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EDUCAÇÃO E RACIONALIDADE

CONEXÕES E POSSIBILIDADES DE UMA RAZÃO


COMUNICATIVA NA ESCOLA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

Chanceler: Dom Altamiro Rossato


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Conselho Editorial:
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Nadja Hermann Prestes

EDUCAÇÃO E RACIONALIDADE
CONEXÕES E POSSIBILIDADES DE UMA RAZÃO
COMUNICATIVA NA ESCOLA

Coleção
FILOSOFIA – 36

Porto Alegre
1996
Copyright de Nadja Hermann Prestes

FICHA CATALOGRÁFICA

P936e Prestes, Nadja Mara Hermann


Educação e racionalidade: conexões e
possibilidades de uma razão comunicativa na escola/
Nadja Mara Hermann Prestes. – Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1996.
138 p. – (Coleção Filosofia: 36)

1. Educação – Filosofia 2. Habermas, Jürgen –


Crítica e Interpretação 3. Racionalidade 4.
Subjetividade I. Título. II. Série

C.D.D 370.1
Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Processamento Técnico da
Biblioteca Central – PUCRS

Capa: José Fernando Fagundes de Azevedo


Diagramação: Cristina Mancini Berengan
Diagramação da versão digital: Paolla Monticelli
Impressão: EVANGRAF
Revisão: A autora
Reconhecimento
Esta pesquisa se tornou possível graças ao apoio das seguintes
instituições:
CNPq - que me concedeu bolsa de estudos para realizar o Curso de
Doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
DAAD e CAPES - que me possibilitaram realizar o estágio de pesquisa
na Universität Heidelberg / Erziehungswissenschaftliches Seminar;
PUCRS - que me concedeu redução da carga horária de trabalho para
realizar os estudos de Doutorado.
In memoriam
a meus pais, Theodoro e Zeny.

Ao Natanael, ao Thiago e ao Matheus, pela generosidade com que


compartilham suas vidas comigo.
“Nunca é muito tarde para a razão.” (Hans-Georg Gadamer,)

“Eu estou à procura dos vestígios de uma razão que reconduza, sem
apagar as distâncias, que una, sem reduzir o que é distinto ao mesmo
denominado,; que entre estranhos torne reconhecível o que é comum, mas
deixe ao outro sua alteridade.” (Jürgen Habermas)
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 10
1. A problemática ......................................................................................... 10
2. Referências para a construção do objeto de pesquisa............................... 12
3. As relações entre filosofia e educação ..................................................... 13

I - A RACIONALIDADE, A MODERNIDADE E A CRÍTICA DA RAZÃO 15


1. A razão e o princípio da subjetividade: referências conceituais .............. 15
2. A crítica da racionalidade......................................................................... 22
2.1. Nietzsche e o ataque à razão ............................................................. 22
2.2. Horkheimer e Adorno: o desmoronamento da razão ........................ 24

II - AS CONEXÕES DA MODERNIDADE E DA RACIONALIDADE COM


A EDUCAÇÃO ................................................................................................ 30
1. A construção do sujeito: o fundamento teórico da educação ................... 30
1.1. O sujeito e a consciência de si .......................................................... 32
1.2. O sujeito construtor de sentido ......................................................... 34
1.3. O sujeito e o mundo do sentido ........................................................ 41
1.3.1. O problema da compreensão hermenêutica ............................... 42
2. A escola moderna: uma mediação para a construção do sujeito .............. 46
3. As relações entre a crítica da racionalidade e a educação: a reprodução das
insuficiências da razão ................................................................................. 48
4. Educação e subjetividade - a crise do fundamento normativo da educação
...................................................................................................................... 52

III - UMA NOVA FORMULAÇÃO DE RACIONALIDADE: A RAZÃO


COMUNICATIVA DE JÜRGEN HABERMAS ............................................. 57
1. O pensamento de Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo ............... 57
1.1. O significado da racionalidade.......................................................... 58
1.2. A racionalização social ..................................................................... 66
1.3. A teoria da comunicação e os sistemas sociais ................................. 67
1.4. O mundo da vida e o sistema ............................................................ 69
1.5. A conclusão habermasiana: a razão comunicativa e as tarefas de uma
teoria crítica da sociedade ........................................................................ 73
2. As críticas a Habermas ............................................................................. 76

8
IV - RACIONALIDADE COMUNICATIVA E EDUCAÇÃO:
PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES ......................................................... 86
1. O significado da mudança do conceito de racionalidade para a
educação ...................................................................................................... 87
1.1. A exigência de uma racionalidade comunicativa na ação
pedagógica .............................................................................................. 87
1.2. O princípio da subjetividade: da razão centrada no sujeito à
intersubjetividade da racionalidade comunicativa ................................... 90
1.3. A racionalidade como aprendizagem e a aprendizagem da
racionalidade ........................................................................................... 91
1.4. A reflexão e a tomada de consciência ............................................... 95
2. Formação do sujeito: a renovação da tarefa básica da educação escolar
...................................................................................................................... 98
3. O reconhecimento da estrutura antinômica da escola: entre as coações
sistêmicas e os espaços do mundo da vida ................................................. 101
4. A educação pode ser emancipatória? ..................................................... 102

CONCLUSÃO ................................................................................................ 105

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 109

9
INTRODUÇÃO
1. A problemática

Os tempos são difíceis para a educação escolar. O século XX trouxe, com


a implosão da unidade da razão, com a perda das justificações metafísicas, um
grande problema para o fundamento educativo. A tradição clássica do pensamento
pedagógico estremece diante das incertezas das ciências humanas e vê-se sitiada
pelos mais variados apelos decorrentes da especialização do saber e da
complexificação da sociedade. Entretanto, convém lembrar que a denominada crise
na educação não é mais nem menos que a crise da modernidade e da racionalidade,
das quais a educação se apresenta como filha promissora.
Entendo que a racionalidade presente no agir comunicativo é uma das
abordagens mais produtivas para configurar uma nova face à educação, que não só
permita compreender os problemas que a afligem, como também anuncie uma
ação racional possível. Quero defender a possibilidade de uma ação emancipatória
na escola, a partir da constituição de um sujeito, cuja racionalidade não seja nem a
instrumental nem a do procedimento. Para a ação pedagógica, a problemática
centra-se nas difíceis relações entre racionalidade e liberdade e a legitimidade do
processo educativo para formar a identidade de sujeitos.
Além do paradoxo clássico formulado por Kant “como educar para a
liberdade, sem coação”, há o paradoxo gerado pelas ações sem sentido, que
penetram na modernidade, não aceitando outros critérios de ação senão aqueles
ditados pelo império da razão instrumental. A educação, então, de paradoxo em
paradoxo, torna-se também um mero “resíduo” em relação ao seu
compromisso originário com a emancipação humana.
Horkheimer já denunciou a degradação da razão objetiva pelos ditames da
razão subjetiva, em que uma ação técnica retira todos os vínculos constitutivos da
ordem social. Nessa perspectiva, quero sublinhar que a assim chamada crise da
educação está diretamente vinculada à crise da modernidade e a escola, enquanto
um fragmento dessa racionalidade, traz em si sua marca e suas fissuras. Dessa
maneira, quando professores, sobretudo, sentem-se impotentes diante das
diferentes solicitações que lhes chegam (reformas curriculares, implementação de
decisões políticas arbitrárias, ajuste de programas às necessidades de mercado,
revisão de projeto pedagógico, entre outras), devem reconhecer que tais pedidos
decorrem de uma racionalidade que se fragmenta numa multiplicidade de esferas,
que se mantém como saberes incomunicáveis, como mônadas incomunicáveis.
A falta de articulação entre a multiplicidade e a unidade fragmenta a
ação escolar, compromete a formação da identidade do sujeito e exclui a

10
necessária reflexão sobre as tradições culturais. Assim, se esgaça o tecido que
mantém a educação vinculada à produção da vida humana.
A questão debatida hoje é se o fim da modernidade se impõe ou se há
justificativas para continuar buscando uma razão esclarecida e, com ela, uma
educação que promova a autonomia e o esclarecimento. A problemática da perda
de sentido, da redução dos conteúdos cognitivos da razão, da sociedade moderna
como ilusão coletiva e de um possível esgotamento do projeto da modernidade é
interpretada por Habermas de forma positiva: a modernidade é um “projeto
inacabado”1. Entretanto, a razão é resultado de aprendizagem, de uma evolução
social, e pode continuar submetendo à crítica o processo que a tutelou aos ditames
das ações estratégicas.
A razão não é mais aquela anunciada no século XVIII, desconhecedora de
seus próprios limites, que se formulou pretensiosamente e que julgou produzir toda
a verdade. As múltiplas dimensões da razão reveladas no processo histórico trazem
para a educação novos questionamentos. Desse modo, a formação de sujeitos
racionais com competência cognitiva e moral, amplia-se pela interpretação
hermenêutica, pela crítica da razão e pela comunicação dialógica. Tais
interpretações redesenham os fundamentos da ação pedagógica.
É nesse contexto amplo que, originariamente, surgiram as questões
orientadoras desta pesquisa, ou seja, as relações entre racionalidade e educação.
Uma análise, em primeiro plano, já identifica que a educação está sempre
envolvida com a racionalidade, pelo menos, no sentido empírico de um sujeito que
constrói e consolida estruturas individuais de racionalidade. Mas, por outro lado,
que racionalidade está presente nas ações pedagógicas? Pode a educação continuar
sua tarefa de formação de sujeitos, desconhecendo a crise que assola sua base de
justificação? Quais as implicações para a prática pedagógica de uma nova
formulação de racionalidade?

1
J Habermas refere-se, pela primeira vez, à “modernidade como, projeto inacabado” em
discurso proferido na Paul Kirche, em 1 de setembro de 1980, por ocasião da entrega do Prêmio
Adorno. Nesse texto, Habermas afirma que, no século XX, não há mais motivo para a crença
originária dos iluministas, de que as artes e as ciências levariam ao progresso moral, à justiça e à
felicidade entre os homens, ―mas o problema permaneceu e, como outrora, os espíritos se
dividem quanto a saber se consertam as intenções do Iluminismo, por mais abaladas que
estejam, ou dão por perdido o projeto da modernidade, pretendendo enxergar os potenciais
cognitivos (na medida em que não entram no progresso técnico, no crescimento econômico e na
administração racional) como se fossem de tal maneira restritos, que uma prática de vida
voltada para tradições enfraquecidas permanece intocada por eles”. Posteriormente, retoma o
tema na obra Der Philosophische Diskurs der Moderne, publicada em 1985 (tradução portuguesa
de 1990), onde se propõe a “reconstruir, passo a passo, o discurso filosófico da modernidade

11
Esse conjunto de questões circunscrevem-se no âmbito de determinadas
referências teóricas, que se complementam para construir o sentido da educação,
tecida pela reflexão filosófica. Tais referências estão expostas a seguir.

2. Referências para a construção do objeto de pesquisa

O questionamento traz uma certa antecipação, uma orientação em relação


ao problema a ser pesquisado. Nesse sentido, os antigos já afirmavam que um
problema bem formulado tem parte da resposta obtida. A questão é, portanto, a
demarcação do espaço e do tempo em que surge a possibilidade de resposta. A
pergunta só pode ser formulada no horizonte de possibilidades teóricas.
O objeto da investigação pressupõe: 1°) uma estrutura cognitiva, uma
razão que orienta o olhar sobre a realidade; 2°) uma relação no espaço e no
tempo, que vai configurar uma determinada abordagem do objeto.
O problema desta pesquisa tem sua origem em minha própria prática
como professora de filosofia, tanto a nível de 2° grau como na Universidade.
Tal experiência permite a análise das contradições que ocorrem entre o papel
originário da educação, enquanto vinculada à idéia emancipatória e de
maioridade do homem, e o desenvolvimento, na prática educativa, de uma
razão que reduz seus conteúdos éticos e de liberdade.
A reflexão sobre a prática pedagógica revelou as implicações de uma
razão que se fragmenta e a perda de confiança em um ideal de educação que
pretendia, nos moldes da filosofia da consciência do sujeito solitário
cartesiano, ser necessariamente “libertadora”. Construir uma possível
emancipação pela educação está a exigir uma profunda compreensão de que
racionalidade subjaz à ação escolar.
O delineamento das relações entre racionalidade e educação foi
elaborado de acordo com as seguintes formulações:
a) A vinculação da educação com a modernidade e a racionalidade
autoriza compreender, por um lado, como a razão se estrutura e se fragmenta na
cultura moderna, reduzindo-se a uma dimensão cognitiva-instrumental. Por outro
lado, permite configurar de que modo a razão, formulada como autoconsciência,
nos moldes da filosofia do sujeito, sustentou a base de justificação da educação
escolar. Assim, o princípio da subjetividade e a possibilidade de formação de
sujeitos com autoconsciência e autonomia de ação (seja moral ou intelectual)
constituem-se em fundamentação da ação pedagógica. A subjetividade é um ponto
central do iluminismo e da modernidade que pode ser complexificado em seus
modos, condicionamentos e conflitos.
b) No entanto, a subjetividade, enquanto uma teoria filosófica, não atua
diretamente sobre a educação; sua tradução se dá pelas ciências humanas. Nesse

12
sentido, uma das referências para entender a subjetividade é a possibilidade de
autoconstituição da razão no plano das ciências empíricas, como propõe a
Epistemologia Genética. A perspectiva ontogenética de Jean Piaget mostra a razão
como resultado de um processo contínuo de construção, a partir de sua base
biológica. Mas essa razão não se constitui fora do mundo prático e da história e
conhecer a gênese das estruturas cognitivas não abarca a totalidade dos aspectos
que constituem a racionalidade. Para evitar o risco de unilateralidade lógica, a
hermenêutica auxilia na compreensão dessa racionalidade. Ou seja, a racionalidade
não é desligada das condições particulares do sujeito. A introdução da
hermenêutica na compreensão da subjetividade traduz os conflitos e
questionamentos produzidos à pretendida objetividade da razão. Assim, o interesse
se refere à razão que se cria em instâncias mais complexas.
c) As relações do homem com o mundo social são mediadas pela
racionalidade forjada no desenvolvimento histórico. A promessa inicial de uma
razão emancipatória foi travejada por irrazões, por opções que produziram a
crítica da razão. A constatação factual de uma razão instrumental, dominante
nas sociedades modernas, é indispensável para compreender como não se
realizam mais as condições objetivas necessárias à formação do sujeito, o que
gera problemas para o fundamento normativo da educação. Esse aspecto é
analisado pela crítica da razão.
d) Habermas também comunga com a crítica formulada no século XX de
que as sociedades modernas conduzem a um modelo de racionalidade unilateral e
inconsistente. Contudo, sem renunciar ao ideal da modernidade, da ciência e da
autonomia, formula um novo entendimento de razão, baseado nos atos de fala e
vinculado à concretude do homem social, que tem a possibilidade de orientar sua
ação não só de forma instrumental e estratégica, mas capaz de produzir acordos.
A racionalidade resulta desse processo de aprendizagem e apresenta
uma duplicidade: de um lado, um processo individual e, de outro, um
processo da humanidade. Ou seja, a razão passa por uma evolução tanto do
ponto de vista ontogenético corno do filogenético. A educação faz um ponto
de clivagem nesse processo, na medida em que a formulação de uma nova
racionalidade traz implicações para a teoria pedagógica e exige revisão de
suas categorias. Trata-se, assim, de uma renovada interpretação da base de
justificação do processo educativo.
É preciso recolocar o vínculo entre educação e racionalidade,
explicitando as categorias que viabilizam a formação da identidade racional dos
sujeitos a partir do interesse em comunicação, livre de coações.

3. As relações entre filosofia e educação

13
Essa investigação situa-se no campo da filosofia da educação e busca o
exercício reflexivo e argumentativo em torno de um problema, que emerge do
mundo prático, busca des-cobrir uma realidade enfrentada problematicamente.
Pretende-se, por um lado, que a filosofia responda aos questionamentos originados
na prática educativa e, por outro, que a própria educação traga sua contribuição à
filosofia, produzindo uma reflexão filosófica sobre a natureza do educar.
A filosofia da educação é um tipo de saber globalizador, compreensivo
e crítico do processo educacional, que envolve a explicitação dos pressupostos
que justificam a ação pedagógica. Nesse sentido, a filosofia da educação
ilumina questões que se tornam obscurecidas pela dificuldade de superar
contradições reinantes no campo educativo, quando os velhos fundamentos
metafísicos perdem seu vigor explicativo para justificar a formação da
identidade pessoal e cultural dos sujeitos.
O centro desta investigação é a teorização educativa que pretende
compreender criticamente a racionalidade presente nas ações pedagógicas para
avaliar as suas conseqüências.
Tendo como referência as demarcações teóricas expostas na
introdução, a pergunta fundamental que orientou a investigação é:
• reconhecido o vínculo da escola com o projeto da modernidade,
enquanto constituindo o sujeito dotado de uma razão universal, que
implicações a crítica da razão e a formulação de um conceito de racionalidade
capaz de emancipar-se trazem à educação escolar?
O problema acima tem o seguinte desdobramento:
• que transformações são exigidas na teoria pedagógica com a mudança
da filosofia da consciência pela filosofia da linguagem, onde se acentuam o
caráter dialógico e comunicativo da razão?
As respostas a estas perguntas possibilitaram estruturar os capítulos
subseqüentes, que buscam uma nova perspectiva para o entendimento da educação.

14
I

A RACIONALIDADE, A MODERNIDADE E A
CRÍTICA DA RAZÃO

1. A razão e o princípio da subjetividade: referências conceituais

Desde a clássica formulação de Aristóteles de que o homem é um


animal racional2, capaz de dizer a si e ao mundo, o tema da razão e a formação
de sujeitos racionais tem sido central para a educação.
Enraizada nas aspirações do projeto da modernidade, com o enunciado
de uma razão esclarecedora, a escola encontra a fundamentação de sua ação na
racionalidade e no princípio da subjetividade. Assim, os diversos discursos
sobre racionalidade compõem o conteúdo normativo da educação e a
justificação para a formação do sujeito e sua pretendida emancipação.
Nessa perspectiva, a análise subseqüente pretende caracterizar
brevemente a racionalidade ocidental para entendê-la em seu vínculo com as
tarefas da educação escolar.
A racionalidade moderna tem origem no empirismo e no racionalismo
do século XVI. O empirismo, proposto por Bacon, aposta na emergente ciência
do seu tempo, dizendo que o homem poderá “prever para prover”.
Ele vivencia as primeiras conquistas da ciência e isso o entusiasma
pela capacidade humana dominadora em relação à natureza. O saber não é
contemplação, mas guia de ação. “Saber é poder” e o homem sabe quando
interroga, observa a natureza. Os instrumentos fornecidos pela lógica
tradicional aristotélica não permitiam que o homem dominasse o mundo. Para
dominá-lo e ter uma ação direta sobre ele seria preciso uma determinada forma
de representação; ou seja, o caminho da indução e da experimentação aparecia
como sendo adequado aos interesses em questão.
A essência do entendimento humano entrelaça conhecimento e
natureza. É sob o relacionamento direto entre sujeito e objeto que se estabelece
o princípio fundamental do empirismo de que “nada há no intelecto que não
tenha passado pelos sentidos”.

2
Conforme Aristóleles, na Metafísica I e De Anima II, capítulo 3, onde o filósofo anuncia o
homem como um ser que possui razão e tem desejo de saber, “a possibilidade de ensinar é
indício de saber” (Aristóteles, Metafísica I, p.212). O homem como animal racional é um ser
que, além de corpóreo e sensitivo, é dotado de razão

15
O Novum Organum proclama o experimentalismo com vistas a dominar
os fenômenos e obtém como resultado o que conhecemos da história da ciência
moderna: o grande êxito do avanço tecnológico até os impasses atuais. Essa
racionalidade produz resultados com os quais o homem tem dificuldade de lidar.
Outra formulação da racionalidade moderna se refere ao racionalismo.
Descartes desenvolve seu pensamento influenciado pela questão do método e pela
necessidade de romper com as premissas que havia recebido em sua formação.
Para ele, não se trata apenas de interpretar a natureza, mas também de tematizar a
validade do conhecer. A matemática e sua evidência não permitem dúvidas e, com
isso, o problema da evidência da razão, que é o primeiro absoluto do conhecer
humano. O pensamento é o ponto de partida da verdade, o seu critério supremo.
Assim a racionalidade traz as bases do pensamento moderno com a exigência da
subjetividade. Sendo a matemática o modelo do conhecimento, o método é a
dedução e a verdade dependerá da investigação racional.
A racionalidade ocidental se revela, então, no modo de fazer ciência,
conforme o projeto baconiano-cartesiano, dominante desde a modernidade até
o século XX, quando começou a ser criticado. Nenhum conhecimento pode
aspirar legitimidade de verdade e cientificidade se não satisfizer as exigências
de um tipo de racionalidade desenvolvida pelas ciências empírico-matemáticas
de objetivação do mundo. A idéia é provar, demonstrar, matematizar através de
unidades intelectualmente previsíveis, claras, impossíveis de serem recusadas.
Isso gera o mito de que tudo pode ser explicado e conduzir à Verdade.
A opção da modernidade por esse modelo de racionalidade tem
justificado a ação de controle e previsões de ação do sujeito sobre o objeto.
A modernidade que nasce com o iluminismo3, no século XVIII, apoia-
se justamente na possibilidade da razão de enunciar verdades universais, de
entender e dominar o mundo, superar os mitos e as forças mágicas, de forma a
emancipar o homem. Retira- se a tutela de um princípio organizador exterior ao
próprio homem, surgindo a possibilidade de que ele construa racionalmente seu
destino, livre de tirania. Caem assim os fundamentos teológicos e o mundo é
secularizado. Propõe-se uma ordem fundada na razão, um ideal de ciência, que
permita a liberdade do reino da necessidade.

3
O termo iluminismo apresenta muitos equivalentes em línguas neolatinas, tais como
“ilustração”, „filosofia de luzes”. Na filosofia alemã, encontra-se o termo “Aufklärung”,
traduzido como esclarecimento, que revela um processo social, político e histórico mais amplo
que um movimento filosófico específico. Sérgio Paulo Rouanet, em As Razões do Iluminismo
(1987), distingue ilustração e iluminismo, atribuindo o termo ilustração “exclusivamente para a
corrente que floresceu no século XVIII” e o termo iluminismo, à “tendência intelectual não
limitada a qualquer época específica, que combate o mito e o poder a partir da razão” (p.28).

16
A perda do fundamento teológico prevalente na ordem social anterior
traz, juntamente com a secularização, a confiança na razão humana, que passou
a substituir Deus. Isso leva a razão a um conhecimento objetivo obtido pelas
ciências modernas, de dominação do mundo.
A teoria pedagógica está, em princípio, relacionada com o
iluminismo: uma razão capaz de libertar a humanidade, iluminismo e
educação são, nesse começo histórico, conceitos que se identificam. Eles
significam que o homem apresenta-se a si mesmo em sua natureza e razão,
em sua consciência e seu desejo, em sua liberdade e peculiaridade 4. Nessa
perspectiva, a racionalidade tem um caráter emancipatório, que normatiza a
educação. Entretanto, a razão, enquanto cálculo estratégico de ações e
pervisibilidade, tem tido supremacia sobre os conteúdos éticos e de liberdade,
conforme a crítica que será enunciada no próximo item.
A educação não trabalha como uma meta mecânica, com uma
racionalidade dedutiva e enfrenta hoje uma profunda crise, porque não
consegue desvincular a educação humana dos ditames de uma razão

“em que passa a valer como racional, não


mais a ordem das coisas encontrada no
próprio mundo ou concebida pelo sujeito, nem
aquela surgida no processo de formação do
espírito, mas somente a solução de problemas
que aparecem no momento em que se manipula
a realidade de modo metodicamente correto”
(Habermas, 1990, p.44).

A compreensão de como o conceito de razão fundamenta a educação,


sobretudo na justificação da razão ser capaz de enunciar princípios com
validade universal, requer o entendimento da inserção de Kant em seu diálogo
com o racionalismo e o empirismo. Kant entende que deve haver uma base
dentro do próprio sujeito capaz de dar sustentação ao processo conhecedor.
Segundo o autor, há uma capacidade originária da razão e o sujeito impõe ao
mundo suas condições de compreensão, ao contrário do que pensavam os
gregos, que diziam haver um mundo independente de nós.
Kant questiona se podemos restringir o conhecimento a um
conhecimento do mundo objetivo. Se não é possível argumentar de modo
empirista, o nosso conhecimento tem uma base dentro do próprio sujeito. Ou
seja, o sujeito impõe ao objeto suas condições de compreensão (posteriormente,
Piaget transformará essa análise em base teórica, comprovada empiricamente).

4
Ver Cap. II, item 1.1 deste trabalho, onde aparece a formulação de Kant para educação,
conforme as aspirações da razão iluminista.

17
Kant não pode recorrer à experiência para fundamentar as condições da razão,
pois isso inviabilizaria falar da autonomia da razão. A autofundamentação da
razão (autoconsciência) foi necessária para que a burguesia substituísse os
fundamentos teológicos, prevalentes antes da modernidade. Fortalece-se o
princípio de subjetividade que justificará a ação pedagógica: o sujeito capaz de
obter sua própria humanização pela ação racional.
A autonomia da razão é o que Kant destaca para legitimar a questão
moral e política. Essa racionalidade aposta no impulso crítico de si em busca de
seu próprio esclarecimento. É nesse sentido que Kant compreende a inspiração
dos tempos modernos e atribui ao homem a “menoridade autoculpada ―. A
razão não pode estar tutelada por poder nenhum que impeça de produzir uma
crítica rigorosa de si mesma, necessária à emancipação do homem, como
apregoa o iluminismo, definido como

“a saída do homem de sua menoridade, da


qual ele próprio é culpado. A menoridade é a
incapacidade de fazer uso de seu entendimento
sem a direção de outro indivíduo. O homem é o
próprio culpado dessa menoridade se a causa
dela não se encontra na falta de entendimento,
mas na falta de decisão e coragem de servir-se de
si mesmo sem a direção de outrem. Sapere Aude!
Tem coragem de fazer uso de teu próprio
entendimento, tal é o lema do esclarecimnento
(„Aufkärung‟)” (1974b, p.100).

Como o homem é responsável pela sua menoridade, sua tarefa é


livrar-se dela.
Kant, além da razão teórica, ao reconhecer a razão prática, toma-a o
fundamento de todas as ações políticas, sociais e culturais. É uma razão
orientada para a liberdade, Essa é uma das principais vertentes da modernidade
filosófica e justificadora da ação pedagógica.
Portanto, em sua formulação originária, a razão não é meramente
dedutiva, manipuladora dos objetos, mas uma expressão de liberdade e eticidade.
A filosofia do sujeito de Kant dá surgimento ao sujeito moral, fundamento de todas
as suas determinações, simultaneamente, sujeito de ação e de conhecimento.
A idéia moderna de uma razão, concebida como uma força que permitirá
ao homem atuar no mundo, consciente de seu próprio valor, é tematizada também
por Hegel. No entanto, são diferentes as posições de Kant e Hegel. Em Kant, a
razão teórica se circunscreve no âmbito da experiência e a razão prática funda a
moral autônoma. O entendimento (Verstand) permite conhecer algo da realidade
objetiva, sobre a qual o sujeito não pode agir e a razão (Vernunft) pensa o sujeito

18
em sua ação transformadora. Kant afirma o dualismo entre o inteligível (liberdade)
e o sensível (natureza). Hegel recusa a dualidade sujeito-objeto, aceitando a
identidade entre as determinações do pensamento e do objeto. A razão deve juntar
os fragmentos e reuni-los num todo para que o movimento do real lhe configure
significado. A não separação entre o objetivo e o subjetivo se expressa na
conhecida afirmação “Todo o racional é real e todo real é racional”. A razão
hegeliana que busca a unidade realiza-se na história, presente nos movimentos de
continuidade e ruptura. Pelo passo triplo da dialética (tese-antítese- síntese), a
razão, presente na história, progride para a liberdade. Ela é história: uma razão que
se sabe a si mesma. Nesse processo, os indivíduos se tomam conscientes da razão,
do espírito e da eticidade que existe na práxis humana. Tanto a razão como o
sujeito tornam-se história. Trata-se de uma metafísica da reconciliação.
A racionalidade do sistema hegeliano, que abarca todas as construções
humanas, leva a educação a buscar e conhecer essa racionalidade para conduzir
o homem à liberdade.
Como em Hegel o universal está no particular, o finito no infinito, a
educação vai ser um dos momentos em que o espírito se realiza em cada
indivíduo. A razão, enquanto princípio unificador, torna-se efetiva nas
determinações e nas diferentes mediações do processo educativo. Cada
particular realiza em si o universal. E, ao mesmo tempo que tudo é universal, é
na singularidade de cada um que se realiza a racionalidade do ser.
É Hegel quem vai desenvolver o conceito mais preciso de modernidade
como autocompreensão5. Refere-se à modernidade usando um conceito de
época, os termos modernos, expressando a convicção de que o futuro chegou
(há uma consciência histórica). Tematiza a modernidade, relacionando-a com a
consciência de tempo e racionalidade.
Para que o homem confira efetividade à sua prática, de modo a cumprir as
aspirações dos tempos modernos, estabelece-se o positivismo da eticidade: as
relações entre os homens não são mais baseadas na autoridade externa (proveniente
da religião), mas na razão universal. A modernidade, então, tem que se justificar a
si mesma e criar as normas que a regem. Um dos princípios que a orienta é a
subjetividade: o mundo é o espírito que se aliena de si próprio. Essa subjetividade é
liberdade, é a reflexão (flexão sobre si) do espírito. Conforme Hegel:

“Na representação que exprime o absoluto


com Espírito está expresso que o verdadeiro é
efetivo somente com sistema, ou que a

5
Conforme J. Habermas, em Der Philosophische Diskurs der Moderne (tradução portuguesa,
1990, p. 16). Nesta obra, Habermas analisa que a subjetividade auto-ativa em Hegel permite que
a modernidade extraia dela o conteúdo normativo de autoconsciência e auto- realização.

19
substância é essencialmente sujeito. E esse o
conceito mais elevado que pertence à Idade
Moderna e à sua Religião” (1974, p.22).

Na análise da modernidade na filosofia hegeliana, Habermas indica a


Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa como os acontecimentos que
estabeleceram o princípio da subjetividade:

“Contra a fé na autoridade da prédica e da


tradição o protestantismo proclama a soberania
do sujeito que faz valer o seu próprio
discernimento: a hóstia não passa de massa de
farinha, as relíquias não são mais do que ossos.
Logo depois a Declaração dos Direitos do
Homem e o Código Napoleônico consagraram,
em detrimento do direito histórico, o princípio do
livre arbítrio como fundamento substancial do
Estado” (1990, p,28).

O princípio da subjetividade leva ao desdobramento do espírito e cria


as configurações da cultura moderna: as ciências, as artes, os códigos morais,
as leis. A ciência é a expressão do sujeito cognoscente que abandona as
explicações mágicas. As normas morais reconhecem a liberdade subjetiva e as
leis universais reconhecem a vontade subjetiva. A arte é a expressão da
interioridade absoluta. Assim, a modernidade é uma encarnação do princípio da
subjetividade. Habermas afirma:

“Trata-se da estrutura da auto-relação do


sujeito cognoscente que se debruça sobre si como
sobre um objeto para se compreender como uma
imagem refletida num espelho, precisamente,
„numa atitude especulativa” (1990a, p.29).

Ao trazer à tona o princípio da subjetividade, a modernidade expressa


sua fé no sujeito com capacidade de reflexão, que conquista sua autonomia e
liberdade. A idéia do sujeito autônomo surge, portanto, com a modernidade e
sua fé na razão. Tem-se, assim, uma razão apoiada no princípio da
subjetividade e, como autoconsciência, é capaz de construir toda a verdade.
Marx, embora tenha reconhecido a concepção de uma auto- construção do
homem pela consciência de si, discorda de seu caráter excessivamente abstrato. O
autor reivindica, através da crítica da razão, a prática social de homens concretos,
na qual produzem sua existência e suas representações. É com Marx que surge a
idéia de uma razão como falsa consciência. A ideologia é um conceito que revela a

20
produção do conhecimento determinado pelos interesses sociais. Marx reconhece
as determinações materiais da racionalidade. Desse modo, o caráter histórico-social
da razão incorporado pela tradição hegeliana-marxista, amplia o potencial crítico
da razão. O homem é, então, totalmente entendido como ser histórico e social.
A filosofia dos séculos XVIII e XIX e, sobretudo, o idealismo alemão
são tentativas de formular uma expressão teórica à autonomia pretendida com a
modernidade. Kant, Fichte, Hegel e Marx produzem sucessivos esforços para
fundamentar a idéia da autonomia humana. Essas propostas pretendem
justificar uma sociedade à base da igualdade de todos, para a qual a educação
tem um papel privilegiado.
A liberdade, a autonomia e a reflexividade são as categorias
tematizadas como expressão do princípio de subjetividade. A racionalidade
inaugurada nos tempos modernos relaciona-se com a possibilidade de um
sujeito que detém a razão, enquanto estrutura reflexiva. É esse entendimento
que sustenta a organização da educação como um dos processos que
materializa as estruturas da modernidade.
Essa subjetividade apresenta, na história do pensamento ocidental,
modulações diferentes em Kant, Hegel e Marx, que promovem variações no
processo educativo.
Como lembra W. Moog, “um grande sistema filosófico contém de
forma imanente uma teoria pedagógica” * (apud Ginzo, p.l4). Nesse sentido,
do entendimento de razão e subjetividade desses autores, retiram-se
princípios pedagógicos.
Kant, ao defender a autonomia da razão, propõe um sujeito que seja capaz
de autocriação e, a partir daí, estabelece-se a necessidade de uma experiência que
tome os homens capazes de educar homens. Mas essa razão não é individual;
Hegel a critica e formula o conceito de razão histórica. Cada homem é um sujeito
individual, e assim também a humanidade inteira. Isso conduz ao entendimento da
educação como um dos momentos da reprodução da práxis social. A educação
permite tomar consciente a eticidade presente na vida humana. A liberdade é a
interiorização da necessidade, como afirma Hegel. A razão em Marx,
contrariamente a Hegel, é encarnada e o homem produz a si e ao mundo, através de
sua atividade prática e também transformadora da natureza externa. A crítica de
Marx à dialética do iluminismo é causada pela incapacidade da sociedade estender
as possibilidades do homem. Esse homem deve ser educado para a liberdade e para
a transformação das condições sociais alienantes. A liberdade e a superação da

*
As citações traduzidas de obras em língua espanhola e alemã que aparecem neste trabalho são
de responsabilidade da autora.

21
alienação só serão atingidas quando todos os homens se libertarem. É Marx quem
anuncia que o próprio educador deve ser educado.
Todas essas concepções reafirmam a educação como formadora de
sujeitos racionais, capazes de ação intelectual e moral, com condições de
construírem a si e ao mundo, mas revelam também já uma crítica ao próprio
iluminismo.
A pergunta que aqui interessa diz respeito ao tipo de racionalidade que
a modernidade prioriza e que fundamenta a educação. A visão dominante do
cientismo, do modelo dedutivo, pelo qual só as ciências naturais podem ser
racionais, trouxe autonomia para a racionalidade científica, gerando uma crise
para o mundo contemporâneo e, particularmente, para a educação, onde
problemas complexos ficam reduzidos a uma razão individual e monológica. A
crítica da razão é o objetivo do próximo item, de forma a buscar compreender a
crise que afeta o modelo técnico-científico da racionalidade ocidental.

2. A crítica da racionalidade

2.1. Nietzsche e o ataque à razão

A compreensão da razão inaugurada na modernidade é de uma razão


que se descobre a si mesma. Embora esse entendimento seja comum a
muitos pensadores, surgem diferenças decorrentes da própria crítica que já é
formulada ao iluminismo. A avaliação da racionalidade é levada a efeito
através da crítica da modernidade, ou seja, pela possibilidade da razão
buscar seu constante esclarecimento.
Hegel não aceita a dualidade da razão kantiana e propõe uma unidade
entre pensamento e realidade, verdade e bem, formulando um conceito de ciência
como apresentação sistemática do conhecimento da totalidade. Marx chama a
atenção para o caráter abstrato dessa razão, sublinhando a concretude e dando à
práxis um caráter decisivo. A Escola Histórica, por sua vez, critica o caráter
unívoco do progresso e o sentido finalista de uma razão que se realiza no processo
histórico. Mas, até Hegel e seus discípulos, não houve questionamentos sobre as
conquistas da modernidade e sua fonte enquanto autoconsciência6. É Nietzsche, no
século XIX, quem inaugura uma nova crítica ao poder unificador da razão,
formulando um ataque radical a suas ilusões, questionando a validade de sua
autonomia e seu suposto poder emancipatório.

6
Conforme Habermas, no Discurso Filosófico da Modernidade, 1990, p.89.

22
O conceito de pós-modernidade7, que aparece como sinal de uma época
que chega ao fim pela perda de confiança no progresso da razão, tem suas raízes
em Nietzsche. Ele produz uma ruptura na racionalidade, fazendo emergir a
relatividade e a contingência. A ruptura atinge todas as categorias tematizadas
pelos pensadores, cujo pensamento se enraíza no princípio da subjetividade da
modernidade filosófica. Ou seja, a capacidade de pensar, conhecer, organizar
categorias é um ponto de vista entre outros possíveis. Isso se deve à decadência de
categorias como a de verdade, unidade e finalidade. Na interpretação de Türcke
(1993), Nietzsche, em sua “mania da razão”, quer denunciar o logocentrismo do
pensar, quer mostrar que a crítica da razão não é só permitida à medida em que
torna a razão capaz de êxito. A morte de Deus e a libertação dionisíaca rompem as
cadeias da lógica e da metafísica. A partir da denúncia de Nietzsche, a
racionalidade incorpora elementos de desejo e forças impessoais.

“Na medida em que toda a metafísica se tem


dedicado principalmente à substância e à
liberdade da vontade, pode-se designá-la como a
ciência que trata dos erros fundamentais do
homem - mas, no entanto, como se fossem
verdades fundamentais” (Nietzsche, 1974,p. 103).

Desaparecendo Deus, cai toda a sustentação e cognoscibilidade do


mundo. A racionalidade do eu pensante de Descartes revela o lado egocêntrico
do pensamento. Nietzsche mostra o custo moral de uma forma de entendimento
(de razão) que é egoísta. O pensamento que constata a verdade, constata apenas
os produtos que cria; portanto, permanece em si mesmo.
Nietzsche é antifinalista e por isso dissolve qualquer realismo,
desacredita na tentativa de qualquer representação, a não ser na esfera da
própria atividade representativa. A razão da modernidade é, ao caracterizar e
conceptualizar, uma razão objetivante. Nietzsche quer sublinhar a
impossibilidade de uma perspectiva (a verdade) sobre todas as outras

7
O conceito de pós-modernidade é bastante complexo, mas, de modo geral, há acordo de que se refere
ao fim de um período, uma despedida da modernidade, do eurocentrismo. Jean François Lyotard, na
obra O Pós-Moderno (a lª edição francesa é de 1979) entende que nas sociedades mais desenvolvidas,
devido ao continuo aceleramento do consumo, toda a produção cultural torna-se efêmera, havendo
também um consumo cada vez mais rápido de linguagens e signos. É um conceito que se opõe à
modernidade, enquanto crença na utopia do progresso, no otimismo do iluminismo e na unidade da
razão. As assim chamadas narrativas (como o sistema de Hegel e Marx) chegaram ao fim e perderam
sua legitimidade, configurando a ruptura com o historicismo. Uma das conseqüências desse
entendimento é a emergência de uma “radical pluralidade”. a multiplicidade de diferentes estilos de
vida e a sensibilização para a diferença (em oposição à unidade). Há uma série de autores que se
alinham a essa tendência, entre eles destacam-se J. Baudrilland, M. Foucault, J. Derrida.

23
perspectivas, ou seja, a impossibilidade de um sujeito poder conhecer sem que
as categorias desse pensar estejam condicionadas pela experiência.

“O nosso entendimento é uma força de


superfície, é superficial. É o que também se
designa por „subjetivo‟. Ele conhece por meio de
consertos; ou seja, o nosso pensar é um
denominar, um nomear. Por conseguinte, algo
que decorre de um arbítrio do homem e que não
atinge a própria coisa” (Nietzsche, 1989, p.66).

Schnädelbach afirma que a crítica de Nietzsche era dirigida

“de forma especial contra o modo científico de


enfocar a história, que, para Nietzsche, era um
processo de objetivação e, portanto, uma forma
de isolamento da realidade autenticamente viva”
(1991, p.82).

2.2. Horkheimer e Adorno: o desmoronamento da razão

Sobretudo no século XX, articula-se uma crítica das possibilidades da


razão, tal como foi concebida originalmente pelo iluminismo (Aufklärung). Um
dos movimentos filosóficos que se vincula, fundamentalmente, a essa questão é
a Escola de Frankfurt8. Os questionamentos formulados por essa escola,
sobretudo em Adorno e Horkheimer, permitem compreender como a razão vai
perdendo seus vínculos com a proposta originária de sua pretensa emancipação.
A confiança em uma razão que assegure o progresso da humanidade
foi submetida a um desmoronamento pela não realização das metas previstas de
libertação do homem, diante de todas as formas de tirania e obscurantismo.
Essa análise já aparece no ensaio de Horkheimer Teoria Tradicional e Teoria
Crítica (1937), no qual há referência de que os avanços da ciência e da técnica
não se confundem com os progressos da humanidade.

8
O termo Escola de Frankfurt é usado para referir os pensadores filiados ao instituto de Investigação
Social (lnstitut für Sozialforschung), fundado em 1924. em especial Max Horkheimer, Theodor
Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Leo Lowenthal. O pensamento dos filósofos dessa escola
não constitui um conjunto doutrinário, mas caracteriza-se, sobretudo, por desenvolver investigações
interdisciplinares que pensam radicalmente o significado de emancipação humana. A Escola de
Frankfurt converteu-se numa força importante na revitalização do marxismo europeu, nos anos
seguintes ao pós-guerra. Ver Martin Jay, La Imaginación Dialectica (1974).

24
Mais tarde, em 1946, Horkheimer, em Eclipse da Razão critica o
pensamento e a sociedade ocidental, buscando interpretar as mudanças
ocorridas no mundo, diante das promessas de um mundo racional.
A tese fundamental da obra é a racionalização progressiva da razão que
a oblitera e leva à perda da própria idéia de homem. Em Eclipse da Razão,
Horkheimer trabalha com a divisão da razão objetiva e da razão subjetiva que
se dá no decorrer da história, de forma vinculada com aquilo que Horkheimer
denomina Teoria Tradicional9. O próprio desenvolvimento da Teoria
Tradicional leva a razão a um formalismo, que a trata enquanto meio em
relação a fins. A determinação da gênese entre razão objetiva e razão subjetiva
não é senão a gênese do estado atual da razão.
Ao longo do desenvolvimento da sociedade moderna, a razão se
caracteriza por um funcionamento abstrato, tomando-se subjetiva, isto é, não
mais orientada por fins que traduzem uma racionalidade universal.
Durante séculos, a razão expressava o mundo objetivo, em que a razão
subjetiva era apenas a expressão parcial de uma racionalidade universal, orientada
por uma noção de verdade objetiva. Os grandes sistemas filosóficos foram erigidos
na perspectiva da razão objetiva (Platão, Aristóteles, o Idealismo) e “o grau de
racionalidade de uma vida humana podia ser determinado segundo a sua

9
Horkheimer escreve, em 1937, o ensaio Tradizionelle und Kristische Theorie (edição brasileira de
1975), no qual formula a distinção entre teoria tradicional e teoria crítica. O objetivo específico do
autor é a emergência do conceito de Teoria Crítica a partir do próprio conceito de Teoria Tradicional,
batizando-o em função de sua vinculação com a realidade social. Ao iniciar sua argumentação,
Horkheimer afirma que, usualmente, a Teoria é entendida “como sinopse das proposições de um
campo especializado” e que sua validade consiste “na consonância de proposições deduzidas com os
fatos ocorridos”. Para apoiar esse argumento, cita cientistas e autores de áreas diferentes como
Poincaré, Descartes, John Stuart Mill, Husserl, de forma a estabelecer uma certa estrutura básica
comum a todas as ciências, da qual não há consciência. A identificação dessa estrutura básica não é
uma descoberta a ser reafirmada, mas passa a ser objeto da crítica. As proposições com as quais a
teoria trabalha, independente de serem de nível transcendente, empírico, ontológico, referem-se a um
aparelho conceitual que permite registrar os fatos da realidade. Esta capacidade da teoria de
levantamento e classificação de dados passa a se constituir num fato natural. Calcular, prever,
classificar e inventariar dados empíricos são procedimentos que penetraram nas ciências do homem e
da sociedade, gerando um “arcabouço lógico” que se identifica com teoria no sentido tradicional.
Horkheimer vê uma relação direta entre essa estrutura básica da ciência e o desenvolvimento
tecnológico constatado na sociedade burguesa. Assim, afirma que: “Na medida em que o conceito é
independentizado, como que saindo da essência intensa da gnose (Erkenntnis), ou possuindo uma
fundamentação a-histórica, ele se transforma em uma categoria coisificada (Verdinglichte) e, por
isso, ideológica” (1975, p129). Nesse sentido, toda a teoria se enquadra nos cânones da teoria
tradicional, uma vez que seria impossível fazer ciência sem levantar fatos, hierarquizá-los, organizá-
los. A própria compreensão da teoria tradicional faz emergir dialeticamente o conceito de Teoria
Crítica e. por outro lado, só a consciência desta última pode criar a Teoria Tradicional. Há aqui uma
determinação recíproca entre ambas, de modo que a existência de uma pressupõe a existência da outra.

25
harmonização com a totalidade” (Horkheimer, 1976, p.12). O motivo de criação
desses sistemas era justamente a compreensão da impossibilidade da razão
subjetiva ir além de sua finalidade de autopreservação. Horkheimer define a razão
subjetiva como “a capacidade de calcular probabilidades e desse modo coordenar
os meios corretos com um fim determinado”(1976, p.13). Dessa forma, não há um
propósito racional que possibilite hierarquizar os objetivos da ação em função de
sua superioridade.
Entre razão subjetiva e objetiva não há oposição, mas uma mudança de
predominância ao longo do processo histórico. É, portanto, resultado da própria
constituição a formalização da razão, que a esvazia de seu conteúdo originário.
O termo razão objetiva, na expressão de Horkheimer,

“denota como essência uma estrutura inerente


à realidade que por si mesma exige um modo
especifico de comportamento em cada caso, seja
uma atitude prática ou seja teórica. Por outro
lado, o termo razão objetiva pode também
designar o próprio esforço e capacidade de
refletir tal ordem objetiva” (1987, p. 19).

Na medida em que a razão se transforma em subjetiva, ela se


formaliza, tornando-se incapaz de determinar se um fim é desejável ou não,
bem como de estabelecer os princípios que orientam a ética e a política. Assim,
a razão se reduz a uma faculdade intelectual de coordenação de ações,
desvinculada de qualquer referência ao mundo social.
Horkheimer demonstra que entre a religião e a filosofia se estabeleceu
um conflito no que se refere à explicação da realidade. Ambas se propõem a
mostrar como é a natureza das coisas e disso derivar o agir do homem. Nesse
processo, os ataques à religião se converteram em ataque à metafísica de uma
verdade objetiva. Assim,

“a razão como órgão destinado a perceber a


verdadeira natureza da realidade e determinar os
princípios que guiam nossa vida começou a se
tornar obsoleta” (1976, p.26).

Instala-se dessa forma a autodestruição da razão, liquidando a si mesma


como agente de compreensão ética, moral e religiosa. Juntamente com a
autodestruição da razão, instala-se também a tolerância burguesa, que permite o
convívio entre religião e filosofia, gerando uma atitude de neutralidade em relação
a todo o conteúdo espiritual. A razão orienta-se, então, pelo interesse pessoal, que
na era industrial alcança sua supremacia. Todos os outros motivos são

26
desconsiderados e abre-se espaço para a desvinculação da razão de seu conteúdo
originário. Em decorrência, as idéias fundamentadas na razão objetiva, como
justiça, igualdade, felicidade, democracia, entre outras, perdem seu vínculo,
passando a ser orientadas pelo interesse particular.
Segundo Horkheimer,

“tendo cedido em sua autonomia a razão


tornou-se um instrumento. No aspecto formalista
da razão subjetiva, sublinhado pelo positivismo,
enfatiza-se a sua não- referência a um conteúdo
objetivo; em seu aspecto instrumental, sublinhado
pelo pragmatismo, enfatiza-se a sua submissão a
conteúdos heterônomos. (...) Seu valor
operacional, seu papel no domínio dos homens e
da natureza tornou-se o único critério para
avaliá-la (1976, p,28-9).

Em sua argumentação, o autor evidencia que pensar se torna um


instrumento e a mecanização é necessária à expansão industrial. A
conseqüência dessa formalização da razão é a ausência de uma força racional
para avaliar e ligar à realidade idéias como justiça, igualdade, felicidade, que
foram retiradas da estrutura ontológica (vínculo com a razão objetiva).
Horkheimer conclui que as idéias da civilização ocidental são apenas
resíduos de idéias pensadas pela razão objetiva, esvaziadas de seu conteúdo
original. O predomínio da razão objetiva destruiu as bases teóricas das idéias
mitológicas, religiosas e racionalistas.
A verdade transforma-se numa atitude prática e esse culto pragmatista
passa a considerar como legítima somente a experiência científica conforme é
desenvolvida nas ciências naturais. É o predomínio da previsibilidade, da
dedução, do cálculo estratégico.
A redução da razão a um mero instrumento gera uma degradação da
razão. Esse despojamento do conteúdo objetivo leva a razão subjetiva a perder
a capacidade de afirmar novos conteúdos.
Uma pergunta que se impõe é o motivo que leva Horkheimer a recuar à
filosofia para compreender a racionalidade ocidental, cujo modelo predominante é
o modelo das ciências da natureza. Esse recuo está vinculado à idéia de pré-
história no sentido marxiano do termo e se impõe pela necessidade de recuperar a
memória, já que a tentativa de destruição da razão se dá, necessariamente, pelo seu
funcionamento como mero instrumento. É pela perda da memória do sentido de
razão que se possibilita um novo tipo de barbárie. O suposto recuo à filosofia é um
aprofundamento da autoreflexão. Adentrar nos conceitos de razão objetiva e
subjetiva é já uma antecipação da assim chamada Dialética do Esclarecimento: a

27
subjetividade toma consciência de si mesma, enquanto autocrítica, enquanto
objetividades equivocadas. Há um declínio no processo e é isso o que refere a
razão objetiva e subjetiva.
A crítica da racionalidade pela Escola de Frankfurt tem continuidade
com o trabalho em conjunto de Adorno e Horkheimer.
A Dialética do Esclarecimento (Dialektik der Atfklärung) prossegue o
empreendimento de interrogar a natureza da própria razão. A tese básica é de que a
razão, ao ser entendida como contrária ao mito, acaba convertendo-se em mito,
mas se apresentando como razão. O iluminismo, ao combater o mito, a ele retorna.
Ao mesmo tempo que a humanidade procura combater o mito, emancipar-se,
segundo o saber racional, ela recai na dominação que é uma expressão da barbárie.
Mas não é uma crítica irracionalista, nasce de dentro da própria
razão para cobrar dela suas promessas emancipatórias. Tanto que, segundo
Adorno e Horkheimer,

“a liberdade na sociedade é inseparável do


pensamento esclarecedor. Contudo, acreditamos
ter percebido com a mesma clareza, que o
próprio conceito desse pensamento, tanto quanto
as formas históricas concretas, as instituições da
sociedade com as quais está entrelaçado, contém
o germe da regressão que hoje tem lugar por
toda parte. Se o esclarecimento não incorporar a
reflexão sobre esse elemento regressivo, ele
estará selando seu próprio destino”(1985, p.l3).

O progresso e a regressão se relacionam, assim como o mito e a razão.


O temor de que o mito não esteja aniquilado paralisa a busca da verdade pela
razão. Ao tentar subjugar o mito, inexoravelmente, a razão provoca o seu
retorno. Os homens formaram sua subjetividade na medida em que dominaram
a natureza exterior pela repressão de sua natureza interior e, dessa forma, não
se libertaram da repetição mítica. O mundo racionalizado está só
aparentemente esclarecido, iluminado.
Sob o reverso do domínio da natureza, ao mesmo tempo, se dá a
necessária opressão dos próprios impulsos do homem. Adorno e Horkheimer
indicam, então, que tais circunstâncias promovem uma autodomesticação e
uma impossibilidade da razão cumprir sua finalidade originária. A própria
racionalização, como a forma tecnocrática, trazem a irracionalidade e a
desumanização. Toda teoria e conhecimento constituem-se em meio de
domínio e poder e deles são cúmplices.
Horkheimer e Adorno adotam uma crítica livre, independente, e
chegam a impasses dentro do próprio pensamento que pretendem esclarecer.

28
No interior do esclarecimento aparece a razão instrumental que perde sua
pretensão de verdade, submete-se ao poder e à dominação e despede-se de
qualquer esperança da dialética do iluminismo.
O modelo de racionalidade dedutiva, eleito pela modernidade, tornou-se
uma racionalidade autônoma e considera qualquer outra forma de racionalidade
deficiente. É uma racionalidade que não considera a própria irracionalidade, ou o
outro da razão, como necessária à compreensão do comportamento humano.
Essa é a racionalidade do procedimento em que

“passa a valer como racional, não mais a


ordem das coisas encontrada no próprio mundo
ou concebida pelo sujeito, nem aquela surgida no
processo de formação do espírito mas somente a
solução de problemas que aparecem no momento
em que se manipula a realidade de modo
metodicamente correto. A racionalidade do
procedimento não está mais em condições de
garantir uma unidade antecipada na pluralidade
dos fenômenos” (Habermas. 1990b, p.44).

Toda a problemática para o entendimento de educação se estabelece na


tensão entre uma racionalidade objetivadora, dedutiva e a pretendida
emancipação humana ou o acesso à consciência humana.
Expor as conexões básicas da concretização da racionalidade com a
educação é o objetivo do capítulo seguinte.

29
II

AS CONEXÕES DA MODERNIDADE E DA
RACIONALIDADE COM A EDUCAÇÃO
1. A construção do sujeito: o fundamento teórico da educação

A pretensão de validade da educação de formar sujeitos capazes de


autonomia moral e intelectual funda-se na razão auto-esclarecedora e no princípio
da subjetividade, presentes no discurso da modernidade. Esta formula-se como
uma tentativa de autonomia da humanidade em contraposição a todas as
heteronomias. Enquanto expressão da possibilidade de educação do gênero
humano, a modernidade gerou teóricos que tematizaram a educação. Entre eles,
destacam-se Rousseau10 com o clássico Emile, Pestalozzi11 com Leonard et
Gertrude e inclusive Kant12, com sua obra tardia Pedagogia. Em todos, a idéia de
educação para uma vida social adequava-se à orientação geral do iluminismo.

10
Rousseau (1712-1778). pertencendo a um movimento que queria criar uma sociedade com bases
naturais e racionais, prescindindo de dependências teológicas. reivindica a educação natural que
garante a espontaneidade da criança. Entretanto, esse “retorno à natureza” não significa, em sua obra
clássica Emile, o retorno ao estado primitivo, mas à restauração das forças espirituais, da
espontaneidade, da integridade humana. Como não é mais possível retomar à condição natural do
homem, isto serve como um ideal. Voltar à natureza significa instaurar nessa natureza a civilização, de
forma a libertar o homem e a sociedade de tudo o que há de artificioso, de mecânico, contrário à
interioridade. O Emílio é um ensaio pedagógico sob forma de romance que tem por finalidade mostrar
como a criança pode se tornar um adulto bom, já que parte da bondade natural do homem.
11
J.H. Pestalozzi (1746-1826) entendia que no estado natural do homem existe tanto o egoísmo como
a bondade. Na sua obra, aparecem as relações reais, sociais e individuais da forma como era possível
refletir na Suíça daquele tempo. As pessoas são caracterizadas como seres abertos, suscetíveis a
equívocos, mas capazes de se decidirem pelo bem. Em Pestalozzi está implícita a idéia do homem
como obra de si mesmo, responsável pelos seus atos. O homem deve converter-se a si mesmo em um
homem ético.
12
I. Kant (1724-1804) é um dos grandes filósofos da humanidade que, por ter na ação humana
um tema central, dedica-se a fazer reflexões também na área da educação. Sua obra Pedagogia
(Über Pädagogik), publicada em 1803 (tradução portuguesa de 1983), é o resultado das
anotações feitas pelo aluno Friedrich T, Rink sobre as aulas ministradas por Kant na
Universidade de Könisberg, com edição autorizada pelo próprio filósofo, conforme introdução
escrita por Mariano Enguita. A obra tematiza a necessidade de criar o homem livre e autônomo,
tendo por base a vida racional. Kant compartilhava, como o conjunto dos pensadores iluministas,
do objetivo de ensinar ao aluno a autonomia do julgamento e da capacidade de pensar. A
compreensão do pensamento de Kant na educação requer entender suas obras principais como
Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática.

30
A partir desse momento histórico, a educação se complexifica pela
contribuição das ciências humanas e da filosofia. Lenhart (1987) aponta, numa
pesquisa apoiada na teoria da evolução social, que a educação tem evoluído do
mundo da vida social diária até tornar-se sistema e institucionalizar-se.
Na medida em que se institucionaliza, a educação recebe influências
das diferentes ciências que se vinculam a seu paradigma fundador. São
inúmeros os teóricos que têm formulado o pensamento pedagógico como
formação da consciência humana13.
O princípio da subjetividade e a racionalidade formam um núcleo central
de fundamentação da tradição pedagógica que, embora com variações em
diferentes pensadores modernos, estruturam-se em torno dos seguintes pontos:
• o sujeito e a consciência de si (Kant);
• o sujeito construtor de sentido (Piaget);
• o sujeito e o mundo do sentido (Gadamer).
A escolha de Kant deve-se a sua exemplaridade como o autor que tirou
profundas consequências do conceito de razão para a educação. Sua filosofia
fundamenta a plena responsabilidade do sujeito pela sua própria constituição e
por tudo o que faz. A idéia de uma natureza humana dependente apenas de suas
ações configura um papel destacado à educação e fornece a base justificadora
para a ação pedagógica institucionalizada. A filosofia da educação se enraíza
na constituição do sujeito.
O interesse por Piaget decorre de suas pesquisas epistemológicas que
permitem uma reflexão abrangente e fecunda para compreender não só como
ocorre o processo de formação do conhecimento, como também a gênese das
estruturas da consciência.
O homem constrói sua própria condição de conhecer, de aprender, de
se comunicar e construir sentido. Ou seja, a razão é uma constituição do
sujeito. Antes de mais nada, Piaget quer “determinar as condições de todo o
conhecimento possível e de toda a comunicação possível” (Ramozzi-
Chiarottino, 1984, p.4).
Gadamer alarga o entendimento de racionalidade, com sua reflexão
sobre as condições históricas e filosóficas da compreensão e interpretação. O
sujeito se constitui como tal, através de seus vínculos com a tradição.
Kant, Piaget e Gadamer são escolhidos enquanto clássicos que têm
algo a nos informar.

13
Ver as obras de K. Mollenhauer, Erziehung und Emanzipation (1968); P. Freire, Pedagogia do
Oprimido (1970) e Educação como Prática da Liberdade (1967); E. Fiori, Conscientização e
Educação (1970).

31
Os pontos que estruturam o núcleo central da fundamentação
pedagógica são analisados a seguir.

1.1. O sujeito e a consciência de si

Kant, com sua filosofia transcendental, transforma a subjetividade, o


grande princípio da modernidade, em autoconsciência. O sujeito se debruça
sobre si numa atitude especulativa, fazendo com que a razão justifique a si
mesma e suas possibilidades.
A razão em Kant é cindida em razão teórica e razão prática,
manifestando-se no conhecimento e na ação. Habermas sintetiza com clareza
esse processo de separação:

“Ele (Kant) separa a faculdade da razão


prática e a faculdade de julgar do conhecimento
teórico e assenta cada uma delas nos seus
fundamentos próprios. Ao fundar a possibilidade
de conhecimento objetivo, de discernimento
moral e de valorização estética, a razão não
apenas assegura as suas próprias faculdades
subjetivas nem apenas torna transparente a
arquitetônica da razão, mas desempenha também
o papel de um juiz supremo mesmo perante a
cultura no seu todo.” (1990a, p.29).

Assim, o homem pode construir sua autonomia e liberdade sob a


determinação da razão. Compete à educação a tarefa de construção do sujeito
autônomo, sob duplo aspecto:
• no plano da razão teórica, pela constituição do sujeito epistêmico;
• no plano da razão prática, pela constituição do sujeito moral.
Por defender uma razão legisladora e uma ação autônoma, a idéia de
uma educação que torne o homem sujeito epistêmico e moral efetivamente, é
central na teoria de educação do filósofo. A fundamentação da moral vem ao
encontro das aspirações éticas do homem burguês e justifica o papel do sistema
educacional na configuração de uma nova ordem social, conforme exposto na
obra Pedagogía (Kant).
É com Kant que surge um sujeito plenamente responsável por si mesmo.
A essência humana enquanto liberdade e responsabilidade está em nossas mãos.
A realização do bem e da liberdade exige uma ação original do
homem, pois não é o mundo sensível que as realiza. É o homem que cria a
liberdade para si. Isso requer, porém, uma ação educativa que possibilite
empiricamente o sujeito com competência cognitiva e moral.

32
Para Kant,

“o que o homem é ou deve vir a ser


moralmente, bom ou mau, deve fazê-lo ou sê- lo
feito por si mesmo. Ambos devem ser um efeito de
seu livre arbítrio” (1974a, p.384).

A consciência de si, desdobrada em sujeito epistêmico e moral, sinaliza a


formação da identidade do eu que se reconhece a si e aos outros, o que dá base para
o reconhecimento da igualdade de todos. Esse processo, nas sociedades modernas,
requer educação no sentido da formação de um projeto humano, a ser orientado por
uma racionalidade que não seja apenas dominadora em relação à natureza, mas que
seja orientada pelo interesse da liberdade.
Em toda a arquitetura conceitual elaborada no criticismo, está presente
a visão antropológica. O homem, ser animal e racional, orienta-se para uma
construção de mundo que ele (e apenas ele) define e configura.
A natureza humana é determinada pela:

“1. disposição do homem à animalidade, como


ente vivo;
2. disposição à humanidade, como ente vivo e
ao mesmo tempo racional;
3. sua personalidade, como ente racional e ao
mesmo tempo responsável” (Kant, 1974a, .371).

À luz desse entendimento antropológico, Kant afirma que o homem é o


que a educação faz dele. Assim, abre-se a perspectiva de progresso do gênero
humano, uma nova sociabilidade. Toda a ação racional está orientada pela vontade,
tomando o conhecimento e a vida prática inseparáveis da eticidade. O homem é
resultado desse processo; é uma construção. O progresso da sociedade vai
depender do progresso do homem, especialmente, no que se refere a sua ação
reguladora. “Toda educação é uma arte, porque as disposições naturais do homem
não se desenvolvem por si mesmas” (Kant, 1983, p.35).
Essa construção, segundo Kant, pode ser mecânica, isto é, conforme as
circunstâncias e portanto sujeita a muitos erros e pode também ser submetida à
razão, que informa como devemos educar. O desejável é que a pedagogia esteja
submetida à ciência, senão, como afirma Kant, “uma geração terminaria o que a
anterior houvesse construído” (1983, p.36).
Nesse aspecto incide o caráter de idealidade do processo pedagógico: o
fim da educação é a idéia de humanidade e seu destino. Conforme Kant afirma,
pela educação o homem deve ser:

33
“a) Disciplinado. Disciplinar é tratar de
impedir que a animalidade se estenda à
humanidade, tanto no homem individual, como
no homem social. Assim, pois, a disciplina é
meramente a submissão da barbárie.
b) Cultivado. A cultura compreende a
instrução e o ensino. Proporciona a habilidade,
que é a possessão de uma faculdade pela qual se
alcançam todos os fins propostos.(...)
c) É preciso se atentar para que o homem seja
prudente, que se adapte à sociedade humana, (...)
Aqui corresponde uma espécie de ensino que se
chama civilidade,
d) Deverá ter moralização. O homem não só
deve ser hábil para todos os fins, senão que deve
ter também um critério, com relação ao qual
escolha só os bons. Esses bons fins são os que
necessariamente cada um aprova e que, ao
mesmo tempo, possa ser fim para todos” (1983,
p.36-8)

Coerente com os princípios que lhe dão sustentação, a formação do


sujeito depende do domínio de sua natureza interior, ou seja, a liberdade
pressupõe coação. Nesse sentido, é formado o clássico paradoxo kantiano:
“Um dos maiores problemas da educação é
conciliar, sob uma coação legítima, a submissão
como a faculdade de servir-se de sua vontade.
Porque a coação é necessária, Como cultivar a
liberdade pela coação?” (Kant, 1983, p.42).

Kant expõe em sua obra Pedagogía o necessário, gradual e Contínuo


acompanhamento da criança para tomá-la capaz de atos livres. Justamente essa
confiança na autoconsciência e na liberdade começa a entrar em declínio, pela
falta de condições sociais objetivas, conforme denuncia a crítica da razão.

1.2. O sujeito construtor de sentido

Reafirmando a idéia de autoconsciência e do homem construtor de si, já


tematizada pelos filósofos da modernidade, sobretudo por Kant, Jean Piaget
teoriza, a partir de dados empíricos, a construção das estruturas de pensamento, ou
seja, o sujeito construtor de sentido. Sua teoria é uma tradução do princípio da
subjetividade e se circunscreve no âmbito das condições empíricas. Tal formulação
interessa esta investigação na medida em que trata da constituição da racionalidade
no sujeito, em seu processo de desenvolvimento. Qualquer teorização que pretenda

34
defender a possibilidade da educação, enquanto racionalidade, se defronta com
essa questão empírica: qual a gênese da razão no sujeito?
A obra de Piaget está vinculada à tradição kantiana, a partir da base
biológica do ser humano, isto é, a capacidade de organizar estruturas lógicas
tem seu enraizamento nas estruturas ontogenéticas14.
A racionalidade que permite operar sobre o real, segundo a hipótese
piagetiana, deveria ter uma estrutura própria, assim como há estruturas específicas
para cada função do organismo. Tais estruturas responderiam pelo ato de pensar e
conhecer, que sempre foi investigado pelos filósofos, dando conta da lógica
universal e da possibilidade do conhecimento. Essas estruturas, no entender de
Piaget, teriam sua gênese e justificariam a evolução de uma ausência inicial de
lógica na criança até o raciocínio lógico do adulto. Toda sua pesquisa empírica
comprova essa hipótese e resulta na teorização que, a partir da primeira metade do
século XX, fornece à educação um instrumental em outro nível para construir o
sujeito da razão.
Assim, a problematização dessa temática a nível empírico permite a
análise da construção da racionalidade no sujeito, ou a constituição do sujeito
epistêmico, que constrói a si e ao mundo. Trata-se de um sujeito de
conhecimento. A investigação de Jean Piaget, através da psicogênese das
estruturas cognitivas, mostra que a evolução desse processo leva o sujeito a
níveis superiores de competência até chegar a formalizar suas estruturas
individuais de pensamento.
Essa compreensão da racionalidade do sujeito teve forte penetração na
área da educação, na medida em que expressava um potencial explicativo para a
tarefa que a modernidade atribuiu à educação, ou seja, a de tomar o homem
autônomo, tanto intelectual como moralmente. Nesse sentido, a Epistemologia
Genética oferece a possibilidade de interpretar práticas que ocorrem no interior da
instituição escolar. Essa teorização, ao analisar a constituição do sujeito epistêmico,
encontra-se submersa no entendimento de uma razão formal, operatória. Postula a
construção pelo próprio sujeito de suas estruturas cognitivas, a partir da ação
operatória, ação de um organismo vivo com o meio que o cerca, em etapas
sucessivas. Os instrumentos de pensamento deixam de ser dados para serem
formulados e reformulados em contínua ação e interação.
Pode-se encontrar uma visão sincrética da teoria piagetiana na obra
Epistemologia Genética (1971), na qual o autor insiste, conforme refere a
Introdução, em que:

14
Conforme Ramozzi-Chiarottino, na obra Em Busca do Sentido da Obra de Jean Piager, na qual a
autora afirma que a investigação piagetiana “uma retomada da problemática kantiana que se
resolverá à luz da Biologia e da concepção do ser humano como um animal simbólico” (p.29).

35
“o conhecimento não poderia ser concebido
como algo predeterminado nas estruturas
internas do indivíduo, pois que estas resultam de
uma construção efetiva e contínua, nem nos
caracteres preexistentes do objeto, pois que esses
só são conhecidos graças à mediação necessária
dessas estruturas; e estas estruturas os
enriquecem e enquadram” (p. 7).

Assim, na teoria piagetiana, há uma refutação das teses do empirismo e


do inatismo. A observação da criança, desde os primeiros dias de vida, mostra
que o conhecimento e o pensamento resultam da ação entre sujeito e objeto. Os
esquemas inatos evoluem e pela própria ação se modificam; portanto, o
esquema é, ao mesmo tempo, estruturado e estruturante.
A força modificadora da ação humana está presente desde as primeiras
ações do recém-nascido. Assim, o estímulo do meio ambiente vai produzir
efeito pela capacidade assimiladora do sujeito.
No seu desenvolvimento mental, a criança evolui para estágios mais
complexos: parte do estágio sensório-motor, quando começa a descentralização de
ações em relação ao próprio corpo. Evolui para o período pré-operatório, onde o
uso da linguagem, dos símbolos e das imagens promovem uma nova etapa de
desenvolvimento mental. A esse segue-se o estágio operatório-concreto, onde se
verifica uma descentração progressiva em relação à perspectiva egocêntrica. A
criança entra num mundo de várias perspectivas e seu pensamento passa a ter uma
lógica reversível. Essa etapa conduz ao estágio final chamado de operatório
formal, onde o sujeito pode operar com hipóteses verbais. As hipóteses são
proposições em que é possível estabelecer relações entre relações. A dedução
lógica aparece aí como um novo instrumento de operar o real.
O desenvolvimento cognitivo refere-se a estruturas de pensamento e de
ação que a criança adquire através de um enfrentamento ativo com o mundo
objetivo. Pouco a pouco, a criança vai construindo o universo externo e interno
e descentrando a compreensão do mundo, que inicialmente era egocêntrica.
O que especificamente importa na questão da racionalidade é que a
psicogênese torna empiricamente possível a constatação de uma razão operatória,
sem indicar, entretanto, as diferentes dimensões que a razão foi incorporando no
seu aprendizado histórico (o que não era objeto de sua investigação).
Essa razão que se descentra é a condição de aprendizagem necessária
para que, posteriormente, o sujeito reconheça outras razões e seja capaz de
entrar no discurso argumentativo.

36
Tanto o desenvolvimento cognitivo como o conhecimento, para Piaget,
são uma construção e o conceito de “abstração reflexionante”, desenvolvido
em 1977, na obra Recherches sur l‟Abstraction Réfléchissante, fornece uma
consistente explicação para o já referido desenvolvimento mental.
A teoria da abstração para Piaget se refere a “processos mais gerais da
equilibração” e possui diferenciação de graus e natureza.
Conforme indica a etimologia, abstrair significa “descolar”,
“arrancar”, extrair algo, de alguma coisa. O sujeito, por uma ação intelectual
representativa, “retira” dos objetos aquilo que seu esquema de assimilação15
permite retirar. Os esquemas, por sua vez, dependem da totalidade das
experiências anteriores, das abstrações realizadas.
Piaget distingue abstração empírica e reflexionante e esta, por sua vez,
desdobra-se em pseudo-empírica e refletida. Pela abstração empírica, o sujeito
generaliza e abstrai certos aspectos das coisas, dos objetos. Para abstrair as
propriedades de um objeto, o sujeito se utiliza de seus esquemas assimiladores,
anteriormente construídos. Os esquemas permitem captar o conteúdo retirado
dos objetos, como a cor, por exemplo. Quando o sujeito retira da coordenação
de suas ações determinadas qualidades ou características que os objetos não
possuem em si, ocorre a abstração pseudoempírica. Nesse caso, o “objeto é
modificado pelas ações do sujeito e enriquecido de propriedades tiradas de
suas coordenações” (Piaget, 1977, p.l).

15
Assimilação, acomodação e adaptação são conceitos da teoria piagetiana que expressam a força de
criação contínua de um organismo sobre o meio, ou do sujeito sobre o objeto. A assimilação “não é
senão o prolongamento no plano do comportamento, da assimilação biológica na sentido largo, toda
a reação do organismo ao meio consiste em assimilá-lo às estruturas desse organismo. (...) A
assimilação é o processo de integração cujo esquema é resultante ―, conforme Jean Piaget, Problemas
de Epistemologia Genética, 1975. p.373. Acomodação é a “diferenciação em resposta à ação dos
objetos sobre os esquemas sincronizando com a assimilação dos objetos aos esquemas”, conforme
Jean Piaget (ibid., p379). Em Aprendizagem e conhecimento (1974) Piaget distingue no processo de
acomodação dois aspectos inseparáveis. “Em primeiro lugar, ele designa uma atividade: apesar da
modificação do esquema de assimilação ser imposta pelas resistências do objeto, ela não é ditada
pelo objeto, mas pela reação do sujeito, tendendo a compensar essa resistência (ela pode dessa forma
proceder por reação imediata, ou por tentativas e erros, etc.). Mas, em segundo lugar, se a
acomodação ainda é uma atividade, consistindo em diferenciar um esquema de assimilação, ela é
somente derivada ou secundária com relação à assimilação. Não podemos, pois, dizer que todo
esquema tende a se acomodar a todo o objeto: ele tende a assimilar todo o objeto, mas, não
conseguindo devido a resistências anteriores, ou ele não se aplica por falta de acomodação possível,
ou ele se diferencia, mas a título de compensação dessa resistência não desejada inicialmente” (p.
63). Já o processo de adaptação é “o equilíbrio entre assimilação e acomodação, o que equivale a
dizer: equilíbrio dos intercâmbios entre o sujeito e os objetos”, conforme Jean Piaget, em Psicologia
da Inteligência (1983. p.l 8). Ver também O Nascimento da Inteligência (1982), onde o autor expõe
detalhadamente a formação do processo cognitivo, desde os primeiros reflexos do recém-nascido, até
as formas de interiorização da ação.

37
A abstração refletida é o resultado de uma abstração reflexionante, que
se torna consciente. E o trânsito da mente, elaborado para produzir o conceito.
Conforme Piaget (1977), o processo de abstração em sua amplitude:

“comporta dois aspectos inseparáveis: de um


lado „reflexionamento‟, ou seja, a projeção (como
através de um refletor) sobre um patamar
superior daquilo que foi tirado do patamar
inferior (por exemplo, da ação à representação)
e, de outro lado, uma „reflexão‟ como ato mental
de reconstrução e reorganização sobre o
patamar superior daquilo que foi assim
transferido do inferior” (p. 1).

O processo de reflexionamento conduz desde a ação à representação


até chegar à reflexão da reflexão, ou seja, o pensamento reflexivo, pelo qual o
sujeito encontra as justificativas para as conexões realizadas. Assim,

“cada nova reflexão supõe a formação de um


patamar superior de reflexionamento, onde o que
permanecia no patamar inferior como
instrumento a serviço do pensamento em seu
processo, torna-se um objeto de pensamento e é,
portanto, tematizado em lugar de permanecer no
estado instrumental ou de operação” (Piaget,
1977, p.2).

O processo de abstração reflexionante na categoria refletida é o


processo por excelência do princípio da subjetividade, que constituiu o núcleo
básico da fundamentação pedagógica. Dessa forma, o reflexionamento permite
reconhecer que não é qualquer ação do sujeito que é produtora de sentido, mas
somente aquelas ações que se dobram sobre as ações realizadas, de forma a se
apropriar de seus mecanismos.
Em suas pesquisas Piaget também comprova a superação da dicotomia
entre forma e conteúdo, pois os conceitos permitem elaborar formas cada vez
mais amplas. Cada generalização de observáveis permite novos
reflexionamentos dos mesmos em outro patamar. Assim, segundo Piaget, trata-
se de um processo em espiral:

“todo reflexionamento de conteúdos


(observáveis) supõe a intervenção da forma
(reflexão) e os conteúdos assim transferidos
exigem a construção de novas formas devidas à
reflexão. Há, portanto, assim, uma alternância

38
ininterrupta de reflexionamentos  reflexões
reflexionamentos; e(ou) de conteúdos
formas conteúdos reelaborados novas
formas, etc., de domínios cada vez anais amplos,
sem fim e, sobretudo, sem começo absoluto”
(1977, p3-4).

Essa espiral permite que o sujeito adquira formas cada vez mais ricas
para agir sobre o real, ou seja, permite a criação da novidade.
A abstração reflexionante é o esforço operatório sobre as ações anteriores,
responsável pela constituição das estruturas de conhecimento, diferenciando cada
vez mais os esquemas coordenadores da ação. Esse é o tipo de ação que na teoria
piagetiana permite a construção da estrutura dos quatro níveis ou estágios do
desenvolvimento mental (nível sensório-motor, pré-operatório, operatório-
concreto, operatório-formal). Pelo processo de abstração reflexionante, é possível
tornar consciente os esquemas de ação (do agir e do pensar). Nesse caso, a tomada
de consciência permite chegar a níveis cada vez mais complexos e diferenciados de
leitura e compreensão do mundo. O sujeito reconhece a ação realizada, apropria- se
de estruturas cognitivas e as utiliza com novos fins, diferentes daqueles do plano
anterior. Ou seja, a tomada de consciência é o processo por excelência do
questionamento, é o que permite sua expansão. É por processos de abstrações que,
posteriormente, esse sujeito submete a própria razão à aprendizagem. O processo
de aprender é “proceder a uma síntese indefinidamente renovada entre a
continuidade e a novidade” (Inhelder, 1977, apud Becker, 1993, p.25). Tal
processo, na teoria de Piaget, em razão de seu vínculo com a tradição kantiana e a
da filosofia da consciência, dá-se no âmbito da ação do sujeito.
Os estudos de Piaget apontam o potencial da razão do indivíduo na
consecução da competência do pensamento lógico e há pesquisas empíricas16

16
Estudos na área de alfabetização, conforme Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, em Psicogênese da
Língua Escrita (1986), na qual as autoras procuram compreender como se dão os processos de
aquisição da escrita, apoiados na tese de Jean Piaget. Descobrem um sujeito ativo que reinventa a
escrita num processo construtivo de apropriação. Essas pesquisas têm revolucionado a prática da
alfabetização e criado condições para a efetivação do sujeito epistêmico. No Brasil. há os estudos de
psicologia cognitiva de Terezinha Nunes Carraher (Org.), em Aprender Pensando (1986) que,
igualmente, mostram o potencial da Epistemologia Genética para explicitar os processos de construção
das estruturas da razão. Bárbara Freitag, em Sociedade e Consciência (1984), estuda as estruturas
formais da consciência e sua dependência do meio social e dos condicionamentos psicogenéticos. O
estudo foi desenvolvido a partir de dados empíricos coletados em favelas de São Paulo. Há uma série
de outras pesquisas desenvolvidas em escolas brasileiras que demonstram a efetividade da
Epistemologia Genética para orientar as ações pedagógicas. Nesse sentido, ver recente inventário das
pesquisas realizadas no Brasil feito por Fernando Becker, em apêndice à tradução portuguesa da obra
Jean Piaget, de Thomas Kesserling (Vozes, 1993).

39
que comprovam essa possibilidade. A razão é resultado de um processo de
aprendizagem e permite ao sujeito evoluir em suas estruturas mentais até obter
um pensamento lógico-abstrato. A partir desse nível, o sujeito opera não só
com o real mas com os possíveis.
A questão que se coloca no âmbito desta investigação é a do risco de
uma unilateralidade lógica na constituição da razão. Ou seja, a educação e a
prática pedagógica ficam absorvidas com o “encantamento” da competência
cognitiva, reduzindo a razão a uma capacidade operativa. A introdução da
hermenêutica para ampliar a análise do sujeito racional reflete as novas
contingências e a experiência da temporalidade, trazidas pelas ciências
históricas-hermenêuticas, a partir do século XIX, diante de uma razão endeusada,
não situada. Esta interpretação, associada ao aporte piagetiano, permite
reconhecer no conhecimento uma confluência da racionalidade e da
historicidade próprias do homem. A Epistemologia analisa a gênese das
estruturas que viabilizam o processo cognitivo, conferindo um caráter
epistemológico à constituição da racionalidade, isto é, reconhece o conhecimento
e a racionalidade como uma construção do sujeito. Sem recusar a relevância
dessas pesquisas, há uma maneira de compreender a produção da racionalidade
que coloca a hermenêutica como complemento da reflexão epistemológica.
Quando o homem conhece, está manifestando sua racionalidade e sua
historicidade. A razão não se constitui fora do mundo prático e da história.
Conhecer a gênese das estruturas cognitivas não abarca a totalidade dos
aspectos que constituem, a racionalidade. Daí o risco da unilateralidade lógica.
Esta análise, que pretende trazer outras teorizações para a
compreensão da racionalidade, quer sublinhar o risco de uma redução da
razão a um modo de logicidade, sem deixar de reconhecer a existência dessa
dimensão enquanto condição necessária, mas não exclusiva ou suficiente, à
constituição do sujeito epistêmico.
Compreender o pensamento humano e suas formas de comunicação
exclusivamente como uma operação mental ou como uma análise lógica implica
silenciar uma dimensão de historicidade do ser humano e reduzir a complexidade
do processo de compreensão e de busca de sentido a uma dimensão empírica.
É nesse ponto que a hermenêutica se encontra com a educação, porque
ela vai justamente romper com a pretensão de objetivação do mundo. Em
outras palavras, a ciência objetivante não é suficiente para explicar os
processos de captação do real. À medida que é denunciada a impossibilidade de
uma pretensão exclusivamente objetivante da racionalidade, a reflexão sobre o
homem e sua inserção histórica traz uma nova dimensão à razão.
O homem que produz e se apropria de conhecimentos está, desde
sempre, temporal e historicamente situado. A educação não pode

40
desconsiderar essa dimensão, sobretudo, porque é no contexto de seu
mundo e de sua cultura que ela vai encontrar as referências para constituir a
própria natureza humana e sua racionalidade.

1.3. O sujeito e o mundo do sentido

O princípio da subjetividade é aqui renovado pela inserção do


sujeito no mundo do sentido. A busca do sentido e da compreensão é o
problema fundamental da hermenêutica. Nessa perspectiva, a razão não é
mais apenas objetivante.
A compreensão não depende apenas da razão universal, mas do
processo histórico que cria e transmite sentido. A abordagem hermenêutica
envolve algo no mundo, as suposições, as práticas comuns. Ou seja, ela traz
presente a tradição cultural.
Essa problemática situa-se no campo da fundamentação da
racionalidade e é tematizada mais tardiamente pela reflexão filosófica. A
hermenêutica possibilita uma relação de complementaridade à constituição
epistêmica do sujeito, uma vez que traz as condições históricas do trabalho do
pensamento e mostra que a racionalidade está preestruturada pela tradição.
A hermenêutica quer expor as conseqüências de um conhecimento
que se cria a partir de um horizonte tal que nem ele mesmo pode ultrapassar.
E o espaço no qual o homem se expõe a si mesmo, correndo o risco de perder
sua própria orientação. Isso pressupõe entregar-se ao outro, ao texto, ao
diálogo na busca do sentido.
Transpor, expor, interpretar, revelar...são verbos que se relacionam com a
busca de um conteúdo que não aparece explicitamente na superfície. A
hermenêutica, ao reconhecer um déficit teórico no monismo metodológico,
presente na racionalidade dominante no mundo ocidental, mostra que o sentido não
é imposto pela razão nem dominado pelo sujeito-intérprete, pois não há crença na
possibilidade de uma racionalidade externa definidora de regras de sentido. Aqui
há também uma oposição da hermenêutica em relação ao sujeito do idealismo
alemão (o eu que se põe a si mesmo).
A hermenêutica não é uma alternativa à explicação técnica, mas a
tentativa de compreender algo, com base em um horizonte mais amplo. Assim,
vai situar-se no âmbito da linguagem, enquanto contexto de possíveis sentidos
verdadeiros. A hermenêutica é uma contribuição das assim chamadas ciências
do espírito para ampliar um conceito restrito de racionalidade.
A racionalidade estática torna-se fluida. Aparece então um fato novo para
a configuração da subjetividade: o nosso objeto de compreensão não tem
independência diante de nós. A educação, na tradição iluminista, aposta na

41
capacidade intelectiva dos sujeitos, e a hermenêutica aponta que as condições sob
as quais se realiza essa capacidade tem um significado constitutivo que não se dá
fora da história. Compreender o sentido é a base da própria razão. Assim, a
hermenêutica traz à educação uma reflexão nova, que mostra a impossibilidade de
um domínio completo do processo de interpretação, de dar razões. A interpretação
não é unívoca, depende do horizonte compreensivo dos sujeitos e a educação pode
auxiliar a conviver com a polissemia das vozes interpretativas.
Para explicitar o que se pretende com a idéia de uma subjetividade
renovada, especifica-se, a seguir, a dimensão do “sentido” introduzida pela
hermenêutica.

1.3.1. O problema da compreensão hermenêutica

Gadamer, com sua decisiva contribuição à hermenêutica moderna,


questiona o próprio estatuto do método como caminho único da verdade,
afirmando que a compreensão não é uma “instância científica, senão que
pertence com toda a evidência à experiência humana do mundo”(1977, p.23).
Gadamer retoma a reflexão hermenêutica de Heidegger, que dá
proteção às formas arbitrárias de pensar e orienta nosso olhar para a coisa
mesma. Esse olhar permite uma busca produtiva de sentido.
No processo de compreensão, conceitos vão sendo substituídos por novos
projetos de sentido até que opiniões equivocadas sejam superadas. As opiniões são
submetidas a processos de validação. Na busca de sentido, Gadamer alerta para a
necessidade de estarmos abertos à opinião do outro (expor-se), pois a tarefa da
hermenêutica exige um constante entregar-se ao texto:

“não pressupõe nem „neutralidade‟ frente às


coisas nem tampouco cancelamento de si
mesmo, senão que inclui uma matizada
incorporação das próprias opiniões prévias e
prejuízos” (1977, p336).

Tal entendimento traz à educação a crítica da racionalidade conduzida


de forma mecânica, lógica e linear, dando lugar a uma busca produtiva de
sentido que se amplia pelo diálogo, pelo “exporse” ao outro. A hermenêutica
indica que no processo de racionalidade, de compreensão e de sentido há uma
radicalidade histórica a ser considerada. Dessa forma, apresenta-se como crítica
do modelo de racionalidade prevalente nas sociedades modernas.
A interpretação dos prejuízos (ou preconceitos) constitui uma forma de
compreensão para Gadamer, contrariamente ao modo de pensar do iluminismo,
que tenta evitar qualquer forma de preconceito. O viés racionalista do

42
iluminismo reduz tudo à forma de fundamentação que exclui todas as
possibilidades de abordagens da coisa, entre elas os preconceitos em geral. A
finitude e a historicidade do homem exigem a reabilitação do conceito de
prejuízo (preconceito) e o reconhecimento de prejuízos legítimos.
Através de seu próprio preconceito, o iluminismo transforma o
conceito de autoridade em obediência cega. Gadamer refuta esse entendimento
para afirmar que a autoridade se fundamenta no reconhecimento e no
conhecimento; portanto,

“a autoridade não se outorga senão que se


adquire e tem que ser adquirida se se quer
apelar a ela. Repousa sobre o reconhecimento
e, em conseqüência, sobre uma ação da razão
mesma” (1977, p.347).

O argumento da autoridade não é arbitrário porque depende do


conhecimento. Portanto, é uma autoridade que não é baseada na fé. Gadamer
propõe tratar a autoridade no contexto da tradição, buscando apoio na crítica
que o romantismo faz ao iluminismo.

“O consagrado pela tradição e pelo


passado possui uma autoridade que se tornou
anônima, e nosso ser histórico e finito está
determinado pelo fato de que a autoridade do
transmitido, e não só do que se aceita
racionalmente, tem poder sobre nossa ação e
nosso comportamento” (p.348).

Estamos submersos numa tradição que determina as instituições e os


comportamentos dos homens. A tradição, enquanto conservação, é um ato
da razão que se integra com o novo nos momentos mais revolucionários. A
crítica da tradição feita pelo iluminismo não dá conta do seu ser histórico. A
tradição permite uma compreensão que transcende o universo metódico.
Dessa forma, a compreensão não está além de nosso próprio horizonte, mas
se situa na história e na tradição.
Gadamer, no intento de recuperar a tradição, reconceptualiza o
conceito de clássico, minimizando seu caráter meramente temporal para
reafirmar seu elemento normativo:

“O clássico é uma verdadeira categoria


histórica porque é algo mais que o conceito de
uma época ou o conceito histórico de um estilo
(...); designa um modo característico do mesmo

43
ser histórico, a realização de uma conservação
que, em uma confirmação constantemente
renovada, torna possível a existência de algo que
é verdade” (1977, p.356).

O clássico revela o ser histórico que é mantido no tempo e se conserva


porque se interpreta a si mesmo. É pelo clássico que é feita a mediação entre
passado e presente. Segundo Gadamer, isso confere à compreensão
hermenêutica um reportar-se à tradição. Essa recuperação do “ser histórico”
implica numa abordagem mais produtiva da racionalidade, especificamente no
que se refere à sua ação enquanto conservadora e crítica da cultura.
Uma das condições para a compreensão hermenêutica do pertencer
à tradição é a antecipação do sentido: o todo só é compreendido pelas partes
e as partes só são compreendidas no todo (é a relação circular ou estrutura
circular da compreensão).
Gadamer retoma de Heidegger o círculo hermenêutico, de forma que

“a compreensão do texto se encontra


determinada continuamente pelo movimento
antecipatório da pré-compreensão. (...) Não se
trata de um movimento formal (...), senão que
descreve a compreensão como a interpenetração
do movimento da tradição e do movimento do
intérprete” (1977, p. 363)

O círculo hermenêutico heideggeriano revela a própria constituição


ontológica do ser. A compreensão, então, não pode ser abarcada só pelo método,
mas envolve uma articulação entre o ser de nós mesmos com o nosso mundo. A
compreensão pertence à estrutura fundamental do próprio ser humano.
No processo de constituição da compreensão, estabelece-se uma
tensão entre a estranheza e a familiaridade, de fundamental importância
para a hermenêutica. Gadamer destaca que a hermenêutica está a meio
caminho dessa situação, ou seja, entre a objetividade do distanciamento
histórico e o pertencer à tradição.
A compreensão de um texto não é nunca meramente reprodutiva; ao
contrário, tem um sentido produtivo. Portanto, é inadequado, na abordagem
hermenêutica, compreender melhor, com mais objetividade, pois quando se
compreende, “se compreende de um modo diferente” (Gadamer, 1977, p.367).

44
É importante destacar aqui a polêmica estabelecida entre Habermas e
Gadamer a propósito da “controvérsia entre dialética e hermenêutica”17,
Habermas destaca que o processo de formação pela tradição, ao ser inculcado pela
estrutura preconceitual, não permanece intocado pela reflexão. Considera que
Gadamer não tira todas as conseqüências do papel da reflexão. Sobre isso afirma:

“Ao certificar-se da estrutura preconceitual,


o jovem tornado maduro transporia o
reconhecimento, antes não-livre, da
autoridade pessoal do preceptor, agora
refletidamente, para a autoridade objetiva de
um contexto da tradição. Só que a autoridade
teria permanecido autoridade, pois a reflexão
só poderia ter-se movido nos limites da
faticidade do transmitido (Überlieferten), O
ato do reconhecimento, que é mediado pela
reflexão, não teria alterado nada no fato de
que a tradição enquanto tal permaneceu a
única razão da validade do preconceito”
(Habermas, 1987, p.l7).

Sem negar a importância da hermenêutica, Habermas discorda da


convergência reconhecida por Gadamer entre autoridade e conhecimento. Só
um processo reflexivo permite a apropriação do caminho da autoridade, tirando
do mesmo aquilo que “era pura dominação” para ser “dissolvido na coerção
sem violência da intelecção e da decisão racional” (Ibid., p.l8).
Apesar dessa divergência, os dois filósofos compartilham de um ponto
em comum, o de que nossa compreensão é preestruturada pela tradição e que a
consciência hermenêutica revela os limites de um conhecer auto-suficiente e
meramente objetivante.
A hermenêutica traz uma abordagem mais produtiva à dimensão
epistemológica da razão. A racionalidade que está subjacente às estruturas
mentais se amplia com um processo produtivo de significação, que deriva da
dimensão de historicidade dessa própria razão.
A nível teórico, a hermenêutica aponta que o processo de conhecer, dar
razão, constituir a racionalidade não apresenta uma dimensão exclusivamente
operativa; ao contrário, o sujeito constitui-se no contexto histórico, na busca
produtiva de sentido. A interpretação hermenêutica na educação oferece as
condições de fazer surgir um conhecimento que até então não se encontrava

17
Ver Habermas. Jürgen, Dialética e Hermenêutica: Para a Crítica da Hermenêutica de
Gadamer, tradução brasileira de 1987. que contém os textos em que Habermas formula sua
crítica a Gadamer.

45
disponível entre professores e alunos. Novas explicitações de sentido vão surgir e
vão determinar o próprio rumo da compreensão. O processo de conhecer e, por
conseqüência, a aprendizagem, ampliam-se pelas novas possibilidades da razão, o
que permite uma forma não autoritária e não dogmática de compreensão dos
conhecimentos e das diferentes culturas.
A análise até aqui desenvolvida procurou mostrar o princípio da
subjetividade como base de justificação da educação. Com Kant, o
fundamento normativo se expressa pela constituição do sujeito de
conhecimento e de ação moral. A educação é constitutiva da própria natureza
humana, rompendo com qualquer base de justificação exterior a si mesma.
Piaget, também tributário da filosofia da consciência, aponta a possibilidade
de construção da gênese das estruturas cognitivas, de caráter universal,
responsáveis pela formação do sujeito epistêmico, instrumentalizando a teoria
pedagógica com um conjunto de conhecimentos que fazem a mediação do
sujeito racional. Gadamer, ao refletir sobre as condições históricas e
filosóficas da compreensão, indica que o sujeito não ultrapassa, na construção
de sua racionalidade, os vínculos da tradição. da historicidade.
É preciso, entretanto, entender a mediação institucional que a
modernidade encontra para realizar a educação do sujeito, que passa a se
constituir em aspiração política. A criação da escola moderna é resultado de um
processo de evolução social, surge como mediação necessária do projeto da
modernidade e concretiza uma determinada racionalidade.

2. A escola moderna: uma mediação para a construção do sujeito

Toda a promessa da modernidade na construção de um homem capaz


de, constituindo-se a si e ao mundo, chegar à autonomia, à liberdade e à justiça,
gerou a articulação de ações políticas, com vistas à efetivação desses valores.
Esse ideário culmina com a criação da escola como “sistema mundial
moderno” (Adick, 1989, 1992) que, tanto em países em desenvolvimento como
em países desenvolvidos, tem se constituído, há quase dois séculos, como o
modelo dominante para realizar o processo de educação e de formação dos
sujeitos dotados de razão.
Como resultado de uma evolução da modernidade (Habermas), na esfera
sociocultural, a escola constitui-se em fragmento da totalidade da práxis
pedagógica, que reflete o nível do desenvolvimento da ciência e da cultura, as
dependências do sistema político, econômico e social. E, dessa forma, elemento
integrante de toda a práxis social e reveladora da racionalidade predominante. Sua
função social básica é a de reprodução, que se manifesta no sentido de legitimar

46
aqueles conhecimentos e valores que veicula e transforma em capital cultural
(Bourdieu, 1974, 1982).
Adick, ao evidenciar o caráter universal da escola moderna, enquanto
tributária do projeto da modernidade, define-a como parte constitutiva de um

“sistema mundial contraditório, caracterizado


pela modalidade capitalista de produção e que,
através da universalização do saber, da
acumulação de capital e da divisão internacional
do trabalho, liberou, por um lado, possibilidades
e promessas emancipatórias, que todavia mantém
(direitos humanos, elevação do nível de vida),
mas que, por outro, também deu lugar ao
surgimento de conflitos de poder, potenciais de
exploração e ameaça, entre as sociedades
diversas e em seu interior, ligados à apropriação
do saber, ao capital e à divisão do trabalho,
perigos que todavia hoje seguem em plena
vigência (guerras, crises ecológicas, estruturas
de dependência)” (1989, p. 70).

Dessa forma, a escola é expressão da necessidade de educar e resultado


do processo de evolução da modernidade. Constituiu-se, originalmente, como
um instrumento circunstanciado por componentes ilustrados e emancipatórios,
mas seu componente de dominação impõe sempre novas coações.
Para fins deste estudo, deve-se destacar que a escola moderna:
• é um instrumento de reprodução da humanidade, que mantém tensão
dialética entre perspectivas emancipatórias e conservadoras, apresentando,
portanto, uma estrutura antinômica;
• participa da produção e transmissão do saber, bem como de sua
seleção e legitimação;
• mantém uma combinação de educação e ensino, entendida como um
tratamento metódico para que o saber seja apreendido;
• é o lugar onde aprendizagem e ensino se diferenciam e ocorrem
sistematicamente;
• promove a aprendizagem da racionalidade;
• é uma das instâncias de formação do ser humano, da constituição do
sujeito epistêmico e moral;
• é resultado de um processo de evolução social.
Depreende-se da análise até aqui realizada que a educação está
presente na sociedade, articulada com os diversos discursos produzidos sobre
racionalidade e sujeito. Assim, a educação concretiza certos pressupostos
filosóficos que justificam os tipos de educação existentes. A modernidade

47
anuncia princípios orientadores para a educação que, se por um lado devem ser
criticados, porque a sociedade testemunha os contraditórios impasses
decorrentes da ação racional, por outro lado precisam ser submetidos a uma
radicalização crítica que permita estabelecer critérios sobre o que deve ou não
ser conservado ou transformado.
A análise de Heisper (1990) sobre a antinomia da escola moderna,
indica que a mesma participa da utopia e das esperanças da modernidade, assim
como também contém em si o seu movimento contrário. Enquanto vinculada à
utopia e à esperança do iluminismo, a educação realiza a institucionalização
dos sistemas públicos de ensino, concebidos como promoção da autonomia,
eticidade e progresso racional. Por outro lado, como resultado da modernização
e da burocratização, o sistema escolar é perturbado de forma profunda em sua
estrutura, que abstraiu as bases do mundo da vida.
Essa perturbação aparece sob a forma de reprodução das insuficiências da
razão, que arrastam consigo uma subjetividade que perde mais e mais seus
vínculos originários. O item a seguir identifica as implicações da crítica da razão
para a educação, de forma a evidenciar as coações que atuam a nível escolar.

3. As relações entre a crítica da racionalidade e a educação: a


reprodução das insuficiências da razão

A crítica da racionalidade ocidental permite focalizar a presença das


distorções da razão no processo educativo.
A vinculação originária da educação com o desenvolvimento de um
homem dotado de razão (sujeito autoconsciente), determina um virtual
direcionamento do processo pedagógico para o mesmo lado que toma a razão
em sua constituição histórica.
A escola, como um instante do processo de modernização, pretende
trazer uma competência cognitiva, simbólica e social e uma estrutura racional
individual, que promova a reprodução da audaciosa razão moderna. A escola
vem sendo entendida como um momento social da potencialidade da razão.
Entretanto, pode ser compreendida no sentido de uma razão instrumental, pela
possibilidade de promoção de um pensamento formalizado que gera crise na
formação da identidade pessoal.
Uma análise da prática educacional revela que, na medida em que faz a
mediação da construção de sujeitos, através da aprendizagem e do saber que
transmite, a educação promove a razão formalizada, ou seja, o mesmo modelo
de racionalidade predominante na civilização ocidental.
Esse predomínio se traduz pela interpretação pedagógica dos processos de
coletar dados, seriar, classificar e desvincular os meios de uma totalidade, o que

48
significa falar de uma racionalidade dedutiva e de domínio dos sujeitos sobre os
objetos. Assim, verifica-se a legitimação dessa razão tanto pelos procedimentos
pedagógicos com vistas à aprendizagem (a seriação do saber, o sistema de
avaliação, o predomínio dos procedimentos empírico- experimentais no ensino, a
organização dos currículos privilegiando o enfoque positivista, a administração
burocrática), como pelo próprio conteúdo, que autonomiza o conhecimento e a
profissionalização nos moldes da razão subjetiva, ou seja, os cursos e os
conhecimentos trabalhados pela escola perdem seu vínculo com as exigências das
necessidades sociais e atrelam-se a interesses de grupos que detêm o poder.
O próprio papel da escola está subjugado à razão subjetiva. Esse
processo não trazido à consciência mascara-se sob uma pretensa neutralidade,
que, facilmente, retira da educação seus vínculos como reprodutora do modelo
social vigente. Se a razão não é mais agente de compreensão ética, a escola, ao
promover a razão, reproduz esse processo, não conseguindo efetuar a ruptura.
Essa reprodução se dá em toda a organização escolar, seja no que se refere a
currículos como a procedimentos internos.
A classificação, a fragmentação do saber, a desvinculação de uma verdade
universal e o atrelamento ao chamado interesse pessoal (no caso, o interesse de
grupos sociais) presentes nos processos educacionais revelam a ausência de
condições para a inserção do sujeito numa racionalidade comprometida com a
emancipação, conforme anúncio da dialética do iluminismo.
Assim, a estrutura organizacional da escola18 industrial, capitalista e
burocrática é a expressão material das relações sociais e da razão instrumental.
Se, por um lado, a racionalidade promovida pela escola é a subjetiva, por
outro lado, esse aspecto é mascarado pela aparência da apresentação dessa razão
como forma exclusiva, legítima e natural das relações entre o homem e o mundo.
Nesse aspecto, a racionalidade vigente, ao ser reafirmada pelo processo
educacional, reafirma também como legítimo um único discurso sobre o que é
ciência e conhecimento. Dessa forma, prepara os educandos sob a chancela da
racionalidade técnica, dedutiva, de controle de ações, formando profissionais
desvinculados dos conteúdos éticos e de liberdade da razão. A educação
formaliza o preparo dos alunos.
O problema emergente dessa situação, à luz da Teoria Crítica, é a análise
das possibilidades da educação se submeter ao mesmo processo crítico para chegar
à auto-reflexão e a uma possível alteração das suas relações com a sociedade.

18
Conforme análise dos autores chamados reprodutivistas, que teorizam a educação em geral e a
escola em particular como reprodutora das relações sociais. Ver A Reprodução de Bourdieu e Passeron
(1970). Baudelot e Establet (1976) e Bowles e Gintis (1976). Ver a publicação Teoria e Educação. V.
1, 1990, sobre Teorias da Reprodução e da Resistência. Porto Alegre, Ed. Palmarinca.

49
Certamente, a escola não é o “locus” exclusivo para a desalienação nem a
garantia da mudança social necessária. Mas, por outro lado, a auto-reflexão não
pode ocorrer fora da constituição de um sujeito epistêmico, capaz de tomada de
consciência. Embora esse processo não seja suficiente, é necessário para a crítica
das determinações histórico-sociais da realidade educacional, de forma a exigir da
educação o cumprimento de seu papel emancipatório.
Entretanto, ao sonegar as condições que levam ao processo de crítica, o
sujeito epistêmico incorpora como legítima a redução da razão e torna-se cada
vez mais distante da compreensão de uma racionalidade que hierarquize meios
e fins. E o que se pode chamar de razão com des-razão.
Na sociedade brasileira, há a necessidade de constituição do sujeito
epistêmico como condição básica para o processo de crítica. De certa forma, se
estabelece uma situação paradoxal: por um lado, a escola está orientada pelos
princípios da formalização racional; por outro lado, é nessa mesma escola que
está uma das possibilidades de constituição desse sujeito, sem o qual não se
estabelece a capacidade operatória formal que levaria à tomada de consciência.
Reproduz-se aqui, portanto, o mesmo reconhecimento da necessidade
emancipatória que a Teoria Crítica faz em relação à Teoria Tradicional19, ou
seja, no próprio processo nasce o indicativo de mudança.
A escola deve, então, ter compromisso com a constituição das
estruturas mentais, com a formação de sujeitos capazes de operar formalmente
para que se criem as condições necessárias à tomada de consciência e, de forma
articulada com a prática, se dê a ruptura com o caráter ideológico, mistificador
de uma racionalidade que desumaniza.
Algumas propostas nessa perspectiva, chamadas de Pedagogias
Progressistas e Libertadoras20, têm por objetivo o desenvolvimento de uma
consciência crítica, com vistas a superar as condições opressivas que impedem
a libertação do homem. Entretanto, essas pedagogias não conseguiram ainda ter
expressão nos sistemas de ensino. Esse fato pode ser explicado pela própria
penetração da razão formalizada em todas as esferas da sociedade, impedindo o
avanço de propostas que traduzem um projeto emancipatório. Essa situação

19
Ver nota n° 9, que analisa as características da Teoria Tradicional, como levantar dados, inventariar,
classificar (Horkheimer, 1975).
20
As pedagogias progressistas referem-se àquelas propostas que pretendem vincular o processo
educativo à promoção da consciência crítica, através da libertação pessoal das condições de opressão,
de forma que, sobretudo as classes subalternas brasileiras e latino- americanas, possam assumir seu
papel de sujeito na história. No Brasil. o mais expressivo representante desse pensamento é Paulo
Freire. educador respeitado internacionalmente. que, no início da década de 60, desenvolveu um
trabalho de alfabetização de adultos, cujos princípios teóricos estão expostos na obra Pedagogia do
Oprimido. Pertencem ainda a essa tradição Ernani Maria Fiori e Álvaro Vieira Pinto. Em geral, trata-se
de experiência em educação popular.

50
revela também a falta de condições objetivas para a constituição do sujeito,
conforme a própria crítica da queda da teoria da subjetividade, que será
analisada no item 4 deste capítulo.
Aliadas a isso, encontram-se as dificuldades de constituição do sujeito
epistêmico do ponto de vista social: uma vez que a sociedade descuida das
condições estruturais, econômicas e de obtenção da cidadania, auxilia na
manutenção da marginalidade e toma cada vez mais distante o necessário momento
da tomada de consciência, porque não se estabeleceram nem sequer as condições
de operar formalmente. Em outras palavras, há necessidade de criação das
condições objetivas de uma nova razão humana, social, mais reflexiva.
A aproximação com a Teoria Crítica é necessária para compreender essa
estrutura que está presente na racionalidade do mundo moderno e que gera não só a
independentização dos meios em relação aos fins, como também determina, em
termos político- sociais, o lucro como critério orientador da ação. A ausência dessa
compreensão pode levar a uma afirmação da liberdade pelo pensamento, em
abstrato, levando a educação a um caráter voluntarista e mitológico.
Os equívocos desse processo levam a escola a reconhecer, no
conhecimento, uma autonomia que levaria à libertação, desconhecendo que
tal conhecimento é também produto de uma racionalidade que se
instrumentalizou e degenerou.
O pensamento crítico pode estar presente na escola, dando uma outra
referência aos seus processos internos e de conhecimento, de forma a estabelecer
um novo vínculo com as exigências da sociedade. O estabelecimento desse
processo crítico não se dá em abstrato; deve ocorrer na concretude da ação
pedagógica. Em especial, na sociedade brasileira, onde são reduzidos os espaços
favoráveis à reflexão, já que a indústria cultural penetra todas as dimensões da
vida social com sua lógica própria, a ação do professor se reveste de uma dupla
exigência: de um lado, promover a auto-reflexão para si e, de outro lado,
promover um saber e uma ação pedagogicamente melhores junto aos educandos.
Assim, o reconhecimento do falso progresso da razão é condição necessária,
embora não suficiente, da emancipação. Na tradição da dialética do iluminismo,
a emancipação normatiza a educação e deve ser compreendida como um
estímulo à racionalidade das ações do sujeito. Entretanto, a contradição entre o
que é entendido por sujeito racional e a vida, a contradição entre a possibilidade
de amadurecimento e as condições de educação não permitem que essa aspiração
de emancipação se realize.
A crítica da racionalidade vigente nas sociedades modernas já
indica as dificuldades de realização de um processo de libertação do sujeito
e os limites impostos pelas ações sociais.Cabe aqui perguntar se a meta

51
ambiciosa de transformar a sociedade vem se tornando cada vez mais tênue,
como resolver esse paradoxo?
É necessário fazer-se uma consideração especial a esse
questionamento: se na educação há uma ação que dirige deliberadamente o
processo pedagógico (ação intencional), essa intervenção não pode
desconhecer a necessidade de auto-reflexão e de libertação. O desafio é sua
realização. No entanto, a educação, enquanto práxis, não pode desconsiderar a
insuficiência do próprio progresso da razão.
A perda da confiança na razão e a contradição presente nas relações
sociais objetivas dão origem à assim chamada crise do fundamento normativo
da educação pela crise do princípio da subjetividade, enquanto autoconsciência,
cujos antecedentes se encontram na crítica da razão já exposta no item 2, do
capítulo 1. O item subseqüente esclarece as relações entre a crise da
subjetividade e a educação.

4. Educação e subjetividade - a crise do fundamento normativo da


educação

As críticas à razão e ao princípio da subjetividade, que se consolidam no


século XX, trazem para a educação a perda da consistência de seu fundamento
histórico. O acordo geral decorrente da tradição iluminista, acrescido de
contribuições das chamadas “Geisteswissenchaften ―, indica a exigência da
moderna sociedade para o desenvolvimento da autonomia e independência, com
vistas à consciência e emancipação dos sujeitos, através do processo educacional.
O consenso sobre o fundamento da subjetividade indica os seguintes elementos
(Pongratz, 1989):
• o objetivo da educação é o amadurecimento do homem para
desenvolver sua individualidade e consciência ética;
• as categorias do pensamento pedagógico são: identidade do eu,
emancipação, consciência e responsabilidade moral.
A reivindicação de Kant de que a educação deve desenvolver as
categorias de disciplina, cultura, civilização e moralização está apoiada no
fundamento da subjetividade, conforme foi referido no capítulo II. Mas esse
princípio toma-se problemático, tanto pela crítica como pela adesão da assim
chamada morte do sujeito.
Embora esse quadro teórico da tradição pedagógica se circunscreva no
âmbito da Aufklärung européia do século XVIII, a realidade brasileira articula
seu projeto educativo sob o mesmo fundamento e isso se traduz pelas diferentes
tendências pedagógicas (Saviani, Gadotti), que, de uma ou outra forma,
assumem compromisso com a formação da cidadania, aprendizagem de

52
conhecimentos, promoção da consciência de si e do mundo, autonomia moral e
intelectual. Ou seja, as assim chamadas pedagogias libertadoras e progressistas,
assim como as liberais, são expressões pedagógicas da filosofia da consciência,
tendo um conceito histórico- filosófico de razão.
Destaco, entretanto, que há motivos filosóficos diferentes nessas
correntes pedagógicas. Basta lembrar que as pedagogias progressistas e
libertadoras de base marxiana fazem a inversão da relação teoria-prática e
situam a razão na concretude, em seus contextos próprios. No entanto, mantêm-
se ainda no esquema da relação sujeito-objeto e na confiança no progresso da
razão, nos moldes da filosofia da história.
A atual crise do sujeito tem início com as condições contraditórias da
sociedade burguesa em relação à emancipação de seus membros. O sujeito é
entendido, na modernidade, como aquele que é capaz de construir, através de seu
pensamento, um mundo regido por leis racionais e inteligíveis. Por isso, sua
formação foi identificada com o desenvolvimento de programas escolares capazes
de conduzir à aprendizagem daquilo que o pensamento racional havia produzido e
também com o desenvolvimento de uma capacidade de resistência ao desejo,
submetendo-o ao domínio da razão. O processo social, que tentou ser decifrado
pela crítica da razão em Adorno e Horkheimer, indica que a civilização tem um
preço a pagar: a formação do sujeito e o desenvolvimento da ciência através do
domínio da natureza se transforma em regressão e barbárie. Certamente, no início
do desenvolvimento do projeto burguês não estavam plenamente expostas suas
conseqüências. A perspectiva da modernidade prevê um mundo a ser construído
racionalmente, em que o sentido, o progresso e a continuidade da sociedade sejam
garantidos pela práxis humana. A realização dessa práxis se dá pelo processo
pedagógico de inclusão e exclusão dos sujeitos. O indivíduo, cujo poder possibilita
o domínio sobre o mundo, deve abrir-se em eticidade e entendimento e deve
canalizar o desejo e a imaginação, até aprender “naturalmente” a tornar-se sujeito.
A irracionalidade apontada pela Teoria Crítica de Adorno e Horkheimer confronta-
se com o caráter normativo da razão.
A educação exigiu, ao longo da história, para a autoconstrução e
autonomia do homem, a racionalização e o domínio dos afetos e da
corporeidade. Esse processo é chamado por Böhme outro da razão. Trata-se de
um conceito de fundo histórico-social, em que a natureza aparece como algo
ameaçador a ser dominado, A natureza é

“o outro da razão, (...) da razão é visto o


irracional, a moral do imoral, o lógico do ilógico.
O outro da razão é o conteúdo da natureza, do
corpo, da fantasia, do desejo, do sentimento.
Nossa tese é que a razão - contra toda a

53
proclamação pública de autonomia e
autodeterminação, não se auto-determina, mas
está em contínua destituição, delimitação, em
contínuo debate com seu outro” (Böhme, apud
Uhle, 1993, p.37-8).

A contradição do homem consigo próprio deve ser superada por uma


educação geral que submeta as peculiaridades. Então, uma racionalidade
econômica e burocrática estrutura o sujeito.
O postulado da identidade do sujeito defende uma relação social que
promova as condições para sua realização; entretanto, a sua realização é, ao
mesmo tempo, impeditiva de tal efetivação. Pode-se afirmar que a construção
do sujeito depende das condições objetivas. Como as condições objetivas não
se efetivam, tem-se a liquidação do sujeito. Tal liquidação cria problemas
para o fundamento teórico da ação pedagógica, nos termos do consenso geral
obtido com o iluminismo.
Em que consiste, então, o reconhecimento e a legitimidade da educação
se as bases de sua justificação desmoronam?
Se a razão, conforme os ensaios de Adorno e Horkheimer, se
transforma no seu contrário, como a educação, que é fruto das exigências do
próprio pensamento racional, age diante disso? Que desafios surgem? Que
rumos esse fato imprime à investigação educacional?
De agora em diante, o pensamento social começa a olhar com
desconfiança o projeto da modernidade e sua opção pelo tipo de racionalidade
que resultou nos impasses que conhecemos.
Diante dessa situação, há duas grandes direções: a crítica ao
iluminismo e, portanto, a continuação de sua própria crítica com o chamado
projeto inacabado da modernidade (Habermas, 1981) e a situação do contra-
iluminismo que se despede da modernidade (Lyotard, 1979).
Na forma de auto-reflexão, diferencia-se fundamentalmente a crítica do
iluminismo (Aufklärung) e o contra-iluminismo (Gegenaufklärung). A primeira
constitui-se em uma essencial permanência do projeto iluminista, cuja crítica
estava imanente desde seu começo. Apenas a saudade da razão objetiva não
resolve os questionamentos que a educação exige. Essa reflexão não significa
uma reconciliação, mas uma reflexão sobre os motivos e caminhos de seu
desenvolvimento e suas sucessivas quedas. As críticas do contra-iluminismo
são “insensíveis ao conteúdo altamente ambivalente da modernidade cultural e
social” (Habermas, 1990a, p.311).
A retomada do debate sobre a teoria da educação começa nos anos
oitenta na Europa, na perspectiva dessa crise do projeto da modernidade e da
própria crise da subjetividade. Uhle (1993) afirma que esse tempo traz consigo

54
ou a descrição da queda do fundamento da educação ou uma renovada
concepção de educação. A pergunta pela obtenção de um entendimento da
educação na modernidade centra-se no problema de como tornar compatível a
singularidade do sujeito com a racionalidade requerida pela modernidade.
A crítica da razão constitui um pano de fundo para a reconstrução do
conteúdo normativo da própria modernidade e da educação. De forma diferente da
descrição apresentada por Adorno e Horkheimer de um deslocamento repressivo
da racionalidade que conduz a paradoxos, Habermas procura um entendimento na
estrutura de fala, que traga mudanças à razão iluminista, sem negá-la.
A concepção clássica de racionalidade, que exigia renúncia de
particularismos e emoções, está exaurida e não traz mais a possibilidade de unir
a multiplicidade de vozes e de discursos. Habermas acredita na possibilidade de
que o universal venha a emergir na comunicação entre as diferentes
experiências dos atores, nutridas pelas particularidades do mundo vivido
(Lebenswelt). Assim, a pluralidade, as diferenças não estão ameaçadas e a
razão pode ser “a razão do todo e das partes” (Habermas).
A superação do paradoxo da dialética do iluminismo pode ocorrer pela
fundamentação da educação não mais nos moldes da relação sujeito-objeto da
filosofia da consciência, mas na busca de uma racionalidade comunicativa que
renove as bases do processo interativo, numa relação sujeito-sujeito, conforme
teoriza Habermas e que permita incorporar o aspecto produtivo de uma
dimensão hermenêutica.
A propósito das possibilidades da mudança de orientação da razão
centrada no sujeito para a razão comunicacional, Habermas diz que tal
mudança pode também

“encorajar a voltar a admitir o contra-


discurso que desde o início acompanha a
modernidade. Como a radical crítica da razão de
Nietzsche se não deixa conduzir
consistentemente, nem na linha da crítica
metafísica, nem na linha da filosofia do poder,
somos dirigidos para outra saída da filosofia do
sujeito. Talvez se possam aí ter em conta os
motivos de autocrítica de uma modernidade em
colapso, sob outras premissas, de modo que
façamos justiça em relação aos motivos
virulentos que, desde Nietzsche, levam à
despedida precipitada da modernidade. Deve
ficar claro que o purismo da razão pura não
ressuscita na razão comunicativa” (Habermas,
1990a, p, 281).

55
Segundo Helsper (1990, p.178), a proposta de Habermas é uma das
perspectivas de crítica da modernidade que procura responder à problemática
da hipoteca da racionalização do moderno sistema escolar e de uma educação
voltada para a autonomia e para o desenvolvimento da capacidade de ação
racional, na antinômica tensão entre libertação e limitação.
O capítulo a seguir tem a finalidade de apresentar os pontos principais
da teoria do agir comunicativo, com vistas à configuração da nova formulação
de racionalidade.

56
III

UMA NOVA FORMULAÇÃO DE RACIONALIDADE: A


RAZÃO COMUNICATIVA DE JÜRGEN HABERMAS

1. O pensamento de Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo

Jürgen Habermas integra a Escola de Frankfurt, influência percebida em


seus trabalhos, mas reformula as categorias e pressupostos fundamentais da
Teoria Crítica. Mantém a intenção de realizar uma crítica radical das formas da
modernidade e da razão, que foram submetidas à desintegração, às coações
sociais e à perda de sentido. Considera, entretanto, que a Teoria Crítica fracassou
pelo “esgotamento do paradigma da consciência” e entende que sua substituição
pela teoria da comunicação permite retomar o empreendimento que ficou
interrompido na crítica da razão instrumental. Desde a década de 60, vem
articulando uma teorização que substitua o modelo da filosofia da história, que
tem por base a idéia de progresso. Entretanto, esse empreendimento também
busca explicar as conseqüências do progresso das ciências na esfera da vida
prática. Usando a pragmática universal, o autor reconstrói os fundamentos
teórico-normativos da teoria crítica.
Habermas publica, em 1981, a obra Theorie des Kommunikativen
Handelns21, que foi preparada através de vários artigos, ensaios e palestras22,
com a intenção de redimensionar a razão numa perspectiva comunicativa.
Segundo o próprio autor, a obra tem por finalidade desenvolver:
1°) um conceito de racionalidade, que faça frente às reduções
cognitivo-instrumentais da razão;

21
Theorie des kommunikativen Handelns. Band 1. Handlungsrationalität und gesellschaftliche
Rationalisierung e Theorie des kommunikativen Handelns. Band 2. Zur Kritik der Funktionalistischen
Vernunft, publicados em 1981 pela Suhrkamp Verlang, Frankfurt am Main, traduzidos para o espanhol
cm 1987 pela editora Taurus. sob o título de Teoría de la Acción Comunicativa, v. I - Racionalidad de
la acción y racionalización social, e v.II — Crítica de la razón funcionalista.
22
Entre as diferentes obras e artigos nos quais Habermas preparou a Teoria do Agir Comunicativo,
cabe registrar: Sobre a Lógica das Ciências Sociais (1976). Conhecimento e Interesse (1968), A
Pretensão da Universalidade da Hermenêutica (1970), Considerações Introdutórias a uma Teoria da
Competência Comunicativa (1971), Teorias da Verdade (1972), Notas sobre o Desenvolvimento da
Competência Interativa (1974), O que Significa Pragmática Universal (1976), Aspectos da
Racionalidade da Ação (1977). Ver também a publicação Vorstudien und Ergänzungen zur Theorie
des kommunikativen Handelns (1984), traduzida para o espanhol sob o título Teoria de la Acción
Comunicativa: Complementos y Estudios Prévios (1989). que contém a coletânea de textos
preparatórios, acrescida de um estudo complementar à Teoria do Agir Comunicativo.

57
2°) um conceito de sociedade, que articule o mundo da vida e o mundo
do sistema;
3°) uma teoria da modernidade, que explique as patologias sociais
(Habermas, 1987, v.1, p.10).
A formulação de uma teoria social é o grande empreendimento do
filósofo e, para tanto, incorpora várias contribuições das áreas científicas,
seguidas de uma reflexão filosófica. Nessa obra, a modernidade é entendida
como um projeto inacabado e a racionalidade não pode ser reduzida à
complexidade sistêmica. O autor busca dar conta da totalidade social, não
através de um corte marxiano, mas sem perder de vista o aspecto crítico e as
contradições presentes na sociedade.
A perspectiva essencial da obra de Habermas que faz clivagem com a
questão educacional é a compreensão da racionalidade que, partindo da crítica
da situação vigente, encaminha para a superação da razão instrumental pela
razão comunicativa. Um novo entendimento de modernidade e racionalidade
inclui uma rearticulação do papel da educação, enquanto uma das dimensões
que materializa a razão.
Nessa perspectiva, a nova interpretação de racionalidade mantém
presente o sentido primeiro da educação, vista como processo no qual a vida se
engendra, via sociedade, constituindo a natureza humana em sua formação
histórica para os diferentes possíveis. Interessa sobremaneira renovar as tarefas
da educação a partir das profundas implicações de uma racionalidade
construída pela intersubjetividade. Trata-se de uma alteração na base de
justificação da educação escolar.
Na tentativa de compreender essa nova formulação de racionalidade,
serão apresentados aqui os principais pontos da obra de Habermas.

1.1. O significado da racionalidade

Habermas problematiza a questão da racionalidade a partir da crítica e


refutação dos aspectos egoístas, individualistas e dominadores que estão presentes
no humanismo ocidental, mas, por outro lado, quer recuperar a universalidade da
razão, aspecto que permite ao homem entrar no mundo normativo. Habermas faz
isso abandonando a filosofia da consciência em favor da assunção da filosofia da
linguagem, que permite reconhecer o caráter universal do thelos do entendimento
nas estruturas da linguagem. Há uma racionalidade imanente na ação
comunicativa, que exige das diferentes esferas sociais e, em especial, da ação
educativa, uma rearticulação, já que as ações pedagógicas também sofrem as
coações de uma razão reduzida.

58
A racionalidade pretendida por Habermas refere-se à nossa capacidade
de estabelecer relações com o mundo físico, com os objetos, com os outros,
com os nossos desejos, nossos sentimentos. Essas ações têm no mundo da vida
as referências para as pretensões de verdade, de veracidade e autenticidade.
É o mundo da vida (Lebenswelt) que permite aos indivíduos adotar
orientações para as ações consideradas racionais. Inicialmente, essa racionalidade
do mundo da vida se ancora nos sistemas culturais de interpretação ou imagens
míticas do mundo, refletindo um saber que garante a coerência na diversidade de
orientações da ação. Habermas se defronta, então, com a pluralidade histórica e
cultural das visões de mundo.
Para que essa pluralidade de visões de mundo presentes na
racionalidade comunicativa não caia numa perspectiva particularista, Habermas
lança mão da contribuição das ciências empíricas.
O caráter universalista das imagens do mundo é sustentado através da
hipótese evolutiva, ou seja, a racionalização de tais imagens se dá por processos de
aprendizagem. Nesse aspecto, a teoria habermasiana opera com conceitos da teoria
piagetiana, reconhecendo um paralelismo entre a ação do sujeito que, através de
desafios e de processos de abstração reflexionante23, avança para novos níveis de
aprendizagem e de cognição das sociedades, as quais também resolvem problemas
que as habilitam para novos níveis de interpretação da sociedade.
Em Piaget, a evolução ontogenética das estruturas de pensamento se dá
porque as novas estruturas (formas) passam a criar as condições para as
estruturas seguintes, através de processos de abstração reflexionante.
Igualmente, as rupturas entre a mentalidade mítica, religiosa e
metafísica e a mentalidade moderna são mudanças de categorias, em que uma
compreensão é superada pela outra. Ficam desprovidas de significado e sem
potencial de justificação as razões de uma cultura mítica para o mundo
moderno, reafirmando-se o entendimento da modernização como processo
histórico universal de desencantamento do mundo.
Uma compreensão de mundo, inicialmente egocêntrica, dá lugar à
separação do mundo objetivo e social frente ao mundo subjetivo. Isto
permite desenvolver um conceito reflexivo e ter acesso a diferentes
interpretações. Segundo Habermas,

“se utilizarmos o conceito piagetiano de


descentração como fio condutor para esclarecer
a conexão interna entre as estruturas de uma
imagem de mundo, o mundo da vida como
contexto dos processos de entendimento e as

23
Ver conceito de abstração reflexionante no item 1.2, Capítulo II.

59
possibilidades de um comportamento racional na
vida, ou de um mundo racional de vida, voltamos
a topar- nos com o conceito de racionalidade
comunicativa” (1987, v.J, p. 106).

O desenvolvimento de um nível de pensamento formal viabiliza o


processo de ação intersubjetivamente reconhecida. É nessa perspectiva que o
mundo da vida se insere: os homens atuam comunicativamente, tendo como
referência o horizonte que compartem.
Ao falar de uma racionalidade intersubjetiva, Habermas abre caminho
para que a educação escolar, enquanto tarefa típica da modernidade,
incorpore a pluralidade das razões, sem cair no risco do relativismo,
tampouco no risco de entender a razão apenas numa dimensão operativa. Se a
racionalidade percorreu caminhos que a distorceram, a educação pode
rearticular processos de aprendizagem de uma outra razão e preparar sujeitos
com competência comunicativa. Isso significa reconhecer que não há
previamente monopólios interpretativos e que a ação pedagógica passa a se
orientar pela lógica do “Verstehen”.
Habermas quer, então, buscar a homologia entre o desenvolvimento do
sujeito (do Eu) e a evolução das imagens do mundo24. Assim, o plano de
aprendizagem da consciência do indivíduo e o plano da aprendizagem
sociocultural são dependentes da construção e organização das mesmas
estruturas, permitindo compreender o significado de uma racionalidade
comunicativa. Esta refere-se à possibilidade de desempenhos discursivos de
pretensões de validade, que permite o enfrentamento de contradições, a busca
de verdades pelo consenso e uma ética de co-responsabilidade.
McCarthy interpreta essa evolução cognitiva em etapas pelas quais
passam o homem e as sociedades, como a “versão habermasiana do
universalismo - hegeliana, mais que kantiana, na forma, e empírica, mais que
transcendental e ontológica, na intenção” (1987, p.456).
A explicitação do conceito de racionalidade requer a análise dos
conceitos de ação, que podem ser agrupados em quatro tipos:
a) conceito de ação teleológica - refere-se ao fim que um ator realiza,
elegendo entre alternativas de ação passíveis de atingir tal propósito. Esse
conceito ampliado se converte em ação estratégica, na qual o autor escolhe
meios em função de critérios utilitaristas;

24
Conforme Habermas, na obra Para a Reconstrução do Materialismo Histórico, p. 14 ss.
Freitag (1985, 1992) questiona esse argumento, afirmando que a homologia é “sugerida” e
não fundamentada.

60
b) conceito de ação regulada por normas - refere-se ao comportamento
de um ator que se orienta pelas normas acordadas por um grupo social;
c) conceito de ação dramatúrgica - contrariamente aos anteriores, não
envolve nem o sujeito solitário nem o membro de um grupo social, mas atores
em interação, que se constituem em público um para o outro e diante do qual se
põem a si mesmos. Aqui são utilizadas as próprias vivências com vistas aos
espectadores. O ator provoca uma determinada imagem de si, revelando sua
subjetividade de forma já previamente calculada;
d) conceito de ação comunicativa - refere-se à “interação de ao menos
dois sujeitos capazes de linguagem e ação, que estabelecem uma relação
interpessoal” (Habermas, 1987, v.1, p.124).
O conceito de ação comunicativa traz um novo operador que é o meio
lingüístico, envolvendo o próprio agente na problemática da racionalidade. Os
outros tipos de ação podem utilizar a linguagem unilateralmente, enquanto que
a ação comunicativa pressupõe a linguagem como um meio de entendimento
entre os atores, articulando os mundos objetivo, social e subjetivo.
O processo comunicativo se vincula a três mundos, aos quais
correspondem três pretensões de validade, requeridas pelos atores:
• o mundo objetivo, a que corresponde a pretensão de que o enunciado
seja verdadeiro. As afirmações sobre fatos e acontecimentos referem-se à
pretensão de verdade;
• o mundo social (ou das normas legitimamente reguladas), a que se
vinculam as pretensões de que o ato de fala seja correto em relação ao contexto
normativo vigente. Trata-se da pretensão de justiça;
• o mundo subjetivo (a que só o falante tem acesso privilegiado), a que
se vincula a pretensão de veracidade. A intenção expressa pelo falante coincide
com aquilo que ele pensa.
Essas pretensões de validade têm caráter universal e possibilitam o
entendimento. Se há contestação das mesmas, é possível reiniciar o processo
argumentativo até que o consenso venha a ser obtido. Como são passíveis de
crítica, esse processo permite que se identifiquem erros e que se aprenda com
eles. Isso recupera o caráter pedagógico da razão.
A ampliação de um sujeito dotado de razão, do ponto de vista epistêmico,
para um sujeito capaz de ser competente numa racionalidade que conduz a
consensos, abre para a educação uma perspectiva de racionalidade compatível com
a aspiração da formação de sujeitos para uma vida ética, política e social.
A articulação que Habermas faz com as ciências empiricas e com a
tradição filosófica o leva a submeter o conceito de agir comunicativo a um
processo de validação, de modo a entender a modernidade e a evolução do
processo de racionalização. Assim, o autor retoma a interpretação de Weber, Mead,

61
Durkheim, Parsons, Marx, Lukács e teóricos da Escola de Frankfurt para analisá-
los em sua relação com o agir comunicativo, abandonando um apriorismo
metafísico. Neste aspecto, pode-se destacar que a nova formulação de
racionalidade, na medida em que abandona o apriorismo metafísico, traz uma
provocação teórica para a educação que, historicamente, tem estado submetida a
esquemas metafísicos sobre o significado da natureza humana.
Habermas retoma de Weber a análise do processo de racionalização
das concepções de mundo a partir da emergência das estruturas da consciência
moderna e de sua materialização nas instituições sociais. A racionalização se
refere à ampliação do saber empírico, à capacidade de previsão e ao domínio
instrumental sobre processos empíricos. Ela se estende pelas esferas culturais
de valor, como a ciência, a arte e o direito. Esse processo de racionalização,
que leva à diferenciação das esferas culturais do Estado moderno, permite a
institucionalização da ação racional.
Assim, para Weber, no modo metódico e racional de conduzir a
vida, estabelece-se:
• uma “racionalidade instrumental”, baseada no uso de meios eficazes e
nas soluções técnicas, uma racionalidade cujo thelos é a dominação do mundo;
• uma “racionalidade eletiva”, que envolve a escolha entre
alternativas de ação;
• uma “racionalidade normativa”, que subjaz às ações prático-morais,
tendo como referência uma ética regida por princípios.
Mas, para Weber, a racionalidade que define a modernidade é a
instrumental, dominadora, o que não assegura à humanidade um sentido novo.
Habermas, embora retomando o argumento de Weber, discorda da
parcialidade de seu conceito de racionalidade. Na passagem da racionalização
cultural à social ocorre um “estreitamento do conceito de racionalidade ―, já
que Weber dá esse passo pelo recorte da ação racional com relação a fins. A
ética protestante, com seu caráter metódico, satisfaz as condições necessárias
para que surja uma base motivacional da ação racional com relação a fins, no
âmbito do trabalho social, mas é uma materialização distorcida da consciência
moral (que se expressou inicialmente pela fraternidade). Há assim um
empobrecimento de subsistemas de ação racionais com relação a fins (ação
instrumental), que se descolam de seus fundamentos em relação a valores e
obtêm uma autonomização com lógica própria.
Ao questionar o conceito de racionalidade de Weber, Habermas busca
fundamentá-lo através de uma teoria da argumentação:

“Se as esferas culturais de valor se


caracterizam por uma produção de saber

62
contínua e diferenciada segundo pretensões de
validade e se a continuidade de tal produção de
saber só pode assegurar-se mediante uma
reflexão dos processos de aprendizagem, isto é,
por meio de um acoplamento regenerativo desses
processos de aprendizagem com formas
institucionalmente diferenciadas de
argumentação, então torna-se possível
demonstrar que cada uma das esferas de valor
cunhadas historicamente mantém relações
plausíveis com uma das formas típicas de
argumentação que se especializam numa
determinada pretensão universal de validade”
(1987, v.1, p.312).

O processo de desencantamento que leva à diferenciação das esferas de


valor e à independência dos sistemas de ação racional com relação a fins é
entendido, na crítica weberiana, como gerador, respectivamente, da perda de
sentido e da perda de liberdade.
O mundo racionalizado (esferas diferenciadas de valor) torna-se
desprovido de sentido (tese da perda de sentido), perde a capacidade
integradora (e isso se expressa no politeísmo das religiões). O que a
humanidade ganhou em controle, perdeu em sentido. A razão se fragmenta na
pluralidade das esferas de valor, aniquilando seu caráter universal,
aprisionando o homem em ações meramente utilitaristas. O triunfo da razão
não traz a liberdade e, sim, o domínio das forças econômicas e administrativas,
organizadas de forma burocrática. A racionalização social prescinde da
coordenação comunicativa das ações.
Habermas critica em Weber a ausência de reconhecimento de uma
racionalidade que se ponha além dos estreitos limites de uma racionalidade
instrumental, sem avançar para a possibilidade prática do potencial da razão.
Para recuperar esse potencial, Habermas retoma o conceito de ação social,
articulando-o com ação comunicativa, em termos de pragmática formal. Diante
dos múltiplos significados de ação social, quer recuperar a ação comunicativa,
que não se orienta por cálculos egocêntricos de resultado (ação estratégica),
mas mediante atos de entendimento.

“Entender-se é um processo de obtenção de


acordo entre sujeitos, linguística e
interativamente competentes (...). Os processos de
entendimento têm como meta um acordo que
satisfaça as condições de um assentimento,
racionalmente motivado, ao conteúdo de uma
emissão” (Habermas, 1987, v.I, p.368).

63
A concepção de pragmática universal de Habermas baseia-se na fala e
na competência comunicativa, que admite haver em nossa linguagem um
núcleo universal e regras básicas que todos dominam.
A análise dos atos de fala, conforme a teoria de Austin, permite
distinguir entre o conteúdo das proposições e a força ilocucionária. Por
exemplo, nas emissões “Eu afirmo que p”, “Eu prometo que p‖ e “Eu ordeno
que p‖, percebe-se a força ilocucionária (aquela força decorrente do agente que
faz a ação dizendo algo). O falante tem capacidade de entender esse modo de
comunicação e estabelecer conexões com seu mundo externo. Ao falar, ao usar
a linguagem cotidiana, os homens se põem em relação com o mundo físico,
com os demais sujeitos, com suas intenções e sentimentos.

“Os êxitos ilocucionários (...) se conseguem no


plano das relações interpessoais, (...) se
produzem no mundo da vida, ao qual pertencem
os participantes na comunicação e que
constituem o pano de fundo de seus processos de
entendimento” (Habermas, 1987, v. 1, p.376).

O ato de fala inclui uma parte performativa que permite, àquele que o
enuncia, executar, ao mesmo tempo em que fala, a ação a que se refere o elemento
performativo. A fala é também ação e essa relação linguística transforma-se em
razão comunicativa. Na ação comunicativa, o objetivo fundamental é assegurar o
entendimento de todos, esclarecendo os diversos pontos de vista. O autor destaca
que os propósitos ilocucionários dos atos de fala são obtidos através do
reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validade. E a insistência em apoiar
a teoria da ação comunicativa na pragmática formal deve-se ao fato de ela permitir
uma compreensão descentrada do mundo, que supera as patologias da
comunicação. É nesse sentido que Habermas afirma:
“Os aspectos da racionalidade da ação, que a
análise da ação comunicativa descobre, nos
permitem agora apreender os processos de
racionalização social em toda sua latitude e não
só sob o ponto de vista seletivo da
institucionalização da ação racional com relação
a fins” (Habermas, 1987, v, 1, p.428).

O que Habermas tem em vista é desenvolver uma outra idéia de


racionalidade que não seja deformada pela modernização capitalista, mas que

64
seja uma razão capaz de conduzir a uma sociedade emancipada. Ela tem um
caráter processual, constituindo-se através da linguagem.
Ao distinguir os dois modos de uso da linguagem em Consciência
Moral e Agir Comunicativo, Habermas afirma:

“Ou bem a gente diz o que é o caso ou o que


não é o caso ou bem a gente diz algo para
outrem, de tal modo que ele compreenda o que é
dito. Só o segundo modo do uso linguístico está
interna ou conceitualmente ligado às condições
da comunicação. (...) Tem que haver uma
situação de fala (ou, pelo menos, ela deve ser
imaginada) na qual um falante, ao comunicar-se
com um ouvinte sobre algo, dá expressão àquilo
que ele tem em mente” (Habermas, 1989, p.4O).

Siebeneichler (1989), ao sistematizar o pensamento de Habermas,


destaca que seu conceito de razão (ou de racionalidade) é histórico,
incorporando o entendimento lingüístico para salvaguardar a unidade na
multiplicidade das vozes.
A linguagem só é possível com base no princípio normativo. O critério
de validade das normas reside na sua capacidade de justificação num discurso
ilimitado. Assim, a mediação da linguagem permite a possibilidade de
conciliação entre o universal e o particular.

“O conceito de razão comunicativa ou


racionalidade comunicativa pode, pois, ser
tomado como sinônimo de agir comunicativo,
porque ela constitui o entendimento racional a
ser estabelecido entre os participantes de um
processo de comunicação que se dá sempre
através da linguagem, os quais podem estar
voltados, de modo geral, para a compreensão de
fatos do mundo objetivo, de normas e instituições
sociais ou da própria subjetividade”
(Siebeneichler, 1989, p.66).

Ao tratar da racionalidade nesses termos (intersubjetividade),


Habermas chama a atenção para uma razão que não mais se constitui numa
relação sujeito/objeto, mas que é remetida para o contexto social, para as
estruturas de interação social. Essa compreensão de racionalidade incorpora as
dimensões histórica e hermenêutica próprias do homem, reavivando para a
educação seu compromisso originário de autonomia, liberdade e razão

65
esclarecida. E, por outro lado, bloqueia o domínio de uma racionalidade
dedutiva, instrumental que predomina nas instituições sociais.

“A partir da possibilidade do entendimento


através da linguagem podemos chegar à
conclusão de que existe um conceito de razão
situada, que levanta sua voz através de
pretensões de validez que são, ao mesmo tempo,
contextuais e transcendentes. (...) De um lado, a
validez exigida para as proposições e normas
transcende espaços e tempos; de outro, porém, a
pretensão é levantada sempre aqui e agora, em
determinados contextos, sendo aceita ou
rejeitada, e de sua aceitação e rejeição resultam
as conseqüências fáticas para a
ação”(Habermas, 1990b, p.I75-6).

1.2. A racionalização social

A racionalização do mundo da vida, que torna possível o mundo


sistêmico, é analisada na investigação habermasiana, a partir da interpretação
dos marxistas Lukács, Horkheimer e Adorno.
São reconhecidas as coincidências das críticas marxistas com o
diagnóstico weberiano de nosso tempo, como a perda de sentido e a perda de
liberdade. A modernidade é resultado do processo de desencatamento do
mundo e a diferenciação das esferas de valor ficam submetidas à razão
instrumental, perdendo sua relação com a prática comunicativa. A razão
instrumental passa a ser a racionalidade dominante. No capítulo II especificam-
se as implicações desse tipo de racionalidade na educação, restringindo seu
conteúdo emancipatório e formativo.
O predomínio da razão subjetiva25 determina a prevalência de
convicções subjetivas, o que faz a razão perder a possibilidade de estabelecer
sentido, pondo em risco a integração da sociedade.
A tese da perda de liberdade se dá no âmbito da racionalidade social.
Weber a concebe como uma tecnificação crescente, com autonomização dos
subsistemas de ação racional. Horkheimer e Adorno acrescentam a esse
processo um sentido psicanalítico, perguntando pelo significado dessa
autonomização que submete os indivíduos à racionalidade instrumental. As
pessoas se sentem compelidas a seguir os imperativos dessa racionalidade, que

25
Ver diferença entre razão objetiva e subjetiva no item 2.2, Capítulo 1.

66
vêm de „fora” e não de “dentro”. Há uma destruição das esferas do mundo da
vida pela racionalização sempre crescente.
Habermas considera que a crítica da razão instrumental leva Adorno e
Horkheimer a aporias que os impedem de produzir um conhecimento teorético. O
risco de obter pela metafísica uma reconciliação entre razão e natureza só ocorre
porque a Teoria Crítica ficou presa à filosofia do sujeito. Para essa filosofia, o
sujeito é capaz de representação e ação, estabelecendo relações com o mundo,
através da ação teleológica. As relações entre sujeito e objeto reguladas pela razão
instrumental criam determinações para todas as relações entre sociedade e natureza
(expressa através do desenvolvimento científico). O desenvolvimento do mundo,
da ciência e da sociedade refere-se ao conhecimento dos objetos e à possibilidade
de dominação dos mesmos, através do poder resultante desse conhecimento.
Na continuidade de sua crítica, Habermas afirma que a superação das
aporias só pode ocorrer

“se se abandona o paradigma da filosofia da


consciência, (...) o paradigma de um sujeito que
representa os objetos e que se forma no
enfrentamento com eles por meio da ação, e se o
substitui pelo paradigma da filosofia da
linguagem, do entendimento intersubjetivo ou de
comunicação, o aspecto cognitivo—instrumental
fica inserido no conceito, mais amplo, de
racionalidade Comunicativa” (1987, v. 1, p497).

1.3. A teoria da comunicação e os sistemas sociais

A mudança de uma ação teleológica para uma ação comunicativa, que


permita a superação de uma razão instrumental por uma razão comunicativa,
apóia-se nos trabalhos de Mead e Durkheim que antecipam uma racionalidade a
partir da comunicação. As breves referências a seguir têm por finalidade expor
como Habermas se apóia na análise sociológica para reconstruir uma teoria da ação
comunicativa, que permita relacionar o mundo do sistema com seus limites e
exigências, e uma integração social, recuperadora de uma vida autônoma.
A teoria de G.H. Mead investiga os fenômenos da consciência
individual a partir dos processos interativos, mediados pelo uso da capacidade
simbólica. Habermas considera que essa teorização faz intersecção com sua
crítica à filosofia da consciência.
Os significados simbólicos resultam de um processo de interiorização
de estruturas objetivas de sentido, onde há uma evolução da interação
inicialmente mediada por gestos para uma interação mediada por símbolos.

67
Essa passagem se dá através da “adoção da atitude do outro”, significando a
adoção de comportamento regido por regras.
Habermas reconhece como limite o fato de Mead não distinguir
claramente a interação mediada simbolicamente daquela mediada pelo uso da
linguagem, que exige organização sintática desenvolvida e um sistema de
convenção de signos. Busca compreender a evolução da interação mediada por
símbolos através da ação regulada por normas.
A competência intelectual e social das estruturas da consciência
individual é analisada através de desempenhos do papel social. A construção
desse papel pressupõe uma interação socializada que autoriza a expectativa de
ações em determinadas situações.
A passagem do indivíduo à sociedade se faz numa perspectiva
ontogenética e, para chegar a um plano filogenético, Habermas busca a
explicação teórica de Durkheim, para quem a consciência coletiva e a validade
normativa derivam de símbolos religiosos.
Habermas considera insuficiente a teoria de Mead e o acusa de
permanecer preso aos traços formais do processo de desenvolvimento da
personalidade. Mead não incorpora a reprodução material da sociedade,
imprimindo um caráter idealista à sua teoria. Durkheim é utilizado para
suprir esse déficit.
Durkheim analisa a gênese da constituição das normas, a partir de um
processo de dessacralização do mundo, que possibilita uma moral universalista,
uma unidade coletiva. A racionalização é dependente do consenso que se dá
através da comunicação.

“O potencial de racionalidade da ação


orientada ao entendimento pode separar-se e
substituir-se pela racionalização do mundo da
vida dos grupos sociais à medida que a
linguagem cumpre funções de entendimento, de
coordenação de ação e de socialização dos
indivíduos, convertendo-se assim em um meio
através do qual se efetuam a reprodução cultural,
a integração social e a socialização” (Habermas,
1987, v.2, p.124).

A integração social a partir do sagrado vai sendo substituída pelas


pretensões de validade justificadas, reconhecidas intersubjetivamente,
expressas nos atos linguísticos. As normas e os valores anteriormente não
questionados precisam ser justificados e continuamente revalidados.
Assim, Habermas demonstra, pela articulação com as análises
sociológicas, que o indivíduo (sujeito) se forma pelos processos de socialização

68
e a sociedade organiza suas simbolizações e normas pelo processo de formação
da identidade. Os interesses, desejos e intenções individuais estão presentes na
linguagem e na cultura e podem ser submetidos a críticas, a justificações e
mudanças. A liberdade, nesse processo, constitui-se intersubjetivamente.
A preocupação de Habermas em superar a filosofia da consciência para
justificar uma teoria que permita, simultaneamente, a identidade do sujeito
(identidade do eu) sob as condições de uma intersubjetividade compartilhada
comunicativamente é exposta com acuidade por McCarthy:

“A posição de Habermas sobre a essencial


interdependência entre identidade do eu e uma
intersubjetividade não desprezada, permite
responder às críticas que se fazem a seu
universalismo moral em nome da auto-realização
individual (...). A versão „socializada‟ do
formalismo ético não advoga a supressão da
subjetividade concreta para assegurar que o
indivíduo seja idêntico ao universal. Antes disso,
pressupõe diferentes indivíduos com suas
diferentes necessidades e desejos, emoções e
sentimentos (...). O que se exige é que naquelas
áreas de vida em comum, sujeitas a normas
sociais vinculantes, sejam resultado de um
acordo obtido em uma comunicação livre de
domínio” (1987, p461).

1.4. O mundo da vida e o sistema

Habermas propõe uma teoria da sociedade que vincula o mundo da


vida (Lebenswelt) e o sistema, a integração social e a integração sistêmica. A
concepção de sociedade como mundo da vida deriva do conceito de ação
orientada ao entendimento. Mas essa concepção é unilateral, não compreende a
complexidade estrutural da sociedade moderna. Daí a necessidade de conceber
uma teoria que articule os dois mundos: o vivido e o sistêmico.
Ao explicitar o conceito de mundo da vida, Habermas reafirma a
racionalização como a transformação de estruturas implícitas do mundo da vida
para orientações de ações conscientes.
A ação comunicativa envolve a interpretação dos sujeitos, no que se
refere aos mundos objetivos, social e subjetivo, com vistas à obtenção de
entendimento (Verständigung). Pressupõe o reconhecimento intersubjetivo de
pretensões de validade.
Habermas retoma de Husserl o conceito de horizonte para significar
aquele „fragmento do mundo da vida relevante” para a situação que exige

69
entendimento. O mundo da vida aparece como auto-evidência, convicções não
questionadas e não tematizadas, que vão orientar o entendimento, mas

“só quando se tornam relevantes para uma


situação (...) podem determinadas auto-
evidências ser mobilizadas em forma de um saber
sobre o qual existe consenso e que se torna
suscetível de problematização” (Habermas,
1987,v. 2, p. 176).

É no mundo da vida que os agentes fixam suas pretensões de validade.


Trata-se de um “a priori”, uma rede de pressuposições que permanece como
pano de fundo da ação comunicativa e só um fragmento dela é problematizado.
Há uma pré-compreensão compartilhada anterior a qualquer desacordo.
O “mundo da vida” (Lebenswelt) é um horizonte pré- científico,
intuitivo, não tematizado e não questionável em princípio. Siebeneichler
identifica a posição de Habermas de reconhecer a possibilidade de
questionamento do Lebenswelt com a posição marxista de Horkheimer,

“que procura demonstrar que a teoria


crítica, ao contrário da teoria tradicional, está
ciente de pertencer ao contexto vital objetivo
que ela procura abranger através de atos de
conhecimento: a teoria assume reflexivamente
em si mesma o contexto de sua constituição e o
de sua possível aplicação, ou seja, ela também
faz parte de um processo social
histórico”(1988, p. 27).

O mundo da vida é constituído não só por convicções culturais, mas


pela ordem institucional e por estruturas da personalidade. Habermas retoma
novamente a prática comunicativa cotidiana para garantir a reprodução
simbólica das esferas da cultura, da sociedade e da personalidade.

“Em relação ao aspecto funcional do


entendimento, a ação comunicativa serve à
tradição e à renovação do saber cultural; em
relação ao aspecto de coordenação da ação,
serve à integração social e à criação da
solidariedade; e, por fim, em relação ao aspecto
da socialização, serve à formação de identidades
pessoais. As estruturas simbólicas do mundo da
vida se reproduzem pela via da continuação do
saber válido, da estabilização da solidariedade
dos grupos e da formação de atores capazes de

70
responder a suas ações. O processo de
reprodução enlaça as novas situações com os
estados do mundo já existentes. (...) A estes
processos de reprodução cultural, integração
social e socialização correspondem os
componentes estruturais do mundo da vida que
são a cultura, a sociedade e a personalidade‟
(Habermas, 1987, v.2, p.l 96).

Quando esses processos são submetidos à interação resultam em


entendimento racionalmente motivado, em possibilidade de constituir consenso,
baseado no melhor argumento. O mundo da vida é então racionalizado.
A interação é o espaço onde se dão os conflitos entre pré- compreensão
do mundo da vida e ação comunicativa. A estabilidade do mundo da vida é
abalada pelos argumentos da ação comunicativa.
O sistema apresenta-se como oposição ao mundo da vida, resultado de
um processo de diferenciação das estruturas de compreensão do mundo. Ao
aumento de complexidade dos sistemas, corresponde a racionalização do
mundo vivido, que se reflete nesse próprio mundo.
A perda da pré-compreensão da prática comunicativa encolhe o
mundo vivido e o toma apenas mais um subsistema. Quando a integração
sistêmica interfere sobre a integração social, se estabelece uma violência
estrutural que ataca as formas de entendimento possível da ação
comunicativa, gerando perda de sentido, perda de legitimação,
desestabilização das identidades coletivas, ruptura da tradição.
As distorções das funções de reprodução cultural novamente lançam
elementos teóricos fecundos para compreender a ação educativa. Essas
perturbações conduzem à manifestação de crises na formação dos sujeitos, que
se afastam de referência a identidades culturais, à tradição, aos vínculos do
mundo da vida, esvaziando o processo de formação educativa a uma mera
competência técnica, operativa e cognitiva.
Na teoria de Habermas há, por um lado, o mundo da vida dos grupos
sociais em que as ações são coordenadas pelo entendimento e, por outro, o
mundo do sistema que se regula a si mesmo através das ações em relação a
fins. Considerações isoladas de cada um deles resultam em unilateralismo.
Na tentativa de relacionar os conceitos da teoria da ação com os da teoria
dos sistemas, de forma a tornar possível a ação sistêmica de grupos integrados
socialmente, Habermas utiliza-se, inicialmente, da teoria de Parsons. Entretanto,
essa teoria é reduzida em sua abrangência, porque a ação permanece presa a um
conceito utilitarista, interpretando a liberdade de decisão dos indivíduos como

71
escolha entre meios alternativos para fins dados. Tal interpretação não se ajusta à
idéia de um sistema de valores desde sempre compartilhado subjetivamente.
Em sua análise, Habermas considera que Parsons frustra o projeto
inicial, porque sua teoria da ação não é vista na dimensão de entendimento,
submetendo-se à teoria de sistemas.

“Certamente que Parsons parte do primado da


teoria da ação; mas ao não desenvolvê-la com
suficiente radicalidade, não fica claro em que
pode consistir o papel metodologicamente
derivado das categorias sistêmicas. Traz o
fracasso da tentativa de estabelecer um trânsito
conceitual da unidade da ação ao contexto da
ação” (Habermas, 1987, v.2, p.334).

Habermas apresenta, como forma de superação da unilateralidade de


privilegiar só a teoria da ação ou só a teoria sistêmica, uma “mudança de
método e de perspectiva conceitual”, que possibilita conceber o “mundo da
vida como sistema”.

“Nessa perspectiva metodológica é fácil


separar os dois aspectos sob os quais se
tematizam os problemas de integração de uma
sociedade. Enquanto que a integração social se
apresenta como parte da reprodução simbólica
do mundo da vida, a integração funcional
equivale a uma reprodução material do mundo
da vida que pode ser concebida como
conservação de um sistema. (...) A integração
funcional não pode ser tematizada
adequadamente na linha de análise do mundo da
vida numa perspectiva interna, só se faz
adequadamente visível quando se objetiva o
mundo da vida, isto é, quando se concebe (...)
como sistema que mantém seus limites”
(Habermas, 1987, v.2, p.332).

Habermas reconhece que a teoria de Parsons, que submete o mundo da


vida ao mundo sistêmico, igualmente mantém dificuldade com o conceito de
modernidade, na medida em que esta é entendida apenas como diferenciação
estrutural. Habermas alerta que a compreensão da modernidade deve incluir a
complexidade social global e não apenas a diferenciação estrutural.

72
1.5. A conclusão habermasiana: a razão comunicativa e as tarefas de
uma teoria crítica da sociedade

Para a sistematização de sua proposta na conclusão do 2° volume da


Teoria da Ação Comunicativa, Habermas incorpora criticamente os principais
conceitos analisados na revisão teórica e os reinterpreta, retificando o que
considera ter sido falsamente interpretado, com base em uma nova
compreensão de racionalidade. Esta racionalidade resulta de uma aprendizagem
e é investigada a partir de sua evolução.
A teoria da ação comunicativa tem, assim, por finalidade recuperar
dimensões não explicitadas nas teorias que pretenderam interpretar a evolução
das sociedades e admite que há um potencial de racionalidade não liberado nas
ações dos indivíduos e também no âmbito do sistema.
Em sua leitura, Habermas reconhece, com Weber, que a burocratização é
um fenômeno fundamental para entender as sociedades modernas. Pela
burocratização, a ação permanece regulada formalmente, reduzindo o espaço da
ação comunicativa. Esta tendência provoca uma crescente autonomia das
organizações sistêmicas frente ao mundo vivido. Habermas faz a tentativa teórica
de recompor a mediatização entre sistema e mundo da vida, de forma a superar o
entendimento de que o sistema impera absoluto sobre o mundo da vida.
A capacidade de aprendizagem dos membros da sociedade pode lhes
permitir usar as idéias jurídicas e morais, a arte, a ciência e todo o saber
decorrente das imagens do mundo para organizar novas formas de ação e
promover uma nova forma de integração social.
Entendendo a racionalidade como resultado de um processo de
aprendizagem, Habermas retém o instrumental teórico dos autores analisados
que têm possibilidade de ser corrigidos, através de uma compreensão que libere
o potencial comunicativo da racionalidade.
No âmbito do sistema econômico e administrativo, que submete todo o
modo de vida aos seus imperativos (consumismo, individualismo possessivo),
vão surgindo cada vez mais coações sistêmicas, dando ênfase a uma ação
cognitiva instrumental. A teoria da ação comunicativa tem que enfrentar tais
paradoxos da racionalização social e explicar, por exemplo, por que o
progresso técnico serve ao crescimento capitalista e à administração racional e
não à compreensão do mundo e de si mesmo.
Na perspectiva habermasiana, a racionalização do mundo da vida
permite a diferenciação de sistemas autônomos e, ao mesmo tempo, abre
espaço para uma ação orientada ao entendimento. Na medida em que se
diferenciam as esferas do mundo da vida em três subsistemas, personalidade,
cultura e sociedade, estabelece-se uma comunicação, uma forma de integração

73
das ações. No âmbito do sistema, a diferenciação gera os subsistemas político e
econômico que são orientados pelo dinheiro e pelo poder.

“O que conduz a uma racionalização


unilateral ou a uma coisificação da prática
comunicativa cotidiana (...) é a penetração das
formas de racionalidade econômica e
administrativa no âmbito de ação que, por ser
âmbitos de ações especializadas na tradição
cultural, na integração social e na educação e
necessitar incondicionalmente do entendimento
como mecanismo de coordenação de ação,
resistem a permanecer assentados sobre os meios
dinheiro e poder” (Habermas, 1987, v.2, p469).

Uma vez separados, mundo da vida e sistema, como um dos pontos que
caracterizam a passagem das sociedades primitivas à modernidade, ocorre o
processo de colonização do mundo vivido pelos mecanismos de integração
sistêmica. A complexificação do sistema político-econômico penetra cada vez
mais nos processos de reprodução simbólica, empurrando o âmbito da ação
comunicativa para o crescimento capitalista.
Habermas torna mais concreto os enunciados da colonização do mundo
da vida através de um exemplo referente à evolução do direito que é a
“Verrechtlichung” das ações estruturadas comunicativamente. Esse processo
revela a substituição da integração social pela integração sistêmica, revelando
ainda os conflitos do mundo da vida com a dinâmica adquirida pelos próprios
subsistemas autônomos. Interessa referir, no âmbito desta investigação, o caso
específico do direito escolar como um desdobramento do “Estado social e
democrático do direito” (1987, v.2, p.510 ss).
No caso escolar, em nome dos direitos da criança, a burocracia teve
que cuidar do processo de ensino e normatizar procedimentos necessários à
consecução desses direitos. Isso estabelece um conflito entre direito e ação
pedagógica. As normas do direito escolar submetem toda a ação pedagógica,
desconsiderando os interesses e necessidades dos sujeitos envolvidos e
retirando-os do contexto de suas vidas.
Habermas alerta que tal circunstância representa “uma ameaça à
liberdade pedagógica e à iniciativa do professor” (1987, v.2, p.526). Faz-se
necessário substituir a intervenção do direito como meio por procedimentos
consensuais que regulem os conflitos, onde os interessados no processo
pedagógico defendam seus interesses e normatizem seus próprios assuntos. A
escola, a família, a política social e outros campos em que se aplica a estrutura
da “Verrechtlichung” devem ser impedidos de se submeter aos imperativos

74
sistêmicos da Economia e da Administração para recuperar a integração social
que se dá através de valores, normas e processos de entendimento. A educação
é uma esfera relevante de reprodução cultural e um espaço próprio para a
liberação de conteúdos humanos e emancipados da razão.
Vinculado à Teoria Crítica e reconhecendo limites nas linhas de
investigação que não conseguem analisar simultaneamente a racionalização do
mundo vivido e a complexidade sistêmica, Habermas entende que uma Teoria
Crítica da Sociedade tem a tarefa fundamental de identificar as distorções
ocorridas, que levam a reduções no processo comunicativo. Essas situações
ocasionam colonização do mundo da vida e geram patologias sociais.
Há redutos de ações comunicativas em vários subsistemas que podem
ser liberados por uma racionalidade que se baseia nas pretensões de validade. A
penetração da razão comunicativa, recuperada das práticas cotidianas, pode
expulsar a razão instrumental e descolonizar o mundo vivido. A racionalidade
assume assim uma positividade.
A teoria da ação comunicativa pretende apreender a racionalidade que
se encontra no juízo, na ação, no saber pré-teórico, no entendimento
linguístico. Dessa forma, Habermas demonstra que o projeto da modernidade
não se constituiu em mera ilusão. A ausência de articulação de outras
dimensões da razão é o que exige uma nova forma de pôr em andamento os
processos de racionalizaçao.
Cabe registrar aqui que Habermas propõe uma aplicação da teoria do agir
comunicativo no âmbito do direito, através de sua mais recente grande obra
Faktizität und Geltung26, em 1992. Nela Habermas apresenta a contribuição da
teoria discursiva no processo de legitimação de direitos, cuja implementação é
compreendida a partir da ação comunicativa entre cidadãos, numa tensão entre
faticidade e validade, entre o mundo da vida e o mundo sistêmico. A relação entre
moral e direito é pensada a partir do agir comunicativo, que permite produzir
acordos. Os direitos positivos igualmente resultam de acordos comunicacionais.
Cada indivíduo é livre para participar e responder às razões que lhe são
apresentadas. Para tanto é preciso levar em consideração as necessidades,
interesses e sentimentos de todos os participantes, de forma que as decisões sejam
tomadas apenas sob a pressão do melhor argumento. Bons argumentos, diz
Habermas, são aqueles que os cidadãos do espaço público, entendidos como
autores da ordem legal, reconhecem como racionalmente aceitáveis (1993a, p.500).
O sistema legal só se impõe a partir da ação de cidadãos livres e a
pretensão à legitimidade só é possível quando a implementação é submetida ao

26
Ver HABERMAS, Jürgen. Faktizität und Geltung; Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und
des demokratischen Rechtsstaats. Frankfurt a.M., Suhrkamp. 1993.

75
processo discursivo que garanta a participação de todos. As normas são válidas
quando todos os participantes as consideram justas. Para Habermas a ―liberdade
comunicacional” se realiza quando todos participarem do discurso, com
independência e autonomia, tomam posições e reconhecem as pretensões de
validade dos envolvidos. A todos deve ser assegurada a participação na
implementação dos direitos. Habermas (1993a) refere que o princípio do discurso
(Diskursprinzip) deve assumir a forma de princípio de democracia
(Demokratieprinzips), de modo a dar legitimidade ao processo legal.
Os direitos básicos (Grundrechte) garantem a participação dos cidadãos
no agir institucionalizado. São eles:
1. O direito que assegura a igual liberdade de ação.
2. O direito que assegura a livre associação dos indivíduos.
3. O direito que assegura a proteção aos direitos individuais.
4. O direito que assegura a igualdade de chance de participação no
processo de formação de opiniões e vontade.
5. O direito à garantia das condições de vida, no âmbito social, técnico e
econômico e que são necessárias para permitir o exercício dos direitos de 1 a 4.
(Habermas, 1993a, p.l55-7)
Esta breve referência à Faktizität und Geltung indica que a educação,
enquanto institucionalizada através dos sistemas escolares, deve promover a
competência comunicativa dos sujeitos, com vistas à própria inserção dos
mesmos em sociedades que busquem a validade das normas orientadoras da
ação. É preciso registrar que esta investigação não tem por objetivo as questões
relativas à teoria do direito, mas a referência de Faktizität und Geltung está a
indicar a fecundidade da teoria do agir comunicativo para interpretar aquelas
esferas da vida prática que, nas sociedades modernas, encontram-se
tensionadas entre realidade e normatividade.

2. As críticas a Habermas

Uma teoria importante como a de Habermas provoca seu fascínio,


impõe prestígio, mas também acarreta muitas críticas e objeções.
As críticas são provenientes, de um lado, de uma tese forte, pela qual
há uma certa identificação necessária entre razão e comunicação e, por outro,
pela tentativa de superar os limites teóricos da filosofia da consciência pela
pragmática, levando ao reconhecimento do consenso como imanente à
comunicação. Ou seja, o reconhecimento de um suposto caráter
essencialmente comunicativo da linguagem.
Disso derivam acusações de ser Habermas excessivamente racionalista
e idealista. As objeções apontam aspectos teóricos, considerados pelos seus

76
críticos como vulneráveis e que têm gerado debates que não parecem estar no
fim. Algumas dessas críticas são aceitas por Habermas, outras ele as refuta.
Entre as críticas a Habermas, cabe destacar as objeções apresentadas
por Albrecht Wellmer, sobretudo em Ethik und Dialog27, onde o autor
questiona o entrelaçamento do princípio moral universalista com o princípio
democrático de legitimidade. Se Habermas acerta em superar o “ponto cego”
da ética Kantiana, já questionada por Hegel, não supera os problemas
decorrentes da reformulação do princípio de universalização.
O princípio U, cuja formulação é: ―Toda norma válida tem que
preencher a condição de que as conseqüências e efeitos colaterais que
previsivelmente resultem de sua observância universal, para a satisfação dos
interesses de todo indivíduo, possam ser aceitas sem coação por todos os
concernidos‖, deixa sem resposta o que significa dizer que alguém pode aceitar
sem coação as conseqüências da observância de uma norma.
Ele sintetiza os pontos obscuros da formulação habermasiana baseado
em duas pressuposições:
1ª) A primeira referente à equiparação de ações moralmente corretas com
questões de justiça. Nesse caso Wellmer alerta que o problema está em que se a
obrigação, que é resultado de um acordo comum, resultaria no interesse de todos.
2ª) As premissas teórico-consensuais que estão subjacentes à ética do
discurso. Essa segunda objeção é desenvolvida, detalhadamente, por Wellmer
através de quatro pontos:
a) a racionalidade dos consensos não pode ser caracterizada formalmente;
b) racionalidade e verdade dos consensos não coincidem necessariamente.
Mesmo quando o consenso se produz em condições ideais, não se conseguiria uma
razão da verdade daquilo que estaria sendo considerado como verdadeiro. Assim,
“nós remetemos às mesmas razões ou critérios que já estavam disponíveis quando
entendemos o que significam as pretensões de validade” (Wellmer, 1994, p.97);
c) o consenso racional não pode se constituir em critério de verdade28. O
consenso racional sobre as pretensões de validade já inclui um consenso sobre a
adequação da linguagem. Assim, diz Wellmer, “o necessariamente preliminar
acordo na linguagem que já Wittgenstein analisara, cairia no campo gravitacional
de revisão discursiva de nossas crenças” (Wellmer, 1994, p. 100);

27
Ver a edição original alemã publicada pela Shurkamp Verlang, 1986. Tradução espanhola
WELLMER, A., Ética y Dialogo, Barcelona: Anthropos. Universidad Autónoma Metropolina, 1994.
28
Wellmer faz referência à explicação feita por Habermas em Die Neue Unübersichtlichkeit, Frankfurt
a.M., Shurkamp, 1985, de que “a teoria da verdade (discursiva) oferece apenas uma explicação do
.significado, sem providenciar um critério: ao mesmo tempo, contudo, solapa as bases para uma
distinção clara entre significado e critério” (p228).

77
d) uma interpretação não criterial do consenso não a prescindiria de
todo o conteúdo e não a levaria a cimentar um princípio ético-discursivo
universal. Wellmer destaca que “um consenso racional infinito (...) não
constitui um objeto de experiência possível. Com. isso se altera também o
sentido possível de uma teoria consensual da verdade; se o consenso que pode
garantir a verdade não é qualquer consenso racional, senão só aquele que,
além de racional, seja infinito, então a teoria perde a força explicativa que
Habermas quer infundir-lhe” (Wellmer, 1994, p.103).
Wellmer reconhece a crítica que Habermas formula ao “rigorismo
monológico da ética Kantiana, assim como o empenho de transcender o
formalismo rígido da dita ética, mediante a ampliação dialógica da mesma” e
também reconhece “a existência de uma conexão entre transição da filosofia da
consciência a uma da linguagem” (1994, p.4O). Mas está a indicar problemas
específicos que trazem debilidade à teoria, sem invalidar a relevância central de seu
programa, enquanto reconstrução das condições normativas da teoria social. O
ponto central de sua crítica indica a debilidade da edificação filosófica dirigida para
um ideal, no caso, a situação ideal de fala.
Ao mesclar os planos do discurso real com ideal, Habermas estaria
desconsiderando os efeitos reais em contextos concretos.
Tugendhat também alinha-se aos pensadores que debatem com Habermas
sua teoria. A objeção central se refere à circularidade da argumentação.
Em muitos aspectos, sua crítica coincide com a de Wellmer,
especialmente em relação ao fato do acordo produzido intersubjetivamente não
ser a conseqüência e sim o critério de fundamentação.
O questionamento mais imediato é sobre a teoria consensual da
verdade, quanto ao fato de que o critério de verdade não pode ser qualquer
consenso, mas um consenso qualificado. Para isso Habermas adota regras
pragmáticas de linguagem e não semânticas.Daí que só é admissível o consenso
que se estabelece sob as condições ideais - situação ideal de fala.
Habermas acrescenta a isso as condições igualitárias; isto quer dizer,
segundo Tugendhat, que sejam “pressupostas regras morais bem determinadas” e
que “o que deve ser compreendido por razão é neste caso posto pelas condições
da situação ideal de fala. Habermas pensou poder deste modo fundamentar uma
ética no sentido do conceito kantiano para o qual o princípio da universalização é
básico, mas na verdade ele o pressupôs” (1993, p.3).
Na continuidade de sua crítica, Tugendhat faz referência a outro ensaio
(Diskursethik - Notizen zu einem Begrüngsprogramm, in: Moralbewussteinsein
und Kommunikatives Handeln, 1983) em que Habermas procura mostrar que,
senão pressupomos as regras do discurso, caímos em contradição performativa. O
fato de Habermas considerar que “as questões morais podem ou devem ser

78
decididas através de um consenso, que de um lado possui a forma de consenso
político, mas de outro lado não deve representar um compromisso e uma decisão
coletiva” é, para Tugendhat, uma mistura de esfera política e moral que se constitui
“em absurdo”(1993, p.5-6).
Entre os críticos brasileiros de Habermas, Lóparic29 debateu com o
filósofo, quando de sua vinda ao Brasil, em 1989, questionando se a ética do
discurso não guardaria “sombras de um terror prático”. Este termo é retomado
de Wellmer que o formula da seguinte forma:

“É apenas na aparência que conseguimos,


com a idéia de „discurso isento dominação‟ um
padrão objetivo de como „medir‟ a racionalidade
prática de indivíduos ou sociedades. Na
realidade, seria uma ilusão crer que poderíamos
nos emancipar da facticidade, por assim dizer
normativamente carregada, de nossa situação
histórica, com todo o legado de normas e
critérios de racionalidade nela presentes, a fim de
lançar um olhar como que „de lado‟ para a
história como um todo e para nossa posição
dentro dela. Uma tentativa nessa direção só
poderia terminar na arbitrariedade teórica e no
terror prático.”30

Lóparic desenvolve sua crítica a partir da construção da ética discursiva,


lembrando que a validade das normas depende de acordos consensuais prático-
teóricos. Nos discursos reais tais acordos serão muito difíceis de serem obtidos e,
quando obtidos, são passíveis de incessantes revisões. Lóparic considera que
mesmo a utilização de Habermas ao recurso da “situação ideal de fala” não
impede que o princípio U perca o caráter de decisão.
A substituição do sujeito kantiano, que decide monologicamente (e que é
rejeitado por Habermas), pela comunidade ideal de comunicação conduz a
substituição do sujeito pelo coletivo. Assim, Lóparic considera que o procedimento
kantiano deve ser preservado como “o único capaz de evitar a arbitrariedade de
escolha do ponto de vista moral”. Pergunta ainda Lóparic, se o abandono do ponto
de vista monológico não reintroduziria a heteronomia e se “essa heteronomia,

29
Ver LÓPARIC, Zeljko, Habermas e o terror prático, artigo publicado em Manuscrito, v.XIII,
out.1990, p.111-116.
30
Conforme WELLMER, A., em Praktische Philosophie und Theorie der Gesellschaft, Konstanz,
1979, apud HABERMAS, J., Consciência Moral e Agir Comunicativo, Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1989. p125.

79
combinada com o caráter não efetivo de U, (...) não leva a uma posição
perigosamente próxima do „terror prático‟” (Lóparic, 1990, p.l14).
Giannotti31 também formula uma crítica dura a Habermas, no que se refere
ao uso pragmático da linguagem, que sustentaria a passagem da filosofia da
consciência para a teoria da comunicação. Ao seguir Apel, Habermas daria um
“salto no escuro”, pois haveria uma redução da diversidade de maneiras de seguir
uma regra a “um procedimento sublime pelo qual o sujeito sabe que segue uma
regra”. Giannotti prossegue explicando que o procedimento é sublime porque
“tudo aquilo que fica no horizonte como norma aparece desvinculado da ação de
segui-la como se este ato nada mais fosse do que a encarnação de uma idéia
inerte” (1992, p.64).
Assim não é possível consenso antes de acordo prático, pois só os
resultados mostram o bom entendimento. Apel e Habermas estariam ―jogando
a questão do entendimento e do acordo para a esfera sublime da idéia
reguladora (...) ―. Depois desse salto no escuro “nada mais é preciso para o
retorno glorioso da razão clássica, cuja clareza é vista como a meta de toda a
linguagem” (Giannotti, 1992, p.65).
Habermas estaria confundindo o entendimento, que ocorre numa
dimensão mais primitiva, com aquele que ocorre na ação comunicativa. Isso
Giannotti aponta a partir das diferenças entre as proposições “p” e “eu afirmo que
p”, dizendo que, enquanto para Wittgenstein “um ato de fala só vem a ser um ato
de fala se tecer entendimento, para Habermas, ao contrário, só há entendimento
quando os sujeitos o procuram, em vez de visarem sucesso” (Giannotti, 1992,
p.66). Sem deixar de lembrar que a perspectiva de ambos é diferente, Giannotti
destaca que Habermas quer dar ao “entender” um sentido ampliado de forma a
incluir o contexto institucional no ato comunicativo. O que se “entende” é a
opinião expressa na frase. Entretanto, uma teoria pragmática requer “condições de
cumprimento”, ou seja, saber como os agentes se entendem no sentido de saber
que vínculos são necessários à interação.
A questão problemática é o fato de que uma situação de entendimento
na teoria habermasiana, que se apóia em conceito fenomenológico (mundo da
vida), preocupada com questões de fundação, quer transferir-se para o contexto
de uma pragmática formal.
Paulo Sérgio Rouanet, a despeito do reconhecimento do valor da obra
de Habermas, critica, na ética discursiva, a ausência de conteúdo valorativo
para o bem viver. Ou seja, Rouanet retoma a questão do caráter formalista e

31
Ver GIANNOTTI, José Arthur, em Habermas: mão e contramão, publicado em ROHDEN, Valério,
Racionalidade e Ação. Porto Alegre: UFRGS, Instituto Goethe, 1992, p.60-76.

80
universalista da ética discursiva, que se limita a validar normas através do
discurso prático. Portanto, a questão dos valores não é contemplada.
Os valores têm a ver com o bom e o desejável, estão relacionados com
o mundo de vida e serão incorporados, como normas, quando submetidos à
argumentação e ao consenso.
Embora Rouanet considere uma “prudência louvável” a ética
discursiva não “examinar os valores nem proclamar a universalidade de
alguns entre eles”, revela-se, por outro lado, “desconcertado”32. Considera ser
possível deduzir uma ética substantiva universal, incluindo normas e valores,
pois valores como liberdade, cooperação, igualdade estão subjacentes às
estruturas formais do discurso. Entende que Habermas deveria fazer isso.
Habermas, por sua vez, tem se pronunciado contra uma orientação
conteudista para a moral, no sentido de bem viver, pois “teorias morais deônticas,
cognitivistas e universalistas na tradição kantiana são teorias da justiça que
precisam deixar sem resposta a questão do bem viver” (Habermas, 1985, p.237).
Também em Notas Pragmáticas para a Fundamentação da Etica do
Discurso, em Consciência Moral e Agir Comunicativo (1989), Habermas contra-
argumenta em relação às objeções que lhe são formuladas sobre essa questão do
bem viver. Retoma a característica básica do princípio da ética discursiva, que é
um procedimento para exame de validade das normas propostas e para tanto
precisa dos conteúdos que são provenientes do mundo da vida. Os valores culturais
estão tão inter-relacionados com “uma forma de vida particular que não podem
originariamente pretender uma validade normativa no sentido estrito - eles
candidatam-se, em todo o caso, a materializar-se em normas que dêem vez a um
interesse universal” (Habermas, 1989, p. 126).
É importante aqui registrar as respostas que Habermas propõe a seus
críticos no ensaio As objeções de Hegel a Kant também afetam a ética do
discurso?33 Nesse artigo, Habermas responde as possíveis críticas à ética
discursiva, a partir das conhecidas objeções que fez Hegel a Kant, em sua época.
A primeira delas é a crítica hegeliana ao formalismo kantiano, que pela
exigência de abstração de conteúdos do imperativo categórico, orienta-se por
juízos tautológicos. Na ética discursiva, em vez do imperativo categórico, há o
procedimento da argumentação moral (princípio D), que permite refutar o
excessivo formalismo, uma vez que seus conteúdos morais não resultam da ação

32
Ver ROUANET, Paulo Sérgio. Ética iluminista e ética discursiva, em Jürgen Habermas: 60 anos,
Rio de Janeiro: Revista Tempo Brasileiro, 1989, p.68-78.
33
Ver edição espanhola HABERMAS, J., Escritos sobre Moralidad y Eticidad, Buenos Aires: Paidós,
1991, p.97-130. Edição alemã publicada por W. Kohlman (Org.), Moralität und Sittlichkeit, Frankfurt
a.M., 1986.

81
de um sujeito solitário, mas são provenientes da vida. Os conflitos de ação que
serão resolvidos consensualmente emergem da prática comunicativa cotidiana.
A segunda objeção refere-se ao universalismo abstrato dos juízos
morais. Isto traz o receio que a universalização das normas possa ter como
conseqüência a desconsideração a estruturas pluralistas das formas de vida.
A preocupação de Hegel de uma ética procedimental que, por ser
aplicada monologicamente, não possa avaliar as conseqüências de observação
da norma, não se aplica à ética do discurso. A formulação do princípio de
universalização já inclui em seu procedimento o sentido de avaliar as
consequências das ações e normas. Habermas afirma que

“a ética do discurso insiste que não podemos


cair abaixo do nível alcançado por Kant, no
tocante à diferenciação entre o problema da
fundamentação e o problema tanto de aplicação
como de realização das idéias morais. A ética do
discurso pode mostrar que também na aplicação
inteligente de normas se impõem princípios
gerais da razão prática” (1991, p.120).

A terceira objeção se refere à impotência do dever ser, que é válida


para Kant, mas não se aplicaria à ética discursiva, porque ela abandona o reino
dos fins. Segundo Habermas, “o discurso prático exige a inclusão de todos os
interesses afetados em cada caso e se estende, inclusive, a um exame crítico
das interpretações que nos permitem perceber determinadas necessidades
como interesses próprios” (1991, p.121).
Além disso, a ética do discurso não se orienta pelo conceito de autonomia,
conforme é entendido na Filosofia da Consciência, mas é reinterpretado pelo
conceito intersubjetivo de autonomia, pelo qual a emancipação da personalidade
depende da realização da liberdade das outras pessoas.
Mas Habermas dá razão à Hegel ao dizer que nossas normas devam ser
transformadas em deveres da vida concreta, para escapar à impotência do dever
ser. As práticas do mundo da vida, reformuladas pelo discurso devem ser
rearticuladas como práticas cotidianas. Portanto, a ética discursiva não
permanece estéril porque ela prevê que normas reavaliadas possam ser
observadas pelos atingidos.
A quarta objeção, referente ao terrorismo da pura intenção (convicção),
é fortemente rejeitada por Habermas. Essa acusação é incompatível com o
sentido do universalismo moral, pois ao se remontar à teoria da
intersubjetividade, a ética do discurso conta com espaços de opinião pública
pelos quais as comunicações se convertem “em processos de auto-compreensão

82
e auto-esclarecimento da sociedade global” (Habermas, 1991, p.124). A
distinção entre justificativa ou fundamentação e aplicação das normas impede
essa quarta objeção. E desejável que todos os envolvidos sigam as normas, mas
isso não assegura a realização de ideais morais.
As críticas até aqui apresentadas, bem como as respostas feitas por
Habermas em As objeções de Hegel a Kant também afetam a ética do discurso?,
são relacionadas com a Etica Discursiva e a Teoria da Ação Comunicativa, que foi
produzida ao longo de mais de uma década, culminando com a Theorie das
Kommunikativen Handelns. Mais recentemente, Habermas publicou Faktizität und
Geltung, obra na qual aplica a Teoria do Agir Comunicativo no processo de
legitimação do direito, mostrando as tensões existentes entre as práticas sociais que
geram normatividades e as leis jurídicas implementadas. O discurso é a instância
pela qual as normas adquirem aceitabilidade racional.
Maria Clara Dias34 reatualiza a crítica a Habermas porque a faz,
sobretudo, a partir desta última obra, mais especificamente, sobre a
possibilidade da teoria do discurso fundamentar os direitos básicos.
A participação dos indivíduos no processo de implantação do direito
requer que determinadas condições sejam atendidas, o que equivale à retomada do
argumento habermasiano da inserção de sujeitos no discurso racional, livre de
qualquer violência, orientados apenas pela coerção do melhor argumento. A crítica
à fundamentação dos direitos básicos retoma a crítica à própria ética do discurso.
Dias, baseada em Wittgenstein, aponta como equívoco de Habermas
sustentar sua base teórica numa suposta “estrutura comum a todos os atos de
fala ou a todos os modos de linguagem” (Dias, 1995, p.92). A linguagem é
uma forma de vida, não redutível a seu caráter comunicacional.
A crítica da autora se vale também dos argumentos desenvolvidos por
Tugendhat (já referidos) que faz uma distinção no emprego da linguagem entre
regras semânticas (referentes ao sentido) e regras pragmáticas (referentes ao
uso da linguagem no contexto comunicacional). Questiona se um enunciado
normativo só pode ser compreendido num contexto comunicacional e se pode o
consenso ser o critério último para a validade de tais enunciados.
Dias se vale ainda dos argumentos de Wellmer para evidenciar o
caráter de circularidade da teoria habermasiana. Como Habermas especifica
que o consenso racional não é fático, mas qualitativo, isto é, dependente de
razões adequadas, Dias conclui que o

“acordo intersubjetivo não é ele mesmo o


critério para o reconhecimento da validade de

34
Ver DIAS, Maria Clara M. Ética do discurso: uma tentativa de fundamentação dos direitos civis,
Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, v.22, n.68, 1995, p.85-98.

83
asserções e normas, e sim uma conseqüência de
que existam critérios, com base nos quais a
verdade de uma asserção ou a correção de uma
norma possa ser avaliada. Um tal acordo será,
então, um consenso qualitativo, ou seja, um
consenso baseado em argumentos” (1995, p.94).

A teoria cairia na circularidade, pois, conforme já indicado por Wellmer,


se as regras de argumentação já contêm uma exigência moral, Habermas estaria
tomando por base algo já normativo, para dar sustentação à própria normatividade.
Ao extrair as conseqüências das críticas apontadas para a
fundamentação dos direitos que Habermas propõe em Faktizität und Geltung,
Dias afirma que a fundamentação dos direitos não pode ser reduzida ao aspecto
comunicativo, resultante do consenso.
Somente no plano discursivo uma norma pode encontrar
racionalidade, pois Habermas reconhece que só, os bons argumentos darão
aceitabilidade de todos a uma norma. É do acordo comunicacional que
procede a legitimação do direito.
Para Dias, o uso das regras já teria um aspecto normativo e, sendo
assim, não se pode deduzir uma fundamentação dos direitos a partir do agir
comunicativo, sob pena de cair num círculo vicioso. Dias alerta que Habermas
também concorda que os direitos básicos devem garantir a igualdade de
participação no discurso, a autonomia privada e pública de cada um, mas como,
então, fundamentar os direitos daqueles que não possuem autonomia?
A conseqüência que se estabelece é de como fornecer uma resposta
para aqueles que não possam tomar parte do discurso racional. O recurso de
alguém decidindo por outros (por exemplo: deficientes mentais) implicaria
em paternalismo político. Dias conclui então que “o reconhecimento dos
direitos sociais básicos deve ser independente, tanto do „status‟ de um ser
humano como possível integrante do discurso racional, como de um possível
consenso” (1995, p.97).
O conjunto das críticas ao pensamento de Habermas aqui apresentado
não tem intenção de esgotar o tema, que é complexo e tem se enriquecido
através de contínuos debates. Habermas abandona o recurso metafísico nos
moldes do reino dos fins para reconstruir a razão prática em termos de uma
razão comunicativa, onde a ênfase se desloca de uma consciência individual
para aquela que todos podem acordar através de um discurso racional. Parece-
me que as críticas não anulam o empenho habermasiano em reconstruir as
bases normativas da modernidade. Tal empenho é uma das poucas abordagens
produtivas para encontrar uma resposta ao beco sem saída (Masschelein, 1991)
que se encontra a educação, desestabilizada pelos impasses da crítica da razão e

84
pela dificuldade de encontrar uma unidade de sentido para o ato educativo que,
desde a orientação formulada por Kant, vem sendo buscado como a
constituição da humanidade no homem.
A teorização de Habermas, ao recuperar a possibilidade de uma vida
informada pela razão, desde que descolonizado o mundo da vida, traz para a
educação uma reinterpretação de seu papel. A escola, enquanto tarefa típica da
modernidade, necessita articular sua ação formadora do homem com uma
racionalidade que o conduza a uma vida de autenticidade, que não seja
embasada numa razão absoluta, mas se engendre no entendimento lingüístico,
que desloca o paradigma da consciência para o da intersubjetividade.
No capítulo a seguir, apresento o que entendo a respeito de prática
pedagógica na perspectiva dos princípios teóricos até aqui analisados. Trata-se de
examinar em que se modificam as categorias básicas da educação, diante de uma
nova formulação do conceito de racionalidade. Pretendo desenvolver uma
argumentação que exponha as conseqüências de um fundamento renovado para a
educação em relação (1) ao significado da mudança do conceito de racionalidade
para a educação, (2) à formação do sujeito como tarefa básica da educação escolar,
(3) ao reconhecimento da estrutura antinômica da escola e (4) à possibilidade da
educação ser emancipatória.

85
IV

RACIONALIDADE COMUNICATIVA E EDUCAÇÃO:


PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES

A Teoria da Ação Comunicativa de Habermas oferece uma


possibilidade de interpretar as tensões entre mundo da vida e sistema, que
ocorrem no âmbito da educação, ligando a esse aspecto uma teoria do
desenvolvimento da competência cognitiva.
O que interessa especificamente, nesta investigação, é a pergunta pelas
implicações de uma racionalidade comunicativa na práxis pedagógica, cuja base
teórica originária não só lança raízes no pensamento clássico com sustentação na
filosofia do sujeito, como, sobretudo, cede à opção da modernidade por uma
racionalidade instrumental.
Na formulação habermasiana, a racionalidade surge de um processo
efetivo de comunicação, que ocorre entre indivíduos situados num contexto
histórico-político, que compartilham o mundo vivido. O racional não diz respeito
àquelas decisões estratégicas para atingir determinados fins, mas inclui os aspectos
ético- formativos e estéticos-expressivos. Baseia-se no entendimento racional
obtido pelos participantes da comunicação, que se dá através da linguagem, sobre a
compreensão de fatos objetivos e sociais. A racionalidade não tem mais seu
fundamento último no sujeito, mas no mundo prático e intersubjetivo.
Conforme afirma Habermas em O Discurso Filosófico da Modernidade,

“chamamos racionalidade, principalmente, a


disposição de sujeitos falantes e atuantes de
adquirir e utilizar um saber falível. Enquanto os
conceitos básicos da filosofia da consciência
impuseram que se compreenda o saber,
exclusivamente como saber de algo no mundo
objetivo, a racionalidade limita-se ao modo como
o sujeito isolado se orienta em função dos
conteúdos de suas representações e dos seus
enunciados. (...) Quando, pelo contrário,
entendemos o saber como transmitido de forma
comunicacional, a racionalidade limita-se à
capacidade de participantes responsáveis em
interações se orientarem em relação a exigências
de validade que se apresentam sobre o
reconhecimento intersubjetivo. A razão

86
comunicacional encontra seus critérios no
procedimento argumentativo da liquidação direta
ou indireta de exigências de verdade
proposicional, presteza normativa, veracidade
subjetiva e coerência estática” (1990a, p.291).

Habermas tenta identificar as possibilidades empíricas de uma


racionalidade se encarnar em forma de vidas concretas. A educação, em geral, e a
escola, em particular, são formas onde a racionalidade se efetiva com a finalidade
de construir um projeto humano, formador da identidade de si mesmo e do mundo.
Assim, essa teoria pode renovar o conceito de educação, justamente, com a
reflexão sobre a formação do sujeito e a socialização.
Entretanto, esse novo conceito envolve um movimento profundo de
reconceptualização filosófica que leva tempo para se estruturar e para se articular
com as ciências humanas. Mas, ao mesmo tempo, traz consigo uma multiplicidade
de hipóteses, de possibilidades que fecundam o campo da educação. As
possibilidades implícitas na teoria da racionalidade comunicativa, apesar de terem
sido elaboradas no contexto de um outro país, têm potencial teórico para lançar
luzes na discussão da educação, que sofre estremecimento em sua base de
justificação. Ao reconhecer a intersubjetividade dos sujeitos que pensam e agem e
a subjetividade de cada um, a razão pode justificar os princípios universais que
fundamentam a ação pedagógica e pode também reconhecer os espaços possíveis
de transformação da razão em racionalidade ético-comunicativa.
A seguir, são apresentados os pontos principais que traduzem as
implicações de uma nova racionalidade para a educação. Espero explicitar um
entendimento da práxis pedagógica que supere a aporia resultante da relação
sujeito-objeto, baseada numa racionalidade instrumental, e se encaminhe na
direção de uma interpretação renovada da teoria e prática pedagógicas.

1. O significado da mudança do conceito de racionalidade para


a educação

1.1. A exigência de uma racionalidade comunicativa na ação


pedagógica

Sabe-se o quanto é difícil superar o processo reprodutivo da razão


instrumental, que se impõe em diferentes esferas da integração social e atua
também nos sistemas educativos. Essa razão se circunscreve no âmbito da relação
sujeito-objeto, tem como thelos a dominação do mundo e não vê a relação sujeito-
sujeito como constitutiva de seu significado.

87
A questão que se impõe para a educação é a exigência de instauração de
uma razão comunicativa, que reconstrua a educação escolar enquanto processo
interativo, com vistas ao amadurecimento da humanidade, conforme a formulação
clássica de Kant35.
A expressão desse ideal é um transcendental educativo. Se essa finalidade
não tem mais como realizar-se, uma vez que a razão sofreu os impasses
conhecidos, pode-se, contudo, não perder de vista o sentido da educação de formar
o homem, relacionando-o com a liberdade e a autonomia. É dessa inspiração que
resulta a busca de outra justificativa. A filosofia kantiana não evolui do eu para o
nós, permanecendo cativa de uma idéia individualista de homem.
A educação, desde sempre, se inscreveu sob o thelos do diálogo, em
processo interativo, onde a constituição do sujeito se dá pela ação comunicativa
entre os homens. Essa ação não se enquadra no espaço da razão instrumental, da
dedução, mas tem uma exigência ética, que pode ser ativada por uma razão
comunicativa, ultrapassando o solipsismo metodológico kantiano. Ou seja, a
recuperação da educação enquanto formadora do homem como sujeito de ação
cognitiva, ética e política só se efetiva sob a rubrica de uma razão capaz de
produzir entendimento. Não há mais um sujeito transcendental, mas sujeitos que
produzem, pelas suas falas, acordos.
Essa razão, conforme Habermas, parte da intersubjetividade como fala”,
como “mundo da vida”. A linguagem e o mundo da vida não são instrumentos de
auto-realização do sujeito, mas um encontro com o outro num mundo em que se
compartilham significados e normas. A fala sobre algo é sempre fala com. Assim,
a intersubjetividade constitui a subjetividade e participa de sua estruturação, não
tendo um caráter de meio, portanto, não se enquadrando numa relação do tipo
meio-fim, sujeito-objeto (Masschelein, 1987). O fundamento da ação dialógica
encontra-se na participação do sujeito em um mundo compartilhado com outros
sujeitos. Isso tem validade para as diferentes instâncias do processo pedagógico,
seja no plano da relação professor-aluno, seja no plano da definição da política
educacional, da administração e da relação com outras áreas do conhecimento
científico. A educação escolar precisa fazer valer as formas de vida que possam dar
sentido à formação do sujeito racional, ou seja, garantir os processos de reprodução
cultural e de formação da identidade.
É preciso, entretanto, destacar que não há uma aplicação imediata
dessa racionalidade na educação. Ela se faz mediada pelas ciências humanas,
pela política, pelo currículo, pela administração do sistema educativo, de forma
35
Conforme referido no item 1.1, do Capítulo II, Kant formula os princípios básicos que
justificam a educação como um processo de amadurecimento do homem, através da interação,
fundamentação na razão humana que pode conduzir o homem a superar sua animalidade e tornar-
se autônomo intelectual e moralmente.

88
que os envolvidos no processo passem a articular ações coordenadas pelo
entendimento e realizem a crítica das pretensões de validade presentes no
discurso pedagógico para produzir acordos.
Sendo a escola uma estrutura do mundo da vida, resultante da
diferenciação dos processos de evolução social, ela é uma produção genuína da
racionalidade comunicativa e seu atrelamento aos ditames do mundo sistêmico e
da razão instrumental é indicativo de perturbação social. O resgate da função da
educação como formador do sujeito (personalidade) requer uma ação pedagógica
coordenada pela razão comunicativa. Habermas (1987, v.2, p.502 ss) alerta que nas
sociedades modernas a garantia à educação como expressão do direito e liberdade
dos cidadãos põe em perigo a liberdade dos mesmos. Isso significa que os
procedimentos jurídico- burocráticos (mundo sistêmico), unilateralmente,
obliteram aquilo que pretendiam resolver, empurrando cada vez mais os espaços da
interação comunicativamente estruturada. Surgem, então, na educação escolar, a
apatia, o desinteresse, um empobrecimento do mundo da vida. Na sociedade
brasileira, o ato de não ativar os poros de uma racionalidade comunicativa provoca
distorções paradoxais, isto é, a competência das estruturas cognitivas (condição
mínima para atender demandas argumentativas) não se realiza, tal a intensidade
dos processos de exclusão (seja pela condição econômica, seja pelo autoritarismo,
ou pela inadequação do ensino).
Com isso, compromete-se a própria personalidade que, na interpretação
habermasiana, é um dos componentes estruturais do mundo da vida. Uma razão
comunicativa em ação requer uma constante crítica sobre a responsabilidade
pedagógica tanto das instituições como dos profissionais nela envolvidos, de modo
a organizar critérios de racionalidade e maximizar estruturas capazes de:
• promover a capacidade discursiva daqueles que aprendem;
• promover condições favoráveis a uma aprendizagem crítica do
próprio conhecimento científico;
• inocular a semente do debate, considerando os níveis de competência
epistêmica dos alunos;
• promover a discussão pública sobre os critérios de racionalidade
subjacentes às ações escolares, seja através dos conhecimentos prevalentes no
currículo, seja pela definição de políticas públicas que orientem a ação pedagógica;
• estimular processos de abstração reflexionante, que permitam trazer a
níveis superiores a crítica da sociedade e dos paradoxos de racionalização
social e, a partir daí, realizar processos de aprendizagem, não só no plano
cognitivo, como também no plano político e social;
• promover a continuidade de conhecimentos e saberes da tradição cultural
que garantam os esquemas interpretativos do sujeito e a identidade cultural.

89
A reabilitação das estruturas de comunicação embutidas na ação
pedagógica implica ―apanhar‖ a realidade através de uma razão que dialoga. A
educação efetiva esse diálogo quando traduz para a sala de aula o sentido da
política, da ética, do saber cultural, da ciência e sua criticidade, recuperando a
unidade diante dos diferentes modos descontínuos com que chegam à escola os
resultados da ciência, da política e das ações éticas.
A educação tem muitos motivos para desconfiar da razão iluminista que
lhe deu base de sustentação. A busca de sua superação faz-se pela racionalidade
decorrente das estruturas intercomunicativas, de atores agindo dialogicamente. A
pedagogia, que apostou na força impulsionadora de uma razão interpretada
inequivocamente, procura através “de uma identificação da ação pedagógica e
ação comunicativa escapar do beco sem saída do esquema de pensamento meio-
fim” (Masschelein, 1987, p.212).

1.2. O princípio da subjetividade: da razão centrada no sujeito à


intersubjetividade da racionalidade comunicativa

Conforme foi analisado no capítulo III, a teoria da racionalidade


habermasiana tem origem na mudança ocorrida na filosofia contemporânea, ou
seja, há a substituição da filosofia da consciência, que tem a razão centrada no
sujeito, pelo paradigma da comunicação, que entende a razão inscrita
potencialmente na linguagem, no entendimento entre os homens.
A racionalidade e a ação comunicativa permitem a superação da atitude
objetivante do sujeito que se dirige a si e ao mundo exterior. Ao contrário dessa
atitude objetivante, os participantes da interação coordenam seus planos pelo
entendimento, através de acordos entre si sobre algo do mundo. Nessa atitude,
mediada pela linguagem, “a reflexão efetuada da perspectiva de participante
escapa àquela forma de objetivação que é inevitável da perspectiva do
observador, usada reflexivamente” (Habermas, 1990a, p.278).
A ação pedagógica, que teve seu fundamento formulado no âmbito da
subjetividade, renova-se pelo deslocamento da subjetividade para a
intersubjetividade. Esse processo se efetiva pela linguagem, como condição que
possibilita a construção do sujeito.
Essa mudança permite estabelecer a diferença entre uma relação
comunicativa ou dialógica (sujeito-sujeito) e uma relação instrumental (sujeito-
objeto). A subjetividade que se constitui pela intersubjetividade está dependente da
inserção de sujeitos num mundo compartilhado, onde há saberes e normas que são
acordadas e regulam nossas ações. Não havendo mais um sujeito que se dirige a si
mesmo e ao mundo exterior, e havendo uma interação que permita outra relação

90
do sujeito consigo próprio, “desaparece a separação ontológica entre o eu
transcendental e o eu empírico” (Habermas, 1990a, p.278).
Nessa medida, não há apenas uma competência de um sujeito cognitivo
que epistemicamente domina o mundo e o representa. Trata-se, para a educação, de
uma competência interativa, de inserção em processos de entendimento, dos quais
se extrai uma racionalidade comunicativa, que está

“diretamente implicada no processo de vida


social. (...) O tecido das ações comunicativas
alimenta-se de recursos do mundo da vida e é, ao
mesmo tempo, o médium através do qual se
reproduzem as formas de vida concretas”
(Habermas, 1990a, p.292).

Assim, temos uma subjetividade renovada, descolando a razão solipsista


para a intersubjetividade, onde o sujeito constitui a si e a razão num processo
dialógico, extraindo uma base comum de entendimento do mundo da vida. Tal
deslocamento reafirma a necessidade de o processo pedagógico adotar
procedimentos dialógicos, como forma de mediação cultural, que permita espaços
para a vida humana. Desse modo, a educação deve estar orientada para a promoção
da capacidade discursiva de seus alunos.

1.3. A racionalidade como aprendizagem e a aprendizagem da


racionalidade

A teoria da evolução social, presente na obra de Habermas, entende a


estrutura da consciência e da razão como resultado qualitativo de níveis de
aprendizagem, em que tanto a sociedade como os sujeitos que nela se integram
evoluem para hierarquias cada vez mais complexas.
Dada as múltiplas interpretações que o termo aprendizagem sugere,
esclareço o âmbito teórico no qual ele se circunscreve*. Quando anuncio no
capítulo 2 a contribuição de Piaget para teorizar a capacidade do sujeito em
organizar as estruturas lógicas do pensamento, reafirmo a produtividade de uma
abordagem construtiva dos processos racionais. Assim distingo, com Piaget, os
limites das interpretações aprioristas e empiristas, que são insuficientes para
compreender racionalidade como aprendizagem. Kant já. havia, em seu tempo,
apresentado objeções a esses modelos.
O empirismo entende a aprendizagem como uma ação prevalente da
experiência sobre o sujeito. Se, por um lado, no empirismo a experiência é algo

*
Agradeço a Fernando Becker a sugestao deste esclarecimento

91
que “se impõe por si mesmo, sem que o sujeito tenha que organizá-la”, por outro
lado, “encara a experiência como existente em si mesma” (Piaget, 1982, p.339).
Piaget refuta este tese, considerando que “os progressos da experiência dependem
de uma atividade inteligente que a organiza ―, pois a “experiência nada mais é que
uma acomodação” (Piaget, 1982, p.34l).
A aprendizagem na tradição apriorista é igualmente refutada por
Piaget, pois a existência de ―formas” é anterior à nossa atividade intencional,
pressupõe a existência de “estruturas internas todas feitas” e a “atividade
desaparece em beneficio do todo elaborado” (Piaget, 1982, p.355).
A distinção entre esses dois conceitos de aprendizagem evidencia
como Piaget

“apesar de concordar com aspectos, até


essenciais, do apriorismo e do empirismo, nega-
lhes a capacidade de explicação suficiente da
gênese do conhecimento; discorda também da
sugestão de que a mera soma das duas correntes
de pensamento apontaria a uma solução
satisfatória” (Becker, 1993, p.21).

A racionalidade como aprendizagem requer distinguir os dois sentidos que


Piaget confere à aprendizagem, como sentido restrito (stricto sensu) e como
sentido amplo (lato sensu). A aprendizagem stricto sensu é uma aquisição em
função da experiência que se dá de forma “mediata”, na qual o controle não é
sistemático. Essa aquisição depende de estruturas que são construídas ao longo do
processo de formação do conhecimento. Assim, a aprendizagem stricto sensu é
subsumida juntamente com os processos de equilibração pela aprendizagem lato
sensu. Diferentemente do empirismo, que reconhece toda a aquisição não adquirida
hereditariamente como aprendizagem, para Piaget, nem todo o resultado adquirido
pela experiência é equivalente a uma aprendizagem. A atividade assimiladora é
que possui papel determinante na aprendizagem.

“Não somente uma aprendizagem não parte


jamais de zero, quer dizer que a formação de um
novo hábito consiste sempre numa diferenciação
a partir de esquemas anteriores; mas ainda, se
essa diferenciação é função de todo o passado
desses esquemas, isso significa que o
conhecimento adquirido por aprendizagem não é
jamais nem puro registro, nem cópia, mas o
resultado de uma organização na qual intervém
em graus diversos o sistema total dos esquemas
de que o sujeito dispõe” (Piaget, 1974, p.69).

92
A aprendizagem, que permite a construção das estruturas operativas,
permite igualmente a constituição da racionalidade. Conforme Habermas, o
estruturalismo genético de Piaget é “um modelo que parece muito promissor para
a análise da evolução social, do desenvolvimento das imagens do mundo, de
sistemas de crenças morais e de sistema jurídicos” (Habermas, 1989, p.39). O
entendimento de aprendizagem construtivista permite compreender como os
sujeitos e as sociedades adquirem determinadas competências. As suposições que
estão presentes num conceito construtivista de aprendizagem são:

“primeiro, a suposição de que o saber em


geral pode ser analisado como um produto de
processos de aprendizagem; depois, que o
aprendizado é um processo de solução de
problemas no qual o sujeito que aprende está
ativamente envolvido; e, finalmente, que o
processo de aprendizagem é guiado pelos
discernimentos dos próprios sujeitos diretamente
envolvidos nesse processo. O processo de
aprendizagem deve poder se compreender
externamente como a passagem de uma
interpretação X1 de um dado problema para uma
interpretação X2 do mesmo problema, de tal
modo que o sujeito que aprende possa explicar, à
luz de sua segunda interpretação, por que a
primeira é errada” (Habermas, 1989, p50).

O processo de aprendizagem da razão na evolução social está vinculado ao


desenvolvimento da competência dos sujeitos que a ela se vinculam. Trata-se de
uma competência de fala e de desenvolvimento das condições epistêmicas do
juízo. Assim, a educação é, ao mesmo tempo, constituinte e constituída por uma
racionalidade que é aprendida.
A capacidade do sujeito e das sociedades de resolverem seus problemas e
evoluírem para uma compreensão descentrada de mundo é originalmente explicada
por Piaget, e retomada por Habermas, como sustentação de seus argumentos de
que a racionalidade é uma aprendizagem. Nesses termos, a teoria social recria uma
dimensão nova para o papel atribuído à educação escolar, que é a idéia de uma
racionalidade evolutiva, nos termos da ontogênese, e que pode evidenciar os
deslocamentos, os déficits da razão (traduzido no saber científico e técnico), que
ocorrem nos sistemas escolares, sem que, necessariamente, se estabeleça um
progresso na racionalidade ético-comunicativa.
A educação defronta-se, então, com uma duplicidade: por um lado, a
razão do sujeito é resultado de aprendizagem, na medida em que a escola prepara

93
para uma determinada competência racional. Por outro lado, enquanto os sujeitos
se educam, consolidam suas estruturas cognitivas e adquirem capacidade de pensar
em termos hipotéticos, eles também aprendem uma determinada racionalidade,
através do modo como são ou não articuladas as estruturas de comunicação pelas
quais se efetiva o discurso pedagógico.
A aprendizagem é um processo que a educação promove de forma
sistemática, justamente, para garantir a constituição do sujeito e as formas de
transmissão da cultura. A concepção de aprendizagem como um processo de
construção de conhecimento está subjacente à Epistemologia Genética. Através
deste processo o sujeito se autoconstitui como capaz de conhecimento, linguagem
e ação. Por sua vez, o conhecimento tem uma estreita relação com a racionalidade,
já que esta se traduz como forma de saber, conhecer, compreender, dar razões. Ao
lado da aprendizagem, o conhecimento é uma categoria reveladora da
racionalidade, apresentando-se como central para a educação escolar, que tem na
apropriação do saber e da cultura um dos seus objetivos mais fundamentais.
O conhecimento se refere a resultados da ação racional diante dos mais
diferentes desafios vividos pela humanidade e que se organizam em nossas
sínteses. Permite que o homem compreenda o mundo no qual se encontra e que o
constitui. Mas, conforme referência feita no item 1.3, capítulo II, essa capacidade
não se reduz a uma operação mental. O conhecimento é partilhado e produzido
intersubjetivamente, tendo uma dimensão histórica, hermenêutica.
O saber cultural, que na escola é expresso em teorias, conhecimentos e
ações tem uma forma de apropriação enraizada no mundo da vida. Sobre isso,
Habermas afirma:

“Conteúdos transmitidos culturalmente


configuram sempre e potencialmente um saber de
pessoas; sem a apropriação hermenêutica e sem
o aprimoramento do saber cultural através de
pessoas, não se formam nem se mantém
tradições” (1990b, p. 100).

A teoria do agir comunicativo, entendendo a racionalidade como uma


evolução, recupera para a educação uma dimensão crítica em relação ao tipo de
razão que a escola promove, evidenciando que não é sem problemas que esse
progresso da razão ocorre (traduzido na forma de ciência e técnica). Há outras
dimensões a serem incorporadas na aprendizagem da racionalidade, para além da
constituição epistemológica, ou seja, há uma dimensão hermenêutica, vinculada ao
mundo da vida, um pano de fundo cultural, que representa as bases do
entendimento. Esse é o celeiro no qual o homem tem as raízes de suas ações
racionais e que torna possível o estabelecimento do sentido e do entendimento

94
intersubjetivo. A educação vai resgatar os fragmentos de uma racionalidade
comunicativa no próprio processo de aprender a razão.

1.4 A reflexão e a tomada de consciência

De acordo com a análise feita em capítulos anteriores, a filosofia da


consciência e a teoria da subjetividade formaram a base da justificação da
educação desde o iluminismo. Dessa base teórica resulta o privilégio que a
educação concedeu à reflexão e à tomada de consciência. São muitas as
formulações oriundas de pedagogias, que têm por finalidade a formação da
consciência crítica dos sujeitos. A recuperação das estruturas de racionalidade
comunicativa reconstrói essa categoria, que não é mais uma consciência
absolutizada, endeusada. Habermas destaca o papel da reflexão como “uma
herança imperdível que nos foi legada pelo idealismo alemão a partir do
espírito do século XVIII”, mas a reflexão “não pode mais, certamente,
ultrapassar-se rumo a uma consciência absoluta que ele mesmo pretenderia
então ser” (Habermas, 1987, p.l8-20). Enquanto herdeira do idealismo alemão,
a reflexão tem elementos da fundamentação transcendental kantiana de todo o
saber e agir possível e elementos da reflexão hegeliana que pretende fazer um
processo de libertação pela crítica. Habermas faz, assim, uma distinção entre
reflexão crítica e transcendental. Essa distinção é referida primeiramente no
epílogo de Conhecimento e Interesse (1973) e retomada no texto Réplica e
Objeciones (1980), publicado em Teoría de la Acción Comunicativa:
Complementos y Estudios Previos (1980), conforme segue:

“No epílogo de Conhecimento e Interesse


(1973) contrapus, por um lado, a reflexão
sobre as condições de possibilidade de
competências do sujeito cognoscente, falante e
agente, e, por outro, a reflexão sobre os
estreitamentos inconscientemente produzidos,
aos quais um determinado sujeito se vê
submetido em um processo de formação O
primeiro tipo de reflexão foi adotado por Kant
e seus sucessores na forma de uma
fundamentação transcendental do
conhecimento teórico possível (e de ação
moral). Uma teoria (...), ao fundamentar-se a
si mesma em termos transcendentais, está
apelando ao círculo de condições subjetivas
inevitáveis que, ao tornar possível a teoria,
delimitam o seu alcance. Na Fenomenologia
do Espírito Hegel associou esta delimitação ou

95
autocrítica da consciência (...) com a reflexão
num sentido distinto, a saber: da dissolução
autocrítica de pseudo-objetividades auto
geradas, o que quer dizer: com liberação
analítica em relação à aparência objetiva”
(Habermas, 1984, p.412).

A crítica em Habermas é enriquecida pela contribuição da


hermenêutica, numa perspectiva reconstrutiva. O conceito de reflexão,
retomado como força esclarecedora, pode desocultar as ações meramente
instrumentais, dominadas por coações sistêmicas. No entanto, essa reflexão
está apoiada não na ação de um sujeito solipsista, mas em atos de fala,
mediados pela linguagem. Trata-se de uma reflexão relacionada com a
competência de um sujeito capaz de conhecer, falar e argumentar, inserido no
universo hermenêutico, pois todo o compreender está submerso na situação
contingente de nosso universo cultural. Habermas indica, porém, a necessidade
da crítica da tradição cultural, de forma a reconhecer o que nos foi transmitido
dogmaticamente e “dissolver” o seu conteúdo em decisões racionais.36
O pensamento de Habermas reintroduz questionamentos em relação a
essa importante categoria (tomada de consciência), na medida em que a
educação conserva seu papel de constituir um sujeito com competência
cognitiva, capaz de chegar a processos sucessivos de tomada de consciência,
mas alerta também para as novas exigências feitas por uma racionalidade
comunicativa. A tomada de consciência tem uma dimensão subjetiva, em que o
sujeito se apropria de sua própria ação e reinterpreta-a num nível hierárquico
superior (Piaget). Essa competência é que vai permitir o desenvolvimento de
argumentos no âmbito do agir comunicativo. No campo do discurso, há o
reconhecimento de pretensões de validade, onde todos os integrantes da
comunicação buscam uma razão processual. Assim, no ato educativo, não basta
a tomada de consciência e a crítica individual, mas, sim, a promoção de uma
consciência que se articula com os diversos discursos, com as diversas culturas,
que busca urna responsabilidade conjunta, além das consciências individuais. E
uma consciência que se torna intersubjetiva.
A tomada de consciência, na perspectiva de uma racionalidade
comunicativa, exige uma reflexão crítica que possa fazer frente às
insuficiências de uma racionalidade submetida às determinações do sistema. Os
bloqueios sistemáticos que estão presentes na sociedade podem ser

36
Conforme texto de Habermas Sobre Verdade e Método de Gadamer, na obra Dialética e
Hermenêutica: Para a Crítica Hermenêutica, de Gadamer, editora L&PM, 1987. Ver também
artigo de Flávio Siebeneichler, Teoria Macroscópica de Jürgen Habermas. Revista Filosófica
Brasileira, n. 1, jul. 1988.

96
conscientizados, através de um exame crítico-discursivo, a nível de um
processo pedagógico entre professores e alunos, que submeta os produtos
culturais ao esclarecimento. A racionalidade comunicativa, além de ver as
deformações a que foram submetidos os produtos da ciência e da cultura,
aposta na possibilidade de uma razão dialógica que, de certa forma, recupere a
unidade da razão na multiplicidade das vozes interpretativas.
O que diferencia a tomada de consciência e o processo de reflexão,
entendidos à luz da racionalidade comunicativa, de uma tomada de consciência
tributária da filosofia da consciência é a possibilidade de superar paradoxos e
reafirmar a emancipação, através de atos de fala que produzam entendimento e
consenso e ampliem a razão para além de uma razão instrumental monológica.
Isso, contudo, não significa uma certeza na emancipação, mas, sim, uma aposta
numa razão que não se encerra em autodestruição.
O processo reflexivo na educação, ampliado pela racionalidade
comunicativa, deve ocorrer:
• No âmbito do sujeito cognitivo:
A reflexão aparece como condição necessária à construção e
consolidação de estruturas de pensamento (Piaget), ou seja, a construção da
própria razão.
Para Piaget, a tomada de consciência leva o sujeito a descentrações
progressivas e a processos cada vez mais complexos de abstração
reflexionante. O sujeito reconhece a ação realizada, apropria-se de estruturas
cognitivas e as utiliza com novos fins que não aqueles do plano anterior. Isso
quer dizer que a tomada de consciência é o processo por excelência do
pensamento, permitindo sua expansão.
Como essa construção não é gratuita, o processo de reflexão sobre as
ações deve ser estimulado na escola para criar as condições de entrada dos
sujeitos num discurso livre, dotado de autonomia e capacidade argumentativa.
Cabe lembrar que a não obtenção da capacidade lógica operativa torna difícil a
realização de um discurso livre como exige a racionalidade comunicativa
(Kesselring, 1990, p. 19).
• No âmbito da ação pedagógica:
Os professores devem, em diálogo com os alunos, submeter à crítica os
conteúdos da tradição cultural e da ciência, de modo a obter uma avaliação daquilo
que representa a continuidade da tradição cultural e a realizar novas aprendizagens.
• No âmbito do mundo social:
Diferentes atores envolvidos com o processo educativo (os
professores, os responsáveis pelas orientações políticas, passando pela
comunidade de especialistas que formulam os saberes específicos do processo
pedagógico) devem submeter à reflexão crítica, pelo diálogo interdisciplinar, os

97
diferentes paradigmas que estão subjacentes aos currículos e práticas escolares,
de forma a identificar critérios válidos de racionalidade e estabelecer normas
consensuais para orientar o agir educativo.

2. Formação do sujeito: a renovação da tarefa básica da


educação escolar

A formação do sujeito, enquanto tarefa básica da educação escolar


vinculada à tradição, encontra formas de superação de um fundamento que
entra em queda pela possibilidade de extrair uma racionalidade comunicativa
das condições sociais. Trata-se de componentes estruturais do mundo da vida
cuja realização depende diretamente do processo educativo, capaz de produzir
competência interativa e de autonomia.
Pretende-se, assim, reafirmar a formação do sujeito como tarefa
básica da educação, renovada, entretanto, em sua base de justificação. A
constituição do sujeito epistêmico e moral da tradição kantiana é subsumida
pela intersubjetividade.
Tal tarefa pressupõe, primeiramente, reconhecer, com Piaget, que a
formação do eu é condicionada por um sistema de natureza interna (as
organizações das estruturas epistêmicas) e externa (condições objetivas). A
formação do sujeito, como tarefa da educação escolar, exige uma ordem
institucional e condições de mediação que produzam o desenvolvimento. Esse
processo é marcado por confronto de argumentos, que possibilitam a reflexão
sobre a tradição para realizar uma intersubjetividade produzida
comunicativamente. Disso decorre, por um lado, a necessidade de uma
mudança política, social e cultural em direção à racionalização da sociedade e,
por outro lado, um processo de aprendizagem dos participantes em direção à
universalização de justificativas. A inter- relação entre esses dois aspectos -
individual e social - é que vai permitir a formação de sujeitos na perspectiva de
uma racionalidade comunicativa, isto é, sujeitos capazes de êxito na obtenção
do comportamento normativo, com capacidade interativa e autonomia de ação.
A recusa de um pensamento metafísico, que ofereça direção teleológica
para a formação do sujeito, leva a reconhecer que a educação é parte de uma
socialização que se efetiva no mundo prático. Nesse processo, a formação do
sujeito (Eu) está em mútua dependência da mediação social, da qual se retiram
os conteúdos normativos.
Uhle (1993) destaca que a educação do sujeito que depende das
condições de amadurecimento ontogenético torna-se, na perspectiva de uma
racionalidade comunicativa, um círculo vicioso: a criação de uma comunidade
de comunicação racional, através da competência de seus membros,

98
condiciona, ao mesmo tempo, uma aprendizagem dessa competência, tanto na
perspectiva do sujeito isolado, como socialmente. Assim, o conceito de
formação do sujeito e identidade do eu como objetivo da educação evidencia
uma circularidade, em cujo processo estão diretamente vinculados o
desenvolvimento pessoal, a socialização e o desenvolvimento cultural.
Evidentemente, não se efetivam mais as condições objetivas desejadas na
modernidade. Ao contrário, conforme indicado no capítulo II, itens 3 e 4, a
formação do sujeito sofre os impactos de uma racionalidade que produz
anomia, coações sistêmicas e as mais diversas formas de patologias sociais,
gerando um abandono cético em relação à idéia de formação do sujeito.
A interpretação da educação na perspectiva de uma racionalidade
comunicativa permite reconhecer a formação do sujeito radicalmente inserida
no mundo prático. Essa circularidade, que condiciona a formação do eu, exige
uma eticidade que permita a vida social em conjunto. Ora, como sabemos,
Habermas não propõe um conteúdo valorativo para uma vida considerada boa.
Este é um dos aspectos criticados37 no autor. Rouanet (1989) destaca o caráter
meramente formal de sua teoria, que permite extrair normas consensuais pelo
processo argumentativo, sem abordar a questão dos valores. A esse propósito,
argumenta Rouanet:

“A ética discursiva extrai do inundo vivido


apenas aquelas questões práticas - as
estritainente normativas - que possam ser objeto
de argumentação e consenso, deixando de
considerar as questões valorativas” (1989, p68).

Assim, as condições de eticidade, próprias de uma racionalidade


comunicativa, que favorecem a formação do sujeito, não definem
metafisicamente os valores da educação, como foi pretendido no âmbito da
filosofia do sujeito e do pensamento clássico em educação. As condições
necessárias para realizar a formação do sujeito, a partir de Habermas, emergem
de uma racionalidade comunicativa do discurso prático, que possibilita chegar
à justeza das normas e à universalidade. O sujeito precisa amadurecer na
direção de colocar-se diante de diferentes perspectivas (dos outros) para chegar
a manter ou reformular normas. As normas são validadas racionalmente, por
meio do discurso prático, até a obtenção do consenso, que depende da
aplicação do princípio de universalização - princípio U - cuja formulação é:

37
Ver as críticas de Habermas formuladas no item 2 do capítulo III.

99
“toda a norma válida tem que preencher a
condição de que as conseqüências e efeitos
colaterais que previsivelmente resultam de sua
observância universal, para a satisfação dos
interesses de todo indivíduo, possam ser
aceitas sem coação por todos os concernidos”
(Habermas, 1989, p. 147).

Essa mudança na orientação não significa advogar um relativismo


ético. O procedimento de validade não predetermina um conteúdo mais que
outro, já que os conteúdos provirão do mundo da vida social e estarão
mediados, assim como os pontos de vista dos participantes, pelos critérios
avaliativos vigentes em uma determinada sociedade e cultura. Dessa maneira,
os envolvidos não devem cair em níveis anteriores àqueles aprendidos pelos
homens em sociedade.
As antecipações normativas realizadas pelos responsáveis pelo
processo pedagógico devem ser constantemente reavaliadas no discurso
prático, com o qual todos aprendem.
Mesmo sem indicar os conteúdos valorativos, a racionalidade
comunicativa pode favorecer a restauração das condições que permitem a
formação do sujeito. A educação pessoal pode vir ao encontro do mundo da
vida e tornar-se compatível com as peculiaridades de uma razão universal, mas
que se articula com as singularidades de cada sujeito.
A formação do sujeito é então renovada pela passagem da justificação
da razão monológica para a intersubjetividade, reafirmando a dimensão
hermenêutica pela inserção desse sujeito no mundo da vida, que condiciona
processos de entendimento. Por isso, Habermas afirma:

“Os sujeitos socializados comunicativa


mente não seriam propriamente sujeitos se não
houvesse a malha das ordens institucionais e
das tradições da sociedade e da cultura”
(1990b, p.99).

Se a educação escolar tiver uma racionalidade unilateral e submeter


os processos de aprendizagem aos imperativos da rentabilidade econômica e
do poder, a formação do sujeito torna-se fracassada, pela perda de
autonomia da pessoa.
A tarefa de educar os sujeitos em sua identidade, a partir da
intersubjetividade, supera a dicotomia entre o eu transcendental e o eu
empírico, porque a teoria habermasiana procura conciliar o ponto de vista das
ciências reconstrutivas (que se preocupam com a comprovação empírica de

100
seus enunciados) com o ponto de vista filosófico38. A educação, justamente por
operar no plano prático, necessita de esforço complementar entre diferentes
contribuições para construir seu objeto de estudo. Habermas, em entrevista
concedida a Barbara Freitag, na revista Tempo Brasileiro (n.98, p.17, 1989),
expõe que a filosofia não pode “monopolizar o tema da razão‖. Estando a
educação interessada em questões universalistas, como a formação dos sujeitos
racionais, ela deve apelar às ciências empíricas. No entanto, é necessário não
reduzir essa interpretação ao modelo das ciências naturais.

3. O reconhecimento da estrutura antinômica da escola: entre as


coações sistêmicas e os espaços do mundo da vida

O processo de modernização da escola tem produzido o avanço da


burocratização, o predomínio da racionalidade instrumental e uma
humanização pouco consistente. Tal diagnóstico conflita com a formulação
originária de seu fundamento teórico e traz a pergunta pela possibilidade de
continuação da educação escolar.
Uma decisão em favor da recuperação dos conteúdos comunicativos da
razão no sentido habermasiano implica reconhecer a escola como uma das
formas da vida moderna, encarregada da reprodução do mundo cultural, do
qual é apenas um fragmento. Verifica-se no interior da educação escolar uma
tensão: a escola orientada por um princípio pedagógico, e tendo um significado
central para os processos de reprodução cultural e social, é genuinamente um
espaço institucional orientado para o entendimento e as exigências do mundo
da vida. Mas a organização estrutural, as normas burocráticas, as hierarquias de
poder perturbam e colonizam esse espaço. No caso específico da escola, é o
mundo da vida que se submete às coações sistêmicas, através dos subsistemas
dinheiro e poder. Disso decorre uma crise escolar, em que as ações pedagógicas
passam a ser coordenadas pela racionalidade instrumental, abafando de seus
poros o agir comunicativo. Tal situação traz perturbações à formação do
sujeito, no desenvolvimento de sua competência, não só para a promoção de
sua autonomia, como para a reprodução do mundo da vida. As deformações
pelas coações sistêmicas penetram de forma profunda nos processos de
aprendizagem. Assim, ocorre uma estrutura de comunicação distorcida.
Na perspectiva habermasiana, a escola, na medida em que pode
restabelecer os nichos de uma racionalidade comunicativa, tanto pode
38
A tentativa de fundamentar empiricamente sua teoria é atribuida ao estatuto que ele confere à
filosofia de “Platzhalter”, conforme A Filosofia como Guardador de Lugar e como Intérprete,
em Consciência Moral e Agir Comunicativo, 1989, pelo qual a filosofia “poderia atualizar a sua
relação com a totalidade em seu papel de intérprete voltado para o mundo da vida” (p.33).

101
descentrar sua potencialidade, como tomá-la submetida aos imperativos
sistêmicos e burocráticos. Como a promoção de uma racionalidade
comunicativa depende do desenvolvimento de um processo argumentativo,
baseado na competência do eu, a teoria de Habermas recorre ao conteúdo
utópico e pedagógico da modernidade.
Helsper (1990, p.190), ao inventariar as pesquisas sobre a possibilidade
da escola, diante de sua estrutura antinômica, aponta as principais ações a
serem promovidas, com vista à superação da condição unilateral e camuflada
imposta pelos processos de modernização. Tais ações têm como referência a
racionalidade comunicativa e são:
• a superação da fragmentação das esferas do mundo da vida, através
da “abertura da escola”, da possibilidade de integração e do reconhecimento
da necessidade de união e participação;
• o incremento das experiências de aprendizagem na perspectiva da
sensibilidade e expressividade do eu, diante do aspecto abstrato da
aprendizagem escolar;
• promoção de aprendizagens de interferência na realidade social pela
prática normativa, estética e cognitiva;
• ênfase a aprendizagens solidárias e cooperativas em oposição à idéia
prevalente de concorrência e trabalho individual.
Tendo em vista as características da realidade educacional brasileira, às
ações indicadas por Helsper devem ser acrescentadas aquelas que:
• permitam superar as formas profundas de autoritarismo e violência que
interpenetram a atividade pedagógica, representadas, sobretudo, pela ausência ou
inadequação de políticas públicas e pela má condução do processo pedagógico;
• submetam à avaliação o significado de educação, uma vez que a
perda de sentido, de identidade coletiva e a alienação social seqüestram o
significado profundo de formação do humano. Isso fecha um círculo vicioso,
fazendo a escola sucumbir mais e mais em perda de motivação.
A superação da antinomia da escola depende de extrair de sua estrutura
uma racionalidade que traga a radicalização da perspectiva cultural, onde seja
possível a aprendizagem de uma razão efetivada pela interação entre sujeitos. O
desenvolvimento desse processo deve articular-se dialeticamente com uma
educação que confira fisionomia e unidade a um sujeito que tem desejos, anseios,
inclinações, aspirações. Não é mais educação de uma só razão, mas, sim, de uma
pluralidade de razões na busca de conteúdos passíveis de estruturas universais.

4 A educação pode ser emancipatória?

102
As implicações de uma nova formulação da racionalidade para a educação
trazem o questionamento sobre seu conteúdo normativo. Na tradição do
pensamento pedagógico esse conteúdo foi expresso sob forma de emancipação.
A manutenção desse objetivo, como de qualquer outra orientação no
sentido do dever ser, é regulada pela idéia de uma comunicação livre de poder
e perpassada pelo esforço de encontrar consensos razoáveis. Assim, a
racionalidade comunicativa permite que as orientações do agir pedagógico
sejam clarificadas no âmbito do discurso, o que permite a reconstrução das
condições existentes em determinado momento histórico, do possível
encontrado, através de processos interativos. É inevitável que nesse processo se
chegue a determinados consensos, os quais estejam permeados de idealizações.
Os ideais (ou orientações no sentido do dever ser), formulados historicamente
pela educação, desempenharão um papel decisivo para a determinação das
vantagens e prejuízos das normas alternativas em discussão. Essas idealizações
não são resultado de uma razão monológica, mas são retiradas do conteúdo das
práticas sociais, refletidas, mediadas pela linguagem. Pelos processos
interativos é possível submeter nossas tradições culturais, nossas experiências,
os objetivos pedagógicos, os produtos da ciência e da técnica à reflexão e com
isso clarificar as normas que orientarão o processo pedagógico e produzir
aprendizagens junto aos alunos (e por extensão no meio social) que tomem os
sujeitos cada vez mais esclarecidos e emancipados.
A emancipação surge, então, da possibilidade de um processo de
aprendizagem, assim como a razão é uma aprendizagem. Habermas refere que
o “esclarecimento (Aufklärung) é um reflexo da auto-experiência no decurso
de processos de aprendizagem” e a emancipação

“tem a ver com a libertação em relação a


parcialidades que, pelo fato de não resultarem
da causalidade da natureza ou das limitações
do próprio auto-entendimento. derivam, de
certa forma, de nossa responsabilidade (...). A
emancipação é um tipo especial de auto-
experiência porque nela os processos de auto-
entendimento se entrecruzam com um ganho
de autonomia” (Habermas, 1993a, p99).

Na medida em que a educação está voltada para o entendimento, ela se


orienta por processos de aprendizagem, a racionalidade ali presente emancipa os
sujeitos que dela participam. A escola pode ser um espaço onde os conceitos
fundamentais de natureza moral, como dignidade, igualdade, autonomia passam a
ser criticados em sua aplicação. Isso leva os educandos a se tornarem mais
conscientes, mais amadurecidos, mas não garante nenhuma certeza de felicidade.

103
A possibilidade de articular uma racionalidade comunicativa no
interior da educação escolar é uma forma que traz o conteúdo normativo da
educação para o mundo prático. Assim, examinar os supostos históricos,
morais, empíricos, políticos para determinar os objetivos educacionais torna-se
possível pela argumentação reflexiva e comunicativamente mediada. Ou seja, a
decisão ocorre a nível de discurso prático. Entre essas decisões está a definição
do caráter que a educação deve ter.
O reconhecimento das condições de validade na esfera do mundo
prático não retira o conteúdo normativo da educação, pois os conteúdos
formulados histórica e empiricamente, que serão clarificados em suas posições,
em suas valorações em relação às condições históricas que os geraram, serão
reavaliadas e validadas por todos os integrantes do processo, a fim de
constituírem-se em normas de ação. Os melhoramentos práticos da educação
escolar podem ser feitos no seu próprio interior, sem a garantia da
emancipação, como a razão apostou na origem da modernidade. Mas, sem
dúvida, como ganhos de aprendizagem.
Habermas considera que o termo sociedade emancipada (para a qual as
pedagogias apontam) é um ideal que se presta a equívocos. Nesse sentido afirma:

“(Eu) prefiro falar da idéia da


intersubjetividade ilesa. Essa idéia pode ser
obtida a partir da análise de condições
necessárias do entendimento em geral - ela
caracteriza a manifestação de condições
simétricas do reconhecimento recíproco e livre de
sujeitos que agem comunicativamente entre si.
Entretanto, não podemos colorir esta idéia como
se fora a totalidade de uma forma de vida
reconciliada, nem projetá-la no futuro como se
fora uma utopia. Ela não contém mais, mas
também não menos, do que a caracterização
formal de condições necessárias para formas não
antecipáveis de uma vida não fracassada”
(Habermas, 1993a, p. 106-7).

A reconstrução comunicativa das estruturas do mundo da vida é o que


permite ao sujeito aprender e validar, junto às comunidades cultural, científica
e social, as suas expectativas de uma vida melhor.

104
CONCLUSÃO

A referência, feita na Introdução, de que são tempos difíceis para a


educação escolar passa a ser efetivamente reafirmada nesta conclusão, embora
se trate de um reconhecimento de dificuldade de outra ordem. A dificuldade
aqui referida não decorre da ausência de perspectivas, como na visão que
aparece em certas correntes atuais que, situadas no amplo espectro da pós-
modernidade, garantem que o homem não estabelece mais normas consensuais,
mas encontra-se fechado no seu próprio mundo, denso de hostilidades e
anomias. Na visão deste trabalho, a dificuldade provém do reconhecimento da
complexidade da educação em construir a identidade de sujeitos racionais, a
partir de uma nova formulação de racionalidade, uma vez que o quadro teórico
deste século é de “muitas dúvidas e poucas certezas”. É oportuno lembrar,
ainda, que a educação escolar surge em outro tempo histórico, quando, é certo,
havia dúvidas, mas, sobretudo, muitas certezas, inclusive e especialmente a de
que o homem, pela razão, se libertaria.
Penso que deve haver um grande esforço para arrancar a educação das
generalidades humanistas que, apressadamente, a reconhecem com
possibilidades irrestritas de salvação e, com igual pressa, sucumbem a
reducionismos, seja por um conteúdo de libertação abstrato e descontextualizado,
seja pela ingenuidade dos utopismos pedagógicos, seja pelo ufanismo dos
utopismos de mercado. Parece não haver dúvidas de que, enquanto tributária da
tradição clássica, a educação é um processo de humanização, através da
interação, em busca de razão e liberdade, mas seu compromisso com esse vínculo
originário não se dá por conteúdo de vontade. Deve ser compreendida no quadro
atual em que se situa a crise das ciências humanas e da filosofia e que pode, mais
fecundamente, explicar os impasses em que a educação se encontra e esclarecer o
que significa formar sujeitos dotados de razão.
Enquanto a modernidade se mostra como um projeto que gera
desconfiança, que não oferece a pretendida segurança e sofre abalos na
concepção de razão, a educação segue suas formulações de unidade e tenta
reagir idealisticamente diante de todas as rupturas da modernidade. Isso
obscurece a ação da escola.
Já são bastante conhecidos os motivos que trazem a ruptura com a
tradição do pensamento ocidental39 e que, evidentemente, não podem ser

39
Conforme Habermas em Pensamento Pós-Metafísico, são quatro os motivos que atingiram o
pensamento moderno, promovendo sua ruptura com a tradição: “pensamento pós-metafísico,
guinada lingüistica. modo de situar a razão e inversão do primado da teoria frente à prática, ou
seja, superação do logocentrismo” (1990, p. 14).

105
desconsiderados na educação. As trajetórias percorridas pelo homem e a sua
racionalidade se vinculam à história e determinam a face de suas ações. Dessa
forma, a passagem da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem
(giro lingüístico) já evidencia uma nova constituição do mundo e do sujeito,
que não é mais “tarefa de subjetividade transcendental para se transformar em
estruturas gramaticais” (Habermas, 1990b, p.15).
Assim, essa mudança de orientação constitui um impulso importante,
neste final de século, que liberta a filosofia da consciência de suas aporias e
traz conseqüências relevantes para a educação, com vistas a compreendê-la na
radicalidade da crise que a afeta. Ao retomar a crítica da razão, na tentativa de
superar paradoxos e recuperar aquelas esferas de reprodução simbólica capazes
de formar o homem para uma vida ética e que foram subvertidas pelas coações
da razão instrumental, Habermas permite que sejam reinterpretadas as
categorias básicas da modernidade e o conceito de racionalidade. E, sob essa
teorização, a educação advoga para si um novo entendimento.
Partindo das considerações sobre as relações entre modernidade,
racionalidade e educação, conectando-as com a teoria do agir comunicativo,
este trabalho elencou as categorias que traduzam para o pensamento
pedagógico uma renovada interpretação de seu fundamento normativo. A
racionalidade comunicativa permite resguardar a unidade de princípios
universais com a particularidade das diferentes situações contingentes com as
quais a educação se confronta cotidianamente, possibilitando construir a
identidade de sujeitos racionais: sujeitos que pensam e agem em contextos
concretos, sujeitos racionalmente competentes. A obtenção da legitimidade
dessa tarefa, como não é mais assegurada pela tradição, dá-se no âmbito do
discurso prático. A formulação dos valores e objetivos orientadores da
identidade e formação de sujeitos se faz pelo processo argumentativo. A
educação deve, assim, ativar as estruturas comunicativas e produzir “um novo
consenso sobre valores” que “não pode ser alcançado sem que a vontade se
forme sobre uma ampla base e passando pelo filtro dos argumentos”
(Habermas, 1983, p.l02).
A partir dos atos de fala, Habermas elabora uma teoria da racionalidade
que é universal e normativa. Ou seja, a razão é ética. E a educação deve
perguntar seriamente pelo modelo de racionalidade que direciona suas ações,
uma vez que, como sabemos, a modernidade elegeu um tipo de racionalidade
que não contempla o contingente, o histórico, o humano. Coloca-se, então, a
exigência de mobilizar estruturas de racionalidade capazes de produzir, na
educação, compromissos éticos.
Em muitos momentos, a educação escolar seleciona, à luz das tradições
culturais e das necessidades sociais, conhecimentos, estratégias e ações que

106
correm no campo da racionalidade de fins. Mas há ações que se dão no âmbito
da ética e isso não se faz com a racionalidade instrumental. Pelo contrário, a
educação é um lugar onde pode ser feita a crítica dos padrões considerados
científicos, que subjazem às orientações curriculares, às orientações legais e
burocráticas e, sobretudo, às ações pedagógicas, para constantemente submetê-
las ao nível argumentativo e de validação de seus conteúdos.
Esse novo conceito permite que a educação não só reconheça as formas
repressivas que atuam no fazer pedagógico, gerando efeitos coisificantes numa
prática tutelada pela racionalidade instrumental, como também compreenda
que a ação pedagógica, orientada pela racionalidade comunicativa, pode
superar os reducionismos e extrair os conteúdos éticos pela mediação da
interação e do entendimento. Ao mesmo tempo em que a educação escolar está
sujeita à normatividade do sistema, também deita raízes no mundo da vida,
como uma das formas de continuidade das tradições culturais (no âmbito da
cultura, sociedade e personalidade), onde se expressam as necessidades e
desejos dos indivíduos e de um povo. Fecundar o campo da educação com
conceitos como racionalidade comunicativa e mundo da vida, sabendo-a
igualmente conflituada com as coações sistêmicas, possibilita àqueles que
educam tomar consciência de seus recursos e mobilizá-los intensamente para
produzir uma educação sem ingenuidades ou voluntarismos, mas capaz de
tornar os sujeitos mais esclarecidos e emancipados e produzir uma prática
instauradora da identidade e de diferenças.
É essa a razão que deve estar presente na educação: aquela que não
submete as peculiaridades, os afetos, os sentimentos, as diferenças, mas que une
em torno de uma possibilidade universal de produzir acordos morais, resultantes de
questionamentos, justificativas e fundamentação racional de normas. Assim é
possível, pela racionalidade e ação comunicativa, formar sujeitos racionais com
consciência moral, sem comprometer a autonomia dos diversos pontos de vista,
mas universalizando os princípios de justiça e verdade.
A educação escolar institucionalizada é uma exigência da razão moderna e
constitui-se em um espaço de amadurecimento, desenvolvimento e socialização do
sujeito racional na busca da identidade de si e do mundo social. Essa exigência não
se enquadra nos moldes de racionalidade, presentes em algumas teorias pós-
modernas, que propõem o “vale tudo” (“anything goes”), pois elas tornariam
improvável a educação, que é essencialmente normativa. A queda do fundamento
normativo é refutada pela possibilidade de uma razão comunicativa que enuncia
condições de autoconstituição do sujeito em interação. Portanto, o sujeito da
educação não é mais o sujeito transcendental, mas o sujeito que se constitui na
intersubjetividade. O discurso prático é a última instância para justificar as ações

107
pedagógicas. A razão comunicativa presente na possibilidade do discurso prático
tem pressuposta a autonomia do sujeito.

108
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Coleção FILOSOFIA da EDIPUCRS:

1- ZILLES, Urbano
Fé e razão no pensamento medieval

2- STREFLING, Sérgio R.
O argumento ontológico de S. Anselmo

3- SOUZA, Draiton O.
O ateísmo antropológico de Ludwig Feuerbach

4- WOLLMANN, Sérgio
O conceito de liberdade no Leviatã de Hobbes

5- PAVIANI, Jayme
Escrita e linguagem em Platão

6- CIRNE-LIMA, Carlos R. V.
Sobre a contradição

7- BIRCK, Bruno Odélio


O sagrado em Rudolf Otto

8- OLIVEIRA, Manfredo Araújo de


Sobre a fundamentação

9- PEREIRA, Julio Cesar R.


Epistemologia e Liberalismo

10- DE BONI, Luis A.


Bibliografia sobre filosofia medieval

11- ZILLES, Urbano


O racional e o místico em Wittgenstein

12- ZITKOSKI, Jaime José


O método fenomenológico de Husserl

13- OLIVA, Alberto


Conhecimento e liberdade

14- CALDAS, Sérgio


A teoria da história em Ortega y Gasser a partir da razão histórica

116
15- PIZZI, Jovino
Ética do Discurso: a racionalidade ético-comunicativa

16- FLICKINGER, Hans-Georg / Wolfgang Neuser


A teoria de auto-organização: as raízes da interpretação construtivista do
conhecimento

17- MEISTER, José A. F.


Amor x Conhecimento. Inter-relação ético-conceitual em Max Scheler

18- RABUSKE, Edvino A.


Filosofia da Linguagem e Religião

19- SILVA, Ursula Rosa da


A Linguagem muda e o Pensamento falante: sobre a Filosofia da Linguagem em
Maurice Merleau-Ponty

20- PELIZZOLI, Marcelo Luiz


A relação ao outro em Husserl e Levinas

21-. ZILLES, Urbano


Teoria do Conhecimento

22 - SARDI, Sérgio Augusto


“Diálogo” e Dialética em Platão

23 - DE BONI, Luis A.
Lógica e Linguagem na Idade Média

24 - PAIM, Antonio
Problemática do Culturalismo

25 - LUFT, Eduardo
Para uma crítica interna ao sistema de Hegel

26 - TIBURI, Marcia
Crítica da razão e mímesis no pensamento de Theodor W. Adorno

27- GRINGS, Dom Dadeus


O homem diante do universo

28- NEUSER, Wolfgang


A infinitude do mundo

117
29- RIBEIRO, Eduardo Ely Mendes
Individualismo e verdade em Descartes

30- BOMBASSARO, Luiz Carlos


Ciência e mudança conceitual

31 - ZILLES, Urbano
Gabriel Marcel e o existencialismo

32- VÁRIOS
Fundamentalismo

33 - SOUZA, José Antonio de C. R. de


O Reino e o sacerdócio

34- PEREIRA, Júlio César R.


Popper. As aventuras da racionalidade

35 - ULLMANN, Reinholdo Aloysio


Epicuro – o filósofo da alegria

36- PRESTES, Nadja Hermann


Educação e racionalidade: conexões e possibilidades de uma razão comunicativa
na escola

118
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