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Programas de intervenção e estratégias eficazes para alunos do ensino fundamental com

discalculia do desenvolvimento: uma revisão sistemática da literatura


https://periodicos.unifesp.br/index.php/neurociencias/about/submissions
Raquel Simões Martins
Renata Cristina Arruda
João dos Santos Carmo

RESUMO

O objetivo do presente estudo foi comparar programas de intervenção para alunos do ensino
fundamental (EF), com discalculia do desenvolvimento (DD) quanto às estratégias utilizadas
e resultados obtidos. Conduziu-se uma revisão sistemática, através do sistema CAFE
(CAPES), nas bases de dados Pubmed, Web of Science e Scopus, cobrindo o período de 2016
a 2021, incluindo artigos revisados por pares, nos idiomas português, inglês e espanhol. Os
descritores escolhidos foram “Discalculia do Desenvolvimento”, “Programa de Intervenção” e
“Ensino Fundamental”. Após aplicados os critérios de inclusão e exclusão, obteve-se uma
amostra de 11 artigos. Os resultados mostraram que as estratégias utilizadas dentro dos
programas de intervenção, foram treino com lápis e papel, instrução direta de forma
presencial e por videoconferência, cálculo mental, treino computadorizado, treino musical e
de metacognição. A ludicidade foi bastante valorizada com uso de jogos, materiais concretos
e reforçadores motivacionais. O ambiente de intervenção mais utilizado foi o escolar,
privilegiando outros espaços que não a sala de aula, buscando diminuir a pressão por
desempenho, o que reforça a preocupação com aspectos socioemocionais, além dos
neurocognitivos. Conclui-se que intervenções direcionadas melhoram a cognição numérica,
especialmente quando se adaptam às necessidades de aprendizagem de cada criança.

Palavras-chave: discalculia do desenvolvimento; programas de intervenção; ensino


fundamental.

ABSTRACT

Numerical competence represents a fundamental practice in our daily life and deficits in the
development of this competence have negative impacts on the individual's education, social,
emotional and professional life. One of the best known conditions, within the clinical or
school context, related to impairments in arithmetic skills is developmental dyscalculia (DD),
a learning developmental disorder characterized by significant and persistent difficulties in
learning school skills related to mathematics or arithmetic. Establishing appropriate
intervention strategies and programs adapted to the specific cognitive profile of each
individual favors their development, being an alternative to improve school performance and
the quality of life of children with DD. The aim of this study was to compare intervention
programs for learning difficulties in mathematics, developed with elementary school students,
with a DD framework and to analyze the strategies used as well as the results obtained. The
method chosen for the research was the systematic review, through the CAFE system
(CAPES), in the PUBMED, WEB OF SCIENCE and SCOPUS databases, within the period
from 2016 to 2021, using as a criterion peer-reviewed articles, in Portuguese, English and
Spanish. The descriptors chosen were “Development Dyscalculia”, “Intervention Program”
and “Elementary School”. After applying the inclusion and exclusion criteria, a sample of
eleven articles was obtained. The results allow us to answer that the strategies used within the
intervention programs for elementary school students with DD were training with pencil and
paper, direct instruction in person and by videoconference, mental calculation, computerized
training, musical and metacognition training. Playfulness was highly valued with the use of
games, concrete materials and motivational reinforcers. The most used intervention
environment was the school, favoring spaces other than the classroom, seeking to reduce
pressure for performance, which reinforces the concern with socio-emotional aspects in
addition to neurocognitive ones. Studies demonstrate that targeted interventions can improve
aspects of numerical cognition, especially when they adapt to each child's learning needs.

Keywords: developmental dyscalculia; intervention programs; elementary school.

RESUMEN

La competencia numérica representa una práctica fundamental en nuestra vida diaria y las
deficiencias en el desarrollo de esta competencia tienen impactos negativos en la educación,
la vida social, emocional y profesional del individuo. Una de las condiciones más conocidas,
dentro del contexto clínico o escolar, relacionada con las deficiencias en las habilidades
aritméticas es la discalculia del desarrollo (DD), un trastorno del desarrollo del aprendizaje
que se caracteriza por dificultades significativas y persistentes en el aprendizaje de las
habilidades escolares relacionadas con las matemáticas o la aritmética. Establecer estrategias
y programas de intervención adecuados y adaptados al perfil cognitivo específico de cada
individuo favorece su desarrollo, siendo una alternativa para mejorar el rendimiento escolar y
la calidad de vida de los niños con DD. El objetivo de este estudio fue comparar los
programas de intervención para las dificultades de aprendizaje en matemáticas, desarrollados
con estudiantes de primaria, con un marco DD y analizar las estrategias utilizadas y los
resultados obtenidos. El método elegido para la investigación fue la revisión sistemática, a
través del sistema CAFE (CAPES), en las bases de datos PUBMED, WEB OF SCIENCE y
SCOPUS, en el período de 2016 a 2021, utilizando como criterio artículos revisados por
pares, en portugués, Inglés y español. Los descriptores elegidos fueron “Discalculia del
desarrollo”, “Programa de intervención” y “Escuela primaria”. Tras aplicar los criterios de
inclusión y exclusión, se obtuvo una muestra de once artículos. Los resultados nos permiten
responder que las estrategias empleadas dentro de los programas de intervención para
alumnos de primaria con DD fueron entrenamiento con lápiz y papel, instrucción directa
presencial y por videoconferencia, cálculo mental, entrenamiento computarizado,
entrenamiento musical y metacognición. La alegría fue muy valorada con el uso de juegos,
materiales concretos y reforzadores motivacionales. El ambiente de intervención más
utilizado fue la escuela, favoreciendo espacios distintos al aula, buscando reducir la presión
por el desempeño, lo que refuerza la preocupación por los aspectos socioemocionales además
de los neurocognitivos. Los estudios demuestran que las intervenciones dirigidas pueden
mejorar aspectos de la cognición numérica, especialmente cuando se adaptan a las
necesidades de aprendizaje de cada niño.

Palabras clave: Discalculia del desarrollo; Programas de intervención; Escuela primaria.

1 INTRODUÇÃO
A competência numérica representa uma prática fundamental na vida cotidiana e
déficits no desenvolvimento dessa competência trazem impactos negativos na escolaridade, na
vida social, emocional e profissional do indivíduo 1. A aquisição das habilidades aritméticas
básicas como reconhecimento de quantidades, contagem, leitura e escrita do número, cálculo
das quatro operações e o uso dessas habilidades em situações cotidianas envolvendo datas,
horários, dinheiro e diferentes informações numéricas é fundamental para o exercício da
cidadania social2.
No Brasil, de acordo com os dados do Programa de Avaliação Internacional de
Estudantes, PISA - 2018, na área de matemática, 68,1% dos estudantes avaliados, na faixa
etária de 15 anos, encontram-se no nível de proficiência 1 ou abaixo dele, sugerindo
competência apenas para realizar tarefas matemáticas simples como analisar um gráfico ou
realizar cálculos aritméticos de números naturais3. As condições mais conhecidas, dentro do
contexto clínico ou escolar, relacionadas aos prejuízos nas habilidades aritméticas são baixo
rendimento matemático, transtorno de aprendizagem de matemática e a discalculia do
desenvolvimento (DD). Segundo Santos4, a nomenclatura para essas condições pode mudar de
acordo com o campo de investigação e é preciso estar atento aos conceitos e critérios
utilizados, mais do que ao termo em si.
A DD é um transtorno do desenvolvimento da aprendizagem, caracterizado por
dificuldades significativas e persistentes no aprendizado de habilidades escolares relacionadas
à matemática ou aritmética, que não podem ser mais bem explicadas por nível intelectual
deficiente, alteração auditiva, visual ou neurológica, ou baixa qualidade educacional 5.
Kaufmann et al.6 classifica a DD em dois tipos, em função dos déficits observados. A DD
primária, cujos déficits são causados inteiramente por deficiências numéricas, mas com
impacto nos níveis comportamentais e neuro cognitivos; e a DD secundária, cujas disfunções
numéricas são causadas por comprometimentos em funções cognitivas, atencionais, por
déficits nas habilidades visuoespaciais e na memória operacional. Nesses casos, a DD é
considerada em comorbidade com outros transtornos como o TDAH ou a dislexia1.

A etiologia da DD não está claramente definida; no entanto, parece ser consensual que
deve ser compreendida dentro de uma perspectiva de desenvolvimento individual, onde as
experiências e os ambientes individuais, a tornam uma condição heterogênea com diferentes
perfis neuronais, cognitivos e comportamentais1,4,6. Davis et al.7 pesquisando sobre como os
genes originam as diferenças individuais quanto ao funcionamento cognitivo, pontua que
embora perceba-se a hereditariedade nos transtornos de aprendizagem, ainda não se
identificou especificamente qual o gene ou os genes responsáveis por isso. Contudo, estudos
com gêmeos na faixa etária de dez anos, conduzidos por estes pesquisadores, mostraram a
correlação genética entre os domínios de leitura, matemática e inteligência geral, o que eleva
a probabilidade da existência de genes generalistas influenciando as estruturas e funções
cognitivas. Os dados encontrados também mostraram que, quando o ambiente era
compartilhado, as correlações fenotípicas eram maiores, ou seja, a interação entre gene,
ambiente e comportamento era mais evidente.

Estudos usando técnicas de neuroimagem, como a ressonância magnética funcional,


tem mostrado que indivíduos com DD apresentam anormalidades na estrutura e no
funcionamento do cérebro, como volume reduzido de substância branca e cinzenta na área
parietal e no sulco intraparietal esquerdo (IPS), áreas importantes para o desenvolvimento do
senso numérico e da linha mental numérica; menor ativação do IPS durante a realização de
tarefas matemáticas; e fraca conectividade entre os lobos parietal e frontal8,9. Em
contrapartida, parecem acionar com maior frequência outras áreas cerebrais de apoio,
relacionadas às habilidades cognitivas gerais, como por exemplo memória operacional e
atenção, como um mecanismo compensatório1.
Na prática, a DD pode ser expressa por dificuldade persistente na compreensão e uso
dos números em atividade escolares, bem como de vida diária. Embora existam diferenças
individuais, as principais características desse transtorno são: a) déficits de numerosidade, ou
seja, prejuízo em reconhecer e trabalhar com quantidades não simbólicas, agrupando ou
tirando elementos de um conjunto, compreendendo como as manipulações afetam a
numerosidade2; b) déficits do processamento numérico, com maior dificuldade na
transcodificação de representação simbólicas, leitura e escrita de números, dificuldade de
contagem, prejuízo no desenvolvimento ou acesso à linha numérica mental; c) déficits de
cálculo - dificuldade de aprender e lembrar fatos aritméticos, estratégias imaturas para
resolver problemas (desenhos, dedos), dificuldade para decompor um problema em partes e
para compreender os procedimentos de resolução1. Alunos com DD ainda podem apresentar
falta de motivação, ansiedade e fobia escolar10.
O DSM-511 afirma que 5% a 15% das crianças em idade escolar podem sofrer de um
transtorno de aprendizagem específico que dificulta a aquisição de competência numérica. A
DD afeta de 3% a 6% dos indivíduos em fase escolar no Brasil 12 sem diferenças de incidência
em relação ao sexo, mas com um caráter permanente e heterogêneo. Seu diagnóstico em
crianças, além de outros aspectos, tem como base o neurodesenvolvimento e a história
educacional. Dessa forma é importante estar atento aos sinais de risco para DD, que podem
ser percebidos desde a educação infantil como, por exemplo, a dificuldade em contar e utilizar
conceitos matemáticos, que podem dificultar o desenvolvimento de habilidades matemáticas
básicas13 e a aquisição de outros repertórios mais complexos. É essencial que o professor seja
capaz de identificar essas questões durante o processo de ensino-aprendizagem, estabelecendo
as adequadas estimulações e intervenções pedagógicas. As avaliações com enfoque
multidimensional – domínio cognitivo e geral, habilidades adquiridas, diagnóstico diferencial
e dimensão afetivo social4, também se constituem importantes instrumentos na definição do
perfil cognitivo e comportamental do aluno com DD.

Fastame10 analisando o estado da arte de programas de intervenção para alunos com


DD, considerou que os programas de intervenção encontrados focavam ou em habilidades
cognitivas relacionadas diretamente à matemática como melhora do senso numérico,
recuperação de fatos aritméticos e resolução de problemas ou em habilidades de suporte à
aprendizagem como atenção, memória operacional visuoespacial, metacognição e linguagem.
De acordo com Santos14, as intervenções focadas em matemática podem ser pedagógicas ou
cognitivas. A abordagem pedagógica se utiliza basicamente da instrução explicita enquanto a
cognitiva, de reforçadores comportamentais, sendo os resultados das intervenções individuais
mais promissores do que das intervenções em grupo. Em relação as intervenções assistidas
por computador, para alunos com dificuldades matemáticas, Benavides-Varela et al.15
observou vantagens como: a) o uso de novos instrumentos pode facilitar o envolvimento ativo
do aluno na aprendizagem dos conceitos matemáticos; b) os conteúdos podem ser elaborados
de acordo com dificuldades individuais, permitindo dificuldade progressiva nas tarefas e
atenção individualizada; c) essas intervenções permitem uma compreensão mais fácil de
conceitos abstratos quando comparados com as metodologias que utilizam apenas lápis e
papel; d) demandam um número menor de instrutores e redução do tempo de treinamento; e)
o feedback individual, preserva o aluno de ser exposto diante de um erro, o que pode
contribuir para melhora da autoestima e o maior engajamento nas tarefas.
Fuchs et al.16, pesquisando intervenções validadas que pudessem auxiliar alunos da
terceira série, com déficits graves em matemática, defende a importância da adoção de sete
princípios no planejamento de uma intervenção intensiva: 1) Instrução explicita – dar
explicações claras, diretas e sequenciadas sobre os conteúdos e os procedimentos necessários
para a atividade; 2) Aprendizagem sem erro – estabelecer um planejamento da tarefa passo a
passo, a partir do que o aluno já é capaz de fazer sem erros, para que automatização dos
procedimentos ou a aquisição de um novo conceito não tenha interferências de mal-
entendidos ou insucessos; 3) Conceituação – o aluno precisa compreender o porquê e o para
quê dos conteúdos e procedimentos envolvidos nas atividades; o conhecimento conceitual
visa dar sentido às experiências e aprendizagens da criança; 4) Exercício e prática – a
repetição auxilia na memorização, no aperfeiçoamento da ação, na fluência e na
autoconfiança; 5) Revisão cumulativa – recuperar o que já foi aprendido, sequenciando com
os desafios de uma nova etapa; a prática de revisão também pode ser usada pelos alunos
quanto as suas próprias atividades; 6) Uso de reforçadores motivacionais e processos de
autorregulação – o empenho do aluno deve ser recompensado, ou através de feedbacks
positivos ou através de prêmios que o motive a continuar se esforçando. Contudo, quando o
sucesso não for dentro do esperado, é preciso que a criança também aprenda a controlar seu
estresse, sua frustração, mantendo a motivação a cada etapa do processo de aprendizagem; 7)
Monitoramento contínuo do progresso – é preciso observar as respostas individuais de cada
aluno à intervenção, podendo usar para isso medidas baseadas no currículo escolar; o
monitoramento permite acompanhar o desenvolvimento do aluno, traçando estratégias mais
adequadas ao seu perfil cognitivo e de aprendizagem.
O objetivo do presente estudo foi comparar programas de intervenção para
dificuldades de aprendizagem em matemática, desenvolvidos com alunos do ensino
fundamental, com quadro de DD e analisar as estratégias utilizadas bem como os resultados
obtidos.

2 MÉTODO

2.1 Contextualização
Para auxiliar na revisão bibliográfica sistemática (RBS) foi utilizado o Start (State of
the art through systematic review), uma ferramenta computacional, gratuita, desenvolvida
pelo Laboratório de pesquisa em Engenharia de Software da Universidade Federal de São
Carlos (LAPES-UFSCAR), que tem como primeira etapa a criação de um protocolo de
planejamento. 

2.2 Bases de dados e descritores


Foram escolhidas duas bases de dados generalistas, Web of Science e Scopus e uma da
área da saúde, Pubmed; sendo os descritores e operador lógico “discalculia do
desenvolvimento” AND “programa de intervenção” AND “ensino fundamental”; bem como
os termos equivalentes em inglês e espanhol. 

2.3 Procedimentos de busca


A busca foi delimitada à produção de artigos empíricos e experimentais,
compreendidos entre o período de 2016 a 2021, com o filtro revisão por pares. O acesso às
bases ocorreu pelo sistema CAFE (CAPES), durante o mês de janeiro de 2021. Com o
objetivo de diminuir o viés de busca, o trabalho de pesquisa inicial aconteceu de forma
independente, conforme indicado por Costa e Zoltowski17.
Os artigos encontrados foram exportados no formato Bibtex e posteriormente
importados no Start. Após a leitura dos títulos e dos resumos, foram excluídos os textos
duplicados e aplicados os critérios de inclusão e exclusão nos demais, conforme observado no
Quadro 1.

Quadro 1 - Descrição parcial do protocolo do Start


ITEM DESCRIÇÃO

Comparar programas de intervenção para dificuldades de aprendizagem em


Objetivo da Revisão matemática, desenvolvidos com alunos do ensino fundamental, com quadro
Bibliográfica Sistemática de discalculia do desenvolvimento e analisar as estratégias utilizadas bem
como os resultados obtidos.

Questão principal ou Quais são as estratégias utilizadas dentro dos programas de intervenção para
norteadora alunos com discalculia do desenvolvimento (DD)?

 Artigo empírico, experimental e estudo de caso; 


 Público-alvo formado por alunos do ensino fundamental; 
 Artigo que refere programa e/ou estratégia de intervenção para
Critérios de inclusão (I)
alunos com DD; 
 Artigo que refere estratégia de intervenção para dificuldade
matemática que possa beneficiar alunos com DD;

 Artigo cujo full paper não for localizado;


 Artigo teórico, capítulo de livros, tese e dissertação em qualquer
língua; 
Critérios de exclusão (E)
 Artigo que aborda o diagnóstico da DD e seus subtipos; 
 Artigo que não aborda programas de intervenção para alunos com
DD.
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Posteriormente foram comparados os resultados e identificados os artigos em


concordância entre as pesquisadoras, assim como os artigos em discordância. De acordo com
Costa e Zoltowski17, uma possível estratégia a ser adotada, caso um consenso não seja
alcançado, é promover uma discussão entre os juízes que realizaram a busca para encontrar
um novo consenso. Assim, os artigos em discordância passaram por uma análise conjunta e
foram excluídos os que não preencheram todos os critérios de inclusão. Após essa
identificação, foi calculada a discordância entre juízes, ou seja, a consistência entre os valores
absolutos das classificações das duas buscas (calculada pelo número de vezes em que as
juízas concordaram/número total de ocorrências).
A partir da análise de concordância, foram recuperados somente os estudos igualmente
selecionados, ou seja, com propostas de intervenção para alunos do ensino fundamental com
DD ou com estratégias de intervenção para dificuldades de aprendizagem da matemática, que
pudessem beneficiar este mesmo público.  Tais estudos foram lidos na íntegra e um novo
critério de exclusão se fez necessário: artigos que referiam alunos com diagnóstico de DD em
comorbidade com outros transtornos, como por exemplo, dislexia ou TDAH. A escolha desse
critério teve como objetivo diferenciar as estratégias utilizadas especificamente para a DD
daquelas utilizadas para outros transtornos. As informações encontradas foram organizadas
em uma análise bibliométrica, usando uma tabela do Excel conforme mostra o Quadro 2.
Caracterizando a terceira e última etapa de seleção, as pesquisadoras definiram quais
artigos seriam incluídos na amostra final de acordo com o novo critério de exclusão. Os
artigos incluídos passaram por uma nova análise direcionada pelo preenchimento de um
quadro comparativo, constando características demográficas dos participantes, instrumentos
utilizados para o diagnóstico da DD e para a intervenção, bem como os resultados
apresentados e follow up. A partir desse quadro, procederam-se as análises, que constam no
item 4.

Figura 1 - Captura de tela da ferramenta Start sobre os estudos aceitos na amostra final.

Fonte: Ferramenta Start

3 RESULTADOS 

3.1 Resultados numéricos da busca  


Foram identificados inicialmente 425 artigos. A partir dos critérios de seleção, a
pesquisadora A recuperou 45 artigos e a pesquisadora B, 49. Destes, 42 artigos estavam em
concordância entre as pesquisadoras e 10 artigos em discordância. A concordância absoluta
foi de 84/94 ou aproximadamente 89%.
Após a análise dos artigos em discordância, foram incluídos 42 estudos. Não foram
encontrados os relatos completos de 2 artigos. A partir da leitura dos estudos na íntegra, 29
foram excluídos ou por incluírem o público da educação infantil na amostra, ou por
abordarem programas de intervenção para DD em comorbidade com outros transtornos.
Desta forma, 11 artigos foram incluídos na amostra para análise final. A figura 2
apresenta uma síntese dos resultados desde a identificação nas bases até o final do processo de
inclusão.
Figura 2 - Dados de identificação, seleção, elegibilidade e inclusão dos artigos.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

3.2 Caracterização dos estudos incluídos


De acordo com os estudos selecionados para a análise final e o recorte de tempo
realizado, observou-se a produção de artigos sobre programas de intervenção para DD em
países e continentes diversificados. Notou-se a tendência em estabelecer parcerias de pesquisa
entre universidades diferentes de um mesmo país e entre países diferentes (Quadro 2).  

Quadro 2 - Dados bibliométricos parciais da revisão sistemática.

ANO DE PAÍSES / Nº DE ARTIGOS PARCERIAS


PUBLICAÇÃO

2017 Estados Unidos (1) Universidades Estadual da Carolina do Norte e do


Colorado, EUA

2018 Grécia (1), Argélia* (1), *Universidades de El Oued, Argélia e de Rouen,


Austrália (1) França

2019 Irã (1), China* (1) *Universidades de Beijin, China e da Califórnia,


EUA

2020 Estados Unidos* (1), * Universidades do Texas, Austin e Vanderbilt,


Alemanha** (1), Itália*** (1), Nashville, EUA;
Brasil**** (1) **Universidades de Potsdam, Alemanha e
Children`s Hospital, Suíça;
*** Universidades de Pádua e Turim, Itália;
**** Universidades Católica de Portugal, Porto e
College Dublin, Dublin, Irlanda.

2021 China (1) Estudo de uma única universidade - Universidade


de Beijin, China.
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Conforme pode ser visto no quadro 3, quanto à origem dos estudos, os Estados Unidos
e a China foram os países que mais publicaram e o Frontiers in Psychology, o periódico com
o maior número de publicações. Em 2020 houve um aumento no número de artigos. Em uma
das publicações há colaboração de pesquisadoras brasileiras. Quanto ao idioma, os 11 artigos
selecionados foram publicados em inglês.  Não foram recuperados para a análise artigos
publicados em português e espanhol. Dentre os artigos selecionados, dez eram estudos
experimentais e um quase experimental realizados com alunos do ensino fundamental.

Quadro 3 – Outros dados levantados para análise bibliométrica.


DISTRI
ARTIGO ANO PUBLICADO EM
GEOGR
Assessment and conceptual remediation of basic calculation
British Journal of
1 skills in elementary school students 2018 Gr
Developmental Psychology

2 Can abacus course eradicate developmental dyscalculia 2021 Psychology in the Schools Ch
Effectiveness of working memory training among children with
Provav
3 dyscalculia: evidence for transfer effects on mathematical 2018 Cognitive Processing
Arg
achievement
Efficacy of a Computer-Based Learning Program in Children
with Developmental Dyscalculia. What Influences Individual
4 2020 Frontiers in Psychology Alem
Responsiveness?

Persistent Effects of Musical Training on Mathematical Skills


5 of Children With Developmental Dyscalculia 2020 Frontiers in Psychology Br

Response to a Specific and Digitally Supported Training at


6 Home for Students with Mathematical Difficulties 2020 Frontiers in Psychology Itá

Short‐term numerosity training promotes symbolic arithmetic


in children with developmental dyscalculia: The mediating role
7 2019 Developmental Science Ch
of visual form perception

Targeted Tuition Delivered by Personal Videoconferencing for


Learning Disabilities Research
8 Students with Mathematical Learning Difficulties 2018 Aus
& Practice

The effect of self-regulation empowerment program training on Archives of Psychiatry and


9 2019 I
neurocognitive and social skills in students with dyscalculia Psychotherapy
10 The role of pre-algebraic reasoning within a word-problem 2020 ZDM - Educação Matemática EU
intervention for third-grade students with mathematics
difficulty
Where is Difference? Processes of Mathematical Remediation Journal of Mathematical
11 2017 EU
through a Constructivist Lens Behavior
Fonte: Elaborado pelas autoras.

No gráfico 1 vemos que a maioria das pesquisas com alunos com DD foram realizadas
em escolas públicas. Os programas de intervenção ou a aplicação das estratégias para esses
alunos ocorreram dentro do ambiente escolar, contudo, sendo somente dois deles na sala de
aula (Gráfico 2). A maior parte do público-alvo envolvido nas pesquisas pertencia ao nível
socioeconômico baixo; porém, os estudos do Irã, da Argélia e da Alemanha não especificaram
esta informação. Apenas o estudo da Itália caracterizou os alunos como pertencentes a um
ambiente sociocultural adequado (Gráfico 3).

Gráfico 1 - Tipos de escolas onde foram realizadas as pesquisas para alunos com DD.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Gráfico 2 – Locais onde se desenvolveram os programas de intervenção ou a aplicação das


estratégias para alunos com DD
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Gráfico 3 - Nível socioeconômico dos alunos com DD.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS


Considerando que não existe um modelo único de intervenção, que seja eficaz para
todas as demandas dos alunos com DD, já que o transtorno se configura de maneira
heterogênea e sofre interferência dos fatores ambientais, analisar as descobertas apresentadas
pelos estudos selecionados pode contribuir para a elaboração de futuros programas de
intervenção que melhorem o desempenho escolar e a vida cotidiana desse grupo.
Primeiramente, destaca-se que o enfoque no ensino fundamental, permitiu o acesso
aos programas de intervenção voltados para remediação de prejuízos persistentes, contudo é
importante lembrar que quanto mais precocemente se identificam as falhas de numerosidade
em crianças pequenas, mais rapidamente pode-se sugerir intervenções que melhorem o
prognóstico de evolução das dificuldades matemáticas. Os estudos analisados abrangeram
diferentes estratégias e recursos de intervenção como mostra o Quadro 4.
Para melhor análise dos resultados, optou-se por um sistema de categorização dos
tipos de estratégias encontradas. Contudo outros dados qualitativos e quantitativos podem ser
vistos no apêndice A.

Quadro 4 - Descrição de objetivos, estratégias e recursos de intervenção.


ESTUDO PUBLICO OBJETIVO DA INTERVENÇÃO ES
ALVO/TIPO DE IN
ESCOLA
Assessment and conceptual Desenvolver a compreensão contextual de
remediation of basic Alunos de 4ª série estratégias de processamento de números e
1
calculation skills in elementary EF/escola pública promover habilidades de adição e subtração
school students em alunos mais velhos do EF.
Investigar a hipótese de que o curso de ábaco
seria capaz de promover as habilidades
Can abacus course eradicate Alunos de 2ª e 3ª séries
2 aritméticas dos alunos e aliviar parte do fraco
developmental dyscalculia EF/escola pública U
desempenho aritmético que é característico do
DD
Effectiveness of working Examinar se a capacidade de MO de crianças
memory training among children com DD pode ser melhorado por um programa
Alunos de 4ª série
3 with dyscalculia: evidence for de treinamento de memória de trabalho e
EF/não especificado
transfer effects on mathematical checar se os resultados estão relacionados ao
achievement desempenho matemático.
Efficacy of a Computer-Based
Avaliar um programa de aprendizagem
Learning Program in Children
Alunos de 2ª a 5ª séries baseado em computador para crianças com
4 with Developmental Trein
EF/não especificado DD com enfoque nos fatores que afetam a
Dyscalculia. What Influences
capacidade de resposta individual.
Individual Responsiveness?
Persistent Effects of Musical Investigar os efeitos de um componente de
Training on Mathematical Skills Alunos do 3º ano raciocínio pré-algébrico no desempenho com
5
of Children with Developmental EF/escola pública problema de palavras de alunos com
Dyscalculia dificuldades matemáticas persistentes.
Examinar os efeitos de uma tutoria na linha
Response to a Specific and
construtivista destinada a apoiar e ampliar o
Digitally Supported Training at Alunas da 5ª série/escola Trein
6 conhecimento dos conceitos de fração de
Home for Students with pública
unidade com duas alunas com dificuldades
Mathematical Difficulties
matemáticas persistentes.
Short‐term numerosity training
Comprovar melhora no desempenho,
promotes symbolic arithmetic in
Alunos da 3ª série especialmente no que diz respeito à cognição Tre
7 children with developmental
/escola pública numérica, nas crianças com DD após
dyscalculia: The mediating role
treinamento musical.
of visual form perception
Examinar se o treinamento de numerosidade
Targeted Tuition Delivered by
pode melhorar o desempenho aritmético em
Personal Videoconferencing for Alunos do 3º ao 5º
8 crianças com DD e se a percepção da forma Trein
Students with Mathematical ano/escola pública
visual era o mecanismo cognitivo envolvido
Learning Difficulties
no efeito de treinamento.
9 The effect of self-regulation Alunos de 6 anos a 14 Investigar o papel de um Web App (“I Trein
empowerment program anos - escola primária e bambini contano”, inglês “Children Count”) I
training on neurocognitive and secundária/Não em um programa de treinamento específico
social skills in students with especificado para alunos com dificuldades matemáticas
dyscalculia persistentes.

The role of pre-algebraic Avaliar os efeitos da instrução direta por Ins


reasoning within a videoconferência sobre o senso numérico e a v
Alunos de 4 a 9
10 word-problem intervention for fluência com números básicos de alunos do
anos/Escola pública
third-grade students with ensino fundamental com dificuldades
mathematics difficulty matemáticas persistentes.

Determinar o efeito do treinamento do


Where is Difference? Processes
Alunos de 10 a 12 programa de capacitação de autorregulação Trein
11 of Mathematical Remediation
anos/Não especificado sobre habilidades neurocognitivas e sociais em
through a Constructivist Lens
alunos com discalculia
Fonte: Elaborado pelas autoras

 Uso de estratégias concretas e/ou multissensoriais

O treinamento musical para crianças com DD, merece destaque por integrar jogos e
atividades corporais com a música, estimulando a capacidade de cognição numérica, de forma
lúdica, no próprio ambiente escolar. As atividades melódicas e rítmicas podem ser
desenvolvidas a partir do próprio corpo da criança e/ou com materiais concretos que fazem
parte do seu cotidiano, estimulando a interação e a socialização 18. Esse estudo mostrou-se
eficiente não apenas no pós-teste como também no follow-up após 10 meses do término da
intervenção, na aquisição da compreensão dos números, em tarefas de linha numérica e em
cálculo.
O uso do ábaco como estratégia de intervenção é um exemplo de como os materiais
concretos podem potencializar o funcionamento cerebral. No estudo chinês 19 os participantes
foram orientados a utilizar o ábaco físico e gradualmente realizar cálculos com o ábaco
mental. Os achados apontam para melhora na eficiência do processamento numérico básico,
memória de curto prazo e atenção, bem como modula a atividade cerebral em áreas
frontoparietais e induz a plasticidade estrutural em áreas motor-parietais. Os resultados
mostraram que esse treinamento pode ser utilizado em salas de aulas normais para promover o
desenvolvimento aritmético em crianças com alto risco de DD, já que nenhuma criança foi
diagnosticada com DD nas classes de ábaco. Nas classes controle, a prevalência de DD foi de
6,4%. Os alunos com um curso de ábaco demonstraram melhor desempenho em computação
aritmética e memória espacial de curto prazo após o controle de idade, sexo, série, e outras
habilidades cognitivas básicas. Os resultados sugerem que o curso de ábaco pode ser uma
ferramenta eficaz para a intervenção da DD em ambientes de educação natural.
 Uso de tecnologias – jogos computadorizados, treinamentos informatizados e vídeo
aulas.
O uso das tecnologias digitais como estratégia para o processo de ensino-
aprendizagem tem se intensificado, e essa afirmação pode ser comprovada pela nossa
pesquisa, já que quatro dos onze artigos selecionados, são treinamentos desenvolvidos a partir
de aplicativos para o ensino da matemática. Um dos estudos analisados, com jogo
computadorizado de coleta de maçãs, evidencia que o treinamento em numerosidade não
simbólica melhora a percepção da forma visual, o que por sua vez, contribui para a acuidade
do sistema numérico aproximado (ANS) e para o desempenho aritmético dos alunos. Os
achados corroboram a ideia de que crianças com DD possuem déficits de numerosidade que
subsidiam as habilidades de cálculo, aprimoradas através do ensino formal, em algumas
culturas4. Embora o treinamento tenha sido de curto prazo, garantiu-se que o mesmo foi
intenso o suficiente para mostrar eficácia. O grupo controle melhorou nas tarefas cognitivas
de subtração, comparação de numerosidade e correspondência de números20.
O jogo do aplicativo da Web, “I bambini contano”, associou tarefas digitais às
dificuldades individuais dos alunos para execução de cálculos fundamentais (mentais e
escrito), oferecendo além da interação virtual, um treinamento específico que envolvia o
desenvolvimento e a exploração de estratégias concretas e metacognitivas para melhorar a
competência matemática. Os resultados mostram, que a nível individual, houve melhora nas
pontuações em todas as tarefas numéricas, inclusive em cálculo escrito. A precisão de cálculo
mental ou o seu tempo de execução não apresentaram efeitos significativos de melhora. O
estudo que pesquisou a eficácia do treinamento da memória de trabalho em crianças com DD
relatou correlações entre a capacidade verbal da memória operacional (MO), as habilidades
numéricas iniciais como a contagem e o cálculo mental. Tal relação justificaria a resistência
desse tipo de cálculo às intervenções. A associação do treino numérico com o treino da MO é
considerada mais eficaz21. As comparações pré e pós-intervenção de alguns estudos que
envolviam estimulação da MO revelaram melhoras na habilidade trabalhada e também em
outras tarefas cognitivas.
Dentro das intervenções, o efeito de transferência pode ser dificultado pela
coexistência de outro transtorno. O estudo alemão 22 que investigou a eficácia de um programa
de aprendizagem baseado em computador, bem como os fatores que influenciaram as
respostas individuais, mostrou que crianças com discalculia sem um distúrbio adicional de
leitura/ortografia, bem como com baixos escores de ansiedade matemática apresentaram
melhores resultados23.
Algumas limitações apontadas nesses estudos são a definição do quanto a atratividade
dos estímulos visuais (cores, formas) e auditivos (sons), bem como os desafios de passar de
fases influenciam os resultados encontrados, já que a atenção e o exercício do controle
inibitório parecem mais presentes; a possibilidade de a ferramenta digital ser utilizada em
casa, sem a orientação explícita de um psicólogo ou pesquisador, apenas com o auxílio dos
pais20,24.
Re et al.24, destaca a importância da continuidade de pesquisas sobre o uso de
tecnologias digitais, uma vez que a questão não é determinar se são eficazes, mas quais são as
reais mudanças produzidas por esse tipo de treinamento e se as habilidades adquiridas se
mantêm por um período após o término dos treinos, evidenciando assim, aprendizagem.
Embora as ferramentas digitais tenham vantagens, os pesquisadores ainda divergem quanto
aos seus efeitos15.
Ainda dentro das estratégias que se beneficiam de ferramentas digitais foi encontrado
um artigo que merece atenção, dado a nova realidade enfrentada pela educação durante a
pandemia da Covid 19, em 2020-2021, a necessidade do uso de metodologia de ensino
remoto. A pesquisa utilizou a ferramenta iVocalize Web Conference, um aplicativo de
software Voice over Internet Protocol (VOIP), para ministrar aulas focadas em melhorar o
senso numérico, a compreensão conceitual de operações matemáticas e a fluência com fatos
números básicos, de alunos residentes em áreas rurais remotas, cujo desempenho nas
avaliações nacionais daquele país, consistentemente não atingem o padrão mínimo previsto
para cada nível de ano, nas habilidades matemáticas. Esta estratégia também permitiu
adequação dos conteúdos às dificuldades ou facilidades individuais dos alunos. Os resultados
apontam melhorias significativas com grandes tamanhos de efeito em tarefas matemáticas de
ordem superior, conforme a estatística de Cohen d = 1,1. Uma das limitações citadas foram as
interrupções constantes nos serviços de internet, contudo sem prejuízos quantitativos.

 Uso de estratégias metacognitivas


O diferencial desse estudo é o enfoque no treinamento das habilidades neurocognitivas
(atenção, funções executivas, linguagem, processamento visual/espacial e memória) e sociais
(cooperação, afirmação, responsabilidade, autocontrole e empatia) em alunos com DD
visando melhorar suas habilidades aritméticas25. O programa de capacitação de autorregulação
é baseado em instruções diretas sobre como ser bem-sucedido em testes escolares, estabelecer
metas a curto e médio prazo, monitorar os progressos e desenvolver o pensamento estratégico,
bem como no processo reflexivo de autojulgamento (observação e análise da prática das
instruções diretas e das reações emocionais frente as demandas do ambiente). Os resultados
do teste de Cohen, usado para interpretar a extensão da eficácia do treinamento de capacitação
de autorregulação, d ≥ 0,76 nas habilidades neurocognitivas e d ≥ 0,80 nas habilidades
sociais, sugere um efeito notável nas habilidades dos alunos com discalculia.
Os resultados do estudo de Hunt e Tzur26 sobre processos de remediação matemática
por meio de uma lente construtivista com enfoque no treino de metacognição e instrução
direta demonstrou que a oportunidade de refletir sobre suas próprias atividades, torna a
criança capaz de promover interações significativas que geram entendimentos matemáticos.
A utilização de estratégias que permitam a investigação e resolução de problemas de maneira
reflexiva, evita que a mesma assuma um papel passivo na interação com o professor e seus
colegas e retira o foco dos déficits e limitações apresentados pelas crianças com problema na
aprendizagem27.

 Preocupação com os aspectos motivacionais


Os estudos selecionados para nossa pesquisa mostraram além da busca pelo
desenvolvimento cognitivo, uma preocupação com o resgate da autoestima e da autoimagem
do aluno com DD, a partir da escolha de programas de intervenção que envolviam jogos,
música, reforçadores motivacionais e treino de metacognição com foco na autorregulação. Os
ambientes de intervenção eram em sua maioria ambientes escolares, porém fora de sala de
aula, sem pressão de desempenho e comparações com seus pares. Alunos preocupados com
seu rendimento e acostumados a um feedback negativo tendem a evitar tarefas relacionadas à
matemática.

5 Considerações Finais
Dentre as mais variadas causas das dificuldades na aprendizagem matemática,
encontra-se a discalculia do desenvolvimento, com perfis de desempenho altamente
diversificado. Os estudos demonstram que intervenções direcionadas podem melhorar
aspectos da cognição numérica, especialmente quando se adaptam às necessidades de
aprendizagem de cada criança. As crianças com DD se beneficiam de intervenções
estruturadas, com nível de complexidade crescente e práticas frequentes. Os sistemas de
recompensa aumentam a motivação para resolver problemas aritméticos 16. Como essas
crianças apresentam déficits diversificados, os treinamentos precisam abordar várias áreas da
cognição numérica, como competências numéricas básicas, conhecimentos conceitual,
procedimental e recuperação de fatos aritméticos28,29.
O benefício do uso de estratégias metacognitivas, embora avaliada isoladamente
somente por Karbasdehi et al.30, parece contribuir para a organização do pensamento, busca
de estratégias mais adequadas em resposta a um problema, planejamento da ação e
monitoramento dos erros e da motivação 24,25. Alguns treinamentos mostraram-se vantajosos
considerando o custo operacional baixo, como por exemplo, o Treinamento Musical 18 e o
programa de capacitação de autorregulação30, cuja necessidade de investimento é
prioritariamente em profissionais qualificados.
Os treinamentos que envolvem uso de jogos computadorizados ou aulas on-line 20, 24, 25,
necessitam de investimento em equipamentos tecnológicos e a democratização do acesso à
internet. Por outro lado, esses treinamentos computadorizados oferecem a possibilidade de um
ambiente de aprendizagem livre da pressão de desempenho competitivo e comparações entre
pares no contexto da sala de aula. Isso é extremamente importante, uma vez que a experiência
repetida de fracasso pode levar à ansiedade matemática. Uma das causas da ansiedade diante
da matemática está na história escolar do indivíduo, na qual se podem identificar experiências
negativas marcantes na tentativa de aprender matemática31. As aulas on-line podem ser uma
alternativa para as localidades onde não se tem disponibilidade do professor especialista ou do
profissional que realize as intervenções com alunos com transtorno específico de aritmética.
Os resultados do presente estudo permitem responder que as estratégias utilizadas
dentro dos programas de intervenção para alunos do EF com DD, na amostra de artigos
analisados, foram treino com lápis e papel, instrução direta de forma presencial e por
videoconferência, cálculo mental, treino computadorizado, treino musical e de metacognição.
A ludicidade foi bastante valorizada com uso de jogos, materiais concretos e reforçadores
motivacionais. Os resultados mostraram também que o ambiente escolar, porém fora da sala
de aula, foi o mais utilizado reforçando a preocupação com os aspectos socioemocionais além
dos neuro cognitivos.
Este estudo teve como objetivo realizar uma análise sistemática da literatura sobre
produções que apresentem estratégias ou programas de intervenção para estudantes com DD
ou dificuldades matemáticas persistentes, do ensino fundamental e sem outras comorbidades.
Por meio da leitura minuciosa dos resumos, foi possível realizar uma síntese das ideais
principais. Ressalta-se que o número de estudos encontrados foi pequeno, o que evidencia a
necessidade da emergência de novos estudos e pesquisas sobre essa temática, principalmente
em território nacional. Dentro do recorte de tempo realizado por nosso estudo, apenas uma
pesquisa brasileira foi identificada18.
A análise comparativa entre os onze estudos elencados permitiu observar, que, após
realizarem um determinado número de intervenções, boa parte, se não a maioria, dos
participantes apresentou uma melhora significativa, demonstrando que muitas das habilidades
matemáticas que estavam prejudicadas foram reabilitadas, embora com diferentes níveis de
eficácia e follow up. Estudos que usaram grupo controle sem dificuldades matemáticas
demonstrou que o grupo alvo apresentou habilidades potencializadas, como é o caso, por
exemplo, do estudo da Grécia32. Estudos longitudinais como o que envolveu o curso de
ábaco19 e acompanhou crianças por até três anos, iniciando no primeiro ano do EF, mostrou a
importância do trabalho de estimulação das habilidades matemáticas, do cálculo mental e de
funções como a MO e a atenção. Isso reforça a importância da orientação dos pais e
professores sobre os sinais de risco, para que possam suspeitar dos indícios de DD e para que
esses estudantes iniciem desde cedo estimulações da linguagem, intervenções pedagógicas ou
psicopedagógicas.

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