Você está na página 1de 9

Osvaldo Pessoa Jr.

Neste artigo, exploramos o significado das representações pictóricas de orbitais atômicos e moleculares
apresentadas em textos didáticos de Química. Salientando a existência de diferentes interpretações da teoria
quântica, algumas mais realistas, outras mais positivistas, sugerimos que diferentes avaliações do significado
das representações pictóricas podem ser adotadas no caso de átomos com um único elétron. Para o caso de
átomos multieletrônicos, descrevemos uma recente controvérsia a respeito da observabilidade de orbitais em
ligações covalentes


interpretação, orbital, representação pictórica, teoria quântica

Recebido em 10/10/06; aceito em 18/10/07

25

A
fora o modelo atômico de orbitais moleculares. Sem maiores na Figura 2 exprimem a “probabili-
Bohr, a teoria dos orbitais mo- esclarecimentos a respeito da natu- dade, ou possibilidade relativa, de um
leculares é o primeiro contato reza dessas nuvens, utilizam-nas para elétron se encontrar em um dado
que o aluno de Ensino Médio costu- explicar vários tipos de ligações do lugar dentro do átomo [...]. A intensi-
ma ter com a Física Quântica. Isso é átomo de carbono. Até que ponto tal dade de sombreamento mostra a
feito por meio de uma representação representação corresponde à realida- probabilidade relativa de localizar o
pictórica 1 dos orbitais atômicos e de? elétron” (p. 55).
moleculares. A Figura 2, retirada de outro texto Em alguns textos mais recentes de
A Figura 1 (Aichinger; Mange, do Ensino Médio (Sienko; Plane, Ensino Médio, um cuidado maior é
1980, v. 2, p. 2-13) é uma represen- 1980), representa a chamada ligação dispensado na contextualização do
tação visual de um átomo de carbono, π envolvendo dois orbitais atômicos modelo dos orbitais em conceitos da
na conformação adotada em ligações p, como ocorre no acetileno. Segundo Física Quântica. A Figura 3 (Feltre,
triplas, como no gás acetileno C2H2. a explicação dos autores, “o orbital 1996) é uma representação visual dos
O que são os curiosos “balões” com molecular formado consiste de duas orbitais p de um átomo de flúor, no
as etiquetas p e sp? Os autores os nuvens eletrônicas com forma de qual o sombreamento dos orbitais
apresentam como “nuvens eletrôni- salsicha” (p. 90). Esclarecem da se- atende apenas a motivos estéticos.
cas”, que fazem parte de um modelo guinte maneira a natureza dos “ba- Anteriormente, o autor apresenta um
molecular específico: o modelo dos lões” que representam as “nuvens breve relato histórico do “princípio da
eletrônicas”: os pontos que aparecem dualidade partícula-onda” (e também
do princípio da incerteza), no qual ex-
plica:
Segundo o modelo dos orbi-
tais, o elétron é uma partícula-
onda que se desloca (ou vibra)
no espaço, mas com maior
probabilidade dentro de uma
Figura 1: Orbitais híbridos “sp” e orbitais esfera (orbital) concêntrica ao
puros “p”, responsáveis respectivamente Figura 2: A combinação dos orbitais atô- núcleo. Devido à sua velocida-
por ligações mais fortes (σ) e mais fracas micos p de dois átomos forma o orbital de, o elétron fica como que ‘es-
(π). molecular alongado p.

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Entidades quânticas na Química N° 7, DEZEMBRO 2007
parramado’ dentro do orbital, ton, 1957, p. 288). Como aponta Par- las mais complexas, aproximações
assemelhando-se, então, a tington, Kekulé de fato se enganou ao teriam que ser introduzidas. Para um
uma ‘nuvem eletrônica’. (p. 75) não reconhecer a prioridade de átomo único com mais de um elétron,
Frankland. um método de aproximações suces-
Em algumas representações pic-
Em 1916, o norte-americano Gil- sivas para a construção de funções
tóricas, os orbitais atômicos e mole-
bert Newton Lewis apresentou a teoria de onda foi iniciado por Douglas
culares são visualizados como algo
eletrônica da valência, que partia da Hartree e aperfeiçoado por Vladimir
fluido, homogêneo e suave, como
teoria do átomo de Bohr. Supôs que Fock e John Slater, em torno de 1930
uma nuvem uniforme e contínua. Em
a camada externa de gases nobres (Berry, 1966, p. 290). Para moléculas,
outras figuras, a nuvem é composta
tem oito elétrons e que, em outros áto- a abordagem de Heitler e London foi
de pontinhos separados, que repre-
mos, há uma tendência a se comple- desenvolvida por Slater (1929) e mais
sentariam os elétrons como partícu-
tar os oito elétrons por meio (i) do ga- extensamente por Linus Pauling
las. Devemos levar a sério tais repre-
nho ou da perda de elétrons externos, (1931) no “método da ligação de va-
sentações, ou seja, elas correspon-
formando íons negativos ou positivos, lência”, que considera que pares de
dem parcialmente ou integralmente a
numa ligação “iônica”, ou (ii) do com- elétrons se localizam entre dois
algo no mundo real? Ou devemos
partilhamento de pares de elétrons átomos de uma molécula. Um méto-
encará-las apenas como um auxílio
com outros átomos, formando ligação do diferente, que não considera que
para a memorização da teoria das
“covalente”. Seu compatriota, Irving os elétrons estejam localizados, mas
ligações químicas, instrumento com
Langmuir (1919), estendeu a teoria distribuídos em “orbitais moleculares”
o qual podemos prever e explicar pro-
para átomos mais pesados, com a que se estendem por toda molécula
priedades de diferentes moléculas?
ligação “dativa” (Partington, 1957, (o que é mais próximo do espírito do
O início da Química Quântica p. 361-369). método de Hartree-Fock), foi propos-
A capacidade explicativa da Quí- to em 1929 por Friedrich Hund e Ro-
A teoria das ligações químicas ba-
mica aumentou ainda mais a partir de bert Mulliken. Ambos os métodos (de
seada no conceito de valência surgiu
1927, com a formulação de um novo Pauling e de Mulliken) coexistiram por
por volta de 1852, com o inglês
26 arcabouço teórico para descrever a várias décadas, apesar de o último
Edward Frankland. Ela foi estendida
física dos átomos, a chamada Mecâ- acabar sendo considerado superior
pelo alemão Friedrich August Kekulé
nica Quântica, conforme apresenta- (Brush, 1999, p. 44-45, 285-292; Si-
que, em 1857, estabeleceu a quadri-
remos na próxima seção. Com essa mões; Gavroglu, 2001).
valência do carbono, proposta inde-
nova teoria, o dinamarquês Øyvind
pendentemente pelo escocês Archi- Elementos de teoria quântica
Burrau descreveu o caso simples da
bald Couper no ano seguinte. Traba-
molécula ionizada de hidrogênio H2+, Para tentar responder às questões
lhando em Gent, na Bélgica, o alemão
que possui apenas um elétron. Se- levantadas no início do texto, vamos
descobriu que a molécula de benzeno
guindo os passos da teoria do átomo agora considerar algumas questões
C6H6 é constituída por uma cadeia cí-
de hélio de Heisenberg (que envolve conceituais e filosóficas relacionadas
clica de seis átomos de carbono. Mais
dois elétrons correlacionados), Walter com a teoria quântica3.
tarde, Kekulé anunciou: “Salvo enga-
Heitler e Fritz London (1927) conse- Uma boa maneira de apresentar
no, fui eu quem introduziu a idéia da
guiram formular a teoria quântica da a Física Quântica é por meio do expe-
atomicidade dos elementos na Quí-
molécula de hidrogênio. Um conceito rimento da dupla fenda para um
mica [...] a natureza dos radicais e de
novo que surgiu nesses trabalhos foi elétron único4. Nesse experimento de
seus compostos deve ser derivada da
o de “energia de troca”, responsável interferência (quer seja de luz ou de
natureza dos átomos” (apud Parting-
pela estabilidade da molécula de elétrons), observam-se franjas na tela
hidrogênio2. detectora (Figura 4a), com máximos
Para estender a teoria quântica e mínimos de intensidade, explicados
das ligações químicas para molécu- pela suposição de que há ondas que

Figura 3: Representação de um átomo


isolado de flúor, onde cada setinha repre- Figura 4: (a) Experimento da fenda dupla, no qual o padrão de interferência sugere uma
senta um elétron com certa orientação de representação em termos de ondas; (b) formação ponto a ponto do padrão de
“spin”. interferência.

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Entidades quânticas na Química N° 7, DEZEMBRO 2007
se superpõem de maneira construtiva mensão 5, precisaríamos de cinco representação pictórica da natureza,
ou destrutiva. Se o processo de for- estados mutuamente ortogonais). Há mas o que acontece de fato é que há
mação das franjas puder ser acompa- assim uma espécie de simetria, cha- muitas propostas diferentes de como
nhado em detalhe, o que se observa mada “simetria de representação”, interpretá-la, algumas inclusive rejei-
é a formação gradual do padrão pelo em que nenhuma base é privilegiada. tando que se possam utilizar repre-
acúmulo paulatino de pontos (Figura No entanto, durante o processo de sentações visuais.
4b). Todos concordam que um elétron medição, uma dessas bases se torna É curioso que a Mecânica Quânti-
ou fóton (quantum de luz) é medido privilegiada. Na Figura 5, é a base ca foi descoberta a partir de duas
em uma posição bem definida. No |+z〉, |-z〉. Se exprimirmos o estado abordagens diferentes5. A “Mecânica
entanto, será que o elétron ou o fóton do átomo nessa base, fica fácil cal- Matricial”, dos alemães Werner Hei-
sempre tiveram uma posição bem cular as probabilidades de se obter senberg, Max Born e Pascual Jordan,
definida enquanto se propagavam em os diferentes resultados possíveis punha ênfase na correta descrição
direção à tela fosforescente? Nesse (que é |c1|2 e |c2|2). Assim, a escolha dos resultados de medição, sem se
ponto, há discordância entre as inter- da base de representação não signi- preocupar com a visualização de uma
pretações, como veremos na seção fica que essa base seja privilegiada realidade que explicaria intuitivamente
seguinte. no sistema antes da medição, mas é esses resultados. Essa ênfase exclu-
Outro experimento importante foi apenas uma estratégia para facilitar siva nas observações pode ser cha-
realizado em Frankfurt, em 1921, por os cálculos, exprimindo quais são os mada de positivismo (ou mais preci-
Otto Stern e Walter Gerlach. Passando “auto-estados” associados à medi- samente “instrumentalismo”6). Por
um feixe de átomos de prata por um ção que será feita. outro lado, o austríaco Erwin Schrö-
campo magnético não homogêneo, dinger derivou - a partir da idéia do
observaram que os átomos são Interpretações da teoria quântica francês Louis de Broglie de que toda
detectados em dois pontos separa- Até aqui, neste artigo, menciona- matéria oscila como uma onda - a
dos e não em um contínuo de pontos mos representações pictóricas (como chamada “Mecânica Ondulatória”,
como seria de se esperar na Física as das Figuras 1, 2, 3) e represen- que fornecia um retrato intuitivo da
Clássica (Figura 5a). tações matemáticas (como a da Figu- realidade do mundo microscópico.
27
Quando um átomo é detectado no ra 5b). Uma diferença entre as duas Esse retrato permitia uma visualiza-
ponto de cima, diz-se que ele foi é que as primeiras procuram repro- ção não só dos resultados das medi-
medido no estado |+z〉, e intuitiva- duzir o aspecto visual do objeto, ao ções, mas também da realidade que
mente pensa-se em uma setinha passo que as segundas são mais estaria por trás das observações, uma
apontando para cima, no sentido +z, abstratas. Concentrando-nos na re- realidade que seria parecida com as
como na Figura 3. Quando o átomo presentação pictórica, não está claro ondas que intuímos na Física Clássi-
aparece em baixo, diz-se que ele foi no que consistiria o “aspecto visual” ca. Por essa razão, tal abordagem
medido no estado |-z〉, e a setinha de átomos e moléculas, já que eles pode ser classificada como realista.
aponta para baixo (a curiosa notação são entidades tão diminutas. O que No período 1927-32, pelo menos
“|...〉” para um estado quântico foi a teoria quântica teria a dizer sobre quatro “interpretações” diferentes fo-
introduzida por Paul Dirac). isso? O que é um átomo na realidade, ram propostas para a teoria quântica.
Antes da medição, porém, o áto- por trás dos traços luminosos e mar- 1) As interpretações ondulatórias
mo único foi preparado em uma su- cações de ponteiro que obtemos no realistas, imaginadas por Schrödinger
perposição desses dois estados, que laboratório? Para além das previsões e por alguns outros cientistas, tinham
podemos imaginar como uma setinha feitas pela Física Quântica, o que ela diversos aspectos contra-intuitivos
apontando no sentido +x, de tal for- nos diz sobre a melhor maneira de como, por exemplo, a necessidade
ma que |+x〉 = c1 |+z〉 + c2 |-z〉, no representar átomos e moléculas? de postular “colapsos não-locais”.
qual c1 = c2 = 1/√2. Qualquer estado Uma resposta a essa pergunta con- Uma onda que se espalhasse no es-
de momento angular do átomo pode siste numa “interpretação” da teoria paço poderia subitamente se concen-
ser representado a partir desses dois quântica. Esperaríamos, talvez, que trar em uma região pequena, em tor-
estados em z, apenas variando os essa teoria nos fornecesse uma única no de um detector, violando a noção
valores dos números complexos c1 e
c2, sujeitos à condição de normali-
zação |c1|2 + |c2|2 = 1. De maneira
análoga, qualquer estado pode ser
representado como uma superposi-
ção da base |+x〉, |-x〉. Qualquer
estado (indicado por uma seta grossa
na Figura 5b) pode ser representado
como a superposição de qualquer par
de estados ortogonais (nosso siste- Figura 5: (a) Experimento de Stern-Gerlach; (b) representação vetorial de um estado
ma tem dimensão 2; se tivesse di- quântico, expresso a partir de duas bases diferentes.

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Entidades quânticas na Química N° 7, DEZEMBRO 2007
de que todo efeito físico se propaga lista. Paralelamente a essa tradição destrutiva).
no máximo com a velocidade da luz. pequena, mas ruidosa, um grande Vemos que as interpretações rea-
2) Havia também uma interpreta- número de físicos adotou mais silen- listas dão uma resposta clara a per-
ção dualista realista, proposta por de ciosamente o lema de que “a Mecâ- guntas que se referem a situações
Broglie, segundo a qual um elétron, nica Quântica é uma teoria apenas que não são observadas. Antes da
por exemplo, seria constituído de uma estatística”, dentro de uma postura detecção, um partidário da visão 2
partícula, que é observada nas medi- positivista. Parece-me inclusive que, dirá que não sabe onde o elétron está,
ções, e de uma onda associada, res- com o declínio da interpretação de mas tem certeza que está bem locali-
ponsável por efeitos tipicamente Copenhague após 1970, essa visão zado em algum lugar. O realista se-
ondulatórios como a “difração” e a corpuscular positivista dos coletivos para o ser das coisas (a existência
“interferência”. Essa interpretação, ao estatísticos tem se tornado a preferida das coisas - “ontologia”) do conheci-
que parecia, não tinha o problema entre os físicos profissionais. mento das coisas (“epistemologia”).
dos colapsos não-locais, mas acaba- 4) O dinamarquês Niels Bohr for- Já o positivista tende a juntar ambos.
va postulando a existência de “ondas mulou em 1928 uma interpretação de Para o positivista, na ciência, só faz
vazias”, que não carregariam energia cunho positivista que acabou se tor- sentido falar de coisas que podemos
e poderiam não ser detectáveis. Dian- nando a ortodoxia na Física Quântica, conhecer. Para a pergunta sobre se
te de diversas críticas, feitas especial- a chamada “interpretação de Cope- o elétron tem posição bem definida
mente pelo austríaco Wolfgang Pauli, nhague”, baseada no conceito de antes da medição, o positivista res-
de Broglie abandonou sua visão rea- “complementaridade”. Essa visão é ponde que essa pergunta não tem
lista em 1928. basicamente positivista, mas em vez sentido, é mal-formulada ou está para
3) Na década de 1920, a postura de se prender apenas ao que é obser- além do escopo da ciência.
positivista na ciência era bastante for- vado, salienta que, para entender um 3) Para o positivismo corpuscular
te, e uma atitude natural diante da Físi- experimento em Física Quântica, dos coletivos estatísticos, a teoria quân-
ca Quântica era atribuir realidade após o seu término, devemos usar ou tica só se aplicaria para o diagrama da
apenas ao que era observado, por um quadro corpuscular ou um quadro extrema direita da Figura 4b (ou para
28 exemplo, aos pontos descontínuos ondulatório, apesar de nunca ambos o limite de infinitas detecções) e não
deixados pela passagem de uma par- simultaneamente. Assim, essa inter- para os diagramas que contêm pou-
tícula carregada em um detector cha- pretação pode ser classificada como cos pontos, como os da esquerda.
mado “câmara de nuvem”. A teoria dualista positivista. Essa visão é Não faz sentido perguntar o que está
quântica falava em uma “função de positivista porque não devemos as- acontecendo antes da detecção. O
onda ψ”, mas para eles essa “onda sociar nenhum modelo mental pictó- fato é que a teoria quântica é um ex-
de probabilidade” deveria ser vista rico antes do fim do experimento, mas celente instrumento, testado exausti-
apenas como uma entidade matemá- ela tem um elemento de realismo, vamente, para prever o comporta-
tica que, seguindo a regra introduzida pois após o término do experimento, mento estatístico de entidades mi-
por Max Born em 1926, forneceria a podemos fazer uma extrapolação croscópicas.
probabilidade de se detectar uma par- para o que aconteceu no passado. 4) O dualismo positivista da inter-
tícula em certa posição. Se pergun- Vejamos agora como essas qua- pretação de Copenhague considera
tados “qual a realidade de um elé- tro interpretações tratam do experi- que o experimento da dupla fenda é
tron”, diriam que essa pergunta “não mento da dupla fenda para elétron um “fenômeno ondulatório”, de forma
tem sentido”, a não ser que ela fosse único, ilustrado na Figura 4. que podemos associar um quadro
reformulada para a pergunta “como 1) A visão ondulatória realista dirá mental da Física Ondulatória Clássica
o elétron aparece quando ele é me- que o elétron se propagou como uma para entendê-lo. Nesse quadro, não
dido” e, nesse caso, a resposta seria onda, o que explica as franjas de inter- se coloca a questão por qual fenda
que ele aparece de maneira pontual. ferência. Para explicar porque ele passou o elétron, pois isso só deve
Heisenberg defendeu uma visão cor- aparece como um ponto na tela ser perguntado para fenômenos cor-
puscular positivista em 1927. detectora, dirá que a onda “sofreu um pusculares. Se perguntado como, em
A partir de 1929, surgiu com John colapso”, tornando-se pacote de um quadro ondulatório, pode-se ex-
Slater a noção de que a Mecânica onda muito comprimido. plicar o aparecimento de pontos na
Quântica seria uma teoria intrinseca- 2) A visão dualista realista consi- tela, Bohr diria que isso se deve a um
mente estatística, que só descreve dera que o ponto na tela é devido à princípio ainda mais fundamental da
um coletivo (ensemble) de partículas presença ali do corpúsculo do elétron, teoria quântica, o chamado “postu-
ou quanta e não um indivíduo. Essa que seguiu uma trajetória contínua, lado quântico” de Max Planck.
tradição buscou uma posição mais passando por apenas uma das fen-
realista, envolvendo autores como das. Para explicar as franjas de inter-
Interpretando os orbitais de um
Popper, Blokhintsev, Margenau, Lan- ferência, consideram que a partícula átomo com um único elétron
dé e Ballentine (1970), sendo que es- é guiada por uma “onda piloto”, como Retornemos agora às questões
se último autor argumenta que até um surfista que só desliza onde há formuladas no início do artigo. Qual
Einstein se filiaria a essa postura rea- ondas (e não onde a interferência é a maneira correta de encarar os

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Entidades quânticas na Química N° 7, DEZEMBRO 2007
orbitais que são representados regidos pelo terceiro número quântico dos quânticos: o importante é exprimir
pictoricamente nos textos de Quí- mA. um estado qualquer do subnível 3d
mica? Nossa discussão sobre as Para a Mecânica Ondulatória, um como uma superposição em uma
interpretações da teoria quântica estado de um elétron é representado base de cinco estados ortogonais.
sugere que não há uma maneira única pela chamada “função de onda”
de encará-los! No final desta seção, ψ(x,y,z), que corresponde a um certo
veremos como os quatro pontos de estado |ψ〉 na notação de Dirac (ver
vista a respeito do experimento da Pessoa, 2003, p. 69). O módulo
dupla fenda são aplicados para quadrado |ψ(x,y,z)|2 fornece a função
explicar os orbitais eletrônicos. de probabilidade de se encontrar um
Para iniciar a discussão, devemos elétron nos diferentes pontos x,y,z, ou
considerar um sistema de apenas um a “densidade eletrônica”.
elétron, como o átomo de hidrogênio. Para exemplificar, tomemos como
O primeiro fato a ser explicado a res- nosso sistema de estudo o subnível
peito desse átomo (e de qualquer 3d do átomo de hidrogênio. Para esse
outro átomo ou molécula) são suas sistema, os livros didáticos mencio-
“linhas espectrais”: quando energia nam que há cinco orbitais, conforme
é fornecida aos átomos, luz é emitida aparecem na Figura 6 (obtida de
em apenas algumas freqüências bem Aichinger; Mange, 1980, v. 1, p. 7-14)
definidas, justamente as mesmas li- e recebendo os nomes indicados.
nhas que são absorvidas pelos áto- Uma representação um pouco dife-
mos quando são iluminados por luz rente é apresentada na Figura 7, mo-
de espectro contínuo. No início do sé- dificada de um texto universitário de
culo XX, a idéia era que os átomos Física Moderna (Eisberg; Resnick,
(ou seus elétrons) vibrariam com a 1979, p. 324), no qual a representa-
mesma freqüência que a luz absorvi- ção do subnível 3d aparece ao lado
29
da e emitida. Isso mudou com o mo- de outras densidades eletrônicas
delo quântico para o átomo de Bohr para o átomo de hidrogênio. Cada
(1913): a luz absorvida ou emitida uma das figuras é um “auto-estado
corresponderia à diferença de energia de energia” do sistema, significando
entre dois estados atômicos. que cada estado é estacionário, ou
No modelo de Bohr, cada estado seja, se o elétron está inicialmente
atômico discreto se associaria a uma nesse estado, ele permanece nele
energia bem definida do elétron, que indefinidamente7.
se situaria em uma órbita estacionária Segundo o princípio quântico de
a certa distância do núcleo. Para o superposição, que tocamos ao anali-
átomo de hidrogênio, identificam-se sar a simetria de representação na
níveis de energia básicos numerados Figura 5, dados dois estados possí-
por n = 1, 2, 3 etc. A Mecânica Ondu- veis de um sistema, sua soma ponde-
latória aperfeiçoou a descrição des- rada geralmente também é um esta-
ses estados, introduzindo dois outros do possível. Isso significa que o esta-
números quânticos. Um deles está do do elétron pode ser uma soma de
associado ao momento angular do dois ou mais dos estados represen-
elétron, representado pelas letras s, tados na Figura 7. Considerando o
p, d, f etc. ou pelos números A = 0, 1, subnível 3d, um elétron pode estar no
2, 3 etc. Os subníveis de um átomo estado |dxy〉 ou no estado |dx2-y2〉. Ou
de hidrogênio corresponderiam então então, pode estar no estado super-
aos estados 1s, 2s, 2p, 3s, 3p, 3d, posto (1/√2)|dxy〉 + (i/√2)|dx2-y2〉, que
4s, 4p, 4d, 4f etc., mas a energia de é um auto-estado do componente de
cada nível, na ausência de campos momento angular, correspondendo
externos, seria dada apenas por n. Já ao número quântico mA = 1. Assim,
em átomos com mais de um elétron, uma diferença entre as Figuras 6 e 7
os subníveis s, p, d, f etc. têm energia é que os estados utilizados pelos quí-
diferente, devido à influência dos micos não são todos auto-estados do
outros elétrons. Quando colocado em momento angular, como os dos físi-
um campo magnético externo, esses cos. No entanto, já vimos que não é Figura 6: Orbitais 3d, segundo a repre-
subníveis se desdobram mais ainda uma diferença importante, dada a sentação em textos didáticos de Química,
no chamado efeito Zeeman normal, simetria de representação dos esta- feita a partir das distribuições angulares.

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Entidades quânticas na Química N° 7, DEZEMBRO 2007
Há um detalhe que é mais fácil de pondem àquilo que é observado
visualizar na Figura 7 do que na 6. experimentalmente (em analogia com
Para um dado n e A, a soma dos auto- os auto-estados na direção z da
estados resulta numa distribuição Figura 5b). Alguns cientistas argu-
esfericamente simétrica. Por que isso mentam que o papel da medição, no
não é visível na representação de caso das transformações químicas,
“balões” da Figura 6? O que ocorre é é desempenhado pelo ambiente (ver
que as figuras dos textos de Química Primas, 1983).
não representam a distribuição radial No entanto, afinal, qual é o signifi-
R2nA(r) da densidade eletrônica (que cado dos orbitais? Conforme já adian-
no estado 3s, por exemplo, tem três tamos, isso vai depender da interpre-
máximos, como se vê na Figura 7), tação adotada! Todos concordam
mas apenas a distribuição angular que, se pudéssemos medir a posição
ϑ2Am(q). exata de um elétron no átomo, a
Um ponto importante é que, para probabilidade de encontrar os dife-
qualquer orbital pz, a distribuição an- rentes valores possíveis seria dado
gular ϑAm(θ) da função de onda ψpz é por |ψ(x,y,z)|2, ou seja, pelo grau de
cosθ, o que em coordenadas esféri- sombreamento na Figura 7. Entretan-
cas resulta em um círculo (ver os “hal- to, o que significa esse estado quân-
teres” em Aichinger; Mange, 1982, tico quando ninguém faz uma medi-
v. 1, topo da p. 7-13, e a Figura 8, obti- ção de posição do elétron? A “nuvem
da de Levine, 1991, p. 137). No entan- eletrônica” existe como tal quando
to, ao exprimirmos a densidade de ninguém está observando? A função
probabilidade (densidade eletrônica) de onda ψ(x,y,z) tem alguma reali-
|ψpz|2, sua distribuição angular ϑ2Am(θ) dade?
30 = cos2θ resulta em balões alongados 1) Para a interpretação ondulatória
como os da Figura 3. Outra maneira realista, o elétron não observado no
de representar orbitais é por meio da átomo seria uma espécie de fluido
superfície de contorno de densidade homogêneo, com a carga distribuída
de probabilidade constante, que se homogeneamente, ponderada de
aproxima da Figura 7 (Levine, 1991, acordo com a função |ψ(x,y,z)| 2.
p. 136-140). Isso indica que os orbi- Algumas interpretações falam em
tais (balões alongados) desenhados uma “onda de probabilidade”, uma
nos livros didáticos representam a “potencialidade” objetiva que teria um
distribuição angular da densidade estatuto de realidade diferente das
eletrônica e não da função de onda. “atualizações” a que estamos acostu-
Outra questão é entender a “hibri- mados no mundo macroscópico (es-
dização”, apresentada na Figura 1 no sa terminologia é oriunda de Aristó-
chamado caso sp. Para tanto, consi- teles).
deremos como nosso sistema o nível 2) A interpretação dualista realista
2 do átomo de carbono, envolvendo tem uma concepção curiosa a respei-
os subníveis 2s e 2p. Esse sistema to desses estados. Quando a função
tem dimensão 4, como se depreende de onda ψ(x,y,z) só envolve números
da Figura 7, na qual está indicada a reais, como nos estados com mA = 0
base envolvendo os estados ortogo- (para a expressão matemática das
nais |2s〉, |2px〉, |2py〉 e |2pz〉. Ora, funções de onda, ver Eisberg; Res-
qualquer estado de nível 2 de um nick, 1979, p. 312, ou Levine, 1991,
átomo pode ser representado como p. 135), essa interpretação prevê que
superposição de outra base ortogo- o corpúsculo (o elétron) permanece
nal, como |2sp+x〉, |2sp-x〉, |2py〉 e parado! Essa foi uma das razões que
|2pz〉, na qual os estados híbridos deixou Einstein insatisfeito com a
podem ser definidos como |2sp±x〉 = teoria de Bohm. Quando a função de
|2s〉 ± |2px〉. Se ambas as represen- onda inclui um número imaginário i
tações são equivalentes, qual é a van- (raiz de -1), essa interpretação prevê
tagem da base com hibridização? A que o corpúsculo se movimenta em
Figura 7: Representação visual dos esta- vantagem é que, após a ligação uma órbita em torno do núcleo. Em
dos estacionários do elétron em um áto- química, são esses auto-estados (da ambos os casos, porém, não esque-
mo de hidrogênio. base com hibridização) que corres- çamos que há também um “potencial

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Entidades quânticas na Química N° 7, DEZEMBRO 2007
quântico” associado, ou seja, uma incerteza).
onda piloto.
A interpretação dos auto-estados
A recente controvérsia sobre a
de energia da Figura 7 é feita de ma- observação de orbitais
neira direta pelas visões realistas. Em 1999, químicos da Universi-
Pode-se discordar dessas interpreta- dade Estadual do Arizona (Zuo e col.,
ções, especialmente com base em 1999) obtiveram imagens de alta
problemas que se tornam agudos resolução da densidade eletrônica de
para duas ou mais partículas intera- um átomo de cobre em um cristal de
gentes, mas as visões realistas se cuprita Cu2O, combinando informação
adaptam bem a representações pic- obtida por difração de raios-X e por
tóricas como as da figura. Já para as difração de feixe convergente de elé-
visões positivistas, tais figuras são vis- trons. A Figura 9 é uma reconstrução Figura 8: Distribuição angular da função
tas mais como um auxílio didático do tridimensional da imagem bidimen- de onda do orbital pz, com forma de “hal-
que como uma representação de sional obtida - após sofisticado trata- teres”.
átomos. mento de dados -, na qual as regiões
3) O positivismo corpuscular não em azul representam uma densidade interpretações ortodoxas da teoria
diz nada além do que todos concor- eletrônica mais baixa, correspondendo quântica (numeradas 3 e 4 nas seções
dam. Se fizéssemos uma série de me- a um “buraco do orbital d”, na direção anteriores), é apenas uma construção
dições de alta resolução da posição da ligação covalente Cu-O. Essa matemática, não podendo ser obser-
do elétron em diferentes cópias do áto- diminuição da densidade é explicada vada. O que pode ser observado é a
mo de hidrogênio, cada qual prepa- por uma “hibridização” dos estados densidade eletrônica que, segundo a
rada no mesmo estado, obteríamos 3dz2 e 4s, associada a uma ligação teoria quântica, corresponde a |ψ|2.
uma distribuição de posições pontuais metálica mais intensa entre os átomos (ii) Orbitais atômicos como dz2, rigo-
que se pareceria com uma “nuvem de cobre da rede cristalina (indicados rosamente falando, são estados de um
eletrônica” da Figura 7. Isso explica pelas regiões vermelhas da figura). único elétron sem interação com outros
31
porque os orbitais são desenhados por Para os autores, “a correspondên- elétrons. Em átomos de muitos elé-
meio de pontos, como na Figura 2. cia entre nosso mapa experimental e trons, estes se tornam correlacionados,
4) A interpretação de Copenhague os diagramas clássicos dos orbitais dz2 e não se pode atribuir um estado sepa-
é basicamente positivista, mas ela con- esboçados nos livros didáticos é rado para cada elétron. No entanto,
serva alguns traços realistas, dentre notável” (Zuo e col., 1999, p. 51). Na para esses sistemas, existem um
eles a tese (condizente com seu dua- mesma edição da Nature, um comen- método de aproximação, o de Hartree-
lismo) da simetria das representações tador declarou que “a forma clássica Fock, que supõe que os elétrons
(como na Figura 5b): representar um dos orbitais eletrônicos, dos livros di- ocupam orbitais bem definidos, para
estado atômico como uma soma (in- dáticos, foi agora diretamente obser- em seguida calcular as correções
tegral) de auto-estados de posição vada [...] a qualidade dos mapas de introduzidas pelos outros elétrons (ver
seria equivalente a uma soma de auto- densidade de carga permitem, pela discussão em Jenkins, 2003). Assim,
estados de energia (ou de momento). primeira vez, que um ‘retrato’ experi- a noção de orbital atômico pode ser
Como geralmente se mede a energia mental direto fosse tirado da forma
de um átomo, é preferível usar uma complexa do orbital dz2” (Humphreys,
base de representação de auto- 1999, p. 21). O título do artigo de Zuo e
estados de energia, como os das col. é “Observação direta de buracos
Figuras 6 ou 7. Questões relevantes de orbitais d e ligação Cu-Cu em
surgem no caso em que o estado inicial Cu2O”, e o do comentário de Hum-
do átomo for uma superposição de phreys, “Elétrons vistos em órbita”.
estados com energia distintas (ver Essas afirmações levaram alguns
Pessoa, 2003, p. 121-125). Para o autores a protestarem, em especial Eric
dualismo positivista, se medirmos a R. Scerri, filósofo da Química que tra-
energia do átomo, diremos que o áto- balha na Universidade da California,
mo sempre teve energia bem definida em Los Angeles. Nas páginas do Jour-
(pois o “estado superposto” é apenas nal of Chemical Education, Scerri e o
uma representação matemática), e não grupo de Arizona travaram um impor-
faria sentido atribuir uma posição bem tante debate. O argumento de Scerri
definida ao elétron. Entretanto, se (2000) envolve a superposição de dois
medíssemos a posição do elétron, este pontos distintos, que busco destrinchar
não poderia ser visto como tendo e esclarecer abaixo: Figura 9: Mapa de densidade eletrônica
momento e energia bem definidos (i) O termo “orbital” designa uma em Cu2O, segundo Zuo e col. (1999).
(isso é expresso pelo princípio de função de onda ψ que, segundo as Fonte: Arizona State University, Tempe.

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Entidades quânticas na Química N° 7, DEZEMBRO 2007
útil em métodos aproximativos, mas a com a Mecânica Quântica con- desses fatos serem construídos psico-
rigor eles não correspondem a algo na vencional, os orbitais são inob- lógica e socialmente. No entanto, mes-
realidade. serváveis mesmo no caso do mo dentro de uma epistemologia obje-
Os autores do trabalho experimen- átomo de hidrogênio. (p. 310) tivista, devemos reconhecer que há
tal aceitaram a crítica (ii), mas alega- questões científicas gerais que não
Creio que essa argumentação de
ram que o uso corrente do termo “or- estão sujeitas ao teste experimental.
Scerri não se sustenta. A questão das
bital” pode ser associado a |ψ|2, ou Cabe a cada um de nós decidir se ele
trajetórias dos elétrons é outra, pois
seja, à densidade eletrônica. Rejeitam, prefere se ater a uma dessas inter-
toda discussão de orbitais pode ser
portanto, a crítica (i). Em outras pa- pretações em particular ou se ele fará
travada dentro de um quadro ondula-
lavras, eles consideram que para um uso de diferentes interpretações em
tório, realista ou positivista. E ele
átomo mono-eletrônico é possível em diferentes situações ou momentos na
insiste na identificação de “orbitais”
princípio observar um “orbital” puro, carreira de cientista ou na sala de aula.
com “função de onda”, o que é mera-
como os desenhados na Figura 5, pois Não pudemos abordar as questões
mente uma questão semântica. Na
definem “orbital” como o quadrado da interpretativas envolvendo mais de um
verdade, já vimos que se fôssemos
função de onda e não como a própria elétron correlacionado por falta de es-
representar as funções de onda dos
função de onda, como sugere Scerri. paço e de estudo. Esse caso foi men-
orbitais p, desenharíamos esferas
Creio que esse ponto pode ser conce- cionado na controvérsia sobre a visua-
(pois a distribuição angular ϑAm(θ) é
dido a Zuo e col. lização de orbitais e no comentário
dada por cosθ ou senθ), e não os
Com relação ao ponto (ii), porém, sobre as “forças de troca”. Vale dizer
balões alongados que corresponde-
apesar de concordarem com o argu- que nos Fundamentos da Mecânica
riam a cos2θ ou sen 2θ do módulo
mento de Scerri, salientam que “seria Quântica há um grande problema
quadrado da função de onda ou as
perverso não mencionar a semelhan- conceitual em aberto, que envolve a
mais elaboradas superfícies de con-
ça inquestionável de nosso resultado noção de “não-localidade” que ocorre
torno desse módulo quadrado.
final com o modelo mono-eletrônico para pares de partículas correlacio-
No entanto, Scerri e outros auto-
simples de uma distribuição de den- nadas (ver Pessoa, 2006, p. 274-277).
res, como Ogilvie (1990), têm razão
32 sidade de carga de orbital d” (Spence
em lembrar que, em átomos ou molé- Notas
e col., 2001, p. 877). Esse é um ponto
culas de mais de um elétron, o orbital 1
importante. Se de fato a imagem obtida De maneira simplificada, podem-
hidrogênico não representa correta-
for muito semelhante à de um orbital se dividir as representações mentais
mente o estado de um elétron, já que
(de densidade mono-eletrônica) dz2, em duas classes. As representações
os elétrons estão emaranhados em
então esse fato precisa ser explicado. lingüísticas envolvem cadeias de
estados de mais de uma partícula.
Talvez a explicação seja que a aproxi- unidades (letras, fonemas, notas
mação dos orbitais é boa para o siste- Conclusões musicais, símbolos lógicos ou mate-
ma considerado e, nesse caso, poder- máticos etc.) ligadas segundo regras
O que dizer então das representa-
se-ia falar em uma “observação apro- de formação. As representações
ções pictóricas de orbitais em textos
ximada”, da mesma maneira que se pictóricas, também chamadas imagé-
didáticos de Química? O conceito de
diz que “vejo o seu pai” ao olhar para ticas ou visuais, geralmente se re-
“orbital” é proveniente da teoria quân-
um filho que lhe é parecido. ferem a corpos bi ou tridimensionais,
tica, e argumentamos que essa teoria
Em sua tréplica, Scerri (2002) volta parados ou em movimento. Diagra-
pode ser interpretada de diferentes ma-
a insistir no ponto (i): mas moleculares parecem possuir
neiras, tanto realistas quanto positi-
características de ambas as classes.
A audiência que tem mais vistas. Assim, o significado das repre- 2
É um desafio para a área de Ensi-
probabilidade de ficar confusa sentações pictóricas de orbitais vai
no de Química explicar didaticamen-
[...] é a comunidade de edu- depender de nossa postura interpre-
te os traços essenciais desse fenô-
cação Química. Até aqui, tive- tativa. Examinamos alguns aspectos do
meno de “força de troca”, mesmo que
mos a difícil tarefa de tentar problema e, no final, não descartamos
de maneira incompleta. A explicação
salientar para os estudantes o interesse em se explorar didatica-
envolve as sutilezas da Mecânica
que, de acordo com a Mecâni- mente as “observações” de orbitais.
Quântica, incluindo a questão das
ca Quântica, os elétrons não O fato de uma teoria poder ser inter-
partículas idênticas e do princípio de
podem mais ser considerados pretada de diferentes maneiras não
exclusão de Pauli para partículas de
como tendo trajetórias ou ca- significa, a meu ver, que não haja obje-
spin ½ (Berry, 1966, p. 295-298) (para
minhos definidos. Afinal de tividade na ciência. Em minha visão
uma discussão histórica e filosófica,
contas, esta é a única razão pessoal, existe verdade objetiva na
ver Carson, 1996).
categórica para negar a obser- ciência, há fatos que estão “lá fora” 3
O relato sucinto que se segue po-
vabilidade dos orbitais, ao invés esperando para serem descobertos
de ser aprofundando com a leitura dos
de apelar para a natureza apro- (por exemplo, que a célula cristalina da
capítulos iniciais de Pessoa (2003).
ximada de sistemas de muitos cuprita é cúbica), apesar de a expres- 4
O experimento da fenda dupla foi
elétrons. De fato, de acordo são lingüística e representação mental
realizado para a luz por Thomas Young,

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Entidades quânticas na Química N° 7, DEZEMBRO 2007
em 1802, e para feixes fraquíssimos por sitário) do século XX, delineia três pos- antes do termo “positivismo” ser cu-
Geoffrey Taylor, em 1909. Para elétrons, turas básicas com relação à natureza nhado por Auguste Comte.
7
diferentes experimentos de interferên- de teorias científicas: realismo (propo- Na realidade, sabemos que o elé-
cia foram realizados na década de sições envolvendo termos teóricos, tron em um estado excitado tem a ten-
1950, sendo que o arranjo da fenda que não se referem a entidades obser- dência a decair, mas isso se deve à
dupla foi implementado por Claus váveis, também têm valor de verdade), sua interação com as flutuações do
Jönsson, em 1961, mas não para elé- instrumentalismo (só faz sentido atribuir vácuo, fenômeno que está para além
trons únicos. Experimentos de interfe- valor de verdade para termos de obser- do escopo deste artigo. Os estados
rência capazes de discernir fótons, vação, a teoria é apenas um instrumen- representados na Figura 5 também são
elétrons ou nêutrons individuais come- to para se fazerem previsões) e descri- auto-estados do operador quadrado
çaram na década de 1980. tivismo (os termos teóricos têm valor do momento angular L2, e para cada
5
Antes dessa nova teoria, havia de verdade apenas na medida em que número quântico mA, tem-se um auto-
vários modelos e receitas hoje conhe- podem ser traduzidos para termos de estado do operador componente do
cidos como “teoria quântica velha”, que observação). O “positivismo”, segundo momento angular Lz. Cada um desses
partiu do trabalho de Max Planck em Kolakowski (1981, p. 15-22), envolveria auto-estados pode ser populado por
1900 e teve contribuições importantes pelo menos quatro atitudes distintas: dois elétrons, cada qual com um
de Albert Einstein, Niels Bohr, entre o instrumentalismo (“fenomenalismo”), número quântico ms de spin diferente,
outros. Para uma introdução histórica à o nominalismo (ou seja, a negação de mas isso não é representado na figura.
velha e à nova teoria quântica, ver em que idéias abstratas ou “universais”
português: Freire; Carvalho (1997) e tenham existência independente), a Osvaldo Pessoa Jr., formado em Física e Filosofia
pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em
Marin (2006). Em inglês, dois clássicos separação entre fato e valor, e a tese física experimental pela Universidade Estadual de
são Jammer (1996) e Kragh (1999). da unidade metodológica da ciência. Campinas e doutor em filosofia da ciência pela In-
6
Ernest Nagel (1961, p. 117-152), Segundo esse autor, o conjunto dessas diana University, é professor de filosofia da ciência
em um dos melhores textos didáticos teses teria sido adotado pela primeira no DF da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP. E-mail: opessoa@usp.br.
de filosofia da ciência (em nível univer- vez pelo filósofo escocês David Hume,
33
Referências JAMMER, M. The conceptual develop- _____. Conceitos de Física Quântica.
ment of Quantum Mechanics. New York: v. 2. São Paulo: Livraria da Física, 2006.
AICHINGER, E.C.; MANGE, G.C. Quí-
McGraw-Hill, 1966. PRIMAS, H. Chemistry, Quantum Me-
mica básica 1. Química 2 (Orgânica).
JENKINS, Z. Do you need to believe in chanics and reductionism. 2a ed. Berlim:
São Paulo: Editora Pedagógica e Univer-
orbitals to use them? Realism and the Springer, 1983.
sitária, 1980.
autonomy of Chemistry. Philosophy of SCERRI, E.R. Have orbitals really been
BERRY, R.S. Atomic orbitals. Journal
Science, v. 70, p. 1052-62, 2003. observed? Journal of Chemical Educa-
of Chemical Education, v. 43, p. 283-99,
KOLAKOWSKI, L. La filosofía positivista. tion, v. 77, p. 1492-4, 2000; v. 79, p. 310,
1966.
BRUSH, S.G. Dynamics of theory Madri: Ediciones Cátedra, 1981. 2002.
change in Chemistry: Part I. The benzene KRAGH, H. Quantum generations: a his- SPENCE, J.C.H.; O’KEEFE, M.; ZUO,
problem 1865-1945. Part 2. Benzene and tory of Physics in the twentieth century. J.M. Have orbitals really been observed?
molecular orbitals, 1945-1980. Studies in Princeton: Princeton University Press, Journal of Chemical Education, v. 78,
the History and Philosophy of Science, 1999. p. 877, 2001.
v. 30, p. 21-79, p. 263-302, 1999. LEVINE, I.N. Quantum Chemistry. 4a ed. SIENKO, M.J.; PLANE, R.A. Química.
CARSON, C. The peculiar notion of ex- Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1991. 7a ed. Trad. Giesbrecht, E.; Mennucci,
change forces - I: Origins in quantum MARIN, L.C. (Ed.). Quânticos: os L.; Osorio, V.K.L.; Kuya, M.K. São Pau-
mechanics, 1926-1928. II: From nuclear homens que mudaram a Física. São Pau- lo: Companhia Editora Nacional, 1980.
forces to QED, 1929-1950. Studies in the lo: Duetto, 2006 (Coleção Gênios da SIMÕES, A.; GAVROGLU, K. Early
History and Philosophy of Science, v. 27, Ciência 13 - Scientific American Brasil). ideas in the history of Quantum Chem-
p. 23-45, p. 99-131, 1996. NAGEL, E. The structure of science. istry. Em: REINHARDT, C. (Org.). Chemi-
EISBERG, R.; RESNICK, R. Física New York: Harcourt, 1961. cal sciences in the 20th century.
Quântica. Rio de Janeiro: Campus, 1979. OGILVIE, J.F. The nature of the chemi- Weinheim: Wiley-VCH, 2001, p. 51-74.
FELTRE, R. Química. v. 1. 4a ed. São cal bond - 1990. Journal of Chemical Edu- URL: http://www.quantum-chemistry-
Paulo: Moderna, 1994. cation, v. 67, p. 280-9, 1990. h i s t o r y. c o m / S i m o _ D a t / I s s u e s /
FREIRE JR., O.; CARVALHO NETO, PARTINGTON, J.R. A short history of SimGavr1.htm
R.A. O universo dos quanta. São Paulo: Chemistry. 3a ed. Londres: Macmillan, 1957. ZUO, J.M.; KIM, M.; O’KEEFE, M.;
FTD, 1997. PESSOA JR., O. Conceitos de Física SPENCE, J.C.H. Direct observation of d-
HUMPHREYS, C.J. Electrons seen in Quântica. v. 1. São Paulo: Livraria da Fí- orbital holes and Cu-Cu bonding in
orbit. Nature, v. 401, p. 21-2, 1999. sica, 2003. Cu2O. Nature, v. 401, p. 49-52, 1999.

Abstract: Pictorial Representation of Quantum Mechanical Entities in Chemistry – In this paper, we examine the meaning of pictorial representations of atomic and molecular orbitals in Chemistry
textbooks. Emphasizing the existence of different interpretations of Quantum Theory, some more realist, other more positivist, we suggest that different assessments of the meaning of pictorial
representations may be adopted, in the case of atoms with a single electron. For the case of many electron atoms, we describe a recent controversy concerning the observability of orbitals in covalent
bonds.
Keywords: interpretation, orbital, pictorial representation, quantum theory

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Entidades quânticas na Química N° 7, DEZEMBRO 2007

Você também pode gostar