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Dessen & Polonia (2007) Familia Escola DH
Dessen & Polonia (2007) Familia Escola DH
Família e Escola 21
______________________________________Disponível em www.scielo.br/paideia____________________________________
trutura, organização e padrões familiares e, também, (Petzold, 1996). A própria concepção científica dela
nas expectativas e papéis de seus membros. E a cons- evidencia o entrelaçamento das variáveis biológicas,
tituição e a estrutura familiar, por sua vez, afetam sociais, culturais e históricas que exercem grande in-
diretamente a elaboração do conhecimento e as for- fluência nas relações familiares, constituindo a base
mas de interação no cotidiano das famílias (Amazo- para as formas contemporâneas dela. Os laços de
nas & cols., 2003; Campos & Francischini, 2003). consangüinidade, as formas legais de união, o grau
Portanto, ela é a principal responsável por incorporar de intimidade nas relações, as formas de moradia, o
as transformações sociais e intergeracionais ocorri- compartilhamento de renda são algumas dessas vari-
das ao longo do tempo, com os pais exercendo um áveis que, combinadas, permitem a identificação de
papel preponderante na construção da pessoa, de sua 196 tipos de famílias, produto de cinco subsistemas
personalidade e de sua inserção no mundo social e do resultantes da concepção ecológica de micro, meso,
trabalho (Távora, 2003; Volling & Elins, 1998). exo, macro e cronossistema (Petzold, 1996).
No ambiente familiar, a criança aprende a ad- De acordo com a concepção proposta por
ministrar e resolver os conflitos, a controlar as emo- Petzold (1996), a combinação derivada do
ções, a expressar os diferentes sentimentos que cons- microssistema tem como base as relações diádicas,
tituem as relações interpessoais, a lidar com as diver- isto é, como os genitores interagem, com destaque para
sidades e adversidades da vida (Wagner, Ribeiro, o grau de intimidade: se o estilo de vida é compartilha-
Arteche & Bornholdt, 1999). Essas habilidades sociais do ou separado, se esta relação é considerada hete-
e sua forma de expressão, inicialmente desenvolvidas rossexual ou homossexual, se há alteridade no poder
no âmbito familiar, têm repercussões em outros ambi- ou não. Já aquelas influências provenientes do
entes com os quais a criança, o adolescente ou mesmo mesossistema compreendem as relações com os fi-
o adulto interagem, acionando aspectos salutares ou lhos, ou seja, a sua presença ou ausência, se eles são
provocando problemas e alterando a saúde mental e biológicos ou adotivos e se moram com os pais ou não.
física dos indivíduos (Del Prette & Del Prette, 2001). No tocante ao exossistema do grupo familiar,
A Família e suas configurações esse engloba os contextos e as redes sociais que as-
Os membros de famílias contemporâneas têm seguram o sentimento de pertencer a um grupo espe-
se deparado e adaptado às novas formas de coexis- cial, social ou cultural, tais como as relações mantidas
tência oriundas das mudanças nas sociedades, isto é, por laços de consangüinidade ou casamento, vínculos
do conflito entre os valores antigos e o estabeleci- de dependência ou autonomia financeira ou emocio-
mento de novas relações (Chaves, Cabral, Ramos, nal. E o macrossistema reflete os valores e as cren-
Lordelo & Mascarenhas, 2002). Como parte de um ças compartilhadas por um conjunto de pessoas, por
sistema social, englobando vários subsistemas, os exemplo, relacionadas ao fato de a união ser civil ou
papéis dos seus membros são estabelecidos em fun- não, de a relação ser estável ou temporária, de os
ção dos estágios de desenvolvimento do indivíduo e cônjuges habitarem ou não o mesmo espaço físico.
da família vista enquanto grupo (Dessen, 1997; E, por fim, o cronossistema diz respeito às transfor-
Kreppner, 1992, 2000). Por exemplo, ser adolescente mações da família na sociedade, incluindo as suas
crescendo em uma família ‘nuclear tradicional’, com diferentes configurações ao longo do tempo, dentre
irmãos biológicos, é diferente de sê-lo em uma fa- as quais a família extensa e a monoparental.
mília recasada, coabitando com padrasto e irmãos O próprio conceito de família e a configuração
não biológicos. dela têm evoluído para retratar as relações que se
Sendo composta por uma complexa e dinâmi- estabelecem na sociedade atual. Não existe uma con-
ca rede de interações que envolve aspectos cognitivos, figuração familiar ideal, porque são inúmeras as com-
sociais, afetivos e culturais, a família não pode ser binações e formas de interação entre os indivíduos
definida apenas pelos laços de consangüinidade, mas que constituem os diferentes tipos de famílias con-
sim por um conjunto de variáveis incluindo o signifi- temporâneas (Stratton, 2003): nuclear tradicional,
cado das interações e relações entre as pessoas recasadas, monoparentais, homossexuais, dentre ou-
24 Paidéia, 2007, 17(36), 21-32
tras combinações. Os padrões familiares vão se trans- Neste processo contínuo de busca por estabili-
formando e reabsorvendo as mudanças psicológicas, dade, as famílias contam ou não com o suporte de
sociais, políticas, econômicas e culturais, o que re- uma rede social de apoio, que permite a elas supera-
quer adaptações e acomodações às realidades en- rem (ou não) as dificuldades decorrentes de transi-
frentadas (Wagner, Halpern & Bornholdt, 1999). E, ções do desenvolvimento (Dessen & Braz, 2000).
os arranjos familiares distintos que vão surgindo, por Independente das que ocorrem no âmbito familiar, elas
sua vez, provocam transformações nas relações fa- são produtoras de mudanças que podem funcionar
miliares, nos papéis desempenhados pelos seus mem- como aspectos propulsores ou inibidores do desen-
bros, nos valores, nas funções intergeracionais, nas volvimento, influenciando, direta ou indiretamente, os
expectativas e nos processos de desenvolvimento modos de criação dos filhos. No entanto, a principal
do indivíduo. rede de apoio da família é oriunda das próprias
interações entre seus membros. Contatos negativos,
Portanto, a família, hoje, não é mais vista como
conflitos, rompimentos e insatisfações podem gerar
um sistema privado de relações; ao contrário, as ati-
problemas futuros, particularmente nas crianças. Por
vidades individuais e coletivas estão intimamente li-
outro lado, relações satisfatórias e felizes entre marido-
gadas e se influenciam mutuamente. O que ocorre
esposa constituem fonte de apoio para ambos os cônju-
na família e na sociedade é sintetizado, elaborado e
ges, sobretudo para a mulher (Dessen & Braz, 2005).
modificado provocando a evolução e atualização dela
e de sua história na sociedade (Kreppner, 1992). A Vínculos familiares e redes de apoio: im-
plicações para o desenvolvimento
família também é a responsável pela transmissão de
valores culturais de uma geração para outra. Essa Os laços afetivos formados dentro da família,
transmissão de conhecimentos e significados possibi- particularmente entre pais e filhos, podem ser aspec-
lita o compartilhar de regras, valores, sonhos, pers- tos desencadeadores de um desenvolvimento saudá-
pectivas e padrões de relacionamentos, bem como a vel e de padrões de interação positivos que possibili-
valorização do potencial dos seus membros e de suas tam o ajustamento do indivíduo aos diferentes ambi-
habilidades em acumular, ampliar e diversificar as entes de que participa. Por exemplo, o apoio parental,
experiências. De acordo com Kreppner (2000), a fa- em nível cognitivo, emocional e social, permite à cri-
mília e suas redes de interações asseguram a conti- ança desenvolver repertórios saudáveis para enfren-
tar as situações cotidianas (Eisenberg & cols., 1999).
nuidade biológica, as tradições, os modelos de vida,
Por outro lado, esses laços afetivos podem dificultar
além dos significados culturais que são atualizados e
o desenvolvimento, provocando problemas de ajusta-
resgatados, cronologicamente.
mento social (Booth, Rubin & Rose-Krasnor, 1998).
Ao desempenhar suas funções, dentre as quais Volling e Elins (1998) mostraram que o estresse
a socialização da criança, a família estabelece uma parental, a insatisfação familiar e a incongruência nas
estrutura mínima de atividades e relações em que atitudes dos pais em relação à criança geram proble-
os papéis de mãe, pai, filho, irmão, esposa, marido, e mas de ajustamento e dificuldades de interação social.
outros são evidenciados. Todavia, a formação dos As figuras parentais exercem grande influên-
vínculos afetivos não é imutável, pelo contrário, ela cia na construção dos vínculos afetivos, da auto-esti-
vai se diferenciando e progredindo mediante as mo- ma, autoconceito e, também, constroem modelos de
dificações do próprio desenvolvimento da pessoa, relações que são transferidos para outros contextos
as demandas sociais e as transformações sofridas e momentos de interação social (Volling & Elins, 1998).
pelo grupo sócio-cultural (Kreppner, 2000). De acor- Por exemplo, pais punitivos e coercitivos podem pro-
do com este autor, além de se adaptar às mudanças vocar em seus filhos comportamentos de inseguran-
decorrentes do crescimento dos seus membros, a ça, dificuldades de estabelecer e manter vínculos com
família ainda tem a tarefa de manter o bem estar outras crianças, além de problemas de risco social na
psicológico de cada um, buscando sempre nova es- escola e na vida adulta. Booth e cols (1998) investi-
tabilidade nas relações familiares. garam o apoio social e emocional de mães e de ou-
Dessen, M. A. & Polonia, A. C. (2007). Família e Escola 25
tras pessoas envolvidas com a criança e suas reper- meio de programas de educação familiar (Dessen &
cussões na adolescência e vida adulta. Eles observa- Pereira-Silva, 2004) ou de elaboração de políticas
ram que a qualidade da relação mãe-criança é públicas para a promoção da saúde. Estas devem
transferida, posteriormente, para outras relações considerar os fatores de estresse e estimular a for-
interpessoais, na escola e no grupo de amigos. Para- mação de redes de apoio social, seja na própria co-
lelamente, identificaram que a qualidade da relação munidade ou nos centros de atendimento à popula-
com os pares e amigos pode compensar a baixa qua- ção, seja na escola, já que esta ocupa um lugar de
lidade de interação com as mães. destaque nas sociedades contemporâneas.
Os laços afetivos asseguram o apoio psicológi- A escola como contexto de desenvolvimento
co e social entre os membros familiares, ajudando no humano
enfrentamento do estresse provocado por dificuldades
A escola constitui um contexto diversificado
do cotidiano (Oliveira & Bastos, 2000). E os padrões
de desenvolvimento e aprendizagem, isto é, um local
de relações familiares relacionam-se intrinsecamente
que reúne diversidade de conhecimentos, atividades,
a uma rede de apoio que possa ser ativada, em mo-
regras e valores e que é permeado por conflitos, pro-
mentos críticos, fomentando o sentimento de pertença,
blemas e diferenças (Mahoney, 2002). É nesse espa-
a busca de soluções e atividades compartilhadas.
ço físico, psicológico, social e cultural que os indiví-
No entanto, nem sempre as famílias constitu- duos processam o seu desenvolvimento global, medi-
em uma rede de apoio funcional e satisfatória ou, ante as atividades programadas e realizadas em sala
mesmo, melhor que outras. Dell’Aglio e Hutz (2002) de aula e fora dela (Rego, 2003). O sistema escolar,
compararam estratégias de enfrentamento entre cri- além de envolver uma gama de pessoas, com carac-
anças institucionalizadas e as que viviam com suas terísticas diferenciadas, inclui um número significati-
famílias e não encontraram diferenças nas de busca vo de interações contínuas e complexas, em função
de apoio social e ação agressiva. Segundo os auto- dos estágios de desenvolvimento do aluno. Trata-se
res, muitas vezes, as instituições têm condições físi- de um ambiente multicultural que abrange também a
cas, materiais e organizacionais e contam com pro- construção de laços afetivos e preparo para inserção
fissionais e rotinas que estabelecem uma rede social na sociedade (Oliveira, 2000).
de apoio forte e adequada. Portanto, o desenvolvi-
A escola e sua função social
mento de estratégias de enfrentamento apropriadas
é influenciado pela qualidade das relações afetivas, A escola emerge, portanto, como uma institui-
coesão, segurança, ausência de discórdia e organiza- ção fundamental para o indivíduo e sua constituição,
ção, quer na família ou na instituição. Tais aspectos assim como para a evolução da sociedade e da hu-
constituem importantes fatores de proteção para o manidade (Davies & cols., 1997; Rego, 2003). Como
indivíduo, favorecendo o desenvolvimento de habili- um microssistema da sociedade, ela não apenas re-
dades e competências sociais e, conseqüentemente, flete as transformações atuais como também tem que
sua capacidade de adaptação às situações cotidianas lidar com as diferentes demandas do mundo
(Chaves, Guirra, Borrione & Simões, 2003). globalizado. Uma de suas tarefas mais importantes,
Diante dos problemas e desafios enfrentados embora difícil de ser implementada, é preparar tanto
pela família, e sem uma rede de apoio social que pro- alunos como professores e pais para viverem e supe-
mova a superação do estresse, a resolução de confli- rarem as dificuldades em um mundo de mudanças
tos e o restabelecimento de uma dinâmica familiar rápidas e de conflitos interpessoais, contribuindo para
saudável, as famílias podem desenvolver padrões de o processo de desenvolvimento do indivíduo.
relacionamento disfuncionais, tais como: maus tratos Coerente com essa concepção, à escola com-
à criança, violência intrafamiliar, abuso de substânci- pete propiciar recursos psicológicos para a evolução
as, conflitos. Nesses casos, as instituições públicas intelectual, social e cultural do homem (Hedeggard,
ou privadas, incluindo a escola, têm um papel impor- 2002; Rego, 2003). Ao desenvolver, por meio de ati-
tante oferecendo apoio, direta ou indiretamente, por vidades sistemáticas, a articulação dos conhecimen-
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tos culturalmente organizados, ela possibilita a apro- advindas do contexto familiar do aluno (Ministério da
priação da experiência acumulada e as formas de Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2001).
pensar, agir e interagir no mundo, oriundas dessas Marques (2001) destaca que a função da es-
experiências. Concomitantemente, ela proporciona o cola no século XXI tem o objetivo precípuo de esti-
emprego da linguagem simbólica, a apreensão dos mular o potencial do aluno, levando em consideração
conteúdos acadêmicos e compreensão dos mecanis- as diferenças socioculturais em prol da aquisição do
mos envolvidos no funcionamento mental, fundamen- seu conhecimento e desenvolvimento global. Sob este
tais ao processo de aprendizagem. Assim, a atualiza- prisma, ele aponta três objetivos que são comuns e
ção do conhecimento cultural e sua organização cons- devem ser buscados pelas escolas modernas: (a) es-
tante são premissas importantes para entender o papel timular e fomentar o desenvolvimento em níveis físi-
dela e sua relação com a pessoa em desenvolvimento. co, afetivo, moral, cognitivo, de personalidade; (b)
A escola é uma instituição social com objeti- desenvolver a consciência cidadã e a capacidade de
vos e metas determinadas, que emprega e reelabora intervenção no âmbito social; (c) promover uma
os conhecimentos socialmente produzidos, com o in- aprendizagem de forma contínua, propiciando, ao alu-
tuito de promover a aprendizagem e efetivar o de- no, formas diversificadas de aprender e condições de
senvolvimento das funções psicológicas superiores: inserção no mercado de trabalho. Isto implica, ne-
memória seletiva, criatividade, associação de idéias, cessariamente, em promover atividades ligadas aos
organização e seqüência de conhecimentos, dentre domínios afetivo, motor, social e cognitivo, de forma
outras (Oliveira, 2000). Ela é um espaço em que o integrada à trajetória de vida da pessoa.
indivíduo tende a funcionar de maneira preditiva, pois,
Marques (2001) enfatiza também a importân-
em sala de aula, há momentos e atividades que são
cia das tarefas desempenhadas em sala de aula que
estruturados com objetivos programados e outros mais
favorecem as formas superiores de pensar e apren-
informais que se estabelecem na interação da pessoa
der, tais como memória seletiva, criatividade, raciocí-
com seu ambiente social. Por exemplo, na escola, o
nio abstrato, pensamento lógico, tendo o professor uma
aluno tem rotinas como hora do intervalo e do lanche,
em que os objetivos educacionais se dirigem à convi- função preponderante nesta mediação. Para Wallon,
vência em grupo e à inserção na coletividade. No a idéia da mediação do conhecimento realizada pelo
tocante às atividades acadêmicas, espera-se, por professor, por meio de materiais concretos, padrões
exemplo, que os alunos dominem a interpretação, as e modelos de aprendizagem e comportamento, per-
regras fundamentais para expressão oral e escrita e mitem que, na sala de aula, se incorpore uma ação
realizem cálculos de forma independente. coletiva que se estrutura e funciona graças ao uso de
estratégias específicas, como o trabalho em grupo e
O currículo escolar estabelece objetivos e ati-
aos pares e a realização de atividades recreativas,
vidades, conforme a série dos alunos, facilitando o
competitivas e jogos (Almeida, 2000).
acompanhamento do processo de ensino-aprendiza-
gem nas diferentes faixas etárias. Desde o maternal No entanto, o uso de estratégias deve ser adap-
até a educação de adultos, a escola tem peculiarida- tado às realidades distintas dos alunos e professores,
des em relação à sua estrutura física, à organização às demandas da comunidade e aos recursos disponí-
dos conteúdos e metodologias de ensino, respeitando veis, levando em conta as condições e peculiaridades
e considerando a evolução do aprendiz, bem como de cada época ou momento histórico. Neste sentido,
articulando os conhecimentos científicos às experi- é importante identificar as condições evolutivas dos
ências dos alunos. Por exemplo, no ensino médio, segmentos: professores, alunos, pais e comunida-
espera-se que o aluno apresente um raciocínio hipo- de, em geral, para o planejamento de atividades no
tético-dedutivo, demonstre autonomia nos estudos e âmbito da escola.
pesquisas, enquanto que, no fundamental, os objeti- Em síntese, a escola é uma instituição em que
vos se dirigem ao domínio das operações complexas, se priorizam as atividades educativas formais, sendo
empregando materiais concretos e experiências identificada como um espaço de desenvolvimento e
Dessen, M. A. & Polonia, A. C. (2007). Família e Escola 27
aprendizagem e o currículo, no seu sentido mais am- nicações e, conseqüentemente, nos padrões de cola-
plo, deve envolver todas as experiências realizadas boração entre eles. Nesta direção, é importante ob-
nesse contexto. Isto significa considerar os padrões servar como a escola e, especificamente, os profes-
relacionais, aspectos culturais, cognitivos, afetivos, sores empregam as experiências que os alunos têm
sociais e históricos que estão presentes nas interações em casa. Face à leitura, é muito importante que a
e relações entre os diferentes segmentos. Dessa for- escola conheça e saiba como utilizar as experiências
ma, os conhecimentos oriundos da vivência familiar de casa para gerir as competências imprescindíveis
podem ser empregados como mediadores para a ao letramento. A interpretação de textos ou a escrita
construção dos conhecimentos científicos trabalha- podem ser estimuladas pelos conhecimentos oriun-
dos na escola. dos de outros contextos, servindo de auxílio à apren-
dizagem formal.
Compreendendo as relações família-escola
As pesquisas têm demonstrado que os pais
Para compreender os processos de desenvol-
estão constantemente preocupados e envolvidos com
vimento e seus impactos na pessoa, é preciso focali-
as atividades escolares dos filhos e que dirigem a sua
zar tanto o contexto familiar quanto o escolar e suas
atenção à avaliação do aproveitamento escolar, sen-
inter-relações (Polonia & Dessen, 2005). Por exem-
do isto independente do nível socioeconômico ou es-
plo, o planejamento de pesquisa sobre violência na
colaridade (Polonia & Dessen, 2005). Os pais super-
adolescência deve incluir tanto as variáveis familia-
visionam e acompanham não somente a realização
res, que podem contribuir significativamente para a
das atividades escolares, mas também adotam, em
manutenção de comportamentos anti-sociais na esco-
suas residências, estratégias voltadas à disciplina e
la, quanto as relacionadas diretamente com a escola,
ao controle de atividades lúdicas. Estas ações permi-
como o baixo desempenho acadêmico, que, aliadas aos
tem a eles analisarem, identificarem e realizarem in-
fatores interpessoais, acentuam este problema (Ferreira tervenções nos processos de desenvolvimento e
& Marturano, 2002; Oliveira & cols., 2002). aprendizagem dos filhos (Sanders & Epstein, 1998).
Outros exemplos bastante conhecidos são a Ainda, neste aspecto, Epstein (citado por Marques,
evasão e repetência escolar. Sabe-se que a estrutura 2002) destaca o envolvimento dos pais em ativida-
familiar tem um forte impacto na permanência do alu- des, em casa, que afetam a aprendizagem e o apro-
no na escola, podendo evitar ou intensificar a evasão veitamento escolar. Este envolvimento ocorre sob di-
e a repetência escolar. Dentre os aspectos que con- ferentes formas de acompanhamento das tarefas
tribuem para isto estão as características individuais, (monitorar a sua realização), ou, ainda, em orienta-
a ausência de hábitos de estudo, a falta às aulas e os ções sistemáticas do comportamento social e
problemas de comportamento (Fitzpatrick & Yoles, engajamento dos filhos nas atividades da escola, reali-
1992). Em todos estes fatores, a família exerce uma zadas por iniciativa própria ou por sugestão da escola.
poderosa influência. Embora um sistema escolar trans- Os laços afetivos, estruturados e consolidados
formador possa reverter esses aspectos negativos, tanto na escola como na família permitem que os in-
faz-se necessário que a escola conte com a colabo- divíduos lidem com conflitos, aproximações e situa-
ração de outros contextos que influenciam significa- ções oriundas destes vínculos, aprendendo a resolver
tivamente a aprendizagem formal do aluno, incluindo os problemas de maneira conjunta ou separada. Nes-
a família (Fantuzzo, Tighe & Childs, 2000). se processo, os estágios diferenciados de desenvolvi-
É importante ressaltar que a família e a escola mento, característicos dos membros da família e tam-
são ambientes de desenvolvimento e aprendizagem bém dos segmentos distintos da escola, constituem
humana que podem funcionar como propulsores ou fatores essenciais na direção de provocar mudanças
inibidores dele. Estudar as relações em cada contex- nos papéis da pessoa em desenvolvimento, com re-
to e entre eles constitui fonte importante de informa- percussões diretas na sua experiência acadêmica e
ção, na medida em que permite identificar aspectos psicológica; dependendo do nível de desenvolvimen-
ou condições que geram conflitos e ruídos nas comu- to e demandas do contexto, é possibilitado à criança,
28 Paidéia, 2007, 17(36), 21-32
quando entra na escola, um maior grau de autonomia Apesar dos esforços, tanto da escola quanto
e independência comparado ao que tinha em casa, o da família, em promoverem ações de continuidade,
que amplia seu repertório social e círculo de relacio- há barreiras que geram descontinuidade e conflitos
namento. Neste caso, a escola oferece uma oportu- na integração entre estes dois microssistemas. Uma
nidade de exercitar um novo papel que propiciará das dificuldades na integração família-escola é que
mecanismos importantes para o seu desenvolvimen- esta ainda não comporta, em seus espaços acadêmi-
to cognitivo, social, físico e afetivo, distintos do ambi- cos, sociais e de interação, os diferentes segmentos
ente familiar. da comunidade e, por isso, não possibilita uma distri-
Um outro aspecto a ser destacado nas pesqui- buição eqüitativa das competências e o compartilhar
sas e programas é a formação das redes sociais de das responsabilidades. Carneiro (2003) afirma que a
apoio. Deve-se, então, caracterizar as dimensões dis- mudança deste paradigma depende de uma transfor-
tintas de envolvimento, seja na família ou na escola, e mação na cultura vigente da escola e que o projeto
descrever como e quando essa rede de relações e político-pedagógico poderia ser um dos meios para
apoio à pessoa em desenvolvimento pode ser utiliza- promover esta inserção. Ainda, as formas de avalia-
da. Na família, há o reconhecimento do papel dos ção adotadas, bem como as estratégias para superar
pais, irmãos e outras pessoas que convivem com a as dificuldades presentes no processo ensino-apren-
criança ou adolescente e sua contribuição para o de- dizagem, de maneira a incluir a família, exigem que
senvolvimento geral e acadêmico. Na escola, desta- as escolas insiram essa discussão no projeto pedagó-
cam-se os professores e os pares, uma vez que estes gico, como forma de assegurar a sua compreensão e
se envolvem cotidianamente em atividades progra- efetivar a participação dos pais que é ainda um ponto
madas e realizam intervenções importantes que afe- crítico na esfera educacional. Com isso, pode-se rom-
tam o processo de ensino e aprendizagem. Conside- per o estereótipo presente da preocupação centrada
rando que as redes de apoio são constituídas pela di- apenas nos resultados acadêmicos (Kratochwill,
versidade de interações entre as pessoas, são estas McDonald, Levin, Bear-Tibbetts & Demaray, 2004).
que permitem a construção de repertórios para lidar
Além disso, o conhecimento dos valores e prá-
com as adversidades e problemas surgidos, possibili-
tando sua superação com sucesso (Ferreira & ticas educativas que são adotadas em casa, e que se
Marturano, 2002). refletem no âmbito escolar e vice-versa, são impres-
cindíveis para manter a continuidade das ações entre
No tocante à colaboração escola-família, é
a família e a escola (Keller-Laine, 1998). Sendo as-
importante enfatizar a necessidade de estruturar ati-
sim, as escolas devem procurar inserir no seu projeto
vidades apropriadas à série do aluno, particularmente
pedagógico um espaço para valorizar, reconhecer e
em se tratando da participação dos pais no seu acom-
trabalhar as práticas educativas familiares e utilizá-
panhamento. Segundo Desland e Bertrand (2005), a
las como recurso importante nos processos de apren-
necessidade ou não de supervisão aos filhos depende
dizagem dos alunos. Mas, a colaboração entre esses
das demandas implícitas ou explícitas deles que, por
contextos deve levar em consideração as diferenças
sua vez, estão relacionadas a fatores como idade, in-
dependência, autonomia e desempenho como aluno. culturais, a formação para cidadania e a valorização
Esses autores vão além, afirmando que, ao participa- de ações e de decisões coletivas (Kratochwill & cols.,
rem, os pais se predispõem e sentem referendados 2004; Marques, 2002). As educativas verificadas no
pelos filhos, acionando recursos que envolvem a aju- âmbito das relações interpessoais e nos resultados
da e o acompanhamento; quando os filhos mostram acadêmicos dos alunos, têm reflexos na participação
necessidade de trabalharem sozinhos, os pais se afas- efetiva e na integração escola-família, assegurando
tam, reduzindo seu nível de supervisão e auxílio às uma continuidade entre os dois segmentos.
tarefas escolares. Esta é uma questão polêmica que Portanto, as escolas deveriam investir no for-
requer investigações mais detalhadas, considerando talecimento das associações de pais e mestres, no
a série do aluno, as competências exigidas pela escola e conselho escolar, dentre outros espaços de participa-
a necessidade de autonomia e independência do aluno. ção, de modo a propiciar a articulação da família com
Dessen, M. A. & Polonia, A. C. (2007). Família e Escola 29
a comunidade, estabelecendo relações mais próximas. pedagogos e orientadores educacionais, que são
A adoção de estratégias que permitam aos pais acom- gabaritados (ou deveriam ser) para realizar interven-
panharem as atividades curriculares da escola, bene- ções coletivas. É nesse espaço que as reflexões so-
ficiam tanto a escola quanto a família. As investiga- bre os processos de ensino-aprendizagem e as difi-
ções de Keller-Laine (1998) e de Sanders e Epstein culdades que surgem em sala ou em casa são reali-
(1998) enfatizam que é necessário planejar e zadas (Rocha, Marcelo & Pereira, 2002; Soares, Ávila
implementar ações que assegurem as parcerias en- & Salvetti, 2000).
tre estes dois ambientes, visando a busca de objeti- Entretanto, como sublinham Soares e cols
vos comuns e de soluções para os desafios enfrenta- (2000), apesar de a escola desenvolver aspectos ine-
dos pela sociedade e pela comunidade escolar. rentes à socialização das pessoas e ser responsável
pela construção, elaboração e difusão do conhecimen-
Considerações finais: desafios e perspectivas
to, ela vem passando por crises vindas do cotidiano,
A família não é o único contexto em que a cri- que geram conflitos e descontinuidades como a vio-
ança tem oportunidade de experienciar e ampliar seu lência, o insucesso escolar, a exclusão, a evasão e a
repertório como sujeito de aprendizagem e desenvol- falta de apoio da comunidade e da família, entre ou-
vimento. A escola também tem sua parcela de contri- tros. Neste caso, o cenário político passa a exercer
buição no desenvolvimento do indivíduo, mais especi- uma influência preponderante para a solução das cri-
ficamente na aquisição do saber culturalmente orga- ses, que extrapolam o cotidiano das escolas. Para
nizado em suas distintas áreas de conhecimento. superar os desafios que enfrentam, hoje, uma das al-
Como destaca Szymanski (2001), a ação educativa ternativas é promover a colaboração entre escola e
da escola e da família apresenta nuances distintas família (Polonia & Dessen, 2005), tarefa complexa que
quanto aos objetivos, conteúdos, métodos e questões tem despertado o interesse de vários pesquisadores.
interligadas à afetividade, bem como quanto às A família e a escola constituem os dois princi-
interações e contextos diversificados. pais ambientes de desenvolvimento humano nas so-
Na escola, as crianças investem seu tempo e ciedades ocidentais contemporâneas. Assim, é fun-
se envolvem em atividades diferenciadas ligadas às damental que sejam implementadas políticas que as-
tarefas formais (pesquisa, leitura dirigida) e aos in- segurem a aproximação entre os dois contextos, de
formais de aprendizagem (hora do recreio, excursões, maneira a reconhecer suas peculiaridades e também
atividades de lazer). Contudo, neste ambiente, o aten- similaridades, sobretudo no tocante aos processos de
dimento às necessidades cognitivas, psicológicas, so- desenvolvimento e aprendizagem, não só em relação
ciais e culturais é realizado de maneira mais ao aluno, mas também a todas as pessoas envolvidas.
estruturada e pedagógica do que no de casa. As prá- Referências
ticas educativas escolares têm também um cunho
Almeida, L. R. (2000). Wallon e a educação. In A.
eminentemente social, uma vez que permitem a am-
A. Mahoney, & L. R. Almeida (Orgs.), Henri
pliação e inserção dos indivíduos como cidadãos e
Wallon: Psicologia e Educação (pp.71-87). São
protagonistas da história e da sociedade. A educação
Paulo: Loyola.
em seu sentido amplo torna-se um instrumento im-
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