão em parcelas.
A descapitalização do trabalhador que cria seu próprio emprego e a baixa
capacidade de consumo da população circundante são alguns fatores que
impõem uma impressionante instabilidade a essas unidades de produção,
muitas delas tendo curtíssima existência. As condições de montagem são
assim caracterizadas pelos baixos custos do empreendimento, até que
a relação entre oferta e demanda assegure projeções mais alvissareiras.
Todavia, tais trabalhadores, ou, como são hoje reconhecidos, pequenos
empreendedores, assumem um papel fundamental na socialização dos
jovens no mundo do trabalho, até porque, não sendo dotados de con-
dições para concorrer em outras praças de oferta de postos de trabalho,
empregador e trabalhador criam laços de interdependência, cada um
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 113-138, 2. sem. 2008
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investindo na minimização das dificuldades mútuas e tornando públicas


as instabilidades, inseguranças e riscos de abandono da proposição.4
Esse mercado de trabalho local dificilmente absorve alternativas para pro-
fissionalização, mas assegura aprendizados considerados fundamentais
como o da disciplina inerente ao mundo do trabalho, a capacidade de
compreender e aceitar a organização do trabalho segundo perspectivas
personalizadas do patrão, as formas de autorização da apresentação
pessoal na condição de trabalhador, experiências que emprestam atri-
buto de dignificação à existência pública e individual, acessos que se
contrapõem, por isso mesmo, à baixa remuneração, compensada pela
proximidade casa-trabalho.5 Em se tratando de relações de trabalho de
cunho mais personalista, as regras que presidem o contrato podem estar
dotadas de maior arbitrariedade que, incidindo drasticamente sobre o
aprendiz, podem terminar por negar o valor do salário recebido (como
exprimem os casos de pagamento de multas por danificação de material,
risco em grande parte inerente à atividade do aprendiz e às tarefas que
exercem). Portanto, a precariedade dos pequenos empreendimentos,
sua instabilidade em termos de funcionamento, ao mesmo tempo que
facilitam acessos informais ao vínculo de trabalho, também integram os
trabalhadores de forma precária e irregular, práticas justificadas pelo
reconhecimento da incorporação de um trabalhador em formação e, por
isso, definido como total ou quase totalmente desqualificado para assumir
responsabilidades, mas correspondente a um patrão descapitalizado,
que deve tornar a usura um dos recursos fundamentais de reprodução
por poupança.
Ocorre então uma dívida do jovem trabalhador e da sua família em
relação a tal benevolência, todavia fundamental para ultrapassar a inex-
periência e a falta de identidade laborativa. Por isso mesmo, essas unida-
des de produção dispersas em bairros residenciais são incorporadas na
constituição informal dos trabalhadores e pensadas pela provisoriedade,
pela avaliação de uma troca que rapidamente se esgota em termos de
reciprocidade. Elas operam como trampolim para construção do itine-
4
Etnografias sobre recursos de comércio e serviços em bairros periféricos de São Gonçalo foram elaboradas
por Garcia (2004) e Quitari (2006).
5
Demonstrando a inexistência de alternativas formais para aprendizagem profissional, associo-me às preocu-
pações analíticas de outros profissionais que discutem os efeitos dessa secundarização das políticas voltadas
para a juventude. Reflexões em torno de programas de inserção profissional têm sido ampliadas nos últimos
anos entre sociólogos vinculadas à especialização disciplinar: sociologia da infância ou da juventude. Ver
Leão ([199-]); Madeira; Rodrigues (1998); Neves (1999; 2000); Pochmann (1998, 2007), para citar alguns
exemplos de crescente bibliografia.
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124

rário, razão pela qual a circularidade é considerável, tanto do ponto de


vista dos trabalhadores como dos empregadores.6
Mantendo ainda o critério de restrição de alguns casos ou de situações
no conjunto de dados, operarei doravante com mais uma redução, agora
tomando apenas alguns casos de inserção laborativa de jovens solteiros
entre 17 e 20 anos, todos tendo iniciado o primeiro vínculo entre 14 e
17 anos.
O pistoleiro de cartazes, 17 anos, dotado de ensino fundamental, começou
a trabalhar aos 14 anos, entregando bebidas em depósito de distribuição,
sob vínculo informal. Em se tratando de unidade de trabalho localizada
em seu bairro residencial, ele mesmo se apresentou para a solicitação de
vaga. Comenta: “Eu mesmo fui lá pedir vaga. Geralmente nessa época
(fim de ano), eles empregam mais por causa das festas e carnaval. Traba-
lhei como entregador de bebidas, gelo, água: entregava em domicílio”.
Para adquirir esse vínculo, contou ainda com o apoio da família, basi-
camente de sua mãe, na gestão de alternativas para eles mais abertas,
no entorno da residência, o empregador sendo seu vizinho. A mesma
estratégia de inserção em mercado de trabalho foi posteriormente ativada
por ocasião do período de campanha política, quando um exército de
propagandistas é contratado temporariamente para tornar reconhecido
publicamente o nome do candidato.
O que importa nesse período de vínculo provisório é o credenciamento
dos trabalhadores em formação, é o reconhecimento de atributos funda-
mentais à constituição de um trabalhador aberto às alternativas que vão
se apresentando. Este modo de apresentação ou esta abertura talvez seja
o requisito mais importante, pois que a atividade em si recorrentemente
não é vista como fundamental, ao não configurar qualificação do saber-
fazer, mas do saber-lidar.7

O trabalho mesmo era carregar o peso, não é nada de mais. Era perto
de casa, o dinheiro era para ajudar, não tinha nada para fazer...! Mas
aprendi a chegar na casa das pessoas: – Bom dia, muito obrigado, até
logo, quando quiser, estamos às ordens, é só telefonar...

[...]
6
Um dos trabalhadores, exercendo a função de pistoleiro de cartazes, assim comenta a interdependente
precariedade: “Quando faltava material, não tinha trabalho; contava com o dinheiro e não recebia por falta
de trabalho”. Mais à frente na entrevista, referindo-se ao primeiro vínculo, comenta: “Acho que trabalhava
muito e ganhava pouco”. E no segundo: “Acabou o trabalho: acabou o tempo de eleição, acabou o trabalho”.
7
Sobre essa importante distinção reivindicada por trabalhadores como parte de sua constituição social, ver
Guedes (1997); Barbosa (2000).
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125

Fui lá pedi vaga, sempre dão vaga em época de eleição. Era pistoleiro,
grampeava cartazes nos outdoors. Aprendi vendo as pessoas fazendo,
fui observando. Têm uns colegas que são mais maneiros, outros que
parecem ter medo da gente pegar o lugar dele, mas a gente vai apren-
dendo a se virar.
Reconhecendo-se como alguém que nada ou pouco sabe exercer em
termos de atividade a ser remunerada, os jovens entrevistados são condes-
centes com as precariedades das condições de vínculo, criam o necessário
consentimento para a aceitação e a legitimação de situações de trabalho
desfavoráveis. Assim, o entrevistado que exercia a função de pistoleiro
avalia os dois primeiros vínculos como equivalentes. No primeiro e no
segundo, considerou que a situação de trabalho permanecia a mesma,
pois que não tinha idade para trabalhar sob carteira assinada.
Importante então dar destaque aos termos em que os jovens vão sendo
construídos nessas modalidades de mercado de trabalho, termos estru-
turantes ou princípios constitutivos da qualificação de funções específicas
que aí emergem no novo conjunto de prestação de serviços. As funções
são expressivas de saberes integrados à divisão de trabalho, mas cuja
aprendizagem deriva muito mais de um relacionamento entre mem-
bros da equipe do que aprendizado instrumentalizado e operacional. A
observação e a imitação são então recursos pedagógicos fundamentais.
“Aprendi vendo as pessoas fazendo, fui observando.”

Pais, tios e vizinhos na construção disciplinar


e pessoal de jovens trabalhadores
Os familiares, os parentes e os vizinhos desempenham papel fundamental
nessa intervenção mediadora, seja se valendo da rede de relações pessoais
já constituídas no desempenho de atividades produtivas, seja se apoiando
na condição do vizinho que, remunerando atividades de jovens, reafirma
a autoridade comunitária na integração de novas gerações sociais.
Um dos jovens entrevistados, no momento da entrevista exercendo a
função de balconista, com 17 anos, primeiro grau completo e evangélico,
iniciou seu itinerário de trabalho aos 16 anos, como atendente de balcão
numa cantina em cemitério em Niterói. Considerando-se em processo
de aprendizagem diante de sua idade, aceitou positivamente o vínculo
informal e as condições de acesso ao salário inferior ao valor mínimo.
Começou a trabalhar mediante incorporação por uma tia, que era pro-
prietária da cantina. Alega ele: “Ela precisava de uma pessoa para ficar no
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bar, porque os rapazes estavam de férias. Passei a ficar de vez em quan-


do”. Neste trabalho, era balconista: servia cafezinho, salgado e fechava
o caixa. Sua própria tia lhe ensinou a realizar todas as tarefas. Ele então
avalia e orgulhosamente se contrapõe: “Em uma semana aprendi tudo”.
Essa distinção é indicativa do processo de seleção em jogo, revelando
que há casos em que o jovem trabalhador não é aceito ou não perma-
nece sob o vínculo, por enfrentar dificuldades maiores para exercer,
em conformidade às exigências, às atividades comandadas, bem como
explicitando uma das condições de trabalho, cuja socialização básica não
se fundamenta em relações familiares: o vínculo é fundamental para se
exercitar positivamente no investimento em ampliação do universo de
relações, isto é, saber-lidar cordialmente com estranhos e aprender a con-
trolar emoções diante de situações de tensão que o trabalho de prestação
de serviços por vezes incorpora. Por isso este jovem balconista considerou
o vínculo vantajoso porque: “Conheci bastante gente e aprendi muita
coisa. A gente presta atenção no que as pessoas vão dizendo, abrindo a
cabeça, se sentindo mais responsável e respeitado”.
Todas essas vantagens compensavam as condições precárias de trabalho,
pois que eram por ele integradas como parte do investimento na cons-
tituição de carreira e de futuro mais promissor. Não fugindo à regra,
agora reafirmada pela relação de parentesco, sua empregadora (sua tia)
investe na construção de padrões de qualidade que definem o patrão nes-
sas condições de vínculo empregatício: “Era muito legal, compreensiva,
do tipo que perdoa e ajuda muito”.
Esteve vinculado como balconista por pouco tempo, porque assim foi
definido o seu contrato: deveria substituir o trabalhador em férias. E,
no balanço dessa experiência, o jovem entrevistado só lamenta que te-
nha permanecido desempregado e sem recursos próprios para manter
gastos pessoais, voltando à dependência da família ou a uma condição
infantilizada.
Reafirmando as dificuldades para ultrapassar universos, por estarem
fechados pelo reconhecimento de relações pessoais, os trabalhadores aí
constritos valorizam a possibilidade de ampliar tais redes e, contrasti-
vamente, demonstram as potencialidades da apresentação formal por
um curriculum que dissocie relativamente o saber-fazer da pessoa em si.
Outro jovem, 18 anos, que no momento da entrevista trabalhava como
entregador, finalizando o curso de segundo grau e se apresentando
como testemunha de Jeová, começou a trabalhar aos 13 anos, em 1999,
mediante a interferência de um tio, que até então não o conhecia. O
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acesso se fundamentou assim em conhecimentos pessoais, construídos


por redes familiares e de parentesco. E num segundo vínculo, ainda por
relações de amizade dos pais. “Consegui trabalho através de uma colega
da minha mãe. A loja era do marido da amiga da minha mãe. Precisava
de entregador e eu fui trabalhar.”
Posteriormente, na loja de empréstimo de vídeo e revelação de fotogra-
fias, através de contrato informal e pagamento de meio salário mínimo,
dedicou-se à limpeza e ao cumprimento de mandados. “O que ele man-
dava eu fazia. Ele me explicava, eu fazia.”
Desqualifica, em consequência, sua atividade pela simplicidade dos de-
sempenhos: “O trabalho era simples, só entregava água de carrinho”.

As primeiras ocupações e o direito à reivindicação por


trabalho remunerado: aprendizados fundamentais
O entrevistado, imediatamente destacado, começou a trabalhar aos 15
anos, contando com vínculos descontínuos e informais, em unidades
produtivas próximas à sua residência. Seu primeiro vínculo foi em ofi-
cina de bicicleta, obtido mediante indicação do pai, que era amigo do
proprietário da oficina. Por este vínculo, montava e limpava bicicletas,
bem como consertava pneus. Define-se, em decorrência das múltiplas e
dispersas atividades e do cumprimento de mandados, como faz-tudo, mas
orientado pelo proprietário do empreendimento e seu outro ajudante.
Embora tenha permanecido pouco tempo sob este vínculo, avalia que:
“Foi mais uma profissão que eu aprendi, porque tem que fazer tudo na
vida”.
A qualificação dessa aprendizagem como profissão é expressiva dos
objetivos e das motivações que gerem esses jovens trabalhadores: pela
sua condição de trabalhador faz-tudo, ele adquire o reconhecimento da
internalização da disciplina e o aprendizado de obediência a mandados.
Ora, no caso do trabalhador sem autonomia em relação aos saberes consti-
tutivos de certos exercícios e produtos finais, disciplinar-se para mútliplos
mandados é em si uma qualificação nesse mercado de trabalho. Valorizan-
do essa aprendizagem para construção do seu percurso de trabalhador,
relativiza qualquer desvantagem que possa ter enfrentado durante tal
forma de inserção. Pelo contrário, permanece grato ao empregador, pois
que “Era gente boa, paciente, ensinava direito”. Deixou este vínculo porque
sua família mudou de residência, de Rio das Ostras para São Gonçalo. No
seu novo local de residência, permaneceu certo tempo desempregado,
fato que avalia negativamente.
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Logo após, um colega de turma da escola, que trabalhava como camelô


no centro de Niterói, convidou-o para se integrar à prestação de serviço.
Vendia brinquedos e rádios e recebia em média R$100,00 por semana.
Assim vinculado, avalia que nada aprendeu, salvo a demonstração de
qualidades pessoais: “Isso não precisa aprender não, era ser simpático e
saber atender os outros”.
Por isso, é a vantagem mais valorizada neste trabalho, ou seja, ultrapassar a
dependência do domínio doméstico e apresentar-se como indivíduo aberto
a inserções em outros universos de relações sociais: “O importante é que
perdi a vergonha. No começo era tímido, mas depois fui me soltando”.
Mesmo sendo atividade qualificada como simples, exigiu dele um apren-
dizado, quando nada, da concepção personalizada de organização do
trabalho pelo empregador. No primeiro vínculo, avaliou: “Ele me explicava
e eu fazia”. E no segundo: “O meu patrão foi ensinando e eu fui fazendo.
Ele ensinava como amarrar a garrafa e como chegar ao cliente”.
Novamente os intentos na constituição do percurso do trabalhador são
avaliados positivamente, mesmo que as atividades sejam por ele desclas-
sificadas: “O trabalho em si não serve para nada, só vale mesmo a expe­
riência de trabalhar”. Esta experiência expressa a integração de atributos
curriculares, mesmo que o salário seja considerado incompatível com o
valor desejado: “Eu ganhava muito pouco para o tanto que fazia”.
Ele então insiste na avaliação da aprendizagem adquirida pela obediência
às ordens do empregador, embora o exercício das atividades inerentes
fosse justificado pela ausência de perspectivas para construção de um
saber autônomo. As atividades em si foram então por ele desqualificadas
diante de outro objetivo: dominar o código de comportamento adequado
ao trabalhador. “Esse trabalho não serviu para nada.”
Todavia, essa aprendizagem prática do saber-lidar com colegas, clientes
e empregadores é objeto de reconhecimento e gratidão frente aos em-
pregadores e mestres: “Ele era legal, me ensinava a fazer muitas coisas”.
Como o aprendizado é o patrimônio de saber e identidade acumulados
e a contratransferência é o baixo rendimento, mesmo insatisfeito com
o empregador, o trabalhador em constituição segue seu percurso, pro-
jetando a expectativa de que, mais à frente, conseguirá ampliar seus
rendimentos. A outra tentativa objetivada pelo entrevistado agora em
causa fora como entregador de bebidas e refrigerantes para empresa de
redistribuição. Mesmo tendo ultrapassado o primeiro grau de ensino,
suas condições de vínculo não se alteraram. Sob contrato informal, o
salário era de valor inferior ao mínimo.
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Os patrões locais e as situações iniciáticas


dos jovens no mercado de trabalho
Nesse quadro de relações, os patrões são avaliados por relacionamen-
tos personalizados, na contraposição valorativa do bem ou do mal, do
reconhecimento em termos de valores de salários transferidos e das
referências para a relação face a face. “Tinha (o empregador) hora que
brincava, tipo bobo. Mas pagava bem e não facilitava nas exigências.”
Por essas formas de avaliação, podem-se depreender os empenhos
interdependentes no sentido da construção de tal modalidade de pa-
trão ou empregador, sendo melhor avaliados os que correspondem às
expectativas dos entrevistados: guardar reservas diante de relações
constituídas sob tamanha desiguadade de posições e hierarquia. De um
lado, um empregador concedente e percebido como independente do
jovem trabalhador, porque, em contraposição, pode ser facilmente subs-
tituído. E, de outro, um trabalhador totalmente dependente, por não
corresponder ainda ao saber necessário e por ter que obrigatoriamente
se submeter à experiência iniciática. O bom patrão, em correspondência, é
educado, compreensivo e cumpridor do contrato informal, pagando de
fato e principalmente nas datas delimitadas pelo acordo consentido. “Ele
queria mais produção, ele pagava a produção por dia, mas se produzisse
muito ou pouco, ele pagava.”
Avaliando tão positivamente as aquisições e diante de sua tenra idade
como trabalhador, o entrevistado não considera as desvantagens dessas
formas de vinculação ao trabalho. Avalia o patrão pela bondade e paciên-
cia de lhe ensinar, pela compreensão e capacidade de perdoar quando
errava. Portanto, menos que um patrão, o empregador é um professor e
um socializador intermediário; e desta posição é então avaliado.
As funções dos pequenos empregadores, treinadores da força de trabalho
e constituidores de jovens trabalhadores, são consideradas positivamen-
te, revelando o processo institucionalizado, mesmo que informal, dessa
forma de constituição. Todavia, o vínculo de trabalho corresponde a
espaço social em que as alternativas e as potencialidades não podem ser
avaliadas por essas primeiras experiências restritas. Elas são fundamen-
tais a ponto de os trabalhadores estarem sempre considerando o papel
desse empregador na constituição de seu itinerário ocupacional. Por isso
mesmo, é recorrente a afirmação seguinte entre os entrevistados: “Ele
era legal e ele me ensinava muitas coisas”.
Os trabalhadores, entrementes, de imediato afirmam o esgotamento
das alternativas para esse aprendizado. As unidades empresariais são
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pequenas e instáveis, integrando a força de trabalho sob correspondente


precariedade:

A primeira saí porque ganhava pouco, mas não tive problema com ele.
Do segundo, eu saí porque pedi para sair, estava me sentindo mal, o
trabalho era muito forçado, nem conseguia ir para casa. O patrão não
tinha condições de me pagar, ia fechar a loja e me mandar embora.
Ganhava muito pouco e atrapalhava os meus estudos.
Este outro trabalhador entrevistado, com 18 anos, exercendo a função de
faxineiro, dotado de ensino fundamental, sem afiliação religiosa explícita,
solteiro, durante 12 meses trabalhou na função, numa farmácia de bairro
em São Gonçalo. Por este vínculo, conseguiu um contrato ­informal, rece-
bendo meio salário mínimo. Explica sua entrada no mercado de trabalho
por intermédio da mãe, que conhecia o dono da farmácia e pediu para
que ele lá trabalhasse. Dedicava-se à limpeza da farmácia e aprendeu o
exercício das funções por explicação do proprietário da empresa. Avalia a
experiência como inexpressiva, pois não gostava de realizar as atividades
para as quais era comandado, além de considerar seu salário muito baixo.
Entrementes, avalia positivamente o patrão pela sua maneira de tratar os
empregados, qualificado como legal. Mesmo com o baixo salário que o
empregador oferecia, ele não teve condições de manter o jovem, 12 meses
depois tendo interrompido o vínculo de trabalho. O entrevistado ficou
satisfeito em deixar este vínculo, embora permanecesse desempregado
por ocasião da entrevista. Na condição de faxineiro, também atendia ao
balcão, e estes exercícios extras são valorizados pelo aprendizado dos
nomes dos medicamentos, dados a serem agregados a seu currículo e,
quem sabe, projeta ele, poder se apresentar como candidato ao posto
de trabalho em outras unidades do mesmo ramo.

Avaliações do desemprego como imposição


À precariedade do acesso à remuneração e à instabilidade nas condições
de reprodução desses pequenos empreendimentos em bairros periféricos
os entrevistados contrapõem a ausência total de rendimento e seus des-
dobramentos em termos de retorno à plena dependência dos pais ou à
perda de autonomia para pequenos consumos pessoais. “Depois que saí
do trabalho, piorou, pelo menos eu tinha dinheiro no final de semana.”
A insegurança e a provisoriedade dos pequenos empreendedores expli-
cam em grande parte as formas de exclusão dos aprendizes do mercado
de trabalho. Como tais condições de oferta de serviços e de absorção de
trabalhador são bastante precárias e o vínculo ocorre por pouco tempo,
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os entrevistados, em reflexão compreensiva dos limites em que todos se


encontram, lamentam a exclusão e principalmente quando ela incide
sobre os empregadores. “Fiquei dempregado porque ele, coitado, logo
depois de abrir o negocinho, fechou a barraca e desistiu de continuar
o comércio.”
E lamentam mais ainda aqueles que, por relativo longo período de me-
ses, tiveram que voltar à mesma condição de desemprego, necessitando
insistir na procura de um vínculo produtivo.

Os projetos individuais de constituição


como trabalhador
Na maior parte dos casos os jovens se apresentavam dotados de ensino
fundamental, dando continuidade ao estudo em curso noturno. E por
esse recurso, almejavam alcançar uma profissão formalmente reconheci-
da. Projeta-se então um dos entrevistados na construção de seu percurso
como trabalhador:

Estou fazendo curso de montagem de computador. Queria ser soldador,


mas pretendo também fazer curso de soldador, acho que no Senai tem.
É importante fazer cursos, mais cedo ou mais tarde a gente precisa
ter um curso profissionalizante, precisa ter um curso para ser útil. Na
minha família apenas meu tio tem profissão reconhecida. Meu tio é
segurança. Acho bom, eu gosto da profissão que ele exerce.
O entrevistado, faxineiro de 18 anos, almejava, na ocasião do trabalho
de campo, obter um vínculo de trabalho em que o computador fosse
instrumento fundamental. No entanto, avaliava, precisava fazer um
curso. Tentou começá-lo mas se manteve somente durante um mês,
porque era pago e sua família não podia corresponder a esse tipo de
gasto. Desejava também frequentar curso de inglês. Construiu boas ex-
pectativas em relação ao vínculo futuro no mercado de trabalho, porque
avaliou a função do seu pai como positiva. Ele era vendedor de livros
em livraria no Rio de Janeiro. Considerava que o pai realizava trabalho
interessante e ganhava bem.
Diante das dificuldades de inserção no mercado de trabalho, os en-
trevistados que avaliavam positivamente as ocupações de familiares
prejetavam-se a reproduzir-se na mesma posição; enfim, assegurar os
recursos que os membros da família haviam conquistado.
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Portanto, embora não sendo alternativa totalmente eliminada, esses


jovens trabalhadores tomam a circularidade de vínculos informais como
princípios de sua condição de obtenção de rendimento. E se incluem
assim em outro tipo de aprendizagem socializadora de sua posição no
mercado de trabalho, em especial local, intencionalmente pouco explo-
rado durante as entrevistas, mas alcançado por observação e dedução:
a resignação diante dos limites de inserção social e produtiva e a incor-
poração de cálculos de temporalidade mais imediata para a projeção da
vida cotidiana e do futuro.

Considerações finais
A análise das condições de trabalho aqui apresentada, na medida em que
tomou em conta formas menos conhecidas de políticas de ação familiares
e vicinais, pôde ultrapassar os limites da organização de princípios de
avaliação segundo as caricaturas patrocinadas pelos termos inclusão x
exclusão. Não basta apenas advertir sobre o caráter fluido e impreciso ou
mesmo o absurdo social do termo exclusão, afinal eles revelam e procuram
esconder ou secundarizar relações nem sempre conhecidas por serem
irreconhecidas. Uma forma de caracterizar a sociedade contemporânea
tem sido especialmente formulada pela polarização que teóricos e ideólo-
gos acentuam ou insistem em acentuar quanto ao caráter acumulativo da
inserção precária, intermitente e dependente de laços outros que, longe
de colocarem como perspectiva a autonomia, assentam-se na construção
da interdependência, das trocas em momentos liminares que atingem
potencialmente a todos os que se colocam em idade produtiva.
As situações aqui apresentadas estão longe de ser pensadas pelos ime-
diatos efeitos das mudanças técnicas que caracterizam a globalização
tout court. Elas revelam o fechamento de alternativas de trabalho para
os jovens, mas muitos outros fatores são mais contundentes: ausência de
uma política de formação de jovens para o mercado de trabalho; certo
isolamento social num contexto da conclamada globalização comuni-
cativa e de circularidade de certos conhecimentos; falta de alternativas
aos meios de transporte de massa; enfim, modos de encantoar de parte
da população em torno da periferia dos grandes centros. E talvez seja
esta a razão pela qual eles mesmos recriam, na fronteira, outras formas
de produção e engajamento interno, assentadas em suas condições co-
tidianas de vida; e gerem, como possível, os efeitos de uma sociedade
que conclama a dualidade: a uns a excelência dos postos de trabalho
valorizados e bem pagos; e a outros a criatividade e o intercâmbio de
parcos recursos para gerir circuito econômico próprio.
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Seguindo os parâmetros apreendidos na análise dos investimentos colo-


cados em prática pelos entrevistados, os dados obtidos na pesquisa per-
mitem considerar outras questões, algumas delas a seguir sistematizadas:
• Como, individualmente ou por apoio familiar e vicinal, os jo-
vens tentam gerir, por processos de aprendizagens elaboradas
no domínio das relações equivalentes, os efeitos de condições
atuais de exploração e desqualificação mercantil da força de
trabalho.
• Como gerem os estigmas decorrentes das imposições destina-
das à desqualificação da força de trabalho e da remuneração.
• Como lutam para ultrapassar a autodesqualificação pela qual
a maior parte dos entrevistados iniciou a inserção nos diversos
mundos de trabalho.
• Como se negam a se posicionar enquanto um fora de lugar,
mesmo que ainda se contrapondo a práticas que, no plano
geral, venham sendo constituídas para protegê-los dessa
própria exploração, mediante o prolongamento do tempo de
inatividade (por exemplo, proibição do “trabalho infantil”.8
• Como, por essas práticas de formação enquanto trabalhadores,
explicitam os limites de acenos social e moralmente consagra-
dos, mas politicamente fundamentados em hipocrisias sociais,
visto que, constritos às intenções, não se fazem corresponder
a modos de financiamento da inatividade entre jovens que,
pertencentes a camadas populares ou de baixa renda, não po-
dem assegurar consumos sem a participação direta enquanto
produtor direto? Por isso mesmo, não podem se constituir em
beneficiários de política de financiamento dessa proteção ou da
desejada melhor qualificação profissional, sendo cada vez mais
empurrados para a vinculação informal; sendo cada vez
mais levados a aceitar uma servidão voluntária à ilegalidade,
engajando-se na elaboração de justificativas dignas para essa
inserção por todos condenada. Em decorrência desses dile-
mas por eles enfrentados, a questão imediata que se coloca
para esses jovens é: Como negar e ser negado do vínculo do
8
O número de pesquisas em torno do trabalho infantil, acompanhando os programas sociais cujas intenções
prenunciam a erradicação dessa forma de inserção produtiva de crianças e jovens, tem se ampliado nos
últimos anos. Citaria o investimento que realizei, posto que muitas das reflexões aqui desenvolvidas foram
elaboradas diante desse acúmulo de problemáticas situacionais. Ver Neves (1999, 2000, 2002a, 2002b, 2003,
2004).
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trabalho, se o trabalho não deixou de ser questão central para


a reprodução do grupo social a que pertence?
Neste artigo, não levei em conta as desistências, os descréditos ou a
aceitação de um pressuposto destino social já dado, contra o qual lutas
mais projetivas não são objeto de crédito. Entrementes, procurei não
perder de vista a distinção de contextos segundo sistemas de diferencia-
ção e hierarquia, visto que resultados positivos ou negativos explicitam
privilégios ou inviabilidades relativas, mas nem em todos os casos com
tendência a se desenvolver acumuladamente. Por este efeito, procurei
qualificar os desdobramentos quanto ao projeto de constituição social
como trabalhador, na maior parte das vezes mais dependente de gestão
de acasos e alternativas imediatas, e menos de qualquer projeção idea­
lizada de gestão de formas de integração produtiva. Por tal motivo, cada
alternativa de vínculo citada foi qualificada, segundo a solicitada avalia-
ção pelos entrevistados, por valorização positiva ou negativa quanto à
construção do itinerário ocupacional.9
Se a diferenciação social – por sexo, constituição de família conjugal
ou pertencimento à família de origem, inserção em ciclo fundamental
ou médio do sistema de ensino, afiliações religiosas, além da situação
de vínculo no mercado de trabalho – deve sempre ser levada em con-
sideração, essa perspectiva não pode, nas condições propostas pela
pesquisa, secundarizar o trabalho coletivo de aproximação. Considero
assim as semelhanças e as diferenças, mas entendendo-as como partes
de sistemas de relações e de forças entre concorrentes, alternativas situa­
cionais dos setores da atividade econômica aos quais os entrevistados
estão referenciados, expressões de formas como cada grupo familiar de
trabalhadores procura e constitui sua identidade na diferença (quando
nada de comportamento moral), condições diferenciadas de investimen-
tos dos membros da família. Por isso é importante entender os jogos
que ocorrem, no caso, entre forças de integração e forças de dispersão,
influências dissolventes e pressões para interiorização de estilos de vida
e normas próprias, modos de reprodução e transmissão de heranças
constituídas pelo saber e pela rede de apoio, possíveis demonstrações de
tendências sociais a que cada geração ou grupos diferenciados podem
ser mais ou menos tocados.
As posições sociais citadas pelos entrevistados, próprias de sua condição
de iniciação no universo de trabalhadores, como já destaquei, na maior
parte dos casos em apreço foram por eles mesmos desvalorizadas. Essa
9
As reflexões em torno dos itinerários ocupacionais são devedoras das inspirações construídas a partir da
leitura dos seguintes autores: Dubar (1998); Godard; Bouffartigue (1988).
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135

desvalorização equivale também à percepção de que elas são vistas como


passageiras e necessárias. Enfim, são concebidas como constitutivas de
rituais de iniciação na constituição do trabalhador, e, por isso, elas, em
tese, são negadas no que diz respeito à reprodução da respectiva trajetó-
ria. Não consideradas dignas de serem longamente ocupadas, ao menos
pelos que as ocupam, nas entrevistas, mesmo que fossem suprimidas pelo
entrevistado, elas eram insistentemente lembradas pelo pesquisador. Por
tais recursos de relacionamento próprio aos atos de entrevistas, devem
ser incorporados como dados. E por efeitos de análises estabelecidas
em ato, exprimem o processo de desautorização da autoformação, da
endogamia da reprodução do trabalhador, da sua falta de autonomia
pela imposta condição de fazedor de mandado. Mas também ressalta que
a desautorização é constitutiva das dificuldades a serem enfrentadas no
âmbito da gestão de formas de projeção do futuro e de construção da
empregabilidade. Os entrevistados só reconhecem a reivindicada condi-
ção de empregabilidade a partir do princípio básico de autoapresentação
individualizada a empregadores. Este saber e consciência das relações
que presidem a inserção no mercado de trabalho revelam também outras
modalidades de expropriação das condições de constituição e repro-
dução de trabalhadores, quando nada os genericamente condenados
ao desemprego ou ao emprego precário. Ora, se não bem geridas, tais
ocupações ou empregos precários podem se constituir em forma prévia
de inatividade ou dispensa; em prelúdio ao desemprego; em imposta
aprendizagem da gestão familiar ou individual dos sucessivos tempos
de inatividade e exclusão de consumos que ultrapassam a reprodução
imediata. Como o próprio recrutamento se faz sob forma instável ou
limitada, desdobrando-se, sob certos traços, para a objetivação da con-
dição de desemprego, os familiares, para que o jovem alcance algum
resultado mais positivo, devem assegurar os apoios financeiros e morais
nos momentos de desemprego. Por fim, os dados levam a destacar que
tais condições adversas não podem, como tão decantadas por versões
oficiais, ser atribuídas apenas ao baixo nível de instrução. Ora, muitas
vezes jovens com ensino fundamental e médio, sob os mesmos vínculos
informais, realizam basicamente as mesmas ou aproximadas tarefas e se
submetem às mesmas condições desfavoráveis ou precárias de trabalho.
A inserção no ensino universitário é que se apresentaria então como
solução última? Poderia a escola, dotada de tão limitados recursos, res-
ponder aos afrontamentos do mercado de trabalho? Ora, mesmo que
se alegue que as diferenças de níveis de ensino são pequenas, esta não
é a perspectiva dos entrevistados quando, após desgastantes jornadas
de trabalho, cambaleam entre cochilos e interesses inquestionados nas
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carteiras da sala de aula. Estimulando os desânimos, os próprios entrevis-


tados relativizam o empenho. Todavia, em resposta a acusações oficiais,
investem na ampliação do ensino para se autorizarem a reivindicar
postos de trabalho mais valorizados. Mas os tetos dos salários recebidos,
comumente inferiores ao valor mínimo, reafirmam o peso de jogos de
força constitutivos do mercado de trabalho. O patamar de salário recor-
rentemente aparece invertido: o portador de ensino médio recebendo
salário menor que aquele dotado de ensino fundamental. A crença na
versão oficial é constitutiva não só dos recursos que os jovens investem
ao associarem trabalho e estudo em horário noturno, como também
das respostas que os agentes de governo a eles oferecem: tão somente o
ensino noturno, precedido a cada dia pela oferta de um jantar.
Enfim, o reconhecimento da segmentação do mercado de trabalho (no
caso formal e informal) ou da denunciada escamoteação de regras legais
pelos entrevistados permite compreender a existência de mercados dota-
dos de características perversas, mesmo que fundadas em solidariedade
e contingências. Todavia, sendo alternativa de trabalho para grande
parte da população, especialmente jovem, é preciso então entender o
conjunto de atributos comportamentais e de relacionamentos, bem como
de instituições que participam da elaboração de tais disposições, que ge-
rem, constituindo, o que se pode chamar de um mercado local, espaço
de circulação não profissional, de vínculos dotados de regras próprias e
personalizadas, razão pela qual o acesso pode ser por eles eventualmente
controlado. São setores produtivos cujo tecido social incorpora condições
instáveis de ocupação e emprego, salários baixos, pouca qualificação, mas
condições de gestão de formação da mão de obra, nos termos em que ela
é efetivamente avaliada. Aos trabalhadores assim constituídos cabe, se
possível, gerir as possibilidades difíceis de passagem a outras situações.

Abstract
In this text, from interviews of students that, at night time, were connected
to one of the Integrated centers of public education (Centros Integrados de
Educação Pública), located in the city of São Gonçalo, in the state of Rio de
Janeiro, I analyze processes of constitution of occupational itineraries among
youths between 16 and 25 years old. From the gathered data, I characterize
the practical formation of workers in family and neighborhood scales, an
insertion through which they feel self authorized to present themselves in
specific work markets. Defining themselves as owning certain know-how to
handle, and, sometimes, know-how to do, they recognize themselves as people
that own demonstrative attributes of knowledge that is estimated among
employers that interested in workers whose constitution comes form practical
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experience. These attributes do not really qualify professional paths, but,


mainly, learning processes that take place during the contact with a system of
subjects that are also centralized in the personal management of employees.
Keyword: young workers; proximity economy; urban outskirts, occupa-
tional itineraries.

Referências
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Antropolítica Niterói, n. 25, p. 113-138, 2. sem. 2008


Jania Perla Diógenes de Aquino*

Performance e empreendimento
nos assaltos contra instituições financeiras

O artigo analisa assaltos contra instituições finan-


ceiras, apresentando-os como operações sofisticadas,
resultantes de elaborados planos e mobilização de uma
complexa infraestrutura. Eximindo-se da ênfase atri-
buída à dimensão criminosa e violenta destas ocorrên-
cias, são privilegiados os elementos significativos para
seus protagonistas, que vivenciam a organização de um
assalto como atividade econômica e “trabalho” de alto
risco. O desempenho dramático ou as performances
escoltadas diante de reféns, com o intuito de amedrontá-
los e levá-los a colaborar com o roubo, constituem habi-
lidades relevantes e denotativas de competências, entre
“profissionais” desta modalidade de crime. A definição
de empreendedor de J. Schumepter e as perspectivas de
análise da performance de E. Goffman, V. Turner e
R. Schechner constituem o referencial teórico do texto.
Palavras-chave: performance; empreendimento;
crime.

*
Doutoranda do programa de
Pós-graduação em Antropo-
logia Social, da USP. Email:
janiadiogenes@usp.br.
140

Introdução
A expressão assaltos contra instituições financeiras é utilizada pelos repre-
sentantes das Polícias brasileiras para denominar ocorrências de roubos
e furtos1 contra agências bancárias, carros-fortes, empresas de guarda-
valores e arrombamentos de caixas eletrônicos.
Até meados dos anos 1980, no Brasil, esta modalidade de crime era
efetuada somente contra bancos e se restringia aos grandes centros
urbanos. Todavia, houve significativas alterações em suas características
e alvos: os assaltantes começaram a visar agências bancárias, localizadas
em cidades de pequeno e médio porte; a interceptar carros-fortes nas
rodovias que ligam a capital ao interior dos estados; a roubar empresas
de guarda-valores e caixas eletrônicos – estes, tão logo se propagaram
no país, em meados dos anos 1990, tornaram-se alvos de roubos e furtos.
Demonstrando estarem informadas sobre rotinas internas de funciona-
mento das instituições financeiras, as quadrilhas passaram a efetuar roubos e
furtos exatamente nos dias em que bancos, empresas de guarda-valores
e carros-fortes movimentam maiores quantias líquidas.
Além da organização e do planejamento, outra característica proeminente
destas operações é a infraestrutura: mobilizam instrumentos arrojados,
tais como veículos potentes, armamentos de grosso calibre e dispositivos
de comunicação modernos. A própria atuação dos assaltantes tornou-
se mais calculada e cuidadosa. Com base em uma acentuada divisão de
tarefas entre os participantes dos roubos, habilidades como pontaria e
manuseio de diferentes modelos de armas são continuamente exercitadas.
Assim, o gerenciamento de informações precisas, de equipamentos que
condensam tecnologia de ponta e de “mão de obra qualificada” se tor-
nou a base dos assaltos. Esta modalidade de crime não apenas se elevou
estatisticamente e ampliou sua gama de alvos, mas também se tornou
mais elaborada, resultando em subdivisão de maiores quantias para as
equipes que a organizam e executam.
O caráter performático e a dimensão de negócio que os assaltos contra
instituições financeiras assumem, para os indivíduos que os articulam,
emergem como características proeminentes. Neste texto, estou me
baseando em três fontes de dados principais: notícias de periódicos de
1
Furto é uma categoria jurídica, correspondente ao artigo 155 do Código Penal Brasileiro. Refere-se ao ato
de “subtrair para si, ou para outrem, coisa alheia móvel”. Roubo também é uma modalidade de crime contra
o patrimônio e equivale ao artigo 157 do mesmo texto jurídico, designando a ação de “subtrair coisa móvel
alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por
qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”. Ocorrências de “roubos” e “furtos” são usualmente
denominadas “assaltos”.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 139-157, 2. sem. 2008
141

maior circulação nas capitais brasileiras das regiões Nordeste e Sudeste;


entrevistas com delegados de Polícia, nas duas regiões mencionadas;
entrevistas e conversas informais com mais de três dezenas de indivíduos
que participaram ou participam destas ações criminosas.

Crimes e Negócios
Além de uma contundente sofisticação no âmbito das ocorrências, há
indícios de ter havido, a partir dos anos 1980, uma mudança no perfil
dos indivíduos e grupos que protagonizam tais assaltos. Estes crimes
ganham visibilidade no país, nos anos seguintes ao golpe de 1964. Na-
quele período, roubos contra agências bancárias, junto com sequestros
de importantes figuras no cenário político, foram artifícios utilizados por
militantes de grupos políticos contrários ao regime militar. Os “ganhos”
destas ações eram canalizados para suas reivindicações na luta contra o
regime ditatorial ou para o financiamento de guerrilhas. Posteriormente,
tais ocorrências tiveram como protagonistas mais notórias associações
nascidas nas prisões, resultantes do convívio entre os chamados “crimi-
nosos comuns” e os “presos políticos”, tendo o Comando Vermelho, do
Rio de Janeiro, sido a mais conhecida nos anos 1970 e 1980. Tal grupo,
segundo seus integrantes, utilizava o dinheiro roubado dos bancos para
organizar fugas de detentos e otimizar o comércio de entorpecentes. No
decênio atual, a organização criminosa que adquiriu maior visibilidade e
tem sido apontada pela Polícia e meios de comunicação de massa como
responsável por assaltos contra instituições financeiras, em todas as regiões
do país, é o Primeiro Comando da Capital (PCC). Tal “comando” teria
sua base nos presídios situados no Estado de São Paulo, e suas ativida-
des principais seriam os assaltos contra instituições financeiras, o tráfico de
entorpecentes e o tráfico internacional de armamentos.
Sem estar interessada em delinear contornos do PCC ou de outras
“organizações criminosas congêneres”, nem pretender mapear seus
vínculos com a modalidade de crime que estou pesquisando, enfatizo
somente a “dimensão de negócio” que tais atividades criminosas, atual-
mente, assumem para aqueles que as empreendem. Entrevistas por mim
realizadas vêm demonstrando que assaltantes vivenciam suas tarefas de
planejamento, organização e execução de grandes operações de assalto
como o desenvolvimento de uma atividade econômica.
Da mesma maneira que negócios legais e juridicamente regulamenta-
dos, a organização de um assalto de “grande porte” requer dispêndios
monetários – neste caso, investe-se em veículos e armamentos a serem
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utilizados na operação, imóveis para estada e reunião da equipe que


vai executá-lo, subornos de funcionários dos estabelecimentos visados,
dentre outros gastos.
Constituindo protagonistas destes “empreendimentos”, assaltantes atuam
como exímios homens de negócio: investem dinheiro na viabilização de
roubos, elaboram complexos planos de fugas e abordagens dos alvos,
calculam riscos, possibilidades de êxitos e falhas. O discurso de policiais
e a narrativa dos meios de comunicação de massa, baseados em códigos
jurídicos e valores socialmente instituídos, classificam estes indivíduos
como “criminosos”, enfatizam o caráter ilegal e a violência desprendida
em suas ações. Praticantes de assaltos, no entanto, tendem a classificar
estas “operações” como um “negócio arriscado” e que exige habilidades
específicas. Vejamos a narrativa de um dos meus interlocutores:

É um campo que oscila. Na maioria das vezes dá certo, a gente investe


e tira o dobro, ou até mais, do dinheiro que a gente pôs. Mas quando
não dá certo, quando acontece algo que a gente não planejou, a gen-
te perde tudo, a gente perde o dinheiro que gastou e não tem com
quem reclamar, não tem a quem recorrer para cobrir nosso gasto. É
você sozinho, você e sua experiência e o seu traquejo, não há garantia
nenhuma. Você não tem o direito de errar, por isso tem que planejar,
tem que trabalhar direito, tem que tomar todos os cuidados e precau-
ções. (Trecho de entrevista com Rafael, condenado por roubos contra
bancos e carros-fortes, realizada em maio de 2003)
A interpretação que alguns assaltantes concedem a tal “ofício” apresenta
semelhanças com o modelo schumpeteriano de “empreendedor”. Em
sua Teoria do Desenvolvimento Econômico, J. Schumpeter (1961) discorre
sobre ciclos econômicos, teoria de créditos, fatores de produção, lucro
empresarial, dentre outros temas. O autor define o homem de negócio
empreendedor como “tipo especial de empresário” que se distingue pelo ato
de “se lançar em tarefas jamais realizadas por outros homens de negócio
anteriormente”. Autoridade, previsão e coragem são características do
personagem. O “gosto pela inovação” e a “disposição de se expor ao risco”
seriam suas marcas preponderantes (SCHUMPETER, 1961, p. 108-109).
A coragem de se aventurar em um “negócio” sem garantias e a necessida-
de de renovar constantemente seus métodos, inovando nos formatos de
operações e estratégias de abordagens do alvo, aproximam os criminosos,
sobre os quais venho discorrendo, dos empreendedores schumpeterianos.
Ambos ousam ir de encontro ao acaso, enfrentando-o com competência,
racionalização e previsão de riscos.
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Performances e ferramentas delitivas


A elaboração de assaltos, cujos alvos são instituições que integram o sis-
tema financeiro do país, conforme venho assinalando, desencadeia um
detalhado levantamento de informações, planejamento e viabilização de
equipamentos sofisticados. Assumindo contornos de “empreendimento
econômico”, estes crimes demandam investimento monetário, resultam
em acumulação de altas quantias aos seus organizadores e requerem uma
equipe de pessoas “habilidosas”. Cada procedimento é calculado em mi-
núcia: tarefas são divididas, instrumentos são testados com antecedência,
bem como estratégias para interagir com as vítimas são discutidas entre
os indivíduos que vão participar do assalto.
As formas de conduzir agressões físicas e pressões psicológicas também
são calculadas. Os assaltantes cogitam sobre maneiras eficazes de intimi-
dar as vítimas, não deixando a estas possibilidade de reagir sem arriscar
suas vidas. A força física é empregada como um meio de “apavorar” os
funcionários e as pessoas presentes nos estabelecimentos assaltados.
O uso da violência é um dos pré-requisitos para o êxito, mas o apelo
a este modo de ação não ocorre de forma instintiva ou descontrolada.
Durante um roubo, assim como em outras modalidades de crime violento
contra o patrimônio, a situação não se define como uma disputa entre
inimigos ou como um “acerto de contas”, advindo de antigas “rixas”.
Não se trata de um momento de resolução de conflitos entre partes em
contenda. A agressividade é empregada de forma calculada. O momento
do assalto, quase sempre, é o primeiro contato direto dos assaltantes com
seus reféns. Não há raiva ou ódio anterior de um oponente pelo outro. A
violência é empregada por meio de ataques súbitos e brutais ou a partir
de ameaças verbais, funcionando como subterfúgio dramático ou uma
representação diante das pessoas que sofrem o assalto.
Se, de um lado, o assaltante tem que ser “duro” para conseguir se impor,
de outro, não é positivo para as equipes criminosas que suas investidas
resultem em morte ou ferimentos de vítimas. Nestes casos, os assaltos não
são considerados por seus praticantes como bem-sucedidos. Matar ou
ferir pessoas que não reagem são atitudes interpretadas como amadoras.
Aqueles que se “excedem” no uso da violência física são negativamen-
te avaliados por seus comparsas. Na perspectiva dos personagens do
“mundo do crime”, a linha de separação entre uma atuação considerada
profissional e procedimentos tidos como irresponsáveis é tênue. A rigor,
os assaltos que resultam em mortes deixam de ser juridicamente classi-
ficados como roubo, passando a ser considerados latrocínio, um tipo de
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roubo qualificado pelo resultado, ao qual corresponde uma pena mais


rigorosa do que aquela referente aos roubos sem agravantes. Quanto à
visibilidade pública, incidência de mortes ou “derramamento de sangue”
nas ocorrências implicam maiores repercussões nos meios de comuni-
cação de massa, levando a Polícia a um maior empenho na busca dos
criminosos. Portanto, a recorrente determinação de poupar vítimas não
se baseia em razões humanitárias: antes, deve ser considerada como
medida preventiva das quadrilhas (AQUINO, 2004, p. 97).
Para ser considerado um grande assaltante entre seus pares, uma “boa
atuação” no momento de efetivar um roubo é relevante. Esta se expressa
no ato de adentrar a um grande estabelecimento, expondo-se a câmeras,
sensores, alarmes e vigilantes armados. Estes profissionais desenvolvem,
conscientemente ou não, técnicas de desempenho dramático, produzindo
movimentos, expressões faciais e entonação da voz ajustados às suas ta-
refas na execução das ações criminosas das quais participam. Segundo os
entrevistados, as pessoas que sofrem o assalto não podem sentir fraqueza
ou hesitação nas ameaças recebidas. Os reféns devem acreditar que serão
assassinados ou fisicamente agredidos se reagirem.

Assaltos no vapor e assaltos no sapatinho


Os inúmeros formatos que pode assumir uma ocorrência de assaltos
contra instituições financeiras costumam ser classificados por seus pra-
ticantes a partir de duas denominações genéricas: assaltos no vapor e
assaltos no sapatinho (AQUINO, 2004, p. 38). Trata-se de um sistema
de nomeação “nativa” ou uma categorização êmica.
Os assaltos no vapor são aqueles que apresentam uma grande quantidade
de homens e veículos, armamento pesado e abordagens abruptas. Estes
também podem ser chamados assaltos bomba ou no arrebento. Em tais ações,
as quadrilhas dominam subitamente o local do assalto, efetuam disparos,
gritam e ameaçam as pessoas presentes. Segundo os entrevistados, os
alvos adequados a esse tipo de abordagem são carros-fortes e caixas
eletrônicos. Os modelos de veículos que utilizam são caminhonetes e
picapes com trações nas quatro rodas. Estes, além de velozes, permitem o
transporte e manuseio de armamento pesado, como fuzis e metralhado-
ras. Nestas ocorrências, a performance do grupo criminoso se caracteriza
pelo impacto visual e sonoro, evocando uma estética bélica, do confronto:
armas em punho, posições marcadas, disparos e gritos. Trata-se de uma
violência material e explícita.
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Os assaltos no sapatinho, por sua vez, baseiam-se em abordagens mais


discretas ou silenciosas. Nestes casos, as quadrilhas atuam por meio de
investidas traiçoeiras ou disfarçadas, utilizando, inclusive, armas de me-
nor volume como revólveres e pistolas. Ao invés de uma demonstração
de força imediata e direta, apela-se para a “astúcia” e a “malandragem”.
Um dos entrevistados apresenta a seguinte definição:

Sapatinho é assim, quando você consegue entrar em um local. Você


sem acionar muita gente, sem que você seja notado. Sem dar um
tiro, você pega o dinheiro e sai normalzinho, sem chamar a atenção.
Porque você só precisa anunciar o assalto no momento certo. Não
precisa atirar, não precisa que a cidade inteira fique sabendo que você
está fazendo um assalto. Um tiro que sair dali já aciona todo mundo.
Eu gosto de bolar um truque e esperar o momento certo para meter
a parada. Porque quem faz o ladrão é a oportunidade. (Trecho de
entrevista com Helio, condenado por roubos e furtos contra agências
bancárias, realizada em abril de 2003)
Diversos estratagemas podem ser utilizados para a introdução de armas
no interior de uma agência bancária, sem que seja necessário efetuar
disparos. No caso dos bancos, um dos artifícios frequentes é a utilização
de armas de brinquedo. Portando revólveres de plástico, os assaltantes
passam pelas portas giratórias das agências sem acionar os detectores
de metais, e em seguida rendem os vigilantes do estabelecimento com
as falsas armas, tomando destes as armas verdadeiras, que permitem a
finalização do plano.
Uma estratégia apontada pelos interlocutores como sendo a mais se-
gura e elaborada para atuar no sapatinho é o sequestro de famílias dos
funcionários das instituições financeiras responsáveis pelos cofres dos
estabelecimentos (gerentes e tesoureiros). Tais assaltos, precedidos do
sequestro de famílias inteiras, efetivam-se contra agências bancárias e
empresas de guarda-valores. Os reféns são capturados na noite anterior
ao assalto e permanecem em cárceres privados, que podem ser suas pró-
prias residências ou locais adaptados para funcionar como cativeiros. Na
manhã do dia seguinte, o gerente ou tesoureiro, cujos familiares estão em
poder do grupo, é obrigado a se dirigir ao local de trabalho e entregar
todo o dinheiro dos cofres da instituição.
Nestes casos, apesar de portarem armas, os praticantes da ação criminosa
apelam, sobretudo, para o poder da intimidação verbal. É por meio de
ameaças proferidas calmamente e quase sempre em baixo tom de voz
que os funcionários das instituições financeiras são coagidos a atender
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as exigências da quadrilha. Vejamos a fala de um dos meus entrevistados,


cujos assaltos se baseiam no “sequestro” das famílias de funcionários de
instituições financeiras:

Todo o segredo de fazer esse tipo de assalto está na casa do gerente.


Tudo começa com a família dele: os filhos, a mulher, as pessoas que ele
tem mais afeto. A gente pega essas pessoas e, na hora que ele chega,
a gente pega ele também. A gente pega as famílias no final da tarde ou
à noite. Então, a gente segura o pessoal. O telefone tocou, a gente deixa
a pessoa atender e manda ela falar normalmente. Mas a gente fica na
linha com a pessoa, ouvindo o que ela vai falar. Então a gente fica com
as pessoas na casa, até determinadas horas. Quando a gente vê que
ninguém mais vai chegar, que o telefone não vai tocar, então, por volta
de meia-noite, a gente leva todo mundo pro cativeiro. Depois que está
todo mundo no cativeiro, tudo certinho. Aí a gente começa a trabalhar
o gerente. Conversar com ele, convencer o homem a fazer o que a
gente quer. Nisso aí tem que ser esperto, tem que saber conversar. Tem
que falar com firmeza e não pode falar demais, pois ele pode achar que
a gente tá blefando, entendeu? Aí ele vai pôr mil obstáculos, vai falar
que não entra na empresa, que não dá para entrar. Porque os gerente
e tesoureiros de bancos e dessas empresas de segurança, eles têm pa-
lestras, com o pessoal do GATE (Grupo de Ações e Táticas Especiais
da Polícia Militar, do Estado de São Paulo). A Polícia fala para eles que
a gente vai só fazer pressão psicológica, que não vai matar ninguém.
Então, na hora que a gente tá com eles, eles pensam em tudo, pensam
nas ameaças que a gente faz e também pensam nas palestras que eles
ouviram. Por isso é que a gente precisa ser firme e falar com firmeza,
mostrar que não está brincando, perguntar com firmeza, dar ordens,
que é para eles ver que a gente está determinado a pegar o dinheiro
e que se ele não facilitar, a gente vai matar a família dele. (Trecho de
entrevista com Daniel, condenado por roubos contra bancos e empresas
de guarda-valores, realizada em maio de 2003)
Verifica-se uma acirrada consciência de que suas “atuações” devem ser
convincentes. Expressões, frases, argumentos e gestos utilizados para
ameaçar e intimidar as pessoas que mantêm sob jugo são escolhidos
com antecedência e discutidos entre os vários componentes de uma qua-
drilha. Seus comportamentos, em alguma medida, constituem “textos”
dramatizados diante dos reféns. Nas semanas anteriores ao assalto, são
levantadas informações, não somente sobre a rotina de funcionamento
da instituição financeira, junto com horários de chegada e saída de
seus funcionários. Nos casos dos assaltos precedidos de sequestro, são
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coletados, também, detalhes íntimos e confidenciais, referentes aos ge-


rentes e tesoureiros. Tais informações são canalizadas para o momento
em que estão ameaçando e coagindo estes agentes a colaborarem com a
ação criminosa. Trata-se de dados que são incorporados ao “texto” dos
assaltantes diante de seus reféns.
Em seu clássico Representação do eu na vida cotidiana,2 Erving Goffman
(1992) lança uma analogia das circunstâncias sociais de interação com
a “representação teatral”. Para ele, os indivíduos, quando se apresentam a
outros indivíduos, nas diversas formas de interação social, procuram ter
o domínio das impressões que serão construídas acerca dele. Para tanto,
empregam técnicas semelhantes àquelas adotadas por atores profissionais
diante de suas plateias. Em sua metáfora da sociedade teatro, Goffman
elabora o conceito de “fachada” que se refere ao equipamento padronizado
de tipo intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua
representação (GOFFMAN, 1992, p. 29). A “fachada” é composta por:

[...] um cenário que inclui mobília, decoração, a disposição física e


outros elementos de pano de fundo que vão constituir o cenário e os
suportes do palco para o desenrolar da ação humana executada dian-
te, dentro ou acima dele e a “fachada pessoal” que designa os itens
do comportamento expressivo [...] aqueles que de modo mais íntimo
identificamos com o próprio ator e esperamos que o sigam onde quer
que vá. (GOFFMAN, 1992, p. 29)
Roubos no vapor, como visto, contam com o desempenho dramático dos
assaltantes, que devem demonstrar segurança ao anunciarem a ação vio-
lenta e se locomoverem com desenvoltura no local do crime, proferindo
ameaças, intimidando seus oponentes. Todavia, estas ações “apostam”,
sobretudo, na construção de um “cenário”, marcado pela imponência
das armas com alto poder de destruição. Por outro lado, ações no sapa-
tinho privilegiam a “fachada pessoal”. Segundo Goffman (1992), esta
corresponde a uma série de itens “fixos” e “não fixos”:

Entre os itens da fachada pessoal pode-se incluir os distintivos da fun-


ção ou categoria, vestuário, sexo, idade e características raciais, altura
e aparência (atitude, padrões de linguagem, expressões faciais, gestos
corporais e semelhantes). Alguns desses veículos de transmissão de
2
Na edição americana, o livro de E. Goffman, cuja primeira tiragem é de 1959, intitula-se The Presentation of
self in Everyday Life. A tradução mais adequada para o português seria: A apresentação do eu na vida cotidiana.
Todavia, na edição brasileira, a obra ganhou o nome de A Representação do Eu na Vida Cotidiana. O termo
presentation foi traduzido como “representação” e não como “apresentação”. Outro ponto que convém ressaltar
é o título do primeiro capítulo, cuja versão em português da editora brasileira é Representações; no entanto,
o nome dado ao mesmo capítulo, no original, por E. Goffman foi Performances.
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sinais, como as características raciais, são extremamente fixos e dentro
de um certo espaço não variam de uma situação para outra. Em com-
paração, alguns desses veículos de sinais são relativamente móveis ou
transitórios, como a expressão facial, e podem variar, numa situação
de um momento para outro. (GOFFMAN, 1992, p. 32)
Nas operações no sapatinho, a atuação dos assaltantes tem importância
decisiva. Embora sejam utilizadas armas potentes, a tarefa de amedrontar
os reféns é atribuída aos executores da ação criminosa, que se utilizam,
principalmente, de elementos não fixos da fachada pessoal: expressões
corporais e faciais, linguagens, vocabulários, maneiras de falar e olhar,
gestos específicos, capazes de produzir nos oponentes a impressão de
que a quadrilha é capaz de matar. Um dos entrevistados, que se diz “es-
pecializado” em “assaltos precedidos de sequestro”, ressalta a relevância
de personagens “fortes” ou verossímeis, diante das vítimas:

Esse negócio de você lidar com os sentimentos dos outros é muito sério.
Você passa a noite com as famílias e você não pode demonstrar que
você tem sentimento, que é capaz de sentir piedade. Você tem que ser
muito forte para alcançar seu objetivo. A gente passa uma noite com
aquelas pessoas, ameaça, diz que vai matar, mas não pode deixar que
elas vejam nossa fraqueza. A gente não pode demonstrar que fica toca-
do com o sentimento delas. Quando a gente tá trabalhando, não pode
demonstrar esse lado. Porque se percebem que você não tá querendo
matar, eles não vão entregar o dinheiro. E se eles não entregam o di-
nheiro, aquele serviço já fracassou. Então, a gente tem que dizer que
quer matar e que a vida deles não significa nada pra gente. (Trecho de
entrevista com Rafael, realizada em maio de 2003)
Devendo demonstrar “frieza” e “firmeza” como “fachada pessoal” de
agressor, cabe ao assaltante emitir impressões capazes de promover
volubilidade e obediência.
Os entrevistados costumam enfatizar que, nas operações precedidas
de sequestros das famílias dos gerentes ou tesoureiros, a quadrilha fica
desincumbida de atacar o alvo em pleno horário de seu funcionamento
comercial, tarefa que envolveria maiores riscos.

Se você assalta diretamente, invadindo o banco, aí você tem a chance de


ter confronto com a Polícia. Mas se você pensa um pouco, você vai fazer
da forma que você se arrisca menos. Se você conversa com o gerente
antes, você não vai invadir o banco. Você vai evitar um encontro não
desejado com a Polícia. Eu não digo sequestro, como você diz, porque
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sequestro é uma palavra muito forte. A gente leva o gerente e também


a família dele para um passeio, para uma conversa, aí a gente procura
chegar a um denominador comum. (Trecho de entrevista com Jorge,
condenado por roubos e furtos contra bancos, carros-fortes e empresas
de guarda-valores, realizada em março de 2003)
Nesta modalidade de ataque, a quadrilha nem ao menos precisa “anunciar
o assalto”, pois a companhia de funcionários da instituição financeira
facilita o acesso às agências bancárias e empresas de guarda-valores.
Coagidos, entregam numerários sem esboçar reação. Desta maneira,
quem vai de fato concluir o assalto é o gerente e não o assaltante.

O gerente participa do roubo, sabia? Participa mais do que o ladrão,


porque ele é obrigado a colaborar, ele entrega o dinheiro na nossa
mão. (Trecho de entrevista com Rafael, realizada em maio de 2003)
Portanto, nestes casos, funcionários das instituições financeiras deixam
de ser plateias e atuam como atores no espetáculo de um grande roubo.
Há consideráveis diferenças entre os “assaltos precedidos de sequestro”
e aqueles denominados no vapor, em que ocorre uma intensa exposição
dos assaltantes. Por empreender ações barulhentas e espalhafatosas, seus
praticantes se colocam como o centro das atenções, em “apresentações”
elaboradas para “grandes plateias”. Já os assaltos no sapatinho constituem
intervenções performáticas que têm como alvo um “público seleto”. No
caso de “assaltos precedidos por sequestros”, a maior parte do drama
se desenvolve no ambiente privado das residências dos reféns, ou em
“cativeiros” viabilizados pela quadrilha. São ocorrências desprovidas do
impacto e tensão explícita, que caracterizam os assaltos no vapor.
Em suas observações das performances cotidianas, Goffman (1992) chama
a atenção para as informações que os atores veiculam à plateia, por meio
dos estímulos constitutivos de sua fachada pessoal. O autor faz uma dis-
tinção entre aparência e maneira.

[...] pode se chamar de aparência aqueles estímulos que funcionam no


momento para nos revelar o status social do ator [...] Chamaremos de
maneira os estímulos que funcionam no momento para nos informar
sobre o papel na interação que o ator espera desempenhar, na situação
que se aproxima. (GOFFMAN, 1992, p. 31)
De acordo com Goffman (1992), há uma expectativa de compatibilidade
entre aparências e maneiras nas fachadas, por parte das plateias. Transpon-
do as considerações do autor para a análise dos assaltos contra instituições
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financeiras, pode-se afirmar que nos casos dos roubos no vapor se verifica
consonância entre aparência e maneira. Nestes eventos, os praticantes da
ação criminosa revelam a condição de assaltante, desde o primeiro mo-
mento: chegam às instituições efetuando disparos, aterrorizam, ameaçam,
agem com brutalidade. Em larga medida, esse é o comportamento que a
plateia – identificada com as vítimas de um assalto – espera de criminosos,
personagem portador de estigmas e estereótipos.
No caso dos assaltos no sapatinho, seus protagonistas disfarçam a condi-
ção de assaltantes. É recorrente as quadrilhas, na abordagem de alvos,
utilizarem características ou habilidades de seus integrantes, socialmente
associados à “boa aparência”, tais como: pele branca, cabelo liso, nariz
afilado, porte altivo, elegância nos gestos e vestimentas. Graças à imagem
de distintos cidadãos de classe média, os interlocutores afirmam se apro-
ximar dos gerentes ou tesoureiros dos estabelecimentos que pretendem
roubar. As duas narrativas a seguir expressam a utilização que concedem
aos itens fixos e não fixos de suas fachadas pessoais:

Essa parte de pegar o gerente da instituição tem que ser uma pessoa
cuidadosa, que seja capaz de se aproximar dele em qualquer lugar.
Tem que ser capaz de abordar ele, onde ele estiver, sem que ninguém
perceba que naquele momento tá começando um assalto a banco. Por
isso tem que ser uma pessoa educada. Eu gosto de fazer essa parte,
porque se eu for, eu consigo pegar sem ninguém perceber. Eu me
aproximo dele, invento qualquer desculpa, tiro ele do meio do povo
e levo para um particular. (Trecho de entrevista com Daniel, realizada
em abril de 2003)

Precisa de uma aparência mais ou menos, porque a maioria do pessoal,


gerentes de empresas, tesoureiros, moram em bairros requintados.
Então não pode botar qualquer um, pra ir naquele bairro, porque vai
chamar a atenção da vizinhança. Tem que ser alguém que pareça ser
morador daquele bairro. (Trecho de entrevista com Rafael, realizada
em abril de 2003)
Os assaltantes que atuam no sapatinho trapaceiam suas vítimas no “jogo”
da representação social. Pois se apresentam sob aparências dissonantes de
estereótipos identificados com o “bandido”, apostam na “boa impressão”
causada por suas fachadas pessoais. Desta maneira, aproximam-se de seus
alvos e conseguem atacá-los, discretamente. Somente minutos depois que
foram abordados, os reféns tomam consciência do assalto. A incompati-
bilidade entre a aparência de “cidadãos bem-educados e bem-vestidos”
e as maneiras insolentes de criminosos somente se manifesta depois que
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o roubo é anunciado. A partir deste instante, suas características físicas


e vestimentas, responsáveis pela imagem emitida inicialmente, já não se
farão acompanhar por um comportamento amistoso, mas por ameaças
e coações (AQUINO, 2004, p. 67).
Em se tratando das performances diante dos reféns, praticantes de assaltos
cujas abordagens se efetuam no vapor são coerentes com suas plateias.
Estes, em todos os momentos do roubo, demonstram a condição de “as-
saltantes”. Como tais, agem com “brutalidade” e “truculência”, modos
correspondentes às atitudes esperadas de criminosos, por seus oponentes.
Por outro lado, quadrilhas que atuam no sapatinho utilizam a “expectativa
de compatibilidade entre aparência e maneira” para se aproximar de suas
vítimas sem despertar suspeitas e ter chances de “anunciar o assalto”.
Nestes casos, a violência não transborda para o espaço público das ruas;
é dada por um diálogo assimétrico, em que um dos participantes tem
como argumento o poder sobre a vida do outro.

A elaboração de assaltos como


uma “sequência total da performance”
Como visto, há múltiplos formatos e modos operandis a partir dos quais
podem se efetivar assaltos contra instituições financeiras. Estes envolvem
um conjunto de fases: escolha de um alvo, elaboração de um plano,
viabilização de infraestrutura para a ação, assalto e fuga, dentre outras.
Trata-se de eventos que se desenrolam a partir de etapas sucessivas. A
chamada Antropologia da Performance, “campo teórico” desenvolvido por
Vitor Turner e Richard Schechner, oferece um referencial profícuo para
a análise das sequências imersas nestas operações.
Nos anos 1960 e 1970, Schechner, diretor e estudioso do teatro, faz sua
aprendizagem antropológica com Turner, antropólogo consagrado por
suas análises dos rituais. Este, na sua relação com Schechner, torna-se
um aprendiz do teatro (DAWSEY, 2005b).
Em toda a sua trajetória intelectual, Turner esteve interessado em mo-
mentos extracotidianos, instantes e eventos de interrupção da estrutura
– pensada pela antropologia social britânica como o conjunto de relações
empiricamente observáveis – nos quais as sociedades “sacaneiam-se a si
mesmo, brincando com o perigo e suscitando efeitos de paralisia, em
relação ao fluxo da vida cotidiana” (DAWSEY, 2005a, p. 164-165). Nos
anos 1950, ele observa como as aldeias ndembu, na África setentrional,
ganham vida em momentos de crise. A partir deste período, Turner
enfatiza que estruturas sociais são carregadas de tensões. Ele opera um
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“desvio metodológico” nas diretrizes da escola de Manchester, argumen-


tando que para entender a estrutura é preciso suscitar um desvio, olhar
para a antiestrutura, buscando elementos não óbvios das relações sociais,
momentos de tensão e rupturas (DAWSEY, 2005a).
Quando ocorre sua interlocução com R. Schechner, Turner está inte-
ressado em eventos das culturas pós-industriais, tais como cultos, festas,
carnavais, músicas, danças, teatro, procissões, rebeliões e outras formas
expressivas.
Se a perspectiva de análise da performance de Erving Goffman (1992)
privilegia o corriqueiro e o ordinário, Turner e Schechner se interessam
por instantes de interrupção do cotidiano e momentos extraordinários.
Estes autores pensam o teatro e as performances como vivências, cuja in-
tensidade está relacionada à excepcionalidade e à quebra de uma rotina.
Em Between Theater & Anthropology (1985), Schechner enumera “pontos de
contatos” entre a antropologia e o teatro. Uma das interfaces assinaladas
entre estes dois “mundos” é a cadeia de etapas constitutivas dos eventos
performáticos que ele denomina sequência total da performance. Esta seria
composta pelos seguintes momentos: treinamento, oficinas, ensaios, aqueci-
mento, performance propriamente dita, esfriamento e desdobramentos. Tomando
a ideia de uma sucessão performática para analisar operações de assaltos,
podem-se pensar as fases de treinamento, oficinas, ensaios e aquecimento como
correspondentes às tarefas desenvolvidas ou situações vivenciadas por
seus praticantes antes de efetuarem os roubos.
A performance propriamente dita viria a ocorrer durante a realização dos
assaltos e das fugas, circunscrevendo o instante em que o roubo é anun-
ciado até o momento em que a equipe criminosa consegue chegar a um
esconderijo. Esta etapa compreende situações decisivas e imprevisíveis,
conforme argumentei anteriormente. Seus contornos serão considera-
velmente modelados pelas habilidades dramáticas dos executores da
ação. As fases intituladas por Schechner de esfriamento e desdobramento
começam quando a quadrilha consegue chegar ao(s) lugar(es) designado(s)
anteriormente como ponto de apoio ou esconderijo. Trata-se de um
conjunto de momentos vivenciados como uma “quebra”. Verifica-se um
contraste entre a tensão experimentada, durante o assalto e a fuga, e o
alívio sentido quando a equipe chega a um local considerado seguro ou
protegido de perseguição policial. Segundo alguns dos entrevistados, a
chegada ao “ponto de apoio” detona uma espécie de “ressaca”, demar-
cada por cansaço físico e mental, decorrentes do dispêndio de energia
e a sensação de medo, vividos durante o assalto. Tal estado de “ressaca”
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quase sempre é ofuscado pela consciência de êxito, traduzida em euforia,


que lhes domina nestas ocasiões.
Nos momentos seguintes, o grupo criminoso trata de dividir o dinheiro
roubado, e os assaltantes procuram sair da cidade em que o roubo foi
efetuado. Inicia-se uma investigação policial para desvendar detalhes do
crime, notícias acerca da ocorrência são veiculadas na imprensa escrita e
televisiva, suscitando comentários e avaliações diversos, no “mundo do
crime” e no “mundo da legalidade”.
Para um profissional, a vivência da performance envolve um conjunto de
práticas e aquisição de saberes, sendo algumas habilidades decorrentes
de uma longa trajetória em atividades ilegais. Embora o “desempenho
dramático” diante das vítimas não resulte de um aprendizado sistemático,
como ocorre com o ator profissional, o praticante de assaltos se torna
um bom performer pela vivência de seu ofício, interagindo em um meio
de “especialistas”. Segundo Jorge (assaltante tido pela Polícia Civil do
Ceará como o maior articulador de ações criminosas contra bancos e
carros-fortes da região Nordeste), o “bom assaltante é aquele que sabe o
que tem que fazer e o momento de fazer, que não tem de ser ensinado,
que a gente não tem que tá o tempo todo se preocupando em dizer a
ele o que ele tem que fazer”.
A habilidade descrita pelo entrevistado, em alguma medida, pode ser
identificada com habitus, tal como o formula Bourdieu (1990). Para este
autor, tal disposição funciona como uma espécie de sentido do jogo incorpo-
rado. Trata-se de um saber praxiológico ou não tematizado, interiorizado
pelos agentes sociais, a partir de suas posições em determinados campos.
Configurando-se numa “segunda natureza”, o habitus orienta julgamentos
éticos e estéticos, sendo também capaz de se exteriorizar em práticas,
ajustadas às demandas de um dado contexto.
Instantes referentes à efetivação do assalto, que tendem a ser considera-
dos pavorosos ou excepcionais pelos reféns, costumam ser interpretados
por protagonistas da operação criminosa como ocasiões arriscadas, porém
necessárias e repetitivas em suas trajetórias.
Ao tratar das intersecções entre antropologia e teatro, Schechner (1985)
assinala também a transformação do ser ou da consciência, vivida pelos per-
formers. Para o autor, mesmo não deixando de ser ele mesmo para se
transformar em outro diante do público, o artista assume características
do papel interpretado. Embora não consiga se livrar dos desígnios do
seu himself, o ator absorve e incorpora traços do personagem encenado
e sofre uma tensão entre sua própria identidade e a que ele representa.
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A fala de um dos assaltantes que entrevistei, em alguma medida, elucida


a indefinição ou crise detonada pela vivência de diferentes papéis:

Você me vê aqui manso, falando numa boa com você, mas você nem
imagina como é que eu sou quando estou trabalhando. Tinha um
amigo meu que dizia que eu me tornava outra pessoa. A minha voz
muda, as minhas maneiras mudam. Ele disse que não me reconhecia,
porque eu pareço outra pessoa. Não é que eu não me lembre do que
eu faço depois, mas eu mudo. Eu sou eu, mas faço e digo coisas que eu
não faço normalmente, que não têm a ver com o meu jeito de tratar as
pessoas. (Trecho de entrevista com Rafael, realizada em abril de 2003)
Da mesma maneira que os atores, dançarinos e religiosos pesquisados
por Schecnher (1985), o “assaltante profissional” não pode imergir no
personagem a ponto deixar de ser ele mesmo ou perder a consciência dos
seus atos. Tanto o é que uma das qualidades mais enaltecidas entre os
praticantes desta modalidade de crime é o autocontrole. A falta de do-
mínio de si pode desencadear atitudes nocivas aos reféns, a eles próprios
e aos seus comparsas. O pavor da perda do autodomínio foi apontado
por alguns entrevistados como um dos elementos que os impedem de
consumir álcool ou entorpecentes, quando estão “trabalhando”.
A ideia de transformação do ser, enfatizada por Schechner (1985) na repre-
sentação do ator, decorre da noção de liminaridade, categoria construída
a partir dos estudos de Van Gennep, sobre rites de passage, depois expan-
dida por Turner, em suas pesquisas entre os ndembu. Van Gennep (1978)
havia mostrado que todo rito de passagem ou transição se caracteriza por
três fases: separação, margem e agregação. A segunda fase do ritual, margem,
foi também chamada pelo autor de limem, que, em latim, significa limiar.
Esta etapa é caracterizada pela disparidade entre o estado anterior ao
ritual e a transição. Trata-se de um momento de “suspensão”, marcado
pelo contraste entre a posição na estrutura anterior ao rito e aquela que
o indivíduo passará a ocupar depois dele. Para Turner, a liminaridade
experimentada durante a performance envolve uma maneira subjuntiva
de os indivíduos se situarem no mundo, orientada por um como se e
vivenciada por estranhamento da realidade. Se a vida ordinária se or-
ganiza pelo modo indicativo, em que pessoas e posições são ou foram ou
serão, a subjuntividade, inerente ao momento ritual, instaurando o como
se, produz em seus participantes um efeito de “espelho mágico” do real,
concedendo-lhes a capacidade de ser não eu.
Percebe-se que a suspensão e a liminaridade, próprias dos rituais, caracteri-
zam o momento de duração de um assalto. Nestes eventos, ao apresentar
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e experimentar intensamente suas performances, os protagonistas da ação


violenta têm consciência de que tais desempenhos repercutirão no futuro,
de forma relevante, em diferentes esferas de suas vidas. Identificam-se
“passagens” nas trajetórias destes profissionais; trata-se de mudanças
decorrentes da participação em ocorrências que ganharam repercussão
nos meios de comunicação de massa, seja pela ousadia do plano, a forma
de violência utilizada ou as altas cifras adquiridas. Nestes casos, o roubo de
elevadas quantias, seguido por uma fuga “bem-sucedida”, confere fama
aos executores do crime, permitindo-lhes difundir imagens positivas de
si, entre outros assaltantes, além de torná-los cotados para tomar parte
em futuros negócios ilegais. Por outro lado, o “sucesso profissional” os
leva a serem considerados “bandidos de alta periculosidade” e a sofrerem
forte perseguição policial (AQUINO, 2004, p. 106).
Referindo-se às artes dramáticas e às experiências religiosas, Schechner
(1985) enfatiza que as avaliações das performances variam em função das
características das “plateias”. Sobre as “atuações” de praticantes de as-
saltos, evidencia-se que estas também recebem interpretações diversas e
produzem desdobramentos específicos em diferentes círculos sociais. Desta
maneira, ações positivamente significadas, no universo dos grandes roubos,
são incriminadas ou estigmatizadas por critérios emanados de sistemas
jurídicos e valorativos, vigentes no “mundo da legalidade”.

Considerações Finais
A concepção schumpeteriana de empreendedor e as perspectivas de
compreensão da performance de Turner, Schechner e Goffman têm consti-
tuído um valioso panorama teórico para minha análise dos assaltos contra
instituições financeiras. A metáfora da sociedade teatro de E. Goffman e sua
ênfase no “desempenho de papéis” por atores sociais, em situações de
interação, como vistas, revelam afinidades entre estratégias expressivas
de elaboração do comportamento, mobilizadas por atores sociais na vida
cotidiana, bem como artimanhas adotadas por praticantes de assaltos,
diante de seus reféns. Por sua vez, as elaborações apresentadas por
Turner e Schechner possibilitam sublinhar a liminaridade destes eventos,
interpretando a atuação dos seus protagonistas como expressão de uma
experiência e parte de uma cadeia ou “sequência” de ações.
Trata-se de elaborações teóricas que propiciam um alargamento de pers-
pectivas para a compreensão do objeto de estudo, impedindo-me de
reduzi-lo à dimensão de ocorrência criminosa ou ação violenta. Por outro
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lado, possibilitam enfatizar o caráter de atividade econômica e desem-


penho dramático imerso nestas ocorrências “sofisticadas” e “arguciosas”.

Abstract
This article analyzes hold-ups against financial institutions, presenting them
as sophisticated operations resulting from elaborate plans and mobilization
of a complex infra-structure. Exempting itself from the emphasis given to
the criminal and violent dimension of these occurrences, it privileges the
significant elements for their protagonists, who consider the organization
of a hold-up a moneymaking activity and high-risk “work”. The dramatic
action and the performances done before hostages, intended to frighten
them and make them collaborate with the robbery, constitute relevant abili-
ties and denote competences among “professionals” of this type of crime.
J. Schumepter’s definition of entrepreneur and E. Goffman’s, V. Turner’s
and R. Schechner’s perspectives of analysis of the performance constitute
the theoretical referential of the text.
Keywords: performance; undertaking; crime.

Referências
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tituições financeiras”. Dissertação (Mestrado)–Universidade Federal do
Ceará, Fortaleza, 2004.
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SCHUMPETER, J. Teoria do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro:
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TURNER, V. Dewey, Dilthey e o drama: um ensaio de antropologia da
experiência. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 13, n. 14, 2005.
. O processo ritual: estrutura e antiestrutura. Petrópolis, RJ:
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. The anthropology of performance: New York: PAJ Publications,
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WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Brasília, DF: Pio-
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. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1974.

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José Marcos Froehlich*
Everton Lazzaretti Picolotto**
Heber Rodrigues Silva***
Matheus Alegretti de Oliveira****

A colonização alemã na região central


do Rio Grande do Sul – capital social
e desenvolvimento regional

O presente trabalho objetivou levantar aspectos histó-


ricos da colonização alemã na região central do Rio
Grande do Sul que podem ser considerados importantes
fatores para a sua consolidação e contribuição ao de-
senvolvimento regional. As informações foram obtidas
através de pesquisas bibliográficas, documentais e
relatos orais a partir de entrevistas não padronizadas
com vinte produtores rurais descendentes de imigrantes
germânicos. Após o estabelecimento dos colonos alemães
na região central do Rio Grande do Sul, verificou-se
que as inovações conduzidas por eles no espaço rural e
na agricultura resultaram numa rápida consolidação
econômica, impulsionando novas condições sociais que
atenderam às intenções do governo da época e também
as suas próprias aspirações. Com o dinamismo da
agricultura colonial, logo surgiram as agroindústrias
e associações de produtores, bem como se difundiram
no tecido social os valores culturais e religiosos dos
*
Prof. dr. do Programa de colonos, consolidando a colonização alemã na região
Pós-Graduação em Ex- central do Rio Grande do Sul. Ressalta-se neste
tensão Rural (mestrado e
doutorado) – UFSM. E-
processo a religiosidade ancorada no protestantismo
mail: jmarcos.froehlich@ luterano e a origem diversificada de muitos imigrantes,
pq.cnpq.br oriundos de centros urbanos e com habilidades técnicas
**
Bacharel em Ciências Sociais e culturais amplas, o que favoreceu o desenvolvimento
e MSc. em Extensão Rural
– UFSM; doutorando em
tecnológico e o estabelecimento de redes de sociabilidade,
Ciências Sociais – CPDA/ constituindo desde logo capital social favorável ao
UFRRJ. E-mail: evpicolot- desenvolvimento regional.
to@yahoo.com.br Palavras-chave: colonização alemã; capital social;
***
Acadêmico de Agronomia desenvolvimento territorial.
– UFSM. E-mail: hebermay-
ca@yahoo.com.br
****
Acadêmico de Agronomia
– UFSM. E-mail: matheu-
salegretti@gmail.com
160

Introdução
Embora a imigração europeia para o Brasil meridional, especificamente
para o Rio Grande do Sul (RS), já viesse ocorrendo desde os primeiros
séculos de ocupação da América do Sul,1 o fluxo mais intensivo de imi-
grantes de origem europeia para o Rio Grande do Sul se insere no fenô-
meno das migrações transoceânicas recorrentes entre a Europa e o Brasil
no século XIX. Conforme Pesavento (1994), a imigração é um processo
que se insere na dinâmica de desenvolvimento do capitalismo na medida
em que se formou, em determinadas nações europeias, um excedente
populacional que, sem terra e sem trabalho, se convertia em foco de
tensão social. Esta população sobrante necessitava ser alocada em outros
países que oferecessem, além da terra, condições de reprodução social.
O fenômeno da imigração, no Brasil, vincula-se ao momento histórico
em que se dá no país a transição das relações de trabalho escravistas para
as relações assalariadas.
A introdução do imigrante europeu alemão no RS, além de ter o objetivo
de ocupar áreas “virgens” com pequenos proprietários produtores de
alimentos e fazer certo contrapeso político frente às oligarquias locais,
teve também a intenção de superar a agricultura praticada pelos “cabo-
clos”, pois, segundo o discurso predominante na época, estes não eram
capazes de produzir os alimentos necessários para abastecer os núcleos
urbanos (PESAVENTO, 1994). Esta foi uma situação que requereu e
justificou, por parte do Estado, medidas para a implantação de colônias
para produção diversificada de excedentes.2 Com esse intuito, foram
instaladas colônias de imigrantes alemães em regiões “desabitadas”,
consideradas estratégicas: instalaram-se as primeiras colônias na região
de São Leopoldo – próximo a Porto Alegre – e, posteriormente, ocorreu
a expansão das colônias para a encosta do Planalto Riograndense, onde
instalaram-se colônias como a de Santa Cruz e a de Santo Ângelo, esta
última na região central do RS (ROCHE, 1969).
A criação oficial da Colônia Santo Ângelo, atuais municípios de Agudo,
Paraíso do Sul, parte de Dona Francisca e Cachoeira do Sul (região
1
Imigração que contava principalmente com elementos humanos provenientes das áreas de domínio dos
impérios de Portugal e Espanha.
2
De acordo com Roche (1969), a imigração no RS teve duas fases. A primeira, que contou com a entrada de
imigrantes de origem alemã, vai de 1824 a 1845 e ficou a cargo do governo Imperial. Nesta fase se verificou
um período de escassez de entrada de imigrantes, tendo como causas a falta de dinheiro para pagamento
das despesas de transporte e as crises políticas decorrentes da renúncia de D. Pedro I e da Regência, além
da deflagração da Revolução Farroupilha em 1835, que opôs a Província ao governo Imperial. A segunda,
que vai de 1845 a 1889, marcou o início da colonização provincial e privada, que não tinha ocorrido antes
por falta de recursos.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 159-177, 2. sem. 2008
161

central do RS), constituiu-se em um resultado concreto das aspirações


do governo provincial em estabelecer um núcleo de produção agrícola
nesta região, até então desprezada pelos criadores de gado por ser uma
região de banhados, matas fechadas e terreno montanhoso.
A vinda de imigrantes alemães, por motivos múltiplos, trouxe inova-
ções à paisagem agrária da região central do Rio Grande do Sul, onde,
anteriormente, predominava a pecuária extensiva. O estabelecimento
dos colonos germânicos propiciou, de um lado, a implantação de novas
culturas agrícolas, técnicas diferenciadas de manejo de solo e plantas, e o
nascimento de um formato de organização comunitária e de agricultura
de base familiar até então pouco conhecidos e praticados nesta região.
De outro lado, os imigrantes alemães, ao contrário do que almejavam
as autoridades da época, não se constituíam somente em agricultores.
Existiam entre os imigrantes várias habilidades profissionais, desde
carpinteiros, marceneiros e ferreiros, até comerciantes, professores e
artistas. Estes diferentes profissionais vinham para a América a fim de
melhorar de vida e, apesar de terem sido obrigados a se dedicarem ini-
cialmente a atividades agrícolas – para ser “colono” se exigia que esse se
dedicasse a atividades agrícolas –, muitos logo passaram a desenvolver
outras atividades nas colônias ou nas cidades próximas. Com o desen-
volvimento da produção agrícola das colônias, novas oportunidades se
abriam para comerciantes, artistas, professores, entre outros profissio-
nais, transformando as colônias e as cidades fundadas pelos alemães em
polos dinâmicos de desenvolvimento. Outro elemento de destaque que
a implantação das colônias germânicas no RS possibilitou foi a introdu-
ção do protestantismo luterano e a sua carga cultural em um meio de
catolicismo predominante.
Estas inovações trazidas pelos imigrantes germânicos logo geraram mu-
danças na economia e na vida cultural da região central gaúcha, gerando
certo dinamismo econômico e fortalecimento da organização social, o
que tornou possível o desenvolvimento da colônia e sua integração na
economia do Estado (MELLO, 2006; ROCHE, 1969; WERLANG, 2002).
Cabe questionar os fatores que possibilitaram o desenvolvimento das
colônias alemãs em regiões desprezadas pelos primeiros colonizadores
(portugueses). O processo de desenvolvimento da Colônia Santo Ângelo
pode fornecer alguns indicativos para esta questão. E o conceito de ca-
pital social pode auxiliar nesta investigação, tendo em vista que estudos
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162

feitos em outras regiões do mundo e do Brasil3 mostram que a aplicação


da noção de capital social pode ajudar a desvendar processos de desen-
volvimento de territórios específicos, onde estão envolvidos elementos
materiais e culturais próprios.
Este trabalho tem por objetivo investigar como ocorreu a implantação e
que fatores foram importantes para a consolidação e o desenvolvimento
da Colônia Santo Ângelo, na região central do RS. Procurou-se realizar
uma análise qualitativa, fazendo-se, inicialmente, um levantamento biblio-
gráfico, fotográfico e documental, além de entrevistas sobre os processos
de imigração alemã na região central do RS. Posteriormente, buscou-se
relacionar as experiências dessa colônia de imigrantes com a discussão
sobre a noção de capital social dos territórios e as suas possibilidades de
desenvolvimento. A coleta de dados foi realizada no verão de 2006, no
município de Agudo, parte da antiga Colônia Santo Ângelo. Os dados
foram coletados mediante entrevistas não padronizadas realizadas com
vinte produtores, a título de informantes qualificados, todos descendentes
de imigrantes germânicos com mais de 50 anos de idade.
O artigo está estruturado em duas partes: a primeira trata da formação
e do desenvolvimento da Colônia Santo Ângelo até sua fragmentação e
formação dos atuais municípios de Agudo, Paraíso do Sul, parte de Dona
Francisca e Cachoeira do Sul; e a segunda parte trata propriamente da
análise do processo de desenvolvimento da colônia, à luz da noção de
capital social.

FormaçãoedesenvolvimentodaColôniaSantoÂngelo
Em novembro de 1857 desembarcaram na margem esquerda do rio Ja-
cuí, em Cerro Chato, atual município de Agudo, os primeiros imigrantes
germânicos, pioneiros da Colônia Santo Ângelo na região central do RS.

Os mais antigos diziam que, de primeiro, tudo era muito difícil, que
foram abandonados nesta terra. [...] Aqui era tudo mato, e que com
bastante dificuldade e com união e trabalho foi se abrindo picada tudo
a facão. Até as mulheres e as crianças ajudavam. (V. W., agricultor
aposentado, 71 anos)
A ocupação da colônia na segunda metade do século XIX, segundo Mello
(2006), pode ser dividida em duas fases: a primeira, que comporta um
3
Putnam (1996) cita exemplos que vão desde uma aldeia Ibo na Nigéria até os fundos rotativos animados
por certas organizações internacionais de desenvolvimento (passando pelas regiões “cívicas” do Norte da
Itália, para cujo funcionamento virtuoso está voltado seu livro). No Brasil, a respeito, citam-se os trabalhos
de Abramovay (2000); Boschi (1999); Mayorga; Tabosa (2006), entre outros.
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boom inicial de ocupação com ritmo posterior decrescente; e a segunda,


em que se acelera esse ritmo, como se pode observar na Tabela 1. A pri-
meira fase engloba os quatro primeiros quinquênios, os quais apresentam
ritmo de ocupação decrescente. Após a rápida ocupação das primeiras
linhas mais próximas das vias de transporte (linhas do Rio, Morro Pela-
do e Teutônia), que abarcaram 6 mil hectares no primeiro quinquênio
(1857 a 1861), houve um decréscimo sucessivo das ocupações para as
áreas mais distantes das vias de transporte. Em uma segunda fase, a
partir do quinto quinquênio (1877 a 1881), ocorre uma aceleração da
ocupação da fronteira agrícola em direção ao nordeste da colônia, em
área equivalente ao boom da primeira fase. O crescimento populacional
nas quatro primeiras décadas da colônia atingiu uma taxa média de 5,5%
ao ano, dois pontos percentuais acima da taxa para o Rio Grande do Sul
no último quartel do século XIX (MELLO, 2006).

Tabela 1 – Evolução da área ocupada, da população e da densidade


demográfica na Colônia Santo Ângelo, 1859-1886
Densidade Taxa de crescimento anual
População estimada (%)
Ano Área (hectares) demográfica
(habitantes)
(hab/ha) Área População
1858 2.829 241 0,085 - -
1860 5.823 825 0,142 43,5 85,0
1869 12.598 1.269 0,101 9,0 4,9
1874 13.994 1.862 0,133 2,1 8,0
1886 23.775 3.820 0,161 4,5 6,2
1890 24.590 4.674 0,190 0,8 5,2
1900 24.832 6.908 0,278 0,1 4,0
Fonte: Dados básicos em Werlang (1995, 2002); Mello (2006).
Obs.: Crescimento anual estimado entre os períodos expostos na tabela.

Mesmo vivendo em condições precárias e adversas ao desenvolvimento,


utilizando a força de trabalho familiar, os colonos transformaram o pano-
rama da região, considerada improdutiva e indesejada pelos pecuaristas
por serem áreas pantanosas, alagadiças e montanhosas, de difícil acesso.
Ao enfrentarem estes problemas, os imigrantes consagraram a produção
de várias culturas, tornando o seu território uma área benquista aos
olhos rigorosos da província.
Os primeiros anos foram marcados pela preocupação – devido à expe-
riência da escassez vivenciada na Europa – em garantir a produção de
alimentos para o próprio consumo (FROEHLICH; DIESEL, 2004). No
ano de 1858, os agricultores da Colônia Santo Ângelo cultivaram 7,73%
da área plantada de feijão preto, 14,95% de milho e 77,32% de batata
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inglesa, sendo esta predominante ao passar um ano da chegada dos
primeiros imigrantes (Tabela 2).

Tabela 2: Descrição da produção agrícola da Colônia Santo Ângelo


(computado somente o que foi vendido em outros centros)
nos anos de 1859 e 1866
Cultura 1859 1866
Milho 6.304 sacas 2.701 sacas
Trigo 8 sacas 13 sacas
Feijão 479 sacas 1.511 sacas
Batata 70 sacas 338 sacas
Arroz 42 sacas 221 sacas
Fumo 1.140kg 3.765kg
Fonte: Froehlich; Diesel (2004).

É importante analisar que a produção agrícola na Colônia Santo Ângelo


aumentou significativamente no decorrer dos anos. As primeiras safras
eram destinadas ao consumo interno. Já em 1866, nota-se um aumento
da produção para o mercado externo, fator este que situou a colônia
como um dos expoentes da economia regional da época. A exportação
só não foi válida totalmente para a cultura do milho, já que as condições
das estradas para o tráfego das carretas de boi que transportavam o grão
eram precárias, tornando elevados os custos dos fretes e, aliado a isso, a
grande rentabilidade em utilizar o milho na forma de forragem e ração
para o engorde de porcos. Assim, a criação de suínos propiciou a pro-
dução de banha, o chamado “ouro branco”, um dos primeiros produtos
comercializados pelos colonos (FLORES, 2004).

O transporte era na base de carreta de boi, e também tinha as balsas


que cruzavam o rio Jacuí, mas a balsa não era muito usada, mais eram
as carretas de boi que cortavam os campos. O transporte era ruim
e tinha um preço alto para fazer o transporte da produção. (P. T. P.,
agricultor, 52 anos)

O milho era mais usado na alimentação dos porcos do que no comércio,


na forma de grão, porque tinha mais retorno financeiro engordar o
porco e fazer a banha, porque a banha de porco custava naquela época
três vezes mais que o quilo de carne. (H. S., arrozeiro, 69 anos)
A criação de porcos constituiu-se numa das primeiras atividades de ren-
dimento financeiro para os colonos. A evolução do número de porcos
por estabelecimento da colônia pode ser visualizada na Tabela 3.

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Tabela 3 – Número de porcos por estabelecimento na


Colônia Santo Ângelo (1858 a 1864)
Ano 1858 1860 1862 1864
Porcos/estabelecimento 2,6 6,6 22,8 33,5
Fonte: Froehlich; Diesel (2004).

A Colônia Santo Ângelo despontou como primeira produtora de arroz


irrigado da província do RS. Inicialmente a produção do arroz se dava
de forma precária, mas, a partir da segunda década do século XX, pas-
saram a ser utilizadas máquinas a vapor (Dampfbetrieb) e bombas para
irrigação nas várzeas do rio Jacuí, além de trilhadeiras e descascadores
(Reischalmaschine) importados da Alemanha (WERLANG, 2002). A
produção de arroz ampliou o rendimento financeiro dos proprietários
das lavouras, das casas de comércio, dos transportadores, dos moinhos e
entre as pequenas manufaturas (como a fundição de Gerdau).4 O relativo
desenvolvimento já se evidenciava em 1878, quando a Colônia Santo
Ângelo constituía-se no maior exportador de arroz de toda a Província.

Eles plantavam arroz medindo a quantidade em um dedal, e colocando


num buraco aberto com a enxada (covas).

– E como funcionava o sistema de irrigação?

Ah, inicialmente era realizado com água desviada de sangas e arroios,


alguns aproveitavam águas de vertentes. Só em 1925 e 1927 foram
instaladas as máquinas a vapor ou locomóvel, onde se colocava a lenha
que fazia o vapor, movimentando o pistão que puxava a água.

– E a colheita, como era feita?

Primitivamente predominava o corte manual, a foice ou o facão e mais


adiante trilha com trilhadeiras. (I. G., engenheiro agrônomo, 66 anos)
Da introdução da agricultura ao surgimento da agroindústria foi um
processo relativamente rápido. Surgida da necessidade de subsistência
após as primeiras safras, a agroindústria teve a importante capacidade de
agregar valor aos produtos e consequentemente capitalizar a economia
4
O Grupo Gerdau atualmente é uma das maiores multinacionais de capital doméstico, com atuação concen-
trada no setor siderúrgico. Seu acelerado crescimento no pós-1980 o colocou entre os 15 maiores grupos
siderúrgicos mundiais, estando cotado para ser um dos dez maiores quando terminar a era de consolidação
da indústria siderúrgica mundial. Na indústria, o Grupo Gerdau iniciou suas atividades em 1901; no entanto,
a acumulação primitiva de capital originou-se três décadas antes, enquanto capital comercial em região de
fronteira agrícola no Rio Grande do Sul, iniciado pela imigração alemã na Colônia Santo Ângelo (MELLO,
2006).
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166

da colônia. Em 1858, a cevada era utilizada, basicamente, para a pro-


dução de cerveja, em modestas fabriquetas, pelos próprios imigrantes.
Da cana-de-açúcar provinha, além do açúcar bruto (mascavo), o melaço
e a aguardente. Os colonos também cultivavam plantas oleaginosas e
têxteis, sendo que o linho e o algodão foram amplamente trabalhados
pelas rodas de fiar, em suas próprias casas, onde confeccionavam panos
e logo após os revestiam e pintavam.
Vale destacar que grande parte dos imigrantes, como pode ser visualiza-
do na Tabela 4, eram oriundos de centros urbanos, onde não exerciam
atividades agrícolas em sua pátria de origem, mas dedicavam-se às mais
diversas profissões, desde soldados, artistas e professores, até engenhei-
ros, carpinteiros e agrimensores. Todas estas habilidades profissionais ti-
veram de adequar-se às intenções do governo provincial, o qual almejava
o desenvolvimento e crescimento da produtividade agrícola. A colônia
foi então nivelada numa única classe, a de agricultores, que, com um
lote de terras, passaram a produzir, utilizando-se da exploração da mão
de obra familiar (WERLANG, 1995). Pois, como lembrado, a principal
condição para a posse do lote colonial era nele residir e também cultivá-
lo pelo prazo mínimo de dois anos (ROCHE, 1969).

Meu avô veio para o Brasil em 1885. Na Alemanha ele possuía o ofício
de marceneiro e inspetor de madeiras, mas chegando aqui, ele teve de
se dedicar a atividades agrícolas, pelo menos nos primeiros anos. [...]
Ele, junto com a família, plantou fumo de galpão secado em paióis,
mandioca, milho e batata. (A. J. D., professor aposentado, 81 anos)

Tabela 4 – Profissão e opção religiosa dos imigrantes da


Colônia Santo Ângelo entre 1857 e 1900
Profissão Imigrantes Protestantes Católicos
Agricultor/ lavrador 14 10 4
Agrimensor/ eng. agrônomo 2 1 1
Alfaiate 2 2 0
Brummer* 9 9 0
Carpinteiro 6 5 1
Comerciante 3 3 0
Construtor de pontes 1 0 1
Coveiro 1 1 0
Engenheiro 1 0 1
Escrivão civil 1 1 0
Ferreiro 4 3 1
Fotógrafo 1 1 0
Jardineiro 1 1 0

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Profissão Imigrantes Protestantes Católicos


Lapidário 1 1 0
Marceneiro 5 5 0
Médico e pintor 1 1 0
Militar alemão 1 0 1
Moleiro 2 2 0
Músico 2 2 0
Oleiro 1 1 0
Pedreiro 1 1 0
Professor 2 2 0
Retratista 1 1 0
Sapateiro 4 3 1
Tecelão 5 5 0
Torneiro 2 2 0
Técnico instalação de moinhos 1 1 0
Tipógrafo 1** - -
Vidraceiro 1 1 0
Total 77 66 11
Fonte: Werlang (1995).
* Militar mercenário.
** Judeu.

A colonização trouxe, além de novos profissionais para o meio rural,


novos padrões culturais que também influenciaram a dinamização da
economia da região. Em termos religiosos, foi introduzida uma grande
novidade, o luteranismo, tendo em vista que a maioria dos imigrantes
da Colônia Santo Ângelo era protestante (conforme indicado na Tabela
4). No ano de 1862, segundo Werlang (1995), foi realizado o primeiro
culto, pelo pastor Erdmann Wolfram, no moinho de Augusto Pötter.
Quando não havia pastor, os próprios colonos presidiam cultos, batismos,
casamentos e enterros.

Manter a fé luterana era uma questão de manter a sua confissionalidade.


Os imigrantes não tinham a intenção de converter os católicos para a
sua confissionalidade.

– O que o senhor diria sobre a instauração do luteranismo na região?

É difícil isolar a religiosidade dos demais setores da vida, como é o caso


da colonização, do trabalho; a confissionalidade luterana trazia no bojo
a mentalidade do trabalho; o luteranismo veio, então, para incentivar
o desenvolvimento regional como apoio à força de trabalho. (E. H.,
Pastor da IECLB, 60 anos)
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 159-177, 2. sem. 2008
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O ensino era ministrado em alemão até a Segunda Guerra Mundial


(quando então foi proibido pelo governo central brasileiro na Campanha
de Nacionalização) e não passava de uma instrução primária, ministrada
pelo pastor ou professores homens, que incentivavam o germanismo,
a cultura da pátria de origem e, ainda, disponibilizavam orientações
conjugais aos colonos.

A cultura alemã era muito incentivada na escola, através de festas; nas


festas eram feitos teatros em alemão. [...] A Bíblia era uma forma de
incentivo ao cultivo do germanismo na colônia, pois eram lidos textos da
Bíblia todos os dias aos alunos, sempre em alemão. (A. J. D., professor
aposentado, 81 anos)
As associações (de variadas finalidades como canto, dança, bolão, tiro ao
alvo, damas, entre outras), que eram praticadas como forma de recreação
e integração social, também foram um legado marcante na criação das
estruturas sociais coloniais.

Havia muito incentivo nas sociedades e associações. As mais tradicionais


eram as de dança, de bolão, de tiro ao alvo e sociedade de damas. Ainda
tinham as schützenverein, que mantinham o tiro ao alvo com espingardas
mais potentes, que terminaram, foram proibidas com o advento da
Segunda Guerra Mundial, por serem consideradas ofensivas à pátria.
(A J. D., professor aposentado, 81 anos)

Tinha muito rigor nos bailes e festas, onde a bebida principal nas festas
populares era a schnaps (cachaça), mas também tinha chopp. Nos casa-
mentos a bebida tradicional era o vinho. (E. T., técnico agrícola, 55 anos)
Assim, as associações contribuíram para desenvolver atividades culturais,
originando as sociedades de jogos, canto e dança, que serviam ao “en-
trosamento” social dos colonos, assim como para manter ativa a cultura
germânica. Este sentimento de cooperação transcendia os limites destas
associações, reportando-se, em momentos de necessidade, bastante fre-
quentes à ajuda mútua nas atividades agrícolas, como nos momentos de
colheitas, por exemplo. Isso estreitava os laços de amizade e confiança,
firmando a relação entre cultura e atividades rurais. No início do século
XX estas pequenas experiências de associações diversas deram origem a
um complexo sistema de Uniões Coloniais organizado em todo Estado
do Rio Grande do Sul, com o objetivo de preservar a cultura germânica
e de promover o desenvolvimento econômico das colônias (SCHAL-
LENBERGER, 2001).
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 159-177, 2. sem. 2008
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Ainda um elemento de destaque na trajetória da colônia foi o desenvolvi-


mento do comércio. Para Mello (2006), o desenvolvimento mercantil da
colônia foi lento em seu início, uma vez que a capacidade de escoamento
da produção era limitada. O centro regional de vendas dos produtos
agrícolas era Cachoeira do Sul, cerca de 70 quilômetros a sudeste da
colônia, e que era atingido pelos modais terrestre e fluvial. A estrada
era precária em virtude da quantidade de rios a serem atravessados e
que não permitiam a passagem a vau, exigindo a construção e reforma
de pontes, que muitas vezes o governo não executava.
Os meios de transporte parecem ter-se desenvolvido desde então (1867),
pois a fronteira se expandiu e, com ela, a produção e exportação de
produtos agrícolas. Com os dados disponíveis, pode-se supor a pas-
sagem, nessa época, de uma economia de subsistência para outra, de
exportação de excedentes, pois, conforme os dados da Tabela 5, já na
terceira década de existência da Colônia Santo Ângelo, os valores das
exportações e importações reais foram dez vezes superiores àqueles do
final da primeira década, a renda per capita com as exportações cresceu
três vezes e a produtividade da área ocupada, cinco vezes.
A análise dos dados esparsos permite inferir que a colônia experimentou
uma dinâmica virtuosa, pois o ritmo de crescimento de suas exporta-
ções foi superior ao do conjunto das colônias. Segundo Mello (2006),
enquanto em 1859 as exportações da Colônia Santo Ângelo equivaliam
a 0,3% do valor de exportação agrícola do Rio Grande do Sul, já em
1867 respondiam por 1% e, vinte anos mais tarde, alargariam sua par-
ticipação para 17% .

Tabela 5 – Evolução dos valores reais de exportação,


de importação, do saldo comercial, da renda real per capita
de exportações e do valor real da produtividade
por área ocupada na Colônia Santo Ângelo,
1859-1887 (em valores de 1887)
Renda Gasto Valor real da
Saldo
Valor real das Valor real das real per real per produtividade
comercial
Anos exportações importações capita de capita com da área
(em mil-
(em mil-réis) (em mil-réis) exportação importações ocupada
réis)
(em réis) (em réis) (em réis)*
1859 10.016 n.d. 10.016 22$462 n.d. 1$814
1867 18.584 14.207 4.377 16$115 12$320 1$668
1887 198.700 135.500 63.200 49$457 33$726 8$153
Fonte: Werlang (1995, 2002); Mello (2006).
* O valor real da produtividade é a razão entre o valor real das exportações e a área ocupada na colônia.
n. d. = dados não disponíveis.

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 159-177, 2. sem. 2008


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O crescimento do valor da renda per capita de exportação permitiu maior


interação da população com o mercado, alterando seu padrão de deman-
da, que incorporou ao consumo baseado na autossuficiência (feijão preto
com abóboras, mandioca, batata-doce assada ou cozida em molho azedo,
espigas de milho cozidas ou assadas, broa de milho cozida) a demanda de
vários tecidos importados, de açúcar, sal e cachaça, mais alguns insumos,
como soda e prego (MELLO, 2006). O aumento da produtividade por
hectare indica maior dedicação à produção de exportação, bem como a
introdução de inovações tecnológicas.
O crescimento do volume de comércio em dez vezes no período 1867-
1887 permitiu o surgimento de pequenas vendas dispersas entre as linhas
abertas pela expansão da fronteira agrícola, pequenas manufaturas, como
oficina de carroças, ferrarias e moinhos (WERLANG, 1995). Como a
economia no âmbito colonial não era monetarizada, mas de moeda es-
critural, o saldo comercial positivo indicava a geração de capital de giro
em mãos dos comerciantes, que lhes permitia aumentar e diversificar
estoques, bem como realizar empréstimos.
Deve-se destacar também que, em 1882, a Colônia Santo Ângelo teve
abolida a sua autonomia administrativa e foi incorporada como distrito à
administração do município de Cachoeira do Sul. Enquanto, sob o regime
anterior, a colônia era isenta de tributação na circulação de mercadorias,
como distrito passa a recolher tributos para a sede do município. Nesse
período, então, acaba o regime especial de colonização patrocinado pelo
governo provincial, sob o qual eram concedidos isenção de impostos,
pagamento para instalação nos lotes coloniais e subsídios em dinheiro
para a manutenção do colono até esse conseguir ser autossuficiente
(WERLANG, 2002).

Capital social, organização e desenvolvimento colonial


Como apontado na seção anterior, o próprio processo de formação da
colônia com elementos humanos que compartilhavam elementos cultu-
rais comuns (germanidade e luteranismo) e com diversas habilidades
socioprofissionais parece indicar que a Colônia Santo Ângelo contou
com formação diferenciada em relação a outras colônias instaladas ape-
nas com agricultores ou com cristãos católicos. Especula-se, portanto, se
esta formação diferenciada foi fator determinante no desenvolvimento
socioeconômico da colônia. Neste sentido, a noção de capital social pode
ser uma ferramenta útil à análise dos processos de desenvolvimento
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 159-177, 2. sem. 2008
171

das colônias de imigrantes europeus no Sul do Brasil, como a Colônia


Santo Ângelo.
A noção de capital social, apesar de não ser nova nas ciências sociais,
resgata com propriedade uma discussão que esteve presente em algumas
obras clássicas fundadoras.5 A primeira análise sistemática contemporâ-
nea do capital social foi produzida por Pierre Bourdieu, que definiu o
conceito como “o agregado dos recursos efetivos ou potenciais ligados
à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas
de conhecimento ou reconhecimento mútuo” (BOURDIEU, 1980, p. 2).
O tratamento que Bourdieu dá ao conceito é de índole instrumental,
centrando-se nos benefícios angariados pelos indivíduos por participarem
de grupos e na construção deliberada de sociabilidades, tendo em vista
a criação de capital social.
Para Portes (2000, p. 134) a originalidade e o poder heurístico da noção
de capital social provêm de duas fontes: a primeira “incide sobre as conse-
quências positivas da sociabilidade, pondo de lado as suas características
menos atrativas”; e a segunda “enquadra estas consequências positivas
numa discussão mais ampla acerca do capital, chamando atenção para
o facto de que as formas não monetárias podem ser fontes importantes
de poder e influência”.
A noção de capital social permite ver que os indivíduos não agem in-
dependentemente, que seus objetivos não são estabelecidos de maneira
isolada e seu comportamento nem sempre é estritamente egoísta. Neste
sentido, as estruturas sociais devem ser vistas como recursos, como um
ativo de capital de que os indivíduos podem dispor. Na perspectiva de
Putnam, capital social diz respeito a “características da organização social,
como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a
eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (apud ABRA-
MOVAY, 2000, p. 2). Segundo Coleman (1990, p. 302), capital social é
uma “variedade de diferentes entidades que possuem duas caracterís-
ticas em comum: consistem em algum aspecto de uma estrutura social
e facilitam algumas ações dos indivíduos que estão no interior desta
estrutura”. O capital social, neste sentido, é produtivo, já que ele torna
possível alcançarem-se objetivos que não seriam atingidos na sua ausên-
cia. Quando, por exemplo, os imigrantes formaram associações variadas
para manterem costumes germânicos e criaram certa organização social
comunitária e de ajuda mútua, criaram ou acionaram também relações
5
Alguns autores – como Portes (2000) – destacam que Durkheim e Marx já tratavam de noções com sentido
bastante próximos. Na obra de Durkheim a vida em grupo serve como antídoto para a anomia e a autodes-
truição. Já em Marx, ocorre a distinção entre uma “classe em si”, atomizada, e uma “classe para si”, mobilizada
e eficaz (PORTES, 2000).
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 159-177, 2. sem. 2008
172

de cooperação e confiança que podem ser entendidas como geradoras


de capital social fundante da base do desenvolvimento da colônia.
Desta forma, segundo a perspectiva de Putnam e de Coleman, o capital
social é um conjunto de recursos (boa parte dos quais simbólicos), de cuja
apropriação depende em grande parte o destino de certa comunidade.
Neste sentido o capital social, na obra de Putnam e na de Coleman, está
próximo ao uso precursor que Bourdieu faz desta noção. Para Bourdieu,
o capital social é definido como um conjunto de “recursos e de poderes
efetivamente utilizáveis” (BOURDIEU, 1979, p. 128), cuja distribuição
social é necessariamente desigual e dependente da capacidade de apro-
priação de diferentes grupos. Embora Putnam não enfatize esta desigual-
dade, a acumulação de capital social é um processo de aquisição de poder
(empowerment) e até de mudança na correlação de forças no plano local.
Tanto Coleman como Bourdieu sublinham a intangibilidade do capital
social em comparação com outras formas. Enquanto o capital econômi-
co se encontra nas contas bancárias e o capital humano na cabeça das
pessoas, o capital social reside nas estruturas das suas relações. Para
possuir capital social, um indivíduo precisa se relacionar com outros, e
são estes – não o próprio – a verdadeira fonte dos seus benefícios. Assim,
o capital social corresponde a recursos cujo uso abre caminho para o
estabelecimento de novas relações entre os habitantes de uma determi-
nada região. Em outras palavras, “capital social é diferente de outros
tipos de capital humano, pois é transmitido por mecanismos culturais,
tais como: religião, tradição, hábito histórico, costume e sobrevivência”
(BAQUERO, 2003, p. 29). Alguns destes elementos, sem dúvida, foram
mobilizados no processo de desenvolvimento da Colônia Santo Ângelo.
A organização comunitária dos imigrantes, a busca da preservação do
germanismo, a instalação da Igreja Luterana, com certeza, foram fato-
res que contribuíram para a superação das condições adversas iniciais
e para estruturação de uma organização social relativamente sólida. Os
excedentes de produção logo geraram a necessidade de organização de
uma rede de agroindustrialização e de comércio; e estruturados estes
setores econômicos, a colônia dinamizou-se e tornou-se um centro de
desenvolvimento na região.
O protestantismo luterano professado pela grande maioria dos imi-
grantes germânicos que se instalaram na Colônia Santo Ângelo foi um
elemento religioso que alicerçou as bases culturais e as trocas sociais do
grupo de colonos. Pode-se afirmar que compôs o capital social deste
grupo na medida em que reforçou os laços de sociabilidade, pois esta-
vam em terra estrangeira, inóspita, cuja língua e a própria fé não eram
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173

compartilhadas pelos demais grupos sociais residentes no entorno da


colônia. Assim, o grupo de colonos intensificava suas relações muito mais
internamente do que se voltando para a relação com outros grupos étni-
cos. Cabe observar, ainda neste sentido, que o protestantismo luterano
trazia em sua profissão de fé e visão de mundo uma ética do trabalho e
de valorização da poupança (WEBER, 1992). E que tais valores podem
ter sido propulsores poderosos na geração de riquezas e investimentos
que dinamizaram a economia e a vida da colônia como um todo, em
suas décadas iniciais.
Outro fator importante a destacar no processo de colonização alemã
no Rio Grande do Sul, e portanto também na Colônia Santo Ângelo,
deve-se à comunicação permanente por meio de cartas que os colonos
mantiveram com seus parentes e conhecidos que ficaram na Alemanha.
Esta comunicação, embora bastante morosa devido às condições da épo-
ca, além de servir como elemento de manutenção de contato familiar
e com a pátria-mãe, ainda servia como um instrumento de atualização
cultural e tecnológica. Através das trocas de correspondências, em meio
aos assuntos pessoais e familiares, também eram relatadas novidades
sociais, políticas, econômicas e tecnológicas que estavam tendo lugar na
Europa. Novos produtos ou instrumentos de trabalho, por exemplo, po-
diam ser mais rapidamente conhecidos pelos imigrantes nestes contatos
com os seus que haviam ficado na pátria-mãe, inclusive podiam mandar
buscar, recebiam ou tentavam mesmo replicar tais avanços nas paragens
da própria colônia. Tal rede de relações, sem dúvida, constituiu-se em
capital social diferenciado que possibilitou e resultou em maior dina-
mismo socioeconômico.
Esta rede de relações que foi estabelecida e mantida, mediante tais
trocas de correspondências, entre a comunidade de colonos assentados
na região central do RS e seus compatriotas na Alemanha, inclusive,
reveste-se de particular importância no que toca às considerações sobre a
noção de capital social. Para muitos autores, o capital social é produzido
(acumulado e reproduzido) sempre em um local, ou seja, mediante a
vivência histórica de um dado agrupamento humano em um território
delimitado. Esta vivência por parte de um dado coletivo humano necessi-
taria ser sempre sedimentada histórica e localmente. Redes abertas, que
não se constituem como sujeitos, não fornecem evidências suficientes de
serem usinas de capital social. Ou seja, redes não localizadas não seriam
produtoras de capital social. No caso da Colônia Santo Ângelo, entre-
tanto, ao se constituir em comunidade de recém-imigrados e enquanto
grupo social localizado, pode-se dizer que suas vivências comuns eram de
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 159-177, 2. sem. 2008
174

curto prazo, não apresentando sedimentação histórica nas suas relações


enquanto comunidade, nem mesmo com o próprio território em que
foram assentados. No entanto, não se pode negar que o sentimento de
germanidade expresso na língua e, talvez principalmente, na religião,
acionou rapidamente os vínculos sociais que permitiram que constituís-
sem redes de relações intragrupais fortalecidas; e, a partir destas redes,
rapidamente reconstituíram redes de relações com familiares e conhe-
cidos na Europa. Assim, o caso da Colônia Santo Ângelo parece indicar
que a vivência com sedimentação histórica e localizada não é sempre tão
fundamental na produção de capital social.

Considerações finais
O presente trabalho objetivou levantar aspectos históricos da colonização
alemã na região central do RS, particularmente na Colônia Santo Ângelo,
que foram fatores importantes para a sua consolidação e contribuição
ao desenvolvimento regional. A chegada destes imigrantes alemães em
1857, por motivos múltiplos, trouxe inovações à paisagem agrária da
região central do Rio Grande do Sul, onde, anteriormente, predomi-
nava a pecuária extensiva. No contexto de se indagar sobre os fatores
que possibilitaram o desenvolvimento das colônias alemãs em regiões
desprezadas pelos primeiros colonizadores (portugueses), o processo de
desenvolvimento da Colônia Santo Ângelo apresenta alguns indicativos
interessantes, sobretudo se olhados desde a perspectiva da noção de
capital social.
O estabelecimento dos colonos germânicos propiciou, de um lado, a im-
plantação de novas culturas agrícolas, técnicas diferenciadas de manejo
de solo e plantas; de outro, o nascimento de um formato de organização
comunitária e de agricultura de base familiar até então não muito conhe-
cidos nesta região. Tais inovações trazidas pelos imigrantes germânicos
logo acarretaram mudanças na economia e na vida cultural da região
central gaúcha, gerando certo dinamismo econômico e fortalecimento da
organização social, o que tornou possível o desenvolvimento da colônia
e sua integração na economia do Estado.
Por outro lado, os imigrantes alemães, ao contrário do que almejavam
as autoridades da época, não se constituíam somente em agricultores.
Existiam dentre os imigrantes várias profissões, desde carpinteiros,
marceneiros e ferreiros até comerciantes, professores e artistas. Estes
diferentes profissionais vinham para a América com o propósito de
melhorarem de vida e, apesar de terem sido obrigados a se dedicar
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 159-177, 2. sem. 2008
175

inicialmente a atividades agrícolas, muitos logo passaram a desenvolver


outras atividades nas colônias ou nas cidades próximas. Com o desen-
volvimento da produção agrícola das colônias, novas oportunidades se
abriam para comerciantes, artistas, professores, entre outros profissionais,
transformando as colônias e as cidades fundadas pelos alemães em polos
dinâmicos de desenvolvimento. Ressalta-se, portanto, neste processo, a
origem diversificada de muitos imigrantes, oriundos de centros urbanos
e com habilidades técnicas e culturais amplas. Tal aspecto favoreceu o de-
senvolvimento tecnológico e o estabelecimento de redes de sociabilidade,
tanto na própria Colônia quanto com a pátria de origem, constituindo
desde logo capital social favorável ao desenvolvimento regional.
Destaca-se, ainda, como elemento catalisador do capital social na referida
colônia, a presença e o culto do protestantismo luterano e a sua carga
cultural diferenciada em um meio de catolicismo predominante. A
profissão de fé do luteranismo dos colonos imigrantes trouxe uma visão
de mundo em que desempenhavam papéis centrais a ética do trabalho
e a valorização da poupança, elementos que podem ter sido poderosos
no impulso para a geração de riquezas e investimentos, dizimando a
economia e a vida da colônia como um todo.

Abstract
The present work had the aim to search for historical aspects of the German
colonizing in the central area of Rio Grande do Sul which were important
for the consolidation of the state and contributed to the development of
the region. The data was obtained through bibliographic and documental
research and from oral narratives and non-standardized interviews with
twenty rural producers of German descent. It was verified that the changes
conducted by the German colonizers in the rural area and in agriculture
after they settled downin the central area of Rio Grande do Sul resulted in
a fast economic consolidation and brought up´new social conditions which
responded to the intentions of the government at the time, as well as their own
aspirations. As the agriculture at the colonial period was very dinamic soon
appeared the agronomic industries and the associations of rural producers.
On the other hand, the social and religious beliefs of the colonizers were
disseminated in he society, contributing to the consolidation of the German
colonizing in the central area of Rio Grande do Sul. The religious faith
based on the protestantism of Luthero and the diversified origin of many of
the immigrants stand out in this process. Many of them came from urban
centers and had wide technical and cultural habilities and this contributed to
the technological development of the area and helped to establish social nets
which worked as social capital and favoured the development of the region.
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Keywords: german colonizing; social capital; development of the territory.

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Antropolítica Niterói, n. 25, p. 159-177, 2. sem. 2008


RESENHAS
Soraya Silveira Simões*
PÉTONNET, Colette. L’observation flottante: l’exemple
d’un cimetièreparisien, L’Homme, oct-déc. 1982, XXII
(4r), pp.37-47

Observação flutuante:
uma observação “desendereçada”
(comentáriosarespeitodaobradeColettePétonnet,
especialmenteaométododetrabalhodecampo)

A oposição cidade-campo foi durante um longo perío­


do objeto rigorosamente examinado pela sociologia e
antropologia, vindo estabelecer-se no campo acadêmico
especialmente através dos estudos realizados em Chicago
a partir dos anos 1930.1 Devido ao vertiginoso crescimen-
to das cidades e aos fluxos migratórios que lhes davam
cor e forma, a dicotomia rural-urbano tornou-se, assim,
um objeto de tal modo prestigiado que só muito recente-
mente, a partir dos anos 1960,2 iniciou-se toda uma série
de críticas das oposições cujos modelos se fundavam em
paroxismos de “cidade” e “campo” e segundo olhares
não imunes a certo etnocentrismo.3
O argumento da antropóloga Colette Pétonnet, que ora
temos a oportunidade de traduzir para o português, não
é indiferente a esse debate. Contudo, Pétonnet propõe
observarmos antes um método que um objeto. E aí reside
a originalidade de sua contribuição para uma etnologia
propriamente urbana.
1
A esse respeito, cf. em especial os trabalhos originais de Robert Redfield (1930 e
1947) e de Louis Wirth (1938).
2
Gidéon Sjoberg, em The Preindustrial City (1960), apresenta neste livro uma crítica
explícita a algumas das hipóteses levantadas por Louis Wirth em Urbanism as way of
life (1938), embora muitos outros, antes e depois da publicação do livro de Sjoberg,
tenham participado desse debate. A esse respeito, ver HANNERZ (1980), especial-
*
Antropóloga, pesquisadora mente o capítulo 3 e, ainda mais precisamente, os autores citados na nota 3 deste
do LeMetro/IFCS-UFRJ e capítulo.
Clersé/Université Lille. 3
HANNERZ desenvolve esse tópico no livro Exploring the City (1980).
194

Publicado no ano de 1982 em uma edição da revista L’Homme4 consagrada


à antropologia urbana, logo após o simpósio organizado pela Association
Française des A­ nthropologues (AFA) realizado em Sèvre, no ano anterior,
o artigo L’observation flottante – l’exemple d’un cimetière parisien, de Colette
Pétonnet, abriria “novas vias”, segundo palavras de Jacques Gutwirth,
em um momento em que antropólogos franceses recusavam e excluíam
veementemente da disciplina o campo da pesquisa urbana.5
Seu primeiro livro, Ces gens-là,6 publicado em 1968, é um estudo realiza-
do em uma cité de transit dos arredores de Paris.7 Trata-se de um marco
fundador da antropologia urbana francesa, prefaciado por Roger Bas-
tide. E talvez uma boa introdução ao estilo de pesquisa pouco ortodoxa
orientada por André Leroi-Gouhan,8 professor de Colette Pétonnet
e de toda uma geração de etnólogos franceses que enveredaram pela
chamada pesquisa urbana.
Se um endereço – uma residência, um estabelecimento comercial ou mesmo
um cemitério – é um indicativo de que estamos em uma cidade, evoca,
igualmente, o comportamento adequado, uma vez se estando lá. Afinal,
não se vai a uma igreja em trajes sumários e tampouco a uma praia em
hábitos cerimoniais – pelo menos em princípio.
A observação flottante, ao se deixar flutuar – ou, dito de outro modo, ao
se mostrar desatenta ao conhecimento apriorístico –, se deixa conduzir
pelo inesperado, pelo modo como as pessoas se apresentam num dado
momento e determinado lugar da cidade – em um dado endereço, portanto
–, cuja destinação de uso pode parecer insuspeitada.
4
L’Homme, oct-déc. 1982, XXII (4r), p. 37-47.
5
Em nossa correspondência para a finalização da presente tradução do artigo, mme. PÉTONNET escreve a
propósito do interesse em publicá-lo no Brasil: “[...] il fallait attendre les jeunes générations, car mes contemporains
n’estimaient pas que mes travaux fussent de l’anthropologie, et des jeunes d’alors n’ont pas osé me suivre” (correspondência
pessoal, 16 de junho de 2007). A esse respeito, ver também o testemunho de GUTWIRTH no artigo Science
et Amitié: parametres inseparables, in Paroles offertes à Colette Pétonnet à l’ocasion de son départ à la retraite, DAPHY
(org.), 1996.
6
Paris, Maspero, 1968.
7
As cites de transit eram conjuntos residenciais concebidos por Abbé Pierre, nos anos 1950, para alojar mora-
dores das bidonvilles francesas. No Brasil, iniciativa similar foi a de Dom Helder Câmara, na mesma época,
através da Cruzada São Sebastião. A esse respeito, ver SIMÕES, 2008.
8
André Leroi-Gouhan (1911-1986) fundou o Centre de Formation à la Recherche Ethnologique (CFRE), do
Musée de l’Homme, em 1947, um ano após assumir o posto de vice-diretor do museu. Durante alguns anos,
o CFRE foi o único centro de formação na França para o exercício do métier de etnólogo. Aluno de Marcel
Granet e de Marcel Mauss, que dirigiu sua tese Archeologie du Pacific Nord, Leroi-Gouhan desde muito
cedo se interessou pela evolução técnica e pela circulação dos objetos entre as mais variadas sociedades. Foi
professor de arqueologia na Université de Lyon e titular da cadeira de Etnologia da Sorbonne. Publicou,
entre outros trabalhos, La civilisation du Renne (1938), L’Homme et la matière (1943, v. 1, e 1945, v. 2) e Le Geste
et la Parole (1964, v. 1, e 1965, v. 2).
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195

Descobrimos, na companhia de Colette Pétonnet, os usos que habitantes


de Paris fazem do cemitério do Père-Lachaise e percebemos, através des-
se tipo de observação “sem endereço”, os múltiplos significados que os
citadinos dão aos mais variados lugares da cidade e ao espaço de tempo
em que suas vidas neles transcorrem.9
Deixando momentaneamente de lado as proposições distribuídas no es-
paço urbano pelo planejamento oficial, nos encontramos com a dimensão
cotidiana, mais íntima e individual que constitui os mapas cognitivos, os
“planos” do citadino ele mesmo.
O método da observação participante, por muitos atribuído a Malinowski,
mas efetivamente trazido à luz por Foote-Whyte, pressupõe um partilhar
algo, um fazer junto ou um fazer com – em síntese, participar reserva para
o observador algum tipo de constrangimento, na medida em que a ideia
de participar revela um modo de fazer, um sentido para a ação, uma direção
para o ato. Consequentemente, neste caso, devemos dar conta de uma
submissão, ainda que sutil, a um tempo: ao tempo do outro, ao tempo
de um fazer. Se observar pode ser um gesto solitário, participar exige
um savoir-faire compartilhado.
A observação flutuante, por sua vez, exige do observador um grau con-
siderável de disponibilidade para, em um encontro fortuito, sem hora
marcada, identificar o início de uma viagem. Uma viagem muito parti-
cular ao sentido que o outro dá àquilo que ali veio fazer. A observação
flutuante, por princípio, termina onde começa a observação participante.
Ela não tem endereço, ela não se destina, ela não conhece, nem partilha
nada antecipadamente. É um tipo de observação “desendereçada” – mas
não desinteressada – e, portanto, capaz de captar a expressão mais etérea
do que é o urbano.

Livros publicados por Colette Pétonnet


1968 – Ces gens-là, Paris, Maspéro, 253 p. [prefácio Roger Bastide].
1972 – L’intégration des Harkis de Vanvey et de Baigneux-les-Juifs (Côte d’Or)
à la société française. Paris: Institut d’ethnologie (Archives et documents),
9
Freud, já em 1912, recomenda a técnica da atenção flutuante aos que exercem a psicanálise. Esta consiste “numa
suspensão tão completa quanto possível de tudo aquilo que a atenção habitualmente focaliza: tendências
pessoais, preconceitos, pressupostos teóricos”, de maneira que o psicanalista não privilegie a priori qualquer
elemento do discurso do paciente, “o que implica que deixe funcionar o mais livremente possível a sua própria
atividade inconsciente e suspenda as motivações que dirigem habitualmente a atenção” (Cf. LAPLANCHE e
PONTALIS, 1998: 40). Segundo essa definição, a recomendação técnica para uma atenção flutuante “constitui
o correspondente da regra da associação livre proposta ao analisando”. Agradeço aos antropólogos Letícia
de Luna Freire e Marco Antonio da Silva Mello por essa lembrança e esclarecimento.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 193-196, 2. sem. 2008
196

microfiches 60 p. [micro-édition de 1968, mimeo, realizada no âmbito


da cooperação dirigida por M. RAULIN].
1973 – Those People. The Subculture of a Housing Project. Westport Con-
neticut: Greenwood Press (Contributions in Sociology 10), 293 p. [trad.
Rita Smidt, 1968, Ces gens-là].
1979 – On est tous dans le brouillard. Ethnologie des banlieues. Paris: Galilée
(Débats). 259 p. [préfacio André Leroi-Gourhan].
1982 – Espace habités. Ethnologie des banlieues. Paris: Galilée (Débats). 174 p.
1985 e 2002 (nouvelles editions revues et augmentées) – On est tous dans
le brouillard. Ethnologie des banlieues. Paris: Comitê des travaux Historiques
et Scientifiques. 320 p.

Referências
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offertes à Colette Pétonnet à l’ocasion de son départ à la retraite, DAPHY, Eliane
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HANNERZ, Ulf. Exploring the City. New York: Columbia University
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Antropolítica Niterói, n. 25, p. 193-196, 2. sem. 2008


Leonardo Vilaça Dupin*
Sheila Maria Doula **

MARQUES, Ana Claudia (Org.). Conflitos, política e


relações pessoais. Fortaleza: Universidade Federal do
Ceará; Campinas, SP: Pontes, 2007.

Debater conflitos e relações pessoais no âmbito das


­ciências sociais, segundo Ana Claudia Marques, é colo-
car em primeiro plano dois importantes temas que por
décadas foram – e ainda são – “periféricos” nesse campo
de conhecimento. Segundo ela, há algumas décadas
estudar “conflitos” era se debruçar sobre momentos de
anomia, que se opunham à ordem social; porém, a partir
de novos estudos, os conflitos passam a ser pensados e
analisados como constitutivos dessa ordem, compondo
de diferentes maneiras as distintas relações cotidianas.
Já as relações pessoais, que para a autora não devem
ser dicotomizadas de uma ordem mais abrangente de
relações sociais, eram – ainda são – para as ciências so-
ciais o sui generis, incapazes de bastar-se como princípio
ordenador da sociedade. “A sociologia não cabe o hete-
rogêneo, que escapa à regra ou aos desvios regulares”
(MARQUES, 2007, p. 10). Desse modo, o indivíduo
perde sua razão sociológica de ser.

Esse lugar um tanto periférico que classicamente se


*
Mestrando em Extensão
destina às relações pessoais, nas ciências sociais, e
Rural pela Universidade
Federal de Viçosa, membro na antropologia em particular, parece derivar antes
do Grupo de Pesquisa de nossos postulados, pressupostos e implícitos não
sobre Cultura e Políticas
Culturais no Meio Rural
discursivos do que de constatações empíricas. (MAR-
(Paiol). QUES, 2007, p. 9)
**
Professora do Programa de
Pós-graduação em Exten-
Os dois temas são os eixos que perpassam os artigos or-
são Rural da Universidade ganizados em seu terceiro livro: Conflitos, política e relações
Federal de Viçosa, Coor- pessoais, editado em 2007 pela editora Pontes. Doutora
denadora do Grupo de
Pesquisa sobre Cultura e em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de
Políticas Culturais no Meio Janeiro (UFRJ) e atualmente professora da Universida-
Rural (Paiol). de de São Paulo (USP), Marques vem se dedicando há
198

mais de uma década ao estudo de temas como conflitos, família, honra


e política no Nordeste do país.
Seu primeiro livro – Andarilhos e cangaceiros: a arte de produzir território em
movimento,1 organizado em parceria com Jorge Mattar Villela (UFSCAR),
que contribui também com um artigo na publicação tratada aqui – re-
laciona-se com o tema de sua dissertação de mestrado em Antropologia
Social, Domínios de Lampião: Nomadismo e Reciprocidade, realizada pela
Universidade Federal de Santa Catarina e defendida em 1995.
Os ensaios de Andarilhos e Cangaceiros retratam a produção territorial de
certos grupos, como cangaceiros, trecheiros e pardais, cuja qualificação
do espaço não se dá em torno de um lugar pontual de habitação. Esses
são personagens coletivos que não habitam aldeias, cidades ou vilas,
não são rurais ou urbanos e cujas atividades econômicas não giram
em torno do comércio, agricultura, artesanato ou indústria. Os casos
abordados nesta obra descrevem o que os autores chamam de a difícil
arte de produzir território em movimento, de viver – com o auxílio de
certas diretrizes, instrumentos, equipamentos e tecnologia – apoiados
numa logística específica, sem um ponto fixo do território que seja con-
siderado um lar.
Já em seu segundo livro, Intrigas e questões: vingança de família e tramas
sociais no sertão de Pernambuco,2 Marques analisa as chamadas “questões de
família” no sertão de Pernambuco. Esta publicação se origina, sobretudo,
de sua tese de doutorado realizada no Museu Nacional de Antropologia
(UFRJ), entre 1999 e 2001, em que a autora se propôs inicialmente a
estudar as relações de solidariedade que compunham aquela ordem social
e logo constatou a iminência de conflitos de família vivos na memória e
no presente (MARQUES, 2007, p. 29).
Objetivando compreender o meio social em que essas “questões” ocor-
rem, ela buscou em sua tese estudar esses fenômenos em suas caracterís-
ticas e repercussões sociais. Procurando menos iluminar um sistema de
vingança e mais descrever as rupturas e ligações fomentadas por esses
episódios, sua preocupação não são tanto os conflitos, mas o espaço entre
eles, no qual uma série de elementos vai dar impulso a esse movimento
que deslocará as relações sociais.
1
MARQUES, A. C. D. R.; BROGNOLI, F. F.; VILLELA, J. L. M. Andarilhos e cangaceiros: a arte de produzir
território em movimento. v. 1. Itajaí: Ed. da Univali, 1999.
2
MARQUES, A. C. D. R. Intrigas e questões: vingança de família e tramas sociais no sertão de Pernambuco. v.
1. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 197-203, 2. sem. 2008
199

É desse trabalho que provém a abordagem “contratualista”,3 utilizada


agora, que demonstra que os “conflitos” são parte constitutiva da socieda-
de e não simplesmente um elemento desintegrador de uma ordem social,
gerada pela solidariedade, como acreditava a sociologia funcionalista.
Segundo Marques, estas “questões” tanto desagregam quanto congre-
gam, demarcam e apagam fronteiras de grupos, “não há contradição
entre esses vínculos e os conflitos”.
Segundo a autora, ainda em Intrigas e questões, essas disputas são ocasiões
em que os vínculos de vários tipos, as relações de solidariedade, de poder
e dependência, os valores culturais, as formas de apaziguamento, a arti-
culação de múltiplas esferas sociais, como a familiar e a jurídica, expõem-
se muito agudamente, em momentos que mobilizam coletividades cuja
insígnia principal é representada pelo nome de família, sobreposto pela
remissão a determinado território ou localidade.
Outro ponto tratado por ela anteriormente, e resgatado na atual publi-
cação por Linda Lewin, Jorge Mattar Villela e Irlys Alencar, é a drama-
tização social que está por trás desses “conflitos” e que os torna eventos
públicos. As formas como tais conflitos são assimilados, a posição que
passam a ocupar na vida dos que ali se envolvem, as expectativas em
torno das vinganças, a enorme preocupação com a manutenção ou re-
torno da paz, a imagem exterior de uma família homogênea, ou mesmo
a produção de épicos sertanejos gerados que vão sendo produzidos são
elementos-chave nessa dramatização.
O livro Conflitos, política e relações pessoais se inicia com um artigo da
própria organizadora, em conjunto com John Comerford (UFRRJ) e
Christine de Alencar Chaves (UFP). Traições, intrigas, fofocas, vinganças:
notas para uma abordagem etnográfica do conflito é a sistematização de um
debate promovido pelo Núcleo de Antropologia da Política (Nuap), em
Fortaleza (2003), sobre três teses etnográficas realizadas pelos próprios
autores do artigo em diferentes contextos – famílias no sertão de Per-
nambuco, sindicatos na Zona da Mata mineira e uma marcha nacional
do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) – e com propósitos
distintos, mas que apresentam substratos partilhados.
O principal ponto comum dessas teses é novamente a questão dos confli-
tos, que operam como dimensões da vida social. As etnografias descrevem
o modo como são vividos, que relações acionam, os significados portados
e a sorte de efeitos que produzem na constituição dessas sociedades.
Temas como a publicidade dos conflitos, o discurso como parte do en-
3
Abordagem contratualista ou processualista: presume uma precedência analítica do conflito em relação à
ordem. Esta se instauraria como seu controle ou se reforçando através dele (MARQUES, 2007, p. 7).
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200

frentamento, a unidade e as fronteiras construídas ao longo do conflito,


simetrias e assimetrias necessárias ao confronto são também abordados
como matéria compartilhada de realidades diferenciadas.
O segundo artigo, Sobre o estado de guerra: perspectivas socioantropológicas,
de autoria de Piero C. Leirner (Ufscar), é uma crítica a uma linha da
antropologia que vem se dedicando a “estudos da guerra” e que, segundo
o autor, tem atrelado os estudos antropológicos às teorias sociológicas que
ligam o Estado à Guerra. Segundo ele, o controle estatal sobre a guerra
passa a ser o fundamento da tipologia da “verdadeira ou falsa” guerra.
É o que ele chama de domesticação da guerra pelo Estado:

O que quero mostrar é que os resultados de parte da antropologia que


se ocupou de entender o fenômeno da guerra acabam por reproduzir
o que a boa sociologia do mundo já havia feito: supor que há uma
imanência do Estado em relação à guerra. (LEINER em MARQUES,
2007, p. 57)
O autor constrói um histórico “do que” e “do como” as ciências sociais
têm abordado o tema guerra e, em seguida, mapeia como a antropolo-
gia se apropriou dele sem ir além dos conceitos preexistentes. Por fim,
propõe pensar a guerra em outros parâmetros: como uma relação social
de inimigos recíprocos.
O terceiro texto é de Linda Lewin, da Universidade da Califórnia, e se
difere dos outros artigos pela abordagem menos antropológica e mais
histórica. Ela narra uma história interessante que constitui um dos
pontos altos do livro. Suas fontes de pesquisa são livros de literatura de
cordel, documentos escritos e a história oral, que mantém vivo, através
da constante reprodução, um conflito que se iniciou no século XIX.
Dois repentistas de classes sociais antagônicas, um senhor de terras e
um escravo analfabeto, se enfrentam em um desafio poético no interior
da Paraíba, no ano de 1874. Em jogo está o título de “rei dos cantado-
res”. O primeiro e atual campeão utiliza a viola e ritmos portugueses
adaptados para o desafio; já o segundo, desafiante, vale-se do pandeiro
que reproduz a batida do coco, som afro-brasileiro, seguindo a tradição
dos emboladores. O resultado do confronto está na boca do público, que
repercute, por décadas, o desafio em várias versões.
Como afirma a autora, esse desafio de cantadores, que opõe personagens
claramente desiguais por confrontar hierarquias do período colonial,
ganhou uma ordem simbólica que extrapolou a noite de São Pedro:
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 197-203, 2. sem. 2008
201

Inácio (desafiante) colocou em questão a atitude fundamental que a


sociedade sancionava para manter a ordem social – a negação da huma-
nidade de um escravo. [...] Ao apagar a distância social e literalmente
cantar sua inteligência, Inácio lançou insultos poeticamente sancionados
que invertiam a hierarquia dentro do contexto de evento-performance.
Que ele o tenha feito, contudo, ante uma grande audiência iletrada,
significou que a subsequente oralidade da cultura popular preservaria
Inácio na memória coletiva. (LEWIN em MARQUES, 2007, p. 100)
O quarto artigo, de Jorge Mattar Villela (UFSCAR), Violência e mediação
de vingança de sangue no sertão de Pernambuco, Nordeste do Brasil, é resulta-
do de uma etnografia feita no Vale do Pajeú, sertão de Pernambuco. O
curioso é que, na mesma data e local, a organizadora dessa publicação
realizava também sua etnografia de doutorado, já citada anteriormente.
Porém, é bom ressaltar que os dois não se detiveram em sua coleta nas
mesmas fontes.
Villela classifica ali como uma feuding society, local onde os insultos sofridos
devem ser pagos com atos de violência. É interessante mencionar que ele
dispensa no artigo qualquer referência bibliográfica por considerar seu
trabalho puramente etnográfico (MARQUES, 2007, p. 112). Ao longo do
texto, ele demonstra que os grupos de vingança assumem a linguagem
do parentesco como força aglutinadora capaz de dar impulso a esses
atos de violência que vão alterar suas próprias fronteiras e que recebem
a classificação nativa de “intrigas e questões”.
O autor coloca os vários sentidos que abrangem o termo família, sendo
esta uma terminologia polissêmica que opera em diversos níveis e se
atualiza ao longo dos conflitos. Para ele, a questão básica dessas brigas
que envolvem certas coletividades é a desmoralização.

Diante da ameaça da desmoralização, um indivíduo ou, mais frequente-


mente, uma coletividade de dimensões e identificação flutuantes põe-se
diante do seguinte dilema: ou ser encarada por todos os demais como
frouxos ou reagir violentamente aos insultos recebidos e construir,
individual ou coletivamente, sua fama. (MARQUES, 2007, p. 127)
O artigo seguinte, Um levantamento introdutório das práticas de violência física
dentro das cadeias cariocas, também é resultado de uma etnografia, só que
dessa vez feita no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro, nos anos de
2000 e 2001. Tem a autoria de Antônio Rafael Barbosa, que a realizou
como tese de doutorado pelo Museu Nacional (UFRJ).
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 197-203, 2. sem. 2008
202

O tema tratado são as práticas que envolvem violência física e tratamento


moralmente degradante dentro das cadeias cariocas. Sua abordagem
segue uma linha foucaultiana. Barbosa inicialmente analisa a formação
histórica dos meios de confinamento (famílias, escola, prisão, fábrica) e o
estabelecimento de uma rede disciplinar que atravessa todo o campo so-
cial, ligando aparelhos e instituições (2007, p. 134). Em seguida, procura
mapear as várias relações de poder que escapam a essa rede disciplinar,
fazendo com que a violência se multiplique dentro daqueles espaços e
impedindo o controle efetivo dos castigos físicos.
O sexto artigo, A violência e o tráfico: para uma comparação dos narco-mercados,
de Manuela Ivone P. da Cunha, da Universidade de Minho (Portugal),
é um estudo comparativo de dois modelos de tráfico que se organizam
de maneiras diferenciadas: o primeiro chamado Freelance, que se carac-
teriza pela sua fluidez, assentando operações na iniciativa individual ou
na cooperação pontual e variável entre indivíduos. Nele quase não há
divisão do trabalho; se houver, ela é meramente técnica e não se traduz
em uma estrutura vertical; o segundo é o Empresarial, que, em oposição,
apresenta uma rigidez, constatável numa forte hierarquização interna
de largas equipes fixas, com assalariados submetidos a uma estreita
supervisão e controle, sendo a violência utilizada como método para
assegurar a disciplina.
O objetivo da autora com esse artigo é demonstrar que a violência não é
constitutiva dos sistemas de tráfico enquanto ordem social, estando mais
presente em modelos de tráfico fortemente organizados.
E por fim, Do sangue à palavra: expressões políticas de um conflito familiar, de
Irlys Alencar (UFC). O texto, que também é resultado de uma etnografia
realizada no município de Aracaú (CE), quer mostrar como os discursos
familiares, de cunho altamente pessoais, são apropriados com argumentos
políticos e, portanto, como se confundem os interesses públicos e privados
nos conflitos ali existentes. Com uma estratégia semelhante à utilizada
por Marques em Intrigas e questões, ao invés de constatar a penetração
e ocupação do público pelos interesses privados ou o contrário, ela se
detém no trânsito complexo que envolve as tramas familiares e políticas
como parte de um mesmo enredo.

Trata-se, na realidade, de observar o encontro das significações próprias


da política com os sentidos e as representações que se organizam no
interior da família, não como um cruzamento insólito, mas como rede
de relações que se alimenta com base em valores e práticas sociais,
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 197-203, 2. sem. 2008
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orquestrados em torno de um conflito. (ALENCAR em MARQUES,


2007, p.182-183)
Longe de ser simplesmente o preenchimento pelo “poder privado” de
uma ausência ou deficiência do “poder público”, trata-se de mútuo con-
dicionamento e apropriação, em processos de negociação e composição
provisória que contextualizam as relações sociais locais.
O livro é uma boa coletânea de textos para quem deseja estudar no
âmbito antropológico conflitos e suas diversas implicações sociais, assim
como um meio para conhecer alguns dos melhores pesquisadores na-
cionais que se dedicam ao tema atualmente. Como boa parte dos artigos
presentes nessa obra faz parte de pesquisas já publicadas integralmente,
a maioria pela coleção Antropologia da Política, do Museu Nacional de
Antropologia (UFRJ), vale a pena extrapolar essa concisa publicação e
buscar as pesquisas completas.

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 197-203, 2. sem. 2008


Sílvia Regina Alves Fernandes*
CARNEIRO, Sandra Sá. A pé e com fé: brasileiros no
Caminho de Santiago. São Paulo: Attar, 2007. 277p.

Modernização religiosa e ressemantizações


da matriz católica – O caso de brasileiros
peregrinos no Caminho de Santiago

Espiritualidade, mística, religiosidade, magia, religião,


self, catolicismo. Se fôssemos eleger as principais pala-
vras que permeiam este estudo, seriam essas a merecer
destaque. Quem analisa o campo religioso brasileiro e
enfrenta a árdua tarefa de compreender como o pro-
cesso de modernização nos chega, encontra na pesquisa
de Sandra Carneiro preciosas contribuições ou chaves de
leitura para esse empreendimento analítico.
O livro, fruto de sua tese de doutorado, busca analisar
a experiência de brasileiros na peregrinação a Santiago
de Compostela. Ao longo de cinco capítulos, Sandra nos
revela pouco a pouco o ethos dos peregrinos, os percalços
do Caminho compostelano que ela prefere denominar
jacobeo, a intricada rede de atores envolvidos que vai
desde as Associações difusoras do Caminho de Santiago,
passando pelo clero, pelos hospitaleiros, pelos agentes de
turismo e pelos peregrinos. A peregrinação não é apenas
uma antiga tradição que resiste às transformações, mas
um fenômeno que se reinventa de modo dinâmico, não
sem tensões e negociações entre os vários atores envol-
vidos. Essa formulação traduz sua hipótese de trabalho
que é apresentada ao leitor nas páginas iniciais.
A leitura do texto, entretanto, indica que essas tensões
ocorrem embaladas por uma ressignificação do indiví-
*
Doutora em Ciências So- duo diante dele mesmo, diante da Igreja católica e do
ciais, é professora adjunta mundo social. Assim, a ideia de mudança, de transforma-
da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro ção pessoal e, por que não dizer, de conversão perpassa
(UFRRJ) – e-mail: silvfer- todos os relatos dos peregrinos que, ao fazerem o Cami-
nandes@terra.com.br.
nho, se convertem a uma religião do self curiosamente
206

composta por muitos elementos da matriz católica. O estudo evidencia


que a catolicidade dos peregrinos manifesta-se numa dinâmica de pre-
sença e ausência; num jogo de revelações e ressemantizações, ora para
acionar símbolos ou santos de devoção, ora para simplesmente responder
de acordo com o que os agentes oficiais querem ouvir como motivações
principais para a peregrinação. Ficam postas, assim, as vicissitudes que
enfrentam o discurso sobre a autenticidade da motivação peregrina e
sua consequente legitimidade.
“Peregrino é aquele indivíduo que declara ter percorrido o caminho,
independentemente dos motivos apontados e levando em conta a au-
todeclaração.” Embora construindo essa definição, a autora assegura
em seu primeiro capítulo não ser esta a sua preocupação, mas antes
descobrir o valor ou o sentido que os indivíduos atribuem ao ato de pe-
regrinar. Como bem lembrou Hervieu-Léger,1 o peregrino é um velho
conhecido da história de todas as grandes religiões e denota a religião
em movimento, mas na modernidade a condição peregrina define-se
primordialmente a partir da construção biográfica. “A pé e com fé” é
também uma história de pequenas biografias entrecortadas pela análise
antropológica que tenta desvendar os múltiplos significados atribuídos
pelos peregrinos de Compostela.
No primeiro capítulo o livro de Sandra aborda perspectivas teóricas dos
rituais, passando brevemente por alguns autores tais como Durkheim,
Turner, Levi-Strauss e Tambiah. A autora explica que a religião está sendo
tratada em sua pesquisa na perspectiva de Geertz, ou seja, está sendo en-
tendida como uma forma particular de construir o mundo. O leitor tem
acesso também aos percalços do campo e ao debate (já tradicional na
área) sobre a relação pesquisador e objeto; imparcialidade/envolvimento;
abordagem que propicia uma contribuição importante aos iniciantes no
fazer antropológico.
O texto é rico no relato da formação do mito histórico de Santiago, e
a autora explica, no capítulo dois, um pouco da tradição do Caminho,
dando destaque ao seu caráter multidimensional e catalisador de culturas.
A relação dos hospitaleiros com os peregrinos tem também uma conota-
ção de retribuição: quem fez o Caminho retribui acolhendo quem o faz.
Neste capítulo o leitor vai percebendo os diversos atores na interpretação
e na difusão do Caminho. Entram em cena na descrição de Sandra o
papel da Igreja católica e sua influência para a produção do turismo;
do governo da Espanha; da Comunidade Europeia. As múltiplas faces do
turismo e da peregrinação são aí trabalhadas. A autora dialoga com Steil
1
HERVIEU-LÉGER, Daniele. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. Lisboa: Gradiva, 2005.
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para apresentar a noção de turismo religioso e os aspectos constitutivos


da moderna peregrinação, lembrando que os elementos profanos estão
presentes e favorecem o câmbio e os arranjos das identidades de turista
e de peregrino.
O conhecimento mais detalhado do perfil dos peregrinos o leitor obtém
a partir do terceiro capítulo. Considerando-se a análise dos dados dispo-
nibilizados pela Oficina do Peregrino – órgão que registra os peregrinos
a fim de emitir a Compostela ou o certificado de peregrinação –, é pos-
sível constatar a evolução do número de peregrinos que receberam tal
certificado. Nesse sentido, é importante o alerta da autora a respeito da
imprecisão dos dados quantitativos disponíveis. Analisando-se o período
de 1986 a 2001, nota-se com clareza a evolução do número de peregri-
nos de acordo com a Oficina do Peregrino, mas a autora não explora
o fato de que, curiosamente, apenas no ano de 1990 registrou-se uma
involução de quase 15% no número de fiéis. Que fatores teriam levado
a essa diminuição exatamente nesse ano?
Voltando ao perfil dos caminhantes, a maioria faz o percurso a pé; são
predominantemente homens e adultos; supostamente de camada mé-
dia – em função da ocupação observada por Sandra – e com motivação
categorizada genericamente como “religiosa”. É exatamente o desnu-
damento dessa categoria que Sandra pretende realizar ao longo de seu
texto. De modo especial, a partir dos depoimentos dos peregrinos, a
dimensão religiosa vai se revelando em fluidez, em emotividade e ain-
da no vínculo refeito com uma religião de berço, a saber, o catolicismo.
Entretanto, trata-se de um catolicismo ressemantizado, talvez em quase
nada diferindo do que se vê nas grandes metrópoles brasileiras, já que,
como analisa a autora, os peregrinos brasileiros evocam uma espécie de
bagagem religiosa que legitima de certo modo suas crenças preexistentes.
A fragmentação marca o que hoje é conhecido como o Caminho, e Sandra
analisa a diversidade de sentidos atribuídos ao exercício da peregrinação.
Através de fatos do cotidiano do caminhante, o leitor vai sendo conduzido
à “via-crúcis cristã”, que explicita bem a matriz católica pelo uso frequente
da expressão “com pão e vinho se faz o Caminho”. O “chão de estrelas”,
denotando o próprio percurso, é analisado no quarto capítulo do livro,
no qual se tem acesso à experiência da própria pesquisadora durante os
35 dias em que realizou a peregrinação. Nesse capítulo também é explo-
rada com mais propriedade a analogia que os peregrinos fazem entre o
percurso e a caminhada da vida e o caráter emocional do mundo jacobeo.
Não apenas a matriz católica está presente na experiência religiosa dos
caminhantes, mas sobretudo uma matriz cristã, na qual a ideia de Cha-
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 205-208, 2. sem. 2008
208
mado emerge como um arcabouço fundante da experiência religiosa dos
que fazem o Caminho de Santiago. Assim, os relatos revelam a crença
dos peregrinos nessa força maior ou superior que convoca cada um a
fazer o Caminho. Nada mais cristão do que a ideia de que se é convo-
cado a uma missão, chamado a exercer um determinado ministério na
Igreja ou chamado a um determinado tipo de vocação religiosa. Assim,
no discurso católico, a ideia de Chamado aparece carregada de certa
inevitabilidade, algo diante do qual o indivíduo não possui forças para
resistir e, se resistir, não alcançará uma realização plena. No contexto
de Santiago de Compostela, entretanto, a ideia de Chamado aparece
como uma convocação que fará de cada pessoa alguém renovado, dife-
rente, mais espiritualizado, mais ou menos católico, mas sempre um ser
humano melhor do que se foi antes da realização da peregrinação. O
elenco das principais motivações dos brasileiros para o empreendimento
do Caminho é apresentado também no quarto capítulo: aventura, férias
diferentes, história e arquitetura, fé e experiência religiosa, busca inte-
rior, dentre outras, são algumas das motivações reveladas à pesquisadora
pelos caminhantes. Sandra destaca, entretanto, que muitos indivíduos
não apresentam uma única motivação, resultando em alguma dificuldade
do analista em matizá-las. Essa multiplicidade de motivações estaria a
indicar a diversidade dos indivíduos, segundo a autora, que se expressa
também na consolidação de um tipo de sociabilidade que forma uma
espécie de grande família de peregrinos. São pessoas que se escutam, se
amparam e se esforçam no entendimento de umas às outras; são pesso-
as que exercitam a prática da convivialidade que integra a parceria no
cansaço, na dor, nas emoções.
Diante do debate corrente sobre o processo de desregulação institucio-
nal, a experiência dos peregrinos de Compostela funciona como um ato
emblemático e comprobatório desse processo, que tem se instalado em
nossas sociedades de modo aparentemente irreversível, mas não sem am-
biguidades e ambivalências. Ao analisar a dimensão da fé dos peregrinos,
a autora chama a atenção do leitor para o debate acadêmico que demarca
o caráter privado da experiência religiosa e assegura que seu objetivo era
exatamente “refletir sobre o significado do experimentalismo”.

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 205-208, 2. sem. 2008


NOTÍCIAS
DO PPGA
211

RELAÇÃO DE DISSERTAÇÕES DEFENDIDAS


NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM ANTROPOLOGIA

CURSO DE MESTRADO EM ANTROPOLOGIA

1 título: Um abraço para todos os amigos


Autor: Antonio Carlos Rafael Barbosa
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues
Data da defesa: 16/1/1997

2 Título: Aproduçãosocialdamorteemortesimbólicaem
pacientes hansenianos
Autor: Cristina Reis Maia
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues
Data da defesa: 2/4/1997

3 Título: Práticas acadêmicas e o ensino universitário:


uma etnografia das formas de consagração e
transmissão do saber na universidade
Autor: Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa:16/6/1997

4 Título: “Dom”, “iluminados” e “figurões”:


umestudosobrearepresentaçãodaoratóriano
Tribunal do júri do Rio de Janeiro
Autor: Alessandra de Andrade Rinaldi
Orientador: Prof. Dr. Luiz de Castro Faria
Data da defesa: 3/1/1997

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


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5 Título: Mudança ideológica para a qualidade


Autor: Miguel Pedro Alves Cardoso
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 7/10/1997

6 Título: Culto rock a Raul Seixas: sociedade alternativa


entre rebeldia e negociação
Autor: Monica Buarque
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues
Data da defesa: 19/12/1997

7 Título: A cavalgada do santo guerreiro: duas festas de


São Jorge em São Gonçalo/Rio de Janeiro
Autor: Ricardo Maciel da Costa
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 23/12/1997

8 Título: A loucura no manicômio judiciário:


a prisão como terapia, o crime como sintoma, o
perigo como verdade
Autor: Rosane Oliveira Carreteiro
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 6/2/1998

9 Título: Articulação casa e trabalho: migrantes


“nordestinos” nas ocupações de empregada
doméstica e empregados de edifício
Autor: Fernando Cordeiro Barbosa
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 4/3/1998

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10 Título: Entre “modernidade” e “tradição”:


a comunidade islâmica de Maputo
Autor: Fátima Nordine Mussa
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 11/3/1998

11 Título: Osinteressessociaiseasectarizaçãodadoença
mental
Autor: Cláudio Lyra Bastos
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 21/5/1998

12 Título: Programa médico de família: mediação e


reciprocidade
Autor: Gláucia Maria Pontes Mouzinho
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 24/5/1999

13 Título: O império e a rosa: estudo sobre a devoção do


Espírito Santo
Autor: Margareth da Luz Coelho
Orientador: Prof. Dr. Arno Vogel
Data da defesa: 13/7/1998

14 Título: Domalandroaomarginal:representaçõesdos
personagens heróis no cinema brasileiro
Autor: Marcos Roberto Mazaro
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 30/10/1998

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


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15 Título: Prometer-cumprir:princípiosmoraisdapolítica:
um estudo de representações sobre a política
construídas por eleitores e políticos
Autor: Andréa Bayerl Mongim
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 21/1/1999

16 Título: Osimbólicoeoirracional:estudosobresistemas
de pensamento e separação judicial
Autor: César Ramos Barreto
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues
Data da defesa: 10/5/1999

17 Título: Em tempo de conciliação


Autor: Angela Maria Fernandes Moreira-Leite
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 15/7/1999

18 Título: Negros, parentes e herdeiros: um estudo da


reelaboraçãodaidentidadeétnicanacomunidade
de Retiro, Santa Leopoldina – ES
Autor: Osvaldo Marins de Oliveira
Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 13/8/1999

19 Título: Sistema da sucessão e herança da posse


habitacional em favela
Autor: Alexandre de Vasconcellos Weber
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 25/10/1999

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


215

20 Título: E no samba fez escola:


umestudodeconstruçãosocialdetrabalhadores
em escola de samba
Autor: Cristina Chatel Vasconcellos
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 5/11/1999

21 Título: Cidadãosefavelados:osparadoxosdosprojetos
de (re)integração social
Autor: André Luiz Videira de Figueiredo
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 19/11/1999

22 Título: Daanchovaaosaláriomínimo:umaetnografia
sobreinjunçõesdemudançasocialemArraialdo
Cabo/RJ
Autor: Simone Moutinho Prado
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 25/2/2000

23 TÍTULO: Pescadores e surfistas: uma disputa pelo uso do


espaço da Praia Grande
Autor: Delgado Goulart da Cunha
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 28/2/2000

24 TÍTULO: Produção corporal


da mulher que dança
Autor: Sigrid Hoppe
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 27/4/2000

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


216

25 TÍTULO: Aproduçãodaverdadenaspráticasjudiciárias
criminaisbrasileiras:umaperspectivaantropológica
de um processo criminal
Autor: Luiz Eduardo de Vasconcellos Figueira
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 21/9/2000

26 TÍTULO: Campo de força: sociabilidade numa torcida


organizada de futebol
Autor: Fernando Manuel Bessa Fernandes
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 22/9/2000

27 TÍTULO: Reservas extrativistas marinhas: uma reforma


agrárianomar?Umadiscussãosobreoprocesso
deconsolidaçãodareservaextrativistamarinhade
Arraial do Cabo/RJ
Autor: Ronaldo Joaquim da Silveira Lobão
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 29/11/2000

28 TÍTULO: Patrulhando a cidade: o valor do trabalho e


a construção de estereótipos em um programa
radiofônico
Autor: : Edilson Márcio Almeida da Silva
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 8/12/2000

29 TÍTULO: Loucos de rua: institucionalização x


desinstitucionalização
Autor: Ernesto Aranha Andrade
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 8/3/2001

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


217

30 TÍTULO: FestadoRosário:iconografiaepoéticadeumrito
Autor: Patrícia de Araújo Brandão Couto
Orientador: Profª Drª Tania Stolze Lima
Data da defesa: 8/5/2001

31 TÍTULO: Oscaminhosdoleão:umaetnografiadoprocesso
de cobrança do Imposto de Renda
Autor: Gabriela Maria Hilu da Rocha Pinto
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 7/8/2001

32 TÍTULO: Representações políticas: alternativas e


contradições – das múltiplas possibilidades de
participaçãopopularnaCâmaraMunicipaldoRio
de Janeiro
Autor: Delaine Martins Costa
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 27/9/2001

33 TÍTULO: Capoeirasemestres:umestudodeconstruçãode
identidades
Autor: Mariana Costa Aderaldo
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 29/10/2001

34 TÍTULO: Índiosmisturados:identidadesedesterritorialização
no século XIX
Autor: Márcia Fernanda Malheiros
Orientador: Profª Drª Tania Stolze Lima
Data da defesa: 17/12/2001

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


218

35 TÍTULO: Trabalhoeexposição:umestudodapercepção
ambientalnasindústriascimenteirasdeCantagalo/
RJ – Brasil
Autor: Maria Luiza Erthal Melo
Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva, Prof. Dr. Carlos Machado de
Freitas (co-orientador)
Data da defesa: 4/5/2001

36 TÍTULO: Samba, jogo do bicho e narcotráfico:


aredederelaçõesqueseformanaquadradeuma
escoladesambaemumafaveladoRiodeJaneiro
Autor: Alcyr Mesquita Cavalcanti
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 20/12/2001

37 TÍTULO: Mãos de arte e o saber-fazer dos artesãos de


Itacoareci: um estudo antropológico sobre
socialidade, identidades e identificações locais
Autor: Marzane Pinto de Souza
Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 6/2/2002

38 TÍTULO: DoaltodorioErepecuruàcidadedeOriximiná:
aconstruçãodeumespaçosocialemumnúcleo
urbano da Amazônia
Autor: Andréia Franco Luz
Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 27/3/2002

39 TÍTULO: O fio do desencanto: trajetória espacial e social


de índios urbanos em Boa Vista (RR)
Autor: Lana Araújo Rodrigues
Orientador: Prof. Dr. José Carlos Rodrigues
Data da defesa: 27/3/2002
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008
219

40 TÍTULO: Deusépai:prosperidadeousacrifício?Conversão,
religiosidade e consumo na Igreja Universal do
Reino de Deus
Autor: Maria José Soares
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 1­/4/2002

41 TÍTULO: Negrosemascensãosocial:poderdeconsumoe
visibilidade
Autor: Lidia Celestino Meireles
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 1/4/2002

42 TÍTULO: A cultura material da nova era e o seu processo


de cotidianização
Autor: Juliana Alves Magaldi
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 20/7/2002

43 TÍTULO: A Festa do Divino Espírito Santo em Pirenópolis,


Goiás:polaridadessimbólicasemtornodeumrito
Autor: Felipe Berocan Veiga
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 1/7/2002

44 TÍTULO: Privatizaçãoereciprocidadeparatrabalhadoresda
CERJ em Alberto Torres/RJ
Autor: Cátia Inês Salgado de Oliveira
Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 4/7/2002

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


220

45 TÍTULO: Cadaloucocomasuamania,cadamaniadecura
com a sua loucura
Autor: Patricia Pereira Pavesi
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 7/1/2003

46 TÍTULO: Linguagemdeparentescoeidentidadesocial,um
estudodecaso:osmoradoresdeCampoRedondo
Autor: Cátia Regina de Oliveira Motta
Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 7/1/2003

47 TÍTULO: Vila Mimosa II: A Construção do Novo Conceito


da Zona
Autor: Soraya Silveira Simões
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 20/1/2003

48 TÍTULO: Tão perto, tão longe: etnografia sobre relações


de amizade na favela da Mangueira no Rio de
Janeiro
Autor: Geovana Tabachi Silva
Orientador: Profª Drª Lívia Neves Barbosa
Data da defesa: 20/1/2003

49 TÍTULO: O mercado dos orixás: uma etnografia do


Mercadão de Madureira no Rio de Janeiro
Autor: Carlos Eduardo Martins Costa Medawar
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 20/1/2003

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


221

50 TÍTULO: Para além da “porta de entrada”: usos e


representaçõessobreoconsumodacanabisentre
universitários
Autor: Jóvirson José Milagres
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 10/6/2003

51 TÍTULO: E o verbo (re)fez o homem: estudo do processo


de conversão do alcoólico ativo em alcoólico
passivo
Autor: Angela Maria Garcia
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 12/6/2003

52 TÍTULO: Lesouffleaucoeur&damage:quandoomesmo
tocaomesmoem24quadrosporsegundo(Louis
Malle e a temática do incesto)
Autor: Débora Breder Barreto
Orientador: Profª Drª Lygia Baptista Pereira Segala Pauletto
Data da defesa: 24/6/2003

53 TÍTULO: OfaccionalismoxavantenaterraindígenaSão
Marcos e a cidade de Barra das Garças
Autor: Paulo Sérgio Delgado
Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 24/6/2003

54 TÍTULO: Cartografianativa:arepresentaçãodoterritório,
pelos guarani kaiowá, para o procedimento
administrativo de verificação da Funai
Autor: Ruth Henrique da Silva
Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 27/6/2003

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


222

55 TÍTULO: Nem muito mar, nem muita terra. Nem tanto


negro,nemtantobranco:umadiscussãosobre
o processo de construção da identidade da
comunidaderemanescentedeQuilombosnaIlhada
Marambaia/RJ
Autor: Fábio Reis Mota
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 27/6/2003

56 TÍTULO: Penduraessa:acomplexaetiquetadereciprocidade
em um botequim do Rio de Janeiro
Autor: Pedro Paulo Thiago de Mello
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 30/6/2003

57 TÍTULO: Justiçadesportiva:umacoexistênciaentreopúblico
e o privado
Autor: Wanderson Antonio Jardim
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima, Profª Drª Simoni Lahud Gue-
des (co-orientadora)
Data da defesa: 30/6/2003

58 TÍTULO: Oteucabelonãonega?Umestudodepráticase
representações sobre o cabelo
Autor: Patrícia Gino Bouzón
Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi
Data da defesa: 5/2/2004

59 TÍTULO: Usos e significados do vestuário


entre adolescentes
Autor: Joana Macintosh
Orientador: Profª Drª Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
Data da defesa: 16/2/2004

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


223

60 TÍTULO: AcientifizaçãodaacupunturamédicanoBrasil:
uma perspectiva antropológica
Autor: Durval Dionísio Souza Mota
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima; Profª Drª Simoni Lahud Gue-
des (co-orientadores)
Data da defesa: 19/2/2004

61 TÍTULO: Das práticas e dos seus saberes:


aconstruçãodo“fazerpolicial”entreaspraçasda
PMERJ
Autor: Haydée Glória Cruz Caruso
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 19/2/2004

62 TÍTULO: O processo denunciador – retóricas, fobias e


jocosidadesnaconstruçãosocialdadengueem
2002
Autor: Anamaria de Souza Fagundes
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 29/3/2004

63 TÍTULO: Rua dos Inválidos, 124 –


a vila é a casa deles
Autor: Marcia Cörner
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 29/3/2004

64 TÍTULO: SantaTecla,GraçaeLaranjal:regrasdesucessão
nas casas de estância do Brasil Meridional
Autor: Ana Amélia Cañez Xavier
Orientador: Profª Drª Eliane Catarino O’Dwyer
Data da defesa: 25/5/2004

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


224

65 TÍTULO: Desemprego e malabarismos culturais


Autor: Valena Ribeiro Garcia Ramos
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 31/5/2004

66 TÍTULO: Dimensõesdasexualidadenavelhice:estudoscom
idosos em uma agência gerontológica
Autor: Rosangela dos Santos Bauer
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 9/6/2004

67 TÍTULO: Lavradores de sonhos: estruturas elementares


do valor cultural na conformação do valor
econômico.umestudosobreapropriedadecapixaba
no município de vitória
Autor: Alexandre Silva Rampazzo
Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 26/7/2004

68 TÍTULO: Responsabilidadesocialdasempresas:quandoo
risco e o apoio caminham
lado a lado
Autor: Ricardo Agum Ribeiro
Orientador: Profª Drª Gláucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 28/1/2005

69 TÍTULO: A escolha: um estudo antropológico sobre a


escolha do cônjugue
Autor: Paloma Rocha Lima Medina
Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 3/2/2005

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


225

70 TÍTULO: Agricultores orgânicos do Rio


da Prata (RJ): luta pela preservação social
Autor: Pedro Fonseca Leal
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 23/2/2005

71 TÍTULO: Umacomunidadeemtransformação:modernidade,
organização e conflito
nas escolas de samba
Autor: Fabio Oliveira Pavão
Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi
Data da defesa: 28/2/2005

72 TÍTULO: Esculhamba,masnãoesculacha:umrelatosobre
uso dos trens da Central do Brasil, no Rio de
Janeiro, enfatizando as práticas e os conflitos
relacionadosacomerciantesambulanteseoutros
atores, naquele espaço social
Autor: Lênin dos Santos Pires
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 28/2/2005

73 TÍTULO: O porteiro, o panóptico brasileiro:


as transformações do saber-fazer
e do saber-lidar deste trabalhador
Autor: Roberta de Mello Correa
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 18/3/2005

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


226

74 TÍTULO: Tempo, trabalho e modo de vida:


estudo de caso entre profissionais
da enfermagem
Autor: Renata Elisa da Silveira Soares
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 8/4/2005

75 TÍTULO: Espaço urbano e segurança pública: entre o


público, o privado e o particular
Autor: Vanessa de Amorim Pereira Cortes
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 18/4/2005

76 TÍTULO: Vida após a morte: salvo ou condenado?


Autor: Andréia Vicente da Silva
Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 9/5/2005

77 TÍTULO: Dramas sociais, realidade


e representação:
a família brasileira vista pela TV
Autor: Shirley Alves Torquato
Orientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. Gomes
Data da defesa: 11/5/2005

78 TÍTULO: Consumidorconsciente,cidadãonegligente?
Autor: Michel Magno de Vasconcelos
Orientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. Gomes
Data da defesa: 18/5/2005

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


227

79 TÍTULO: Paixão pela política e política


dos Paixão: família e capital político em um
município fluminense
Autor: Carla Bianca Vieira de Castro Figueiredo
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 6/3/2006

80 TÍTULO: Quando a lagoa vira pasto:


um estudo sobre as diferentes formas
de apropriação e concepção
dos espaços marginais da Lagoa Feia–RJ
Autor: Carlos Abraão Moura Valpassos
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2006

81 TÍTULO: O dono da rota:


etnografia de um vendedor
no centro urbano do Rio de Janeiro
Autor: Flavio Conceição da Silveira
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2006

82 TÍTULO: Os caminhos da Maré:


a turma 302 do CIEP Samora Machel
e a organização social do espaço
Autor: Lucia Maria Cardoso de Souza
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 7/3/2006

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


228

83 TÍTULO: Os ciganos de calon do Catumbi:


ofício, etnografia e memória urbana
Autor: Mirian Alves de Souza
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 9/3/2006

84 TÍTULO: Disque-denúncia:aarmadocidadão.Processos
de construção da verdade
a partir da experiência da Central
Disque-denúncia do Rio de Janeiro
Autor: Luciane Patrício Braga de Moraes
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 9/3/2006

85 TÍTULO: Quando o peixe morre pela boca:


Os“casosdepolícia”naJustiçaFederalArgentina
na cidade de Buenos Aires
Autor: Lucía Eilbaum
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 10/3/2006

86 TÍTULO: A dádiva no mundo contemporâneo:


um estudo do dom monádico
Autor: Fabiano Nascimento
Orientador: Profa Dra Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 10/3/2006

87 TÍTULO: A fumaça da discórdia: da regulação


do consumo e o consumo de cigarros
Autor: Patrícia da Rocha Gonçalves
Orientador: Profa Dra Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 10/3/2006

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


229

88 TÍTULO: Família, redes de sociabilidade


e casa própria: um estudo etnográfico
em uma cooperativa habitacional em
São Gonçalo, RJ
Autor: Michelle da Silva Lima
Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 10/3/2006

89 TÍTULO: Identidade, conhecimento e poder


na comunidade muçulmana
do Rio de Janeiro
Autor: Gisele Fonseca Chagas
Orientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu Pinto da Rocha
Data da defesa: 10/3/2006

90 TÍTULO: Comércio ambulante na cidade


do Rio de Janeiro: a apropriação
do espaço público
Autor: Marcelo Custódio da Silva
Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi
Data da defesa: 10/3/2006

91 TÍTULO: Revitalização urbana em Niterói:


uma visão antropológica
Autor: André Amud Botelho
Orientador: Profª Drª Laura Graziela F. F. Gomes
Data de defesa: 31/3/2006

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


230

92 TÍTULO: Educandos e os educadores:


Imagens Refletidas. Estudo
do processo de constituição
de categoria ocupacional
Autor: Arlete Inácio dos Santos
Orientador: Profª Drª Delma Pessanha Neves
Data de defesa: 28/4/2006

93 TÍTULO: Sobre a disciplina no futebol brasileiro –


umaabordagempelaJustiçaDesportivaBrasileira
Autor: André Gil Ribeiro de Andrade
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data de defesa: 25/5/2006

94 TÍTULO: Políciaparaquemprecisa:umestudosobretutela
e repressão do GPAE no Morro do Cavalão
(Niterói)
Autor: Sabrina Souza da Silva
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data de defesa: 30/6/2006

95 TÍTULO: Mobilidade espacial e campesinato:


gestão de alternativas escassas
Autor: Gil Almeida Félix
Orientadora: Profa Dra Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 30/6/2006

96 TÍTULO: A igreja ortodoxa antioquina na cidade do Rio


de Janeiro: construção e manutenção de uma
identidadereligiosadiaspóricanocamporeligioso
brasileiro
Autor: Houda Blum Bakour
Orientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Data da defesa: 27/2/2007
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008
231

97 TÍTULO: O programa justiça terapêutica da vara de


execuções penais do Rio de Janeiro
Autor: Frederico Policarpo de Mendonça Filho
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 27/2/2007

98 TÍTULO: Etnicidade,processodeterritorializaçãoeritual
entre os tuxá de rodelas
Autor: Ricardo Dantas Borges Salomão
Orientador: Profª Drª Eliane Cantarino O´Dwyer
Data da defesa: 28/2/2007

99 TÍTULO: Tempo(s)ecológico(s):umrelatodastensõesentre
pescadoresartesanaiseibamaacercadocalendário
de pesca na lagoa feia – RJ
Autor: José Colaço Dias Neto
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2007

100 TÍTULO: Atafona:formasdesociabilidadeemumbalneário


na região norte-fluminense
Autor: Juliana Blasi Cunha
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2007

101 TÍTULO: Comqueroupaeuvou?códigosqueorientamas


escolhasdovestuáriofemininonaclassemédiado
Rio de Janeiro
Autor: Solange Riva Mezabarba
Orientador: Profª Drª Lívia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 9/3/2007

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


232

102 TÍTULO: Notting hill: notas etnográficas sobre


um british carnival
Autor: Iara Gomes de Bulhões
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/6/2007

103 TÍTULO: Maranhãosoueu:tambordeminaeconstrução


identitária – o caso do terreiro cazuá de mironga,
em serpédica – rj
Autor: Wilmara Aparecida Silva Figueiredo
Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 31/8/2007

104 TÍTULO: A praia de copacabana:


uma reflexão sobre algumas das estratégias de
construçãoemanutençãodaimagemdeumespaço
de consumo e lazer da cidade do rio de janeiro
Autor: Flávia Ferreira Fernandes
Orientador: Profa Dra Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
Data da defesa: 31/8/2007

105 TÍTULO: Ciranda e prestação de serviços: os coros


cirandeiros em busca da profissionalização
Autor: Lysia Reis Condé
Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves
ata da defesa: 10/9/2007

106 TÍTULO: Famíliaeredesdeparentescoemumapolíticada


velhice:análisedeumprogramagovernamentalde
gestão do envelhecimento
Autor: Felipe Domingues dos Santos
Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 31/1/2008

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


233

107 TÍTULO: Sobre o modo de justificação dos ascensos e


descensosnosorganismosgovernamentaisdos
dirigentes do partido justicialista (p.j.) de Salta,
Argentina, nos anos 1995-2005 (narrativas de
obediência e lealdade)
Autor: Maria Fernanda Maidana
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 6/3/2008

108 TÍTULO: Digaespelhomeu,sehánaavenidaalguémmais


felizqueeu!estudosobreidentidatidadeememória
da g.r.e.s união da ilha do governador
Autor: Paulo Cordeiro de Oliveira Neto
Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi
Data da defesa: 11/3/2008

109 TÍTULO: Entre barracões e módulos de pesca:


pescariaemeioambientenaregulaçãodousode
espaços públicos na barra do jucu
Autor: Marcio de Paula Filgueiras
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 24/3/2008

110 TÍTULO: Processos de construção e comunicação das


identidadesnegraseafricanasnacomunidade
muçulmana sunita do rio de janeiro
Autor: Cláudio Cavalcante Júnior
Orientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Data da defesa: 10/4/2008

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


234

111 TÍTULO: Explicadoras na nova holanda:


um processo informal de escolarização
Autor: Beatriz Arosa de Mattos
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 25/4/2008

112 TÍTULO: Na “pegação”: encontros homoeróticos


masculinos em juiz de fora
Autor: Verlan Valle Gaspar Neto
Orientador: Prof. Dr. Ovídio Abreu Filho
Data da defesa: 25/4/2008

113 TÍTULO: Feijoadacompleta:reflexõessobreaadministração


institucionaledilemasnasdelegaciasdepolíciada
cidade do rio de janeiro
Autor: Érika Giuliane Andrade Souza
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 30/4/2008

114 TÍTULO: Gostonãosediscute:atores,práticas,mecanismos


e discursos envolvidos na construção social do
gosto alimentar infantil entre crianças de 0 a 10
anos
Autor: Bonnie Moraes Manhãs de Azevedo
Orientador: Profa Dra Laura Graziela F.F. Gomes
Data da defesa: 4/8/2008

115 TÍTULO: A viagem da gente de transformação: uma


exploraçãodouniversosemânticodanoçãode
transformaçãoemnarrativasmíticasdonoroeste
amazônico
Autor: Felipe Agostine Cerqueira
Orientador: Profa Dra Tânia Stolze Lima
Data da defesa: 29/8/2008

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


235

116 TÍTULO: De volta para casa: a vida nas residências


terapêuticas e o trabalho dos cuidadores, em
barbacena – mg
Autor: Rafael Pereira
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 2/9/2008

117 TÍTULO: Vitória sobre a morte: a glória prometida


o“ritodepassagem”naconstruçãodaidentidade
das operações especiais
Autor: Paulo Roberto Storani Botelho
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 5/9/2008

118 TÍTULO: Ostrabalhadoresdapolítica:umacorrentedopt


de niterói
Autor: Bruner Titonelli Nunes
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 25/9/2008

119 TÍTULO: A busca pela união: estudo sobre o modo de


atuação de uma liderança comunitária
Autor: Leandro Mascarenhas Matosinhos
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 26/9/2008

120 TÍTULO: A gente faz de tudo um pouco: um estudo de


construçãosocialdetrabalhadoresnasrelações
familiares e de vizinhança
Autor: Julia Mitiko Sakamoto
Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 30/9/2008

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 211-235, 2. sem. 2008


237

RELAÇÃO DE TESES DEFENDIDAS


NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM ANTROPOLOGIA

1 TÍTULO: A mulher-sujeito:subjetividade,
consumo e trabalho
Autor: Cesar Ramos Barreto
Orientador: Prof. Dr. José Sávio Leopoldi
Data da defesa: 29/9/2007

2 TÍTULO: O ritual judiciário do tribunal do júri


Autor: Luiz Eduardo de Vasconcellos Figueira
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 9/3/2007

3 TÍTULO: Igualdadeehierarquianoespaçopúblico:
análise de processos de administração
institucional de conflitos no município de
niterói
Autor: Kátia Sento Sé Mello
Orientador: Prof.Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 29/3/2007

4 TÍTULO: O direito ao lugar: situações processuais


de conflito na reconfiguração social e
territorial no município de itacaré – BA
Autor: Patrícia de Araújo Brandão Couto
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 30/3/2007

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 237-240, 2. sem. 2008


238

5 TÍTULO: A adolescência na medicina:


um olhar antropológico
Autor: Fernando César Coelho da Costa
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 20/4/2007

6 TÍTULO: Das reportagens policiais às coberturas


desegurançapública:representaçõesda
‘violência urbana’ em um jornal do rio de
janeiro
Autor: Edílson Márcio Almeida da Silva
Orientador: Profª Drª Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 25/4/2007

7 TÍTULO: Sobreculpadoseinocentes:oprocessode
criminação e incriminação pelo ministério
público federal brasileiro
Autor: Gláucia Maria Pontes Mouzinho
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Data da defesa: 28/9/2007

8 TÍTULO: Cruzada de são sebastião no leblon: uma


etnografia da moradia e do cotidiano dos
habitantesdeumconjuntohabitacionalna
zona sul do rio de janeiro
Autor: Soraya Silveira Simões
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 26/2/2008

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 237-240, 2. sem. 2008


239

9 TÍTULO: Campointelectualegestãodaeconomiado
babaçu:dosestudoscientíficosàspráticas
tradicionaisdasquebradeirasdecocobabaçu
Autor: Cynthia Carvalho Martins
Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 28/2/2008

10 TÍTULO: Maneirasdebeber:sociabilidadesealteridades
Autor: Ângela Maria Garcia
Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 28/2/2008

11 TÍTULO: O melhor de niterói é a vista do rio.


políticasculturaiseintervençõesurbanas:
mac e caminho niemeyer
Autor: Margareth da Luz Coelho
Orientador: Profa Dra Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
Data da defesa: 7/3/2008

12 TÍTULO: Do mito ao... cinema: a incestuosa


gemeidade. um close sobre a figura dos
gêmeos nas narrativas contemporâneas
Autor: Débora Breder Barreto
Orientador: Profa Dra Lygia Baptista Pereira
Data da defesa: 13/3/2008

13 TÍTULO: Entreaestruturaeaperformance:ritualde
iniciaçãoefaccionalismoentreosxavantes
da terra indígena são marcos
Autor: Paulo Sérgio Delgado
Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 31/3/2008

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 237-240, 2. sem. 2008


240

14 TÍTULO: Asemânticadointangível.considerações
sobre o registro do ofício de paneleira
do espírito santo: ritual de iniciação e
faccionalismo entre os xavantes da terra
indígena são marcos
Autor: Lucieni de Menezes Simão
Orientador: Profa Dra Lygia Baptista Pereira Segala
Data da defesa: 30/4/2008

15 TÍTULO: Identidade(s)enacionalismoemcaboverde
Autor: João Silvestre Tavares Alvarenga Varela
Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino O’Dwyer
Data da defesa: 25/4/2008

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 237-240, 2. sem. 2008


Revista Antropolítica
ARTIGOS PUBLICADOS
243

Revista no 1– 2o semestre de 1996

Artigos
Brasil: nações imaginadas
José Murilo de Carvalho
Brasileiros e argentinos em Kibbutz: a diferença continua
Sonia Bloomfield Ramagem
Mudança social: exorcizando fantasmas
Delma Pessanha Neves
Ostras e pastas de papel: meio ambiente e a mão invisível do mercado
José Drummond

Conferências
Algumas considerações sobre o estado atual da antropologia no Brasil
Otávio Velho
That deadly pyhrronic poison a tradição cética e seu legado para a teoria política
moderna
Renato Lessa

Resenha
Uma antropologia no plural: três experiências contemporâneas. Marisa G. Pei-
rano
Laura Graziela F. F. Gomes

Revista no 2 – 1o semestre de 1997

Artigos
Entre a escravidão e o trabalho livre: um estudo comparado de Brasil e Cuba
no século XIX
Maria Lúcia Lamounier
O arco do universo moral
Joshua Cohen
A posse de Goulart: emergência da esquerda e solução de compromisso
Alberto Carlos de Almeida

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


244

In córpore sano: os militares e a introdução da educação física no Brasil


Celso Castro
Neoliberalismo, racionalidade e subjetividade coletiva
José Maurício Domingues
Do “retorno do sagrado” às “religiões de resultado”: para uma caracterização das
seitas neopentecostais
Muniz Gonçalves Ferreira

Resenhas
As noites das grandes fogueiras – uma história da coluna Prestes
José Augusto Drummond
Os sertões: da campanha de Canudos, Euclides da Cunha; O sertão prometido: massacre
de Canudos no nordeste brasileiro
Terezinha Maria Scher Pereira

Revista no 3 – 2o semestre de 1997

Artigos
Cultura, educação popular e escola pública
Alba Zaluar e Maria Cristina Leal
A política estratégica de integração econômica nas Américas
Gamaliel Perruci
O direito do trabalho e a proteção dos fracos
Miguel Pedro Cardoso
Elites profissionais: produzindo a escassez no mercado
Marli Diniz
A “Casa do Islã”: igualitarismo e holismo nas sociedades muçulmanas
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Quando o amor vira ficção
Wilson Poliero

Resenha
Nós, cidadãos, aprendendo e ensinando a democracia: a narrativa de uma ex-
periência de pesquisa
Angela Maria Fernandes Moreira-Leite
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008
245

Revista no 4 – 1o semestre de 1998

Artigos
Comunicação de massa, cultura e poder
José Carlos Rodrigues
A sociologia diante da globalização: possibilidades e perspectivas da sociologia
da empresa
Ana Maria Kirschner
Tempo e conflito: um esboço das relações entre as cronosofias de Maquiavel e
Aristóteles
Raul Francisco Magalhães
O embate das interpretações: o conflito de 1858 e a lei de terras
Márcia Maria Menendes Motta
Os terapeutas alternativos nos anos 90: uma nova profissão?
Fátima Regina Gomes Tavares

Resenha
Auto-subversão
Gisálio Cerqueira Filho

Revista no 5 – 2o semestre de 1998

Artigos
Jornalistas: de românticos a profissionais
Alzira Alves de Abreu
Mudanças recentes no campo religioso brasileiro
Cecília Loreto Mariz e Maria das Dores Campos Machado
Pesquisa antropológica e comunicação intercultural: novas discussões sobre an-
tigos problemas.
José Sávio Leopoldi
Três pressupostos da facticidade dos problemas públicos ambientais
Marcelo Pereira de Mello
Duas visões acerca da obediência política: racionalidade e conservadorismo
Maria Celina D’Araújo

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


246

Revista no 6 – 1o semestre de 1999

Artigos
Palimpsestos estéticos y espacios urbanos: de la razón práctica a la razón sensi-
ble
Jairo Montoya Gómez
Trajetórias e vulnerabilidade masculina
Ceres Víctora e Daniela Riva Knauth
O sujeito da “psiquiatria biológica” e a concepção moderna de pessoa
Jane Araújo Russo, Marta F. Henning
Os guardiães da história: a utilização da história na construção de uma identidade
batista brasileira
Fernando Costa
A escritura das relações sociais: o valor cultural dos “documentos” para os tra-
balhadores
Simoni Lahud Guedes
A Interdisciplinaridade e suas (im)pertinências
Marcos Marques de Oliveira

Revista no 7 – 2o semestre de 1999

Artigos
Le geste pragmatique de la sociologie française. Autour des travaux de Luc Bol-
tanski et Laurent Thévenot
Marc Breviglieri e Joan Stavo-Debauge
Economia e política na historiografia brasileira
Sonia Regina de Mendonça
Os paradoxos das políticas de sustentabilidade
Luciana F. Florit
Risco tecnológico e tradição: notas para uma antropologia do sofrimento
Glaucia Oliveira da Silva
Trabalho agrícola: gênero e saúde
Delma Pessanha Neves

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


247

Revista no 8 – 1o semestre de 2000

Artigos
Prolegômenos sobre a violência, a polícia e o Estado na era da globalização
Daniel dos Santos
Gabriel Tarde: Le monde comme féerie
Isaac Joseph
Estratégias coletivas e lógicas de construção das organizações de agricultores no
Nordeste
Eric Sabourin
Cartórios: onde a tradição tem registro público
Ana Paula Mendes de Miranda
Do pequi à soja: expansão da agricultura e incorporação do Brasil central
Antônio José Escobar Brussi

Resenha
Terra sob água – sociedade e natureza nas várzeas amazônicas
José Augusto Drummond

Revista no 9 – 2o semestre de 2000

Artigos
Desenvolvimento económico, cultural e complexidade
Adelino Torres
The field training project: a pioneer experiment in field work methods: Everett
C. Hughes, Buford H. Junker and Raymond Gold’s re-invention of Chicago field
studies in the 1950’s
Daniel Cefaï
Cristianismos amazônicos e liberdade religiosa: uma abordagem
histórico-antropológica
Raymundo Heraldo Maués
Poder de policía, costumbres locales y derechos humanos en Buenos Aires
de los 90
Sofía Tiscornia

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


248

A visão da mulher no imaginário pentecostal


Marion Aubrée

Resenha
Reflexões antropológicas em tópicos filosóficos
Eliane Cantarino O’Dwyer

Revista no 10/11 – 1o/2o semestres de 2001

Artigos
Profissionalismo e mediação da ação policial
Dominique Monjardet
The plaintiff – a sense of injustice
Laura Nader
Religião e política: evangélicos na disputa eleitoral do Rio de Janeiro
Maria das Dores Campos Machado
Um modelo para morrer: última etapa na construção social contemporânea da
pessoa?
Rachel Aisengart Menezes
Torcidas jovens: entre a festa e a briga
Rosana da Câmara Teixeira
O debate sobre desenvolvimento entre o Brasil e os EUA na década de cinqüen-
ta
W. Michael Weis
El individuo fragmentado y su experiencia del tiempo
Carlos Rafael Rea Rodríguez
Igreja do Rosário: espaço de negros no Rio Colonial
Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros
In nomine pater: a ciência política e o teatro intimista de A. Strindberg
Gisálio Cerqueira Filho
Terra: dádiva divina e herança dos ancestrais
Osvaldo Martins de Oliveira

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


249

Resenha
Estado e reestruturação produtiva
Maria Alice Nunes Costa

Revista no 12/13 – 1o/2o semestres de 2002

Artigos
Transição democrática e forças armadas na América Latina
Maria Celina D’Araújo
Mercado, coesão social e cidadania
Flávio Saliba Cunha
Cultura local y la globalización del beber. De las taberneras en Juchitan, Oaxaca
(México)
Sergio Lerin Piñón
Romaria e missão: movimentos sociorreligiosos no sul do Pará
Maria Antonieta da Costa Vieira
“O estrangeiro” em “campo”: atritos e deslocamentos no trabalho antropológico
Patrice Schuch
A transmissão patrimonial em favelas
Alexandre de Vasconcelos Weber
A sociabilidade dos trabalhadores da fruticultura irrigada do platô de Neópolis/
SE
Dalva Maria da Mota
A beleza traída: percepção da usina nuclear pela população de Angra dos Reis
Rosane M. Prado
Povos indígenas e ambientalismo – as demandas ecológicas de índios do rio
Solimões
Deborah de Magalhães Lima
Raízes antropológicas da filosofia de Montesquieu
José Sávio Leopoldi

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


250

Resenhas
A invenção de uma qualidade ou os índios que se inventa(ra)m
Mercia Rejane Rangel Batista
China’s peasants: the anthropology of a revolution
João Roberto Correia e José Gabriel Silveira Corrêa

Revista no 14 – 1o semestre de 2003


Dossiê
Esporte e modernidade
Apresentação: Simoni Lahud Guedes
Em torno da dialética entre igualdade e hierarquia: notas sobre as imagens
e representações dos Jogos Olímpicos e do futebol no Brasil
Roberto DaMatta
Transforming Argentina: sport, modernity and national building
in the periphery
Eduardo P. Archetti
Futebol e mídia: a retórica televisiva e suas implicações na identidade nacional,
de gênero e religiosa
Carmem Sílvia Moraes Rial

Artigos
As concertações sociais na Europa dos anos 90: possibilidades e limites
Jorge Ruben Biton Tapia
A (re)construção de identidade e tradições: o rural como tema e cenário
José Marcos Froehlich
A pílula azul: uma análise de representações sobre masculinidade em face
do viagra
Rogério Lopes Azize e Emanuelle Silva Araújo

Homenagem
René Armand Dreifuss
por Eurico de Lima Figueiredo

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


251

Revista no 15 – 2o semestre de 2003

Dossiê
Maneiras de beber: proscrições sociais
Apresentação: Delma Pessanha Neves
Entre práticas simbólicas e recursos terapêuticos: as problemáticas de um itine-
rário de pesquisa
Sylvie Fainzang
Alcoólicos anônimos: conversão e abstinência terapêutica
Angela Maria Garcia
“Embriagados no Espírito Santo”: reflexões sobre a experiência pentecostal e o
alcoolismo
Cecília L. Mariz

Artigos
Visões de mundo e projetos de trabalhadores qualificados de nível médio em seu
diálogo com a modernidade tardia
Suzana Burnier
O povo, a cidade e sua festa: a invenção da festa junina no espaço urbano
Elizabeth Christina de Andrade Lima
Antropologia e clínica – o tratamento da diferença
Jaqueline Teresinha Ferreira
Mares e marés: o masculino e o feminino no cultivo do mar
Maria Ignez S. Paulilo

Resenhas
Antropologia e comunicação: princípios radicais
José Sávio Leopoldi
Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da informação digital e
genética
Fátima Portilho
Criminologia e subjetividade no Brasil
Wilson Couto Borges

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


252

Revista no 16 – 1o semestre de 2004

Homenagem
Luiz de Castro Faria: o professor emérito
por Felipe Berocan da Veiga

Dossiê
Políticas públicas, direito(s) e justiça(s) – perspectivas comparativas
Apresentação: Roberto Kant de Lima
Drogas, globalização e direitos humanos
Daniel dos Santos
Detenciones policiales y muertes administrativas
Sofía Tiscornia
Os ilegalismos privilegiados
Fernando Acosta

Artigos
Estado e empresários na América Latina (1980-2000)
Álvaro Bianchi
O desamparo do indivíduo moderno na sociologia de Max Weber
Luis Carlos Fridman
A construção social dos assalariados na citricultura paulista
Marie Anne Najm Chalita
As arenas iluminadas de Maringá: reflexões sobre a constituição
de uma cidade média
Simone Pereira da Costa

Resenhas
Ética e responsabilidade social nos negócios
Priscila Ermínia Riscado
Novas experiências de gestão pública e cidadania
Daniela da Silva Lima
Uma ciência da diferença: sexo e gênero
Fernando Cesar Coelho da Costa
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008
253

Revista no 17 – 2o semestre de 2004

Dossiê
Por uma antropologia do consumo
Apresentação: Laura Graziela F. F. Gomes e Lívia Barbosa
Pobreza Da Moralidade
Daniel Miller
O consumidor artesão: cultura, artesania e consumo em uma
Sociedade Pós-Moderna
Colin Campbell
Por uma sociologia da embalagem
Franck Cochoy

Artigos
A Antropologia e as políticas de desenvolvimento: algumas orientações
Jean-François Baré
Arquivo público: Um segredo bem guardado?
Ana Paula Mendes de Miranda
A concepção da desigualdade em Hobbes, Locke e Rousseau
Marcelo Pereira de Mello
Associativismo em rede: uma construção identitária em territórios
de agricultura familiar
Zilá Mesquita e Márcio Bauer
Depois de Bourdieu: as classes populares em algumas
abordagens sociológicas contemporâneas
Antonádia Borges

Resenhas
Modération et sobriété. Études sur les usages sociaux de l’alcool
Fernando Cordeiro Barbosa
Governança democrática e poder local: A experiência dos
conselhos municipais no Brasil
Débora Cristina Rezende de Almeida
Uma ciência da diferença: sexo e gênero
Fernando Cesar Coelho da Costa
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008
254

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


255

Revista no 19 – 2o semestre de 2005

Dossiê
Fronteiras e passagens: fluxos culturais e a construção da etnicidade
Apresentação: Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Eliane Cantarino O’Dwyer
Etnicidade e o conceito de cultura
Fredrik Barth
Etnicidade e nacionalismo religioso entre os curdos da Síria
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Entre iorubas e bantos:
a influência dos estereótipos raciais nos estudos afro-americanos
Stefania Capone
Os quilombos e as fronteiras da Antropologia
Eliane Cantarino O’Dwyer
Artigos
Engajamento associativo/sindical e recrutamento de elites políticas:
“empresários” e “trabalhadores” no período recente no Brasil
Odaci Luiz Coradini
Crônicas da pátria amada:
futebol e identidades brasileiras na imprensa esportiva
Édison Gastaldo
O duro, a pedra e a lama: a etnotaxonomia e o artesanato
da pesca em Ponta Grossa dos Fidalgos
Arno Vogel e José Colaço Dias Neto
De antas e outros bichos: expressão do conhecimento nativo
Jane Felipe Beltrão e Gutemberg Armando Diniz Guerra

Resenha
Livro: A revolução urbana
Henri Lefèbvre
Autor da resenha: Fabrício Mendes Fialho
Livro: Ser polícia, ser militar. O curso de formação na socialização
do policial militar
Fernanda Valli Nummer
Autora da resenha: Delma Pessanha Neves
Livro: Reflexões sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches
Bruno Latour
Autora da resenha: Verlan Valle Gaspar Neto

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


256

Revista no 20 – 1o semestre de 2006


Dossiê
Da técnica, estudos sobre o fazer em sociedade
Apresentação: Gláucia Silva
Sobre a distinção entre evolução e história
Tim Ingold
A potência do fogo e a bifurcação da história em direção à
termoindústria. Da máquina de Marly, de Luís XIV, à central nuclear
de hoje
Alain Gras
As duas faces da incerteza: automação e apropriação dos aviões Glass-
cockpit
Caroline Moricot
Um laboratório-mundo
Sophie Poirot-Delpech

Artigos
A poética da experiência: narrativa e memória
Diego Soares
Neocomunidades no Brasil: uma aproximação etnográfica
Javier Lifschitz
Liberdade e riqueza: a origem filosófica e política do pensamento
econômico
Angela Ganem, Inês Patricio e Maria Malta

Resenhas
Livro: Ciência e desenvolvimento
José Leite Lopes
Autora da resenha: Cátia Inês Salgado de Oliveira
Livro: Le temps du pub. Territoires du boire en Anglaterre
Josiane Massart-Vicent
Autora da resenha: Delma Pessanha Neves e Angela Maria Garcia

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


257

Revista no 21 – 2o semestre de 2006


Dossiê
Antropologia, mídia e construção social da realidade
Apresentação: Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
“Cantando espalharei por toda a parte,
se a tanto me ajudar engenho e arte”: propaganda, técnicas de ven-
das e consumo no Rio de Janeiro (1850-1870)
Almir El Kareh
Identidades flexíveis como dispositivo disciplinar:
algumas hipóteses sobre publicidade e ideologia em sociedades
“pós-ideológicas”
Vladimir Safatle
Remediação e linguagens publicitárias nos meios digitais
Vinícius Andrade Pereira
Artigos
O sorriso da lua
Eli Bartra
Alimentos transgênicos, incerteza científica e percepções de risco:
Leigos com a palavra
Renata Menasche
Técnicos e usuários em programas de assistência social:
encontros e desencontros
Heloísa Helena Salvatti Paim
A economia moral do extrativismo no médio Rio Negro:
Aviamento, alteridade e relações interétnicas na Amazônia
Sidnei Peres
Educação e ruralidades: por um olhar pesquisante plural
Jadir De Morais Pessoa

Resenhas
Livro: Buenos vecinos, malos políticos: Moralidad y política
en el gran Buenos Aires. Buenos Aires: Prometeo, 2004. 283 p.
Sabina Frederic
Autor da resenha: Fernanda Maidana
Resenhando o conceito de “Double Bind” de Gregory Bateson
em seis autores das ciências humanas contemporâneas
Autora da resenha: Mônica Cavalcanti Lepri

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


258

Revista no 22 – 1o semestre de 2007


Dossiê
Democracia, espaço público, estado e sociedade em uma perspectiva
comparada
Apresentação: Roberto Kant de Lima e Fábio Reis Mota
Organisation et pouvoir: pluralité critique des régimes d’engagement
Laurent Thévenot
O caleidoscópio identitário dos professores dos liceus do ensino oficial
nos anos 1960: julgamentos críticos e disposições práticas
José Manuel Resende
Violencia institucional y sensibilidades judiciales. El largo camino de
los hechos a los casos
Maria Josefina Martínez
A formação do Estado em Angola na época da globalização
Daniel dos Santos
Artigos
Introdução a O que é um animal?
Tim Ingold
Um mundo sem antropologia
Clara Mafra
Discutindo classificações raciais, étnicas e o racismo no futebol
brasileiro a partir de um olhar desconstrutivista
Marcel Freitas
Defendendo privilégio: os limites da participação popular em
Salvador, Bahia
Bernd Reiter

Resenhas
Livro: La relation médecins-malades: information et mensonge da
autoria de Sylvie Fainzang
Autora da resenha: Jaqueline Ferreira

Revista no 23 – 2o semestre de 2007


Dossiê
A Política e o Popular: reflexões sobre militância e ações coletivas
Apresentação: Marcos Otávio Bezerra
Militantes políticos y militantes sociales: reconocimiento, persona y
espacio publico
Sabina Frederic
Mobilizações de bairro, repertórios de ação coletiva e trajetórias
pessoais
Marcos Otávio Bezerra
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008
259

Militantismo partidário e experiência de poder. O caso do PT no


Distrito Federal
Daniella de Castro Rocha
Para além do MST: o impacto nos Movimentos Sociais Brasileiros
Marcelo C. Rosa
Artigos
A sociologia da capacidade crítica
Luc Boltanski e Laurent Thévenot
O ensino religioso em sala de aula: observações a partir de escolas
fluminenses
Emerson Giumbelli
Reflexões sobre a figura do narrador como “guardiã da memória”
no distrito de Icoaraci, Belém (PA): incursão etnográfica na barbearia
São Jorge
Flávio Leonel Abreu da Silveira e Pedro Paulo de Miranda Araújo Soares
O luto dos arrozeiros: uma etnografia dos impactos sociais da seca de
2005 numa cidade dos pampas gaúchos
Carlos Abraão Moura Valpassos
Desastre e Indiferença Social: o Estado perante os desabrigados
Norma Felicidade Lopes da Silva Valêncio, Victor Marchezini e Mariana
Siena

Resenhas
Livro: Carman, Maria. Las trampas de la cultura: los intrusos y los
nuevos usos del barrio de Gardel
Autora da resenha: Michele Andrea Markowitz
Livro: Bestor, Theodore. Tsukiji – The fish market at the center of
the world
Autora da resenha: Wilma Leitão

Revista no 24 – 1o semestre de 2008


Dossiê
De volta ao mundo da vida de pernas pro ar: Contribuições para os
estudos em corporeidade, linguagem e memória da capoeira
Apresentação: Julio Cesar de Tavares
Da “destreza do mestiço” à “ginástica nacional”: narrativas nacionalistas sobre
a capoeira
Matthias Röhrig Assunção
A memória do corpo na narrativa de mestre João Grande
Maurício Barros de Castro
Adaptação em movimento: o processo de transnacionalização
da capoeira na França
Daniel Granada da Silva Ferreira

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


260

A luta da capoeira: reflexões acerca da sua origem


Paulo Coêlho de Araújo e Ana Rosa Fachardo Jaqueira
Angola e o Jogo de Capoeira
Maduka T. J. Desch Obi

Artigos
Imigração brasileira na Guiana: entre elocubrações e realidade
Isabelle Hidair
Caminho Niemeyer: os “usos” da cultura em Niterói
Margareth da Luz Coelho
A socialização das meninas trabalhadoras
Joel Orlando Bevilaqua Marin
Entre muros e rodovias: os riscos do espaço e do lugar
Eduardo Marandola Jr

Resenhas
Deslocamentos, movimentos e engajamentos: as formas plurais da
ação humana na perspectiva de Laurent Thévenot
Autor da resenha: Fabio Reis Mota

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 243-260, 2. sem. 2008


261

COLEÇÃO ANTROPOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA

1. Os fornecedores de cana e o Estado intervencionista


Delma Pessanha Neves
2. Devastação e preservação ambiental no Rio de Janeiro
José Augusto Drummond
3. A predação do social
Ari de Abreu Silva
4. Assentamento rural: reforma agrária em migalhas
Delma Pessanha Neves
5. A antropologia da academia: quando os índios somos nós
Roberto Kant de Lima
6. Jogo de corpo: um estudo de construção social de trabalhadores
Simoni Lahud Guedes
7. A qualidade de vida no Estado do Rio de Janeiro
Alberto Carlos Almeida
8. Pescadores de Itaipu (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Roberto Kant de Lima
9. Sendas da transição
Sylvia França Schiavo
10. O pastor peregrino
Arno Vogel
11. Presidencialismo, parlamentarismo e crise política no Brasil
Alberto Carlos Almeida
12. Um abraço para todos os amigos: algumas considerações sobre
o tráfico de drogas no Rio de Janeiro
Antônio Carlos Rafael Barbosa
13. Escritos exumados – 1: espaços circunscritos – tempos soltos
L. de Castro Faria
14. Violência e racismo no Rio de Janeiro
Jorge da Silva
15. Novela e sociedade no Brasil
Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
16. O Brasil no campo de futebol: estudos antropológicos sobre os
significados do futebol brasileiro
Simoni Lahud Guedes

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 261-263, 2. sem. 2008


262

17. Modernidade e tradição: construção da identidade


social dos pescadores de Arraial do Cabo (RJ)
(Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Rosyan Campos de Caldas Britto
18. As redes do suor – a reprodução social dos trabalhadores da
pesca em Jurujuba (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Luiz Fernando Dias Duarte
19. Escritos exumados – 2: dimensões do conhecimento antropoló-
gico
L. de Castro Faria
20. Seringueiros da Amazônia: dramas sociais e o olhar antropológi-
co (Série Amazônia)
Eliane Cantarino O’Dwyer
21. Práticas acadêmicas e o ensino universitário
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
22. “Dom”, “Iluminados” e “Figurões”: um estudo sobre a repre-
sentação da oratória no Tribunal do Júri do Rio de Janeiro
Alessandra de Andrade Rinaldi
23. Angra I e a melancolia de uma era
Gláucia Oliveira da Silva
24. Mudança ideológica para a qualidade
Miguel Pedro Alves Cardoso
25. Trabalho e residência: estudo das ocupações de empregada do-
méstica e empregado de edifício a partir de migrantes “nordes-
tinos”
Fernando Cordeiro Barbosa
26. Um percurso da pintura: a produção de identidades de artista
Lígia Dabul
27. A sociologia de Talcott Parsons
José Maurício Domingues
28. Da anchova ao salário mínimo: uma etnografia
sobre injunções de mu­­dança social em Arraial do Cabo/RJ
(Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Simone Moutinho Prado
29. Centrais sindicais e sindicatos no Brasil dos anos 90:
o caso Niterói
Fernando Costa
30. Antropologia e direitos humanos (Série Direitos Humanos)
Regina Reyes Novaes e Roberto Kant de Lima
Antropolítica Niterói, n. 25, p. 261-2263, 2. sem. 2008
263

31. Os companheiros – trabalho e sociabilidade na pesca de


Itaipu/RJ (Série Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Elina Gonçalves da Fonte Pessanha
32. Festa do Rosário: iconografia e poética de um rito
Patrícia de Araújo Brandão Couto
33. Antropologia e direitos humanos 2 (Série Direitos Humanos)
Roberto Kant de Lima
34. Em tempo de conciliação
Angela Moreira-Leite
35. Floresta de símbolos – aspectos do ritual Ndembu
Victor Turner
36. Produção da verdade nas práticas judiciárias criminais brasilei-
ras: uma perspectiva antropológica de um
processo criminal
Luiz Figueira
37. Ser polícia, ser militar: o curso de formação
na socialização do policial militar
Fernanda Valli Nummer
38. Antropologia e direitos humanos 3
Roberto Kant de Lima (Organizador)
39. Os caminhos do leão: uma etnografia do processo de cobrança
do imposto de renda
Gabriela Maria Hilu da Rocha Pinto
40. Antropologia – escritos exumados 3 – Lições de um praticante
L. de Castro Faria
41. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva
cultural
Arjun Appadurai
42. Dramas, campos e metáforas: ação simbólica
na sociedade humana
Victor Turner
43. Políticas públicas de segurança, informação e análise criminal
Ana Paula Mendes de Miranda e Lana Lage da Gama Lima
44. O caminho do mundo: mobilidade espacial
e condição camponesa numa região da Amazônia Oriental
Gil Ameida Felix

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 261-263, 2. sem. 2008


265

Normas de apresentação de trabalhos


1. A revista Antropolítica, do programa de Pós-Graduação em
Antropologia da UFF, aceita originais de artigos e resenhas
de interesse das Ciências Sociais e da Antropologia em parti-
cular.
2. Os textos serão submetidos aos membros do Conselho Editorial
e/ou a pareceristas externos, que poderão sugerir ao autor
modificações de estrutura ou conteúdo.
3. Os textos não deverão exceder 25 páginas, no caso dos artigos,
e 8 páginas, no caso das resenhas. Eles devem ser apresentados
em duas cópias impressas em papel A4 (210 x 297 mm), espaço
duplo, em uma só face de papel, bem como em disquete ou
CD no programa Word for Windows, em fonte Times New
Roman (corpo 12), sem qualquer tipo de formatação, a não
ser:
• indicação de caracteres (negrito e itálico);
• margens de 3cm;
• recuo de 1cm no início do parágrafo;
• recuo de 2cm nas citações; e
• uso de itálico para termos estrangeiros e títulos de livros
e periódicos.
4. As citações bibliográficas serão indicadas no corpo do texto,
entre parênteses, com as seguintes informações; sobrenome
do autor em caixa alta; vírgula; data da publicação; vírgula;
abreviatura de página (p.) e o número desta.
(Ex.: PEREIRA, 1996, p. 12-26)
5. As notas explicativas, restritas ao mínimo indispensável, deve-
rão ser apresentadas no final do texto.
6. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final
do texto, obedecendo às normas da ABNT (NBR-6023).
Livro:
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos.
2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 208p. (Os Pensadores, 6)
LÜDIKE, Menga, ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação:
abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 265-266, 2. sem. 2008


266

FRANÇA, Junia Lessa et al. Manual para normalização de publica-


ções técnico-científicas. 3. ed. ver. e aum. Belo Horizonte: Ed.
da UFMG, 1996, 191 p.
Artigo:
ARRUDA, Mauro. Brasil: é essencial reverter o atraso. Panorama
da Tecnologia, Rio de Janeiro, v. 3, n.8, p. 4-9, 1989.

Trabalhos apresentados em eventos:


AGUIAR, C. S. A. L. et. al. Curso de técnica da pesquisa biblio-
gráfica: programa-padrão para a Universidade de São Paulo.
In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA
E DOCUMENTAÇÃO, 9., 1977, Porto Alegre. Anais... Porto
Alegre: Associação Rio-Grandense de Bibliotecários, 1977.
p. 367-385.
7. As ilustrações deverão ter a qualidade necessária para uma
boa reprodução gráfica. Elas deverão ser identificadas com
título ou legenda e designadas, no texto, como figura (Figura
1, Figura 2 etc.)
8. Os textos deverão ser acompanhados de título e resumo (má-
ximo 250 palavras) em português e inglês, bem como de 3 a
5 palavras-chave também em português e em inglês.
9 Os textos deverão ser precedidos de identificação do autor
(nome, instituição de vínculo, cargo, título, últimas publicações
etc.), que não ultrapasse 5 linhas.
10. Os colaboradores na modalidade artigos terão direito a
três exemplares da revista; e na modalidade resenha, a um
exemplar.
11. Os originais não aprovados não serão devolvidos.
12. Os artigos, resenhas e demais correspondências deverão ser
enviados para:
Comitê Editorial da Antropolítica
Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Campus do Gragoatá, Bloco “O”, sala 325
24210-350 - Niterói, RJ
Tels.: (021) 2629-2866

Antropolítica Niterói, n. 25, p. 265-266, 2. sem. 2008


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nome da Universidade Federal
Profissão: ___________________________________________________ Fluminense/ Editora (Banco do
Especialidade: ______________________________________________ Brasil S.A., agência 4201-3, con-ta
170500-8), depósito identificado nº
Endereço: ____________________________________________­­______ 15305615227047-5.
____________________________________________________________ Envie-nos o comprovante de depósito,
através de carta ou fax, juntamente
Bairro: ______________________________ CEP: _____________-___ com este cupom, e receba, sem
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encomenda em sua residência ou
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Título conferido pela OSCIP PRIMA (www.prima.org.br)


após a implementação de um Programa Socioambiental
com vistas à ecoeficiência e ao plantio de árvores referentes
à neutralização das emissões dos GEE´s – Gases do Efeito Estufa.

Este livro foi composto na fonte Baskerville Win95BT, corpo 11.


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em Papel Off-Set 75 gramas (miolo) e Cartão Supremo 250 gramas (capa).
Tiragem: 400 exemplares.

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