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A Inocência e o Vício
ESTUDOS SOBRE O HOMOEROTI SMO
RE LUM E ~ D U M AR Á
Ri o de Jan ei r o
© l~cp:, right 1992, Jurandir Freire Costa
cec. jS para esta edição à
0UMARÁ DISTRIBUIDORA DE PuBLICAÇÕES LTDA.
Rua Barata Ribeiro, 17 -sala 202
cep 22011-000 - Rio de Janeiro, RJ
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Coordenação edilorial
Alberto Schprejer
Copidesque
André Telles
EdiiOração
· Carlos Alberto Herszterg
Capa
Victor Burton
Tlustração da capa
Auto-retrato de Aubrey Beardsley
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos F.ditores de Livros
Costa, Jurandir Freire, 1944-
C873i A inocência e o vício: estudos sobre o homoerotismo I
Jurandír Freire Costa. - Rio de Janeiro: Relume-Dumará,
1992.
Bibliognfia.
ISBN 85-85427-17-5
I . Homossex ualismo na literatura. 2. Homosexualísmo masculino.
1. Título
CDD-306.76
92-0694 CDU - 3-055.3
Prefácio 11
Introdução 13
CAPÍTULO I
Os amores que não se deixam dizer 41
CAPÍTUL02
Impasses da ética naturalista: Gide e o homoerotismo 59
CAPÍTUL03
Conjugalidade, ética sexual e parceria homoerótica 77
CAPÍTUL04
A inocência e o vício: du côté de chez Proust 105
CAPÍTULOS
O homoerotismo diante da AIDS 127
Prefácio
Mas não é as~;m que eles amam a mim e a Booper, minha irmã. Acho que eles
não são capazes de nos amar como nós somos. Parecem incapa1.e.~ de nos amar
a menos que consigam ficar mudando a gente um pouquinho. Eles amam os
motivos que têm para nos amar tanto quanto amam a nós, c quase sempre mais.
Assim não é tão bom." (Salinger, 1969, p. 172.)
não sentirem o que ele sentia. não fazerem amor como ele fazia, 11ão
partilharem suas crenças sobre a origem do mundo c dos homens etc.,
Michii os teria abatido e comido como fazemos com os animais que nos
fornecem alimento. Nenhum instinto de sobrevivência da espécie, como
pensa o senso comum, viria em seu auxílio para fazê-lo reconhecer a
identidade humana de seus inimigos. Nós corno ele somos aquilo que a
linguagem nos permite ser; acreditamos naquilo que ela nos permite
acreditar c só ela pode fazer-nos aceitar algo do outro como familiar,
natural, ou pelo contrário, repudiá-lo como estranho, antinatural e amea-
çador.
Em suma, porque somos produtos da contingência da linguagem e do
desejo nossas morais são igualmente contingentes. Evito equívocos, toda-
. via. Afirmar que as morais são contingentes não é o mesmo que dizer que
todas as morais se equivalem; que tudo é relativo ou que qualquer conduta
é eticamente indiferente, posto que nenhum preceito absoluto pode ga-
rantir a posse do verdadeiro bem por quem quer que seja. A tal afirmação
caberia o ônus de mostrar onde fica esse ponto de Arquimcdcs, do qual se
vê a relatividade de todas as morais sem ser ele próprio relativo. Ora, em
psicanálise podemos dizer somente que, ao enunciarmos uma regra moral,
falamos do interior de uma prática lingüística que sempre exprime pre-
ferências por certas condutas. Não podemos fugir desses limites exceto se
optarmos pela morte. Resta-nos então admitir a particularidade da con-
dição humana, dela extraindo as conseqüências que nosso horizonte histó-
rico permite extrair.
Uma delas foi a que Freud fez derivar da psicanálise. Criando o mito
do parricídio primordial Freud afirmou que ou aceitamos regras indi-
cativas do que é permitido, proibido ou prescrito, em matéria de relações
entre humanos, ou poderemos vir a exterminar-nos. Não porque o homem
é o lobo do homem- lobos não se exterminam enquanto espécie- mas
porque podemos gozar com a mone. E as formas de gozo com a destruição
do outro são virtualmente ilimitadas pois dependem apenas de nosso
imaginário individual e coletivo.
Estes são a meu ver o paradoxo e a responsabilidade culturais da
psicanálise. Embora sabendo que as morais são arbitrárias e que podemos
aprender a respeitar a vida do outro ou a gozar com sua morte, a psicanálise
não pode escapar das sombras da história. Ela é herdeira de uma cultura
na qual o desejo de gozo com a destruição humana é sinônimo de horror,
donde o imperativo: "Não matarás". Nessa cultura a morte só se justifica
quando se trata de manter vivo o princípio moral. O ideal ético da
Introdução 19
perversão etc., que acabaram por fazer parte do sentido da palavra "homos-
sexual". Segundo, porque nega a idéia de que existe algo como "uma
substância homossexual" orgânica ou psfquicacomum a todos os homens
com tendências homoeróticas. Terceiro, enfim, porque o termo não possui
a forma substantiva que indica identidade, como no caso do "homosscx.ua-
lismo" de onde derivou o substantivo " homossexual".
O último aspecto é importante por seus efeitos imaginários. Porque
usamos na linguagem ordinária o substantivo "homossexual" terminamos
reféns de nossos hábitos . O emprego freqüente do termo leva-nos a crer
que realmente existe um tipo humano específico designado por esse
substantivo comum. Vamos além, acreditamos que a peculiaridade apre-
sentada por esse tipo é uma propriedade permanente da natureza de certos
homens, que independe das descrições que a tomam visível c plausível aos
nossos hábitos lingüísticos. Ou seja, é uma qualidade de certos humanos
que antecede os vocabulários responsáveis pela invenção do termo "ho-
mossexual'' c do suposto tipo de homem que lhe corrcsponde.
Em vista disso não há porque substituir o termo "homossexual" por um
substantivo homólogo derivado de homocrotismo. Tal démarche caucio-
naria a crença de que existe "algo comum a todos os homossexuais" fora
daquilo que nossa prática lingüística habituou-nos a ver e a interpretar
"como o que existe em comum" entre todos os sujeitos homoeroticamente
inclinados. Assim sendo, quando emprego a palavra horrwerotismo refiro-
me meramente à possibilidade que.têm certos sujeitos de sentir diversos
tipos de atração erótica ou de se relacionar fisicamente de diversas manei-
ras com outros do mesmo sexo biológico. Em outras palavras, o homem
homoeroticamente inclinado não é, como facilmente acreditamos, alguém
que possui um traço ou conjunto de traços psíquicos que determinariam a
inevitável e necessária expressão da sexualidade homoerótica em quem
quer que os possuísse. A particularidade do homoerotismo em nossa
'cultura não se deve à pretensa uniformidade psíquica da estrutura do desejo
comum a todos os homossexuais; deve-se, sugiro, ao fato de ser uma
experiência subjetiva moralmente desaprovada pelo ideal sexual da maio-
ria. Dizer isto é dizer que numa cultura como a nossa, voltada para a idéia
de realização afetiva e sexual, privar certos sujeitos dessa realização é
extremamente problemático. Tanto mais quanto os mesmos sujeitos foram
ensinados a desejar esse tipo de satisfação. Conviver com essa espécie de
paradoxo emocional exige uma montagem imaginária em que certas
defesas psíquicas são recorrentes porquanto mostraram-se eficientes na
proteção contra o preconceito. Isso é o que podemos encontrar "em
Introdução 23
c aqueles que se sentem atraídos por homens mas por uma outra razão
nunca mantiveram contatos físicos dessa natureza'? São falsos ou ver-
dadeiros homossexuais? E os que se sentem sensualmente atraídos por
homens mas só têm relações físicas com mulheres? E os que só sabem ou
só podem sentir-se atraídos ternamente por homens mas não têm nenhuma
atração física particular por eles? E os que se sentem atraídos por homens
só na fantasia mas preferem claramente, de todos os pontos de vista,
relações afetivo-sexuais com mulheres? E, finalmente, os que se sentem
atraídos apenas por partes do corpo masculino mas que não querem, não
gostam e não pretendem relacionar-se com homens porque têm muito
mais prazer ou só têm prazer no contato amoroso-sexual com mulheres?
O que são?
Casos assim não são hipóteses teóricas. São exemplos de tipos de
desejos e comportamentos homoeróticos que tive ocasião de discutir no
artigo já citado sobre '~0 homoerotismo diante da AIDS". Tais sujeitos na
maioria acreditavam que eram em maior ou menor grau "homossexuais".
Por que fazem parte de nossa cultura não possuíam outra maneira de
demarcar e denominar o que sentiam, a não ser apelando para o voca-
bulário da "homossexualidade & heterossexualidade". M as, pergunto, se
esses sujeitos são todos "homossexuais", o que têm em comum para se
acharem membros de um mesmo conjunto de individualidades? À pri-
meira vista a resposta é simples: a atração pelo mesmo sexo! Porém várias
questões se escondem debaixo da resposta inocente. Primeiro, por que
imaginamos que exista uma atração única, uniforme e suficiente para
definir a identidade sexual. social e moral de uma pessoa por trás de todos
esses desejos e condutas díspares? Por acaso tal atração é feita de uma
"mesma substância", reconhecível em suas propriedades estáveis e capaz
de reproduzir-se e repetir-se emocionalmente em pessoas tão diversas
quanto aquelas que acabamos de descrever? O q ue nessa atração, por
exemplo, nos permite saber que "sentir-se atraído e manter relações físicas
homoeróticas" e "sentir-se atraído mas não ter proximidade física ou
emocional com outro homem" sejam ocorrências da "mesma atração
erótica" que torna dois sujeitos "verdadeiramente homossexuais"? Quan-
do se trata de linguagem de sensações e sentimentos sexuais existe algo
que preexista à própria identificação e ao reconhecimento lingüísticos? É
possível imaginar uma "sensação" ou uma "atração homossexuais" cruas,
que se impusessem de imediato à consciência do sujeito sem a mediação
da linguagem? Freud, Lacan e Wittgenstein dariam um rotundo não à
pergunta. Só podemos saber que "tal atração é homossexual" por que
30 A inocência e o vício
homens cuja atração pela penetração anal faz da polaridade "atividade &
passividade" o critério de valoração de suas identidades ou atitudes se-
xuais. E se considerarmos o exemplo da cultura grega o contraste com
nossa moral sexual é ainda mais patente. Para um cidadão grego mulheres,
crianças, escravos e estrangeiros eram todos passíveis de ser legitima-
mente investidos sexualmente, sem consideração pela djferença sexual
entre masculino e feminino tal como a percebemos. Conclusão: a saída
teórica da "atração homossexual", definida como "atração pelo mesmo
sexo", não r~solve a questão. O mesmo sexo, anatomicamente descrito,
nem sempre é o "mesmo" eroticamente investido. No que concerne à
finalidade do desejo a realidade anatômica é fragmentada na pluralidade
dos objetos parciais, como dizemos em psicanálise, e são esses objetos que
determinam, aí sim, as característica<; da estrutura psíquica. Tomar o
mesmo sexo anatômico como critério para deduzir a irredutibilidade da
"atração" que definiria o "verdadeiro homossexual" ou o "verdadeiro
desejo homossexual" é contrabandear a divisão sócio-cultural da "homos-
sexualidade & hcterossexualidade" pondo-a como premissa sem revelá-la
conceitualmente.
Mas antes de prosseguir no jogo de linguagem da atração, pergun-
temos: por que o critério escolhido para ser o divisor de águas entre a falsa
e a verdadeira homossexualidade é o critério da "atração"? Por que não,
por exemplo, o do comportamento, da prática física dos contatos homo-
eróticos? Deixo a interrogação aqui para retomá-la adiante em função do
aporte de novos elementos teóricos. Continuemos a investigação por outra
v ta.
Se na Grécia os "verdadeiros homossexuais" eram os que se sentiam
"verdadeiramente atraídos por seus parceiros homens", corno saber disso
sem perguntar a wn grego se sua atração era ou não verdadeira? Se pudesse
contudo responder à pergunta, só saberia o que é a genuína "atração"
utilizando os critérios de "autenticidade" ou "veridicidade" de seu tempo.
Ora, esses critérios nada teriam a ver com os nossos. A começar, corno
nota Foucault (1984, 1985), pela ênfase dada às condutas e não ao desejo,
na ética sexual antiga. Isto quer dizer que "a verdadeira atração''. corno a
concebemos, é mais verdadeira que a "verdadeira atração grega"? Na
verdade não eJtiste "atração verdadeira" sub specie aeternitatis. Toda
atração verdadeira é aquela que aprendemos a reco!}h,ecer· como a "ver-
dadeira atração" segundo a descrição de uma.época. Neste ponto tenho
boas razões para acreditar que o mito " adâmico" da "homossexualidade
natural" nada mais é que um subcapítulo do código erótico oitocentista,
32 A inocência e o vfeio
I Uma cultura que faz de seus pactos "trapos de palavras" destrói insi dio-
\ samente seu mais precioso bem, a capacidade de prometer e cumprir
:· promessas. Isso tem um preço. A AIDS, como outras misérias, mostrou
que ele pode ser caro. Excessivamente caro.
BmLIOGRAFIA
vida é a morte de Lucien de Rubem pré. É uma mágoa da qual nunca pude
me livrar completamente". Em outra<; palavras, Wilde fora levado a sentir
o que Balzac fez com que Vautrin sentisse, quando Lucien suicidou-se.
Essa conversão ao imaginário de Balzac não atingiu apenas Wilde. De uma
ou de outra maneira, vemos o vocabulário balzaqueano repetido pelo senso
comum de sua época ou de épocas posteriores. Na faceta positiva, ou de
aprovação social, a fantasia do homossexual revolucionário e anti-
conformista contagiou inúmeros artistas e pensadores. Imerso nessa lenda,
que ele próprio ajudou a difundir e solidificar, Wilde respondia ao juiz que
acompanhou o processo de Alfred Douglas: ..o amor que não ousa dizer
seu nome... é belo, extraordinário, e constitui a mais nobre forma de afeto...
por ele é que me vejo agora sentado neste banco... o mundo furta-se a ele
e não o entcnde". 15 No pólo oposto, mas sob o peso da mesma crença no
caráter "extraordinário", ..excepcional" e "contestador" do homossexual,
Máximo Gorki diria: "Nos países fascistas, a homossexualidade, açoite da
juventude, t1orcsce sem o menor castigo; no país onde o proletariado
alcançou o poder social, a homossexualidade foi declarada um delito social
e severamente castigada". 16
Se m dúvida, o "homossexual" inventado por Bnlzac foi uma figura
taticamente importante na Juta contra a discriminação dos sujeitos homo-
eroticamente inclinados. Os ecos de sua aura líbertária e ncontram-se em
boa parte da literatura militante, dos movimentos gay. Porém, como
mostrou MacRae,11 ~ma coisa é valorizar a identidade gay e reconhecer
sua importância no combate ao preconceito; outra coisa é afirmá-la como
a única identidade possível ou desejável para todos os sujeitos homoero-
ticamente inclinados. A iden.t idade gay é, sob muitos asp_e.~t~~ •..h~!:9$!ii:Ml~
idealização romântica do "homossexual. outsitl_e_r". Além disso, comq
observou Foucault, 18 depende diretamente do modelo de organização po-'
lítica fundada na consciência de interesses de classe, e está profundamente·
enraizada na tradição norte-americana do associacionismo comunitário e
da luta pelos direitos civis, de indivíduos ou minorias. Essa circunscrição
histórico-social, obviamente, não tem o propósito de atingir a legitimidade
dos movimentos gay, até porque cabe à comunidade interessada a primeira
e última palavra sobre o assunto. Mostrar a relatividade e localização
político-cultural da ''identidade gay" visa apenas defender a pluralidade
de identidades possíveis de serem assumidas pelos indivíduos com incli-
nações homoeróticas. Além do que, exibe o poder imaginário das metáfo-
ras oitocentistas na criação da noção de "homossexualis mo" e do ,
"homossexual".
48 A inocência e o vício
punida para, enfim, poder ser controlada e esquecida. Prova que, quando
persiste, degenera em atrocidades inconcebíveis.
A seqüência imaginária do homossexualismo de escola é o homos-
sexualismo de quartel. Sem freios, a perversão infantil passa facilmente à
vida adulta. Resultado: o transviado da inrancia será o assac;sino c o
torturador da maturidade. Em novelas e romances como Bom-Crioulo, de
Caroinha,35 O oficial prussiano, de Lawrence36 ou Golpe de misericórdia
de Yourcenar,37 o sono da repressão produz monstros. Nos ambientes
inflexíveis, rígidos e impiedosos das casernas, militares homoerotica-
mentc inclinados entregam-se a verdadeiras orgias de brutalidade contra
as "vítimas" de suas aspirações sexuais. O desejo amoroso torna-se uma
descida aos infernos. As personagens vivem uma atmosfera de aflição e
desespero que só o assassinato e o suicídio vêm remediar.
Sem muito esforço, vemos hoje, no homossexualismo do tipo escola-
quartel, um retrato dos combates ideológicos do século XIX. Por um lado,
como mostraram Aries e Green, 38 na condenação dessas sociedades ex-
clusivas de homens decretava-se paulatinamente a morte do ethos da
amizade, que regulava os bandos de camaradagem. Coerente com a reno-
vação médico-pedagógíca da família e de outros locais de produção do
cidadão burguês, procurava-se, com essas táticas, rebater a sexualidade
masculina para o interior da família e da casa. Acentuar os perigos da
perversão homossexual em escolas e cac;emas fazia parte do mesmo
movimento que atacava igualmente as figuras sociais do celibatário, do
libertino, do sifilítico etc.39 O objetivo era fazer do homem o homem-pai,
ç.idadão ocupado exclusivamente em trabalhar, cuidar dos filhos e fis-
calizar a moral sexual das esposas. Nada disso era compatível com a
irresponsabilidade homoerótica que perpassava as redes de camaradagem,
exclusivas de sociedades masculinas. Por outro lado, na importância dada
ao homossexualismo de caserna, estava a questão dos escândalos sexuais
do exército alemão. Surgido no bojo das disputas pelo poderio militar,
entre as nações imperialistas da Europa, o mito do militar homossexual
serviu durante muito tempo de pretexto à desmoralização dos exércitos
adversários.40 Na Alemanha, em particular, o problema ganhou proporções
nacionais e misturou-se indissociavelmente às lutas pelos direitos civis
dos homossexuais. Até a solução final nazista, o homossexualismo de
caserna foi simultânea ou sucessivamente usado como arma ideológica na
luta pela supremacia política, de nazistas, stalinistas, nacionalistas e libe-
rais europeus. O homoerotismo masculino, uma vez mais, foi utilizado
Os amores que não se deixam dizer 53
geração que, nos anos 50, 60 e 70, sobretudo a partir dos Estados Unidos
livre do ma.cartismo, lentamente virá propor e inventar um novo lugar
social para o homoerotismo masculino. Retecendo novas crenças e criando
novas linguagens de desejos e sentimentos privados, essa massa de dis-
cursos e práticas permite-nos, hoje em dia, olhar para trás e dar razão ao
personagem de Genet: "Somos todos vítimas de posters". Se os amores
não dizem seus nomes, não é só por falta de ousadia, mas porque, no fundo,
nunca se deixam totalmente dizer.
BffiLIOGRAFIA
I. GA Y, Peter, A paixão terna. São Paulo, Companhia das Letras, 1990; pp. 182- 183.
2. BOSWELL, John, Christianity, social tolerance, and homosexuality. Chicago e
Londres, The University of Chicago Press, 1980.
3. Ver:
- FOUCAULT, Michel, História da sexualidade l -A vontade de saber. Rio,
Graal, 1983.
- FOUCAULT, Michel, História da sexualidade 11- O uso dos prazeres. Rio,
Graal, 1984.
- FOUCAULT, Michel, História da sexua.lidade li - O cuidado de si. Rio,
Graal, 1985.
4. FORSTER, E.M., Maurice. Rio, Rocco, 1990; p. 56.
5. FERENCZT, Sandor, "L'homoérotisme: nosologie de \'homosex.ualité masculine",
in: Oeuvres completes, tomoU : 1913-1919. Payot, 1970; pp. 117 -130.
6. PARKER, Richard, "Bodies and pleasures: on the construction of erotic meanings
in contemporary Brazil" , in: Amhropology and Humanism Quartely; 14(2), 1989,
pp. 58-64.
7. STOLLER, Robert, "Observing the Erotic Imagination". New Havcn e Londres,
Yale UniversityPress, 1985.
8. BALZAC, Honoré de, Le pére Gariot. Paris, Bordas, 1949; p. 81 .
Ver ainda a propósito de BALZAC e o homoerotismo:
- STORZER, Gerald H., "The homosexual paradigm inBal:t.ac. Gide and Genet,
ín Homosexualities and french literature, org. George Stambolian e Elaine
Marks. lthaca and London, Cornell University Press, 1979; pp. 186-209.
9. lbid., p. 83.
I 0. lbid., p. 87.
11. BALZAC, Honoré de, Ilusões perdidas. São Paulo, Abril Culturdl, 1978; pp. 342-
344.
12. BALZAC, Honoré de, "Esplendores e misérias das cortesãs" in A Comédia Humana
-IX. Rio - Porto Alegre - São Paulo, Editora Globo, 1952; p. 391.
13. / bid., p. 449.
56 A inocência e o vício
Começo por uma definição suficiente para meus propósitos. Por ética
naturalista entendo toda ética que busca na natureza os fundamentos da
vida moral. O naturalismo é uma variante do fundacionalismo ético, ou
seja, do pensamento segundo o qual nossas convicções morais, para serem
verdadeiras, devem partir de "proposições básicas, epistemicamente pri vi-
legiadas, que conferem justificação a todas proposições empíricas, aceitas
pelo sujeito moral" (Triplett, 1987, p. ll5). Mais simplesmente, para o
fundacionalismo, as decisões éticas podem ser fundadas ou demonstradas
com base em argumentos racionais, independentes de crenças particulares
e contingentes. No naturalismo, tais fundamentos encontram-se nos impe-
rativos da vida biológica ou, de modo mais geral, na natureza. A boa vida,
nessa concepção, é a resultante da adequação das regras éticas às leis
naturais. O imoral ou amoral é o antinatural. Ética, portanto, sem des-
perdício ou possibilidade de equívoco.
A esse ponto de vista opõe-se um outro que Larmore resume como se
segue: "jamais somos desprovidos de crenças. E nossas crenças não têm
nenhuma necessidade de justificação. A questão da justificação só se
apresenta quando temos uma razão positiva para acreditar que algumas
delas são falsas. Mas, mesmo quando reexaminamos essas crenças, nossa
avaliação crítica perfila-se sobre o fundo de outras crenças" (Larmore,
1988, p. 209). Dito de outro modo, a justificação de nossas crenças não é
uma questão de adequação à natureza das coisas; aos dados elementares
do espírito ou da sensação; às regras lógicas da razão ou às exigências
internas da estrutura da linguagem; é uma questão de prática social ou
contexto conversacional (Triplett, ibid., p. 115). A essa ética, podemos
chamar de historidsta. A ética naturalista, então, visa descobrir o fun -
60 A inocência e o vício
André Gide nasceu na França em 1869. Data ou lugar, aqui, não são
indiferentes ao percurso do pensador. Nascer na França em 1869 sig-
nificava nascer no ano em que Karoly Benkert, médico húngaro, inventou
a palavra homossexual. Esse neologismo macarrônico, como assinalou
Boswell, veio posteriormente a condensar todo o imaginário ocidental e
oitocentista tecido em torno do homoerotismo. Gide não escapou de sua
teia como, aliás, a maioria de todos nós. Nascer na França, por outro lado,
significava nascer sob a proteção do código napoleônico. Isso quer dizer
não estar sujeito a punições pelo crime de homossexualismo, como os
ingleses sob a Emenda Labouchere ou os alemães sob o parágrafo 175 do
código penal alemão. Por essa razão, Gide pôde escrever e publicar
livremente o que pensava sobre o homoerotismo, sem arriscar-se à cadeia
ou a perseguições jurídico-policiais. Mas, por isso mesmo, deixou-se,
talvez, envolver com mais facilidade na trama do mito da homossexua-
lidade e de sua origem natural. ·:::-->
Na França, depois da Revolução, a liberdade sexual deixou de ser vista
como um problema de Estado. O código napoleônico ratificou a idéia de
que o poder público nada tinha a ver com a vida privada do cidadão. No
entanto, como seria de esperar, ser livre jurídico-politicamente não podia
significar ir de encontro à ordem social burguesa. A retórica dos direitos
individuais tinha limites. Uma coisa era a Revolução, com suas palavras
de ordem política e suas fantasias intelectuais; outra coisa era a burguesia,
62 A inocência c o vicio
Essa opinião havia sido, com nuances, emitida por Corydon: "a homes-
sexualidade, assim como a heterossexualidade. têm seus degenerados,
seus viciosos e seus doentes; como médico pude isolar. junto com outros
confrades. muitos casos tristes, desoladores e duvidosos; pouparei, deles,
meus leitores: uma vez mais, meu livro tratará do uranismo bien portant,
ou como você dizia há pouco; da pederastia normal". (Gide, 1987, p. 32)
A pederastia normal, ou seja, a preferência homoerótica de Gide, era
responsável pela cultura da gloriosa Grécia, ou pelo apogeu da beleza
ma<;culina na escultura renascentista. Já os outros, os "invertidos", eram
degenerados, maníacos, ou doentes (lbid., p. 132). Pouco importa que Gide
temperasse a acusação feita a eles, afirmando que eram um fruto da
oposição entre costumes sociais e apetites naturais. O importante é que sua
"pederastia normal" brotava da natureza como a água da fonte, enquanto
o homoerotismo alheio era uma aberração natural e sociaL
É verdade; entre os médicos, psiquiatras e sexologistas do século XIX,
essa mesma hierarquia do estigma, no domínio das práticas homoeróticac;,
foi moeda corrente. Mas em Gide era signo de sua vontade de transfigurar
o mal e o vício, mesmo às custas da fabricação de uma outra categoria de
70 A inocência e o vício
única ética sexual a ela adequada, porque dela decorrente: este foi o
equfvoco de Gide. Penso apenas em propor que: se descrevermos o
homoerotismo como uma possibilidade a mais que têm os indivíduos de
se realizar afetiva c sexualmente; se descrevermos as j:>rãtiC.is ·homo-
eróticas como um campo polimorfo e múltiplo, cujo enquadre Óu~á ciãsse
ou família natural deve-se apenas ao modo ~orno cat:ãl'~samÕ.~ ~ valo-
rizamos as condutas sexuais entre nós; se, enfim, desistirmos de ver o
"homossexual" como uma realidade natural ou psíquica que antecede as
form as de vida e os jogos de linguagens que o prod.u7:íê~;pois -~~~_sé
procedermos assim, poderemos mais facilmente .continuar. r.espeitandQ e
cultivando outras crenças igualmente importantes Pl!!~,nos.~as vidas. Con-
tinuaremos cultivando, por exemplo, a crença dê que o direito à vida, à
liberdade e à busca da felicidade são direitos inalienáveis de todos os
indivíduos; continuaremos cultivando a crença de que se a vida e a
liberdade são problemas de todos e que por todos devem ser discutidos e
resolvidos, a busca da felicidade é problema de cada um; finalmente,
continuaremos cultivando a crença de que a busca da felicidade não precisa
justificar-se, exceto quando esbarra na dor e na humilhação do outro.
Uma vez mais, entretanto, proponho que acreditar nisso tudo não é o
mesmo que afirmar que todos os sujeitos, em todos os mundos logicamente
possíveis, levarão a sério tais idéias éticas. Mais importante que tentar
saber se os andróides da galáxia XPTO serão obrigados por uma necessi~
dade lógica ou estrutural a descobrir a verdade daquilo em que acredita-
mos, mais importante, penso, é estarmos dispostos a discutir suas idéias
e, eventualmente, a aceitá-las, se parecerem melhores que as nossas. Por
enquanto, se mantemos nossas crenças e ideais, não é por achá-los funda~
dos em princípios da razão cogcnte, mas porque, até o momento, nenhum
outro candidato ou competidor apresentou credenciais suficientes para
ocupar seu posto. Por tentar inventar uma verdade moral que fosse algo
mais que as crenças que nos são úteis e que não exigem, no atual estado
de conversação, razões suplementares para serem admitidas, Gide trope-
çou na própria pretensão. Quanto mais tentava naturalizar o "ho-
mossexualismo", mais reforçava o preconceito que define os indivíduos
homoeroticamente inclinados como uma espécie à parte de homens ou
subhomens. Seu exemplo, apesar de restrito ao sexual, pode ilustrar a
tendência que temos a fa7.er dos nossos valores e ideais, em qualquer esfera
da prática social, norma natural para a condenação do diferente.
74 A inocência e o vício
BIBLIOGRAFIA
GIDE, André ,
- Journal (1899-1939). Paris, Gallimard, 1948.
- O i moralista. São Paulo, Cfrculo do Livro, s/d.
- Se o grão não morre. Rio, Nova Fronteira, 1983.
- Corydon. Paris, Gallimard, 1987.
FOUCAULT, Michel, História dtl sexualidade li - O uso dos prazeres. Rio, Graal,
1984.
LARMORE, Charles, "Les limites de la réflcx.ion en éthique", in Lectures philosopMques
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Conjugalidade, ética sexual
e parceria homoerótica
conjugais. E, daí por diante, a ética sexual conjugal pesa sobre a moral de
seus trânsfugas, como os mandamentos sobre a alma dos crentes, em
especial dos pecadores. Aqui começa propriamente o assunto de que vou
ocupar-me e que, sem esta introdução, perderia grande parte de seu
sentido.
Tendo assistido dezessete homens adultos que procuraram análise
queixando-se de "homossexualismo", " medo de homossexualismo" ou
..suspeita de homossexualismo"; tendo assistido, além do mais, outros que,
sem esta queixa explícita, revelaram no curso da análise terem tido
experiências homoeróticas ou algum tipo de atração homoeróti ca rele-
vante; tendo enfim consultado 25 entrevistas feitas com homossexua.is, de
um total de 100 até agora realizadas por colegas antropólogos, atualmente
ocupados com a questão do jmpacto psicossocial da AIDS, pois bem, a
partir dessas fontes, pude notar uma curiosa convergência no que concerne
à importância do ideal sexual conjugal na trama sintomática apresentada
por tais sujeitos. Estas observações, é óbvio, são passíveis de reinter-
pretação, bem como as conclusões parciais a que cheguei até o momento.
Mesmo assim, acredito que podem ajudar-nos a entender alguma coisa a
mais sobre a chamada homossexualidade.
Em primeiro lugar, pude notar o que de certa forma já antedpei. Em
todos os casos de auto-rotulação de "homossexualidade'', dois fatores
promoviam a inclusão dos sujeitos na família natural ou classe lógica dos
homossexuais, segundo a definição da família e classe dada por Thomas
Kuhn ( 1989). Primeiro, a presença do sintoma da ·atração homoerótica ou
da dúvida quanto ao homoerotismo da atração sentida; segundo, a con-
versão automática e imediata dessa atração, em crença na identidade,
estrutura ou essência homossexual da própria sexualidade. Nos dois casos,
o parâmetro para o julgamento emitido era a noção de desvio da forma
"natural" da sexualidade. que era o heterossexualismo. A ética sexual
conjugal, aqui, funcionava como norma implícita para a avaliação do
desvio. Embora sem estar manifestamente tematizada, como nos dois
próximos itens, era responsável pela divisão dos homens em homossexuais
e heterossexuais, mito que ganhou foros de realidade psíquica para os
sujeitos.
Contudo, a aparente redundância ou identificação imaginária da atra-
ção homoerótica com a homossexualidade é aquilo mesmo que precisa ser
analisado, e não tomado como um dado. A suposta identidade nem é um
fenôme no natural, nem uma realidade objetiva, independente dos jogos de
linguagem~ das formas de vida em que é pensada. Pelo que pude inter-
&2 A inocência e o vfcio
carinho ou ternura pelas esposas, mas apenas atração física. Outros, ainda,
envolviam-se afetivo-sexualmente com mulheres, mas, mesmo durante o
envolvimento, continuavam sentindo-se atraídos por partes do corpo mas-
culino. Finalmente, no que diz respeito à inibição sexual, traduzida por
impotência ou ejaculação precoce no coito heterossexual, a variação não
era menor. Quase todos tinham dúvidas quanto à capacidade de manter
relações heteroeróticas, mas quase todos conseguiam concretizá-las; al-
guns, sem nenhuma dificuldade.
Naturalmente, pode-se dizer que a amostra de que me sirvo não é
exaustiva nem representativa de todo "homossexualismo". Por exemplo,
daqueles homossexuais exclusivos que nunca procuram nem jamais pro-
curarão análise, posto que se sentem muito bem adaptados à própria
homossexualidade. Relembraria, em primeiro lugar, que não estou me
referindo apenas às pessoas que me consultaram, pedindo análise. Todas
as entrevislas antropológicas que usei como fonte foram feitas com indiví-
duos que nunca pensaram em analisar-se e que são, segundo a visão
corrente, homossexuais exclusivos. Em segundo lugar, acho que tal crítica
é informada pela crença que pretendo combater, qual seja, a de que existe
um "homossexual típico". Mas pergunto: o que entendemos por homos-
sexual típico? "Homossexual típico" , para falar livremente do que pode
ser falado, é o homossexual personificado nos romances de Genet ou nas
biografias de Pasolini e Fassbinder? Ou os "homossexuais típicos" são os
atormentados personagens de Gidc, Christopher Isherwood, Forster, Ju-
lien Green, Gore Vida}, Dominique Fernandez ou David Lcavitt? Ou,
ainda, os "homossexuais t(picos" são os desinibidos heróis de alguns livros
de Peyrefitte e James Baldwin, ou de Stephen Spender, Marcos Rádice,
Alex.ander Ziegler etc., sem contar com toda a literatura sobre o tema,
surgida depois da AIDS? Ou, por último, o "homossexual típico" é o
homem portador de trejeitos e maneiras efeminadas? Se é um desses, os
outros, o que são? Se são todos esses, o que têm em comum para serem
catalogados numa mesma rubrica?
_,!1 ml(.l! ..Y.e.r._q_~:ho!llossexual típico", como toda figura de exclusão, é
1
está sendo posta em questão! Em minha opinião, todos esses sujeitos são
levados a identificar-se como homossexuais da mesma maneira que a
monja, a braços com a tentação carnal, tornava-se possuída, e a megera
linguaruda, rabujenta e abusada do vilarejo medieval tomava-se feiticeira.
Antes da invenção do homossexual, Vautrin, na Comédia Humana de
Balzac, nunca fez de seus desejos homocróticos prova da deficiência de
sua masculinidade ou incompetência conjugal. Pelo contrário, usava o
homoerotismo, na boa tradição do romantismo rebelde, como forma de
desmascarar a hipocrisia burguesa, inclusive a hipocrisia conjugal. Toma-
va seu modo de amar como mais verdadeiro e mais autêntico que as
relações de i~teresse, comandadas pelo dinheiro e vontade de ascensão
social, regra corrente na burguesiaearistocraciaparisienses (Balzac, 1949;
·1952; 1978). De modo similar, Bom-Crioulo, personagem de Adolfo Ca-
minha, nunca entendeu sua paixão sensual e tresloucada pelo grumete
como índice negativo de sua virilidade. Cedia a seu desejo como cedia à
fome, sem fazer de sua preferência sexual algo contra sua identidade
masculina (Caminha, 1983).
É verdade, pode-se retrucar que esse dédalo imaginário nada acrescenta
à psicanálise. Superestimar sintomas é apenas levar Freud de volta à
taxonomia psicológica e culturalista, com que ele rompeu. O importante,
dir-se-á, é a estrutura ou a economia psíquica comum a todos os homos-
sexuais. Porém, até prova suficiente em contrário, sugiro que não existe
tal coisa como o homossexual e, conseqüentemente, buscar a ordem do
desejo comum a todas as instâncias teóricas ou empíricas desse conceito
é uma falácia. Do mesmo modo, sustento que, mesmo a versão mitigada
da afirmação, qual seja, a de que homossexualismo é sempre expressão de
alguma neurose - no sentido da clínica psiquiátrica - ou de alguma
perversão - no sentido da clínica psicanalítica - , e não traço de uma
estrutura particular, mesmo esta versão parece-me inaceitável. Do meu
ponto de vista, o que há de comum no funcionamento psíquico dos
homossexuais não é alguma coisa correlata a uma mesma economia do
desejo ou a uma mesma posição subjetiva diante de um mesmo fantasma
ou cenário fantasmático. O que une os "homossexuais" num mesmo
conjunto perceptivo-interpretativo ou numa mesma família natural, na
acepção de Kuhn, são as regras de identificação sexual geradas pelo
imaginário social da exclusão. Assim, aquilo que é chamado por alguns
autores de traços de personalidade ou de estrutura psíquica da homos-
sexualidade, chamo de resposta psíquica ou estratégia defensiva posta em
Conjugal idade, ética sexual e parceria homoerótica 85
outra? Por que, nesse caso, faríamos o que de hábito recusamos fazer em
psicanálise, ou seja, tomar categorias de divisão social como descritivas
de estruturas clínicas? Ao que me conste, o analista, cada vez que se
defronta com tipos ou papéis sociais, costuma reduzi-los à terminologia
própria à psicanálise justamente por considerar que tais tipos ou papéis
informam pouco, à teoria, sobre o que quer que tenha interesse clínico. No
caso da homossexualidade, curiosamente, não! Nenhuma distância entre
a estrutura inconsciente e o preconceito histórico-sexual corrente. Por que,
volto à pergunta, dividir os homens segundo a atração pelo sexo biológico
diz mais sobre a estrutura do desejo do que dividi-los socialmente de
qualquer outra maneira? É porque esta d ivisão, mais que outras, revela a
dinâmica da castração e da rivalidade fálica? Porém, inúmeras outras
dicotomias i maginárias foram e são capazes de engajar os sujeitos na
rivalidade pelo falo . Durante muitíssimo tempo, foi mais importante
separar os sujeitos entre cristãos e hereges, bárbaros e civilizados, castos
e devassos, católicos ou reformados do que entre homossexuais e he-
terossexuais. Por isso, muitos mataram e morreram, foram felizes ou
infelizes, cruéis ou piedosos etc. Por que apenas o século XIX, com a
moralização burguesa dos costumes e a redução conservadora das liber-
dades individuais a assunto de boudoir teria acertado na mosca psi-
canalítica?
Hoje em dia, para a maioria dos sujeitos, ser ou não ser homossexual
é uma questão mais aflitiva ou mais vital do que a de ser ou não ser herege,
ser ou não ser religioso. ser ou não ser revolucionário, ser ou não ser
corrupto, ser ou não ser oportunista e mesquinho, ser ou não ser generoso
e tolerante para com o outro etc. Porém, isso significa que a preocupação
com o homossexualismo é menos recalcada e mais próxima da sexualidade
ou do inconsciente freudianos? Ou será que, enquanto analistas, temos um
discurso externo, para o grand monde intelectual, onde bochechamos
contingência do desejo, falta no sujeito e no Outro, lógica e estrutura da
linguagem, e outro discurs<;> secreto, pronunciado em voz baixa, onde
despedimos o blá-blá-blá e confessamos que o que importa mesmo é como
os umbigos se encontram e o que está abaixo deles?
Evito mal-entendidos. Não pretendo desvincular a sexualidade nem do
corpo - o que seria absurdo - , nem do desejo inconsciente, nem das
conseqüências psíquicas das diferenças anatômicas entre os sexos. Psica-
nálise ocupa-se com o sexo dos homens c não com o sexo dos anjos. Mas,
precisamente porque vejo assim, gostaria de recordar o que Frcud revelou
e o que a Liga de Decência norte-americana impediu que o público ouvisse,
92 A inocência e o vício
como hábito irrefletido, parece enredada e submissa aos ideais morais que
fazem do homoerotismo uma "aberração".
A outra resposta do homoerotismo ao social é a criação da cultura
clandestina do gueto. O gueto é formado por um circuito de locais de
encontro exclusivos de homossexuais, que vão de praias a pontos de
prostituição masculina. N esses locais, alguns extremamente sórdidos, os
indivíduos gozam da "liberdade" que a discriminação permite. Mas, jus-
tamente por tratar-se de uma liberdade vigiada e concedida, carrega todas
as seqüelas do preconceito. Os sujeitos sabem, mesmo quando não expli-
citam, que a liberdade vivida no gueto é precária e, num certo sentido,
artificial. Quase todos acham esses lugares desagradáveis e queixam-se,
freqüentemente, da sensação de vazio e insatisfação que acompanha tais
·incursões clandestinas. No entanto, não podem deixar de freqüentá-los
compulsivamente, pois não vislumbram outra alternativa para suas vidas
sexuais. No gueto, é voz unânime, vai~se em busca de uma "transa". No
mais das vezes, as características pessoais do parceiro pouco importam.
Da mesma maneira, não adianta criar expectativas de que, nessas ocasiões,
possa surgir alguma relação amorosa mais estável e menos imediata.
Quem acreditou nisso, decepcionou-se. Por fim , participando da cultura
do gueto, sobretudo nas idas a saunas, boates e locais de prostituição, todos
se sentem promíscuos e convivendo com a promiscuidade, realizando,
assim, a imagem do " homossexual" criada pelo estereótipo do preconceito.
Pollak sugeriu que a subcultura do gueto é formadl! J~Qt ~m a série de
estratégias que visam a otimização e a··maximização do prazer:·iio curto
espaço e no pouco tempo que a vida clandestina permite (Pollak, 1987).
E, junto com Aries, ressaltou o aspecto racionalizado dos contatos sexuais
que ali se dão como fazendo parte do "mercado do orgasmo", expressão
de Aries (Aries, 1987). Essas opiniões me parecem oportunas. No entanto,
não penso, como Aries, que a linguagem do gueto represente apenas a
"recusa ilusória da paixão do coração ou da ilusão do amor romântico",
ou a "sacralização do orgasmo", consoante a moral sexual atual (Aries,
ibid.). Penso que essa "linguagem" procura contornar a privação do
vocabulário do amor romântico imposta aos amores masculinos, criando
um estilo de comunicação que o torna dispensável. No gueto d9_!!_lina..o
ideal da " mínima fala" e da inflação de gestos, sinais e atost-~.~ _!Jl~O a
indicar com a máxima precisão onde está o desejo ..Tudo se organiza para
que o encontro sexual não passe pela palavra, posto que toda palavra sobre
o "homossexualismo" aponta para a dominação. Assiste-se, assim, a uma
tentativa de relação sexual sem metáforas, sem um discurso que a sublinhe
Conjugal idade, ética sexual e parceria homoerótica 97
perversão"? Além do mais, pode-se ainda dizer, toda essa querela em torno
da homossexualidade não é feita em nome de um fetiche nominalista com
pés de barro? Se aceitamos que o homossexualismo é a camisa-de-força
das práticas homoeróticas, por que não fazer o mesmo com as outras
"perversões"? Por que não defender a tese de que a necrofilia é o "aburgue-
samento e a medicalização das práticas cadavéricas"; a pedofilia, das
"práticas infantófilas"; o bcstialismo, das " práticas zoofílicas"; o sadismo
e o masoquismo, das "práticas chicotescas" etc.? Onde começa a psicaná-
lise do imaginário, e onde terminam a complacência e a cumplicidade com
a perversão, a monstruosidade e o horror?
A resposta a essa objeção é: urna cultura que tudo permitisse seria uma
cultura impossível, como disse Rieff. A cultura da tolerância não é a da
. pcrmissividade. Nesta, o que existe não é respeito pela diferença; é
indiferença, cinismo e violência. Mas, se com as objeções levantadas
pretende-se insinuar que podemos decretar, desde sempre e para sempre,
o que é permitido ou proibido, diria que não acredito nessa possibilidade.
O escândalo de Freud foi justamente o de dizer que tudo é imaginável e
tudo pode ser desejável. É possível imaginar, sim, uma cultura onde a
necrofilia, por exemplo, fosse aprovada, assim como em algumas outras
aprovou-se o canibalismo ritual, o sacrifício de crianças, o incesto entre
irmãos, a morte obrigatória de anciãos, o coito com animais etc. O fato de
não conhecermos culturas necrofílicas não as toma logicamente impos-
síveis, como também não nos obriga - longe disso! - a considerá-las
menos odiosas e menos repulsivas do que as consideramos.
Volto, portanto, a insistir no que já pude dizer outras vezes. Se todo o
rol das práticas sexuais mencionadas nos espanta e causa horror, não é por
ser incompatível com o desejo e com a lei da castração; é porque é
absolutamente contrastante com nossos ideais morais vigentes, tão imagi-
nários e contingentes quanto quaisquer outros. O desejo, em si, é "amoral",
"imoral" ou indiferente às moralidades sociais. Dele não há como deduzir
ou inferir uma ética compatível, a priori, com as exigências morais de
nossa cultura ou de outras culturas que a ela se assemelhem. No limite, é
possível mesmo conceber uma modalidade de estruturação do desejo que
leve à destruição de nossas instituições e de todas as regras e leis que
constituem nosso patrimônio cultural. Portanto, a idéia da permanência de
nossa cultura, a idéia de que nela e por ela venhamos a imortalizar a
memória de nossos feitos, discursos e instituições é, segundo Freud, um
ideal tão imaginário quanto qualquer outro, e não a expressão da única e
verdadeira aceitação da lei da castração ou da falta no desejo do Outro.
Conjugalidade, ética sexual e parceria homoerótica 101
BffiLIOGRAFIA
As intermitências do coração
espiritualidade estaria encerrada, que nos induz a supor que todos nossos
bens interiores, nossas alegrias passadas, todas nossas dores estão perpe-
tuamente em nossa posse. Talvez também seja inexato acreditar que elas
se evadem ou retornam. De qualquer modo, se elas permanecem em nós,
estão, na maioria do tempo, em um domínio desconhecido onde não têm
serventia alguma e onde mesmo as mais usuais estão recalcadas por
lembranças de ordem diferente e que excluem toda simultaniedade com
elas na consciência. Mas, se o quadro de sensações com que estão conser-
vadas é reapreendido (resaisi), elas têm, por sua vez, o mesmo poder de
expulsar o que lhes é incompatível, de, sozinhas instalar em nós o ego que
as viveu. ( ...) O ego que cu era então, e que havia por tanto tempo
desaparecido, estava novamente tão perto de mim que me parecia ainda
escutar as palavras 4ue tinham imediatamente precedido e que no entanto
não eram mais que um sonho, como um homem mal acordado acredita
perceber bem próximo dele os ruídos do sonho que se evadc". 15
Revisitando o passado para dar sentido ao presente, compreendeu que
não existe nenhum apoio extramundano e extra-humano para a verdade de
nossas crenças no sexo c no amor. Não existem memórias de um s ujeito;
existem sujeitos de memórias, que são independentes de quem se julga
seus autores. Não existe um mundo mental sempre lá, contínuo, igual a si
mesmo e juiz de nossos erros e acertos sobre o que enunciamos sobre ele;
existem imagens e narrativas deste mundo, que espelham nossas aspi-
rações ao prazer ou à dor. Enfim, não existe outra verdade da lembrança,
exceto aquelas das "intermitências do coração". Quando disse a Gide
"jamais diga eu", dizia que a mentira era a contrafacc da verdade, de-
pendendo do "coração" que mente e do coração a quem ela é dita.
Gide, sabemos, afirmou num dado momento: "Je ne suis jamais, je
deviens; je deviens celui que je crois que je suis". Porém, assim falando,
inspirava-se na verdade de sua consciência burguesa e protestante. Ora,
para essa consciência havia um ponto em que o devenir do je deveria
estancar, pondo um fim à dúvida sobre si. Esse ponto era a autenticidade.
Era o ponto onde o je abandonava a dissimulação e, através da revelação
do verdadeiro desejo, expunha-se ao outro, na sua suposta capacidade de
entender, amar e perdoar. Nessa crença, Gide testemunhava sua confiança
na onisciência e bondade divinas. Ela foi a marca indelével da retidão
calvinista de seu caráter e sensibilizou a todos quantos o conheceram ou
ti veram contato com sua obra. Não é à toa que um espírito descrente, cínico
c histriônico, como Oscar Wilde, desconfiava dela e sentia-se instigado a
destruí-la. Quando Wilde encontrou Gide em Paris e procurou seduzi-lo
110 A inocência e o vício
A linguagem da inocência
propósito das famílias nobres que, na França, elas eram quando muito
onze, e acrescentava: ..Quanto a todos esses petits messieurs que se
chamam marquês de Cambremerde [aludindo aos Cambremerl ou Fatcfai-
refiche [corruptela homofônica da expressão grosseira 'va te faire fiche',
equivalente mais pesado da expressão 'vai te catar' ou 'vai te danar'], não
existe nenhuma diferença entre eles e o último dos franguinhos (piou piou)
de seu regimento. Que você vá fazer xixi na casa da condessa Cocô, ou
cocô na casa da baronesa Xixi, é a mesma coisa, você comprometeu sua
reputação e usou um pano de chão cagado (breneux) como papel higiênico.
O que é sujo"Y
O Faubourg era o retrato dos grupos sociais sem função ou sentido
históricos. 25 Nele, o estilo de vida era marcado pela monotonia das pe-
quenas intrigas ridículas e previsíveis. Para vencer o tédio c mostrar aos
burgueses a excelência do viver aristocrático, as maftresses dos salões
disputavam ferozmente a presença de celebridades da cultura e das artes,
ou de obscuros exemplares de vidas exóticas. Essa elite fazia dd. cinismo
e da manipulação da vaidade tola dos parvenus remédio para seJcansaço
mundano e sua inutilidade social. Incapaz de produzir valores mini-
mamente acei&áveis para sua época, comprazia-se em afetar uma largueza
de mentalidade que nada mais era do que um sintoma do culto ao "tres
puissant Dieu Je-Men-Fou", como dizia Brichot, fazendo Mme. Verdurin
morrer de rir.26 Por indiferença e falta de escrúpulo, e não por tolerância,
o Faubourg admitiu judeus e "homossexuais" em seu meioY Mas o
interesse pelos novos eleitos só se conservava enquanto o mistério de seus
exotismos persistia; enquanto o segredo de suas "raças" ou de suas
"psicologias" mantivesse acesa a conversação e a curiosidade dos rotos
espíritos de seus habitués. 28
Proust era perfeitamente ciente do papel ocupado pelo vicioso e pelo
exótico na vida do Faubourg. Referindo-se à vã tentativa de Charlus em
ocultar de seus hóspedes suas reais tendências sexuais, diz: "E, aliás, de
qualquer maneira ele estaria errado, buscando calá-la (a inclinação sexual],
pois não existe nenhum vício que não encontre no grand monde apoios
complacentes ..." 29 Em outro trecho, referindo-se ao mesmo Charlus, es-
creveu: "Nesse primeiro período, tinha-se, então, terminado por achar M .
de Charlus inteligente, não obstante seu vício (ou o que se chama geral-
mente assim). Agora, sem que se dessem conta, era por causa desse vício
que achavam-no mais inteligente que os orttros. As máximas mais simples
que, devidamente provocado por um universitário ou um escultor, M. de
Charlus enunciava sobre o amor, o ciúme, a beleza, por causa da expe-
A inocência e o vício: du côté de chez Proust 113
A linguagem do vício
dividendos. Por outro lado, " as pessoas de Combray podiam achar que
tinham bom coração, sensibilidade, e adquirir as mais belas teorias sobre
a igualdade humana; minha mãe, quando um valet de chambre se eman-
cipava, ( ...) manifestava a respeito dessas usurpações o mesmo des-
contentamento que explode nas Memórias de Saint-Simon, toda vez que
um seigneur, sem direito, arranja um pretexto para assumir a qualidade de
Alteza em um ato autêntico, ou de não conferir aos duques o que lhes é
devido e do que, pouco a pouco, se isenta. Havia um espírito de Combray
tão refratário, que seriam necessários séculos de bondade (aquela de minha
mãe era infinita), de teorias igualitárias, para conseguir dissolvê-lo".63 Isto
é, também, a moralidade burguesa e materna era insensível às "inter-
mitências do coração".
Depois da morte da mãe, a docilidade virou rebelião. Combray e o
Faubourg associaram~se num só grande outro opressor, bem distante do
severo, mas protetor, Deus de Gide. Proust disse, certa ve7., falando de
Charlus: "O mais perigoso de todos os segredos é aquele da falta, ela
mesma, no espírito do culpado".64 Esse era o segredo a que se referia
quando escrevia à Sra. Straus sobre as "verdades psicológicas, humanas
ou emocionais" de suas desgraças. Esse sentimento de falta diante do
mundo e da mãe era de uma enormidade proporcional à impiedade que
Proust, em seu infantilismo afetivo e em sua sagacidade intelectual, via na
moralidade aristocrático-burguesa que o asfixiava. O "vício" do seu ho-
moerotismo era do tamanho de ogro do Faubourg e de Combray. Preso a
dois mundos sem misericórdia, transfigurou a fraqueza em ódio e a
idolatria em profanação. Proust profanou o mundo dos Guermantes com
o vício de Charlus, assim como profanou o mundo familiar e burguês com
o vício de Gomorra; de novo, dissimuladamente, acertava contas, em meio
a culpas e tormentos com seus amados perseguidores.
Em 1917, começa a relacionar-se com Albert Le Cuziat, conhecido
prostituto do grand monde parisiense, a quem ajuda a montar um bordel
masculino, com dinheiro, "cadeiras, sofás e tapetes" que pertenciam aos
falecidos pais.65 Quando no romance o "Narrador presenteia a dona do
hordel de Bloch com as cadeiras e o sofá da tia Leonie, é assaltado pelo
remorso" e diz que é como se "tivesse contribuído para a violação do corpo
de uma mulher morta(... ), porque os móveis pareciam estar vivos e me
fa zer súplicas, como os objetos aparentemente inanimados das Mil e uma
11oites, onde almas humanas estão aprisionadas, sofrendo martírios e
im plorando a libertação".66 Em Montjouvai!' 1 ~ NauaàQr, através da ja;-
124 A inocência e o vício
BffiLIOGRAFIA
No início dos anos 80, a AIDS veio a público como "doença de homos-
sexuais". Hoje essa crença caiu em desuso. O avanço do conhecimento
científico e a alteração do perfil epidemiológico da sfndromc, se não
romperam, pelo menos afrouxaram os laços ideológicos com o chamado
"homossexualismo". Entretanto, essa remodelagem do imaginário social
sobre a AIDS trouxe um outro problema. Como observou, entre outros,
Richard Parker, a AIDS não é uma "doença de homossexuais", como quis
o preconceito, mas continua sendo uma questão importante para os homens
same-sex oriented. Portanto, neste trabalho, voltamos a discutir o tema.
Pensamos que, entendendo melhor as dificuldades emocionais dos sujeitos
envolvidos em tais situações de vida, podemos rever preconceitos quanto
ao homoerotismo masculino e, por essa via, lutar de maneira mais eficiente
contra a transmissão do vírus da AIDS. Em nossa opinião, o risco de
infecção entre indivíduos homocroticamente inclinados está diretamente
relacionado à maneira como lidam com o preconceito dirigido contra suas
preferências sexuais. É o ponto de vista que procuraremos sustentar ao
longo deste estudo.
Como ponto de partida, tomamos a hipótese de que a crença na
existência de uma sexualidade homossexual naturalmente dada, fosse ela
instintiva ou psicológica, era indissociável da crença trans-histórica ou
c11lturalmente universal que, por sua vez, estava vinculada à maneira
preconceituosa como as práticas homoeróticas eram pensadas, vividas e
"agida~j" pelos sujeitos nelas implicados. Supúnhamos, além do mais, a
partir de certas observações preliminares, que a posição de constran-
gimento psíquico e social dos indivíduos rotulados de "homossexuais"
intcrvinha no modo como reagiam ao risco de infecção pelo HIV. No curso
128 A inocência e o vício
Habcrmas, 1981; Lascb. l979a. 1979b, 1986; Luhmann, 1990; Sennett, 1978;
Sennett e Foucault, 1981).
Primeira objeção
Segundll objeção
Terceira objeção
Justiflcação metodológica
Neste tópico, não discutiremos exaustivamente questões de método. Resu-
miremos tais questões ao mínimo necessário à fundamentação e à plausi-
bilidade de nossas opiniões. A bibliografia citada permitirá ao leitor
universitário aprofundar os temas, caso seja seu interesse. Passemos,
então, ao essencial. Se d efinirmos método como conjunto de proce-
dimentos ordenados, repetíveis e corrigíveis, ou seja, como conj unto de
descrições coerentes e consistentes de fatos ou eventos, coisas ou estados
de coisa que se pretende conhecer de maneira sólida, podemos justificar
nosso estudo a partir de várias perspectivas.
No que diz respeito à primeira objeção, podemos dizer que, não obstante
a diversidade de origem ou pertencimento sócio-cultural, todos os indi-
víduos analisados apresentavam:
• a mesma crença na.existência de uma identidade homossexual única e a mesma
capacidade de reconhecer essa identidade como sendo socialmente desapmvatkl
e marcada pela exclusão;
"Mas o interacionísmo não tem sido capa7. de teorizar as variações sexuais que
pode tão habilmente d escrever, nem de conceituar as relações entre possíveis
padrões sex.uaise outras variáveis sociais. Embora reconheça a~ disparidades de
poder entre os vários grupos e a importância do poder em estigmatizar, freqUen-
temente tem dificuldades em teorizar questões estruturais de poder e autoridade.
Do mesmo modo, o interacionismo não se preocupou em investigar a questão da
determinaçào, no campo da sexualidade. Ele é incapaz de teorizar porque, não
obstante as infinitas possibilidades de sexualização sugeridas, os genitais con-
tinuam a ser o foco da imaginação sexual, e porque existem, nas várias épocas,
mudanças na localização dos tabus sexuais. E existe também uma conseqüência
O homoerotismo diante da AIDS 133
século XX. Essa literatura, por sua vez, sobretudo a de Gide e Proust,
utilizou abundantemente o material médico e antropológico do século XIX
na definição do perfil moral e das tendências sexuais dos "homossexuais"
ou "invertidos". Só recentemente a imagem social do "homossexual oito-
centista" passou a ser contestada por novos modelos de interpretação do
homoerotismo.
Assim, acreditamos que não se sustenta a objeção levantada contra a
pretensão de analisar conjuntamente os universos sociais distintos sob
alegação da incomparabilidade de seus códigos descritivos e interpre-
tativos do fato homoerótico. Essa alegação é apriorística, ou, no melhor
d~s casos, não se aplica ao contingente de indivíduos analisados na
realidade urbana brasileira atual.
mulhertem UI1Ul perereca, então o homem se sente atraído pela mulher, amulMr
se sente atraída pew homem. Então o peru do homem fica duro e cre.~ce e eles
fazem amor. Quando eles fazem amor o homem pega e enfia o peru na perereca
da mulher, e eles ficam, e ele vai gozar, e af... " E eu pensei: "Bom, isso tudo que
minha mãe lá falando, tá acontecendo comigo de uma forma tliferente. Isso fez
com que eu ficasse pensando mil e uma coisas ... Os problemas começaram a
surgir mais tarde quando comecei a ter uma noção distorcido, né, o que que é
ser bicha, o que é o vü:ldo ".
• M., 67 anos. Primeiras experiências aos 12 anos; quando foi beijado por
um rapaz de 17 anos, pensou: "Será que ele tá me fazendo de viado?"
• L., 32 anos. Primeiras experiências na escola e com primos. Tinha
consciência de que fazia algo errado. Sempre "fazia escondido". Na
adolescência sempre teve paixões por amigos, mas nunca teve contatos
físicos, e sempre com o sentimento agudo de vergonha por se saber diferente
ou desviante.
mas também pode significar uma maior disposição psíquica e cultural dos
indivíduos para assumirem essa identidade, quando lhes foi proposta. No
grupo de clientes, quando a prática das relações homoeróticas e a presença
do desejo homoerótico não eram exclusivas, as categorias mais emprega-
das para descrever fatos semelhantes eram "meu problema homossexual",
"meu lado homossexual" ou "minha homossexualidade" etc ... revelando
a idéia de um pretenso "núcleo homossexual" presente na heterossexua-
lidade idealmente desejada ou realmente exercida.
Essas observações preliminares permitem-nos postular as seguintes
generalizações:
• A diversidade das práticas, condutas e desejos homoeróticos é enorme e
extremamente difícil de ser tipificada, seja pelo observador, seja pelo sujeito.
• O elemento central na definição da identidade "homossexual" é a
presença do desejo homoerótico. Mesmo assim, a simples admissão da
atração sensual por homens, que é uma modalidade do desejo homoeró-
tico, não é suficiente para caracterizar a "homossexualidade" daqueles que
a experimentam. Mais decisiva é a presença da atração terna, ou seja, do
apaixonamento, que significa algo além do puro "tesão". Do mesmo modo,
a atração estética só define a presença da "homossexualidade" se vier
associada a um dos dois itens anteriores.
• A "identidade homossexual" é predominantemente estabelecida a partir
do sentimento vago e difuso de desvio ou diferença em relação ao que se
julga ser a "identidade heterossexual", identidade esta igualmente difícil de
ser descrita positivamente em seus atributos.
• A "identidade homossexual" é, de modo geral, sentida como um pro-
blema e percebida pela maior parte dos sujeitos como uma qualidade da
personalidade bierarquicamente'inferior, no quadro das distinções sociais.
• Finalmente, a "identidade homossexual" depende, para sua estabilização,
de fatores quase impossíveis de serem generalizados. De um lado, a estabi-
lização depende da históriapsicossocial de cada um; de outro, do sistema de
justificativas que tornam a prática homoerótica mais ou menos aceitável ou
mais ou menos reprovável. Assim, vemos sujeitos com histórias de vida
diferentes elegerem diferentes atributos do comportamento ou do desejo
como os principais indícios de suas "homossexualidades". Da mesma ma-
neira, dependendo do sistema de justificativas, vemos que práticas seme-
lhantes são avaliadas de formas diversas. Há indivíduos que, convertidos ao
156 A inocência e o vício
* Novamente aqui, é necessário matizar a afiC11lação. A "ideologia gay" não é uma ideologia
monolítica. Quando empregamos esta expressão, estamos nos referindo à corrente majoritária
dessa ideologia no Bra~il, ou seja, a corrente intelectual ou política mais influente na difusão e
na construção da "identidade gay".
168 A inocência e o vício
respondeu: "Não sei. Pode ver que agora eu estou parando com isso e se
eu transar com uma pessoa só com camisinha. .. Eu vou diminuir, se Deus
quiser". Na continuidade da conversa, entretanto, diz, logo depois: "O
mundo está p erdido sem brincadeira [termo usado para aludir às relações
homoeróticas]. Um amigo que trabalha [diz então o lugar, que é um bar]
...ele gosta de mim, entendeu? Ele sabe que eu. não tenho nada, ele tratzsa
comigo e aí tudo bem." No caso, as relações eram sem preservativos e
nenhum dos dois havia feito o teste de ATOS.
C: É um dinheiro maldito, por isso que não só pelo din~iro ser maldito eu me
culpo, eu me culpo porque é uma coisa você vender o seu corpo ainda mais agora
que eu consegui me situar numa religião. A religião conseguiu me tirar de tudo
isso que eu achava que hoje em dia ... não é que eu acho sf4o... eu não gosto de
discriminaçãc porque ninguém sabe, cada um tem um motivo... eu passei por
isso ... eu sei que cada wn tem um motivo muito forte para se enfiar nisso, sem
culpar pai e mãe, mas que pai e mãe têm culpa, têm, e muita.
Entrevistador: E a sociedade?
C: Não só a sociedade, não! A sociedade, pai, mãe, que tem mãe que não dá
apoio nenhum ao filho, quer dar apoio mas não sabe como dar, isso acaba
cotifundindo a tua cabeça; você acaba achando que tua mãe ao invés de te ajudar
está querendo te socorrer...
H: Não. Não porque eu .rei que ele tem muito medo. Ele con versa muito comigo
sobre essa doença e ele fala para mim niül sair com qualquer um.
E: Certo. Ele te alerta.
H : Ele me alerta. Quando eu comecei a trabalhar, ele pensou muito ames de eu
começar a trabalhar, porque eu ia trabalhar na rua e era muito perigoso, né!
As pes.wus têm facilidade ...
.1<:: De pegar.
H: É. Aí me avisoubastame.
E: Como? Você pode me descrever?
H : Posso. Ele falava assim: "H, toma muito cuidado na rua com as pessoas... "
E: Ele é um pouco pai para você?
H: É.
E: Por isso você gosta dele?
li: É.
E: Ele tem 22 anos.
H: Tem. Ele é moreno, não muito mai.r alto que eu. Vai entrar para a academia
de novo.
E: E você, por que não faz exercícios?
H: Porque não gosto!
E: Você não gosta? Mas gosta que ele faça?
H: É. Gosto de lwmensfortes, musculosos.
Diz que fez o teste anti-AIDS e que deu negativo. Mas, depois, diz que
teve uma relação sem preservativos.
J: A última foi ... não gosto nem tk lembrar que eu fico meio paranóico ... foi um
cara... que eu trabalho no Y [cita o local turístico do Rio] ... eu deveria nunca
ter feito, mas eu acho que tipo assim... a gente não pode se privar tanto de
sexo, a gente vai morrer neurótico, eu acho que você tem que se prevenir...
E: Claro!
J: Ai eu conheci um cara de X [cita o nome de uma cidade da Europa, o pan:eiro
era um europeu, turista]... aí esse cara me ligava, não-sei-o-quê... eu peguei
e saí com ele. Eu acho que ele não tinha AIDS... não é possível, que é muito
azar mesmo, mas pode acontecer.
E: Pode. O azarão, chamado o azarão, né?
J: É, justamente. Eu sei que isso acontece. Mas ele aparentemente era uma
pessoa sã, e Deu.ç me livre que tenha alguma coisa ... Aí, eu fui e transei com
ele. Mas o cara, aí. inclusive, ele me convidou, está afim de me comer... Eu
sabia o que era, e a(, tudo bem. Mas esse cam foi urna das melhores coisas
que eu já tive na minha vida. Carafudido, ótimo!(... ) Foi l1om, mas depois
eu fiquei numa paranóia.
O entrevistador volta, então, à questão da prevenção:
E: Como é sua prática atual? Como você pratica sexo atualmente?
J: Atualmente de camisinha, pode ser quem for.
E: Você usa camisinha?
J: Uso.
E: Quando?
J: Sempre quando tenho ato sexual.
E: Sempre que você vai ser ativo ou passivo?
J: Sempre, sempre.
E: A camisinha te incomoda'!
J: A mim não. Eu sinceramente eu acho até bom, pode acreditar, eu acho até
melhor. Porque ela é, vamos dizer, ela lubrifica mais e ...
E: Quando foi que você começou a usar camisinha?
J: Olha, uns 4 anos pra cá!
E: E em todas as suas relações você usa camisinha?
J: Olha, nem todas. Não vou mentir.
f;: Claro... Qual o número de relações que você teve sem camisinha?
O homoerotismo diante da AIDS 179
J: Tive algumas que eu niio transei com camisinha... Mas sempre que posso eu
tram·o com camisinha.
E: Me fala uma coisa, com quantos outros parceiros você teve relações de risco?
Alguma vez você levou porra no cu nesse período que você não estava usando
camisinha?
J: Olha, eu creio que sim.
E: Quantas vezes mais ou menos?
J: Só uma.
E: Você pode me descrever?
J: Foi assim, eu tava naquele orgasmo e af aconteceu, plJ, eu fiquei logo com
tiOjo e me lavei bastante.
E: Foi com e~se rapaz de X [a cidade da Europa]?
J: Foi.
E: Então, foi depois do teste?
J: Foi.
E: E depois disso, você não fez outro teste7
J: Não!
Nos casos 3, 4, 9 e 12, por motivos um pouco diversos, vemos esse tipo
de conduta exprimir-se. No caso 3, C diz: "É como eu te disse, um mês e
meio, dois meses sem transar, aí o corpo não agüenta va mais, eu ia transar
de novo." No caso 4, D diz que está disposto a sacrificar as mcdidao; de
prevenção, caso isso implique na possibilidade de encontrar um parceiro
que satisfaça suas expectativas de relação amoros&, sexual e afetiva. D diz:
"eu deveria nunca terfeito, mas eu acho que tipo assim... a gente não pode
se privar tanto de sexo, a gente vai morrer neurótico... " No caso 12, N
diz: "A minha vida sexual rdepois da AIDS] continua a mesma... Não
penso em fazer teste nenhum. Esse tipo de parceiro ... eu tenho sempre que
vou ao Aterro... esse tipo de parceiro promíscuo. Eu sempre vou ao Aterro
gozar na boca deles, que eu não vou tirar... não vou gozar fora ... né! já
que eles estão ali, correndo o risco, chupando um e outro ... Não há porque
se preocupar de gozar ou não na boca dele!"
Cada um dos sujeitos, a seu modo, justifica o risco corrido em função
de diversos motivos. C eJ alegam ceder às demandas do corpo ou à tensão
psíquica resultantes da privação sexual ; D afirma não poder suportar o
estado de privação afetiva e o isolamento emocional decorrentes da vida
clandestina que leva: N. finalmente, apóia sua atitude no mais explícito
preconceito, considerando que os promíscuos não merecem ser poupados
do risco de infecção. Naturalmente, pode-se dizer que todas essas condutas
nada mais são que formas de passagem a ato, de irrupções da fantasia
sexual de cada um, que. rompendo com o recalque, mostram a dinâmica
da transgressão.
A explicação, corrente em boa parte da literatura psicanalítica, parece-
me insuficiente ou desinteressante, por duas principais razões. Em primei-
ro lugar, porque recorre à forma estereotipada e equivocada de pensar que
todo "homossexualismo" é uma expressão particular da perversão. No
trabalho sobre ética conjugal, neste volume, discutimos, com detalhes, a
inconsistência do argumento. No momento, basta recordar que o ponto de
partida dessa concepção é o de que existe ''uma homossexualidade' ', idéia
que nos parece inaceitável pelas razões já dadas. Em segundo lugar, porque
sugere que a força da moção pulsional ou da fantasia sexual inconsciente,
por si só, justifica a passagem ao ato. Ora, a afirmação é plausível mas
trivial. A "força da sexualidade" também está presente nos indivíduos que
estabilizaram suas identidades homoeróticas segundo os modelos gay ou
oitocentista sem que isso os conduzisse a passagens ao ato do mesmo
gênero. Mais importante em nossa opinião é observar o que pode fazer
com que impulsos sexuais semelhantes tenham destinos diversos. Pensa-
188 A inocência e o vício
Conclusão
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O homoerotismo diante da AIDS 193
lir ao
que clzamam~~de ' 't t ÚIIIU.J.lC, II.U.W .>IIlll IIU lfflgua
corrente. A escolha é justificada tt.•rmcamt:nte
porque, como entende o aurm;
"homossexua!tdade" ou ''homossc:xualúmo" são
palafiTas que remetem ao vocabuldrio do .rc.iulo
XIX, e repeti-las hoje sigm/ú."ll tYmtiml(lr
pensando, falando e agindo emocionalmmft' com
a crença de que existem uma se~7ttt!itlrtdt· t' um
tipo humanos "homossexuais'', tiulc1Jc'llllmtt!.f do
hábito 1/ngüfstico que os núm.
Para examinar a construção historim dt1 Ai:um do
"homossexual", o autor percorre''·' o(m1.r de·
Gtde, Proust, Baltac, Wrlde e OllfnJ.I c'll 't/tm~ ·J do
século XIX, periodo em que se· jíimou no
imaginário social a noção de· 1111ut
"personalrdade" ou "perfil psico!dgtm "mmum t i
"todos os homossexuais", tal como t~~iulu ,,.
acredita hoje em dtit.
Relacionando o seu estudo com t1 tfUI'''''" da
AIDS, }urandir Freire Costa condm t/lfl' ,, 171'1/ftl
na existência de uma ''se~ta!itladt · llflmo"I'Wtt!"
condtdona negativamentc· t1 rt'l/lfllftltflfc' t J.r
SUjeitOS lzomoerotfcamente indiÍirltflll t ftltl riO 11:\tYI
de infecção pelo t'm'' ///1 ·
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