Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
não existem
Como acreditar em coisas que
Como construir coisas que
não existem
Como viver com coisas que
Como lidar com coisas que
não existem
Como nomear coisas que
Como reconhecer coisas que
não existem
Como pegar coisas que
A Amazônia não é compaixão. A Amazônia não é. A Amazônia não é Ca-
mutá. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazô-
nia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é placidez. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é
desvelar. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é
arrivista. A Amazônia não é Tucunduba. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é guerrilha. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é degola. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é latifúndio. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é tara. A Amazônia não é berro. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é Midas eterno. A Amazônia
não é. A Amazônia não é Camboja. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é Infância dos mortos. A Amazônia não é cova. A Amazônia não é o amor
que sinto. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é procissão. A Ama-
zônia não é colossos. A Amazônia não é. A Amazônia não é compassiva. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é grilagem. A Amazônia não é
64. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é paixão. A Amazônia não é. A Amazônia não é
corteja. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é morredouro. A Amazô-
nia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é de ninguém. A Amazônia não é. A
Amazônia não é uniforme. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é ninguém. A Amazônia não é. A Amazônia não é verde. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é curra. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é denúncia. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é arremedo. A
Amazônia não é falibilidade. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é tecnocrata de merda. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é estado de ser.
A Amazônia não é Estado. A Amazônia não é ausência. A Amazônia não é
velar. A Amazônia não é. A Amazônia não é vassalagem. A Amazônia não
é silvo de prata. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é aparências. A Amazônia não é experiência. A Amazônia não é. A Amazô-
nia não é Javíndia. A Amazônia não é. A Amazônia não é crudelidade. A
Amazônia não é parideira. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é so-
ciedade. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é culpa. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é prenhe. A Amazônia
não é Rio de Raivas. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é maldita. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é arraial. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é homi-
cida. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é Macondo. A Amazônia
não é. A Amazônia não é traduzível. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é pútrida. A Amazônia não é bela. A Amazônia não é
experiência humana. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é aconchego. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é obediente. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é consternação. A Amazônia não é
petulância. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é bai-
larina. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é corrosiva. A Amazônia não é gatimônia. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é madeirar
de lei. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-A
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não ép
trágica. A Amazônia não é. A Amazônia não é midiática. A Amazônia nãoA
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é solitude. Aé
Amazônia não é Companhia de Jesus. A Amazônia não é. A Amazônia nãon
é. A Amazônia não é volúpia. A Amazônia não é desassossego. A AmazôniaA
não é luz vermelha. A Amazônia não é hereditária. A Amazônia não é. Az
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não én
sangue pelo ouvido. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazôniaz
não é. A Amazônia não é religião. A Amazônia não é Purgatório. A Amazô-A
nia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é selva! A Amazônia não éé
suavidade. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. An
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia nãon
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazôniaz
não é infortúnio. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia nãoA
é. A Amazônia não é pagã. A Amazônia não é pátrio poder. A Amazôniaé
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é filicida. A Amazônia não é. AA
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia nãoé
é. A Amazônia não é demência. A Amazônia não é civilização. A Amazônian
não é intemperança. A Amazônia não é frieza. A Amazônia não é. A Ama-n
zônia não é raciocínio ilógico. A Amazônia não é. A Amazônia não é justiça.z
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia nãoA
é desacordo. A Amazônia não é Malásia. A Amazônia não é. A Amazônias
não é covardia. A Amazônia não é. A Amazônia não é conspiração. A Ama-A
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é seletiva. A Amazôniac
não é sítio. A Amazônia não é desmazelo. A Amazônia não é companheira.z
A Amazônia não é projeto infame. A Amazônia não é tocaia. A Amazôniae
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-n
zônia não é arrelia. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia nãoz
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é sofreguidão. A Amazônia não én
floresta. A Amazônia não é Taradão. A Amazônia não é. A Amazônia nãoé
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A AmazôniaA
não é a Floresta Negra. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A AmazôniaA
não é desilusão. A Amazônia não é la Condamine. A Amazônia não é. Az
Amazônia não é camaradagem. A Amazônia não é. A Amazônia não é civi-A
lidade. A Amazônia não é caucho. A Amazônia não é devastadora de espí-z
aritos. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é Itamaraty.
-A Amazônia não é domesticável. A Amazônia não é. A Amazônia não é
éperdulária. A Amazônia não é oco. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
oA Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
Aé. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
onão é Medellin. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
aA Amazônia não é lamento. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
Azônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é requinte. A Amazônia
énão é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
azônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
-Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
éé. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
Anão é. A Amazônia não é coerção. A Amazônia não é sordidez. A Amazônia
onão é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
azônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
oAmazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
aé. A Amazônia não é. A Amazônia não é modelo. A Amazônia não é. A
AAmazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
oé. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
anão é. A Amazônia não é penduricalho. A Amazônia não é. A Amazônia
-não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
.zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
oAmazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é
asubmissão. A Amazônia não é paradeiro. A Amazônia não é amanhecer. A
-Amazônia não é dissabor. A Amazônia não é. A Amazônia não é concupis-
acência. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
.zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é
aevangelho. A Amazônia não é guerrilha. A Amazônia não é. A Amazônia
-não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
ozônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é televisiva. A Amazônia
énão é hereditária. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
oé. A Amazônia não é barrigada. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
aAmazônia não é. A Amazônia não é tiro e eco. A Amazônia não é fecunda.
aA Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é degredo. A Ama-
Azônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
-Amazônia não é. A Amazônia não é borduna. A Amazônia não é. A Ama-
-zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é silêncio na mata. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é sorte. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é seringalista. A Amazônia não é. A Amazônia não é vala comum.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é categórica. A Amazônia não é
sacrifício. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é libra esterlina. A Amazônia não é estranha. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é buçal
de prata. A Amazônia não é. A Amazônia não é espora. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é recorrência. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é aristocrata. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é medo. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é intimidação. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é cativa. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é equilíbrio. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A A mazônia não é. A A mazônia não é. A A mazônia não é.
a
-
.
o
Como
é
A
a
-
l
pensar
.
o
a
-
sobre
A
A
-
A
coisas
o
-
A
A
que não
a
-
A
o
existem
a
-
a
-
A
o
a
-
A
o
a
.
Como
imaginar
coisas
que não
existem
Bienal e Itaú apresentam
31� Bienal
Como
falar
de coisas
que não
existem
8
•• Como (…) coisas que não existem pode parecer,
à primeira vista, um tema abstrato. Mas talvez valha
a pena pensar no título da 31ª Bienal de São Paulo
como um dilema contemporâneo: como viver em
um mundo em transformação permanente, onde as
velhas formas – de trabalho, de comportamento,
de arte – já não cabem e as novas formas ainda não
estão claramente delineadas?
Ao escolher esse projeto curatorial, a Bie-
nal abre espaço para um olhar renovado sobre seu
prédio e sua história, numa proposta que deixa um
pouco de lado a herança modernista em prol de
novas abordagens e considerações. O livro que aqui
se tem em mãos é só mais uma prova do trabalho
vigoroso realizado entre a curadoria e as equipes
permanentes da Fundação.
Atuando em uma das maiores metrópoles
do mundo, somos responsáveis por um evento que
atrai mais de 500 mil pessoas e segue cada vez mais
comprometido com o meio cultural e social ao seu
redor. Há cinco anos, o Educativo desenvolve um
trabalho ímpar de formação de professores – que,
ao fim de 2014, terá atingido 25 mil educadores – e
de ativação de novos públicos – com envolvimento
de comunidades e instituições parceiras em todo o
Brasil. Ao mesmo tempo, um programa de itinerân-
cia da Bienal por diferentes cidades brasileiras tem
levado as últimas edições da mostra a um público
cada vez mais amplo e, neste ano, tem o potencial
de dobrar o número de espectadores, fazendo com
que a 31ª alcance 1 milhão pessoas.
Para além do espectro da formação e da
difusão, atuamos ainda, e com cada vez mais ênfase,
na esfera da pesquisa. Desde 2013, uma série de
recursos vem sendo aplicada para revitalizar o
Arquivo Bienal, consolidando-o como centro de
referência e memória em arte moderna e contem-
porânea. Os frutos desse processo começam a apa-
recer e deverão fazer-se cada vez mais visíveis nos
próximos anos.
Pois, ultrapassando as exposições que
realiza, a Fundação Bienal é hoje uma instituição
dedicada à produção de conteúdo, à profissionaliza-
ção de suas equipes e à implantação de um modelo
consistente de gestão. Suas ações, no entanto, só
se fazem plenamente possíveis graças ao suporte
decisivo do Ministério da Cultura, da Secretaria
de Estado da Cultura, da Secretaria Municipal de
Cultura, do correalizador Itaú, dos patrocinadores
e da valiosa parceria cultural do sesc São Paulo. É
essa rede de apoio que nos permite tecer cada vez
melhor a costura entre arte, vanguarda e formação
para merecer e resguardar nosso lugar de prestígio
no cenário nacional e internacional.
Luis Terepins
Presidente da Fundação Bienal
de São Paulo
9
•• O Itaú Unibanco acredita que o acesso à cul-
tura, além de aproximar as pessoas da arte, é um
complemento fundamental à educação, desenvol-
vendo o pensamento crítico e transformando as
pessoas, a sociedade e o país.
Por isso, investimos e apoiamos algu-
mas das mais importantes manifestações cultu-
rais brasileiras. Somos o patrocinador oficial da
31ª Bienal de São Paulo, um evento que a cada
edição se transforma, recebe mais pessoas, no-
vas ideias e variações de expressões artísticas
que ampliam os horizontes de quem participa e
visita a exposição.
Com mais acesso à arte e horizontes
mais amplos, o conhecimento cresce e mais
oportunidades surgem para mudar o mundo para
melhor. Afinal, o mundo das pessoas muda com
mais cultura. E o mundo da cultura muda com
mais pessoas.
Investir em mudanças que melhoram o
seu mundo é ser um banco feito para você.
Investir em cultura.
#issomudaomundo
Itaú. Feito para você.
10
••A arte e os sentidos do mundo
No contexto presente, pleno de signos e inter-
pretações que se mesclam e colidem, há de
se perguntar sobre as possibilidades que os
indivíduos têm de se orientarem. Cada um de
nós pode sentir, em maior ou menor medida, a
urgência de atribuir sentidos, sob pena de ser-
mos soterrados por imagens, textos e sons que
constroem a realidade.
A arte participa como protagonista
dessa circulação simbólica, com sua presença
por vezes inquietante e com seus comentários
acerca de outras presenças. Assim, a aproxi-
mação da produção contemporânea em artes
visuais pode significar, para diversos públicos, a
ampliação de suas possibilidades de leitura das
coisas do mundo.
A partir da percepção de tal potenciali-
dade, registra-se a parceria entre o sesc – Serviço
Social do Comércio e a Fundação Bienal de São
Paulo, fruto da compatibilidade de suas missões
para difusão e fomento da arte contemporânea,
a qual se manifesta em ações conjuntas desde
2010. A 31ª Bienal consolida essa parceria com o
desenvolvimento de ações educativas, como os
encontros abertos e os workshops curatoriais,
e com a coprodução de obras, além da posterior
itinerância de trabalhos selecionados pelas uni-
dades do sesc no interior do estado.
Essa ação compartilhada reafirma a
convicção de que os campos da cultura e da arte
são vocacionados para uma intervenção educati-
va – um vetor real de colaboração e transforma-
ção dos indivíduos e da sociedade.
11
Sumário pp.38-41
Agência Popular de Cultura
pp.65-67
Wonderland, 2013
Solano Trindade [País das maravilhas]
Halil Altındere
2ª capa-p.4 pp.42-44 Letra da música Wonderland de
A Amazônia não é minha! Encontros Abertos Tahribad-ı İsyan
Texto de Armando Queiroz
p.45 pp.68-69
p.16 Ferramentas para Violencia, 1973-1977 [Violência]
Meeting Point, 2011 Organização Cultural Juan Carlos Romero
[Ponto de encontro]
Bruno Pacheco pp.46-47 p.70
Educativo Bienal Sem título, 2013
p.17 Éder Oliveira
Untitled, 1975 [Sem título] p.48
Juan Downey p.71
O que caminha ao lado, 2014
Erick Beltrán Não é sobre sapatos, 2014
p.18 Gabriel Mascaro
Não-ideia, 2002 p.49
Marta Neves pp.72-73
Não-ideia, 2002
Marta Neves A última palavra é a penúltima – 2,
p.19 2008/2014
Campo de refugiados de Dheisheh, p.50 Teatro da Vertigem
Belém, West Bank The Map of Utopia, The Map of
Alessandro Petti e Sandi Hilal pp.74-75
the City, 2012 [O mapa da utopia,
O mapa da cidade] Nada é, 2014
p.20 Qiu Zhijie Yuri Firmeza
O que caminha ao lado, 2014 Texto de Ana Maria Maia
Erick Beltrán p.51
pp.76-77
Wonderland, 2013 [País das
pp.21-25 maravilhas] Invention, 2014 [Invenção]
Conexão Baobá Halil Altındere Mark Lewis
Texto de Alessandro Petti, Sandi
Hilal, Grupo Contrafilé e outros pp.52-57 pp.78-79
Trabalhando com coisas que Small World, 2014
pp.26-27 não existem [Pequeno mundo]
Turning a Blind Eye, 2014 Texto de Benjamin Seroussi, Entrevista com Yochai Avrahami
[Olhar para não ver] Charles Esche, Galit Eilat, Luiza
Bik Van der Pol Proença, Nuria Enguita Mayo, Oren pp.80-89
Sagiv e Pablo Lafuente Sobre a busca desinteressada
pp.28-30 Texto de Tony Chakar
SIASAT – São Paulo p.58
ruangrupa Untitled, 1988 [Sem título] p.90
Juan Downey Dust Bowl in Our Hand, 2013 [Tigela
pp.31-33 de poeira em nossas mãos]
Espacio para abortar, 2014 pp.59-61 Prabhakar Pachpute
[Espaço para abortar] Ônibus Tarifa Zero, 2014
Mujeres Creando Graziela Kunsch p.91
Texto de Max Jorge Hinderer Cruz Breakfast (2014)
pp.62-63 Leigh Orpaz
pp.34-37 Voto!, 2012- Texto de Helena Vilalta
Comboio e Movimento Ana Lira
Moinho Vivo
pp.63-65
Save Roşia, 2013 [Salve Rosia]
Dan Perjovschi
12
pp.92-93 p.105 pp.121-122
Those of Whom, 2014 O suplício do bastardo da Handira, 1997
[Aqueles dos quais] brancura, 2013 Teresa Lanceta
Notas para Those of Whom de Thiago Martins de Melo
Sheela Gowda p.123
pp.106-107 Junction, 2010 [Junção]
pp.94-95 A última aventura, 2011 Nilbar Güreş
Céu, 2014 Romy Pocztaruk
Danica Dakić Carta de Luísa Kiefer para Romy pp.124-125
Pocztaruk Muhacir, 2003 [Migrante]
p.96 Gülsün Karamustafa
Meeting Point, 2012 pp.108-109 Texto de Helena Vilalta
[Ponto de encontro] Ymá Nhandehetama, 2009
Bruno Pacheco [Antigamente fomos muitos] p.126
Armando Queiroz com Almires A última aventura, 2011
p.97 Martins e Marcelo Rodrigues Romy Pocztaruk
Open Phone Booth, 2011 Texto de Almires Martins
[Cabine telefônica aberta] p.127
Nilbar Güreş pp.110-111
Life Coaching, 1999
Texto de Santiago García Navarro MapAzônia [Treinamento de vida]
Parte de Dossiê Por uma Lia Perjovschi
p.98 cartografia crítica da Amazônia
Resimli Tarih, 1995 pp.128-135
[História ilustrada] pp.112-113
Créditos de imagem
Gülsün Karamustafa Vistas do ateliê/casa, 2014
Texto de Helena Vilalta Vivian Suter pp.136-137
Créditos de projetos
p.99 p.114
Landversation, 2014 Untitled, 2010 [Sem título] e Untitled pp.138-153
[Terraconversa] (Mine), 2009 [Sem título (Mina)]
Biografias
Otobong Nkanga Wilhelm Sasnal
pp.154-159
p.100 p.115
Créditos
Kopernik , 2004 [Copérnico] Árvore de sangue – Fogo que
Wilhelm Sasnal consume porcos, 2014
pp.160-161
Thiago Martins de Melo
p.101 Agradecimentos
Art Education, 1999 pp.116-117
p.166
[Arte educação] Cotton White-Gold, 2010
Lia Perjovschi [Algodão ouro-branco] neoblanc, 2013
Anna Boghiguian Yonamine
p.102
pp.117-119 p.167
Video Trans Americas, 1973-1979
Juan Downey Archéologie marine, 2014 The Map of the Park, 2012
[Arqueologia marinha] [O mapa do parque]
p.103 El Hadji Sy Qiu Zhijie
Tayari (Amazon Rain Forest), 1977 Excerto de Black Soul, de
Jean‑François Brière pp.168-169
[Floresta Amazônica]
Juan Downey Of Other Worlds That Are in This
p.120 One, 2014 [Sobre outros mundos
p.104 Cities by the River, 2014 que estão neste]
[Cidades à margem do rio] Tony Chakar
Fuego en Castilla, 1958-1960
[Fogo em Castela] Anna Boghiguian
Val del Omar
13
pp.170-171 pp.188-190 p.239
Los incontados: un tríptico, 2014 The Incidental Insurgents, 2012 Untitled (Perú-Bolivia Journey ),
[Os não contados: um tríptico] [Os insurgentes incidentais: 1976 [Sem título (Viagem Peru-
Mapa Teatro – Laboratorio a parte sobre os bandidos] Bolívia)]
de artistas Basel Abbas e Juan Downey
Ruanne Abou-Rahme
pp.172-174 pp.240-241
The Excluded. In a moment of pp.191-194 Overhead, 2010 [Sobre a cabeça] e
danger, 2014 [Os excluídos. Em The Revolution Must Be a School The Grapes [As uvas], 2010
um momento de perigo] of Unfettered Thought, 2014 Nilbar Güreş
Notas para o filme The Excluded de [A revolução deve ser uma escola
Chto Delat de pensamento irrestrito] pp.242-245
Jakob Jakobsen e María Berríos Dios es marica, 1973-2002
pp.175-179 [Deus é bicha]
Errar de Dios, 2014 [Errar de Deus] pp.195-200 Nahum Zenil / Ocaña / Sergio
Etcétera... e León Ferrari La Escuela Moderna, 2014 Zevallos / Yeguas del Apocalipsis
[A Escola Moderna] Texto de Miguel A. López
p.180 Fichas de Archivo F.X. / Pedro G.
Letters to the Reader (1864, 1877, Romero pp.246-247
1916, 1923), 2014 [Cartas ao leitor] Counting the Stars, 2014
Walid Raad pp.201-211 [Contando as estrelas]
Bastará que os educadores Texto de Nurit Sharett e
p.181 se interroguem Carlos Gutierrez
Minimal Secret, 2011 Texto de Graziela Kunsch, Lilian
[Segredo mínimo] L’Abbate Kelian e educadores pp.248-249
Voluspa Jarpa convidados Sergio e Simone, 2007/2014
Texto de Santiago García Navarro Virginia de Medeiros
p.213
p.182 Cartaz da 31ª Bienal pp.250-265
Karl Marx, 1992 Prabhakar Pachpute Por uma arte de instaurar modos de
Lázaro Saavedra existência que “não existem”
pp.214-225 Texto de Peter Pál Pelbart
p.183 Arquitetura
Nogal (serie Perímetros), 2012 p.255
[Nogueira (Série Perímetros)] pp.226-227 Páginas de Les Détours de
Johanna Calle Balayer – A Map of Sweeping, 2014 l’agir: Ou, Le Moindre Geste,
[Varrer – A Map of Sweeping] Fernand Deligny
p.184 Imogen Stidworthy
Contables (serie Imponderables), Texto de Helena Vilalta p.261
2009 [Contáveis (Série Spear, 1963-65 [Lança]
Imponderáveis)] pp.228-229 Edward Krasinski
Johanna Calle “… - OHPERA – MUET - ...” 2014
[“... -OHPERA – MUDA -...”] pp.266-267
pp.184-185 Alejandra Riera com UEINZZ Instalação no estúdio de Edward
Apelo, 2014 Texto de Alejandra Riera Krasiński, 2003
Texto Discurso para filme Edward Krasinski
Apelo de Clara Ianni e pp.230-233
Débora Maria da Silva Línea de vida | Museo Travesti del pp.268-269
Perú, 2009-2013 [Linha de vida / Agoramaquia (el caso exacto de
pp.186-187 Museu Travesti do Peru] la estatua), 2014 [Agoramaquia
Justice for Aliens, 2012 Giuseppe Campuzano (o caso exato da estátua)]
[Justiça para os aliens] Asier Mendizabal
Agnieszka Piksa pp.234-238
Loomshuttles, Warpaths, 2009-
[Lançadeiras de tear, trilhas
de guerra]
Ines Doujak e John Barker
14
pp.270-271 p.301-303
In the Land of the Giants, 2013 Capitol, 2009 [Capitólio];
[Na terra dos gigantes] Columbus, 2014 [Colombo];
Jo Baer Untitled, 2013 [Sem título]
Wilhelm Sasnal
pp.272-273
Aguaespejo granadino, 1953-1955 pp.304-309
[Aguaespelho granadino] Mente e sentido: Sobre o princípio
Texto Diálogos de Val del Omar de ambivalência na husdrapa
nórdica e no canto mental.
pp.274-275 Texto de Asger Jorn
Fuego en Castilla, 1958-1960
[Fogo em Castela] pp.310-311
Texto Programa de Val del Omar neoblanc, 2013
Yonamine
pp.276-279
Caderno de referência, anos 1980 p.312
Hudinilson Jr. Knowledge, 1999 [Conhecimento]
Texto Xerox Action de Mario Lia Perjovschi
Ramiro
p.313
pp.280-281 Landversation 2014 [Terraconversa]
Casa de caboclo, 2014 Otobong Nkanga
Arthur Scovino
p.314
pp.282-285 Back to the Farm II, 2013
Letra morta, 2014 [De volta à fazenda II]
Excerto de roteiro do filme de Prabhakar Pachpute
Juan Pérez Agirregoikoa
p.315
p.286 Exposição Del Tercer Mundo,
Vila Maria, 2014 Havana, 1968 [Do terceiro mundo]
Danica Dakić Jakob Jakobsen e María Berríos
pp.287-288 pp.316-317
A família do Capitão Gervásio, 2013 Índice de participantes
Kasper Akhøj e Tamar Guimarães
pp.318-320
pp.289-292 Índice de projetos da 31ª Bienal
A terrível façanha
Texto de Michael Kessus p.325-3ª capa
Gedalyovich A Amazônia não é minha!
Texto de Armando Queiroz
pp.293-295
Nosso Lar, Brasília, 2014
Jonas Staal
pp.296-297
Nova Jerusalém
Texto de Benjamin Seroussi e
Eyal Danon
pp.298-301
Inferno, 2013
Yael Bartana
15
Bruno Pacheco, Meeting Point, 2011 [Ponto de encontro]
Juan Downey, Untitled, 1975 [Sem título]
Marta Neves, Não-ideia, 2002
Alessandro Petti e Sandi Hilal, campo de refugiados de Dheisheh, Belém, West Bank, 2008
Erick Beltrán, O que caminha ao lado, 2014
20
Conexão Baobá
Texto para o projeto Mujawara por Alessando Petti, Grupo Contrafilé, Sandi Hilal e outros
Desde março de 2014, a dupla de arquitetos Sandi Hilal e Alessandro Petti e o grupo Contrafilé
realizam encontros em São Paulo, na Casa de Cultura Tainã, em Campinas, e no assentamento
Terra Vista, na Bahia, com a presença de Milson Oniletó (integrante da Rede Mocambos), TC Silva
e Joelson Ferreira de Oliveira, mestres da luta pela terra.
Com a plataforma educacional Campus in Camps, Sandi Hilal e Alessandro Petti possibilitam à comunidade de
refugiados palestinos produzir novas formas de representação dos campos – e de si mesmos – e com isso superar
imagens estáticas e tradicionais de vitimização, passividade e pobreza, ao sugerirem novas configurações espaciais
e políticas. O Contrafilé tem trabalhado a questão da terra com a construção de “quintais”, por meio do projeto A
Rebelião das Crianças. Colocando o corpo para trabalhar a terra, na terra, através da terra, o grupo cria um espaço
coletivo para elaborar e brincar que é, sobretudo, acesso a um espaço de liberdade. A Casa de Cultura Tainã é um es-
paço político de produção cultural e educativa. Criada por TC Silva, é o ponto inicial da Rede Mocambos, que conecta
comunidades quilombolas por meio da internet e do plantio ritual de baobás. Suas conexões horizontais e não linea-
res subvertem a noção enraizada de uma época passada que não agiria mais sobre o presente, fazendo com que estes
tempos outros irrompam e despertem reflexão crítica. Fundado na cidade de Arataca em 1995 por trabalhadores
ligados ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, o Terra Vista define-se simultaneamente como assentamento
e quilombo. Líder regional na produção de alimentos orgânicos, desenvolveu um programa educacional completo,
desde o ensino fundamental até a formação profissionalizante em agroecologia.
Nascer do sol
Assentamento Terra Vista, Arataca, 5 de maio de 2014
Contrafilé
(...) Depois de uma conversa particular com Joelson, TC nos trouxe um novo dado: há
um local em que Joelson pretende construir um templo para reuniões “de caciques”.
Acordamos às 5h30 e fomos até sua casa, onde já nos esperava para fazermos a cami-
nhada pelo assentamento. Durante as várias pausas, tínhamos verdadeiras aulas com o
Mestre Joelson, como lá ele é chamado. Ele sempre se postava sob uma árvore, evocando
a imagem da “escola original”.
TC reverenciava cada muda de baobá encontrada, cuja
condição simbólica e energética dentro do movimento ficou
muito evidente. Segundo ele, “em breve, cada ponto da
rede terá seu baobá, que será a ‘senha’ deste movimento”.
No final da caminhada, Joelson nos levou até o local reservado para o templo, do qual observa o nascer do
sol e faz suas conexões; ali também planeja plantar um baobá. “Será um templo circular para celebrar a água,
o sol e o saber”, disse Joelson, e TC acrescentou: “Sempre circular, o círculo é a forma que nos guia”.
21
Sandi Hilal: Você está dizendo algo como: nós cultivamos juntos. Mas, se você tem uma comunidade
que come, dança e planta junto, como ela se relaciona com as outras comunidades? O conceito de qui-
lombo implica uma rede?
Sandi Hilal: Uma das coisas em que Petti
TC Silva: É importante pensar num sentido e eu estamos nos concentrando são os
campos de refugiados palestinos, que não
global, em um intercâmbio das lutas, na são propriedade privada nem pública. São
“baobafricanização das Américas”. E as no- uma comunidade de pessoas lutando con-
juntamente pelo direito de retornar às suas
vas tecnologias são importantes para isso. casas. Talvez o conflito verdadeiro nasça do
questionamento de como as comunidades
Alessandro Petti: Em 1948, quando Israel foi fundado, a podem permanecer juntas, para além da
primeira coisa que fizeram foi igualar toda a terra, que era construção estatal.
coletiva, e colocá-la sob uma categoria única de proprieda-
de pública. Isso foi uma maneira de expropriar as pessoas. Sandi Hilal: Quando começava a tempo-
rada de plantio, os fazendeiros dividiam
Sempre pensamos que a propriedade pública é boa para todo
e distribuíam a terra, cada um tinha seu
mundo. Mas não percebemos que isso é bom apenas para o pedaço para plantar. A ajuda mútua era
colonizador. Deixem-me dar um exemplo: havia várias cate- importante e uma forma de viver conjunta-
gorias dessa terra coletiva, uma delas se chamava Al Masha, mente. E, se você não cultivasse, não tinha
que quer dizer “pessoas juntas”. Todo mundo sabia que não o direito de estar ali. O pedaço de terra
pertencia a mim ou a você, mas que era terra comum. que te designavam não era fixo, justamente
para que ninguém se sentisse dono dele.
Alessandro Petti: A questão para
nós agora é “o que é a Al Masha Alessandro Petti, Sandi Hilal e Grupo Contrafilé, Mujawara, 2014
hoje?”. Como para vocês é “o que
é o quilombo hoje?”. Vemos a Al
Masha nos campos de refugiados
porque há 65 anos, apesar dos
refugiados viverem em circuns-
tâncias muito difíceis, existe uma
autonomia total em como se orga-
nizam. É o espaço mais político que
você pode imaginar. Eu entendo
o desejo de retorno às memórias,
às raízes, mas foram os poderes
coloniais que inventaram as noções
de nativo e autêntico. Essa é uma
maneira de administrar na qual
se reconhece um sujeito, mas ele
nunca exercerá influência ou será Contrafilé: No caso brasileiro, a conexão com a África pode, sim, esta-
belecer, hoje, um modo diferente de pensar. Não se trata, necessaria-
contemporâneo. mente, de um retorno paralisante; pode ser mais espiral do que linear.
Sandi Hilal: Quando você olha para o quilombo, chama atenção a exigência de coletividade. Nos cam-
pos, mesmo quando a vida é bastante coletiva na ação, a exigência é voltar para a propriedade privada.
Contrafilé: Parece que o corpo, quando toca na terra, percebe imediatamente que a
terra não é propriedade de ninguém, que pertence a todos; é prova irredutível de uma
dimensão comum.
Joelson F. de Oliveira: Olhando para a natureza, as
individualidades e as coletividades se dão muito
TC Silva (cantando): “Vem, viver é fácil
bem, não tem briga. Você chega na floresta onde
vivem o fortão, o fraquinho e quem está nascendo. como poder avoar. Voar até além de onde
E, de repente, o forte tem que morrer para dar vida vai a luz. No fundo escuro de nós”. Todos
ao pequeno. Com o rio, do mesmo jeito: a nascente nós podemos fazer a diferença, se com
vai para um corregozinho, que vai para um rio, que preendermos o que somos, nos fortale
depois vai para o mar.
cermos como pessoas. Senão seremos
sempre meias-pessoas.
23
Milson Oniletó: A marca da mudança desse século vai ser essa. A gente foi ensinado,
europeizadamente, a ser dependente do outro: “Você é minha parte, e a gente se comple-
ta”. Não, as sociedades africanas ensinam que a gente tem que ser inteiro. Isso não é ser
egoísta. Eu sou Deus, eu cresço comigo e vou juntar contigo que também é Deus e está
inteiro, depois contigo, e depois contigo. Aí a gente cresce naquela roda.
TC Silva: O território é o seu lugar, onde você semeia, se alimen-
ta, lida com a terra. É algo carregado de sentido, que envolve
valores ancestrais, dos quais a gente se desconectou. Vivemos
uma vida inteira sem botar a mão na terra, mas nada é sem ela.
Por isso, não tenho que carregar o território de ninguém. O
território é nosso, podemos transitar por ele para nos conectar-
Alessandro Petti e
Sandi Hilal, campo de
mos com outras realidades. (Mostrando a múcua, fruto do bao-
refugiados de Dheisheh, bá) Essa é a casa do baobá. Como se fosse um útero, um abrigo
Belém, West Bank, temporário. Tudo o que sai vai se expandir.
1955 /2012
Milson Oniletó:
24
Sandi Hilal: O princípio do Campus in Camps não é simplesmente levar a estrutura
de uma universidade do jeito que ela é para dentro do campo, mas pensar o campo
como fonte de conhecimento. É assim que as universidades deveriam ser, lugares
onde a gente dá nome às coisas, problematiza nossas vidas.
Alessandro Petti: Acho que temos definitiva-
mente um belo ponto de partida, falando so-
Joelson F. de Oliveira: O nosso grande sonho é construir uma es- bre educação, refugiados e quilombolas. Mas
cola que vá até a especialização ou o mestrado. A ideia, junto com temos que tomar distância, senão corremos o
as comunidades vizinhas, é que a criança comece desde a ciranda risco de só descrever o assunto, sem pro-
infantil e saia uma pessoa preparada daqui de dentro. Juntando as blematizar ou acrescentar nada. Precisamos
comunidades, a gente pode somar conhecimento. trazer essa discussão de volta para a ideia
de metrópole, para a própria Bienal. Esse
também é o mundo que habitamos.
25
Turning a Blind Eye
O almirante Nelson era um oficial superior bri- de tempos em tempos, e ela é tão precária quanto o am-
tânico na Marinha Real, famoso por sua lide- biente natural, ameaçado por uma economia predatória.
rança, senso estratégico e tática inconvencional, Turning a Blind Eye investiga eventos recentes
que resultaram em várias vitórias navais deci- no Brasil e no mundo a partir de tensões em torno da
sivas. Ele foi diversas vezes ferido em combate, exploração do espaço urbano e natural. O programa foi
perdendo um braço e a visão de um dos olhos. criado com a participação do público geral, de alunos da
Durante a Batalha de Copenhague School of Missing Studies em Amsterdã, Holanda, e de
(1801), seu cauteloso comandante-geral Parker universidades e organizações em São Paulo. A 31ª Bienal
enviou um sinal para as tropas de Nelson e dei- atua como o local para a criação e pesquisa do projeto,
xou a critério deste a decisão da retirada. Na- implementando o modelo educacional da “escola” como
quele tempo, as ordens navais eram transmiti- uma forma de teatro mental que pode criar novos hori-
das via um sistema de bandeiras de sinalização. zontes de ação, produção e reflexão.
Quando o mais agressivo Nelson deu atenção
a esse sinal, ergueu a luneta até seu olho cego Bik Van der Pol
e disse “eu realmente não vejo o sinal!”, e suas
tropas continuaram o ataque, cujo resultado –
após muita destruição – foi uma vitória para a
frota britânica.
26
Bik Van der Pol, School of Missing Studies, 2013 - [Escola de Estudos Ausentes]
27
analyzing the effect of Maria Lind the outer limit of territories; Samira
current (global) devel- Abstract Possible is a they are dispersed a little BenLaloua
opments in (former) research project explor- everywhere, wherever the Scenarios for an interven-
new towns, observing ing notions of abstrac- movement of information, tion as a response to
new towns of today and tion, taking contempo- people, and things is hap- tenderness in the daily life
speculating on the rary art as its starting pening and is controlled” and a challenge to that
future. point. (Etienne Balibar). what is near.
Oct 2013 Oct 2014
ABSTRACTION AND FRAGMENTATION URBAN SPACES AND SPACE OF LANGUAGE AND RHETORIC URBAN SPATIAL POLITICS
NATURE AS SITES OF CONFLICT
THE COMMONS,
BOUNDARIES, BORDERS AND ACCESS HISTORY, ARCHIVES ECOLOGY AND TECHNOLOGY
PRIVATIZATION AND ACCESS
1. Os elementos
Sobre o contexto – a mobilidade ex-
perimentada por pessoas com diferen-
tes antecedentes sociais, econômicos
e culturais tem gerado diversos com-
portamentos e comunidades. Existem
cartografias de comportamentos
híbridos e domínios sociais que se
influenciam mutuamente.
Sobre a história – escrever...
Sobre o social – desenvolver fór-
mulas e estratégias bem testadas na
utilização do espaço urbano como
locus para intervenção social, explo-
rando ao mesmo tempo novos meios
e métodos.
Sobre política – descobrir alguns
ruangrupa, RURU.ZIP, Decompression #10,
canais para preencher as lacunas. Fa-
National Gallery of Indonesia, Jacarta, 2010 [Descompressão]
lar de nossa própria posição para com-
pletar ou de outro modo enriquecer a
estrutura mediante a oferta de mais
espaços para exploração, sem tentati-
vas enfadonhas de oposição direta a
SIASAT – São Paulo qualquer sistema vigente – e ao mes-
mo tempo evitando a cooptação.
Texto para o projeto RURU, de ruangrupa
Sobre cultura – engajar-se no pano-
rama mais amplo possível da produ-
As nossas estatísticas mais recentes de folha de pagamento
ção artística e cultural e envolver o
mostram que o ruangrupa envolveu regularmente mais de
público na arena produtiva.
vinte pessoas, e abrigou cerca de outras dez, adicionais,
vinculadas a projetos. O fato de uma organização de tão Sobre a interdisciplinaridade – for-
pequeno porte sobreviver por quase quinze anos não pode mar um grupo de pessoas que produ-
ser considerado pequeno. Sobretudo por ser uma orga- zam ideias espontâneas e esporádicas.
nização nascida em um contexto pós-crise, no momento
Sobre a colaboração – dar a todos
em que a Indonésia lutava com os efeitos prolongados da
um controle remoto.
depressão econômica asiática de 1998, a qual foi sempre
um fator onipresente a assombrar a consciência do coletivo Sobre o processo – uma oposição,
ruangrupa. Em 2011, pouco depois de comemorarmos uma antítese, uma resistência, ou uma
nosso décimo aniversário, compusemos um documento reação direta à corrente dominante.
– sempre em versão beta – intitulado SIASAT: A Short
Multiplicar-Integrar-Viral
Tactical Guide for Artist Run Initiative [Pequeno guia táti-
co para iniciativa operada por artista]: uma “densa” pasta Sobre plataforma – o espaço tam-
de oitenta páginas e instruções de sobrevivência do tipo bém deve ser imaginado como um
“como fazer …” em forma de manifesto. esforço contínuo rumo a uma dissemi-
SIASAT – São Paulo pode ser considerado um pro- nação melhor.
tótipo, nascido do SIASAT. O que é a realocação forçada
Sobre estilo de trabalho – amor e
(após um impulso turístico, econômico ou de sobrevivência
outros demônios... brincadeiras e jo-
básica) senão uma forma de crise? Apresentam-se na se-
gos... música e álcool e cigarros.
quência algumas declarações retiradas do documento, que
serviram de ponto de partida para a formulação do SIASAT Distração é felicidade
– São Paulo.
28
2. O império do amor 3. O abrigo 4. O centro da tempestade
Crescer e trabalhar como plataforma Os participantes devem ser capazes Coisas a considerar como kit de
(fundação/recipiente) que possa de se dispersar ou mesmo se escon- sobrevivência:
continuar a sustentar ideias, paixão, der com facilidade. Nesse sentido, Laptop (desde que haja eletricidade)
excitação, imaginação, sonhos e, natu- depósitos e edifícios do governo não Saco de dormir
ralmente, amizade. são uma opção. Kit médico
Manual militar de sobrevivência
Construir uma estrutura dotada da Sobre como escolher um espaço:
adaptabilidade/flexibilidade que Coisas a considerar como truques
Contexto social/cultural e classe –
possa modificar-se com base nas re- de sobrevivência:
a questão de usar espaço doméstico,
alidades da sociedade ao redor dela. Reduzir programas
comercial, abandonado, ou mesmo
Construir uma estrutura capaz de Reduzir despesas
de se tornar sem espaço, deve ser
levar em conta a velocidade da mu- Empréstimo de amigos ou parentes
levantada.
dança na sociedade. Penhora
Orçamento – também é possível sem Herança (talvez)
Não confiar em nenhuma estrutu-
orçamento. Caridade
ra existente. Inventar sua própria.
Por fim, mas não menos importante:
Sobre como construir um per-
Não prestar demasiada atenção à performance de rua, filar e pedir es-
sonagem arquitetônico – facilitar
estrutura. Deixar o conteúdo defi- mola
ideias pessoais e coletivas na autocria-
nir sua estrutura.
ção de espaços. Restrições internas/dominar de-
Sempre bom ser desorganizar sastre:
Sobre modelos e programas:
[sic]. a. Gestão de conflitos
Grande – reunião/trabalho/arquivo e
b. Nenhum membro
Sobre a rede – fazer amigos, não biblioteca; exposição/exibição/festa;
c. Perda de espaço
arte. banheiro/cozinha; área de dormir/
d. Nenhuma ideia/motivação, tédio
residência artística/lojas; espaço de
Sobre porqueria [sic] local/inter- e. Nenhum custeio/dinheiro
estacionamento; armazém de aproxi-
nacional – construir uma rede des- f. Conflito social
madamente 100 m², acima da média
centralizada, baseada em colaboração
para grande residência/apartamento Para lidar com ponto (a) (b) (d)
e parcerias horizontais. Silaturahmi
amplo/depósito grande etc. – NÃO tente ser sabido. Uma regra
[amizade, agrupamento].
para resolver tudo: NÃO BANQUE O
Sobre o conflito – é superestimado. ESPERTINHO. NÃO TENTE chegar
a nenhuma conclusão.
Sobre sustentabilidade – negocia-
ção em curso. Para lidar com ponto (c) (e) (f)
– NÃO TENTE se colocar como
negociador. A negociação não é uma
questão importante. NÃO PROCURE
justificação. Injustiças brotam somen-
te depois que a justiça é derrotada.
29
5. A anatomia dos números 6. Um caso para lembrar
O dinheiro não é tudo. O tempo é... Sobre espaço e público – interve-
nha e coopere ingressando em espa-
Sobre recurso local – NÃO é acon-
ços de consumo público, tais como
selhável escolher doadores que inter-
centros comerciais, lojas, vizinhanças
firam nas plataformas do programa.
e ruas. Opere por meio de eventos
Sobre como autolevantar receita: diários e sociais. Deixe as pessoas
doações e levantamento de fundos – participarem; que eles se tornem
se você achar que instalar uma unida- parte da vida cotidiana; que sejam
de de negócios é uma boa ideia, certi- gratuitos. Desenvolva novas aborda-
fique-se de que isso não corrompa sua gens para verificar tensões no público
integridade artística. Essa decisão só e nas funções dos espaços públicos,
será estratégica se estiver integrada domésticos e particulares. Negocia-
com seus programas ou atividades. ção e interação com o ambiente são
aspectos importantes que influenciam
Sobre lojas/trabalhos criativos/
a prática artística e outras atividades
projetos/microtransação etc. –
da organização.
faça uma pequena loja com vários
trabalhos artísticos de jovens artistas Sobre questões públicas – o es-
que costumam colaborar com você. paço se torna um domínio público:
Instale um mercado de usados ou desapropriação do espaço, aberto ao
estabeleça cooperação com empresas público, ponto de encontro, não insti-
pequenas/marginais, a fim de apoiar tucional.
o sistema microeconômico.
Sobre como tornar público seu
Sobre venda/compra/comercial espaço:
– apenas venda seus trabalhos para Ponha um tapete com “BEM-VINDO”
seus “amigos”. na porta da frente ruangrupa, RRREC Fest,
Não feche sua porta Jacarta, 2010 -
Sobre como trabalhar sem orça-
Abra o espaço para apoiar seus ami-
mento – encontre pessoas com quem
gos, depois para qualquer um
trabalhar que sejam jovens ou estejam
Abra-o 24 horas por dia, sete dias por
procurando experiência, dispostas a
semana
trabalhar pro bono publico. Crie um
Trate seu espaço como um ponto de
programa que lhe permita trabalhar
encontro
sem orçamento. Dinheiro não é ne-
Atenda o público com uma aborda-
cessariamente a única forma de apoio.
gem amigável.
Sobre como encontrar e trabalhar
Sobre como lidar com os vizinhos
com patrocinadores – criar uma
– sempre compre seus mantimentos
proposta é diferente de escrever uma
diários nos arredores.
antologia poética: evite usar orações
muito floreadas e retóricas. Uma boa Sobre como criar envolvimento
proposta, na maioria das vezes, decor- público básico – faça um programa
re de um bom projeto. que se relacione com seu ambiente.
Sobre como trabalhar com apoio Sobre como se comunicar com
do governo – tome cuidado com a o público – publique sua personali-
corrupção e a manipulação: gover- dade.
ruangrupa, Toko Keperluan, exibição
nos são peritos nisso. Não confie de Anggun Priambodo, RURU Gallery,
Se você não precisa, não tem que.
em ninguém. Jacarta, 2010 [Galeria RURU]
30
Mujeres Creando, graffiti, sem data
31
Mujeres Creando, graffiti, sem data
Sarau da Kambinda
Acontece no Teatro Popular Solano Trindade na cidade
de Embu das Artes e pretende promover a poesia e o
encontro de poetas e artistas que fazem parte do movi-
mento cultural periférico e de matriz africana.
Sarau do Binho
Ocorre desde 2004, reunindo poetas, cantores, músicos,
atores e outros artistas populares e pessoas da periferia,
tornando-se um marco no calendário cultural da cidade
de São Paulo. O sarau começou no bar. Na época não ha-
via espaços culturais na periferia para realizar encontros
como este. Ainda hoje é difícil utilizar espaços públicos
para atividades culturais no horário noturno.
38
Do Sarau do Binho surgiram muitas ideias e ações como O Praçarau
a Postesia e a Postura, práticas artísticas de rua em Acontece há quatro anos na zona sul de São Paulo.
que se instalam placas com poesia e artes visuais em Hoje é o único sarau ao ar livre, reunindo uma vasta
vias públicas da cidade; a instalação de uma biblioteca diversidade de público durante as apresentações.
Música, dança, poesia, performances, tudo se mistura
no espaço aberto ao público. O sarau conta com o apoio
de diversos coletivos parceiros assim como dos próprios
moradores.
Poetas Ambulantes
Inspirando-se nos vendedores ambulantes que circulam
dentro dos coletivos oferecendo suas mercadorias, os
Poetas Ambulantes oferecem aos passageiros poesia
falada e escrita, em troca apenas de atenção, emoção e
interação. A cada mês os Poetas traçam um itinerário
diferente.
39
Bonde Sak Funk O Menor Sarau do Mundo
A dupla de rappers MC Spyke e MC Preto canta junto Intervenção poética em que participam o poeta e o
desde 2007. Com um repertório composto por letras que público, de até três pessoas, sob um guarda-chuva. Com
abordam desde problemas sociais – como o cotidiano de duração de um minuto e vinte segundos, o poeta decla-
sua comunidade – até o estilo de funk reinante em São ma três poemas curtos autorais de alto teor de entorpe-
Paulo, o ostentação, os MC’s se destacam com o funk cimento.
conscientiza.
41
Encontros
abertos
LIMA, Peru
22 NOV 2013 – El Galpón Espacio
em colaboração com: Miguel A. López
relatos: Florencia Portocarrero e Horacio Ramos
LONDRES, Inglaterra
10 JUN 2014 – Galeria Whitechapel
em colaboração com: Sofia Victorino
relato: Helena Vilalta
MADRI, Espanha
20 FEV 2014 – Museo Nacional Centro de Arte
Reina Sofía (mncars)
em colaboração com: Jesús Carrillo
relatos: Francisco de Godoy e Laura Vallés
BOGOTÁ, Colômbia
31 JAN 2014 – FLORA ars + natura
em colaboração com: Jose Roca
BRASÍLIA, Brasil
HOLON, Israel 14 AGO 2014 – Beijódromo –
20 FEV 2014 – The Israeli Center for Digital Art Universidade de Brasília (UnB)
SOROCABA, Brasil
26 ABR 2014 – sesc Sorocaba
em colaboração com: Katia Pensa
Barelli e Sandra Leibovici
relato: Ellen Nunes
42
BELÉM, Brasil
19 DEZ 2013 – Instituto de Artes do Pará (iap)
em colaboração com: Orlando Maneschy
relato: Maria Christina Barbosa
FORTALEZA, Brasil
7 NOV 2013 – unifor
em colaboração com: Adriana Helena
relato: Luciana Eloy
RECIFE, Brasil
13 NOV 2013 – Espaço Fonte
em colaboração com: Cristiana Tejo
relatos: Olívia Mindêlo e Paulo Tarso
SALVADOR, Brasil
23 JAN 2014 – Museu de Arte
Moderna da Bahia (mam-ba)
em colaboração com: Marcelo Rezende
relatos: Ludmilla Britto e Rosa Gabriela
de Castro Gonçalves
43
Os Encontros Abertos são uma série de reuniões or-
ganizadas pelas equipes curatorial e educativa da 31a
Bienal em colaboração com pessoas e instituições de
todo o Brasil e de outros locais no exterior, em que
pessoas envolvidas em arte, cultura e militância se
encontram para discutir suas próprias preocupações
e prioridades fundamentais. Esses encontros, estru-
turados como um diálogo aberto, funcionam como
ferramenta de pesquisa e também como avaliação
crítica do processo curatorial, envolvendo artistas,
críticos, curadores, organizadores culturais e outros
em atividades que se prestam a abrir a organização
da 31a Bienal. Cada um dos encontros adota forma-
tos diferentes a fim de explorar as diversas possibili-
dades de foros de discussão pública, e em resposta
a distintas prioridades; formulam diversas questões
e expõem as intenções, funcionamento e ocorrên-
cias no desenvolvimento da 31a Bienal. Todos os
Encontros Abertos têm sido abordados criticamente
por relatores comissionados, e material resultante
é disponibilizado através do website da 31a Bienal,
proporcionando acesso ao processo curatorial como
atividade pedagógica aberta.
44
Primeira semana: Segunda semana:
Escrevendo histórias Zonas de conflito
45
Educativo Bienal
As relações humanas, pensar sobre a vida e a arte, perder a delicadeza do contato humano. O Educativo
viver conceitos, questionar, repensar… são ocupações trabalha intensamente com professores, estudantes,
do Educativo Bienal para ampliar as possibilidades educadores sociais e profissionais da cultura, dentro
da educação. Com uma gestão pautada no pragma- e fora da Bienal, em diferentes espaços ou nas itine-
tismo poético, trabalha ao mesmo tempo com uma râncias por outras cidades, em busca de trocas com
escala expandida e mergulhos em pequenos grupos – diferentes públicos continuamente. Estruturado pelo
fortalecida por parcerias – mas sempre tentando não encontro, diálogo e experiência, nosso trabalho se
Como
se relacionar ... experiências compartilhadas,
as
encontro, olho no olho, rtist
deA
intersecções entre educação o
nt
formal e não-formal
e
ompanham
planejamento
compartilhado campo
nerâncias · Ac
e continuidade expandido cores
e troca pesquisa,
atravessamento,
produção e renovação
de conteúdos
l · Iti
colisão
na
B
relação entre corpo permanente o
tiv
e corpo permeável duca
E
ntão
ão · Pla
xposiç
iálogo
s na E barreiras
terna · D
e In
uip buscas
q
diálogo
ção de E
e construção medos
de sentidos
experiência contextos
rma
Fo
poéticas
·
ão
maç
or
eF
e construção
de novas
perspectivas desejos
texturas
s·E
interesses
de
da
ni
u
C om identidades
s nas
cola
s·A
çõe trajetórias
Es
na
s conceitos
al
n
fome fronteiras
Bie
narrativas
vozes ... com coisas
que existem?
46
recursos
públicos
financeiros / materiais / imateriais / humanos
vídeo
mapeamento redes sociais
site
pesquisa
tornar visível
olhar relatório
foto
newsletter
pontos de vista
experiência
material educativo
provocar
extra-muros
sensibilização deslocar
itinerâncias
planejar RELAÇÃO
encontrar
reflexão
construir redes
escutar
diálogos
avaliação
comunidades
laboratório
alinhamento
organiza em diferentes eixos de ação. É neste espaço os dias ações que correspondam às perguntas de cada
de movimento pendular entre o macro e o micro que um dos participantes. Estes percursos são desenhados
o Educativo tem lugar. E nunca é um lugar estático, pela equipe em mapas conceituais aqui apresentados.
senão dinâmico, sempre em trânsito. Para responder O desenho dos mapas se dá em intensas trocas de
à pergunta de “Como se relacionar com as coisas que experiências, resultantes de uma teia de relações que
não existem?”, a equipe do Educativo tem considera- tornam concreto e parcialmente visível o trabalho, na
do “O que existe?”, construindo assim um corpo para tentativa de cartografar as várias conexões presentes
pesquisa e criação de diferentes ações. A dinâmica é em uma bienal de arte: no contato vivo com as obras,
dialética, entre o como e o que são inventadas todos com o outro, e de cada um dentro de si.
47
Erick Beltrán, O que caminha ao lado, 2014
48
Marta Neves, Não-ideia, 2002
49
Qiu Zhijie, The Map of Utopia, 2012 [O mapa da utopia]
50
Halil Altındere, Wonderland, 2013 [País das maravilhas]
51
Trabalhando com coisas
que não existem
Este texto foi escrito necessariamente com bastante antecedência à abertura da
31a Bienal de São Paulo. Portanto, deve ser lido como uma coletânea de pensamentos
que esboçam onde se encontra no momento o desenvolvimento da 31a Bienal, o que
norteou decisões e ações até agora, e uma declaração de intenções para o projeto
– um projeto baseado na convicção da capacidade da arte de refletir e intervir nos
processos de mudança social atualmente em curso.
Como equipe formada para organizar a 31a edição, testemunhamos as trans-
formações pelas quais estão passando São Paulo e o Brasil, à medida que as mudan-
ças econômicas e políticas da última década se traduzem em demandas por maior
igualdade e inclusão. As ondas de ações sociais, políticas e culturais que tiveram início
em junho de 2013 influenciaram nosso entendimento do que é urgente para um evento
como este em que estamos engajados.
A vontade da 31a Bienal é abordar nossa condição contemporânea (em São
Paulo, Brasil e outros lugares) por meio de uma articulação de projetos artísticos e
culturais que mantenham uma relação específica com o momento atual – um momen-
to que, ao lado de um sentimento profundo de decepção quanto às modalidades de
organização social, econômica e política existentes, assiste ao surgimento de muitas
iniciativas em resposta. Entretanto, ainda não é possível identificar uma imaginação
compartilhada sobre como as coisas poderiam ser diferentes. Diante disso, a arte bem
poderia ter uma responsabilidade específica de abordar coisas que esse panorama
político não nos permite identificar ou fazer, e torná-las parte de uma nova imaginação
pública a fim de um dia conjurá-las à existência. Essas inquietações fornecem a base
para o título da 31a Bienal Como (falar de/aprender com/lutar por/transformar/imagi-
nar etc.) coisas que não existem.
A importância das coisas que não existem se torna mais clara se reconhecer-
mos que a ação e o entendimento humanos são sempre parciais, limitados por ex-
pectativas e crenças. Mesmo sendo vivenciadas e reconhecidas por muitos, algumas
ideias ou experiências estão fora das estruturas dominantes de pensamento ou ação
– aquelas comumente utilizadas para nos relacionar com o que consideramos realida-
de. A 31a Bienal se concentra em tais coisas, deixando uma gama de possibilidades de
ação e intervenção, presentes na fórmula variável do título, aberta aos participantes e
visitantes. Espera-se que ao realizar um evento em que a existência pode ser repensa-
da coletivamente, juntos talvez possamos ser capazes de relacionar a arte ao contexto
mais amplo em que ela aparece. Ao fazer isso, a expectativa é destacar uma interação
social dinâmica – em que a arte desempenhe um papel na reformulação de possíveis
futuros e contribua para o desdobramento de novas ordens “naturais” que possam
desafiar a ordem corrente, dominante.
52
Coletando imagens, transformando o pensamento
53
Invisibilidades e outras exclusões
A história do falso messias Sabbatai Zvi pode ser instrutiva aqui. Judeu que vivia no
Império Otomano do século 17, ele desenvolveu um judaísmo que derrubou a ordem
dos rituais e religiosamente se recusou a adotar os preceitos quanto aos papéis das
mulheres, às atividades no Sabá ou ao consumo de certos alimentos. Obrigado a
converter-se ao islã, teve a adesão de alguns de seus seguidores, que ficariam conhe-
cidos como os “Dönmeh”, ou “convertidos”. Pensamos que eles constituem hoje uma
condição exemplar, uma condição em que a “conversão”, ou a “virada”, é um modo
de existência, no qual a mudança é sempre e essencialmente presente. A referência
a Sabbatai também enfatiza a capacidade da crença de instigar uma virada. Além de
todos os argumentos científicos ou econômicos, a 31a Bienal reconhece o poder da fé
e da espiritualidade de mudar respostas normativas.
54
A noção de virada traz consigo a ideia de transformação. A virada, como
processo, é um momento em que há uma mudança nas condições presentes, embora
um momento em que os mecanismos e consequências exatos de tal mudança podem
não estar claros. Uma virada é geralmente irreversível, mas, como processo em curso,
não tem uma direção definida. Há algo de desordenado na virada e talvez de deso-
nesto também – ela diz respeito também a uma certa sensação de inconstância que
se manifesta quando culturas entram em contato. Se a transformação pode parecer
profunda e absoluta, a virada a traz para a terra e permite que ela seja humana. A
virada também opera contra a representação fixa e as estruturas de legitimação, ela
emerge mais como uma resposta urgente a situações específicas do que a verdades
universais. Ela não se retrai diante do conflito e do confronto, mas às vezes os evita
para continuar virando.
A fusão das crises políticas, sociais, religiosas, econômicas e ecológicas que
estamos vivenciando, a distribuição cada vez mais desigual do poder e dos recursos, e
a sensação de que carecemos de clareza sobre os meios para provocar uma mudança
real, resultam em tal situação de virada, uma situação que pode ter o poder de trans-
formar as ordens existentes – não por meio da mera oposição ou sujeição a elas, mas
mediante manobras através e para além delas. A arte pode ajudar a articular a ideia
dessa virada como força desordenadora; ela pode criar situações em que o rejeitado
seja reconhecido e valorizado. Esta é a condição a que também chamamos trans-:
de transgressão, transcendência, transcrição, transgênero, trânsito, transexualidade,
transformação. Essa travessia de fronteiras (uma travessia que também pode ser parte
de uma jornada) pode ocorrer, por exemplo, por meio de mudanças corporais (gênero)
ou de diferentes estados mentais (sistemas de crença ou ideologias) que às vezes, até
com frequência, ocorrem juntos.
Mesmo que a arte seja, como parece, uma ferramenta eficaz para dedicar-se a tais
transformações e manifestar a presença de novas direções e de caminhos alternativos,
isto não significa que um evento de arte como a 31a Bienal em si acabará por provocar
uma virada, e funcionará como ferramenta eficaz de mudança fora de seus muros
institucionais. Assim, a Bienal, como evento e instituição, pode trazer um espírito de
transformação ativa e crítica para São Paulo, uma cidade capaz de bloquear proces-
sos de imaginação? Um simples panorama de uma visão aérea da cidade revela uma
massa urbana sem horizontes, difícil de percorrer ou entender em sua totalidade; uma
megalópole autofágica, padecendo de transformações incontroláveis, geralmente
terríveis, mas ao mesmo tempo com estruturas sociais de discriminação e domi-
nação fixas.
A capacidade da cidade para imobilizar é bem exemplificada pela forma
congelada do monumento aos bandeirantes ao lado do Parque Ibirapuera. Erguido em
tributo aos que empreenderam a missão violenta de ocupar o Brasil do século 15 em
diante, ele está visível para muitos paulistanos no intenso enfrentamento de desloca-
mento na cidade. Por remeter a uma história de massacre, a escultura tem sido um
lugar de manifestações de povos indígenas, e continua sendo um lugar de intenso
55
confronto, revelando os seres múltiplos que coexistem desconfortavelmente, reunidos
em uma coletividade branda, e muitas vezes impotente.
Essas várias situações de conflito que resultam em violência são em parte a
consequência de uma incapacidade para lidar com o trauma de uma história turbulen-
ta, cujo nascimento pode ser simbolizado por aqueles mesmos bandeirantes do Brasil
colonial. O conflito tem ressonância no mundo todo, e muitos dos trabalhos na 31a Bie-
nal o tomam como inspiração ou ponto de partida. Nesses casos, o conflito assume a
forma de uma condição histórica que traz consequências para o presente, tais como a
escravidão ou a opressão generalizada– embora formas contemporâneas de violência
não raro sejam interpretadas isoladas de suas origens históricas ou sociais. Uma das
metas de alguns projetos na 31a Bienal é tornar aparentes os nexos causais ignorados,
tendo em vista, talvez, transformar os ciclos perpétuos de violência em situações que
possam ser transformadas pela ação coletiva.
Entretanto, não há nada de inevitável na relação entre a violência de nossa era
e os conflitos que podem tê-la causado. O conflito em si mesmo, parte essencial de
todo sistema agonístico, pode ser uma ferramenta para modificar essas sequências.
Deve ser entendido também como algo positivo, como um modo de soar o alarme,
como modo de revelar, como modo de intervir.
56
coletivas com a missão de repensar sua responsabilidade na esfera social e construir
coletividades que ainda não existem.
A noção de ferramenta tem sido recorrente nas palavras e ações da 31a Bienal,
em uma tentativa de praticar e refletir sobre maneiras de trabalhar na cultura con-
temporânea. As ferramentas estão implícitas no título da Bienal, no “Como” proposto
como maneira de entender o que podemos fazer com a arte, e o que a arte pode fazer
conosco e por nós. As ferramentas também fornecem uma estrutura para o material
educativo publicado e distribuído no início de 2014, um conjunto de lentes e exercícios
que podem ser postos em prática por professores e estudantes em todo o Brasil, e no
workshop Ferramentas para a Organização Cultural.
Se a Bienal deve ser uma ferramenta, ela não deve estar a serviço de poucos.
Das mãos dos curadores e artistas, da Fundação Bienal de São Paulo, dos órgãos do
governo e patrocinadores, ela pode passar para as mãos de pessoas e organizações
que também podem querer usá-la ou desenvolvê-la, ampliando ações em que já estão
engajadas. Normalmente são intervenções nos processos que moldam o que somos e
como vivemos juntos, tais como transporte (como disponibilizar a mobilidade para to-
dos), infraestrutura (como devem ser construídos os lugares em que vivemos) e educa-
ção (como ensinarmos e aprendermos, e para quê).
Uma ferramenta disponível para todos talvez pudesse ter como modelo a
maneira como a produção cultural é realizada e disseminada na periferia de São Paulo
e de outras cidades brasileiras – mediante associações e centros culturais, e por meio
de saraus, eventos culturais em que poesia, música, dança e outras atividades coales-
cem, executadas por indivíduos e grupos, de uma maneira radicalmente democrática.
Trabalhando de modo igualitário e colaborativo, esses agentes da periferia mostram
que a arte ultrapassa em muito o que é apresentado nos centros culturais oficiais da
cidade. A Bienal, um desses centros oficiais, não pode e não deve reivindicar essa
atividade como sua, mas é capaz, acreditamos, de apontar para a enorme capacidade
e diversidade da cena cultural de São Paulo, e talvez de sugerir novas articulações que
conectem diferentes modos de fazer e, ao fazê-lo, imaginar como podemos fazer e
compartilhar juntos a cultura.
A Bienal não pode ser um fim em si mesma: a participação de muitos indiví-
duos, grupos e formas culturais, todos com graus diferentes de visibilidade e modos
de entender a ação cultural e política, deve nos lembrar que este evento, por maior
que possa ser, é apenas um passo para algo muito maior. Esperamos que novas ideias,
iniciativas, conflitos, modos coletivos de organização dela resultem, e que possam con-
tribuir para uma transformação crítica permanente do mundo em que vivemos.
Benjamin Seroussi, Charles Esche, Galit Eilat, Luiza Proença, Nuria Enguita Mayo,
Oren Sagiv e Pablo Lafuente
57
Juan Downey, Untitled, 1988 [Sem título]
58
Linha popular de ônibus no trajeto Mambu – Marsilac, 2014
59
60
Linha popular de ônibus no trajeto Mambu – Marsilac, 2014
Ônibus Tarifa Zero
As imagens das páginas anteriores mostram uma experiência de ônibus tarifa zero que aconteceu
em São Paulo, no bairro Mambu, no dia 11 de abril de 2014. O Mambu, apesar de ser parte da
cidade, é desprovido de ônibus, escola etc. As pessoas ali precisam andar catorze quilômetros a
pé para chegar a um ponto de ônibus e a uma Unidade Básica de Saúde. Há um ano elas lutam por
melhorias das ruas e por duas linhas de ônibus na área. A criação dessas linhas foi aprovada pela
prefeitura, mas elas nunca chegaram a ser implantadas.
Organizados na Rede Luta do Transporte no Extremo Sul, da qual faz parte o Movimento
Passe Livre (mpl), os moradores do Mambu levantaram dinheiro através de um bingo e criaram,
eles próprios, uma linha de ônibus temporária. Este ônibus teve seus custos divididos coletivamen-
te e circulou sem a cobrança de uma tarifa. Quem tinha mais dinheiro deu mais dinheiro, quem ti-
nha menos deu menos, quem não tinha dinheiro não precisou dar nada. Assim, em uma única ação,
os habitantes do Mambu reforçaram a necessidade de transporte na sua região e mostraram como
poderia funcionar o transporte na cidade como um todo: Tarifa Zero, com participação popular nas
decisões sobre a sua organização.
A expressão “tarifa zero” foi proposta pelo engenheiro e músico Lúcio Gregori no começo
dos anos 1990, quando ele foi secretário de Transportes em São Paulo, na gestão de Luiza Erundi-
na, primeira prefeitura do Partido dos Trabalhadores (pt) nesta cidade. O projeto de ônibus Tarifa
Zero previa um pequeno aumento no imposto progressivo sobre propriedade (iptu) como forma de
financiamento. Por questões políticas o projeto não chegou a ser votado e foi desqualificado pela
imprensa, apesar de pesquisas feitas com a população terem demonstrado que uma imensa maioria
era favorável à Tarifa Zero, mesmo que ela implicasse em um aumento no iptu.
Quase vinte anos depois a expressão foi recuperada pelo Movimento Passe Livre e durante
as revoltas de junho de 2013 no Brasil, podia ser ouvida nos mais diferentes espaços de São Paulo,
dita por pessoas as mais diferentes. Ainda que, nesta cidade, as grandes manifestações de junho
tenham sido pela revogação dos vinte centavos de aumento nas tarifas de ônibus, trem e metrô, a
luta de longo prazo do movimento – contra a própria existência dessas tarifas – ficou em evidência e
se tornou mais popular.
Para o Movimento Passe Livre o transporte é um direito essencial, que tem o potencial de
articular os espaços urbanos e as lutas em andamento. Há alguns anos, os panfletos do movimento
traziam a frase “uma cidade só existe para quem pode se movimentar por ela”, sugerindo que o
próprio deslocamento dá forma às cidades; ou que as catracas no meio do caminho impedem muita
gente de chegar até escolas, hospitais, centros culturais, parques e outros espaços “públicos”. O
financiamento do transporte poderia acontecer de maneira indireta, através da cobrança de impos-
tos progressivos. A taxação da riqueza é necessária para haver distribuição de renda e diminuição
da desigualdade social. Além disso, é a elite quem mais se beneficia do deslocamento de milhões
de trabalhadores diariamente.
Para colaborar nesse processo, como artista, um dos meus projetos na 31ª Bienal é a pro-
posição, para a prefeitura de São Paulo, de uma linha experimental de ônibus, gratuita, circular,
sem trajeto conhecido, durante os três meses da exposição. No local onde normalmente se escreve
o destino do ônibus estará escrito “tarifa zero”. O ônibus não passará pelo prédio da Bienal, pois
meu interesse não é discutir o acesso à Bienal. É, antes, sugerir que o próprio deslocamento é lu-
gar, e estimular outra forma de as pessoas se movimentarem.
Realizar esse ônibus no contexto da 31ª Bienal não terá a mesma beleza da “linha popular”
organizada pelos moradores do Mambu. Mas essas ações somadas podem, pouco a pouco, instituir
um novo imaginário.
61
Ana Lira, Voto!, 2012 -
62
Dan Perjovschi, Save Roşia, 2013
[Salve Roşia]
Dan Perjovschi
64
Halil Altındere, Wonderland, 2013 [País das maravilhas]
65
Halil Altındere, Wonderland, 2013 [País das maravilhas]
Wonderland
Fuat
eles estão nos portões
para derrubar nosso bairro
hoje é Sulukule
amanhã Balat, Okmeydani
Tarlabaşı, Gezi Parkı
o tempo está se esgotando
estão tirando dos pobres para dar
aos ricos
derrubando as favelas para construir
apartamentos caros
façam da arte e da música suas
armas
recusem a destruição
parem a demolição refrão × 2
vamo lá.
o que vai vir agora, me pergunto, o
Veysi que se pode preparar agora?
eu carrego esse sangue porque é sinistro sem a música.
não estou fixo em Sulukule mas é tudo por causa da TOKİ, por isso esta banda questionará e eles
moro lá conto meu caso pra vocês encobrirão de novo
as pessoas aqui estão inquietas somos só artistas e tem arte nas como sempre acontece.
ruas
os famosos nada podem fazer além Asil
de ser nossos fãs minha casa também será derrubada
pare de ouvir agora, e volte pro seu Sulukule pertence agora à burguesia
trabalho os tempos mudaram, os que
nós mijamos nas fundações dos desprezam os romenos
blocos que acabaram de fazer não são chamados racistas, são
porque estou puto com a TOKİ chamados de mustafá
irmã Funda por que não nos você chama isso de regeneração
apresenta. quem é aquele? urbana
Sulukule não pode ser destruído é a decadência da cidade
com um trator o cadáver do meu bairro na minha
todos os seus esforços serão inúteis frente por cinco anos
as pessoas chegam e olham pro meu se levanta em nossa base e começa
bairro a lutar
vivem aqui e nunca são limitadas é fácil mudar os que têm dinheiro
pelo mundo mas o que você faz com os que estão
cantando dançando barraco feliz na pobreza
a gente só fica em nossa vila e dá em vez de restaurar o passado, TOKİ
Juan Carlos Romero, graças a Deus. você deve reparar a cabeça
Violencia, 1973-1977 [Violência] do Estado
66
Halil Altındere, Wonderland, 2013 [País das maravilhas]
refrão × 2
67
Juan Carlos Romero,
Violencia, 1973-1977 [Violência]
68
Juan Carlos Romero,
Violencia, 1973-1977 [Violência]
69
Éder Oliveira, Sem título, 2013
70
20/5/2014 Serviço Estadual de Informações ao Cidadão
Registro de Solicitação de Informação
Gabriel Mascaro Seabra de Melo,
Sua solicitação foi registrada em 20/05/2014 e em breve será respondida.
Registro de Solicitação de Informação
Anote seu número de protocolo: 74862146865
Gabriel Mascaro Seabra de Melo,
Protocolo: 74862146865 Situação da solicitação: Recebida Data da Consulta: 20/05/2014
20:47:43
Sua solicitação foi registrada em 20/05/2014 e em breve será respondida.
Anote seu número de protocolo: 74862146865
Órgão/Entidade: Polícia Militar do Estado de São Paulo
Protocolo: 74862146865 Situação da solicitação: Recebida Data da Consulta: 20/05/2014
SIC: Polícia Militar do Estado de São Paulo
20:47:43
Forma de recebimento da resposta: Correspondência eletrônica (email) Data da Solicitação: 20/05/2014
Órgão/Entidade: Polícia Militar do Estado de São Paulo
Solicitação:
SIC: Polícia Militar do Estado de São Paulo
Excentíssimo Comandantegeral da Polícia Militar de São Paulo,
Forma de recebimento da resposta: Correspondência eletrônica (email) Data da Solicitação: 20/05/2014
Eu, Gabriel Mascaro Seabra de Melo (portador do CPF 045.746.294 – 95 e do RG 6.355.778), com base no
inciso XXXIII do art. 5º e no inciso II do § 3o do art. 37 da Constituição Federal e nos artigos 10, 11 e 12 da
Solicitação:
Lei nº 12.527/2011 – a Lei Geral de Acesso a Informações Públicas –, dirijome respeitosamente a Vossa
Excentíssimo Comandantegeral da Polícia Militar de São Paulo,
Senhoria, com o objetivo de apresentar alguns questionamentos e uma solicitação. O policial filma o
manifestante, que também filma o policial. Entre este duplo jogo com ‘aparente’ espelhamento que é filmar o
Eu, Gabriel Mascaro Seabra de Melo (portador do CPF 045.746.294 – 95 e do RG 6.355.778), com base no
outro que também filma, cada um a sua maneira e desejo, partimos para uma importante discussão acerca
inciso XXXIII do art. 5º e no inciso II do § 3o do art. 37 da Constituição Federal e nos artigos 10, 11 e 12 da
do estatuto da imagem no contexto de uma manifestação de rua. A análise da exceção é essencial para a
Lei nº 12.527/2011 – a Lei Geral de Acesso a Informações Públicas –, dirijo me respeitosamente a Vossa
compreensão da soberania (bem como de todo o direito), pois revela o lócus de sua fundamentação
Senhoria, com o objetivo de apresentar alguns questionamentos e uma solicitação. O policial filma o
essencialmente política: a decisão sobre o valor da vida dos sujeitos submetidos ao soberano. A relação de
manifestante, que também filma o policial. Entre este duplo jogo com ‘aparente’ espelhamento que é filmar o
soberania é uma relação de abandono dos súditos. A contraparte da soberania excepcional é o poder
outro que também filma, cada um a sua maneira e desejo, partimos para uma importante discussão acerca
constituinte. O poder constituinte é o poder exercido pelo povo para se autoorganizar. Porém, tanto povo
do estatuto da imagem no contexto de uma manifestação de rua. A análise da exceção é essencial para a
quanto poder constituinte são conceitos duais que precisam ser esmiuçados. De um lado, há o poder
compreensão da soberania (bem como de todo o direito), pois revela o lócus de sua fundamentação
constituinte que legitima a ordem vigente com base em um povo abstrato, sujeito político de uma
essencialmente política: a decisão sobre o valor da vida dos sujeitos submetidos ao soberano. A relação de
comunidade (violência que põe o direito); de outro, há um poder desconstituinte que contesta a ordem
soberania é uma relação de abandono dos súditos. A contraparte da soberania excepcional é o poder
vigente, rompe com o sistema e é protagonizado pelo conjunto concreto de sujeitos vítimas das injustiças
constituinte. O poder constituinte é o poder exercido pelo povo para se autoorganizar. Porém, tanto povo
propagadas por esse sistema (violência que depõe o direito). Essas ações políticas, por sua vez, não são
quanto poder constituinte são conceitos duais que precisam ser esmiuçados. De um lado, há o poder
tratadas pacificamente pelo poder constituído (violência que mantém o direito), que por meio do estado de
constituinte que legitima a ordem vigente com base em um povo abstrato, sujeito político de uma
exceção/direito as reprime. Esse sistema, ainda, não se resume a um complexo de categorias jurídicas e
comunidade (violência que põe o direito); de outro, há um poder desconstituinte que contesta a ordem
políticas, mas também econômicas pois está inserido no modo capitalista de produção. A história do
vigente, rompe com o sistema e é protagonizado pelo conjunto concreto de sujeitos vítimas das injustiças
desenvolvimento da democracia no capitalismo é uma história essencialmente antidemocrática que se utiliza
propagadas por esse sistema (violência que depõe o direito). Essas ações políticas, por sua vez, não são
da democracia para se manter, repudiando qualquer ação para além dessa democracia construída sob pena
tratadas pacificamente pelo poder constituído (violência que mantém o direito), que por meio do estado de
de repressão. Não se pode falar em direito constitucional hoje sem se tratar da permanente tensão entre o
exceção/direito as reprime. Esse sistema, ainda, não se resume a um complexo de categorias jurídicas e
político e o jurídico que o permeia. Chegamos aqui a um importante debate constitutivo do contemporâneo.
políticas, mas também econômicas pois está inserido no modo capitalista de produção. A história do
Como articular a política e o direito? Tratase, talvez, do maior drama da teoria política moderna: de articular
desenvolvimento da democracia no capitalismo é uma história essencialmente antidemocrática que se utiliza
– se é que essa articulação é possível – democracia (teoria do governo absoluto) e constitucionalismo (teoria
da democracia para se manter, repudiando qualquer ação para além dessa democracia construída sob pena
do governo limitado), poder constituinte e poder constituído, potência e ato, auctoritas e potestas, política e
de repressão. Não se pode falar em direito constitucional hoje sem se tratar da permanente tensão entre o
Gabriel Mascaro, direito. Na dimensão política e ontológica, diferente do povo que é representado de maneira transcendente, a
político e o jurídico que o permeia. Chegamos aqui a um importante debate constitutivo do contemporâneo.
multidão se estabelece na ação social coletiva como agente social ativo de autoorganização e expressão
Como articular a política e o direito? Tratase, talvez, do maior drama da teoria política moderna: de articular
Não é sobre sapatos, 2014 imanente. Não tende ao uno, mas se configura na multiplicidade, na articulação criadora de singularidades.
– se é que essa articulação é possível – democracia (teoria do governo absoluto) e constitucionalismo (teoria
Face ao Império, a multidão, ator imediato de produção e reprodução biopolítica é quem age – sempre de
do governo limitado), poder constituinte e poder constituído, potência e ato, auctoritas e potestas, política e
dentro – sobre essa realidade, com as armas que se constituem na sua própria capacidade inventiva. As
direito. Na dimensão política e ontológica, diferente do povo que é representado de maneira transcendente, a
dimensões criativas, comunicativas e inventivas sistematicamente convocadas a serviço do capital, são as
multidão se estabelece na ação social coletiva como agente social ativo de autoorganização e expressão
mesmas armas da multidão que investe contra ele. Podemos enxergar na característica não homogeneizante
imanente. Não tende ao uno, mas se configura na multiplicidade, na articulação criadora de singularidades.
da multidão, a ação das minorias, que não buscam fundirse para se fortalecer mas cuja força reside nas
Face ao Império, a multidão, ator imediato de produção e reprodução biopolítica é quem age – sempre de
redes de diferenças em cooperação. Evidenciase a centralidade da informação, da comunicação e das
dentro – sobre essa realidade, com as armas que se constituem na sua própria capacidade inventiva. As
linguagens nos processos de resistência que funcionam em uma lógica de inteligência de enxame. A criação
dimensões criativas, comunicativas e inventivas sistematicamente convocadas a serviço do capital, são as
nas ruas, os jogos simbólicos que operam a negação da subsunção das vidas ao mercado, operam no mesmo
mesmas armas da multidão que investe contra ele. Podemos enxergar na característica não homogeneizante
sistema de criação de subjetividades. Ao pensarmos as relações entre poder imperial e resistência
da multidão, a ação das minorias, que não buscam fundirse para se fortalecer mas cuja força reside nas
multitudinal, se colocam as questões que direcionam a problemática central deste texto. Perpassando os
redes de diferenças em cooperação. Evidenciase a centralidade da informação, da comunicação e das
campos comunicacional e estético, as dimensões biopolíticas da produção urbana abrem questões sobre as
linguagens nos processos de resistência que funcionam em uma lógica de inteligência de enxame. A criação
tensões entre poder e resistência. Consideramos que ocorram cooptações das estéticas populares pelos
nas ruas, os jogos simbólicos que operam a negação da subsunção das vidas ao mercado, operam no mesmo
agentes midiáticos hegemônicos, mas às tentativas correntes de cooptação e comodificação da invenção e da
sistema de criação de subjetividades. Ao pensarmos as relações entre poder imperial e resistência
criatividade, a vida não para de escapar e se reinventar. Esse poder da multidão é constituinte na medida em
multitudinal, se colocam as questões que direcionam a problemática central deste texto. Perpassando os
que se constrói a partir de suas ações, intempestivas e aleatórias, e de seus movimentos que investem contra
campos comunicacional e estético, as dimensões biopolíticas da produção urbana abrem questões sobre as
o poder constituído. À representação distanciada pela qual operam os poderes constituídos, o poder
tensões entre poder e resistência. Consideramos que ocorram cooptações das estéticas populares pelos
constituinte opõese de forma imanente, coletiva e descentralizada. A vida, investida pelo poder, é então o
agentes midiáticos hegemônicos, mas às tentativas correntes de cooptação e comodificação da invenção e da
campo onde se produz a própria resistência às formas de sujeição. A potência da vida, entendida como força
criatividade, a vida não para de escapar e se reinventar. Esse poder da multidão é constituinte na medida em
política, é capaz de produzir novos movimentos dentro das dinâmicas em que é apropriada. Dentro desta
que se constrói a partir de suas ações, intempestivas e aleatórias, e de seus movimentos que investem contra
premissa, a imagem produzida pelos agentes policiais abre uma série de perspectivas paradoxais para a
o poder constituído. À representação distanciada pela qual operam os poderes constituídos, o poder
própria noção de biopolítica no contemporâneo. Quais fissuras políticas estariam contidas subjacentes ao ato
http://www.sic.sp.gov.br/Concluido.aspx
constituinte opõese de forma imanente, coletiva e descentralizada. A vida, investida pelo poder, é então o 1/2
campo onde se produz a própria resistência às formas de sujeição. A potência da vida, entendida como força
política, é capaz de produzir novos movimentos dentro das dinâmicas em que é apropriada. Dentro desta
20/5/2014
premissa, a imagem produzida pelos agentes policiais abre uma série de perspectivas paradoxais para a
Serviço Estadual de Informações ao Cidadão
própria noção de biopolítica no contemporâneo. Quais fissuras políticas estariam contidas subjacentes ao ato
http://www.sic.sp.gov.br/Concluido.aspx 1/2
própria noção de biopolítica no contemporâneo. Quais fissuras políticas estariam contidas subjacentes ao ato
de filmar usando a farda policial? Em qual regime estético se postula a lógica de poderio institucional sobre o
corpo da multidão? Em qual regime de direito estariam inscritas a propriedade destas imagens dentro do
acervo da Polícia Militar? Diante de tais questionamentos, gostaria de solicitar o acesso à informação das
imagens produzidas pela Polícia Militar nas manifestações no mês de junho de 2013. Essas imagens foram
produzidas pelos próprios policiais em serviço via iPads, telefones celulares, câmeras GoPro e câmeras digitais
filmadoras. Segundo o inciso I do art. 4º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, considerase
informação: dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de
conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato. Se a minha solicitação implicar em algum
custo, posso arcar com as despesas, como a compra do HD para armazenamento dessas imagens. Por tudo
isso, solicito, de acordo com o § 1º do artigo 11 da Lei supra citada, o acesso à informação das imagens no
prazo legal de 20 dias. Neste ato de filmar um outro que também filma, este jogo corpóreo quase
performático produz um estranho código de acordo tácito de visibilidade e ‘limites’. A câmera é uma arma,
mas antes de tudo, é um complexo instrumento de negociação do poder, das fronteiras, dos espaços, da
visibilidade, da enunciação, e dos desejos do por vir.
Certo de vossa colaboração,
Gabriel Mascaro
A sua solicitação será atendida no PRAZO não superior a 20 (vinte) dias, a contar da
data do protocolo da solicitação, de acordo com o § 1º do artigo 15 do Decreto nº
58.052, de 16/05/2012.
O prazo referido acima poderá ser prorrogado por mais 10 (dez) dias, mediante
justificativa expressa, da qual será cientificado o interessado, conforme o § 2º do
mesmo artigo.
Desenvolvido e hospedado pela PRODESP
71
A última palavra é a penúltima – 2
A intervenção A última palavra é a penúltima, 2008, baseada no
texto O esgotado (1992), do filósofo francês Gilles Deleuze, foi
apresentada na cidade de São Paulo nos dias 13, 15 e 26 de abril de
2008, com direção de Eliana Monteiro (Teatro da Vertigem) e em
colaboração com a Companhia Zikzira de Teatro Físico, com sede
em Belo Horizonte e Londres, e o grupo peruano LOT, especiali-
zado em performance. O espaço cênico escolhido foi a passagem
subterrânea da rua Xavier de Toledo, que está fechada há mais de
quinze anos e liga o Viaduto do Chá à praça Ramos de Azevedo, no
centro da cidade.
Os temas do cansaço e do esgotamento foram trabalha-
dos na perspectiva de relacioná-los com o acesso subterrâneo e
suas vitrines, as quais pertenciam à antiga loja de departamentos
Mappin, e cujos temas foram pesquisados com base na noção do
olhar que atravessa o outro, na possibilidade de ver e ser visto,
entre o ato de olhar e se exibir.
A projeção de vídeos interferia como instância drama-
túrgica na problematização dessa noção entre o ver e ser visto:
o público que assistia a performance, do interior da passagem
subterrânea, acompanhava as imagens captadas externamente, na
rua, e isso acontecia também com quem estava na rua, de onde as
pessoas podiam acompanhar as ações dos performers por meio de
câmeras instaladas no subsolo.
Nem novidade, nem repetição, o novo trabalho, com di-
reção de Eliana Monteiro e de Antonio Araújo (ambos do Teatro
da Vertigem), propõe revistar o já feito. Agora, num outro tempo,
refletir um mesmo espaço de outrora: o acesso subterrâneo da
rua Xavier de Toledo, no centro de São Paulo. Desta vez, seis anos
depois, as questões relativas ao esgotamento que eram suscitadas
pelo texto de Deleuze e inspiraram A última palavra é a penúl-
tima em 2008 potencializaram-se face à contemporaneidade, em
especial, às condições sociais e suas perspectivas de futuro e aos
horizontes de expectativas do que é possível. Um momento de pro-
blematizar a ideia de que no próprio esgotamento seria possível re-
sidir uma potência. No entanto, uma pergunta se coloca: não esta-
ríamos no limite do controle e da hipervigilância? Não estaríamos
esgotados ou cansados? Como será, então, trabalhar com o mesmo
espaço e referencial conceitual, agora, nessas outras condições?
Para refletir essas questões, na construção desse trabalho
o elemento da coletividade, característico em nossa prática, par-
ticipará significativamente. A intervenção contará com uma forte
participação do público e acontecerá de duas diferentes formas:
espontaneamente, reutilizando o espaço como passagem entre o
Viaduto do Chá e a praça Ramos de Azevedo, e como espectador/
ator que participa de um jogo de encenação de dentro das vitrines.
O papel do público, do transeunte e do ator se misturam. Todos
são postos em relação, ao verem e serem vistos, ao mesmo tempo
que ocupam um espaço projetado para prestar um serviço público
e que, contudo, é inutilizado.
Teatro da Vertigem
72
Teatro da Vertigem, A última palavra é a penúltima, 2008
73
Yuri Firmeza, Nada é, 2014
74
O filme Nada é de Yuri Firmeza começou com a
pesquisa sobre a cidade de Alcântara como espaço
de manifestação de projetos nacionais brasileiros de
diferentes períodos. A cidade foi a primeira capital
do estado do Maranhão, no século 18, e era habitada
por barões da cana-de-açúcar e do algodão. Quando
a economia colonial quebrou, Alcântara entrou no os-
tracismo e só voltou à pauta nacional quando recebeu
um centro de lançamento de foguetes da Força Aérea
Brasileira, em 1990. A tradicional Festa do Divino
Espírito Santo, que acontece todos os anos quarenta
dias depois da Páscoa, apresenta-se para o presente
na cidade como o marco de suas vocações. Nesse
hiato que ela vive entre o passado de prosperidade e
a promessa de um futuro interplanetário, misturam-
-se discursos da ciência e da religião em torno de um
mesmo ideário de fé naquilo que pode ser, mas, há Yuri Firmeza, Nada é, 2014
algum tempo, ainda não é.
75
Mark Lewis, Invention, 2014 [Invenção]
76
Invention (2014) [Invenção] se baseia em uma premissa ficcional simples, ainda que imensamente provocativa:
a de que se desenvolveu um mundo paralelo, no qual as tecnologias da imagem em movimento só teriam sido
inventadas no início do século 21. Desse ponto de partida, o trabalho de Mark Lewis especula como olharíamos
para as imagens se o cinema, a televisão e as plataformas de imagens em movimento não existissem ou estives-
sem ainda prestes a ser lançados. Realizado em colaboração com Mark Wasiuta e Adam Bandler e cinemato
grafia de Martin Testar.
77
Small World
Entrevista com Yochai Avrahami
79
Sobre a busca desinteressada
Tony Chakar
Quando se pergunta “de onde você é?” para pessoas que vêm de
países que já não existem, elas baixam a voz, inclinam a cabeça para
frente e ajustam a postura antes de responder. A resposta sempre
carrega consigo, ou assim parece, uma espécie de remorso, mas não
exatamente; uma certa nostalgia, ou nem isso; um embaraço, quem
sabe, mas talvez seja o embaraço de quem está respondendo a uma
pergunta imprópria. Se as coisas em minha região do mundo – para a
qual ainda não encontramos um nome adequado (o Oriente Médio? o
Levante? o mundo árabe? o mundo islâmico?) – continuarem no mes-
mo rumo em que agora estão, tenho quase certeza de que muito em
breve estarei na ponta receptora dessa pergunta. Os mapas traçados
em escritórios secretos por “peritos” que nada sabem da região, que
não a conhecem a fundo senão pelo mero acesso a informações sobre
este ou aquele evento ou país já se tornaram públicos. Nesses mapas,
países inteiros desapareceram ou foram reorganizados para acomo-
dar a última mania da região: as comunidades religiosas. Tudo a nos-
sa volta está nos dizendo que estamos sentados em um vulcão prestes
a entrar em erupção. Mas continuamos ali.
Não há consolo algum para os que constantemente são infor-
mados de que algo chegou ao fim.
Em situações como essa, o que quer dizer “arte”? O que sig-
nifica fazer objetos, chamá-los de arte e disseminá-los como arte? O
que significa realizar exposições em espaços específicos destinados
ao consumo dessa arte e depois convidar pessoas a virem olhar para
esses objetos e conversarem a respeito? E se essas perguntas pare-
cem despropositadas e exageradas – afinal, ainda estamos aqui, ainda
fazendo arte –, a última delas seria: o que significa quando alguém
que vive nessa região do mundo se sente compelido a levantar tais
questões?
E por que perguntar? Se você é um artista contemporâneo
que vive e trabalha em Beirute, as coisas não poderiam estar melho-
res: inauguram-se novas galerias dedicadas à arte contemporânea; há
recursos para aqueles que procuram; um grupo de jovens coleciona-
dores está sempre atento a novos objetos artísticos; e assim por dian-
te. Onde reside o problema, portanto? Por que levantar questões exis-
tenciais quando tudo parece estar indo bem? O problema é simples:
fora dessa bolha, o mundo está caindo aos pedaços: uma primavera
que não era uma primavera; um povo que substituiu sua revolução
80
pela ditadura militar – assistimos mesmo a imagens de manifestações
com jovens usando botas militares na cabeça para sinalizar outra vez
seu apoio a um general/líder/pai. Outra revolução em um país dife-
rente abriu os portões do inferno, e trouxe à luz demônios que cortam
cabeças em nome de Deus – demônios também são filhos de Deus,
não são? – e executam Sua vontade, ou assim somos informados.
Quanto a Beirute, especificamente, mesmo uma onda de
atentados suicidas não conseguiu despertá-la de seu torpor. As coisas
acontecem como acontecem, de vez em quando a terra treme um
pouco, e o mundo apenas segue seu curso. Mas a pior parte é que
alguém que sobreviveu às guerras de 1975 a 1990 não pode deixar de
ver a besta emergindo novamente. É visível nas faces sombrias dos
passantes, no volume de ódio vomitado por praticamente todos, desde
os políticos e nossos vizinhos e colegas até o homem comum da rua,
que euforicamente celebravam o que então se chamou “Primavera
Árabe”. Abrem a boca e o que sai é ódio por tudo o que não seja exa-
tamente eles próprios.
O que a arte pode fazer em face de tamanho ódio irrefletido,
irracional, imaculado?
A pergunta é, de fato, capciosa. Supõe que seja realmente
tarefa da arte responder diretamente a eventos que estão ocorrendo
na esfera política – e esses eventos estão ocorrendo na esfera da polí-
tica, por mais brutais e absurdos que pareçam. Dito isso, seria extre-
mamente pernicioso, por outro lado, esgotar a explicação do que está
acontecendo nessa região do mundo afirmando que é “só política”. Os
acontecimentos não estão circunscritos de forma definida a um terri-
tório. Transbordam, por assim dizer, enodoando tudo o que entra em
contato com eles. Em outras palavras: o que testemunhamos hoje no
mundo árabe, no Levante, no Líbano, não é nenhum megaevento me-
tafísico que não pode ser abarcado pela razão humana. Ele pode. Mas,
ao mesmo tempo, estabelece relações incomuns com outras esferas
sociais – com a arte, em particular – que não podem ser simplesmen-
te antecipadas por despretensiosas deduções lógicas.
A pergunta não é, então, “o que a arte pode fazer?”, mas
“onde a arte se posiciona?”, ou “como a arte se posiciona?”. A conver-
sa parece chegar aqui e parar. Existem duas posições: ou a arte está
socialmente engajada ou não está. Os artistas que estão socialmente
engajados acusam os outros artistas, não engajados de acordo com
suas condições, de escapismo, de tentarem fazer arte pela arte, de
evasão, de serem vendidos para o sistema. Os outros artistas não pa-
recem responder aos primeiros, e, quando falam, normalmente apre-
sentam um discurso estranhamente abstrato sobre a beleza e a esté-
81
tica; aludem a um não entendimento do motivo pelo qual os artistas
do primeiro grupo estão fazendo tamanho rebuliço, porque realmente
nada jamais muda.
Por infelicidade, ou sorte, esse debate não ocorre em tempo
real, nem mesmo entre os artistas em pessoa. Ele resulta principal-
mente do que em geral exala dos textos sobre cultura e arte, em
particular nos jornais locais ou nos noticiários televisivos sobre esta
ou aquela exposição – e ambas as posições são bastante compartilha-
das em mídias sociais como o Facebook e o Twitter. Os efeitos dessa
dinâmica não deviam ser subestimados; seja qual for a complexidade
de um discurso ou de uma teoria, eles se filtram dessa maneira para
o público em geral. Salpique-o com algumas noções extremamente
simplificadas e datadas – como identidade, autenticidade, tradição
em desenvolvimento – ou outras em moda – como ecologia, susten-
tabilidade, reciclagem ou gênero – e você acabará com um discurso
incrivelmente enfadonho, embora imensamente poderoso e sedutor,
sobre a arte, o qual não só é repetido entre o público em geral como
adotado por muitos artistas. Reiterando: é assim que começa uma
discussão sobre arte, e é também onde ela termina: em parte alguma,
circundada por políticos que operam mais como bombeiros-incen
diários, homens-bomba suicidas na esperança de ter sexo interminá-
vel com virgens no céu, por artistas que querem ser ativistas ou artis-
tas que querem fazer objetos maravilhosos (leia-se “muito dinheiro,
rapidamente”), ambos unidos pela disposição de vender sua arte a
fim de ganhar a vida, e, naturalmente, por um público geral e por um
público especializado que vem para cá, que vai para lá, que vai para
onde o vento soprar.
E daí? Daí nada. Começamos de novo. E para começar de
novo recorrerei a uma cosmogonia muito antiga, a dos gnósticos
cristãos do século 4. Eles também viviam em um mundo que consi-
deravam estruturalmente defeituoso; também tentaram dar sentido
ao nosso breve período nessa terra; também atribuíam, como muitos
outros místicos de diferentes religiões, um lugar especial a Lúcifer
– o mais belo. Segundo os gnósticos, este mundo onde tudo se entre-
laça (a vida com a morte, o amor com o ódio, a guerra com a paz etc.)
não podia ter sido feito por Deus. De fato, isso sequer é um mundo
“real”; é meramente uma ilusão criada pelo demiurgo Sabaoth (deus
dos exércitos), o deus do Velho Testamento, para nos enganar e nos
impedir de alcançar o Deus verdadeiro. É onde começa o papel de Lú-
cifer: ele se rebelou contra o criador deste mundo, sim. Mas esse cria-
dor era um falso deus. Ele quer destruir esse mundo, mas só porque
é um mundo de ilusão e engano. De fato, e como indica seu nome,
Lúcifer é o portador da luz, o portador da luz negra, aquele que nos
liberta não por nos dar a liberdade – afinal, a liberdade é nossa e de
82
ninguém mais – mas por tomá-la de nós, pela destruição de todas as
nossas ilusões sobre este mundo arruinado, pelo desnudamento de
tudo até que a verdade de nossa existência finalmente apareça.
E é assim que continuamos: arte é verdade, e a verdade
liberta. A verdade liberta porque destrói. A verdade destrói todas as
nossas ilusões sobre a situação de nosso mundo. O que ela destrói
principalmente é a esperança. A destruição da esperança não é, como
se poderia pensar, sinônimo de desespero: em um sistema capitalista
baseado na especulação, a esperança é provavelmente a melhor
mercadoria, porque é aquela que ajuda a vender todas as outras. Mas
a arte não destrói com explosões e com o fogo do inferno.
No vídeo Of God and Dogs [Sobre Deus e cachorros] (2014),
do coletivo sírio Abou Naddara, a câmera está voltada para um com-
batente do Exército Livre da Síria. A descrição do vídeo no Vimeo é a
seguinte:
83
“Eu matei”. Houve mais de 100 mil mortes documentadas na
Síria, segundo a ONU, desde o início da Guerra Civil, embora fontes
não oficiais elevem o número para 200 mil. Mesmo assim, essa era
diferente. Essa, graças ao vídeo, cria uma pausa, uma ruptura no flu-
xo acelerado dos acontecimentos. É claro que o fato de que o homem
morto era inocente é importante, mas o que prende a atenção é a
pequena frase “eu matei” no pretérito perfeito: ela é dita no passado,
mas fala sobre o futuro, e o combatente está perturbado porque co-
nhece o futuro. Ele entende essa distorção do tempo, provavelmente
de modo confuso, mas a entende. Entende que após o ato de matar,
ele será exatamente como aqueles contra os quais moveu guerra.
Entende que após esse “eu matei”, a Síria com que ele sonhava – uma
Síria livre de ódio, tirania e inúteis e frios assassinatos pelas mãos de
um absurdo regime decadente – está destruída. Foi arruinada ainda
em botão – e o vídeo captou esse momento terrível. Ao borrar a linha
tênue entre os “mocinhos” e os “bandidos”, entre brancos e negros,
destruiu nossas ilusões sobre uma revolução limpa, um ideal românti-
co que nós, testemunhando de fora o desenrolar dos acontecimentos,
imaginávamos ou desejávamos ou ocasionalmente até influenciáva-
mos. Todos tocamos a Internacional ou outro hino revolucionário
qualquer em nossa cabeça cedo demais, depressa demais. Todos
queríamos nos livrar de Assad e seu regime o mais rápido possível,
e todos queríamos acreditar nos gritos de “O povo quer...”. Por outro
lado, “eu matei”.
A arte destrói, mas só insidiosamente.
A arte é verdade, porque ela fala da verdade de nosso mun-
do, e de maneira fiel. Ao fazer isso, ela pode nos contar a história de
um mundo fracassado – o nosso – e sua possível dissolução. Ela pode
nos contar que há um outro mundo e que ele está neste aqui.
Kafranbel é uma pequena aldeia em Idlib, no norte da Síria.
Antes do início da revolução síria, muito pouca gente tinha ouvido
falar de Kafranbel. Com o início da revolução, Kafranbel se viu no
centro dos acontecimentos. A razão era simples: as faixas. No começo
da insurreição, os militantes de Kafranbel – praticamente toda a sua
população masculina – foram obrigados a fugir para a mata circundan-
te; lá, eles organizavam “manifestações” todas as sexta-feiras, segu-
rando as faixas por eles mesmos concebidas, faziam vídeos e tiravam
fotos dos eventos, que eram postados na internet. Até aí nada fora
do normal; esse tem sido o modus operandi de praticamente todas as
revoltas que abalaram o mundo nos últimos anos, do mundo árabe
aos movimentos Occupy na Turquia, no Brasil e assim por diante.
A notoriedade de Kafranbel cresceu mais e mais, especialmente na
ausência de um espaço ou praça central de onde a voz da revolução
pudesse ser ouvida (como as praças Tahrir, no Cairo, Taksim, em
84
Istambul, etc.). O que foi criativo nas faixas de Kafranbel é que elas
assumiram uma forma de expressão política que é bastante utilizada
(ou antes, mal utilizada) no mundo árabe e voltaram-na contra ele
mesmo. As faixas normalmente contêm uma mensagem política sim-
ples, via de regra apoiando o poder vigente; elas são erguidas bem
acima das ruas, estendidas de prédio a prédio; não são usadas apenas
para transmitir uma mensagem de apoio, mas também para ocupar
um espaço, marcar um território. No lado oposto dessa prática, as fai-
xas de Kafranbel são móveis, portáteis – e têm na verdade mais exis-
tência no espaço virtual que no espaço físico da aldeia em si. Seu tom
é normalmente sarcástico, mas também muito pungente. Uma delas,
de 6 de abril de 2012, diz: “Os conceitos estão de cabeça para baixo.
O criminoso é o filho mimado do mundo, enquanto a vítima é o povo.
Que ele seja dizimado para acabarmos logo com isso”. Na foto, vemos
85
A princípio, essas palavras soam indiscriminadas e desespe-
radas, até niilistas. E por que não? A chaga é profunda, muito profun-
da. Mas quanto mais o tempo passa mais pertinentes elas se tornam.
Além disso, vi as palavras “Abaixo o mundo” escritas pelo menos
duas vezes: uma vez em uma parede no Cairo e outra em um pedaço
de papelão segurado por um garoto no acampamento palestino sitiado
de Yarmouk, próximo a Damasco. Quando se está em extrema escuri-
dão, aprende-se a ver com os olhos bem fechados ou, como escreveu
Maurice Blanchot em Thomas, l’obscur [Tomás, o obscuro] (1941):
Ele não via nada e, longe de ficar aflito, fez dessa ausência de
visão o ponto culminante de seu olhar. O seu olho, inútil para
ver, ganhava proporções extraordinárias, desenvolvendo-se de
uma maneira desmesurada e, estendendo-se sobre o horizonte,
deixava a noite penetrar no seu centro para receber dela o dia.
86
e deixá-la fluir; outra é curtir, compartilhar ou comentar, o que foi
chamado de “ativismo Facebook”. Esta última opção é a mais carre-
gada de potencial: explodir a série de eventos, o impiedoso newsfeed
eletrônico, abocanhar esses pedaços de imagens, pensamentos e
vídeos, e salvá-los do desaparecimento eterno – exercendo o que
Walter Benjamin chamou de nosso “fraco poder messiânico” – para
enfim incluí-los em outras narrativas, histórias que seriam redimidas
da banalidade do espaço equalizador das mídias sociais e atiradas no
mundo, onde potencialmente o influenciariam. Nesse momento, o sta-
tus do usuário do Facebook (ou o usuário de mídias sociais eletrôni-
cas em geral) mudaria de uma subjetividade infinita bloqueada dentro
de si mesma – ponderando permanentemente “no que você está pen-
sando?” – para um ativo contador de narrativas que construiria sua
história mediante a destruição da unidade simulada do mundo virtual
(feed de notícias, corrente de informações, stream de vídeos) e a utili-
zação de seu pedregulho como alvenaria para outras construções.
A arte redime o mundo destruindo-o.
Meu último argumento sobre este tema será um dado sim-
ples: nem Raed Fares (o homem que escreve os textos para as faixas)
nem Ahmad Jalal (ex-assistente odontológico que faz os desenhos
para as faixas) são artistas. Não acho que considerem arte o que
fazem; imagino também que acomodar o que eles fazem em alguma
coleção ou exposição de arte seria canhestro, para dizer o mínimo.
Depois disso, a pergunta “mas isto é arte?” seria a questão menos in-
teressante. O que quer que seja, certamente veio de fora do domínio
do que passamos a chamar de “arte contemporânea” e, mesmo sem
querer fazer isso, o trabalho de pessoas como Fares e Jalal estabelece
uma relação desestabilizadora com o que passamos a conhecer como
o “mercado global de arte”. Ainda que não esteja ciente disso, sua
prática confere uma nova vida ao debate sobre arte e tecnologia que
parece ter chegado a uma simples, porém mortal, conclusão: a de que
87
a arte pode sobreviver em um nível tecnológico muito baixo e que a
tecnologia avançada pode apenas propagar a cultura de massa kitsch.
Ao fazer essas faixas e colocá-las no espaço virtual, a equação moder-
nista entre poïesis e tēchne, pela qual a arte ou se rende à tecnologia
(sendo até simplesmente gerada por ela), ou se afasta dela inteira-
mente, torna-se invalidada, porque é incapaz de levar em conta essas
singularidades e seus significados.
A arte destrói, mas só inadvertidamente.
E inadvertidamente a arte começa: conta-se no Cairo uma
história sobre uma velha, uma avó, que, durante a época da revolu-
ção, enchia sua cesta com mangas e fazia a ronda da praça Tahrir (en-
tão sitiada pelo exército, antes de Mubarak ser derrubado). Ela dava
a cada soldado uma manga, apontava para um manifestante e dizia:
“Este é seu irmão. Não mate seu irmão”. Não é certo se isso realmen-
te aconteceu – não encontrei nenhum documento que o confirmasse
– mas, mesmo que não tenha acontecido, foi imaginado, foi tornado
possível, e às vezes isto tem mais valor que a realidade do mundo tal
como é. O que foi imaginado era um ato de generosidade, um ato de
amor, mas um amor que destrói: ao dar frutas a cada soldado, uma
comunhão é criada, não em torno do corpo fisicamente ausente de
Deus, mas em torno dos corpos muito presentes dos manifestantes
que ocupavam a praça; ao apontar para um manifestante – “este é seu
irmão” – ela vinculava cada soldado a um total estranho, criava uma
relação onde, por definição, não deveria haver nenhuma; onde, em
princípio, somos todos subjetividades móveis em uma multidão ob-
jetiva anônima, alheios uns aos outros. Essa velha, inadvertidamente
e por um breve instante, destruiu um dos fundamentos do espaço
público tal como passamos a entendê-lo sob o capitalismo – o anoni-
mato da multidão sobre o qual tanto escreveu Charles Baudelaire.
88
Seu gesto enlaça e separa ao mesmo tempo – como o Eros primordial
na mitologia grega – e permite-nos imaginar um novo espaço público
construído sobre o amor – significando que ela o introduziu no reino
do que é possível – mesmo que por uma fração de segundo – como
quando um relâmpago rasga o céu noturno e nos permite vislumbrar
o horizonte, os limites de nosso mundo e o que está além.
A arte destrói tudo, amorosamente.
Para terminar – uma conclusão é impossível e até se contra-
põe ao espírito deste ensaio, porque o mundo que ele está descreven-
do ainda está em potência – a pergunta inicial, mais uma vez: como
a arte se posiciona? Definitivamente não há resposta final, apenas
possibilidades em consequência de situações que ainda estão se
desdobrando enquanto escrevo, e por isso acrescentarei mais uma
possibilidade, tomando de empréstimo palavras que não são minhas
– palavras que foram escritas quase 1900 anos atrás, no Evangelho de
Thomas:
Jesus disse: Sede transeuntes.
89
Prabhakar Pachpute, Dust Bowl in Our Hand, 2013 [Tigela de poeira em nossas mãos]
90
Leigh Orpaz, Breakfast, 2014
No filme Breakfast, de Leigh Orpaz, dançarinos em uma discoteca parecem serenos em sua desproteção e
vulnerabilidade às tecnologias de controle que os circundam – as imagens foram de fato filmadas utilizando
uma câmera infravermelha, um dispositivo de gravação mais sensível ao calor que à luz e geralmente usado
para fins militares.
91
Notas para Claro que o que eu quero fazer no
Brasil não será levianamente algo
Those of Whom que eu poderia fazer se estivesse
por Sheela Gowda na Índia. Interessa-me o foco temá-
tico de deslocamentos e divisões
sociais. Isso não pode ser um sim-
Há um dia na Índia especialmente ples “sim” ou “não”, mas o início de
dedicado à celebração do Ayudha uma conversa com o mencionado
Puja. Todas as ferramentas, veículos conjunto de questões diante de nós. Viagem – Um voo de seis horas
e máquinas são postos em repouso, Não vejo a hora de isso acontecer. para Rio Branco, Acre. Estadia de
limpos, ritualmente untados e deco- uma noite no local. Depois, cinco
rados e para eles se realizam preces. horas de viagem de carro até Feizo,
Minha modernidade vacilante, mas na fronteira com o Peru, e duas ho-
contestadora, permite que eu faça ras de barco até a reserva extrati-
isso apenas com meu carro – uma vista Seringal Veneza para reunir-se
máquina morna que me torna vul- com os seringueiros. Você passaria
nerável. Muitos meses atrás visitei uma noite lá; no dia seguinte, retor-
o jardim botânico de Berlim. Ao ver naria para Xapuri, visitaria uma
plantas e árvores tropicais conhe- fábrica de preservativos (borracha/
cidas, rotuladas cientificamente e látex) e a casa de Chico Mendes.
cuidadosamente mantidas em estu- Ele foi um líder sindical muito im-
fas de vidro construídas em estilos portante que lutou para preservar a
arquitetônicos colonial e modernista, floresta tropical e foi morto por um
interessei-me pela divisão entre a latifundiário.
modernidade construída, a expulsão
violenta das almas da natureza e das
coisas – autodeclarada necessária – e
as persistentes tentativas de retorno Considerando seu trabalho e seus
de fantasmas teimosos. e-mails anteriores, o departamento
educativo definiu algumas mer-
Um trabalho artístico, um constructo cadorias fundamentais ao enten-
de ideias e materiais voláteis, paira dimento da história do Brasil que
nesse espaço intermediário. poderiam ser de seu interesse. Veja
abaixo:
Eu gostaria de refletir com você
sobre as ligações com as condições – Pau-brasil
materiais na Índia, tão presentes – Borracha
em seu trabalho. Penso que há uma – Cana-de-açúcar
linguagem material relacionada,
mas diferente, de que você gostaria Achamos que você poderia se inte-
e à qual encontraria modos de rea- ressar pela indústria da borracha e
gir. Meu palpite ignorante é de que pela borracha/látex como material,
você poderia apreciar o desafio que tem uma história muito forte
de fazer algo no Brasil, de imedia- para contar. Sheela Gowda, materiais de pesquisa
to, com os materiais daqui, mas
entendidos por sua própria leitura A companhia franco-brasileira
cultural. Isto é, uma espécie de im- Veja/Vert trabalha com Bia Salda-
provisação livre que não se baseia nha, cofundadora do Partido Verde
necessariamente em ser “fiel” às brasileiro e ativista ambiental que
histórias do que você encontra, fornece suporte técnico aos se-
mas desfrutando da “irresponsabili- ringueiros e coordena a cadeia de
dade” de estar em outro lugar. Esse abastecimento de borracha. Hoje,
tipo de baralhamento de condi- sessenta famílias de seringueiros
ções, em vez da priorização de ver- participam desse projeto.
sões nacionais ou locais, é algo em
que estamos interessados também
em outras partes do evento.
92
A Amazônia é o único lugar no Em conversas sobre borracha, tenho Estou interessada em locais de
planeta em que as seringueiras encontrado muita gente que a pes- vodu – na ideia de transformação de
crescem na selva. Desde os anos quisa. Contudo, as informações têm objetos, de intensidades. Os objetos
1960, o uso cada vez maior da seus limites. Eu tenho de trabalhar passam a ser investidos de uma es-
borracha sintética derivada do pe- também com a intuição e com as pécie de espírito e energia pela inten-
tróleo tornou o preço da borracha possibilidades e limites do material. sidade de sensação e atenção – seja
natural muito baixo. Os habitantes no ritual, no vodu ou na arte.
da região passaram da extração As tensões criadas pela elasticidade
da borracha para atividades mais da borracha natural – formas segu- Podemos tentar organizar isso.
lucrativas, como a pecuária bovina rando, suspendendo, amarrando Você é curiosa. Existe muito
e a extração de madeira, ambas dois pontos. pouco ou nenhum vodu no Brasil;
envolvendo desmatamento. A o candomblé e a umbanda são as
sobrevivência da floresta tropical Cortar penas serrilhadas. religiões afro-brasileiras daqui.
amazônica depende de uma gestão Você já esteve em algum encontro
mais sustentável de seus recur- Armação esqueletal de objetos – de umbanda ou candomblé?
sos, incluindo o látex extraído das corpos sem carne.
seringueiras. Um preço mais justo Não estive em nenhum tipo de en-
garantiria uma renda melhor para Quadrado negro (c. 1923), de Ka- contro a não ser o da Bienal!
os seringueiros e poderia ser visto zimír Malevich, distorcido em
como um incentivo para manter as uma placa de borracha estirada: Açaí – uma fruta de cor púrpura de
árvores. preciso entender isso melhor – uma palmeira – fervida, esmagada
as implicações. em uma pasta granulosa, de gosto
muito raro. O açaí do Acre é tido
como o melhor!
Sheela Gowda,
materiais de pesquisa
Soldados da borracha...
Danica Dakić
94
Danica Dakić, Céu, 2014
96
Nilbar Güreş, Open Phone Booth, 2011 [Cabine telefônica aberta]
Aparelhos e tecnologias, hábitos e crenças – e o modo como eles tanto determinam quanto possibilitam com-
portamentos e maneiras de atuação – compõem linhas que atravessam o trabalho de Nilbar Güreş. As imagens
da série Open Phone Booth (2011) [Cabine telefônica aberta] constituem uma espécie de afresco social da aldeia
de sua família, Bingol, no Curdistão turco. Apresentam, por exemplo, a simples prática de subir à área mais alta
da aldeia para poder captar melhor os sinais de celular, transformando uma tecnologia contemporânea em uma
espécie de instrumento para um exercício quase místico.
97
Gülsün Karamustafa, Resimli Tarih, 1995 [História ilustrada]
98
Otobong Nkanga, desenho para Landversation, 2014 [Terraconversa]
99
Wilhelm Sasnal, Kopernik, 2004 [Copérnico]
100
101
Lia Perjovschi, Art Education, 1999 [Arte educação]
Juan Downey, Video Trans Americas, 1973-1979
104
Thiago Martins de Melo, O suplício do bastardo da brancura, 2013
105
Romy Pocztaruk, A última aventura, 2011
106
Romy Pocztaruk, A última aventura, 2011
107
Ymá Nhandehetama
Nós sempre fomos invisíveis. O povo indígena, os aquele que tem direitos, esse desaparece. Sempre
povos indígenas, eles sempre foram invisíveis pro desapareceu. Ele vai sumindo aos poucos. Dizem que
mundo! Aquele ser humano que passa fome, que nós vivemos na era do direito, que o Brasil é um estado
passa sede, que é massacrado, que é perseguido, democrático de direito. Mas, se o indígena, os povos
morto, lá na floresta, nas estradas, nas aldeias, indígenas que vivem no Brasil – é o mesmo Brasil que
esse não existe! Pro mundo aqui fora existe aquele dizem que é um estado democrático de direito –, pro
indígena exótico, o que usa cocar, colar, que dança, indígena esse estado não existe! Ele ainda é, como ser
que canta... Coisa pra turista ver. Mas aquele outro humano, ele é invisível pra esse mundo. Esse direito
que tá lá na aldeia, esse sofre de uma doença que não existe! A nossa história sempre foi escrita com
é a doença de ser invisível, de desaparecer. Ele muito, muito sofrimento, com muita dor, com muito
quase não é visto tanto pro mundo do direito, sangue, no passado e no presente. Mesmo que seja
principalmente pro mundo do direito, como ser sangue inocente. A história tem escrito as suas linhas
humano. Ele desaparece. Ele se afoga nesse mar em vermelho. Sangue vermelho, sangue indígena. Assim
de burocracia, no mar de teorias da academia. Ele é como foi de outros também, como do negro. Mas, no
afogado no meio das palavras, quando a academia, nosso caso, ainda se mata muito índio nas aldeias aí
os estudiosos, entendem mais de indígena, de que existem pelas florestas. E esse, ele não existe! Não
índio, do que o próprio índio. Ele é invisibilizado existe pro mundo, não existe pro direito, não existe pras
pela própria academia. Ele deixa… ele perde a voz, pessoas. É um índio invisível...
ele perde o foco, ele perde a imagem. Ele some, Ele é como um grito no silêncio da noite: nin-
ele desaparece. Ele volta novamente quando tem o guém sabe de onde veio, o que foi que aconteceu... e
conflito. Quando a mídia procura a notícia pra vender ninguém sabe onde encontrar.
jornal: mostra o índio morto, o índio bêbado, o índio
preguiçoso, como se vê em todos os livros. O índio Almires Martins, Belém, 2009
que quer muita terra, o índio que tem muita terra,
esse aparece. E aquele índio como ser humano,
Armando Queiroz com Almires Martins e Marcelo Rodrigues, Ymá Nhandehetama, 2009
[Antigamente fomos muitos]
108
109
112
Vivian Suter, vista da casa / ateliê, 2014
Vivian Suter, vista da casa / ateliê, 2014
113
Wilhelm Sasnal, Untitled, 2010 [Sem título]
114
Thiago Martins de Melo, Árvore de Sangue – Fogo que consome porcos, 2013
115
Anna Boghiguian, Cotton White-Gold, 2010 [Algodão Ouro-branco]
Anna Boghiguian, Cotton Plantation During Mohammed Ali, 2010 [Plantação de algodão durante Mohammed Ali]
116
Anna Boghiguian, The Building of the Suez Canal and the Auctioning of the Canal, 2010
[A construção do Canal de Suez e o leiloamento do Canal]
117
Black Soul Cinco séculos te viram de armas na numa das mãos
mão e com a outra partindo os ferros da
(fragmento) e ensinaste às raças exploradoras escravidão,
a paixão da liberdade. o nascimento para a Liberdade
Em São Domingos de toda a América espanhola.
Eras a música e eras a dança, pontuaste de suicidas […]
mas persistia nas comissuras de teus e pavimentaste de pedras anônimas Saindo das trevas,
lábios, a senda tortuosa que se abriu na saltaste para o ringue:
deslocava-se nas contorções de teu manhã campeão do mundo,
corpo sobre a via triunfal da independência. e soaste a cada vitória
a serpente negra da dor. E estendeste sobre as pias batismais, o gongo sonoro das reivindicações
[…] empunhando a tocha de Vertières da raça.
118
El Hadji Sy, desenho para Archéologie marine, 2014 [Arqueologia marinha]
119
Anna Boghiguian, Cities by the River, 2014 [Cidades à margem do rio]
120
Handira
Handiras são tecidos de lã com os quais as
mulheres se envolvem, como uma capa, para
se proteger dos rigores do inverno e para
mostrar, por meio do desenho e da cor, o
pertencimento a um grupo específico de uma
confederação étnica. O tecido adverte quanto
à existência de uma pessoa real e concreta;
não um ser anônimo, anódino e intercam
biável. Não traz o nome da tecelã nem precisa
um lugar, mas denota um ser vivo real. Põe a
descoberto que a arte coletiva não é um mag-
ma uniforme nem uma enorme mão que faz
tudo; são pessoas concretas, uma a uma, única
Teresa Lanceta, Handira Aït Ouarain, sem data
e singular. Em sua modéstia, essa capa alerta
sobre a sabedoria contida na abstração têxtil e
na cultura que encarna.
Como mercadoria, está sujeita a um
intercâmbio econômico, pouco igualitário e
difícil de refutar. As transações comerciais não
costumam ser feitas de forma justa: o que para
alguns supõe uma vantagem à qual não se
quer (ou não se pode) renunciar, para outros é
uma imposição da qual não se pode esquivar.
Teresa Lanceta
121
Teresa Lanceta, Handira I, 1997
122
Nilbar Güreş, Junction, 2010 [Junção]
123
124
Gülsün Karamustafa, Muhacir, 2003 [Migrante]
Muhacir [Migrante] considera o impacto do deslocamento forçado sobre a vida das mulheres no contexto das
guerras que dilaceraram os Bálcãs ocidentais nos anos 1990. Dedicado às duas avós de Gülsün Karamustafa, o
filme em tela dupla é livremente inspirado na provação que trouxe suas famílias para Istambul (uma da Criméia,
pela Bulgária; a outra da atual Bósnia e Herzegovina).
125
Romy Pocztaruk, A última aventura, 2011
126
Lia Perjovschi, Life Coaching, 1999 [Treinamento de vida]
127
Legendas das p.22
Alessandro Petti, Sandi Hilal e
Diagrama, dimensões variáveis.
Imagem: Nikola Knezevic.
128
Imagens de saraus e ações e p.58 p.71
grupos culturais. Imagem: Agência Juan Downey Gabriel Mascaro
Popular de Cultura Solano
Trindade. Untitled, 1988. [Sem título]. Não é sobre sapatos, 2014.
(Série: Continental Drift. [Deriva Vídeo (som, cor). Imagem: autor
p.44 continental]). Óleo, acrílico e desconhecido.
grafite sobre papel, 118 × 112 cm.
Juan Downey Imagem: Estate of Juan Downey. pp.72, 73
Untitled, 1988. [Sem título]. Teatro da Vertigem
(Série: Continental Drift. [Deriva pp.59, 60
continental]). Óleo, acrílico e A última palavra é a penúltima,
Linha popular de ônibus no 2008. Peça de teatro.
grafite sobre papel, 118 × 112 cm. trajeto Mambu-Marsilac, 2014.
Imagem: 2014 Juan Downey / Imagem: Edu Marin.
Imagem: Danilo Ramos.
Artists Rights Society (ARS),
Nova York. pp.74, 75
pp.62, 63
Yuri Firmeza
p.45 Ana Lira
Nada é, 2014. Vídeo (som, cor), 32'.
Comboio Voto!, 2012-. Fotografias Imagem: Yuri Firmeza.
digitais, dimensões variáveis.
Cartaz. Imagem: Comboio. Imagem: Ana Lira. pp.76, 77
pp.46, 47 pp.63-65 Mark Lewis
Diagramas, 2014. Dan Perjovschi Invention, 2014. [Invenção].
Imagem: Design Bienal. Instalação, dimensões variáveis.
Imagens de desenhos por Dan Imagem: Mark Lewis. Expografia
p.48 Perjovschi usados em protestos em colaboração com Mark Wasiuta
em Bucareste e Copenhagen, e Adam Bandler, direção de
Erick Béltran 2013‑2014. Primeiras duas imagens: fotografia de Martin Testar.
O que caminha ao lado, 2014. Vlad Nanca. Outras imagens:
Diagrama. Imagem: Erick Béltran. autor desconhecido. Cortesia: p.77
Dan Perjovschi
p.49 Teatro da Vertigem
Marta Neves pp.65-67 A última palavra é a penúltima,
Halil Altındere 2008. Peça de teatro.
Não-ideia, 2002. (Série: Não- Imagem: Edu Marin.
ideias. 2001-). Faixa de rua pintada Wonderland, 2013. [País das
à mão, dimensões variáveis. maravilhas]. Vídeo (som, cor), pp.78, 79
Imagem: Marta Neves. 8' 25". Imagem: Halil Altındere.
Cortesia: Halil Altındere e Pilot Yochai Avrahami
p.50 Galeri, Istambul. Fotogramas de vídeos de pesquisa
Qiu Zhijie para Small World, 2014. Vídeo
pp.66, 68-70 (som, cor). Imagem: Yochai
The Map of Utopia, 2012. [O mapa Avrahami.
da utopia]. Tinta sobre parede, Juan Carlos Romero
350 × 900 cm. Imagem: Qiu Zhijie. Violencia, 1973-1977. pp.83-89
The Map of the City, 2012. [O mapa [Violência]. Impressão sobre
papel, dimensões variáveis. Imagens de internet.
da cidade]. Tinta sobre parede, Cortesia: Tony Chakar.
200 × 350 cm. Imagem: Qiu Zhijie. Imagem: Juan Carlos Romero.
p. 70 p.90
p.51
Éder Oliveira Prabhakar Pachpute
Halil Altındere
Sem título, 2013. Intervenção Dust Bowl in Our Hand, 2013.
Wonderland, 2013. [País das [Tigela de poeira em nossas mãos].
maravilhas]. Vídeo (som, cor), urbana/pintura mural.
Imagem: Jessica Nascimento. Carvão sobre papel, 152 × 183 cm.
8' 25". Imagem: Halil Altındere. Imagem: Prabhakar Pachpute.
Cortesia: Halil Altındere e Pilot Processos de criação, 2013.
Galeri, Istambul. Imagem: Éder Oliveira.
129
p.91 pp.97 Guatemala, 1973. (Série: Video
Leigh Orpaz Nilbar Güreş Trans Americas. 1973-1976). Vídeo
(som, preto e branco), 27' 32".
Breakfast, 2014. Vídeo Open Phone Booth, 2011. [Cabine Imagem: Estate of Juan Downey.
(preto e branco, som), 2' 29". telefônica aberta]. Vídeo em 3
Imagem: Leigh Orpaz. canais, HD, formato 16:9 (som, New York/Texas II, 1973.
cor), 33' 46". Cortesia: Nilbar (Série: Video Trans Americas.
pp.92, 93 Güreş, Rampa, Istambul e 1973‑1976. Vídeo (som, preto e
Galerie Martin Janda, Viena. branco), 27' 32". Imagem: Estate of
Sheela Gowda Juan Downey.
Imagem: Nilbar Güreş.
Arco/flecha – tensão Tayari (Amazon Rain Forest), 1977.
em três direções, 2014. p.98 [Tayari (Floresta Amazônica)]. Lápis
Imagem: Sheela Gowda. de cor, grafite e tinta, 108 × 65 cm.
Gülsün Karamustafa
Látex coagulado pressionado Imagem: Família Juan Downey.
em uma folha, 2014. Resimli Tarih, 1995. [História
Imagem: Sheela Gowda. ilustrada]. Colagem em tecido, p.102
350 × 700 cm. Cortesia: Gülsün
Acre, 2014. Karamustafa e Rampa, Istambul. Jo Baer
Imagem: Sheela Gowda. Imagem: Gülsün Karamustafa. In the Land of the Giants (Spiral
Página de caderno de anotações and Stars), 2012. [Na terra dos
com desenho do filho de um p.98 gigantes (Espiral e estrelas)].
seringueiro da Amazônia, 2014. Hudinilson Jr. (Série: In the Land of the Giants.
Imagem: Sheela Gowda. [Na terra dos gigantes]). Óleo sobre
Gesto IV (3ª versão), 1986. tela, 155 × 155 cm. Cortesia: Galerie
Entalhes numa seringueira, 2014. Xerox/fotocópia, 38,5 × 20 cm.
Imagem: Sheela Gowda. Barbara Thumm, Berlim.
Cortesia: Galeria Jaqueline Imagem: Jo Baer.
Folhas de borracha penduradas / Martins, São Paulo.
galhos cortados num canto, 2014. p.104
Imagem: Sheela Gowda. p.99
Val del Omar
Lâminas de cortar madeira, 2014. Otobong Nkanga
Imagem: Sheela Gowda. Fuego en Castilla, 1958-1960. [Fogo
Desenho para Landversation, 2014. em Castela]. Filme 35 mm (som,
[Terraconversa]. Imagem: Otobong preto e branco, cor), 17'. Cortesia:
pp.94, 95 Nkanga. Museo Nacional Centro de Arte
Danica Dakić Reina Sofía, Madri. Doação do
Céu. 2014. Vídeo (som, cor), p.100 Archivo María José Val del Omar e
10' 53”. Imagem: Danica Dakić. Wilhelm Sasnal Gonzalo Sáenz de Buruaga, 2011.
Em colaboração com as crianças Kopernik. 2004. [Copérnico].
e funcionários do Colégio de Óleo sobre tela. 150 × 140 cm. p.105
Santa Inês e o fotógrafo Egbert Cortesia: Wilhelm Sasnal e Foksal Thiago Martins de Melo
Trogemann. Gallery Foundation, Varsóvia. O suplício do bastardo da
Imagem: Marek Gardulski. brancura, 2013. Óleo sobre tela,
p.95
390 × 360 cm. Imagem: Mendes
Asger Jorn p.101 Wood DM.
Página de The Situationist Times, Lia Perjovschi
número 5, dezembro 1964. Art Education. 1999. [Arte pp.106, 107
Publicação. Editado por: Jacqueline educação]. (Série: Mind Romy Pocztaruk
de Jong. Maps [Mapas mentais]). A última aventura, 2011.
Diagrama, dimensões variáveis. Fotografias digitais, dimensões
p.96 Imagem: Lia Perjovschi. variáveis. Imagem: Romy
Bruno Pacheco Pocztaruk.
Meeting Point, 2012. [Ponto pp.102, 103
Reprodução de documento.
de encontro]. Óleo sobre tela, Juan Downey
215 × 375 cm. Cortesia: Hollybush Inca II, 1973. (Série: Video Trans p.106
Gardens, Londres e Galeria Americas. 1973-1976). Vídeo
Filomena Soares, Lisboa. Kasper Akhøj e Tamar Guimarães
(som, preto e branco), 27' 32".
Imagem: Pedro Tropa. Imagem: Estate of Juan Downey. A família do Capitão Gervásio,
2013. Filme em 16 mm em
loop (som, branco e preto),
130
14', estruturas de concreto. Gallery Foundation, Varsóvia. pp.121, 122
Cortesia: Kasper Akhøj, Tamar Imagem: Marek Gardulski. Teresa Lanceta
Guimarães, Galeria Fortes
Vilaça, São Paulo e Ellen De p.115 Handira Aït Ouarain, sem data.
Bruijne Projects, Amsterdã. Tecido em lã e algodão, 168 × 97 cm.
Thiago Martins de Melo Coleção: Teresa Lanceta.
Imagem: Kasper Akhøj e Tamar
Guimarães. Árvore de sangue – Fogo Imagem: Handira marroquina
que consome porcos, 2013. original.
pp.108, 109 Óleo sobre tela, 390 × 360 cm. Handira III, 1997. Tecido em
Imagem: Mendes Wood DM, São lã e algodão, 168 × 97 cm.
Armando Queiroz com Almires Paulo, Brasil.
Martins e Marcelo Rodrigues Imagem: Teresa Lanceta.
131
sobre parede, 300 × 400 cm. Errar de Dios, 2014 [Errar de pp.184, 185
Imagem: Qiu Zhijie. Deus], dimensões variáveis. Clara Ianni e
Cortesia: Etcétera... Débora Maria da Silva
pp.168, 169
p.180 Apelo, 2014. Fotografias
Tony Chakar de produção para vídeo.
Of Other Worlds That Are in Walid Raad Cortesia: Clara Ianni e Débora
This One, 2014. [Sobre outros Untitled III [Sem título III]. Untitled Maria da Silva.
mundos que estão neste]. Imagens XV [Sem título XV]. Untitled XIV
feitas com telefone celular. [Sem título XIV]. Untitled XIII [Sem pp.186, 187
Imagem: Tony Chakar. título XIII]. Untitled I [Sem título I] Agnieszka Piksa
e Untitled II, 2014. [Sem título II].
p.170 (Série: Scratching on Things That Justice for Aliens, 2012. [Justiça
I Could Disavow [Riscando em para os aliens]. Colagens digitais,
Yael Bartana 37× 52,5 cm. Imagem: Agnieszka
coisas que eu poderia repudiar]).
Inferno, 2013. Vídeo (som, cor), Madeira, drywall, tinta, dimensões Piksa.
18' 7". Cortesia: Petzel Gallery, variáveis. Coleção: particular,
Nova York, Annet Gelink Gallery, Bagdá. Cortesia: Paula pp.188-190
Amsterdã e Sommer Contemporary Cooper Gallery, Nova York. Basel Abbas e
Art, Tel Aviv. Imagem: Yael Bartana. Imagem: Walid Raad. Ruanne Abou-Rahme
p.171 The Incidental Insurgents: The
p.181 Part About the Bandits, 2012.
Mapa Teatro – Laboratorio de Voluspa Jarpa [Os insurgentes incidentais:
artistas a parte sobre os bandidos].
Minimal Secret, 2011. [Segredo
Los incontados: un tríptico, 2014. mínimo]. Cartão cortado a laser, Capítulo 1: instalação composta
[Os não contados: um tríptico]. 80 × 40 cm. Imagem: Voluspa Jarpa. de documentos, imagens, itens
Instalação, dimensões variáveis. pessoais, mesas, cadeiras,
Imagem: Mapa Teatro. p.182 banqueta, armário de escritório,
caixas arquivo, alto-falantes, 2
pp.172-174 Lázaro Saavedra tocadores de discos, vinis, som
Chto Delat Karl Marx, 1992. Colagem. de disco quebrado, computador
Imagem: Lázaro Saavedra. de mesa com vídeo de 35' 51"
The Excluded. In a moment of em loop. Capítulo 2: vídeo de 6'
danger. 2014. [Os excluídos. Em um pp.183, 184 em um canal e som em 2 canais,
momento de perigo]. Imagens para subwoofer, dimensões variáveis.
filme. Imagem: Chto Delat. Johanna Calle
Cortesia: Basel Abbas, Ruanne
Nogal, 2012. [Nogueira. Abou-Rahme e Carrol/Fletcher
p.175 (Série: Perímetros)]. Texto Gallery, Londres, Reino Unido.
León Ferrari datilografado sobre livro de Imagem: Servet Dilber/13th
registro antigo. 320 × 412 cm. Istanbul Biennial.
Palabras Ajenas, 1967. [Palavras Coleção: Marilia Razuk.
alheias]. Capa de livro. Cortesia: Johanna Calle e
Imagem: Fundación Augusto y p.191
Galeria Marília Razuk, São Paulo.
León Ferrari, Buenos Aires. Imagem: Johanna Calle. Halil Altındere
Imagem de processo para Wonderland, 2013. [País das
p.175 maravilhas]. Vídeo (som, cor),
Perímetros. Cortesia: Johanna
Sergio Zevallos Calle e Galeria Marília Razuk, São 8' 25". Cortesia: Halil Altındere
Andróginos, 1998-2000. Têmpera, Paulo. Imagem: Johanna Calle. e Pilot Galeri, Istambul.
pastel, grafite e colagem sobre Imagem: Halil Altındere.
Contables, 2008. [Contáveis].
papel, 160 × 115 cm. Coleção: (Série: Imponderables
Museo de Arte de Lima. pp.191, 192
[Imponderáveis]). Tela de metal e
Imagem: Sergio Zevallos. cobre sobre papel cartão, várias Exposição Del Tercer Mundo
dimensões. Imagem: Johanna Calle [Do Terceiro Mundo], zona 2, 1968.
pp.176-178 Fotografia em preto e branco.
Etcétera... Imagem: Archivo Fotográfico
(CREART), Ministerio de Cultura,
Infierno financiero. 2014. Havana, Cuba.
[Inferno financeiro]. Colagens
para instalação participatória
132
p.193 em vídeo SD cortesia de Jacques p.241
Yonamine Lin, filmadas em La Magnanerie, Figura mascarada Kawmot, Costa
Graniers, Monoblet (França) entre Sul de New Britain. Imagem de
neoblanc, 2013. Serigrafia. 2000 e 2008. Imagens: Imogen
21 × 30 cm. Imagem: Yonamine. pesquisa de Kasper Akhøj e Tamar
Stidworthy. Guimarães. Imagem: Wellcome
p.194 Library, Londres.
p.230-233
Documento do Arquivo do Giuseppe Campuzano p.242
Congreso Cultural de La
Habana, 1968. Fotografia digital. Carnet, 2011. Fotografias para Sergio Zevallos
Imagem: Jakob Jakobsen e documento de identidade. Martirios, 1983. (Série: Suburbios).
María Berríos. Imagem: Giuseppe Campuzano. Fotografia de prata sobre
DNI (De Natura Incertus), 2009. papel baritado, 60 × 38,5 cm.
p.212 [RG]. Imagem: Carlos Pereyra. Cortesia: Galería 80 m2
Rampa do Pavilhão Ciccillo Letanía, 2009-2013. [Litania]. Livia Benavides, Lima.
Matarazzo. Fotografia. Impressão lenticular, 110 × 144 cm. Imagem: Sergio Zevallos.
Imagem: Andrés Otero/Fundação Imagem: Giuseppe Campuzano. Ambulantes, 1983.
Bienal de São Paulo, 2011. Línea de vida / Museo Travesti del (Série: Suburbios). Fotografia
Perú, 2009-2013. [Linha de vida / de prata sobre papel baritado,
p.213 Museu Travesti do Peru]. Coleção: 14 × 9 cm. Cortesia: Museo de Arte
Cartaz da 31ª Bienal, 2014. Luis Eduardo Wuffarden, Lima. de Lima – Comitê de Aquisições
Desenho: Prabhakar Pachpute. Imagem: Courret Hermanos. de Arte Contemporânea 2013.
Imagem: Fundação Bienal de Imagem: Sergio Zevallos.
São Paulo. pp.234-238
p.243
Ines Doujak e John Barker
p.214 Yeguas del Apocalipsis
Loomshuttles, Warpaths /
Esboço conceitual do Eccentric Archive, 2009-. Las dos Fridas, 1989/2014. [As duas
projeto expográfico da 31ª [Lançadeiras de tear, trilhas de Fridas]. Fotografia, 120 × 135 cm.
Bienal por Oren Sagiv, 2014. guerra / Arquivo excêntrico]. Imagem: Pedro Marinello.
Imagem: Studio Oren Sagiv. Imagem: Ines Doujak e John Barker. San Camilo – Leonora. 1989/2014.
Imagem: Pedro Marinello.
pp.216-225 p.239
Estudos arquitetônicos e planos, Juan Downey p.244
2014. Imagens: Studio Oren Sagiv. Mujeres Creando
Untitled (Viaje a Perú-Bolivia),
p.226 1976. [Sem título (Viagem Peru- Desenho para Espacio para
Bolívia)]. Óleo sobre madeira, abortar, 2014. [Espaço para
Val del Omar 91,4 × 71 cm. Imagem: Estate of Juan abortar]. Imagem: Mujeres
Fuego en Castilla, 1958-1960. Downey/Artists Rights Society Creando.
[Fogo em Castela]. Filme 35 mm (ARS), Nova York.
(som, preto e branco ), 17'. p.244
Imagem: Museo Nacional Centro pp.240, 241 Nahum Zenil
de Arte Reina Sofía, Madri. Nilbar Güreş
Doação do Archivo María José Evangelista, 1989. Técnica mista,
Val del Omar e Gonzalo Sáenz de Overhead, 2010. [Sobre a 42,5 × 35 cm. Imagem: Manuel
Buruaga, 2011. cabeça]. (Série: TrabZONE). Zavala Alonso.
Fotografia c-print, 150 × 100 cm. Gracias Virgencita de Guadalupe,
pp.226, 227 Cortesia: Nilbar Güreş, Rampa, 1984. [Obrigada à Virgenzinha
Istambul e Galerie Martin Janda, de Guadalupe]. Técnica mista,
Imogen Stidworthy Viena. Imagem: Nilbar Güreş. 46 × 31 cm. Imagem: Manuel
Foto de cena para Balayer – A Map The Grapes, 2010. [As uvas]. Zavala Alonso.
of Sweeping, 2014. [Varrer – A Map (Série: TrabZONE). Fotografia
of Sweeping]. Projeção de vídeo c-print, 150 × 100 cm. p.245
HD em 2 telas de madeira no chão; Cortesia: Nilbar Güreş, Rampa,
som ambisônico em 6 canais em Ocaña
Istambul e Galerie Martin Janda,
alto-falantes Genelec; 1 ponto de Viena. Imagem: Nilbar Güreş. Inmaculada de las pollas, 1976.
foco sonoro Panphonic; tecido; 5 [Imaculada dos paus]. Desenho,
banquetas; 15'. Cortesia: Cenas
133
50 × 60 cm. Coleção: Nazario, pp.266, 267 pp.272-275
Barcelona. Edward Krasiński Val del Omar
p.294 p.310
135
Créditos de alunos da École supérieure d’art
de Bourges. (Thomas Guillot,
Vila Maria, 2014.
Em colaboração com Roger Avanzi,
projetos Sofia Sefraoui, Maude Sobeyrand,
Justine Tirroloni). Filmado em
os passistas da Escola de Samba
Unidos de Vila Maria e o fotógrafo
16mm com uma câmera mecânica Egbert Trogemann. Filmado na
Bolex e uma câmera digital Escola de Samba Unidos de Vila
Alejandra Riera com UEINZZ Blackmagic pocket Super 16. Maria e no Museu do Circo, São
“... - OHPERA – MUET -...” Paulo.
[“... - OHPERA – MUDA -...”] on
the date of 3 September 2014. Asger Jorn
Vistas parciais (imagem-texto) e 10.000 års nordisk folkekunst, Etcétera...
fragmentos de um filme inacabado 1961-1965. [10.000 anos de arte Infierno financiero. 2014. [Inferno
produzido principalmente em popular nórdica]. financeiro].
Buenos Aires de dezembro 2013 a
Fotografias de Gérard Franceschi. Um projeto de Etcétera... Textos:
abril 2014. Som e imagem foram
viabilizados com a ajuda de várias Franco Berardi “Bifo”, Loreto Garín
pessoas, incluindo: Anaomar Iris Guzmán e Federico Zukerfeld.
Basel Abbas e Desenvolvimento tecnológico: em
Santana, Mario Leoncio Barrios
Ruanne Abou-Rahme colaboração com Muntref Arts and
e Enrique Mamani (ORCOPO,
Organización de Comunidades The Incidental Insurgents, 2012-. Science da Universidad Nacional
de Pueblos Originarios), Sergina [Os insurgentes incidentais]. Tres de Febrero, Nahuel Sauza,
Morte e Javier Ortuño (ativistas Parte 1: The Incidental Insurgents: Facundo Suasnabar, Fernando
descendentes de africanos em The Part about the Bandits [A parte Nicolosi (UNTREF). Arquitetura:
Buenos Aires), Domingo Tellechea sobre os bandidos]. Antoine Silvestre. Projeto gráfico:
(escultor, restaurador). Equipe de Hernán Cardinale. Agradecimento
Coproduzido por Young Arab especial: Fundación Augusto y
filmagem em Buenos Aires: Bohm-
Theatre Fund e Al-Ma’mal León Ferrari.
cine (Laura Arensburg, Federico
Foundation for Contemporary Art,
Bracken, Facundo Gomez, Alejo
Jerusalém. Cortesia dos artistas e
Frias, Violetta Kovensky), Marcelo
Carroll/Fletcher, Londres. Imogen Stidworthy
Moreno. Agradecimentos: Daniel
Bohm, Alejandro Zanelli, Paulo Parte 2: The Incidental Insurgents: Balayer – A Map of Sweeping,
Vanucchi, Rafael Folonier, Dario Unforgiving Years [Anos 2014. [Varrer – A Map of
Guerzoni, Eduardo Narvaez, Dean imperdoáveis] Sweeping].
Inkster. Edição em andamento: Chapter 3 (2014) Imogen Stidworthy em
Alejandra Riera com Marine
Coproduzido pela Akademie der colaboração com Gisèle
Bouley. Transcrições: Erika Alvarez
Künste der Welt em Colônia. Durand-Ruiz e Jacques Lin, e
Inforsato, Salvador Schavelzon,
Cortesia dos artistas e Carroll/ com participação de Christoph
Soledad Torres Agüero.
Fletcher, Londres. Berton, Gilou Toche and Malika
UEINZZ: Adélia Faustino, Aílton
Boulainseur. Com as vozes de
Carvalho, Alexandre Bernardes,
Dominique Hurth, Jacques Lin
Amélia Monteiro de Melo, Ana
Chto Delat e Suely Rolnik. Mixagem de
Goldenstein Carvalhaes, Ana
The Excluded. In a moment of áudio: Stefan Kazassoglou. Pós-
Carmen del Collado, Arthur
danger. 2014. [Os excluídos. Em produção de vídeo: Martin Wallace.
Amador, Eduardo Lettiere, Erika
um momento de perigo]. Agradecimentos: Sandra Álvarez
Alvarez Inforsato, Fabrício Lima
Coproduzido com Secession, de Toledo pelo compartilhamento
Pedroni, Jaime Menezes, José
Viena. generoso de seus pensamentos e
Petrônio Fantasia, Leonardo
conhecimentos, e por seu apoio.
Lui Cavalcanti, Luis Guilherme
Ribeiro Cunha, Luiz Augusto
Collazzi Loureiro, Maria Yoshiko Danica Dakić
Ines Doujak e John Barker
Nagahashi, Onés Antonio Cervelin, Céu, 2014.
Paula Patricia Francisquetti, Pedro Loomshuttles, Warpaths, 2009-.
Em colaboração com os alunos e [Lançadeiras de tear, trilhas de
França, Peter Pál Pelbart, Rogéria
funcionários do Colégio de Santa guerra].
Neubauer, Simone Mina, Valéria
Inês, com o fotógrafo Egbert
Felippe Manzalli. O pequeno Apoio: Projeto financiado pelo FWF
Trogemann. Filmado no Colégio de
cinema ao ar livre foi concebido Austrian Science Fund (AR19-G21)
Santa Inês, São Paulo.
em colaboração com Andreas e bmukk.
Maria Fohr (artista e cineasta) e
será construído com a ajuda de
136
Jakob Jakobsen e María Berríos Testar. Produtor: Eve Gabereau. Sheela Gowda
The Revolution Must Be a School Coprodutores: Emily Morgan, Those of Whom, 2014. [Aqueles
of Unfettered Thought, 2014. Gerry Flahive for NFB, Anita Lee dos quais].
[A revolução deve ser uma escola for NFB. Produtores executivos:
Lourenço Sant’ Ana for RT Agradecimentos especiais:
de pensamento irrestrito]. Sébastien Kopp, Bia Saldanha,
Features, Michelle Van Beusekom
Apoio: Danish Arts Foundation. for NFB. Agradecimentos especiais: Denise Milfont, François-Ghislain
Barcelona Filmes. Agradecimentos: Morillion, Veja/Vert Shoes.
Daniel Faria Gallery, Toronto,
Juan Pérez Agirregoikoa The Power Plant Contemporary
Letra morta, 2014. Art Gallery, Toronto, Justina M. Yael Bartana
Diretor de fotografia: José Mari Barnicke Gallery, Toronto, National Inferno, 2013.
Zabala. Film Board of Canada, Canada Esse trabalho integra o projeto de
Council for the Arts, Guardian pesquisa Nova Jerusalém, centrado
Vidros do Brasil, Central Saint na análise dos novos movimentos
Hudinilson Jr. Martins, Afterall, Soda Film + religiosos e curado por Benjamin
Art, Quiddity Films, RT Features, Seroussi e Eyal Danon.
Zona de tensão e outros Tropical Filmes, Barcelona Filmes,
trabalhos, anos 1980. Organização Cinecidade Locações, Top 35
Marcio Harum Locação De Equipamentos Yuri Firmeza
Agradecimentos: Maria Adelaide Cinematográficos, SuperLimão
Pontes e Mario Ramiro pelo Studio, Arte Tubos, Terra de Santa Nada é, 2014.
primeiro levantamento geral das Cruz, Condomínio Copan, Edifício Diretor: Yuri Firmeza. Diretor
obras de Hudinilson Jr., Jacqueline Martinelli, SP Urbanismo, Clube assistente: Giancarlo Maia.
Martins, Afonso Luz e Douglas de Mães, Galeria do Rock, MASP, Pesquisa e projeto: Yuri Firmeza.
de Freitas. Hudinilson e Maria Via Quatro, Playarte Pictures, Produtor executivo: Camila
Aparecida Urbano. Cine Marabá, Prefeitura de São Battistetti. Produtor: Lohayne Lima.
Paulo, Subprefeitura da Sé, Pará Diretor de fotografia: Victor de
Movimento. Melo. Som direto: Danilo Carvalho.
Kasper Akhøj e Tamar Guimarães Montagem, desenho sonoro e cor:
A família do Capitão Gervásio, Frederico Benevides. Assistente
2013. Nilbar Güreş de montagem: Aline Portugal.
Open Phone Booth, 2011. Mixagem: Érico Sapão. Apoio:
Agradecimentos: Ao Centro Espírita Centro Cultural Banco do Nordeste
Luz da Verdade, seus mediums [Cabine telefônica aberta].
do Brasil.
e pacientes e a medium Vânia TrabZONE, 2010.
Arantes Damo. Apoio: Danish Arts Black Series, 2011. [Série negra].
Foundation.
Apoio: Ministry for Arts, Education
and Culture, Áustria, SAHA e
Mark Lewis Centro Cultural Brasil-Turquia.
Invention, 2014. [Invenção].
Projeto expográfico em Nurit Sharett
colaboração com Mark Wasiuta Counting the Stars, 2014.
e Adam Bandler. Diretor de [Contando as estrelas].
fotografia: Martin Testar.
Apoio: Projeto expográfico em Esse trabalho integra o projeto
colaboração com Mark Wasiuta e de pesquisa Nova Jerusalém,
Adam Bandler. Apoio financeiro: centrado na análise dos novos
Canada Council for the Arts. Apoio movimentos religiosos e curado por
(vidros): Guardian Brasil Vidros Benjamin Seroussi e Eyal Danon.
Planos Ltda. Arquitetos em São Apoio: Rabinovich Foundation e
Paulo: SuperLimão Studio. Filmes: Mifal Hapais.
Uma produção de Mark Lewis
Studio em associação com Soda
Film + Art e co-produção com o
National Film Board of Canada e
RT Features. Autor e diretor: Mark
Lewis. Diretor de fotografia: Martin
137
Biografias uma parte da força motriz da nossa
história. O seu trabalho tem sido
University, organizado pelo Phoenix
Center no campo de refugiados
objeto de inúmeras apresentações, Dheisheh em Belém, na Palestina.
Agnieszka Piksa dentro e fora dos espaços compro-
metidos com a promoção da
O mais recente livro da dupla tem
coautoria com Eyal Weizman e
1984, Varsóvia, Polônia. Vive e produção artística. Desde 2010, ela leva o titulo de Architecture After
trabalha em Cracóvia, Polônia. tem trabalhado como professora de Revolution (2013).
práticas de cinema e documentá-
Agnieszka Piksa é formada
rios na École Nationale Supérieure
pela Academia de Belas Artes
de Cracóvia, e trabalha com
d’arte de Bourges; ela também Almires Martins
dirige um “atelier” Lucioles [a
ilustração, quadrinhos, desenho 1967, Dourado, Brasil. Vive e
oficina Vaga-Lume] na clínica La
e design gráfico. Sua produção trabalha em Belém, Brasil.
Borde, em Cour‑Cherverny, França.
analisa as linguagens visuais para
Poétique(s) de l’inachèvement Almires Martins é indígena do povo
expor os estereótipos da comu-
[Poética(s) da incompletude] é a guarani. Foi boia-fria, cortador de
nicação. Algumas recentes expo-
última ‘tentativa’; um fragmento cana em usinas de açúcar e álcool,
sições de que participou foram
do que foi apresentado no subsolo trabalhou na fundação Curro Velho
Only to Melt, Trustingly, without
do Museo Nacional Centro de Arte e na Secretaria de Meio Ambiente
Reproach (2013), Gallery Škuc,
Reina Sofía em Madri em setembro (SEMA), em Belém, onde conheceu
Liubliana, Eslovênia; Urban Myths
de 2014. Armando Queiroz, que realizava
(2012), Mocak, Cracóvia, Polônia;
uma pesquisa sobre estigmas
Sen jest drugim życiem (2012),
históricos do contexto amazônico
Galeria Miejska BWA, Tarnów,
Polônia; e Eyes Looking for a Head
Alessandro Petti e à época. Do encontro nasceu o
to Inhabit (2011), Muzeum Sztuki, Sandi Hilal vídeo Ymá Nhandehetama, que
em guarani significa “antigamente
Łódź, Polônia.
1973, Pescara, Itália. Vive e trabalha fomos muitos”. A construção do
em Beit Sahour. vídeo contou com a participação
Alejandra Riera 1973, Beit Sahour, Palestina. Vive e
do diretor de fotografia Marcelo
Rodrigues.
trabalha em Beit Sahour.
1965, Buenos Aires, Argentina. Vive
e trabalha em Paris, França. Sandi Hilal e Alessandro Petti
Alejandra Riera define o que faz
são arquitetos e pesquisadores Ana Lira
em urbanismo estabelecidos na
como uma série de “tentativas” 1977, Caruaru, Brasil. Vive e
Palestina. Eles são membros funda-
para examinar a relação da foto- trabalha em Recife, Brasil.
dores do DAAR – Decolonizing
grafia e do cinema com a escrita e
Architecture Art Residency, um Ana Lira é uma fotógrafa indepen-
história. Em 1995, ela estabeleceu
coletivo de arquitetura e um dente e pesquisadora. Há quatro
um espaço de escrita em que
programa de residência artística anos desenvolve e participa de
múltiplas vozes convergem: “les
que combina especulações concei- projetos em educação, curadoria
maquettes‑sans‑qualité” [modelos
tuais e intervenções arquitetônicas. e edição de narrativas visuais. É
sem‑qualidades], uma forma
Os projetos desenvolvidos no especialista em teoria e crítica
original de descontínuos textos,
DAAR estiveram na 14ª Bienal de de cultura e integrante do grupo
fotografias, legendas, filmes-docu-
Arquitetura de Veneza (2014), Direitos Urbanos. Participou
mentos e narrativas da práxis. Ela
Itália; no Meeting Points 7 (2013), dos coletivos 7Fotografia,
também deu início a vários grupos
Antuérpia, Bélgica/Beirute, Líbano/ Trotamundos, Boivoador, Paspatu
de pesquisa: um que envolve os
Viena, Áustria; James Gallery e Vacatussa. Editou durante cinco
habitantes de um bairro da peri-
(2012), Nova York, Estados Unidos; anos a extinta revista Rabisco, além
feria, no sul da França, e outro com
e na Nottingham Contemporary de integrar diversos festivais e
pessoas em sofrimento psíquico,
(2012), Reino Unido. O DAAR projetos independentes, on‑line e
com o objetivo de estabelecer
recebeu o Prince Claus Award for impressos, espalhados pelo país.
uma Enquête sur le/dehors notre
Architecture, o Foundation for Arts
[investigação sobre o/o nosso lado
Initiative Grant, e foi nomeado
de fora]: uma investigação sobre o
para o Iakov Chernikhov Prize.
significado, não de “informação”,
Juntamente com a pesquisa e a
mas da “história” e “micro-história”
prática, Hilal e Petti estão envol-
e “fora”, no sentido de cuidar, e
vidos com a pedagogia crítica. São
atenção, tudo o que, residindo
membros fundadores do Campus
na nossa periferia, é transitório, e
in Camps, um programa educa-
que, ao mesmo tempo, constitui
cional experimental da Al Quds
138
Anna Boghiguian do Museu da Imagem e do Som do
Pará, Brasil. É diretor da Casa das
Asier Mendizabal
1946, Cairo, Egito. Vive e trabalha Onze Janelas em Belém, Brasil. 1973, Ordizia, Espanha. Vive e
no Cairo, Egito, e em outras trabalha em Bilbau, Espanha.
cidades.
Anna Boghiguian tem um coti-
Arthur Scovino Asier Mendizabal explora em seu
trabalho a contradição entre, de
diano nômade entre o Egito, a 1980, São Gonçalo, Brasil. Vive e um lado, a linguagem formal da
Índia e a Europa. Estudou arte e trabalha em Salvador, Brasil. abstração, com suas implicações
música na Concordia University, de transcendência, e, do outro,
Arthur Scovino desenvolve
em Montreal, Canadá, e ciência a pretensão de atribuir a essa
pesquisas artísticas que versam
política e economia na American linguagem significados concretos,
sobre o ambiente, a cultura e as
University, no Cairo. Durante suas ao colocá-la em relação com
relações afetivas e sociais na Bahia,
viagens, desenvolveu diversas situações históricas específicas.
sobretudo em Salvador, onde vive
séries de desenhos e colagens, Expôs individualmente em
desde 2009. Atualmente investiga
muitas vezes misturadas com texto, Hordaland Kunstsenter (2013),
símbolos do imaginário religioso
em espécies de diários. Entre suas Bergen, Noruega; Raven Row
e da miscigenação brasileira. Sua
recentes exposições individuais, (2011), Londres, Reino Unido;
obra abarca fotografia, desenho,
está ZYX‑XYZ an Autobiography: Museo Nacional Centro de Arte
objeto, vídeo e performance. Entre
Odd Times in Life (2013), Galerie Reina Sofía (2011), Madri, e MACBA
as mostras coletivas de que parti-
Sfeir‑Semler, Hamburgo, (2008), Barcelona, ambos na
cipou estão a 3ª Bienal da Bahia
Alemanha. Participou de mostras Espanha. Entre as exposições cole-
(2014), Igreja dos Aflitos, Salvador,
coletivas como a 1ª Bienal de tivas, estão A Singular Form (2014),
Brasil; Reforma e reinvenção
Cartagena (2014), Colômbia; docu- Secession, Viena, Áustria; a 54ª
(2013), Museu de Arte Moderna
menta 13 (2012), Kassel, Alemanha; Bienal de Veneza (2011), Itália; In
da Bahia MAM‑BA; Levando os
e a 10ª Bienal de Sharjah (2011), the First Circle (2011‑12), Fundació
elepês de Gal para passear...
Emirados Árabes. Tapies, Barcelona, Espanha; Às
(2011), Galeria ACBEU,Salvador; e
artes, cidadãos (2010‑11), Museu
Corpoabertocorpofechado (2011),
Serralves, Porto, Portugal; a
Armando Queiroz Galeria Cañizares (UFBA), Salvador,
Bahia. Foi premiado no Salão de
4ª Bienal de Bucareste (2010),
Romênia; Manifesta 5 (2004),
1968, Belém, Brasil. Vive e trabalha Artes Visuais da Bahia em 2013.
Donostia‑San Sebastián, Espanha;
em Belém.
e a 3ª Bienal de Taipei (2002),
Armando Queiroz é artista visual e
técnico em museus. Sua produção
Asger Jorn Taiwan.
153
Fundação Bienal Membros
de São Paulo Alberto Emmanuel Whitaker
Alfredo Egydio Setubal
Aluizio Rebello de Araujo
Fundador Antonio Bias Bueno Guillon
Antonio Bonchristiano
Francisco Matarazzo Sobrinho † 1898–1977
Antonio Henrique Cunha Bueno
presidente perpétuo
Beatriz Pimenta Camargo
Beno Suchodolski
Conselho de honra Cacilda Teixeira da Costa
Carlos Alberto Frederico
Oscar P. Landmann † · presidente
Carlos Jereissati Filho
Cesar Giobbi
Conselho de Honra de ex-Presidentes Claudio Thomas Lobo Sonder
Danilo Santos de Miranda
Alex Periscinoto
Decio Tozzi
Carlos Bratke
Eduardo Saron
Celso Neves †
Elizabeth Machado
Edemar Cid Ferreira
Emanoel Alves de Araújo
Heitor Martins
Evelyn Ioschpe
Jorge Eduardo Stockler
Fábio Magalhães
Jorge Wilheim †
Fernando Greiber
Julio Landmann
Fersen Lamas Lembranho
Luiz Diederichsen Villares
Geyze Marchesi Diniz
Luiz Fernando Rodrigues Alves †
Heitor Martins
Maria Rodrigues Alves †
Horácio Lafer Piva
Manoel Francisco Pires da Costa
Jackson Schneider
Oscar P. Landmann †
Jean-Marc Robert Nogueira Baptista Etlin
Roberto Muylaert
João Carlos de Figueiredo Ferraz
José Olympio da Veiga Pereira
Conselho de administração Maria Ignez Corrêa da Costa Barbosa
Marisa Moreira Salles
Tito Enrique da Silva Neto · presidente
Meyer Nigri
Alfredo Egydio Setubal · vice-presidente
Miguel Wady Chaia
Nizan Guanaes
Paulo Sérgio Coutinho Galvão
Membros vitalícios Roberto Muylaert
Ronaldo Cezar Coelho
Adolpho Leirner
Sérgio Spinelli Silva Jr.
Alex Periscinoto
Susana Leirner Steinbruch
Álvaro Augusto Vidigal
Tito Enrique da Silva Neto
Carlos Bratke
Tufi Duek
Carlos Francisco Bandeira Lins
Gilberto Chateaubriand
Hélène Matarazzo Conselho fiscal
Jens Olesen
Carlos Alberto Frederico
Julio Landmann
Gustavo Halbreich
Marcos Arbaitman
Tito Enrique da Silva Neto
Pedro Aranha Corrêa do Lago
Pedro Aranha Corrêa do Lago
Pedro Franco Piva
Pedro Paulo de Sena Madureira
Roberto Pinto de Souza
Rubens José Mattos Cunha Lima
154
Diretoria executiva
Luis Terepins · presidente
Justo Werlang · 1º vice-presidente
Salo Kibrit · 2º vice-presidente
Diretores
Flavia Buarque de Almeida
João Livi
Lidia Goldenstein
Mario Cunha Campos
Rodrigo Bresser Pereira
Consultor
Emilio Kalil
Superintendente
Rodolfo Walder Viana
Coordenações gerais
Projetos e produção
Dora Silveira Corrêa
Curadora educacional
Stela Barbieri
155
31ª Bienal de São Paulo Assistentes de produção
Adelaide D'Esposito
Fernando Hargreaves
Curadoria Fernando Ticoulat
Charles Esche · curador Gabriela Lopes
Galit Eilat · curadora
Logística e transporte
Nuria Enguita Mayo · curadora
Luiz Santorio
Oren Sagiv · curador
Patricia Lima
Pablo Lafuente · curador
Benjamin Seroussi · curador associado Conservação
Luiza Proença · curadora associada Graziela Carbonari
Sofia Ralston · assistente curatorial
Pesquisa
Conselho Consultivo Thiago Gil
Ivo Mesquita
Voluntário assistente
Moacir dos Anjos
Jônatas Clemente Pereira de Brito
Suely Rolnik
Audiovisual de obras
Maxi Áudio Luz Imagem
Arquitetura
Cenotecnia
Oren Sagiv · arquiteto chefe
Fresh Design
Anna Helena Villela · coordenadora
Roi Zach · arquiteto Projeto luminotécnico
Izabel Barboni Rosa · assistente de coordenação Design da Luz Estúdio, Fernanda Carvalho
Equipe de arquitetura
Beatriz Vicino Comunicação
João Yamamoto
Coordenação de comunicação
Karina Kouhtek
Felipe Taboada · coordenador
Liz Arakaki
Julia Bolliger Murari · assistente de comunicação
Maria Julia Herklotz
Gabriela Longman · assessora de imprensa internacional
Stav Dror
Yifat Zailer Coordenação de design
Ana Elisa de Carvalho Price · coordenadora
Felipe Kaizer · designer gráfico
Programa no Tempo Adriano Campos · assistente de design
Agência Popular de Cultura Solano Trindade Douglas Higa · assistente de design
Carlos Gutierrez · assessor Trans– (Religião e gênero) Meire Assami · assistente de design
Comboio e Movimento Moinho Vivo
Coordenação editorial
COMO Clube · assessores Trans- (Religião e gênero)
Cristina Fino · coordenadora
Digital Art Lab / Nova Jerusalém · Trans– (Religião e gênero)
Diana Dobránszky · editora
Raquel Rolnik · assessora Direito à Cidade
Maria Lutterbach · editora assistente
Stephen Wright · assessor Usos da Arte
Zeyno Penkulu · assessora Direito à Cidade Coordenação de internet e novas tecnologias
Victor Bergmann · coordenador
Projetos e produção Apoio à coordenação geral
Eduardo Lirani · controlador e produtor gráfico
Gerentes de produção
Felipe Isola Gerenciamento de documentação audiovisual
Joaquim Millan Pedro Ivo Trasferetti von Ah
Produtores sênior Assessoria de imprensa
Helena Ramos Pool de Comunicação
Waleria Dias
Assessoria externa de imprensa internacional
Produtores júnior Rhiannon Pickles PR
Lilian Bado
Audioguia
Veridiana Simons
Estúdio Zut
Vivian Bernfeld
Viviane Teixeira
156
Desenvolvimento de website Produção
Agência Pic Ana Luisa Nossar · coordenadora
Dayves Vegini · assistente coordenação
Desenvolvimento de aplicativo mobile Lila Schnaider · produtora
Estúdio Existo Uirá França · produtor
Produção Gráfica André Bitinas · assistente
Signorini Produção Gráfica Pedro Nascimento · assistente
Diogo Terra Vargas · estagiário
157
Lucas Itacarambi Marketing e captação de recursos
Lúcia Abreu Machado
Marta Delpoio · coordenadora
Luciano Fávaro
Gláucia Ribeiro · analista
Marcel Cabral Couto
Raquel Silva · assistente
Marco Biglia
Maria Elisabeth Vespoli
Maria Filippa Jorge Recursos humanos e manutenção
Marisa Pires Duarte
Mário Rodrigues · gerente
Marlene Hirata
Albert Cabral dos Santos · assistente de recursos humanos
Nuria Enguita Mayo
Danilo Alexandre Machado de Souza · auxiliar de
Oiram Bichaff
recursos humanos
Pablo Lafuente
Manoel Lindolfo C. Batista · engenheiro consultor
Pedro Garbellini da Silva
Wagner Pereira de Andrade · zelador
Pio Santana
Regiane Ishii Recepção
Rosana Martins Fabiana Salgado
Roseli Alves José Cicero Quelis da Silva
Sattva Horaci Nilsandro Batista
Stela Barbieri Marcelo dos Santos
Sofia Ralston Pedro Luiz Januário
Talita Paes Rogério de Jesus Rodrigues
Vivian Lobato
Corpo de Bombeiros
Viviane Tabach
André Fernando Ferreira Pacifico
Artur Medeiros
Arquivo Bienal Leandro Silva Meira Corelli
Ricardo de Azevedo Santos
Ana Luiza de Oliveira Mattos · coordenadora
Ana Paula Andrade Marques · pesquisadora Manutenção
Fernanda Curi · pesquisadora Alexandro Pedreira da Silva
Giselle Rocha · conservação Cléber Silva de Souza
Melânie Vargas de Araujo · arquivista Paulo Vitor Silva Oliveira
Projeto Biblioteca Vanderlan da Silva Bispo
Maria do Socorro Ferreira de Araújo · bibliotecária
Faxineiros
Marcele Souto Yakabi · arquivista
Isabel Rodrigues Ferreira
Milton dos Santos · assistente
Mércia Ferreira da Silva
Projeto Inventário
Rodrigo Costa de Assunção
Silvana Goulart França Guimarães · coordenadora
Vanilde Herculano da Silva
Ana Maria de Almeida Camargo · consultora
Sebastiana Cordeiro da Silva · arquivista sênior
Gustavo Aquino dos Reis · arquivista júnior Relações institucionais
Matheus Pastrello da Silva · estagiário
Flávia Abbud · coordenadora
Gabriela Brancaglion Alfonso · estagiária
Marina Dias Teixeira · assistente
Thaís Vital Pelligrinelli · estagiária
Guilherme Rodrigues Ribeiro da Silva · estagiário
Secretaria geral
Assessoria jurídica Maria Rita Marinho · gerente
Angélica de Oliveira Divino · auxiliar administrativa
Marcello Ferreira Netto
Carlos Roberto Rodrigues Rosa · portador
Josefa Gomes · auxiliar de copa
Finanças e controladoria
Vagner Carvalho · gerente Tecnologia da informação
Amarildo Firmino Gomes · contador
Leandro Takegami · coordenador
Fábio Kato · auxiliar financeiro
Jefferson Pedro · assistente
Lisânia Praxedes dos Santos · assistente de contas a pagar
Thatiane Pinheiro Ribeiro · assistente financeiro
Valdemiro Rodrigues da Silva · coord. de compras e almoxarifado
Vinícius Robson da Silva Araújo · comprador sênior
158
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Publicação (CIP)
Concepção geral
Benjamin Seroussi [Catálogo da 31ª Bienal de São Paulo – Como (…) coisas que
Charles Esche não existem] / Organizado por Nuria Enguita Mayo e Erick
Galit Eilat Beltrán. -- São Paulo : Fundação Bienal de São Paulo, 2014.
Luiza Proença
Curated by: Charles Esche, Galit Eilat, Nuria Enguita Mayo, Oren
Nuria Enguita Mayo
Sagiv, Pablo Lafuente, Benjamin Seroussi, Luiza Proença.
Oren Sagiv
Pablo Lafuente ISBN: 978-85-85298-48-7
Coordenação editorial
Editorial Bienal Índice para catálogo sistemático:
159
Agradecimentos
Institucional:
ABACT, Academy of the Arts of the World, Cologne, Acervo África, Acervo do Laje, Afterall,
Arquivo da Câmara dos Deputados, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro, Arte Tubos, Associação Cultural Kinoforum, Associação Reciclázaro,
Ateliê Aberto, Barcelona Filmes, Biblioteca Terra Livre, Brilia, Canada Council for the Arts, Casa
da Imagem, Casa da Lapa, Casa de Cultura Tainã, Casa do Migrante, Casa do Povo, Central Saint
Martins, Centro Cultural São João, Centro Cultural São Paulo – CCSP, Centro de Convivência e
Cooperativa (CECCO) Ibirapuera, Centro de Convivência Educativo e Cultural de Heliópolis, Centro
de Formação Cultural Cidade Tiradentes, Choque Cultural, Cia Ballet de Cegos, Cine Marabá,
Cinecidade Locações, Clube de Mães, Colégio de Santa Inês, Coletivo BaixoCentro, Coletivo Feito
a Mão, Coletivo Katu, Coletivo Ocupe a Cidade, Condomínio Copan, Consulado Geral do México
em São Paulo, Coordenação de Documentação Diplomática do Ministério das Relações Exteriores,
Daniel Faria Gallery, Danish Arts Foundation, Edifício Martinelli, EE Professor Augusto Baillot, EE
Professor Ceciliano José Ennes, El Galpón Espacio, Embaixada da República da Polônia em Brasília,
EMEF Deputado Rogê Ferreira, EMEF General Osório, EMEF Presidente Campos Salles, Escola de
Samba Sociedade Rosas de Ouro, Escola de Samba Unidos de Vila Maria, Espaço Fonte, ETEC de
Artes, FDE – Fundação para o Desenvolvimento da Educação, Foksal Gallery Foundation, Fundação
Julita, Fundação Theatro Municipal de São Paulo, Fundación Augusto y León Ferrari Arte y Acervo
(FALFAA), Galeria Athena Contemporânea, Galeria do Rock, Galeria Isabel Aninat, Goethe-Institut São
Paulo, Grupo Cangarassu, Guardian Vidros do Brasil, Hebraica São Paulo, Ilú Obá De Min, Instituto
Brincante, Instituto de Artes do Pará, Instituto João Goulart, Instituto Nova União da Arte, Justina
M. Barnicke Gallery, Kunsthalle Basel, Largo das Artes, Lightbox, Marcha das Vadias, Mendes Wood
DM, Metro Jornal, Mifal Hapais, Museo de Arte de Lima (MALI), Museu Afro Brasil, Museu de Arte de
São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), Museu Mineiro, Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía
(MNCARS), Museum Jorn, Museum of Modern Art (MoMA), National Film Board of Canada, Núcleo
de Artes Afrobrasileiras da USP, Núcleo Educativo Bolha de Sabão, Ocupação Cine Marrocos, Pará
Movimento, Pilot Gallery, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Playarte Pictures, Poiesis – Oficinas
Culturais, Prefeitura de São Paulo, Projeto Âncora, Projeto Arrastão, Projeto Latitude, Quiddity
Films, Rabinovich Foundation, Rampa Istanbul, RT Features, Santander Cultural, Sarau da Cooperifa,
Secretaria Municipal da Educação, SISEM – Sistema Estadual de Museus de São Paulo, Soda Film
+ Art, SP Urbanismo, Subprefeitura da Sé, SuperLimão Studio, Terra de Santa Cruz, The Danish
Arts Foundation, The Power Plant Contemporary Art Gallery, Top 35 Locação de Equipamentos
Cinematográficos, Tropical Filmes, UNIFOR, Via Quatro, Videobrasil, Voodoohop, Whitechapel Gallery
Pessoas:
Adam Szymcyzk, Adriana Leal, Adston Mantovani Junior, Afonso Luz, Agustín Pérez Rubio, Aizpea
Goenaga Mendiola, Al Clark, Albert Benlloch, Alberto Whitaker, Alejandra Hernández Muños,
Alejandra Muñoz, Aleksander Gowin, Alessandro Correia Marques, Alexandre Flak, Alexandre
Henrique da Silva, Alfonso Celso, Alissandro Doerzbacher, Alper Demirbas, Amilcar Packer, Amit
Meker, Ana Carolina Druwe, Ana Dupas, Ana Helena Grimaldi, Ana Letícia Penedo, Ana Pato, Ana
Paula Cohen, André Ferraz, André Mesquita, Angélica Viana da Hora, Anibal Jozami, Anita Lee,
Anna Ferrari, Anthony Corwin, Antonio Carlos Figueira de Mello, Antonio de Souza Neto, Arnaldo
de Almeida Santos, Audrey Regina Ponce, Aurora Maria Sgambatti Freitas, Barbara Fischer, Barbara
Thumm, Barry Rosen, Bart Baere, Bartomeu Marí, Bel Falleiros, Bernardo de Souza, Bernardo Nunes
Nielsen, Berta Sureda, Bia Saldanha, Brunna Macedo de Medeiros, Bruno Garibaldi, Bruno Possatti,
Carla Caffé, Carla Tavarez, Carlos Alberto Negrini, Carlos Eduardo Gomes da Silva, Carlos Eduardo
160
Gonçalves, Carlos Eduardo Valadão, Carlos Urroz, Carolina Eymann, Cássia Aparecida Frai Alves,
Celso Curi, Celso Donizeti Brito, Christele Gautschoux, Christian Duarte, Cicero Teles da Silva,
Clara Alves, Cleide Lourenço Inácio Pereira, Clémentine Deliss, Cleuza Silveira, Craig Burnett,
Cristiana Tejo, Cristina Aparecida Reis Figueira, Cristina Flak, Daina Leyton, Daniel Faria, Daniel
Ruaix Duran, Daniel Sabóia, Daniela Castro, Daniela Gutfreund, Daniel Lie, Darlan Alves, Davide
Quadrio, Davidson Panis Kaseker, Débora Rosa da Silva, Defne Ayas, Demétrio Portugal, Denise
Milfont, Dercy Aparecido Pereira, Desiderio Navarro, Diana Wescher, Diogo Rocha Ferreira, Dorota
Kwinta, Douglas Freitas, Eduardo Jesus, Edward Fletcher, Elcio Fonseca, Elena Aparicio, Elena
Hill, Eliana Maria Lorieri, Elizabeth de Toledo e Silva, Elvira Dyangani Ose, Elvira Marco, Emerson
Rossini, Emily Morgan, Eri Alves, Esra Sarigedik, Ester Pegueroles, Eve Gabereau, Fabio Cypriano,
Fábio Gomes, Fábio Moreira Caiana, Fabíola Caetano, Fátima Regina Vilas Bôas, Felipe Luz, Felipe
Tenório da Silva, Felix Esche, Fernando Abdalla, Fernando de Oliveira Silva, Fernando José Mendonça
de Araujo, Fernando Oliva, Flavia Giacomini, Frances Harvey, Francesca Colussi, Francisco Cruz,
François‑Ghisláin Morillion, Frederico Costa Vergueiro, Gabriela Vanzetta, Gaëtane Verna, Gerry
Flahive, Gisneide Tavares da Silva, Guilherme Wisnik, Gustavo Mussi Canovas, Gustavo Tranquilin
Henrique, Heitor Martins, Helena Rabethge, Helmut Batista, Hendrik Folkerts, Hudinilson e Maria
Aparecida Urbano, Iara Rolnik Xavier, Iara Teixeira da Silva, Icaro Vilaça, Iridam Cordeiro Rocha, Irmã
Nilza, Isabel Martínez Abascal, Jairo Degenszajn, Jade Kouri Marcos, Janaina Dalri, Jane Warrilow,
Jânio de Oliveira, Jaqueline Martins, Jean-Claude Bernardet, Jesús Carrillo, Joanna Kiliszek, Joël
Girard, John van de Velde, José Amálio Pinheiro, Jose Eduardo Ferreira Santos (Dinho), José Macedo
de Medeiros, José Roca, Jossua Aquarone, Joyce Almeida dos Santos, Júlia Ferreira, Julia Rebouças,
Juliana Pozzi, Juliana Rodrigues Barros, Julie Trickett, Julieta Zamorano, Julio C. Perez N., Júlio
Martins, Katharina von Ruckteschell-Katte, Kathrin Kur, Laerte Coutinho, Lala Rebaza, Lamartiny
Silveira Gomes, Laura Sobral, Laura Vallés, Laurence Rassel, Laymert Garcia dos Santos, Lia Mara
Piccolo, Lia Rodrigues, Ligia Nobre, Lilian da Silva Lima, Lisa Um, Lisette Lagnado, Lívia Cristina dos
Anjos Nascimento, Lourenço Sant' Anna, Lua Gimenes, Lucas Gioja, Lucas Itacarambi, Lucas Oliveira,
Lucas Satti, Lucia Abreu Machado, Lucia Barnea, Luciane Ramos, Luciano Fávaro, Lucilene Aparecida
Esperante, Ludovic Careme, Luis Enguita, Luis Romero, Luiz Coradazzi, Luiz Fernando de Almeida,
Luiz Fernando Mizukami, Lula Gouveia, Magdalena Ziolkowska, Maila dos Anjos Accula, Manuel
Borja-Villel, Mara Sartore, Marcel Cabral Couto, Marcelo Rezende, Marcelo Walter Durst, Marcio
Harum, Marco A. Biglia Junior, Marcone Vinicius Moraes de Souza, Marcos Moraes, Maria Adelaide
Pontes, Maria da Glória do Espírito Santo de Araújo, Maria Elisabeth Vespoli, Maria Filippa C. Jorge,
Maria Helena Chenque, Mariana Cobra, Mariana Lorenzi, Maribel López, Marília de Santis, Marilys
Downey, Mario Ramiro, Mario Sergio Ribeiro, Marisa Pires Duarte, Marlene Hirata Uchima, Marlise
Ilhesca, Marta Kuzma, Marta Rincón, Matheus Cury, Matias Barboza Pinto, Mauricio Gasperini,
Max Jorge Hinderer Cruz, Michel Gaboury, Miguel A. López, Miguel Albero, Milton Fucci Junior,
Mirela Fernanda Maia Milanez Valverde, Mirian Ribeiro dos Santos, Natalia Majluf, Nayara Datovo
Prado, Nazario Luque Vera, Norton Ficarelli, Oiram Bichaff, Orlando Maneschy, Osman Eralp, Otto
Berchem, Pablo León de la Barra, Patricia Almeida, Paul Dubok, Paula Chiaverini, Paulina Krasinska,
Paulo Herkenhoff, Paulo Rodrigues, Pedro Barbosa, Pedro Garbellini da Silva, Pedro Montes Lira, Pep
Benlloch, Pere Pedrals, Pio Santana, Rachel Cook, Rachel Robey, Rafael Barber, Raimond Chaves,
Raquel Rolnik, Renata Toledo Geo, Rentao Sivieri, Ricardo Resende, Roberto Winter, Rodrigo Nunes,
Rodrigo Oliveira, Rodrigo Teixeira, Ronaldo Antônio dos Santos, Rosario Peiró, Roseli Alves, Roseli
Garcia, Sandra Rodrigues Paula, Solange Farkas, Sonia Ferrari Rodovalho, Sophia Alckmin, Sr. Cabral,
Stephanie Smith, Talita Paes, Tania Bruguera, Tatiana Guerrero, Teresa Lizaranzu, Teresa Østegaard
Pedersen, Thais Romão, Toco Alves, Tom Freitas, Tunga, Vasif Kortun, Vera Lúcia Dias da Silva
Crisafulli, Vicente Todolí, Vitor Cesar, Waltemir Belli Nalles, Yolanda Wood, Zdenka Badovinac e ao
pessoal da Agência Solano Trindade pelo “não” riscado na capa.
161
Correalização
Patrocínio Educativo
Patrocínio
163
Apoio
Parceria cultural
164
Apoio internacional
Realização
165
Yonamine, neoblanc, 2014
Qiu Zhijie, The Map of the Park, 2012 [O mapa do parque]
Of Other Worlds That
Are in This One
Em minhas viagens, tiro fotos com o celular, como todos
fazemos. Tento concentrar-me em lugares e edifícios e, por
isso, as imagens normalmente são desprovidas de pessoas
– ou assim eu imaginava. Tão logo eu plugava o celular
ao computador, automaticamente este abria um aplicativo
(iPhoto) que facilita o processo de descarregar e compar-
tilhar essas imagens nas mídias sociais. O aplicativo possui
também um software de reconhecimento facial que possibi-
lita marcar (tag) pessoas. Quando fui solicitado a marcar as
faces em minhas fotos, fiquei um pouco surpreso e curioso
para ver o que o aplicativo “queria dizer”.
E ali estavam: dezenas de pessoas que consegui-
ram entrar em minhas fotos, apesar de minhas precauções e
minha vontade de captar imagens de cidades vazias. Pesso-
as que não conheci, pessoas que nunca conhecerei ou verei
novamente, estranhos absolutos capturados pela câmera
e que seguiam sua vida cotidiana, alheios por completo à
lente que os manterá cativos para sempre em um estranho
universo digital. Vê-los, observar suas feições, produzia uma
profunda sensação de alienação que me possuía e que eu
não conseguia afastar. O que agravava essa sensação era
que, às vezes, o aplicativo “perdia” alguém – na verdade isso
acontece com muita frequência: duas pessoas caminhando
lado a lado e sou solicitado a identificar este, mas não aquele.
Às vezes o software de reconhecimento facial “confunde”
um rosto, e me pede para etiquetar objetos ou partes estra-
nhas de objetos que os algoritmos concluem ser rostos de uma fachada com duas janelas; outras vezes, apenas seções
pessoas, como o componente de um carro ou a seção de triviais de uma foto que são interpretadas como o rosto de
alguém. “Tudo é face [visage] em uma cultura da visão”,
como notou Jean-François Lyotard.¹
Esses algoritmos de reconhecimento facial estão
praticamente em toda parte nos dias de hoje (em sites de
busca, por exemplo, ou aplicativos de segurança mais es-
pecializados). Quanto às deficiências que descrevi acima,
pode-se facilmente ignorá-las e considerá-las resultado de
imperfeições nas versões correntes dos softwares com as
quais trabalhamos, e que no futuro essas falhas serão sana-
das, e teríamos um algoritmo perfeito capaz de identificar
um rosto, qualquer rosto, de qualquer pessoa, em qualquer
lugar e em qualquer contexto. Pode ser verdade. Porém, e
embora eu não seja um perito técnico, estou certo de que
esses “bugs” são provocados pelo caráter do software em si,
o que significa que provavelmente não será possível chegar
a um algoritmo que funcione sem falhas. Estou certo de
que sempre que tentarmos “traduzir” algo de nosso mundo
físico – o mundo de percepções sensoriais qualitativas –
para um mundo hipertecnológico baseado exclusivamente
Tony Chakar, Of Other Worlds That Are in This na quantidade, falhas como estas estarão fadadas a ocorrer.
One, 2014 [Sobre outros mundos que estão Interferências, anormalidades, singularidades: cesuras no
neste] infinito hiperracional e no continuum espaço-temporal ho-
mogêneo da tecnologia, cesuras que indicam precisamente
os limites do que pretende ser ilimitado, e a irracionalidade
incrustada na que supostamente é a mais racional de todas
as criações humanas. Em outras épocas, místicos que pro-
168
curassem fugir a esse mundo imperfeito em que viviam,
teriam identificado esses momentos como “momentos de
visão”, porque estes criavam uma ruptura no tecido de nos-
so mundo, propiciando um insight sobre o “outro” mundo
– um mundo que não está simplesmente “além” do nosso,
mas também nele. “Há um outro mundo, e ele está neste
mundo”, como dizia Paul Éluard.
Finalmente, a relação entre arte, conceitos e tecno-
logia nunca foi uma relação fácil; nunca foi tampouco uma
relação fixa, especialmente considerando que os termos
de qualquer equação possível entre esses três parâmetros
continuam o tempo todo se deslocando e mudando em velo-
cidades diferentes. O que é frustrante, porém, é a facilidade
com que certos debates sobre arte chegam a conclusões
muito simples concernentes a sua relação com a tecnologia:
que a arte pode sobreviver em um nível tecnológico muito
baixo e que a tecnologia avançada pode apenas propagar
cultura de massa kitsch. Acredito que acontecimentos re-
centes têm mostrado o quanto essas posições são míopes
– um exemplo dentre muitos seriam as faixas de Kafranbel
e o modo como se propagaram nas mídias sociais, e as situ-
ações que criaram para os usuários dessas mídias.2
Tony Chakar
169
Los incontados: discurso de un
hombre decente
Compatriotas,
170
Mapa Teatro – Laboratorio de artistas, Los incontados: un tríptico, 2014 [Os não contados: um tríptico]
171
Notas para o filme The Excluded
Ippolít Nikítitch Míchkin (nascido em 1848 e fuzilado em 1885,
na prisão da fortaleza de Shlisselburg). Revolucionário russo, um
naródnik (populista). Sobre ele, Vladímir Ilítch Lênin escreveu:
“Míchkin era um revolucionário do mais alto grau, no sentido prá-
tico da palavra”.
Filho de um soldado e de uma serva
camponesa, após formar-se Míchkin tornou-
-se muito rapidamente (aos 24 anos) um dos
melhores, mais bem pagos e respeitados este-
nógrafos do país.
Sob a influência geral da conjuntura
russa da época, abriu uma tipografia, pela qual
pretendia publicar literatura edificante, na
esperança de contribuir legitimamente para
a educação do povo. Quando seus jovens fun-
cionários organizaram uma comuna dentro da
tipografia, Míchkin, inspirado por eles, juntou-
-se ao grupo e começou a publicar literatura
subversiva e textos panfletários. A tipografia
sobreviveu, depois disso, por apenas mais um
mês e acabou empastelada pela polícia. Todos
os funcionários foram presos, mas Míchkin
conseguiu fugir para o exterior.
Em Zurique, aderindo à emigração
política, percebeu que o movimento revolu-
cionário na Rússia estava sufocado, sem líder
nem programa político nítido. Ele via uma fi-
gura de liderança em Nikolai Gavrílovitch
Tchernichévski (autor do livro O que fazer?, de
1862), que estava detido numa kátorga (campo
de trabalhos forçados) no interior da Sibéria
profunda. Míchkin decidiu então libertá-lo.
Seu plano era comparecer à kátorga
disfarçado de gendarme e, apresentando docu-
mentos falsos determinando a transferência de
Chto Delat, imagem para The Excluded. In Tchernichévski a outra prisão, raptá-lo e conduzi-lo através da in-
a moment of danger, 2014 [Os excluídos.
findável floresta de taiga até o exterior. Sozinho, sem revelar o pla-
Em um momento de perigo]
no a ninguém, Míchkin chegou até Viliúisk (a viagem durou mais
de seis meses). A investida infelizmente não deu certo, porque ele,
apesar da minuciosa preparação, não conseguiu forjar todos os
documentos necessários e, mais que isso, chegou à prisão sozinho,
sem escolta. O diretor da prisão desconfiou de que havia algo erra-
do e o encaminhou para Yakutsk, acompanhado por dois cossacos.
Míchkin percebeu que estava sob suspeita e tentou fugir, ferindo
um dos comboieiros; mas, perdido na floresta e extenuado pela
fome e pelo cansaço, foi capturado e encaminhado a uma prisão de
Yakutsk. (Reza a lenda que Míchkin fracassou porque, ao se apre-
sentar ao diretor da prisão disfarçado de gendarme, seu uniforme
trazia a agulheta não no lado esquerdo, como é praxe, mas no lado
direito.)
De Yakutsk, ele foi mandado para São Petersburgo, onde
transcorria “o julgamento dos 193” (revolucionários populistas).
Na prisão, fez um discurso que foi publicado em todos os jornais
172
(e, mais tarde, em brochuras divulgadas clandestinamente) e
causou enorme efeito na sociedade russa, porque explicava com
clareza quem eram os revolucionários, por que causa lutavam e
quais eram os seus objetivos. Depois desse discurso, Míchkin foi
considerado o líder dos populistas. O tribunal o condenou a dez
anos de prisão num campo de trabalhos forçados.
Uma vez preso, ele começou logo a maquinar uma fuga.
Passou quase um ano escavando um muro, mas, justo à véspera
da fuga, em pleno dia, resolveu examinar o estado da escavação
e foi flagrado pelos guardas. Transferiram-no para uma kátorga e,
a caminho de lá, fez um segundo discurso célebre por ocasião do
enterro de um amigo, no qual repreendia o regime sangrento
do tsar e profetizava a sua queda iminente.
Em virtude desse discurso, foi conde-
nado a mais quinze anos de prisão.
Na kátorga de Kara, Míchkin prepa-
rou uma nova fuga, dessa vez bem-sucedida.
Em companhia de um amigo, ele atravessou
a floresta de taiga até Vladivostok, sendo,
porém, interceptado pela polícia. Em seguida,
foi enviado de volta a São Petersburgo, onde
inicialmente cumpriu pena na fortaleza de
Pedro e Paulo para então ser transferido à for-
taleza de Shlisselburg – a mais terrível prisão
da Rússia.
A regra mais torturante de Shlis-
selburg era a do silêncio absoluto – todos
os detentos permaneciam trancafiados em
solitárias, quaisquer conversas eram terminan-
temente proibidas e os carcereiros moviam-
-se pelos corredores com botas envoltas em
chinelos de feltro. Míchkin, à custa da própria
vida, resolveu romper o silêncio e acordou
a prisão inteira ao atirar uma tigela de cobre
cheia de mingau no rosto de um carcereiro
(não o acertou). Crimes desse tipo costu-
mavam ser punidos com a pena de morte, e
assim, por decisão judicial tomada a portas
fechadas, ele foi fuzilado no pátio da prisão.
Pouco antes de ser executado, con-
seguiu legar aos camaradas o seu testamento.
Pediu-lhes que o acompanhassem ao último
adeus. Ele sonhava que, quando fosse conduzi-
do à morte, toda a prisão se rebelaria e, com uma canção, romperia
aquele silêncio torturante. Mas isso não aconteceu. Ele cantou so-
zinho, enquanto a prisão se calava.
***
Doze pessoas participarão do nosso filme. São jovens,
que tomaram consciência de que são estranhos ao seu entorno
burguês e romperam com os hábitos do seu meio. Sempre quise-
ram mais do que a vida agradável, comedida e segura podia-lhes
oferecer. Deram-se conta de que são indivíduos em conflito com a
sociedade. Quando se libertaram, viram que o novo meio em que
vivem se constitui todo de indivíduos excluídos – e isso lhes era
maravilhoso. Mas um belo dia entenderam que não queriam con-
tinuar a se deliciar com a individualidade de excluídos, a própria
e a dos amigos. Isso lhes pareceu muito pouco porque, quando
deixaram de pensar apenas no seu caráter de excluídos, olharam
173
ao redor e deram-se conta de quão injusto é o mundo. E desejaram
mudá-lo. Porque a verdadeira individualidade só pode almejar
grandes objetivos. Experimentaram então a própria fragilidade, o
término dos corpos pessoais e individuais. Será que, isoladamente,
poderiam ser uma potência capaz de mudar o mundo? Mas e se
fossem unidos todos com todos? Isso não acarretaria a extinção
da individualidade? Como transformar a fragilidade em força sem
prejudicá-la?
Desse modo, inventaram um jogo: compor, a partir de
seus corpos frágeis e excluídos, um corpo coletivo grande, forte,
mas capaz, no entanto, de mudar o mundo
(ou pelo menos tirá-lo um pouco dos eixos).
Para isso, seria necessário um exemplo.
Quem poderia ser o tal exemplo? Aos olhos
dos nossos jovens, os heróis sem medo
nem recriminação são asquerosos, cons-
tructos ideológicos, voltados a servir ao
poder. Eles procuram então um herói capaz
de concretizar a sua ideia de transformar
fragilidade em força. Após investigarem
figuras de sonhadores revolucionários de
muitas épocas e povos, ocorre-lhes Ippolít
Nikítitch Míchkin, um grande fracassado,
mas optam por ele mesmo assim: apesar de
todos os seus empreendimentos ruírem, foi
ele quem mudou a consciência da socieda-
de russa.
Os nossos jovens querem saber,
precisamente, quais foram as fraquezas
e as falhas que o tornaram um grande.
Eis a boca de Míchkin, que gostava de
falar e persuadir (dois dos seus discursos
renderam-lhe 25 anos de kátorga); eis o
seu coração, que queria bater em uníssono
com os corações dos camaradas e, contudo,
acabava sempre só; eis o seu ouvido, o de
um extraordinário estenógrafo, que captava
imediatamente o discurso do tsar, mas que,
no fim da vida, escutava apenas o silêncio
da prisão da fortaleza de Shlisselburg e as
pancadas que dava na parede o camarada
Popov, seu vizinho de solitária. E eis o
principal malogro de Míchkin: pagar com a
Chto Delat, imagem para The Excluded. In própria vida o desejo de ouvir a canção da
a moment of danger, 2014 [Os excluídos. prisão; de ouvir como soaria a sua garganta. Ou seja, acreditava
Em um momento de perigo] num corpo coletivo da prisão. Só que este estava adormecido, e,
para acordá-lo, Míchkin lançou-se à morte.
Quer dizer que os corpos coletivos começam a reviver
só quando alguém se sacrifica? Quer dizer que um dos nossos
jovens precisa se sacrificar? Como deve ser esse sacrifício? Quem
tem de se sacrificar? Estas são as perguntas que vêm à mente dos
nossos heróis. Encontrarão eles as respostas? Este é o assunto do
nosso filme.
Chto Delat
174
León Ferrari, capa de Palabras Ajenas, 1967 [Palavras alheias]
175
Primeira carta
De nossa consideração:
Aproxima-se o fim do milênio. Aproxima-se, possivelmente, o Apocalipse e o Juízo Final. Se é certo que
são poucos os que se salvam, como adverte o Evangelho, aproxima-se, para a maior parte da humanidade, o
começo de um inferno interminável. Para evitá-lo, basta voltar à justiça que Deus Pai proferiu no Gênesis. Se
Ele castigou a desobediência de Eva suprimindo nossa imortalidade, não é justo que o Filho a tenha restituído
a nós, tantos séculos depois, prolongando sofrimentos. Se uma parte da Trindade profere uma sentença cuja
pena termina e se completa com a morte, outra parte não pode abrir cada causa, acrescentar outra sentença,
ressuscitar o cadáver e aplicar um castigo adicional que repete infinitas vezes o castigo já cumprido pelo
pecador uma vez morto. A justiça do Filho contradiz e viola a do Pai. A existência do Paraíso não justifica a do
Inferno: a bondade dos poucos salvos não lhes permitirá serem felizes sabendo eternamente que namoradas ou
irmãs ou mães ou amigos e também desconhecidos e inimigos (próximo que Jesus nos ordena amar e perdoar)
sofrem em terras de Satanás. Solicitamos-lhe então voltar ao Pentateuco e tramitar a anulação do Juízo Final e
da imortalidade.
Saudamo-lo atenciosamente,
Cihabapai
(Clube de Ímpios, Hereges, Apóstatas, Blasfemos, Ateus, Pagãos, Agnósticos e Infiéis, em formação, fundado
por León Ferrari)
176
O Papa viajará a Nova York
AP (1)
O Papa vai rogar pela paz no Yankee Stadium e rogar por ela na
La Nación
Assembleia das Nações Unidas
AFP A cidade de Nova York está disposta a viver com plena alegria a
jornada de depois de amanhã, em cujo transcurso todas as popula-
ções do globo poderão seguir passo a passo, graças a “Mundovisión”,
o que jamais ocorreu até o presente na história do cristianismo, a
visita de um soberano Pontífice aos Estados Unidos
Time Johnson e seus assessores do primeiro escalão se reuniram nova-
mente no Texas ao ar livre sob um sol quente
UP A missão do Papa se limitará a “despertar a consciência moral da
humanidade” para a necessidade imperante de afastar a guerra
UP O “Papa peregrino” … permanecerá em solo norte-americano somente
13 horas e 30 minutos
La Nación O discurso que Paulo VI pronunciará nas Nações Unidas será trans-
mitido diretamente de Nova York em um programa especial
P. Plano A passagem custou-lhe US$ 890,60, ida e volta, para Nova York,
na primeira classe … Os documentos rezavam Gianbattista Montini,
solteiro, 68 anos. Mas a passagem se estendeu a Sua Santitá Paulo
VI
UP O presidente Johnson e o Papa Paulo VI, ambos fervorosos parti-
dários da paz, se reunirão durante a histórica visita
L’Express Mas, e os riscos? – disseram-lhe em Roma. O perigo de misturar a
Igreja às lutas políticas …
AFP A paz constituirá seguramente o tema principal da conversa que
terão …. o presidente Johnson e Sua Santidade
Errar de Dios
I
P/12 23-07-2013 O papa chegou ao Brasil com aura de superstar.
TVS 22-07-2013 Esta é a primeira viagem internacional que traz Francisco ao continente que o viu
nascer.
CNN 22-07-2013 Chegou nessa segunda-feira ao Rio de Janeiro para participar da Jornada Mundial da
Jornalista Juventude, nesta que é a primeira viagem internacional de seu pontificado.
CNN 22-07-2013 O avião da Alitalia no qual viajava aterrissou às 15:43, horário local. O pontífice
Jornalista foi recebido no aeroporto pela presidenta Dilma Rousseff, entre outras autoridades
políticas e religiosas.
CNN 22-07-2013 Enquanto o sol se levantava nesta segunda-feira na praia de Copacabana,
trabalhadores finalizavam detalhes antes da chegada de Francisco. Um cenário
enorme está se construindo a alguns metros da praia, com telas gigantes e alto-
falantes que se estendem por quase dois quilômetros.
EX 29-04-2013 A ocupação policial da favela de Cerro Corá, no elegante bairro do Cosme Velho,
completou ontem o cerco de segurança armado pelas autoridades do Rio de Janeiro
para receber o papa Francisco.
P/12 23-07-2013 Indiferente ao tumulto a seu redor, Francisco tomou um banho de povo antes de
reunir-se com as autoridades, não parou de saudar as pessoas com o vidro aberto e até
beijou um bebê no meio do engarrafamento.
AP 13:7 … e lhe foi permitido fazer guerra contra os santos, e vencê-los. Também lhe foi dada
São João autoridade sobre toda tribo, povo, língua e nação.
CNN 22-07-2013 Os organizadores dizem que o evento custará cerca de 156 milhões de dólares.
Papa Francisco … não tenho ouro nem prata, mas trago comigo o mais valioso: Jesus Cristo.
LHN 10-04-2014 Pelo menos trinta mil gregos se mobilizaram durante a primeira greve geral do
Ativista ano, para protestar contra os cortes no setor público, as demissões em massa e as
medidas de ajuste impulsionadas pelo governo em cumplicidade com os credores
internacionais. As manifestações contra as políticas de austeridade são recorrentes
desde o primeiro “resgate” em 2010.
177
Etcétera..., Infierno financiero, 2014 [Inferno financeiro]
BBC 14-06-2013 Cada vez que o preço aumenta, também aumenta o número de pessoas excluídas do
sistema de transporte.
P/12 23-07-2013 A juventude é a janela pela qual entra o mundo.
Papa Francisco
EP 12-06-2014 As manifestações ocorrem em um momento de crise da economia, com a inflação
Jornalista alta, a bolsa caindo (ontem caiu cerca de 3%) e o dólar perto dos R$ 2,20.
EDD 20-03-2014 Austeridade, austeridade...
Errorista
EP 20-04-2014 ... as políticas de austeridade europeias foram um erro
Tim Harford
AP 13:8 E a adoraram todos os moradores da terra cujos nomes não estavam escritos no livro
São João da vida do Cordeiro que foi imolado desde o princípio do mundo.
LN 19-04-2014 ... até os confins da terra.
Papa Francisco
Etcétera…
178
PETIÇÃO AO PAPA FRANCISCO PELA ABOLIÇÃO FINAL DO INFERNO
Em 1997, o artista argentino León Ferrari (1920-2013) enviou uma petição em nome do Clube de Ímpios,
Hereges, Apóstatas, Blasfemos, Ateus, Pagãos, Agnósticos e Infiéis (CIHABAPAI)1 ao representante
de Deus na terra, papa da Igreja Católica Apostólica Romana João Paulo II, solicitando a abolição do
Inferno, lugar de infindável tortura e sofrimento, ao qual é destinada a maioria da humanidade. A Santa
Sé no Vaticano negou-se a aceitar a petição, argumentando que não se pode anular o Inferno. O lugar do
sofrimento eterno, sendo eterno, continuará existindo (ou não?).
Em dezembro de 2001, enquanto os demônios financeiros se manifestavam na Argentina, Ferrari escreveu
uma segunda carta a João Paulo II, reiterando a petição, outra vez sem sucesso. Infelizmente, o sadismo
católico não se curvou: a tortura eterna continuou sendo praticada nesse lugar oculto chamado Inferno, e
também nas madrigueiras escondidas do inconsciente social, alimentando o terror e a violência.
Em 2013, León Ferrari estava se preparando para sua elevação final da vida terrena, quando Mario
Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, amigo-inimigo do artista, subiu à Cátedra de Pedro, com o nome
de Francisco I. Pouco antes de seu último suspiro, o grande artista argentino pediu uma taça de um bom
vinho tinto e brindou à ascensão de seu amigo-inimigo Bergoglio.
Estaria enfim ocorrendo o milagre?
Ao fim de sua primeira Via-Sacra, o Papa Francisco declarou que Deus não condena ninguém, e enunciou
também outras palavras2 que pareceram significar que o Inferno, do qual tanto se fala, não existe.
No mediascape global – verdadeiro lugar infernal –, desencadeou-se um debate feroz entre aqueles
que interpretavam as palavras do papa como o fim do eterno tormento e aqueles que contrariamente
argumentavam que as palavras do sumo pontífice eram apenas metafóricas e que não se pode duvidar do
tormento eterno.
Nós, cidadãos do mundo, reunidos na cidade de São Paulo, pedimos ao Papa Francisco I que elucide esse
ponto crucial e mais precisamente rezamos pela abolição final do Inferno, esse lugar de barbárie, fonte
mental de ódio e violência.
Recordamos aqui a laetitia de Francisco de Assis, quando ele se encontrava próximo à “irmã Morte”,
e esperamos que todos os homens e mulheres do mundo possam ser livres de enfrentá-la com o mesmo
espírito.
Além disso, pedimos ao Papa Francisco que nos ajude a anular o Inferno terreno do capitalismo financeiro
e da guerra, do qual têm experiência cotidiana bilhões de seres, indígenas, trabalhadores, pobres,
desempregados, vítimas da guerra e do colonialismo clerical.
Mediante esta petição, nós abaixo-assinados solicitamos a total e definitiva anulação do Inferno.
Nota: Caso a negociação entre Sua Santidade e o Pai Eterno dê conta da impossibilidade da anulação
do Inferno, rogamos-lhe ao menos permitir a redenção da alma do artista e sua libertação das trevas
eternas.
² Em janeiro de 2014, divulgou-se uma suposta mensagem do Papa Francisco sobre o Inferno: “(...) A Igreja já não crê
em um Inferno literal, onde as pessoas sofrem. Essa doutrina é incompatível com o amor infinito de Deus. Deus não é
um juiz, mas um amigo e um amante da humanidade. Deus busca não para condenar, mas para abraçar. Assim como
na fábula de Adão e Eva, vemos o Inferno como um recurso literário. O Inferno não passa de uma metáfora da alma
isolada, que assim como todas as almas, em última instância, está unida em amor com Deus”. A veracidade dessas
declarações permanece em dúvida, entretanto, essa mensagem foi desmentida por fontes do próprio Vaticano.
Etcétera…
179
Letters to the Reader [Cartas ao leitor] (1864, 1877, 1916, 1923) (2014) é parte do projeto artístico
em andamento Scratching on Things I Could Disavow [Riscando em coisas que eu poderia
repudiar], iniciado em 2007, e que responde ao surgimento recente de grandes e novas
infraestruturas para a arte árabe “islâmica” moderna e contemporânea no mundo árabe e
em outros países. Os objetos artísticos e histórias apresentados neste projeto surgiram de
encontros nesse terreno envolvendo indivíduos, instituições, economias, conceitos e formas.
O trabalho é movido pela convicção de que muitos dos chamados objetos de arte moderna
árabe carecerão de sombras quando exibidos no novo museu. Em antecipação a essa situação,
parece impor-se a necessidade de lidar com alguns elementos ou parâmetros de exibição
(paredes, pisos, tinta, luzes) que contribuem para essa condição de falta de sombra.
Walid Raad
Walid Raad, Letters to the Reader (1864, 1877, 1916, 1923), 2014 [Cartas ao leitor]
180
Voluspa Jarpa, Minimal Secrets, 2011 [Segredo mínimo]
Voluspa Jarpa realizou várias obras a partir de arquivos revelados pelos Estados Unidos sobre o Chile e outros
países latino-americanos. Em todos os casos, analisa o que foi apagado e chama a atenção para a imagem
resultante do documento que sofreu intervenção: uma imagem que expressa tanto a construção de visibilidades
quanto a potência poética e política dos usos do arquivo, e que cria sombras no presente.
181
Lázaro Saavedra, Karl Marx, 1992
182
183
Johanna Calle, imagem de processo Johanna Calle, Nogal, 2012 [Nogueira]
Clara Ianni e Débora Maria da Silva, Apelo, 2014
Discurso para o filme Apelo essa dor que dói como uma fisgada no membro que já não
existe mais.
Levaram nossos filhos, nossos irmãos, nossos pais, nossos Vocês vão ajudar a minha mão a erguer os mortos?
avós e tataravós, todos mortos no mesmo dia, esse dia longo Vão me ajudar a erguer esse túmulo?
que se repete pelos anos e insiste em não acabar. Não deixem que meu grito se transforme em uma
Foram todos mortos por essas mãos que mudam de palavra muda a ecoar pela paisagem. Me ajudem a fazer esse
corpo, mas são sempre as mesmas a nos fuzilar pelas vielas, a grito interromper o rajar das metralhadoras.
nos ferir no estalar do açoite. Pois, não se esqueçam, foram como filhos, irmãos,
Mãos de capitão-do-mato, que vive atrás de cada pais e avós que eles morreram, não como terroristas, não
homem fardado. Mãos que matam sob o mando de gente que como escravos.
tem as leis, o dinheiro e as armas a seu favor. Gente que dá Lembrem-se que é sangue nosso que rega esta ter-
nome às avenidas e às estradas que atravessam esta terra. ra e faz crescer as plantas. É sangue nosso que dá de beber
Mas lembrem-se, são nossos os filhos que morre- às lavouras e que dá liga ao cimento em cada nova cidade.
ram indigentes sem a proteção das leis, sem a satisfação do E se querem secar nossas lágrimas, se querem que
dinheiro. São nossos os filhos que morreram e não tiveram nossos mortos virem comida das saúvas, é nosso dever não
funeral, não viraram monumento nem nome de rua. deixar. Mesmo que nos ameacem com fuzis, mesmo que nos
Como ainda ousam negar a sepultura dos nossos? aprisionem com as leis.
Como proíbem que a gente enterre os corpos que Não podemos ter medo. Não podemos ter medo do
se acumulam sem nome por todos os cantos? açoite, não podemos ter medo da bala! Eles não vão viver ali-
Eles viveram. Viveram treze, quinze, vinte, trinta, mentados do nosso medo.
quarenta anos. A gente carregou eles em nossa barriga. Nós A gente tem que lembrar dos nossos. A gente tem
demos à luz, nós demos a vida, e isso não vamos esquecer. que lembrar dos mortos, porque esse é o trabalho dos vivos.
Por que não podemos falar o nome dos E esse trabalho não é um trabalho perdido.
nossos filhos?
Por que querem que a gente esqueça o nome deles? Clara Ianni e Débora Maria da Silva
Por que querem arrancar esse pedaço de nós?
Nunca esqueceremos essa metade amputada,
185
186
Agnieszka Piksa, Justice for Aliens, 2012 [Justiça para os aliens]
187
Estamos acreditando e des-acreditando / Estamos em
meio ao ainda não material / ou talvez o já determi-
nado / habitando um tempo de radical potencialidade
e seu colapso / Em busca de uma nova linguagem
política / à falta desta / sempre prestes a / sempre se
tornando e ainda...
188
Basel Abbas e Ruanne Abou-Rahme, The Incidental Insurgents: The Part About the Bandits, 2012 [Os
insurgentes incidentais: a parte sobre os bandidos]
189
Basel Abbas e Ruanne Abou-Rahme, The Incidental Insurgents: The Part About the Bandits, 2012 [Os insur-
gentes incidentais: a parte sobre os bandidos]
190
A revolução deve ser uma
escola de pensamento irrestrito
Um projeto de Jakob Jakobsen e María Berríos
191
Exposição Del Tercer Mundo, Havana, 1968 [Do Terceiro Mundo]
192
A Exposição Revolucionária deve expor suas faces aos e manter para si mesmos o petróleo descoberto em ter-
gritos loucos dos pobres. Deve ensinar-lhes sobre o silêncio ritórios do “terceiro mundo”. Essa zona terminava com
e as verdades ali abrigadas. Deve matar qualquer deus um filme formado por diversos clipes de Tarzan em loop,
cujo nome alguém enuncie, exceto o senso comum. Deve retratando o herói branco espancando os nativos negros.
cambalear pelo nosso universo, corrigindo, insultando,
pregando, cuspindo loucura. A Exposição Revolucionária transformará as salas
reservadas do museu em lugares onde coisas essenciais
Del Tercer Mundo – divulgada por um cartaz cúbico de possam ser ditas sobre um mundo real, ou em salas
néon, em pé sobre um de seus vértices no jardim da rua esfumaçadas em que a destruição dos exploradores possa
ao lado do pavilhão – tinha um roteiro estruturado em ser tramada. A Exposição Revolucionária deve funcionar
seis “zonas”. Abria com um enorme recorte em papelão como lápis incendiário.
de A criação de Adão por Michelangelo, retroiluminado
e cintilante, sob o qual uma lhama e dois leões enjaula- Na terceira zona, uma iluminação fluorescente convertia
dos eram vistos entre a vegetação tropical do pavilhão. uma imagem de uma criança faminta, ampliada e repro-
Essa primeira zona fornecia a visão colonial do “terceiro duzida em série, em um túnel dos horrores de uma terra
mundo”como terra estéril, com recursos naturais e nus da fantasia. Desse túnel irrompia o grotesco e excessivo
inexplorados, a ser saqueada e explorada pelas nações som de jingles em um jukebox da moda, e ao lado havia
“desenvolvidas”. A segunda representava o mundo cartazes luminosos e logotipos de bens de consumo
imaginário e artificial criado pelos colonizadores para multinacionais. No fim do túnel, o protesto começava,
acobertar seus crimes: a visão turística do “terceiro mun- essa era a zona quatro – uma imagem recortada e multi-
do”, a desolação da selva, a beleza da savana e as faces plicada de um homem portando um anúncio reiterando
exóticas dos nativos. Uma tira de história em quadrinhos sem parar: “A luta será até a morte”. A etapa seguinte
numa caixa de luz de tamanho mural mostrava perso- do argumento, a quinta zona, apresentava o leão da
nagens conhecidos (incluindo o Super-Homem com um Metro-Goldwyn Mayer transformando-se no presidente
logotipo da Esso em seu peito) conspirando para saquear norte-americano Lyndon Johnson, enquanto, no teto,
uma nova versão da criação de Michelangelo mostrava
Johnson dando vida a si mesmo. Esse espetáculo de
reprodução imperialista era acompanhado por uma lista
detalhada de instituições de “ajuda” militar, política e
econômica: organizações como a Aliança para o Pro-
gresso, publicações liberais financiadas pela CIA, líderes
fantoches das nações “libertadas”.
Na zona final, um filme stop motion mostrava as
Forças Especiais norte-americanas bombardeando chou-
panas camponesas e guerrilheiros contra-atacando sob
uma trilha sonora de bombas, disparos de metralhadoras
e tambores. A impressionante saída de Del Tercer Mundo
era composta de um enorme display do tipo gameshow
com caixas de luz que questionavam: “Que papel deve-
mos nós, explorados do planeta, desempenhar?”. Elas
também se deslocavam para revelar um retrato multipli-
cado de Che Guevara, morto na Bolívia apenas alguns
meses antes.
194
Barracão
1936-1939. Checas. Celas do convento de Santa Úrsula. Valência. Checa do DEDIDE, de Valência, subordinada ao ministro Galarza. Ce-
La dominación Roja de España”. 1941. Seção regional
1967-1970. Barracão. Ninhos em Sussex University Experience. Salas da FUNARTE. Catálogo SUE. Universidade de Sussex. Inglater-
ra. Ninhos
Lygia Clark e Hélio Oiticica. Sala Especial do 9º Salão Nacional de Artes Plásticas. Paço Imperial. Novembro-dezembro, 1986. Rio de
Janeiro. MAC-USP. Novembro-dezembro de 1987. São Paulo. Brasil. Foto: John Goldblatt.
A atuação de Alphonse em terras valencianas remete, mais exatamente, a sua experiência na rua, a labuta pícara de um sobrevivente, tal e como
vimos até agora. Diante da necessidade de dar a suas experimentações um caráter tradicional, se prestou a colaborar com os técnicos do SIM (Ser-
viço de Informação Militar) e do DEDIDE (Departamento Especial de Informação do Estado). No grupo, parece que havia outros agentes vindos
de BELLAS ARTES DE MADRI e de outras prisões mais informais de MÚRCIA e ALMERIA. A primeira reunião teve um caráter festivo, pois
coincidia com o aniversário de casamento dos poloneses Peter e Berta SONIN. Nas próprias celas de SANTA ÚRSULA foi improvisado um
tabladinho e nele se realizaram representações de teatro e apresentações musicais, com uma estranha camaradagem entre os presos e seus car-
cereiros. Em algum momento, LAURENCIC captou o profundo sentido teatral das instalações. O que tão frequentemente era apresentado como
experiências de vanguarda e controle social da polícia moderna não passava de representações de algo mais antigo, algo com rem iniscências dos
castigos inquisitoriais e da lenda macabra que perseguia edifíc
das contas, as experiências sensoriais eram as mesmas em um tempo e em outro, e esse “fazer falar” dos tempos do GRANDE INQUISIDOR era
também seu objetivo último. Para isso, havia que criar uma ceno
o que aprendera na BAUHAUS, ideias e sensações que vinham de um tempo mais antigo. E não só experiências góticas de tortura. Frequente-
nguagem paródica de LAURENCIC. O conhecimento de que as experiências
humanas de gozo e sofrimento estão muito próximas é um saber comum dos místicos e dos chefes de polícia. Em certo sentido, o lugar que LAU-
RENCIC vai criar é um espaço experimental, utópico, no mesmo sentido que a ideologia comunista que o amparava dava a ele, um lugar que,
sem sombra de dúvida, não havia existido antes como tal. Foi essa sensação que seguramente convenceu o casal SONIN e lhe permitiu continuar
e levar suas experiências a BARCELONA, tanto nas experiências da calle ZARAGOZA como de VALLMAJOR. LAURENCIC salvou sua vida,
evidentemente, e os anos da guerra, aqueles nos quais continuou na prisão, foram sem dúvida os mais tranquilos de sua desventurada vida.
A limitação de área não mais existe. O ambiente urbano passa a ser reconhecido “como experimentalmente mais próximo a
nós se é q se quer experimentar o dia a dia: mutável e sujeito a violentas transformações”. Nestas proposições de experimen -
tação coletiva de procedências outras, familiares, às quais Hélio deu configurações atuais. Escrito dia 22 de julho de 1973,
data que seria aniversário de José Oiticica: “Meu avô tinha um sonho; transformar morar numa casa q fosse TEATRO DE
PERFORMANCE MUSICAL: não importa: muita gente já viveu SONHO VIDA-TEATRO q na verdade seria como CASA-
-TEATRO comunizar palco-plateia-performance no dia a dia: tão distante e tão perto do q eu quero: SHELTER/BARRACÃO/
MANIFESTAÇÔESAMBIENTAIS/BABYLONEST_ mas SHELTER-PERFORMANCE não estaria tão perto do sonho antigo
do meu avô? E tão longe?” O avô elaborava planos de criar comunidades anarquistas, e não só uma casa-teatro isolada, oásis
dentro do sistema vigente. Eram heterotopias mas dentro de uma utopia, esperando condições ideais. Hélio por sua vez,
quando passou a considerar o mundo um playground, ultrapassou a necessidade de construir um Barracão ou células fecha-
das, localizadas, para assim se expandir ao acaso das ruas e das experiências cotidianas, direcionando a oposição heterotópi -
ca para focos de localização transitória. Heterotopias transportáveis? No mundo tornado shelter, agora interessa oasisar pelo
deserto e não se refugiar no oásis reterritorializando os nômades dos desertos. Afasta-se assim do sonho do avô, pois não é
utopia, mas possível de ser realizado a cada passo.
195
196
A ARTE E A ESCOLA
Notas para uma programação contrapedagógica do Archivo F.X.
Ficha/Número
R1.5. Sobre a extensão do pensamento de Francisco Ferrer i Guàrdia
na arte da época moderna.
Aulas novas.......................................................................................................
197
198
Archivo F. X.:
Laboratório:
Pintando anjinhos.
PINTANDO ANJINHOS.
O tema dos anjos foi elaborado por José Pérez Ocaña até o
bizantinismo. Como mero desdobramento retórico, alinhado
àquela escolástica que debatia sobre o sexo dos anjos, ele sabe
mostrá-los nesse momento como dobradiça entre o desenho
e o delito. “Para Ocaña, as crianças não são pequenos santos
que vivem em um mundo de inocência. ‘Não são tão puros’,
alegava ele...”, segundo depoimento de Marie-Thérèse Domon.
Ocaña trata as crianças como adultos. Só quer ensinar-
lhes a pintar. Também é importante a temática: santos,
virgens, meninos Jesus..., figuras fantásticas que devem ser
imaginadas em um mundo profano e laico. Para Ocaña, é
fundamental introduzir iconografia religiosa em ambientes
contestatórios e contraculturais.
199
“Algumas crianças de verdade, com túnicas de cetim, irão
jogando pétalas das alturas onde as terei acomodado, e
outra criança se sentará em uma grande lua, lá em cima,
amor, lá em cima. Olha, de vários ângulos, as Virgens do
Orvalho e a Virgem dos Pássaros, que como você sabe são
adversárias, contemplarão como a da Assunção se eleva, se
eleva, de seu sepulcro. E, entre os compassos da Ave Maria,
quarenta grandes bonecos de papel e outras quarenta crianças
ilustrarão a grande explosão mariana. Vai ser extraordinário,
céus”. Para Ocaña, era fundamental que as crianças
normalizassem a relação com seu mundo, não só pelo que à
época se chamava gay, ou alegre, também com suas fantasias
religiosas e suas mitologias populares.
200
“Bastará que os
educadores se
interroguem”
Convidadas pela curadoria da 31ª Bienal a contribuir com uma re-
flexão sobre a educação no Brasil, escolhemos dividir esta respon-
sabilidade com pessoas que, no seu cotidiano de atuação, buscam
reinventar a escola ou que pensam a prática educativa nas exposi-
ções de arte de maneira desconstrutiva e transformadora.
Elaboramos seis perguntas e pedimos que cada um dos
colaboradores escolhesse quais delas gostaria de responder, imagi-
nando escolas que (ainda) não existem ou tomando como referên-
cia a sua própria prática em educação:
1. O que é ou seria, para
você, uma escola pública?
Escola
Graziela Kunsch e Lilian L’Abbate Kelian
pública
A experiência da escola pública, por Elaine Fontana
Minha proximidade com a escola pública parte de diferentes experiências: estudei numa esco-
la municipal, em São Paulo; fui professora de artes da rede estadual; e, atualmente, converso
com alunos que estudam na escola pública quando de suas visitas a museus e instituições cul-
turais. Minha experiência me possibilitou observar e enfrentar as distinções entre as classes
sociais, assim como compreender que o que acontece em situações educacionais transcende
as diferenças que existem entre as pessoas do grupo. Na década de 1980, quando era estu-
dante, numa mesma escola havia crianças que viajavam para fora do país e crianças que não
tinham acesso a um televisor colorido. Ali, apesar de as aulas terem sido ministradas de forma
hierárquica e autoritária, desenvolvi uma atenção: me interessava a análise do que acontecia
em paralelo, à minha volta, os embates sociais e os universos diversos que compunham o que
era a escola para mim. Alunos descalços, a professora que referenciava viagem à Cuba, ami-
gos trabalhando, o menino com perna amputada que usava um skate como forma de locomo-
ção, a condição social que apresentava cada uma das pessoas, mas também e principalmente
como elas criavam e se relacionavam naquele ambiente comum.
A escola pública daquele momento parece ter semelhanças com a de hoje. É lugar de centra-
lização de poder e do estabelecimento da hierarquia. A fala do professor e do aluno pode, em
alguns casos, ser muito parecida, por terem convívios sociais semelhantes; porém, o que os
distingue é a condução não-dialógica das relações que se estabelecem entre eles. A domina-
ção que a escola imprime sobre os alunos, a forma como a sociedade se apresenta naquela
micropolítica, é sem dúvida um dos aprendizados que os alunos podem reter. Além disso,
temos a averiguação do saber na maioria das vezes por avaliação escrita, afastando o desen-
volvimento das habilidades comunicativas que permitem se expressar, propor, debater e agir.
202
A escola pública deve ser debatida pela potência de sua diversidade. Não se inventa na escola
pública o lugar de agir, expressar-se e reagir. O que podemos fazer é passar a debater essa
potência. Há aprendizados invisíveis, não teóricos, não sistematizados como métodos, que
existem potencialmente, que não podem ser averiguados. Não quero ver a escola pública
como qualquer escola particular humanista, construtivista. Pelo contrário, eu a quero viva no
que só ela pode ser, nas suas diferenças.
Penso que a escola pública ainda é diversa do que deveria ser, no que diz respeito ao seu sen-
tido original e às suas realidades passadas e atuais. Para mim, ela é uma instituição de muitas
faces, pois foi criada para se ocupar da formação cidadã dos educandos no campo intelectual,
técnico, cultural e social. Ou seja, promover sua realização democrática a partir da delibera-
ção sobre o presente e o futuro pessoal em absoluta harmonia com o coletivo. Entretanto, as
escolas às quais são “condenados” todos os brasileiros por nove anos de educação obrigatória
refletem, ainda, de forma muitas vezes predominante, a assimetria social e as injustiças que
afligem a maior parte do povo. Condicionadas a privilegiar saberes e valores estéticos, cultu-
rais etc., frequentemente estranhos aos alunos, elas são levadas a seguir políticas criadas dis-
tantes de suas realidades. E também a aplicar uma programação curricular sem a adequada
iniciação de alunos e mesmo professores. Consequentemente, não investem em procedimen-
tos sedutores, que tornem o conhecimento menos instrumento de sujeição e mais ferramenta
emancipatória. Contudo, toda escola é singular e seus cotidianos, insuficientemente valoriza-
dos, reservam surpresas e produções positivas.
Quase sempre que falamos de escola pública, estamos nos referindo às escolas estatais: imen-
sos equipamentos, de arquitetura uniforme, geridos por burocratas de carreira, professores
selecionados por um concurso público estadual ou municipal, projetos-político pedagógicos
genéricos e “de gaveta”. Dizemos que essa escola vai promover a universalização do direto à
educação. Minha provocação é para superarmos a identidade entre estatal e público. O que
seria uma escola pública? Proponho alguns aspectos primordiais:
1) finalidade pública – a educação das pessoas como elemento central da tomada das deci-
sões; 2) financiamento público, mas, não necessariamente só público (que sua existência não
esteja submetida às decisões de um indivíduo, de uma empresa privada, ou ao mercado);
3) transparência orçamentária e reinvestimento de possíveis ganhos financeiros no aprimora-
mento do projeto político-pedagógico, de acordo com avaliações realizadas; 4) transparência
de objetivos e resultados, bem como construção participativa da avaliação, levando em conta
tanto os profissionais como os estudantes e suas famílias.
Para o Movimento Passe Livre (MPL), só haverá educação pública de verdade se o transpor-
te também for público de verdade. Muitas pessoas são excluídas das escolas geridas com
recursos públicos e oferecidas gratuitamente porque não podem pagar as tarifas dos ônibus
até elas. Além disso, o direito universal à educação passa também pelo direito à cidade como
um todo. Quando o MPL foi criado, em 2005, a luta era pelo passe gratuito estudantil. Com o
aprendizado conquistado pela própria luta, o movimento ampliou a sua reivindicação e passou
a defender a gratuidade (Tarifa Zero) para todas as pessoas: “Aprendemos que o passe livre
estudantil tem uma série de limitações. A começar, por ser um benefício e não um direito.
Os beneficiados recebem um número pequeno de viagens e o podem utilizar num itinerário
ainda mais restrito, delimitado entre casa e escola. Para ser de fato um investimento em edu-
cação, o passe livre teria que ser irrestrito, pois a educação não pode se limitar à experiência
escolar. Nos educamos indo a espaços culturais, conhecendo bairros diferentes dos nossos e,
fundamentalmente, experimentando a liberdade e a responsabilidade de poder ir para onde
quisermos”.
203
O público como projeto democrático, por Helena Singer
Uma escola pública é aquela cujo projeto político-pedagógico é construído, avaliado e susten-
tado por toda sua comunidade – educadores, estudantes, funcionários, gestores, famílias e
colaboradores. Isso significa que a comunidade escolar é responsável por todos os processos
decisórios, incluindo aspectos relativos a orçamentos, gestão de pessoal, gestão do espaço e
currículo. A equipe responsável pela escola é selecionada e avaliada pela comunidade escolar.
Isso significa que tal equipe é funcionária da escola, não de uma rede de ensino, ou de uma
mantenedora. É a esta comunidade que a equipe deve prestar contas e é por ela que deve ser
legitimada. Assim a escola pública participa da construção da realidade em que está inserida,
refletindo sobre seu papel naquele contexto.
Currículo e
autonomia
O conceito de autonomia, por José Pacheco
A autonomia é um conceito de vasto espectro semântico. Na escola, não deve ser entendida só
como a progressiva independência do estudante em relação ao professor; é, também – e tal-
vez isso seja mais importante – a capacidade de influenciar na multiplicidade de situações do
processo de ensino-aprendizagem. Não é possível afirmar que a atividade autônoma exercida
nesse contexto se manifeste, de igual modo, em outros contextos sociais, mas alguns dados
empíricos sugerem a manutenção de procedimentos autônomos em situações não-escolares.
Independentemente dessa possível transição, o que importa reter é que as práticas educativas
condicionam o grau em que a autonomia se manifesta nos indivíduos.
O conceito de singularidade se situa aquém do conceito de autonomia. O reconhecimento da
singularidade consiste na aceitação das diferenças inter-individuais dentro de cada espécie.
O reconhecimento da autonomia é de outra natureza: implica a rejeição do determinismo que
transfere a origem da singularidade para o domínio do acaso, bem como conceber a existên-
cia de processos de auto-organização que geram as suas próprias determinações. Nessa as-
serção, autonomia será o primeiro elemento de compreensão do significado de sujeito como
complexo individual. Ela se alimenta da dependência do sujeito relativamente à sociedade e à
cultura.
A escola é uma microcultura que exige adaptabilidade para o exercício de autonomia.
Esta se exprime como produto da relação. Não existe autonomia no isolamento. Daqui decor-
re que um professor sozinho em sala de aula não é autônomo.
A aprendizagem da autonomia requer três atitudes do professor: de acessibilidade
– é necessário que o aluno tenha acesso ao professor como pessoa; de iniciativa – é preciso
sugerir, intervir nos processos de modo a alargar o leque das opções; e de disponibilidade –
importa que o aluno sinta no professor um apoiador e não um vigilante.
Em uma escola pública, no sentido por mim defendido anteriormente, educadores e estu-
dantes têm autonomia para construir o seu currículo, respondendo às curiosidades e aos
interesses dos estudantes e às necessidades do contexto em que a escola está inserida. Quan-
do a escola se abre para o território, para as comunidades de onde vêm seus estudantes, as
suas diversas culturas tornam-se o ponto de partida de seu currículo. A cultura, os saberes
e as experiências das pessoas daquele lugar dialogam, em uma perspectiva transversal, com
os conhecimentos acadêmicos para produzir um novo conhecimento, que faça sentido para
204
aquelas pessoas e produza transformação social. Assim, os saberes específicos e os genéricos
constroem a sabedoria coletiva solidariamente.
O currículo transversal se estrutura, sobretudo, por projetos, nos quais educadores e
estudantes realizam, de forma autônoma, seus objetivos de aprendizagem e de transformação
social. Ao se abrir para a comunidade, a escola também se abre para o mundo, trazendo pesso-
as da comunidade para desenvolverem iniciativas, promovendo trilhas educativas que incluem
o território como campo de pesquisa, intervenções no bairro, participação nas organizações
comunitárias locais e parcerias com outras organizações. Tudo isso compõe o currículo da
escola.
Passou a ser um chavão a ideia de que a escola deva deixar de ser o espaço da transmissão
de conhecimento e passar a ser o espaço da sua produção. Mas como desenvolver pesquisa
numa estrutura de aulas, disciplinas, séries e testes padronizados? A pesquisa pressupõe li-
berdade, tempos alargados, erro, singularidade, momentos de socialização e avaliação crítica.
Como podemos falar de pesquisa se, na prática, ainda estamos inscritos no marco de um cur-
rículo normativo?
Gosto de pensar em escolas que são comunidades de pesquisadores, uma diversida-
de de pessoas (e de diferentes idades) reunidas em torno de objetos comuns que desejam co-
nhecer e também indivíduos que desenvolvem projetos e pesquisas que só a eles interessam.
O currículo dessas escolas seria interdisciplinar, valorizando as competências, as habilidades
(e, em bem poucos casos, conteúdos) muito essenciais das diferentes áreas do conhecimento.
Esse “currículo de arquitetura aberta” acolheria a diversidade cultural da comunidade escolar
e da cidade ao seu redor.
Gestão democrática
A democracia como ampliação permanente dos espaços para aprender, por
José Pacheco
A gestão democrática, que se diz existir, nada tem de democrática. Os professores que ocu-
pam cargos de direção, administração e gestão, estão sujeitos ao “dever de obediência hierár-
quica”. Mesmo que discordem de ordens “superiores”, deverão cumpri-las e fazer cumprir
aos seus “subordinados” (leia-se: outros professores). Poderemos falar de gestão democrática
quando as escolas ultrapassarem o âmbito restrito da educação escolar, para agir em múlti-
plos espaços sociais, políticos e culturais.
Em 1979, Lauro de Oliveira Lima escrevia: “A expressão ‘escola de comunidade’ pro-
cura significar o desenquistamento isolacionista da escola tradicional. Escola, no futuro, será
um centro comunitário propulsor das equilibrações sincrônicas e diacrônicas do grupo social
a que serve. Não só a escola utilizará como instrumento ‘escolar’ o equipamento coletivo,
como a comunidade utilizará o local da escola como centro de atividade. (…) A escola não se
reduzirá a um lugar fixo murado”.
Entre a escola, o bairro, a habitação, o clube desportivo, a associação cultural e recreativa, o
local de trabalho ou de lazer, há que estabelecer uma corrente de interação humana capaz de
dar sentido ao cotidiano das pessoas e, assim, influenciar positivamente as suas trajetórias de
vida. Estaremos, então, a contribuir para a criação de espaços que, pela sua densidade antro-
pológica, podem servir para ajudar a despertar a vocação humana para a transcendência e,
nessa medida, funcionar como verdadeiros laboratórios de laços sociais onde a vinculação éti-
ca ao outro tenha a marca da solicitude mútua, do respeito e da sensibilidade. Potencializado
em práticas de autêntica relação social, o reconhecimento intersubjetivo surge como condição
de convivência, de paz e solidariedade, valores que, como sabemos, o mundo contemporâneo
reclama, com urgência.
205
A gestão como invenção coletiva, por Lilian L’Abbate Kelian
Uma escola democrática é uma comunidade que cria e institui seu próprio funcionamento e o
faz a partir de uma reflexão permanente sobre o significado da democracia no meio escolar.
Nesse sentido, são objetos principais dessa criação: a elaboração de uma ética da convivência;
a construção de uma proposta curricular constituída como “espinha dorsal” que provoca e
orienta a participação de educadores, estudantes e famílias; a constituição da autonomia do
coletivo docente; a reflexão sobre a autonomia na passagem da infância para a vida adulta; a
instituição de suas regras e seus regimentos.
Uma gestão democrática pressupõe que o binômio escuta/fala seja direito de todos. Em uma
escola onde convivem crianças, jovens e adultos, a horizontalidade do diálogo entre os atores
deve ser o ponto de partida. É nessa situação de fala e escuta de diferentes personagens, cada
qual com suas bagagens, que se poderá construir novos conhecimentos, novos mundos que
permitam ultrapassar as fronteiras dos papeis pré-definidos: ensinar × aprender, formado × em
formação, sucesso × fracasso, obediência × indisciplina. Em uma escola democrática, a gestão
da convivência e do currículo é feita por todos os atores: regras são definidas pelos envolvidos
na situação a ser regrada, levando em consideração as opiniões de todos. Nesse processo de
escuta e fala – que leva à reflexão crítica e respeitosa –, a busca é pelo bem comum daqueles
que estão reunidos no mesmo espaço escolar.
Sendo assim, as escolas teriam suas ágoras: seus espaços de encontro para reflexão e decisão
sobre os modos de viver nessa comunidade. Através do exercício do encontro, se dá a forma-
ção política e cidadã, se constitui a autonomia na participação, se compreende o bem comum
na tomada de decisão, se constrói a democracia. A escola, como local de infinitas possibilida-
des, terá tantas questões a serem debatidas quanto as que surgirem dos encontros entre os
atores. Ela se torna, assim, não uma preparação para a vida, mas a vivência da vida em si, da
atuação de cidadãos em seus espaços de ação, sem fronteiras a serem ultrapassadas para se
atingir qualquer status de prontidão para uma próxima etapa, mas que opere num fluxo contí-
nuo de se ser.
Diálogos também podem ser apenas aparentemente diálogos e esconder estruturas de domi-
nação. Conversas em roda, por exemplo, são muitas vezes apenas aparentemente horizontais,
pois estão a todo momento atravessadas por poder: há pessoas que falam melhor que outras,
pessoas que falam muito mais que outras, diferenças de classe social, de formação, de gênero,
de geração… Para uma gestão democrática se efetivar, é necessário haver espaço para os dife-
rentes desejos e as singularidades que estiverem em jogo, mesmo quando se tratar de desejos
conflitantes.
Nas oficinas com professores ministradas pela dupla de artistas e educadores es-
panhóis Transductores – formada por Antonio Collados e Javier Rodrigo –, propõe-se que o
grupo pratique uma “economia da generosidade” e uma “escuta ativa”. A generosidade seria
eu falar somente por dois minutos se outro falou somente por dois minutos, pois, se falo por
muito tempo, necessariamente outro terá que falar pouco; a escuta ativa seria ouvir não so-
mente o outro que fala, mas fundamentalmente ouvir aquilo que não queremos ouvir, aquilo
que escapa do nosso controle. Mas permanece a dúvida se práticas como esta reconhecem o
conflito ou se funcionam mais para facilitar o consenso.
206
O significado de
levar crianças e
jovens das periferias
à Bienal Visitantes-sujeitos, por Aldo Victório Filho
Conduzir jovens e crianças da escola ou do meio em que vivem para atividades extraclasse
com vocação “cultural” pode ter significados e resultados diversos. O senso comum afirmaria
que uma visita a qualquer museu, exposição etc. seria sempre positiva e, portanto, recomen-
dável. Contudo, a observação atenta a esse tipo de prática impõe pensar em formas, meios e
propósitos – evidentes e dissimulados – que a norteiam.
Muitas visitas a exposições de arte redundam mais em evidenciar e marcar no ima-
ginário de crianças e jovens as distâncias e a inadequação de suas presenças nos espaços
visitados, seja por causa de mediação desatenta às sutilezas das diferenças culturais, seja por
essa mesma mediação se sustentar no pressuposto da importância, inquestionável, do que
é exposto e da instituição expositora. Ou seja, pela desatenção ao princípio de que todo ato
pedagógico (e todo contato com museus e demais espaços expositivos) é uma experiência de
aprendizagem que tende a determinar as distâncias e a localização, quase sempre hierárquica,
entre o aprendiz e o aprendido.
Em outros termos, a possível inadequação da mediação, ou sua ação tendenciosa, pode, plane-
jadamente ou não, inferiorizar o estudante/público diante do bem cultural apresentado. As-
sim, a presença da juventude periferizada pode ter significados antagônicos em função da ide-
ologia e, obviamente, de sua consciência que conduz tais ações. Clarificar os sentidos políticos
e os interesses das instituições de arte e oferecer meios amistosos e afetuosos de desfrute das
obras tornará a experiência preciosa e útil para qualquer visitante, obviamente no mais favorá-
vel dos sentidos. Mas, se a ação for baseada na ideia de concessão de “cultura” para os pobres
ou em outra pantomima de equívoco semelhante, só ocultará a intenção, óbvia, de legitimar a
privatização de um espaço público e de desfrute da cultura para apenas uma pequena parcela
da sociedade.
Em princípio, se poderia supor que a Bienal disponibiliza à crianças e jovens das periferias
que visitam a exposição recursos artístico-culturais importantes para sua formação como
cidadãos. Que, por serem das periferias, a Bienal lhes reserva uma oportunidade incomum,
potencialmente transformadora. Que a Bienal, desse modo, se mostra como uma entidade
socialmente responsável, intervindo na distribuição desigual de capital cultural, democratizan-
do o acesso ao que ela oferece. Que, assim, se justificaria o empenho de dinheiro público na
realização do evento.
No entanto, se poderia supor também que esses são os argumentos em favor da visita
para a Bienal, não necessariamente para as periferias ou, melhor, para os sujeitos periferiza-
dos. Qual seria, então, para esses sujeitos, o significado de ir à Bienal?
207
Entendo que as justificativas para tanto passem muito pouco pelo desdobramento investigati-
vo dessa pergunta e que aqueles significados subsistam como postulados, não como hipóte-
ses. Ou seja, que eles subsistam como alguma coisa inquestionável, cuja demonstração não
seria necessária; que os efeitos dessas ações sejam contabilizados menos em relação às crian-
ças e aos jovens (em favor de uma democracia cultural), do que em relação à própria imagem
da mostra (segundo os interesses unilaterais subjacentes à diretiva da democratização cultu-
ral). Nesse caso, teríamos de questionar se levá-los não incorre, eventualmente, numa atitude
“colonizadora”, num tipo de violência simbólica, que apresenta como valoroso o que lhes resta
inacessível, denotando uma experiência pela qual deveriam ser docilmente gratos. Obviamen-
te, tudo isso nos remete ao modo como se propõe, conduz, avalia e são trazidas a público tais
ações; o que eu não poderia deduzir a respeito da Bienal.
Urge reformular terminologias: desenvolver trabalho com e não trabalho para; substituir o ou
pelo e; trocar o eu pelo nós. Urge redefinir o perfil do mediador de aprendizagens, considerar
o aluno como participante ativo de transformações sociais. Bastará que os educadores se in-
terroguem. É dessa capacidade de interpelar as práticas que emergem dispositivos de mudan-
ça em todos os espaços sociais onde ocorrem aprendizagens.
A educação continua ainda a ser justificada mais como meio de controle social do que
como instrumento de aperfeiçoamento pessoal. Ensinar não é inculcar algo, mas fazer apren-
der; e o professor não é aquele que impõe as respostas, mas o que coloca questões, dado que
não ensina aquilo que diz, mas transmite aquilo que é. E não basta rejeitar práticas pedagógi-
cas ditas tradicionais. É preciso afirmar, igualmente, que a liberdade se exprime e se aprende
com os outros.
Recentemente, li uma fala muito bonita do cineasta Eduardo Coutinho, que para mim funciona
como uma reflexão sobre a disposição que nós educadores precisamos ter: “É uma necessi-
dade imperiosa ter a colaboração do outro. E essa adesão ao objeto implica uma postura que
chamo de vazio, no sentido de que o que me interessa são as razões do outro, e não as mi-
nhas. Então, tenho de botar as minhas razões entre parênteses, a minha existência, para ten-
tar saber quais são as razões do outro, porque, de certa forma, o outro pode não ter sempre
razão, mas tem sempre suas razões”.
A pergunta sobre como o público não deve ser conduzido pressupõe negativamente a ideia de
conduzir, o que não seria embaraçoso se a própria pedagogia não significasse, na sua origem,
a “condução da criança”. Logo, como pensar numa prática educativa que, de algum modo,
nega a pedagogia? Decerto, posso imaginar que “não conduzir” signifique, numa só formula-
ção: não providenciar, nem facilitar, muito menos impor leituras ou interpretações a respeito
de uma exposição. Isso mesmo quando as exposições, nos melhores casos, são concebidas
em torno de conceitos específicos, de nenhum modo arbitrários.
208
Trata-se de uma situação em nada contraditória, se pensarmos, a partir de Marcel Duchamp,
que mesmo as “qualidades intrínsecas” de uma exposição se encontram, desde sempre,
atravessadas por suas exterioridades, por aquilo que escapa à intencionalidade daqueles
conceitos, convocando justamente a participação “não conduzida” dos públicos. Mas disso
frequentemente decorre um equívoco, uma irresponsabilidade: conceder uma espécie de
“prerrogativa de visibilidade” (cujo efeito corresponderia a uma simples satisfação psicológi-
ca) para quaisquer interpretações pessoais dos públicos.
Em vez disso, penso que uma das tarefas da mediação seria, justamente, conduzir os públi-
cos, isto é, levá-los a confrontar suas interpretações pessoais com pelo menos duas instâncias
daquilo que, propriamente, podemos chamar de público: 1) uma empiria de outras interpreta-
ções, posicionamentos ou enunciados individuais; 2) uma instância discursiva de enunciação
coletiva. Trata-se de uma trama real (material e imaginária) de múltiplas obras, exposições e
interpretações, mais ou menos distantes no espaço e no tempo, que se entrecruzam e se refe-
renciam, quando não se ignoram.
É uma rede complexa, em permanente reconfiguração, que certamente não define uma só
narrativa, no sentido de uma “ordem ideal” (ainda que se trate de uma tessitura perpassada
por narrativas hegemônicas), mas que configura, para cada época e contexto, um arcabouço
comum, um mundo compartilhado, a própria visibilidade em/da disputa. Conduzir o público
é, nesse sentido, levá-lo a tomar parte nessa disputa.
Mediação crítica
Da falsa dicotomia da diretividade e da não-diretividade, por José Pacheco
Diz-nos um eminente teórico que o professor é um crítico reflexivo das suas práticas. E eu
creio que o desenvolvimento do senso crítico poderá ocorrer nas mediações pedagógicas. As
transformações acontecem quando alguém se decifra através de um diálogo entre o eu que
age e o eu que se interroga. E que, sempre que um professor se assume individualmente res-
ponsável pelos atos do seu coletivo, transforma espaços de solidão em espaços de convivência
e diálogo. Nessa convicção, reagimos perante a hegemonia do modelo transmissivo, porque é
a partir de questionamentos que se elaboram projetos de produção de vida e de sentido para
a vida. Insistimos numa relação interpessoal e na relação com um território biológico e psico-
lógico de partilha em redes de aprendizagem. Donald Woods Winnicott define o ser humano
como pessoa em relação, ser singular, que não pode existir sem a presença do outro. O indiví-
duo-com-os-outros tem consciência do seu papel numa ordem simbólica complexa e concreta,
que o protege dos efeitos mortais da uniformização. Se é verdade que o conceito de partilha
está eivado de conotações moralistas, também é certo que é de partilha que se trata, da mani-
festação de um sentimento de partilha que rejeita atitudes de quem se julgue no direito de dar
respostas a perguntas que não escutou…
Nas escolas que acompanho, contrariando racionalidades mecanicistas, compreendemos que,
numa relação de escuta, a circulação de afetos produz novos modos de estruturação social.
Não negando o potencial da razão e da reflexão, juntamos-lhes as emoções, os sentimentos, as
intuições e as experiências de vida. A escuta, para além do seu significado metodológico, terá
de ser humanamente significativa e de assentar numa deontologia de troca “ganha-ganha”.
Terá de abdicar de atitudes magistrais, para que todos os intervenientes aprendam freireana-
mente mediados pelo mundo.
É necessário saber fazer silêncio “escutatório”, fundamento do reconhecimento do
outro. Direi que precisamos rever a nossa necessidade de desejar o outro conforme nossa
imagem, respeitando-o numa perspectiva não-narcísica, ou seja, aquela que respeita o outro, o
não-eu, o diferente de mim, aquele que não quer catequizar ninguém, e que defende a liberda-
de de ideias e crenças.
209
Mediação para além das instituições, por Cayo Honorato
Em primeiro lugar, uma mediação crítica também deveria ser autocrítica, tanto em relação a
si mesma quanto à mediação cultural em geral. Isso significa que ela deveria não só expor ou
denunciar, como também se implicar no que ela critica.
Minha percepção é a de que, no campo das relações entre as artes e a educação, isso
a que nos referimos como mediação é, invariavelmente, uma iniciativa das instituições, o que
nos apresenta, por si só, contornos de um regimento largamente impensado. Justamente,
é o enquadramento político-institucional da mediação ou, melhor, de cada mediação, assim
como as circunstâncias histórico-culturais em que ela tem sido chamada a trabalhar, o que de
certo modo permanece inconsciente, fora de pauta. Suas motivações, nesse sentido, podem
se tornar indesejavelmente neuróticas. Decerto, tal condição interfere/repercute noutras
tantas questões: das concepções de públicos, invariavelmente a-históricas, à identidade pro-
fissional do mediador, invariavelmente ligada à precariedade. Diante disso, uma mediação
crítica deveria ser capaz de sinalizar ou mesmo imaginar/realizar uma mediação trans- ou
extrainstitucional.
A mediação crítica é aquela que se recusa a oferecer respostas na ausência de perguntas. Mas
isto não significa o mediador ficar calado e só falar se alguém pedir a sua ajuda. A mediação
crítica pode ser propositiva, causando estranhamento/surpresa, desconfiança/dúvida. E tam-
bém pode acontecer sem a presença do educador. Um dos curadores da 31ª Bienal me con-
fidenciou que quer colocar um canto Maxakali como mediação de uma obra no audioguia da
exposição. Esta talvez seja a maior contribuição da educação através da arte; abrir caminhos.
A arte pode mostrar que o impossível é possível, que o errado pode ser certo, que não enten-
der as coisas pode ser bom.
Entendo que uma mediação crítica seria aquela que não busca facilitar a experiência do públi-
co, no sentido de tornar a obra mais transparente, mas a que busca estratégias de multiplicar
a sua poeticidade (poética + opacidade).
Gosto de pensar na diferença entre a homeopatia e a alopatia. A alopatia, diante de
um sintoma, procura combatê-lo, silenciá-lo até. A homeopatia, por sua vez, busca salientá-lo,
até intensificá-lo, para que então o corpo mesmo reaja. É assim também que os soros antio-
fídicos funcionam no caso de uma mordida de cobra. A cura (reação) não está na supressão,
facilitação ou diluição do conflito presente em uma obra, mas na intensificação do sintoma, na
concentração, na potencialização. Gosto de pensar que as boas obras são aquelas que nos pi-
cam e inoculam um veneno que não nos deixa dormir, que alteram o nosso eixo de equilíbrio.
Uma mediação crítica é fiel ao veneno e consiste em uma segunda picada.
O discurso edificante e benevolente da maioria dos departamentos educativos de instituições
artísticas me dá enjoo, pois opera a partir do apaziguamento do conflito, garantindo digesti-
bilidade e palatabilidade para a obra. Parece-me que essa lógica é a do consumo, pois busca
garantir a “satisfação do público”, tornado consumidor, portanto. Dessa maneira, o educativo
torna-se um prestador de serviço para a instituição, e o círculo patrocinador-instituição-consu-
midor satisfeito se encerra de maneira “bela e eficiente”.
E se deixássemos o nosso público ir para casa insatisfeito, com indigestão, irritado e se sentin-
do traído na sua expectativa de “quero ir pra casa satisfeito”? Acho importante pensarmos um
projeto educativo que garanta a sobrevivência do espanto e do incômodo, que acredito serem
os dois maiores capitais pedagógicos, pois podem (sem garantia) ativar o antigo “desejo de
querer saber mais”, base de toda a filosofia. Entendo que esse seria o real estado de participa-
ção, potencializado pela ação educativa. Ou seja, o público entra na exposição como especta-
dor e sai como participador da obra, dando-lhe sobrevida e continuação para além-mar. Como
pensar, assim, numa mediação que opere a partir de uma “garantia de insatisfação”?
210
Aldo Victório Filho é professor e vice-diretor do Instituto de Artes da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (UERJ). Coordena projetos de pesquisa em Artes na área da Educação e da
Saúde Mental e investiga produções estéticas periferizadas.
Carolina Sumie Ramos é educadora e integra a equipe gestora da Escola Politeia de Educação
Democrática.
Cayo Honorato é professor no Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB), onde atu-
almente coordena o Espaço Piloto. Em seu doutorado pesquisou as conjunções e disjunções
históricas e culturais entre as artes e a educação.
Helena Singer é socióloga com pós-doutorado em Educação, diretora da Cidade Escola Apren-
diz e autora do livro República das crianças: sobre experiências escolares de resistência (São
Paulo: Mercado de Letras, 2010), entre outros.
José Pacheco é educador, mestre em Educação da Criança, aprendiz no Projeto Âncora, autor
do livro Para Alice com amor (São Paulo: Cortez, 2004).
211
Rampa do Pavilhão Ciccillo Matarazzo
212
Cartaz da 31ª Bienal
213
Esboço conceitual do projeto arquitetônico para a 31� Bienal, por Oren Sagiv
214
Arquitetura
Para a 31ª Bienal, o Pavilhão Ciccillo Matarazzo foi dividido em áreas arquite-
tônicas distintas: Parque, Rampa e Colunas. Essas partes separam e conec-
tam o todo, a fim de promover uma experiência total da 31ª Bienal para seus
visitantes.
Uma importante percepção inicial foi a de que o edifício não é simples-
mente “muito grande”, mas grande demais para abrigar uma exposição que se
aglutine como uma experiência única. Constatou-se também que o processo
curatorial – envolvendo o comissionamento de projetos, procedimentos expe-
rimentais e encontros enriquecedores com públicos diferentes – deveria ser
complementado com um processo arquitetônico independente. Desse modo,
o processo de realização do evento poderia avançar como um todo, com o
projeto arquitetônico atuando em paralelo e em diálogo com os trabalhos ou
projetos artísticos ainda não existentes. Esse processo afeta as demandas
do plano de arquitetura, determinando a construção de uma plataforma fle-
xível capaz de permitir aos projetos emergentes que encontrem seu lugar e
de reconhecer que a reestruturação autônoma dos espaços necessariamente
desempenha um papel importante em sua recepção.
Uma vez que o desenvolvimento curatorial e arquitetônico ocorreu por
meio de atividades iguais e convergentes, a ausência inicial de objetos de arte
estimulou uma série de pesquisas que exploravam a história arquitetônica da
Bienal de São Paulo e a relação de seu edifício com o parque público ao seu
redor e com a cidade. Ao mesmo tempo, foi feita uma análise detalhada das
dimensões, profundidades, circulação, orientação e condições de luz e som-
bra dentro do pavilhão projetado por Oscar Niemeyer.
Um estudo preliminar, investigando as várias possibilidades de circula-
ção no edifício, assinalando ao mesmo tempo incontáveis cenários para a acu-
mulação da experiência total pelo público, tornou-se a base para a articulação
do pavilhão. Esse estudo resultou na concepção de uma “válvula” espacial,
posicionada verticalmente ao longo do centro dos três pisos do edifício, que
molda e rege as divisões e conexões recém-construídas dentro dele.
Para captar com mais clareza o significado possível dessa articulação
e indicar o grau de separação que se buscava, nomes simples foram dados
às três “áreas” recém-separadas. No andar térreo, a área Parque explora a
transparência e a condição de fronteira entre o parque público e a exposição
de arte para configurar um espaço que estimule a interação social. No lado
leste da área Parque, os três pisos da área Rampa cristalizam-se em torno do
impressionante vão e da rampa concêntrica. Evocando uma casa de ópera
do século 18, ela é identificável como palco para um evento vertical singular,
com contatos que estão constantemente em diálogo e ecoam pelo vão que os
conecta. Por fim, estendendo-se por mais de 120 metros na ponta ocidental
do segundo andar está a área Colunas, um espaço de grande profundidade
em que se ergue uma malha de colunas.
Estabelecida essa divisão, identificada por características espaciais
existentes, esses novos protagonistas arquitetônicos ajudam a escrever a
história da 31a Bienal. Cada uma das áreas e suas inter-relações tecem uma
trama mais fina para a exposição; uma trama diversa e sólida o suficiente para
sinalizar, organizar e orientar os vários projetos em andamento.
215
Análise
216
Entrada e circulação
existentes
217
Depois se procedeu a uma série de modelos
conceituais, compostos de relativamente
poucas partes no total. As partes do modelo
podem combinar diferentes variações, gerando
assim diversidade e afinidades diferentes ao
longo do espaço. Aqui se encontra uma esco-
lha de seis dessas configurações que criam a
cada vez uma sintaxe diferente do todo. Esses
modelos revelam possíveis intervenções físicas
necessárias para ligar, dissecar e conectar
o todo, bem como diferentes qualidades
espaciais que essa estratégia pode derivar.
Por exemplo, o potencial de entrada “de uma
vez” para a colunata incrivelmente longa no
segundo andar.
218
A análise levou à criação de uma área central
posicionada verticalmente ao longo do centro
dos três pisos do edifício. Esta área central
regula a circulação, conexões e separações
entre as partes diferentes que se estendem em
cada uma de suas faces – em outras palavras,
ela distintamente diferencia e define três
áreas diferentes do vasto edifício. Deram-se
nomes às “áreas” recém-formadas, associadas
a intenções e conceitos iniciais, bem como a
características físicas ou perceptivas: áreas
Parque, Rampa e Colunas.
Área Colunas
Área Rampa
Área Parque
219
Área Parque
A área Parque se desenvolveu para se tornar Em toda a área Parque, foram criados locais
lugar do social, situada entre o lugar do público para atividades educacionais, tapetes no piso
(o Parque do Ibirapuera) e o lugar da arte. Em que funcionam como pontos de encontro,
relação à intenção original de Niemeyer, onde enfatizando o potencial da área para se tornar
uma grande parte do andar térreo permanece uma zona confortável de acesso à exposição
um espaço externo, todas as entradas do para os cerca de 250 mil estudantes esperados.
pavilhão foram mantidas abertas ao parque A “plataforma” de madeira foi projetada para
como um convite à participação nos diversos abrigar grupos espontâneos e vários encon-
eventos que acontecem ao longo da 31ª Bienal. tros, conversas, palestras ou performances.
A exposição somente começa quando se decide
adentrar a rampa que leva ao primeiro andar.
220
A plataforma é um elemento chave das
ideias subjacentes à área Parque; nem arte,
nem arquitetura, é uma mobília enorme,
temporariamente estacionada no pavilhão para
hospedar eventos que mudam de hora em hora
e de um dia para o outro. Ela também dialoga
com o nível no mezanino original e com isso
aborda diretamente o edifício, possibilitando
que os corpos físicos do público ocupem tem-
porariamente uma nova posição em relação à
arquitetura permanente.
R = 230 cm
R = 280 cm
R=
10
00 R=
cm 70
R = 350 cm 0c
m
Planta da plataforma
221
Área Rampa
Área do primeiro piso visível Área do primeiro piso visível Área do segundo piso visível
do segundo andar do terceiro andar do terceiro andar
222
Estudo das vistas horizontais da área Rampa
223
Área Colunas
A área Colunas apresenta ao visitante uma pedaços de um todo fragmentado que apenas
experiência diferente de envolvimento. Ao pode ser reconstruído na mente. É uma jornada
passar da luz do dia da fachada sul para o cora- contínua entre zonas de luz e sombra (natural
ção escuro do espaço fechado, o visitante se e projetada) onde cada visitante tende a
defronta com cerca de 29 salas e nichos indivi- encontrar um caminho diferente e, consequen-
duais. Cada um acomoda um projeto artístico temente, uma experiência singular.
que conduz a outras salas, como múltiplos
Light Light
Passage Lobby
Dark Heart
Sight Line Sight Line
Light Light
224
Lobby South gallery Dark Heart Inner gallery North gallery
Corte principal – área Colunas (saguão, galeria sul, coração escuro, galeria interna, galeria norte)
Lobby
Dark Heart
225
Val del Omar, Fuego en Castilla, 1958-1960 [Fogo em
Castela]
226
Imogen Stidworthy, Balayer − A Map of Sweeping, 2014 [Varrer – A Map of Sweeping]
227
UEINZZ
228
< … - histoire(s) du présent - … > [<… - história(s) do presente - … >] é inicialmente a histó-
ria de uma experiência, de uma prática, que ultrapassam o quadro e o tempo da realização de
um filme e fazem surgir lugares-refúgio. Experiências e práticas que já são sempre começos e
que se buscam depois e fora do filme. Isso permite situar “a prática fílmica” em uma configura-
ção mais ampla, capaz de questionar o sentido de sua própria existência e de sua relação, sua
hierarquia, face às demais partes e momentos vividos que constituem a experiência.
Isto não impede que o cinema possa acontecer e que haja uma reflexão cinematográfica que
nos acompanha. Nós, seres frágeis, no compartilhamento de nossas histórias, nesses momentos.
Essas práticas envolvendo cinema, experiência e práticas documentais, não têm nome; são
como fragmentos de história, talvez filmes-documentos, anotações datadas de um momento
ensejando a experiência e suas camadas de sentido que seriam sua escritura.
Um filme-documento seria, dessa forma, aquele que se aplica a esse tipo de construção precá-
ria na qual o que se vai fazer diz respeito, indo mais longe que um filme, à invenção dos luga-
res. Seria possível dizer que há uma terra, cujo nome sempre está por vir, e que propicia um
solo às experiências dos portadores/portadoras de uma percepção ou modos de ser minoritá-
rios. E nesta zona, o filme permitiria uma reflexão sobre o espaço e o tempo dos lugares onde
estamos, como estrangeiros, “entre campos”, destituindo aqueles de “totalmente isto ou aquilo”.
A preocupação é dedicar tempo para experimentar modos de ser conjuntos que vão permitir
o advento de alguns gestos cinematográficos. Suscitar situações, em lugar de sofrer o aconteci-
mento. E pensar, nesse movimento, e não antes, a forma que poderia assumir o filme, a manei-
ra de filmar ou de não o fazer, de perturbar esse compartilhar. São as experiências comparti-
lhadas, rediscutidas, remetendo a um presente, que, nessas tentativas, dão a forma do filme.
Se a experiência histórica se faz também pela imagem e se as imagens estão elas próprias car-
regadas de história, é a ideia de dar lugar a retratos coletivos, de um grupo de amigos/amigas,
de grupos de quem quer que seja que vivam, reajam ou tentem resistir aos acontecimentos a
que são confrontados.
229
Uma travesti no museu
230
MARIQUINHA. Personagem vestido de mulher,
com TINA na cabeça na dança dos NEGRINHOS
em Sechura. Junto com o NEGRO VELHO,
dança entre LANTERNINHAS na noite de Natal,
recitando quadras nas esquinas ou no átrio
da Igreja, ridicularizando, com seus repentes,
alguma pessoa, autoridade do povoado ou fato
insólito (Esteban Puig T., Breve diccionario
folclórico piurano, 1985/1995, p.145).
< 1870 1861
Giuseppe Campuzano, Línea de vida/Museo Travesti del Peru, 2009-2013 [Linha de vida/Museu Travesti do Peru]
231
O costume das mulheres de andarem cobertas veio a tal
extremo que disso resultaram grandes ofensas a Deus, e
considerável dano à República, porque assim o pai não
conhece a filha, nem o marido a mulher, nem o irmão a
irmã, e têm a liberdade e tempo e lugar ao seu dispor, e
dão chance de que os homens se atrevam à filha, ou à
mulher de um superior, ou à do mais vil e baixo, o que
não aconteceria se andassem descobertas para que a
luz discernisse umas das outras, porque então cada uma
presumiria ser e seria por todos diferentemente tratada,
e se em umas e outras se vissem diferentes obras: além
do mais, se evitariam grandes maldades e sacrilégios
que os homens vestidos como mulheres e cobertos,
sem poder ser reconhecidos, fizeram e fazem (Cortes de
Castilla, 1586/1590, pp.21-22).
Giuseppe Campuzano, Línea de vida/Museo Travesti del Peru, 2009-2013 [Linha de vida/Museu Travesti do Peru]
232
Os arcanjos arcabuzeiros vice-reais com cocares de
penas sobre a cabeça são uma imagem cristianizada
dos huamincas ou “corajosos soldados” de um
deus Viracocha reinterpretado pelos cronistas. Suas
vestes borbônicas delatam o ambiente afrancesado
da época, mas os arcanjos arcabuzeiros parecem
representar a resistência ortodoxa eclesiástica ao
novo despotismo ilustrado. Desde os tempos de
Carlos V o culto aos anjos guerreiros havia estado
associado a uma monarquia hispânica e a uma
filosofia escolástica de caráter neoplatônico. Quando
Carlos III expulsou os jesuítas do novo mundo e
promoveu seu despotismo ilustrado na América
espanhola, foram suprimidos os modelos políticos
da antiga ordem e, com eles, todo discurso angélico.
[...] Apesar disso, não deixa de ser significativo
que o culto aos anjos arcabuzeiros envolvesse
um florescimento da filosofia escolástica que,
segundo Stoetzer, serviu de base ideológica para a
Independência (Ramón Mujica, Ángeles apócrifos en
la América Virreinal, 1992, pp.206-207, 211).
233
234
Ines Doujak e John Barker, Loomshuttles, Warpaths, 2009- [Lançadeiras de tear, trilhas de guerra]
235
236
237
238
Juan Downey, Untitled (Perú-Bolivia), 1976 [Sem título (Peru-Bolívia)]
239
240
Nilbar Güreş, Overhead, 2010 [Sobrecabeça]
Nilbar Güreş, The Grapes, 2010 [As uvas]
241
A produção de imagens é uma das
áreas decisivas de luta por outras formas de
subjetividade, em especial em contextos como
a cultura da mídia, em que o corpo masculi-
no, branco, heterossexual, está no comando
político e visual pleno. Ou seja, como diz a
teórica queer Beatriz Preciado, o corpo com a
hegemonia “político-orgásmica”, aquele que
“tem acesso à excitação sexual em público, em
oposição aos corpos cujo olhar deve ser prote-
gido e cujo prazer deve ser controlado”. Aqui,
as práticas de travestimento contribuem para
adulterar e romper um falso constructo social,
e reúnem uma nova coalizão de monstros,
oferecendo outras morfologias geopolíticas
com as quais resistir e agir. É como se todos
os corpos desdenhados retornassem por meio
de uma aliança que deixa de responder às
exigências de uma identidade ortodoxa e suas
demandas de disciplina social a fim de cele-
brar um prazer perverso e uma inspiradora
solidariedade de desvio sexual.
Apresentações religiosas travestidas,
desenvolvidas entre o final dos anos 1970 e
início dos 1990, sob regimes de opressão ou
transição para a democracia, desfazem mo-
delos devotos de feminilidade da imagética
católica (a santa, a virgem, a abençoada), e
desativam o componente opressivo de morali-
dade que organiza e controla o comportamen-
Dios es marica
Um projeto de Miguel A. López
Como escrever a história de sujeitos que têm sido reiteradamente
eliminados da história? Que tipos de conhecimento produzem os
corpos das chamadas minorias sexuais – conhecimentos que são
ainda ininteligíveis dentro dos modos dominantes de discurso e
construção narrativa? No caso de andróginos, travestis e transgê-
neros (entre outras posições não normativas), estamos diante de
um conjunto de corpos no qual a privação de sua condição humana
persistiu historicamente – não por registro e vigilância, mas pelo
silêncio e pelo apagamento de seus rastros nos registros oficiais.
Isso quando os poucos vestígios existentes não foram usados só
para patologizar, excluir ou normalizar a diferença. Uma vez que o
desaparecimento desses corpos foi uma característica da formação
de arquivos clássicos e historiografias tradicionais, as cartografias
transfeministas e homossexuais que respondem a essa situação
exigem a rejeição de identificações e apostas na (re)invenção des- Sergio Zevallos, Ambulantes, 1983
sas histórias que não existem.
242
Yeguas del Apocalipsis, Las dos Fridas, 1989/2014 [As duas Fridas]
243
Tais práticas renovaram os modos
de intervenção social desde as margens
dos sistemas culturais e artísticos, desem-
baraçadas de qualquer regra econômica
ou ideias tradicionais de bom gosto. Essas
apropriações transgêneras da iconografia
religiosa intervêm nas relações sociais de
poder e nos sistemas institucionalizados de
moralidade e respeitabilidade social, abrin-
do trilhas que haviam sido bloqueadas a fim
de estabelecer novos territórios de devoção
crítica para desejos e corpos não normati-
vos. Elas mudam a forma e a natureza de
Deus, tornando-o bicha. Mujeres Creando, esboço para Espacio para abortar,
1989/2014 [Espaço para abortar]
Miguel A. López
244
245
Ocaña, Inmaculada de las pollas, 1976 [Imaculada dos paus]
Nurit Sharett, Counting the Stars, 2014 [Contando as estrelas]
Anussim: O termo anussim – “forçado”, em hebraico – Nurit Sharett: O que você quer dizer com “não há
refere-se aos judeus e aos seus descendentes que tiveram judeus”?
que se converter ao catolicismo durante a Inquisição,
na Península Ibérica. Também são conhecidos como Carlos Gutierrez: Isto é sempre chocante! Claro que
marranos (criptojudeus) ou cristãos novos em Portugal existem judeus, mas como podemos defini-los? Muitos
e no Brasil, em oposição aos cristãos (antigos). Muitos grupos ortodoxos não considerarão você judia, porque
anussim praticavam o judaísmo de maneira secreta e, por você não é religiosa. Mas não posso considerar a opinião
isso, eram frequentemente acusados pela Inquisição. deles como a única verdade. Temos uma pluralidade de
visões e percepções sobre o judaísmo. Os antropólogos
Nurit Sharett: Comecei minha viagem em 2011, quando não podem decidir quem é judeu ou não. Temos que ana-
fomos à zona leste de São Paulo, para conhecer o mem- lisar essa luta e como os agentes envolvidos nela empre-
bro de um grupo anussim. Até então eu achava que o gam essas categorias, classificam a si mesmos, justificam
anussim pertencia ao passado – tendo eu estudado o as- suas posições e negam a identidade do outro. Quando
sunto apenas em aulas de história na escola. digo que não há judeus, estou me referindo ao fato de
que isso é uma construção social que muda o tempo todo.
Carlos Gutierrez: Descobri o grupo em 2007 e os acom- Se você olha para os textos antigos na Torá, lê
panhei em um processo que chamamos, em antropologia, que um judeu é alguém que tem um pai judeu. Essa coisa
de observação participante: vivendo com eles e como de ser judeu por parte de mãe surge depois da guerra na
eles, comendo comida kosher, indo a seus trabalhos, ana- Judeia, porque restavam poucos homens. Eles morreram
lisando suas interações. Minha meta principal era estudar lutando contra o Império Romano. Por isso, os rabinos,
como a identidade judaica é definida em uma luta que decidiram mudar a ordem estabelecida de classificação
envolve tanto esse grupo específico como os “judeus esta- para a forma atual. Mas as sinagogas liberais ainda consi-
belecidos” – que são considerados os “verdadeiros”. Não deram como judeu qualquer um que tenha um pai judeu,
considero que haja judeus verdadeiros e falsos. Poder-se- e elas se referem aos textos antigos! Assim, quem está
-ia dizer que não há judeus, mas que a identidade judaica, certo? O que é judaísmo? Não podemos responder essa
como qualquer identidade, é produzida no dia a dia. pergunta; ela está em construção e sempre estará.
246
Nurit Sharett: Este primeiro encontro com os anussim pelos tribunais inquisitoriais estava relacionada a práticas
foi muito impressionante para mim. Tive a impressão judias. Anita nos ajudou a historicizar e compreender
de que esse grupo está sofrendo de ambos os lados. Os esse fenômeno no Brasil. As pessoas que se classificam
judeus não os aceitam em suas sinagogas, e por isso eles como anussim aprenderam muito com o trabalho dela
têm que criar as suas próprias, e seus vizinhos evangé- e o utilizam para argumentar sobre sua identidade ju-
licos tampouco os querem em sua área. Você pode me daica. Levam esses argumentos aos rabinos. Elas têm
explicar o que leva as pessoas, nesse determinado ponto acesso a trabalhos acadêmicos e utilizam esses conceitos
da vida, a se classificarem como anussim? sociológicos e históricos como estratégias para ganhar
legitimidade em meio à comunidade judia e justificar
Carlos Gutierrez: No fim dos anos 1990 essa questão suas posições.
explodiu, e muitas pessoas começaram a se classificar
como anussim e a afirmar sua identidade judaica. Por que
isso aconteceu? Tenho duas hipóteses associadas: urbani-
zação e pentecostalismo.
Quando essas pessoas estão em áreas rurais,
possuem apenas duas opções: ser católico ou evangélico.
Quando elas vão para as cidades têm a possibilidade
de interagir com muitos outros grupos como pessoas
judias. Ao mesmo tempo, com a urbanização, os grupos
evangélicos cresceram praticamente do zero, nos anos
1950, para cerca de 42,3 milhões hoje, o que representa
22,2% da população do Brasil! A maior parte desses movi-
mentos evangélicos proclama ser formada pelos “novos Nurit Sharett: Se o judaísmo está sempre em cons-
hebreus”, adota palavras, símbolos e rituais judaicos em trução, por que a questão anussim é tão problemática?
suas igrejas. Assim, a maioria dos que se classificam Por que eles não estão sendo aceitos como judeus pelo
como judeus possui uma experiência prévia, via insti- establishment judeu?
tuições cristãs, que lhes propiciou uma “gramática” do
judaísmo. Muitos deles, antes de descobrir suas “raízes Carlos Gutierrez: Temos, na lei judia, julgamentos so-
judias”, em suas próprias palavras, eram admiradores da bre a questão anussim nos Países Baixos no século 17.
cultura, religião e língua judaicas. Muitos rabinos julgavam casos de anussim, para ver se
poderiam ser aceitos dentro da comunidade. Dessa for-
ma, o que mudou? Por que é um problema agora?
Essas pessoas, que se classificam como anus-
sim, não querem esperar por uma corte rabínica. Elas
desejam ser judias já. Por isso começam a criar suas pró-
prias sinagogas e definir a si mesmos como judeus. Elas
mudaram as regras. O monopólio que os judeus estabele-
cidos costumavam ter desapareceu! Todos agora podem
ser judeus. Claro que você não será considerado judeu
em uma sinagoga estabelecida, mas muitos deles não se
importam com isto. Eles só querem ter sua fé. Quando
os anussim começaram a criar suas sinagogas, estavam
Nurit Sharett: Você pode me explicar o que quer dizer contradizendo o poder estabelecido de que dispunha a
com gramática? comunidade judaica. Seguramente, a comunidade judaica
estabelecida não aprecia essa situação. Com o tempo,
Carlos Gutierrez: Quando emprego o termo, refiro-me muitos desses anussim desejam ser reconhecidos pela
a todo o conhecimento sobre a questão anussim, o con- comunidade estabelecida e pelo Estado israelense, por
texto histórico, a Inquisição, os “nomes cristãos novos” isso precisam ter algum tipo de interação... Não o tipo
(Moreira, Carvalho, Pereira, entre outros) e a como isso de interação que os rabinos desejam, mas algo diferente,
é operacionalizado por esses atores sociais quando eles que está sendo negociado a todo momento. No passado,
justificam suas posições e afirmam sua identidade judia. os rabinos possuíam controle total. Agora eles precisam
Aqui preciso enfatizar a importância do trabalho de Anita negociar. Os anussim destruíram uma lógica de poder
Novinsky. Ela foi pioneira na coleta de todos os dados estabelecida, a fim de estabelecer uma outra.
de que dispomos no Brasil e em Portugal sobre a Inqui-
sição, mostrando como a maioria de casos denunciados
247
Virginia de Medeiros, Sergio e Simone, 2014
248
Arthur Scovino, Caboclo Borboleta
(O Caboclo dos Aflitos), 2014
249
Por uma arte de instaurar
modos de existência
que “não existem”
Peter Pál Pelbart
250
implicações de um procedimento tal não são pequenas. tornar-se o advogado do ser por vir, a testemunha deste
Como escreveu Latour: ou daquele modo de existência, sem a qual essa existên-
cia talvez não vingasse.
Engaja a instauração nas ciências, mudarás Mas como imaginar que existiriam da mesma
toda a epistemologia. Engaja a instauração maneira o pensamento, a matéria, Hamlet, Peer Gynt,
na questão de Deus, mudarás toda a teologia. a raiz quadrada dos números negativos, a rosa branca,
Engaja a instauração na arte, mudarás toda a pergunta o autor? Claro que não compartilham o mesmo
estética. Engaja a instauração na questão da modo de existência. Já a instauração de cada um deles
alma, mudarás toda a psicologia. O que cai por implica sempre inúmeras experimentações singulares (a
terra em todo caso é a ideia, no fundo bem liberdade), sucessivas determinações (a eficácia) e uma
ridícula, de um espírito que estaria na origem profusão de equívocos (a errabilidade). O criador se vê
da ação e cuja consistência seria projetada sempre diante de uma situação questionante, como se
em seguida por ricochete sobre uma matéria ele ouvisse a voz de uma esfinge irônica, perguntando-
que não teria outro porte, outra dignidade -lhe: e agora? A obra o questiona, o chama, o parasita, o
ontológica senão a que se condescendesse em explora, o escraviza, o anula – ela é um monstro! – mas
atribuir-lhe.5 ao mesmo tempo ela demanda seu testemunho, sua so-
licitude, inclusive para encontrar o acabamento que se
insinua e que exige sempre discernir o que é factível em
A arte de existir meio ao caos do mundo. Nenhuma intencionalidade, ne-
nhum antropocentrismo, nenhuma mistificação da obra
Para Souriau, a arte e a filosofia teriam em comum o fato impossível – mas a instauração, o trajeto, a alma equiva-
de que visam, ambas, instaurar seres cuja existência se lente a uma perspectiva:
legitima por si mesma, “por uma espécie de demonstra-
ção radiante de um direito à existência, que se afirma e Penso numa criancinha que tinha disposto
se confirma pelo brilho objetivo, pela extrema realidade cuidadosamente, por muito tempo, diversos
de um ser instaurado”.6 Tudo indica que Souriau almeja objetos, grandes e pequenos, de uma maneira
algo como uma arte de instaurar, ou uma arte de fazer que lhe parecia graciosa e ornamental, sobre a
existir seres que ainda vagam numa penumbra ficcio- mesa da sua mãe, para lhe dar “muito prazer”.
nal, virtual, longínqua e enigmática. Portanto, todo seu A mãe vem. Tranquila, distraída, ela toma um
pensamento poderia ser colocado sob o signo desse desses objetos de que ela precisa, coloca um
chamado por uma “obra por fazer”, e obra não se enten- outro no seu lugar, desfaz tudo. E quando as
de aqui necessariamente como obra de arte – mesmo o explicações que se seguem aos soluços repri-
homem é uma obra por fazer, incompleta, aberta, inan- midos da criança lhe revelam a extensão de
tecipável. Assim, em cada caso, não se trata de seguir seu equívoco, ela exclama desolada: ah! meu
um projeto dado que caberia realizar, mas abrir o campo pobrezinho, eu não tinha visto que era alguma
para um trajeto a ser percorrido conforme as perguntas, coisa.9
problemas e desafios imprevistos aos quais é preciso
responder a cada vez singularmente. O desafio vital que David Lapoujade comenta esse exemplo de Souriau da
se coloca a cada um de nós, pois, não é emergir do nada, seguinte maneira:
numa criação ex nihilo, mas atravessar uma espécie de
caos original e “escolher, através de mil e um encontros, Eu não tinha visto... O que foi que ela não viu?
proposições do ser, o que assimilamos e o que rejeita- O que é “essa coisa” que a mãe não vê? Pode-
mos”.7 Nada está dado, nada está garantido, tudo pode -se dizer que é a alma da criança – transposta
colapsar – a obra, o criador, a instauração –, mas essa inteiramente para os objetos. Pode-se dizer
hesitação é própria ao processo, não insuficiência on- que é a disposição cuidadosa dos objetos que
tológica nem falha constitutiva. O trajeto vital é feito de testemunha a presença de um ponto de vista
exploração, de descobertas, de encontros, de cisões, de preciso da criança. Em ambos os casos, se
aceitações dolorosas, contra o voluntarismo idealista do terá razão: ela vê os objetos pois ela os arru-
criador que parte do nada, contra a solicitude em rela- ma, o que ela não vê, é o modo de existência
ção à “matéria” que o chama: “o ser em eclosão reclama deles sob o ponto de vista da criança. O que
sua própria existência. Em tudo isso, o agente tem de ela não vê é o ponto de vista da criança; ela
inclinar-se diante da vontade própria da obra, adivinhar não vê que ali há um ponto de vista – que exis-
essa vontade, abnegar-se em favor desse ser autônomo te. É óbvio que tal cegueira vale para todos os
que ele busca promover segundo seu direito próprio modos de existência dos quais fala Souriau.10
à existência”.8 Trata-se, pois, de defender esse direito,
251
É o pragmatismo da percepção, que ao privilegiar as re- eles mesmos, sua própria existência, num outro patamar
alidades sólidas e manifestas, desqualifica a pluralidade – como Nietzsche, que dizia ter nascido de sua obra.
das perspectivas, dos planos de existência. Quem criou quem? Mais do que criadores, somos fruto
Em vez de sacrificar a positividade existencial e efeito daquilo que por meio de nós foi criado; somos
de “populações inteiras de seres” no altar de uma Verda- suas testemunhas.
de, seria o caso de multiplicar o mundo a fim de acolhê- Mais do que a classificação dos modos de exis-
-las – de onde o esforço em mobilizar conceitos diversos tência de que Souriau faz o inventário e uma análise
para garantir a pluralidade e distinção entre os modos de minuciosa (fenomênico, solicitudinário, virtual, supere-
existência, sem deles fazer etapas de um único processo xistente etc.), interessa a passagem entre eles e o mundo
evolutivo, universal. Ademais, em vez de perguntar “Isso que o autor chama de sináptico, e não mais ôntico: as
existe?” e “De que modo?”, caberia saber se pode existir transições, as reviravoltas, os saltos, as transformações,
“um pouco, ou muito, passionalmente, de modo algum”, esses movimentos em que os seres são acessórios
em gradações diversas. Por exemplo, existir como implícitos ou catapultas de imensos dramas, como os
possível, em potência, ou prestes a emergir ao lado do personagens que uma criança usa numa brincadeira
atual, ou existir balbuciantemente abaixo de um limiar servem para revelar os verdadeiros acontecimentos.
de integridade – quantas maneiras distintas de existir... Num mundo assim concebido, importam precisamente
Entre o ser e o não ser, tantas gradações! Antes mesmo os acontecimentos, o advir, através do qual se passa a um
de comparar os modos de existência entre si, não seria plano de existência diverso em função de uma mudança
possível pensar a oscilação de um ser entre seu máximo de perspectiva. Pois o acontecimento consiste precisa-
e seu mínimo, como se cada existência pudesse ser ava- mente nisto: uma mudança de perspectiva, de plano de
liada nela mesma, segundo sua intensidade, em modos existência. “Há pouco havia um copo inteiro; agora há
intensivos de existência? esses pedaços. Entre os dois, há o irreparável. Irrepa-
rável, insuprimível, inescamoteável mesmo pelos mais
sutis recursos do espírito, que pode dele se desviar mas
Fantasmas e acontecimentos não contradizê-lo. Patuidade desse irredutível. Tal é a
existência do fato”.12 Eis como David Lapoujade apreen-
Souriau utiliza imagens inabituais para borrar nossas de esse exemplo:
categorias. Depois de morto, um homem volta ao mun-
do dos vivos para rever sua amada e vingar sua morte. Pode-se duvidar da realidade de certas exis-
Vagas lembranças; ele não tem certeza: onde estou? tências, mas não dos fatos, pois eles têm uma
Como eu sou? Qual minha missão? Sou um enviado para eficácia, eles mudam algo no modo de existên-
alguma coisa – o quê? E se defronta com um mundo po- cia dos seres. A eficácia aqui não é o fato de o
voado de indícios... Souriau quer dizer que somos todos copo ter se quebrado, é que ele muda de esta-
como fantasmas. Não sabemos se podemos responder tuto. Não é mais um copo, porém lascas cor-
sozinhos por nossa existência, nem quanta força ou fra- tantes. Conforme o perspectivismo de Souriau,
queza temos para tanto, quão incompletos ou inacabados o acontecimento consiste numa reviravolta de
somos. É preciso “instaurar” a própria existência, mas ponto de vista: algo aconteceu que já não se
também uma escultura em curso, um livro em andamen- pode considerar um copo como um copo.13
to, um pensamento sobrevindo – eles todos demandam
uma instauração. São, pois, existências inventadas no E quantos acontecimentos, precisamente por consis-
trajeto mesmo de sua instauração, percurso permeado tirem numa reviravolta do ponto de vista, fazem ver e
de “variações intensivas existenciais”.11 Se, para alguns mesmo criam uma nova alma no psiquismo de quem os
modos de ser, existir depende de sua própria força (“Se atravessa! O autor conclui:
queres ter o ser”, diz Mefistófeles a Homúnculus, “existe
por tuas próprias forças”), para outros depende precisa- Há alma desde que se perceba num modo de
mente da força de outros, de sua solicitude – são seres existência algo de inacabado, ou de inconcluso
solicitudinários. Um poema não tem acesso à existência – por conseguinte, exige um “principio de am-
sem o testemunho, a devoção, a solicitude de outros, plificação”, em suma, o esboço de algo maior
poeta e leitores. Há seres imaginários que dependem ou melhor. Ainda uma vez, através de todas
de nosso desejo, cuidado, temor, esperança, fantasia, essas existências inacabadas, o clamor de suas
entretenimento, e, por conseguinte, estão subordinados reivindicações, como se elas reclamassem ser
a eles. Nem por isso são menos eficazes do que estes amplificadas, aumentadas, em suma, torna-
de quem dependem. Em contrapartida, é justamente das mais reais. Ouvir tais reivindicações, ver
através dessa solicitude ofertada que aqueles que contri- nessas existências tudo o que elas têm de ina-
buem para a criação ou duração do poema conquistam, cabado, é tomar partido por elas. É entrar no
252
ponto de vista de uma existência não para ver detectando por vezes aquilo que de nós escapa, aquilo
por onde ela vê, mas para fazê-la existir mais, que não vemos porque falamos, e que eles enxergam por-
para fazê-la passar a uma existência maior ou que não falam...
para fazê-la existir “verdadeiramente”.14 Daí o raro estatuto da imagem em Deligny. A
linguagem jamais conseguirá dizer o que é a imagem, in-
Afinal, não há modos de existir mais ardentes, fervilhan- siste ele, pois a recobre com suas injunções, finalidades,
tes, jorrantes? Existir perdidamente, saltativamente, comandos, encadeamentos, sentidos. Por mais que se-
diferentemente... jamos invadidos de imagens por toda parte, atualmente,
Se há existências em estado de “ínfimo esboço trata-se de imagens domesticadas à linguagem, imagens
e de instauração precária que escapam à consciência”,15 subordinadas à comunicação, imagens tomadas num sis-
Souriau parece querer devolver o direito a essas exis- tema de troca ou da mercadoria – imagens-mercadoria,
tências liminares – evanescentes, precárias, frágeis – as fetichismo da mercadoria! À imagem repleta de inten-
quais negligenciamos, mesmo que essa consistência que ções, de cultura, que abole a imagem, seria preciso opor
lhes oferecemos seja incorporal ou espiritual e que seja o que Deligny designa por “a imagem que nos falta”, na
preciso emprestar-lhes uma alma. É assim que nos tor- sua nudez, pobreza, no seu caráter desprovido de inten-
namos suas testemunhas, seus advogados, seus “porta- ção, a imagem que paradoxalmente não é feita para ser
-existência”, segundo Lapoujade: carregamos sua exis- vista, que no limite não se vê, que revela o que escapa, o
tência assim como elas carregam a nossa, uma vez que, que nos escapa, o que foge. O estatuto dessas imagens é
sob certo ponto de vista, só existimos na medida em que oposto a toda representação, a toda intencionalidade – na
fazemos existir outros, ou que ampliamos outras existên- verdade, a todo idealismo. Não se trata da imagem de um
cias, ou que vemos alma ou força onde outros nada viam sujeito, para um sujeito, diante de um sujeito – não exis-
ou sentiam, e assim fazemos com eles causa comum. te sujeito, afinal.
Deligny pode então postular, não apenas que a
imagem é autista, pois, como ele, ela não diz nada nem
A vida esquiva quer dizer nada, mas que o autista pensa por imagens. A
imagem sequer é uma coisa que existe em si – ela chega,
É de Fernand Deligny que nos vem o mais belo e encar- passa, atravessa e só nos atinge graças à persistência
nado exemplo de tudo o que precede. Na sua convivên- retiniana, defeito de nosso aparelho de visão... Na ver-
cia de anos com crianças autistas, na França, ele montou dade, a imagem é como os gansos selvagens, que vivem
um dispositivo coletivo apto a acolher um modo de exis- em bandos ou em constelação e levantam voo alinhados
tência anônimo, assubjetivo, refratário a toda domestica- em V quando respondem a alguma ameaça.18 Interessa
ção simbólica. Eis um mundo livre não só de linguagem, a Deligny que as imagens levantem voo, não que perma-
mas daquilo que ela implica: a vontade e o objetivo, o neçam!
rendimento e o sentido.16 Contra o culto do fazer, fruto Estamos às portas do cinema de Deligny. Pois
da vontade dirigida a uma finalidade (por exemplo, fazer o cinema poderia dar suporte a tudo isso se ele não
obra, fazer sentido, fazer comunicação), Deligny evoca o estivesse completamente submetido à linguagem, à
agir, no sentido muito particular de gesto desinteressa- narratividade, à obrigação de contar uma história, de
do, de movimento não representacional, sem intenciona- ter um sentido, de emitir um julgamento moral, de ter
lidade, que consiste eventualmente em tecer, em traçar, um alcance edificante ou pedagógico. Se o cinema não
em pintar, no limite até em escrever. Nesse mundo, onde visasse o filme, ele poderia atingir as imagens – mas,
o balanço da pedra e o ruído da água não são menos rele- para isso, seria preciso que ele deixasse de “fazer obra”,
vantes do que o murmúrio dos homens, Deligny coloca- de querer um produto. Talvez só então o cinema fosse
-se na posição de “não querer”, a fim de dar lugar ao capaz de atingir as “coisas” como processo, acontecimen-
intervalo, ao tácito, à irrupção, ao extravagar. Nenhuma to. Seria preciso até mudar o verbo “filmar” – afinal, por
passividade nem omissão há nessa atitude – ao contrário, que chamar uma atividade pelo seu produto final? Não
é preciso limpar o terreno constantemente, livrá-lo do se diz “livrar” quando se escreve um livro, mas quando
que recorta o mundo em sujeito/objeto, vivo/inanimado, se usa o martelo dizemos martelar; seria preciso então
humano/animal, consciente/inconsciente, individual/ dizer “camerar”. No artigo que escreveu com esse título,
social, para que o campo se abra e algo seja possível.17 Deligny defende que se respeite “o que não quer dizer
Em tal contexto, a pergunta de Deligny é: como permitir nada, não diz nada, não se dirige, dito de outro modo,
ao indivíduo autista existir sem lhe impor o ele, o sujeito, escapa à domesticação simbólica sem a qual história não
o se, o se ver, toda essa série que lhe imputamos, mesmo haveria”.19 Seria preciso “camerar” o que nos escapa, o
que sob o modo privativo? Pois o autor está convencido que não se vê, as imagens perdidas, as que caem de uma
de que ele não se vê, pois não há justamente o “ele” que câmara vesga, imagens que não se dirigem a ninguém,
pudesse se... Trata-se do indivíduo em ruptura de sujeito, em vias de desaparecer... Imagens involuntárias, como a
253
revolução... “Quer se trate de revolução ou de imagem, As possibilidades de vida
aquilo de que é preciso afastar-se, antes de tudo, é do
querer-fazê-los”.20 Já podemos ampliar o espectro desses comentários. De-
Assim como a arte é para nada e a política faz leuze não cansou de repetir, ao longo de sua obra, que ao
projeto, aqui estaríamos diante da arte de se colocar pensamento cabe inventar novas possibilidades de vida,
no nível do “para nada”, do acontecimento ínfimo (para novos modos de existência. “Pensar significaria descobrir,
nós). O crítico Jean-François Chévrier talvez tenha razão inventar novas possibilidades de vida”, escreve ele, para
ao considerar que há nisso tudo um aspecto arcaico... em seguida citar Nietzsche:
Uma espécie de animismo, ou o sonho de uma “imagem
encarnada que seria o traço vivo de uma existência Existem vidas nas quais as dificuldades atin-
nua”.21 Mas tal arcaísmo é mesmo um problema? Sere- gem o prodígio; são as vidas dos pensadores.
mos tão modernos ou pós-modernos quanto nos imagi- E é preciso prestar atenção ao que nos é nar-
namos? Ou a cada dia parece mais interessante ressaltar rado a seu respeito, pois aí descobrimos pos-
esses contragolpes de um tempo imemorial que nos che- sibilidades de vida e sua simples narrativa dá-
gam por pressão de um futuro ameaçador, como enuncia -nos alegria e força e derrama uma luz sobre a
David Kopenawa, num outro contexto?22 vida de seus sucessores. Há aí tanta invenção,
Ora, não cabe aplicar a Deligny conceitos de reflexão, audácia, desespero e esperança
Souriau, já que Deligny forjou os seus de acordo com quanto nas viagens dos grandes navegadores;
sua própria “matéria”, mas não podemos deixar de ver e, na verdade, são também viagens de explora-
convergências que nos intrigam. Pois, afinal, Deligny ção nos domínios mais longínquos e perigosos
montou um dispositivo complexo, sutilíssimo, feito de da vida.24
silêncio, de mapas, de trajetos, de contiguidade, todo um
agenciamento espaçotemporal em que essas “existências Mas quem avalia os modos de existência? Como julgar
ínfimas”23 pudessem conquistar sua patuidade sem trair se um é preferível a outro? Qual critério valeria? Eis a
em nada justamente o que lhes é peculiar, seu modo de primeira resposta que lhe dá Deleuze, quando critica,
existência feito de esquiva, de linhas de errância, de teias com Nietzsche e Artaud, a mania dos pensadores de se
invisíveis (sua alma), no limiar da invisibilidade social e arvorarem como juízes supremos e montarem um tribu-
de todos os cânones que determinam o que merece viver nal da vida:
ou ser visto, talvez porque, como sugeriu Deligny, com
humor, diante da aborrecida novela de nossas vidas, pre- O julgamento impede a chegada de qualquer
feriam mil vezes a emoção da água escorrendo. novo modo de existência. Pois este se cria por
Tal como há um modo autista, haveria um modo suas próprias forças, isto é, pelas forças que
esquizofrênico, um modo índio, um modo oriental, um sabe captar, e vale por si mesmo, na medida
modo negro, um modo artista? Ou, ao contrário, é justa- em que faz existir a nova combinação. Talvez
mente para arrebentar tais clichês e a tipologia caricata aí esteja o segredo: fazer existir, não julgar. Se
e identitária que os sustenta que seria preciso insistir no julgar é tão repugnante, não é porque tudo se
meio? Pois trata-se de instalar-se nos entremodos, nos equivale, mas, ao contrário, porque tudo que
entremundos, nas passagens, transições, viradas, des- vale só pode fazer-se e distinguir-se desafian-
lizamentos, cruzamentos e reviravoltas de perspectiva, do o julgamento. Qual julgamento de perito,
até mesmo nas negociações entre modos e mundos. To- em arte, poderia incidir sobre a obra futura?
memos um exemplo banal, até mais próximo que o dos Não temos por que julgar os demais existen-
xamãs: Tobie Nathan, etnopsiquiatra residente na França tes, mas sentir se eles nos convêm ou descon-
que atende sobretudo famílias de imigrantes africanos, vêm, isto é, se nos trazem forças ou então nos
quando as chama a entrar em seu consultório, convida remetem às misérias da guerra, às pobrezas
igualmente todas as entidades que as acompanham e do sonho, aos rigores da organização.25
com as quais deverá ser feita uma árdua negociação
para redesenhar as relações, liberar os “encostos”, gerir Mais adiante, acrescenta:
os conflitos. É no entrecruzamento com tais modos de
existência diversos, nos entremundos, que algo pode ser Não temos a menor razão para pensar que
gestado ou cuidado. os modos de existência tenham necessidade
de valores transcendentes que os compara-
riam, os selecionariam e decidiriam que um
é “melhor” que o outro. Ao contrário, não há
critérios senão imanentes, e uma possibilidade
de vida se avalia nela mesma, pelos movimen-
254
Páginas de Les Détours de l’agir: Ou Le Moindre Geste, 1979, Fernand Deligny
255
tos que ela traça e pelas intensidades que ela do, por mais democrático que pareça? Como escrevem
cria, sobre um plano de imanência; é rejeitado Deleuze e Guattari:
o que não traça nem cria. Um modo de exis-
tência é bom ou mau, nobre ou vulgar, cheio Os direitos do homem não dizem nada sobre
ou vazio, independente do Bem e do Mal e de os modos de existência imanentes do homem
todo valor transcendente: não há nunca outro provido de direitos. E a vergonha de ser um
critério senão o teor da existência, a intensifi- homem, nós não a experimentamos somente
cação da vida.26 nas situações extremas descritas por Primo
Levi, mas nas condições insignificantes, ante a
Quando comenta a crença em Deus, comparando a apos- baixeza e a vulgaridade da existência que im-
ta de Pascal e a de Kierkegaard, o único critério é vital: pregnam as democracias, ante a propagação
a questão não é se Deus existe ou não, nem quanto se desses modos de existência e de pensamento-
ganha ou se perde apostando certo, mas qual modo de -para-o-mercado, ante os valores, os ideais e
existência implica a crença para aquele que crê, em que as opiniões de nossa época. A ignomínia das
medida estão ainda num mesmo plano aquele que crê e possibilidades de vida que nos são oferecidas
o que não crê, e o que ocorre quando muda o plano de aparecem de dentro. Não nos sentimos fora
imanência que caracteriza uma época, tal como a nossa: de nossa época, ao contrário, não cessamos de
estabelecer com ela compromissos vergonho-
sobre o novo plano, poderia acontecer que o sos. Este sentimento de vergonha é um dos
problema dissesse respeito, agora, à existên- mais poderosos motivos da filosofia.28
cia daquele que crê no mundo, não propria-
mente na existência do mundo, mas em suas É em torno dessa patologia que gira nossa época: modos
possibilidades, em movimentos e em intensi- de existência-para-o-mercado. Parte do esforço contem-
dades, para fazer nascer ainda novos modos porâneo consiste em diagnosticar essa enfermidade,
de existência, mais próximos dos animais e retraçar sua gênese, ramificações e efeitos. Entre eles,
dos rochedos. Pode ocorrer que acreditar nes- claro, o de dizimar cotidianamente modos de vida consi-
te mundo, nesta vida, se tenha tornado nossa derados menores, minoritários, não apenas mais frágeis,
tarefa mais difícil, ou a tarefa de um modo de precários, vulneráveis (pobres, loucos, autistas), mas
existência por descobrir, hoje, sobre nosso também mais hesitantes, dissidentes, ora tradicionais
plano de imanência.27 (povos da floresta), ora, ao contrário, ainda nascentes,
tateantes ou mesmo experimentais (por vir, por desco-
É todo o desafio que Deleuze e Guattari expõem aqui – o brir, por inventar). De fato, há no presente uma guerra
de um modo de existência por descobrir, consentâneo ao entre distintos modos de vida, ou formas de vida, e essa
nosso plano de imanência, do qual toda transcendência guerra, embora indissociável do modo de produção he-
foi esconjurada e que já não pode repousar sobre um fun- gemônico e de seus conflitos inerentes, não é redutível
damento último. Um mundo grávido de possibilidades: apenas a ele. Não será isso que levou alguns pensadores
eis o que cotidianamente nos parece confiscado, dada a se debruçar recentemente sobre modos de existência
a predominância de um modo de existência universal tão contrastantes quanto inusitados, mesmo que remo-
que tende a abortar justamente a emergência de modos tos, na linha do tempo?
outros.
Pois é fácil constatar o predomínio do modelo da
classe média, propagado como um imperativo político, Forma de vida, estilística da existência
econômico, cultural, subjetivo, e a miséria gritante que o
caracteriza, misto de gregariedade, blindagem sensorial, Giorgio Agamben, por exemplo, analisou recentemente o
rebaixamento intensivo, depauperação vital. O alastra- culto da altíssima pobreza entre os franciscanos. Primei-
mento de uma tal forma de vida genérica, baseada no ramente, mostrou como em um contexto de reclusão re-
padrão majoritário branco-macho-racional-europeu-con- ligiosa e coletiva a vida e as regras tornaram-se a tal pon-
sumidor, bem como o modo de valorização que está na to indissociáveis que se fundiram numa espécie de arte
sua base – por exemplo, a teologia da prosperidade que de viver. Na tradição monástica não se tratava mais de
se infiltra por toda parte, ou o capitalismo como religião, obedecer normas dadas, mas de vivê-las. Assim, o acento
como dizia Benjamin – pede instrumentos de análise e se desloca da prática ou da ação para uma maneira de
de revide inusitados. Como escovar essa hegemonia a viver integral.29 O cenobitismo, essa modalidade de reco-
contrapelo, revelando as múltiplas formas que resistem, lhimento monástico coletivo, não foi tanto, pois, uma vida
se reinventam ou mesmo se vão forjando à revelia e à segundo regras, mas, numa curiosa inversão, uma forma
contracorrente da hegemonia de um sistema de merca- de vida que engendrava suas próprias regras.30 Mas é só
256
com a novidade fransciscana e com o culto da altíssima da existência, a figura visível que os humanos devem
pobreza (altissima paupertas), que a indistinção entre dar à sua vida. Não se busca, aí, o ser da alma, como na
vida e regra atinge seu apogeu. A pobreza como modo filosofia de linhagem platônica, mas um estilo de existên-
de vida significa que se abre mão do domínio do mundo, cia. Foucault insiste em como a filosofia privilegiou, ao
e que se pode fazer uso das coisas sem deter sobre elas longo de sua história, a tradição platônica, a metafísica
qualquer direito de propriedade. É quando a vida se da alma, preterindo a via do cuidado de si, que tem por
subtrai ao direito e o mundo torna-se inapropriável.31 Eis objeto a bela vida através de um “falar francamente”, de
uma ética e uma ontologia que, em nosso contexto, soa um “dizer a verdade” (paresia). De acordo com a provo-
praticamente impensável – ou, segundo Agamben, jus- cação de Foucault,
tamente aquilo que deveria ser pensado. Como nota um
comentador, a noção de forma de vida tal como apresen- Se é verdade que a questão do Ser foi de fato
tada pelo filósofo no caso dos franciscanos situa-a nas an- o que a filosofia ocidental esqueceu e cujo
típodas da noção de vida nua. Se ao longo dos primeiros esquecimento tornou possível a metafísica,
livros da série Homo Sacer a questão era examinar como talvez também a questão da vida filosófica não
um dispositivo jurídico próprio do regime de soberania, tenha cessado de ser, não diria esquecida, mas
por um jogo de exclusão/inclusão, produzia uma vida desprezada; ela não cessou de aparecer como
nua, revelando a relação de domínio entre o direito e a demasiada em relação à filosofia, à prática filo-
vida, aqui a questão é inversa – como a forma de vida se sófica, a um discurso filosófico cada vez mais
subtrai ao dispositivo de captura jurídico quando renun- indexado ao modelo científico. A questão da
cia a todo direito. A conclusão é categórica: “para além vida filosófica não cessou de aparecer como
da experiência franciscana, pensar uma vida inseparável uma sombra, cada vez mais inútil, da prática
de sua forma, uma forma de vida, segue sendo a tarefa filosófica.39
indeferível do pensamento que vem”.32 O sentido desse
desafio só se esclarece à luz da cisão operada pelos O cinismo filosófico é, contudo, o contraexemplo histó-
gregos entre a vida e sua forma, operação pela qual foi rico dessa tendência. Nele, para tornar-se a verdadeira
isolada a vida nua (zoé) de uma forma de vida qualificada vida, segundo os preceitos que os cínicos professam,
(biós). Em contrapartida, no polo oposto que o autor de- numa espécie de transvaloração jocosa de todos os valo-
fende, por forma de vida deve-se entender “uma vida que res, a vida deve ser uma vida outra, radicalmente outra,
jamais pode ser separada de sua forma, uma vida na qual em ruptura total com todos os códigos, leis, instituições,
jamais seja possível isolar algo como uma vida nua”,33 hábitos, inclusive dos próprios filósofos. Eis uma defini-
uma vida “que não se decompõe em fatos, mas que é ção canônica dessa bíos kynikós:
sempre e sobretudo possibilidade e potência”.34 Eis onde
o estatuto do pensamento se vê esclarecido: “O pensa- Primeiro, a vida kynikós é uma vida de cão na
mento é forma de vida, vida inseparável de sua forma, e medida em que não tem pudor, não tem ver-
aí onde se mostra a intimidade dessa vida inseparável, gonha, não tem respeito humano. É uma vida
na materialidade dos processos corpóreos não menos que faz em público e aos olhos de todos o que
que na teoria, aí e só aí há pensamento”.35 Apesar da somente os cães e os animais ousam fazer,
concepção particular de potência presente em Agamben enquanto os homens geralmente escondem.
(a potência de não), pela qual, aliás, ele se distingue de A vida de cínico é uma vida de cão como vida
filósofos contemporâneos que o inspiraram, resta o fato impudica. Segundo, a vida cínica é uma vida
de que o tema de uma “filosofia que vem”, segundo ele, de cão porque, como a dos cães, é indiferente.
deve ser “a vida, sua forma e seus usos”.36 Indiferente a tudo o que pode acontecer, não
Seria preciso comparar o exemplo franciscano e se prende a nada, contenta-se com o que tem,
o caso dos cínicos estudado por Foucault no último semi- não tem outras necessidades além das que
nário que proferiu, em 1983,37 mesmo porque Agamben pode satisfazer imediatamente. Terceiro, a
parece retomar o problema de uma vida ascética a vida dos cínicos é uma vida de cão, ela rece-
partir do ponto em que Foucault o deixara, a saber, no beu esse epíteto de kynikós porque é, de certo
limiar do cristianismo. Em todo caso, Foucault entende modo, uma vida que late, uma vida diacrítica
a experiência da filosofia cínica como a elaboração de (diakritikós), isto é, uma vida capaz de brigar,
uma modalidade de vida na qual “a própria vida torna-se de latir contra os inimigos, que sabe distinguir
matéria ética, onde o que está em jogo é a forma que se os bons dos maus, os verdadeiros dos falsos,
dá à vida”.38 A emergência da vida como objeto priori- os amos dos inimigos. É nesse sentido que é
tário significa que é preciso exercer sobre ela certas uma vida diakritikós: vida de discernimento
operações, colocá-la à prova, submetê-la a uma triagem, que sabe pôr-se à prova, que sabe testar e que
a uma transformação etc. É a filosofia como estilística sabe distinguir. Enfim, quarto, a vida cínica é
257
philaktikós. É uma vida de cão de guarda, uma de si, Muriel Combes contesta a ideia de que se trataria
vida que sabe se dedicar para salvar os outros de uma nova fase no pensamento do autor, como se ele
e proteger a vida dos amos.40 saltasse do problema do poder, no período genealógico,
para o da subjetividade, na sua pesquisa ética. A autora
A vida de verdade que os cínicos pregam, pois, é uma insiste em ver nas técnicas de si (da relação a si) uma
vida outra, e deve também, na sua manifestação públi- interface subjetiva necessária para pensar a mediação
ca, agressiva, escandalosa até, transformar o mundo, entre o poder e a vida no contexto biopolítico, quando a
chamar por um mundo outro. Não é, por conseguinte, relação entre os dispositivos de poder e o corpo já não
a questão de um outro mundo, segundo o modelo so- podia mais ser efetuada diretamente, como nas socieda-
crático, mas do mundo outro. Há, pois, uma inversão des disciplinares – e foi preciso inventar essa dobra, a
cuja lógica Foucault vai esmiuçar de maneira exaustiva, subjetividade. Mas, se isso é verossímil, é porque a vida
mostrando a que ponto, no seio dessa suposta vida sobre a qual as técnicas de si incidem é compreendida
verdadeiramente filosófica, se insinua uma alteridade sobretudo como uma vida capaz de condutas, uma vida
que a relança em direção ao próprio mundo, com todo suscetível de adotar diversas direções diferentes.43 Se a
o despojamento, animalidade, miséria, culto da sujeira e subjetivação é uma modalidade de exercício do poder
da feiura em que isso implica, aliada aos traços de autos- sobre a vida, é na medida em que convoca um trabalho
suficiência, auto-humilhação escandalosa e teatralização sobre si – entendido esse si não propriamente como uma
que esses performers avant la lettre exerciam em praça instância substantiva, personológica ou universal, supor-
pública. te substantivo existente por trás do sujeito, mas como
Claro, há um traço aí presente que não é estra- uma potencialidade relacional, uma zona de constituição
nho ao cristianismo e se impõe ulteriormente – a saber, a da subjetividade. Sendo o governo um poder que se
humildade, a ascese, a renúncia. Mas para o cristianismo exerce sobre “sujeitos individuais ou coletivos que têm
o culto de tais virtudes visará um outro mundo, e não diante de si um campo de possibilidades no qual diversas
um mundo outro – de modo que qualquer transformação condutas, diversas reações e diversos modos de compor-
neste mundo terá por finalidade dar acesso ao outro tamento podem acontecer”, como afirma Foucault,44 a
mundo. Ademais, se o “falar francamente” era fundamen- zona de consistência do poder deve ser concebida mais
tal no cinismo, no cristianismo ele é abolido, em favor da do lado do sujeito considerado como campo de possibi-
própria verdade tal como as estruturas de autoridade a lidade, campo de ação para uma multidão de condutas
entendem e caucionam. Foucault encerra seu último cur- a inventar, muito mais do que do lado da vida nua. Se
so, pouco antes de sua morte, com a seguinte frase: Agamben teve o mérito de trazer à tona a diferença entre
vida nua e forma de vida, a vida nua deve ser concebida
Verdade da vida antes da verdadeira vida: foi como um limite, como um ponto crítico para um poder
nessa inversão que o ascetismo cristão modi- que se exerce como ação sobre ação, “pois a vida sobre
ficou fundamentalmente um ascetismo antigo, a qual um biopoder incide é uma vida sempre informada,
que sempre aspirava levar ao mesmo tempo uma vida capaz de diversas condutas, e por essa razão,
a verdadeira vida e a vida de verdade e que, sempre suscetível de insubmissão 45.”
pelo menos no cinismo, afirmava a possibilida- Disso poderíamos extrair diversas consequên-
de de levar essa verdadeira vida de verdade.41 cias. Se não partimos da vida nua, para pensar o biopo-
der, mas da vida capaz de condutas, é outro horizonte
Talvez o sentido da análise dos cínicos empreendida que se insinua. Mesmo no campo de concentração, mas
pelo autor se ilumine à luz do projeto cuja possibilidade também nos contextos brutais de nossa contempora-
ele mesmo evoca, nesse seminário, qual seja, o de uma neidade, não se trata da vida biológica nua e crua, ou da
“história da filosofia, da moral e do pensamento que as- vida vegetativa, mas dos gestos, maneiras, modos, varia-
sumiria como fio condutor as formas de vida, as artes de ções, resistências, por minúsculas e invisíveis que pare-
existência, as maneiras de se conduzir e de se portar e çam: eis o que compõe uma vida; eis o que caberia “dar
as maneiras de ser”.42 É o fio foucaultiano que Agamben a ver”, “dar a ouvir”, “dar a pensar”, descobrir, inventar.
prolonga a seu modo; é também o fio nietzschiano que A especulação filosófica não é, pois, inofensiva quando
está presente em Deleuze, que atravessa Foucault e que parte de certa noção de vida e não de outra. Como escre-
chega aos nossos dias das mais diversas maneiras. ve Isabelle Stengers, “cabe ao pensamento especulativo
lutar contra o empobrecimento da experiência, contra
o confisco daquilo que faz sentir e pensar”.46 Mas não
A vida capaz de condutas é apenas no campo do pensamento que esse desafio se
coloca.
Quando analisa as razões pelas quais a pesquisa de No âmbito da precarização do trabalho e da vida
Foucault sobre o biopoder cruzou a análise das técnicas a partir dos anos 1990, por exemplo, se de um lado fica
258
evidente a que ponto essas condições resultam das injun- Vida e capital
ções perversas do neoliberalismo, com a vulnerabilidade
que dele decorre,47 de outro, ao mesmo tempo, se vão Um leitor de hoje poderia se perguntar se não fomos
criando formas de sociabilidade e de cuidado coletivo, atingidos no cerne da própria possibilidade, num mo-
de ativismo e de amizade que redesenham os modos de mento em que os poderes investem a virtualidade como
vida em comum propostos por jovens precarizados em tal no âmbito da própria vida. Conforme Brian Massumi:
várias partes do globo.48 O problema é quando uma teo- “O capitalismo é a captura do futuro para a produção
rização diabolizada do contemporâneo parece trancá-lo de mais-valia quantificável. O capitalismo consiste no
numa totalização que estaria justamente em vias de se processo de converter a mais-valia qualitativa da vida em
contestar. Georges Didi-Huberman, preocupado com a mais-valia quantificável”.52 Décadas atrás, esse mesmo
predominância do tom apocalíptico que impede enxergar autor já chamava a atenção para a comercialização de
aqueles que sobrevivem – num estranho paradoxo em formas de vida no ponto de sua emergência, ainda na sua
que o discurso de denúncia, por mais lúcido e esclarece- modalidade virtual.53 A colonização da dimensão virtual
dor que seja, ajuda a ofuscar justamente as existências da vida tornou-se, desde então, um fato banal. Veja-se o
que, com sua discreta luminosidade, se reinventam –, exemplo evocado por Laymert Garcia dos Santos sobre
situa tal paradoxo da seguinte maneira: o esforço empreendido pelos países ricos diante da crise
ambiental:
uma coisa é designar a máquina totalitária, ou-
tra é atribuir-lhe tão rapidamente uma vitória Temendo o desaparecimento dos recursos
definitiva e sem partilha. Será que o mundo genéticos tão preciosos para o desenvolvimen-
está a tal ponto totalmente escravizado quanto to de sua nascente indústria biotecnológica,
o sonharam – o projetam, o programam e que- apressaram-se em constituir bancos ex situ
rem nos impor – nossos atuais “conselheiros que pudessem assegurar-lhes acesso à biodi-
pérfidos”? Postulá-lo é justamente dar crédito versidade do planeta, [incluindo] fragmentos
àquilo que sua máquina quer nos fazer crer. do patrimônio genético de todos os povos indí-
É não ver senão a noite ou a ofuscante luz genas e tradicionais do mundo em vias de de-
dos projetores. É agir como vencidos: é estar saparecimento, para futuras aplicações. Ainda
convencidos de que a máquina realizou seu não se sabia, e muitas vezes ainda não se sabe,
trabalho sem resto nem resistência. É não o que fazer com os recursos coletados. O que
ver senão o todo. É portanto não ver o espa- importava, e importa, é a sua apropriação
ço – fosse intersticial, intermitente, nômade, antecipada. A lógica de tais operações parece
improvavelmente situado – das aberturas, dos ser: os seres biológicos – vegetais, animais e
possíveis, dos lampejos, dos apesar de tudo.49 humanos – não têm valor em si, como exis-
tentes; o que conta é o seu potencial. Pois se
E acrescenta: “Para saber dos vaga-lumes, é preciso vê- os seres contassem, a iniciativa consistiria em
-los no presente de sua sobrevivência: é preciso vê-los salvá-los da extinção, em preservá-los em sua
dançar vivos no coração da noite, ainda que essa noite integridade, em protegê-los e ao seu habitat.
fosse varrida por alguns projetores ferozes”.50 O desafio Mas não é essa a ideia: o foco não estava nos
consistiria em sustentar uma penumbra em que eles pu- corpos, nos organismos, nos indivíduos, nos
dessem aparecer com sua luz própria, em vez de projetar seres vivos, e sim nos seus componentes, nas
sobre eles os holofotes da razão ou do espetáculo, que os suas virtualidades. A tecnociência e o capital
ofuscam. Foi o que fizeram Deleuze, que diante do bom- global não estão interessados nos recursos
bardeamento de palavras de que somos vítimas defendia biopolíticos – plantas, animais e humanos. O
“vacúolos de silêncio”, a fim de que tivéssemos por fim que conta é o seu potencial para reconstruir o
algo a dizer,51 e Deligny, que precisou retirar-se das ins- mundo, porque potencial significa potência no
tituições existentes e do burburinho dos anos 1960 para processo de reprogramação e recombinação.
montar sua “tentativa”, sua “jangada”, ou, ainda ele, em [...] A única “coisa” que conta é a informação.54
meio à saturação de imagens que o rodeava precisou
desertar o “filmar” para dar a ver uma imagem nua. Não Um ser vivo é reduzido a um pacote de informações, e
será tal penumbra, ou silêncio, enxugamento, subtração, o privilégio do virtual visa “preparar o futuro para que
desaceleração, no contexto contemporâneo, a condição ele já chegue apropriado, trata-se de um saque no futuro
de possibilidade para a instauração de modos de existên- e do futuro”.55 A própria vida torna-se patenteável com
cia mínimos? Não será isto necessário para preservar a a colonização do virtual e a capitalização da informação
própria possibilidade? genética. A resistência, pois, que também passa pela
defesa dos povos vivos, nota o autor, visa a “possibilidade
259
de outros devires, diferentes daquele concebido pela Esgotamento e vidência
tecnociência e o capital global. Vale dizer: luta pela exis-
tência... e pela continuidade da existência”.56 Não há novo modo de existência que não seja fruto de
Ante à performatividade do capital, segundo uma mutação subjetiva, de uma ruptura com as significa-
Hardt e Negri, seria preciso imaginar algo como uma ções dominantes. O possível deixa de ficar confinado ao
contraperformatividade,57 cujas formas de expressão têm domínio da imaginação, ou do sonho, ou da idealidade,
se multiplicado em várias partes do globo, inclusive no e se alarga em direção a um campo – o campo de possí-
Brasil. É claro que a natureza dos protestos ocorridos veis. Mas, “como abrir um campo de possíveis?”, pergun-
em junho de 2013 apontam para uma outra gramática po- ta François Zourabichvili, ao se debruçar sobre textos de
lítica, na qual a forma é já parte do sentido: a horizontali- Deleuze.62 Não serão os momentos de insurreição ou de
dade e a ausência de centro ou de comando nas manifes- revolução precisamente aqueles que deixam entrever a
tações. Se os protestos daquele momento dramatizaram fulguração de um campo de possíveis? “O acontecimento
uma recusa da representação, talvez também expressa- cria uma nova existência, produz uma nova subjetividade
ram certa distância em relação às formas de vida que se (novas relações com o corpo, o tempo, a sexualidade, o
têm imposto brutalmente nas últimas décadas tanto em meio, a cultura, o trabalho...)”.63 Tais momentos, sejam
nosso contexto como no mundo todo: produtivismo de- individuais ou coletivos (como o Maio de 68), correspon-
senfreado aliado a uma precarização generalizada, mobi- dem a uma mutação subjetiva e coletiva em que aquilo
lização da existência em vista de finalidades cujo sentido que antes era vivido como inevitável aparece subitamen-
escapa a todos, um poder farmacopornográfico, como te como intolerável, e o que antes sequer era imaginável
afirma Preciado58 (de que são exemplos a insistência na torna-se pensável, desejável. Trata-se de uma redistri-
cura gay, a Ritalina administrada em massa às crianças buição dos afetos que redesenha a fronteira entre o que
inquietas, o monitoramento medicamentoso dos humo- se deseja e o que não se tolera mais. Ora, não se poderia
res, da excitação, da tranquilidade, da felicidade), a fabri- usar este critério igualmente para diferenciar as formas
cação do homem endividado, como indica Lazzarato59 (a de vida? Uma vida não poderia ser definida também pelo
crise dos derivativos é apenas um pequeno exemplo de que deseja e pelo que recusa, pelo que a atrai e pelo que
um sistema econômico e subjetivo generalizado no qual lhe repugna? Por exemplo, o que no capitalismo se de-
se fabricam dívida e culpa simultaneamente), a capita- seja e o que nele se abomina? Será o mesmo que na tra-
lização de todas as esferas da existência, em suma, um dição monástica, numa cultura indígena, no movimento
niilismo biopolítico que não pode ter como revide senão hippie e no leninismo? Será o mesmo que entre idosos,
a vida multitudinária posta em cena. Os movimentos poetas, skinheads e transexuais? De propósito multiplica-
ocorridos atestam uma nova composição do trabalho me- mos aqui os planos, as esferas, os âmbitos, pois também
tropolitano, que exige condições de circulação nas ruas e deveríamos perguntar, no rastro das últimas décadas, o
nas redes que vão na contramão da privatização crescen- que se deseja e o que já não se tolera em relação ao cor-
te dos espaços urbanos,60 uma relação direta entre a rua po, à sexualidade, à velhice, à morte, à alteridade, à mi-
e a rede61 etc. Mas é possível afirmar, além dessas análi- séria etc. Não se poderia dizer que é isso tudo que define
ses precisas, que muitos outros desejos se expressaram uma sensibilidade social? E não seria essa sensibilidade
assim que a porteira da rua foi arrombada. Falamos de social que vem sofrendo mudanças paulatinas ou brus-
desejo, e não de reivindicações, justamente porque rei- cas, por vezes numa aceleração inesperada, sobretudo
vindicações podem ser satisfeitas, mas o desejo obedece em momentos de crise ou ruptura?
a outra lógica – ele tende à expansão, se espraia, conta- Sim, algo parece ter se esgotado nas formas
gia, prolifera, se multiplica e se reinventa à medida que de vida que pareciam inevitáveis. O esgotamento pode
se conecta com outros. Talvez uma outra subjetividade ser uma categoria política, biopolítica, micropolítica até,
política e coletiva esteja (re)nascendo, aqui e em outros desde que se compreenda que não equivale a um mero
pontos do planeta, para a qual carecemos de categorias cansaço, nem a uma renúncia do corpo e da mente. Mais
e parâmetros: mais insurreta, anônima, múltipla, de mo- radicalmente, é fruto de uma descrença, de uma ope-
vimento mais do que de partido, de fluxo mais do que de ração de desgarramento; consiste num descolamento,
disciplina, de impulso mais do que de finalidades; nela numa deposição – em relação às alternativas que nos
se mesclam mobilização e suspensão, com um poder de rodeiam, às possibilidades que nos são apresentadas, aos
convocação incomum, sem que isso garanta nada, muito possíveis que ainda subsistem, aos clichês que os me-
menos que ela se torne o novo sujeito da história. diam e que amortecem nossa relação com o mundo, tor-
nando-o tolerável, porém irreal e, por isso mesmo, intole-
rável e não mais digno de crédito. O esgotamento desata
aquilo que nos liga ao mundo, que nos prende a ele e aos
outros, que nos agarra às suas palavras e imagens, que
nos conforta no interior da ilusão de inteireza (do eu, do
260
Edward Krasiński, Spear, 1963-1965 [Lança]
261
nós, do sentido, da liberdade, do futuro) da qual já desa- nários, virtuais, invisíveis, possíveis ou, para usar uma
creditamos há tempo, mesmo quando continuamos a ela outra série, espíritos, deuses, animais, plantas, forças
apegados. Há nessa atitude de descolamento certa cruel- etc.). Se tal ambiguidade é inevitável, é porque não há
dade, sem dúvida, mas ela carrega uma piedade – a que como separá-los: as maneiras de viver dos humanos são
desata os liames.64 Apenas através de uma desaderência, indissociáveis dos planos de existência com os quais
de um despregamento, de um esvaziamento, bem como convivem (e ambos podem ser chamados de modos de
da impossibilidade que assim se instaura, advém a neces- existência), assim como a vida é inseparável da forma de
sidade de outra coisa que, ainda pomposamente demais, vida e uma vida é inseparável de suas variações. É possí-
chamamos de “criação de possível”. Não deveríamos vel que o capitalismo, ou o biopoder, ou o eurocentrismo,
abandonar essa fórmula aos publicitários, mas tampouco ou nossa ontologia caduca, apostem precisamente numa
sobrecarregá-la de uma incumbência demasiado impera- cisão entre eles, interferindo assim na possibilidade
tiva ou voluntariosa, repleta de vontade. Talvez caiba pre- mesma de outras maneiras de viver, da mesma maneira
servar, de Beckett, a dimensão trêmula que em meio à que investem na maquinação, no monitoramento e na
mais calculada precisão, nos seus poemas visuais, aponta rentabilização de certos planos de existência (para ficar
para o estado indefinido a que são alçados os seres, e num exemplo “infantil”, a produção crescente de jogos
cujo correlato, mesmo nos contextos mais concretos, é a eletrônicos e sua onipresença na vida infantil e adulta).
indefinição dos devires, onde eles atingem seu máximo Na contramão dessa tendência, seria preciso fazer-se o
efeito de desterritorialização – e as pessoas se pergun- advogado dos modos de existência que “não existem”
tam, então: o que é mesmo que está acontecendo? Para (aos nossos olhos).
onde vai isso tudo? O que querem os insurgentes? Eduardo Viveiros de Castro, que entende uma
É aí que se poderia invocar a figura do vidente, ou duas coisas sobre os modos de existência no âmbito
à qual Deleuze recorre sobretudo em seus livros sobre da antropologia ameríndia, resumiu o desafio de sua
cinema. O vidente enxerga em uma situação determina- disciplina como sendo o de levar a sério o pensamento
da algo que a excede, que o transborda e que nada tem indígena e verificar que efeitos ele tem sobre o nosso
a ver com uma fantasia. A vidência tem por objeto a pró- modo (ocidental) de pensar.65 Tomemos o exemplo do
pria realidade em uma dimensão que extrapola seu con- conhecimento. Para nós, conhecer pressupõe neutralizar
torno empírico, para nela apreender suas virtualidades, o objeto de conhecimento de toda intencionalidade e
inteiramente reais, porém ainda não desdobradas. O que dessubjetivá-lo por inteiro.
o vidente vê, como no caso do insone de Beckett – mas a Nosso jogo epistemológico chama-se a objetiva-
vidência pode ser coletiva, evidentemente –, é a imagem ção: o que não foi objetivado permanece irreal ou abstra-
pura, seu fulgor e apagamento, sua ascensão e queda, to. A forma do Outro é a coisa. O xamanismo ameríndio
sua consumação. Ele enxerga a intensidade, a potência, é guiado pelo ideal inverso: conhecer é “personificar”,
a virtualidade. Não é o futuro, nem o sonho, nem o ideal, tomar o ponto de vista daquilo que deve ser conhecido.
nem o projeto perfeito, mas as forças em vias de redese- Ou, antes, daquele que deve ser conhecido. Pois o princi-
nharem o real. O vidente pode ser o artista, o pensador, pal é saber “o quem das coisas” (Guimarães Rosa)(...). A
a singularidade qualquer, o anônimo, o pobre, o autista, o forma do Outro é a pessoa.66
louco; em todo caso, é aquele que, à sua maneira, chama Assim, a etnografia da América indígena
por um modo de existência por vir. Apesar da diferença está povoada de referências a uma teoria cosmopolítica
de tom, não estamos longe dos modos de existência que que descreve um universo habitado por diversos tipos
pedem uma instauração e aos quais nos cabe (mas quem de actantes ou de agentes subjetivos, humanos e não hu-
é este nós?), eventualmente, responder. É toda a arte da manos – os deuses, os animais, os mortos, as plantas, os
instauração que aí nos é requerida. fenômenos meteorológicos, com frequência os objetos e
os artefatos também – todos munidos de um mesmo con-
junto geral de disposições perceptivas, apetitivas e cogni-
Modos de existência humanos-inumanos tivas, dito de outro modo, de uma “alma” semelhante.67
Um mundo é composto de uma multiplicidade
Não queremos escamotear as dificuldades que se acu- de pontos de vista, dos quais cada um está ancorado num
mularam – para ficar no exemplo mais simples, a flutu- corpo, cada corpo equivale a um feixe de afetos e capaci-
ação de sentido no sintagma “modo de existência”. De dades, e é aí que vem alojar-se aquele que tem alma – um
fato, essa expressão ora parece referir-se a uma maneira sujeito. A alteridade ganha assim contornos cósmicos e
de viver dos ditos humanos (por exemplo, modo ativo ou proteiformes, e sua virtualidade se alastra por toda parte,
reativo, nobre ou vulgar, afirmativo ou negativo, cheio sem deixar-se subsumir a uma unidade transcendente.
ou vazio, majoritário ou minoritário), ora aos modos de O contraste com nossa submissão ao Estado é
existir dos seres com os quais esses mesmos humanos gritante. No posfácio ao livro A arqueologia da violência,
têm um comércio íntimo (seres fenomênicos, solicitudi- de Pierre Clastres, Viveiros de Castro afirma:
262
Pois existe, sim, um “modo de ser” muito a vida em geral, e com as inumeráveis formas singulares
característico do que ele [Clastres] chamou de vida que ocupam (informam) todos os nichos possí-
sociedade primitiva, e que nenhum etnógrafo veis do mundo que conhecemos”.72
que tenha convivido com uma cultura Talvez seja nessa linha que se possa repensar a
amazônica, mesmo uma daquelas que ética, tal como faz Pierre Montebello, ao definir o gesto
mostra elementos importantes de hierarquia ético como o que “toma em conta o conjunto das vidas”,
e de centralização, pode ter deixado de fazendo-as ressoarem73 – “um humanismo depois da
experimentar em toda sua evidência, tão morte do homem”, diria Combes; 74 um humanismo sem
inconfundível como elusiva. Esse modo homem, que se edifica sobre as ruínas da antropologia.
de ser é “essencialmente” uma política da
multiplicidade [...] a política da multiplicidade
é antes um modo de devir do que um modo de Modos de existência, modos de desistência,
ser [...] em suma, é um conceito que designa
um modo intensivo de existência ou um
modos de resistência
funcionamento virtual onipresente.68 Felizmente, nesse debate ninguém pode ter a palavra
final – nem o antropólogo, nem o filósofo, nem o artista,
A definição do modo intensivo de existência, obvia- nem o clínico, nem o cientista. Como não reconhecer o
mente, não poderia deixar-nos indiferentes, já que coloca direito de cada um de formulá-lo à sua maneira, segundo
em xeque, junto aos conceitos e embates evocados, os sua inflexão própria, sendo o equívoco a condição de pos-
modos de existência predominantes entre nós – mas sibilidade dessa polifonia? Quer se chame de modo de
tampouco deveria ser reificada. existência, possibilidade de vida, estética da existência,
Lembremos, a propósito, o que diz Deleuze: ou- forma de vida, existência nua, o que está em jogo, sem-
trem expressa um mundo possível; outrem não coincide pre, é um pluralismo existencial em que diferentes seres,
com um outro que o encarnaria. Quando isso acontece, cada qual com sua maneira de existir, em diferente grau
como em Proust, com Albertine, cujo rosto acaba ex- e intensidade de existência, podem ser instaurados, mas
primindo o “amálgama da praia e das ondas”, o mundo também desinstalados, de modo que entre eles ocorram
dito possível, que antes estava ali apenas implicado, passagens, transições, saltos e também desfalecimen-
envolvido, complicado, passa a ser explicado, distendido, tos, evaporações, esgotamentos. Existências possíveis,
concretizado. Ora, o filósofo vê aí um risco, que sustenta estados virtuais, planos invisíveis, aparições fugazes,
sua advertência: “não se explicar demais [...] não se ex- realidades esboçadas, domínios transicionais, inter-
plicar demais com outrem, não explicar outrem demais, mundos, entremundos: é toda uma outra gramática da
manter seus valores implícitos, multiplicar nosso mundo, existência que aí se pode conjugar. A cada vez que nos
povoando-o com todos esses expressos que não existem entregamos a um ser, a uma obra, a uma teoria, a uma
fora de suas expressões”.69 aposta política, científica, clínica ou estética, instauramos
Ora, o que Viveiros de Castro pede à antropolo- um modo de existência e, assim, num efeito bumeran-
gia, na esteira dessa advertência, é que ela recuse “atua- gue, experimentamos um modo de existência (com suas
lizar os possíveis exprimidos pelo pensamento indígena” derivas) para nós mesmos. Instaurar não é algo vago
– seja os “desrealizando como fantasias dos outros”, seja ou nebuloso. Latour mostra como, no caso da ciência, a
os “fantasmando como sendo atuais para nós”.70 Talvez instauração requer dispositivos experimentais – a prepa-
isso signifique preservar tais possíveis enquanto possí- ração ativa da observação e a produção de fatos capazes
veis – ou preservar tais virtualidades enquanto virtuali- de revelar se a forma realizada pelo dispositivo é ou não
dades, inclusive virtualidades do nosso pensamento. “Se apta a apreendê-los.75 O mesmo poderia se dizer de um
há alguma coisa que cabe de direito à antropologia, não dispositivo clínico ou no limite do estético que lidasse
é a tarefa de explicar o mundo de outrem, mas aquela de com “existências ínfimas” – não por acaso, o filme de
multiplicar nosso mundo, ‘povoando-o com todos esses Deligny chama-se Le moindre geste [O mínimo gesto] e
expressos que não existem fora de suas expressões’”.71 um delicado documentário rodado na clínica psiquiátrica
Eis uma maneira singular, entre muitas outras, de res- de La Borde, La moindre des choses [Mínimas coisas] –,
peitar um modo de existência – não o efetuar, explicar, como se a intensidade e a molecularidade praticamente
concretizar, desenvolver – mas deixar que ele percuta, invisíveis dessas existências frágeis e vulneráveis preci-
que ele varie. sasse de um plano sutil, de consistência, de composição,
Afinal, que relação haveria, no contexto em que de sustentação, no qual a movência e a metamorfose não
se move o antropólogo, entre os seres, as maneiras de representassem um risco, mas o tablado para uma traje-
viver e os planos de existência? São absolutamente indis- tória, para uma experimentação. Daí os dispositivos es-
sociáveis. “A diversidade dos modos de vida humanos é pecíficos, como as linhas de errância, a rede, a contigui-
uma diversidade dos modos de nos relacionarmos com dade, em Deligny, ou o canto do xamã concebido como
263
1 Para um panorama a respeito dessa linhagem de autores, na qual se
tecnologia apta a reverter a perspectiva cosmológica, em encontram William James, Alfred North Whitehead, Gabriel Tarde,
Davi Kopenawa ou na experiência transcultural da ópera Gilbert Simondon, Étienne Souriau, para não mencionar Gottfried W.
Leibniz ou Friedrich Nietzsche, cf. Didier Debaise (org.), Philosophie des
Amazonia, entre outros. possessions, Paris: Les presses du réel, 2011.
Sempre a pergunta: quais seres tomar a cargo? 2 A ópera Amazônia foi uma criação coletiva elaborada ao longo de quatro
De quais incumbir-se? Como ouvir seus sussurros? anos e apresentada em Munique e São Paulo em 2010, com participação
Como dar-lhes voz? Como deixar-se percutir, afetar-se? de instituições europeias, brasileiras e Yanomami. Cf. Laymert Garcia
dos Santos, Amazonia transcultural, xamanismo e tecnociência na ópera,
Como instaurá-los preservando a singularidade de seu São Paulo: n-1 edições, 2013, p.27.
modo de existência? Como abri-los às passagens e às 3 Bruno Latour, Enquête sur les modes d´existence: une anthropologie des
metamorfoses? Não se trata apenas de frágeis minorias modernes, Paris: La Découverte, 2012, p.208.
constituídas, e sua enumeração seria quase infinita, nem 4 Cf. Etienne Souriau, Les différents modes d´existence, Paris: PUF, 2009.
de entes planetários ameaçados de extinção, também 5 B. Latour e Isabelle Stengers, “Le sphynx de l’oeuvre”, in E. Souriau, op.
em número crescente, ou ainda dos planos de existência cit., p.11.
descartados diariamente (solicitudinários, virtuais), mas 6 E. Souriau, L´instauration philosophique, Paris: Alcan, 1939, p.68.
também dos devires minoritários de todos e de cada um: 7 E. Souriau, La couronne d´herbes, Paris: UGE, 1975, p.53.
dos seres gaguejantes, dos apenas esboçados, dos que 8 Idem, ibidem.
desistiram, dos seres por vir ou dos que jamais virão à 9 E. Souriau, Avoir une âme: essai sur les existences virtuelles, Paris: Belles
Lettres, 1938, p.17.
existência, dos que a história dizimou, dos futuros so-
10 D. Lapoujade, “Souriau: une philosophie des existences moindres”, in:
terrados no passado, daquele povo de zumbis que antes D. Debaise (org.), op. cit., pp.175-76
era apenas um “fundo” e que, por vezes, como no cinema
11 E. Souriau, Les différents modes d´existence, op. cit., p.109.
(ou na História?), enfim invade a cena como protagonista
12 Idem, p.192.
mutitudinário.76 Portanto, trata-se de nossa própria exis-
13 D. Lapoujade, op. cit.
tência, incompleta sempre, em estado de esboço, de obra
14 Ibidem.
por fazer, que cabe prolongar como se prolonga o arco
15 E. Souriau, Les différents modes d´existence. Op. cit., p.106.
virtual de uma ponte quebrada ou em construção.
16 Cf. F. Deligny, L’Arachnéen et autres textes, Paris: L’Arachnéen, 2008,
p. 11, a ser publicado em tradução brasileira pela n-1edições.
17 Cf. F. Deligny, Oeuvres, ed. Sandra Álvarez de Toledo, Paris:
L’Arachnéen, 2008.
18 Cf. F. Deligny, “Acheminement vers l’image”, in Oeuvres, op. cit., 2008,
p.1670.
19 F. Deligny, “Camérer”, in Oeuvres, 2008, p.1744.
20 Idem, p.1734.
21 Jean-Fraçois Chevrier, “L’image, ‘mot nébulouse’ ”, in F. Deligny,
Oeuvres, op. cit., p.1780.
22 “Eu não aprendi a pensar as coisas da floresta fixando meus olhos sobre
peles de papel, eu as vi de verdade ao inalar o sopro de vida de meus
ancestrais, com o pó de yakoaña que eles me deram. É dessa maneira
que eles me transmitiram igualmente o sopro dos espíritos que multipli-
cam agora minhas palavras e estendem meu pensamento por toda parte
[...] Contudo, para que minhas palavras sejam ouvidas longe da floresta,
eu as fiz desenhar na língua dos brancos. Talvez assim eles afinal as
compreendam, e depois deles, seus filhos e, mais tarde ainda, os filhos
de seus filhos. Desse modo seus pensamentos em relação a nós deixa-
rão de ser tão sombrios e torcidos e talvez eles até acabem perdendo a
vontade de nos destruir. Se for assim, os nossos cessarão de morrer em
silêncio, ignorados por todos, como tartarugas escondidas sob o solo da
floresta” (Davi Kopenawa e Bruce Albert, La Chute du ciel: paroles d’un
chaman yanomami, Paris: Plon, 2010, p.51).
23 Esta expressão foi cunhada por David Lapoujade e aparece no artigo
citado acima.
24 G. Deleuze, Nietzsche e a filosofia, trad. Edmundo Fernandes Dias e Ruth
Joffily Dias, Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976, p.83.
25 G. Deleuze e F. Guattari, O que é a filosofia?, trad. Bento Prado Jr. e
Alberto Alonso Muñoz, Rio de Janeiro: Editora 34, 1992, p.93.
26 Idem, p.98.
27 Idem, p.99.
28 Idem, p.193.
29 G. Agamben, De la très haute pauvreté: règles et forme de vie, Paris:
Rivages, 2013, p.81 (Homo Sacer, vol. IV 1).
30 Agamben encontra a expressão “forma de vida” já em Cícero, Sêneca
e Quintiliano, nos quais “forma” tem o sentido de exemplo, modelo. O
264
modo de vida adere a uma forma ou modelo a tal ponto que torna impos- 60 Cf. Giuseppe Cocco, em vários artigos publicados na imprensa brasileira
sível separá-los, servindo assim de exemplo. e conferências disponíveis no Youtube.
31 Não é diferente daquilo que a profanação evoca, ao restituir ao uso 61 Cf. L. Garcia dos Santos, em Glauco Faria e Igor Carvalho, “É preciso
comum o que tinha sido separado na esfera do sagrado. Cf. G. Agamben, entender as redes e as ruas”, Portal Fórum, 20 out. 2013, disponível em
Profanations, Paris: Rivages, 2006. revistaforum.com.br/blog/2013/10/e-preciso-entender-as-redes-e-as-
-ruas, acesso em 28 maio 2014.
32 E. Castro, Introdução a Giorgio Agamben: uma arqueologia da potência,
Belo Horizonte: Autêntica, 2012, pp.195, 213. 62 F. Zourabichvili, “Deleuze e o possível (sobre o involuntarismo na
política)”, in: É. Alliez (org.), Gilles Deleze: uma vida filosófica, São Paulo:
33 G. Agamben, Moyens sans fin, Paris: Rivages, 1995, p.14.
Editora 34, 2000.
34 E. Castro, op. cit., p.171.
63 G. Deleuze e F. Guattari, “Mai 68 n’a pas eu lieu”, in: D. Lapoujade
35 G. Agamben, op. cit., pp.20, 22. (org.), Deux régimes de fous, Paris: Minuit, 1968.
36 G. Agamben, La potenza del pensiero, Vicenza: Neri Pozza, 2005, p.402. 64 G. Deleuze e F. Guattari, “Tratado de nomadologia: a máquina de guer-
37 Cf. M. Foucault, A coragem da verdade, trad. Eduardo Brandão, São ra”, Mil Platôs, vol. 5, trad. Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa, São Paulo:
Paulo: Martins Fontes, 2012, e o lúcido comentário de F. Gros ao fim do Editora 34, 1997, p.13.
volume, intitulado “Situação do curso”. 65 Cf. E. Viveiros de Castro, Métaphysiques cannibales, Paris: PUF, 2009,
38 Idem, p.112. p.166.
39 Idem, p.208. 66 Idem, ibidem.
265
Arthur Scovino, Instagram caboquismo
(O Caboclo dos Aflitos), 2014
266
Edward Krasiński, Installation at Edward Krasiński’s Studio, 2003 [Instalação no estúdio de Edward Krasiński]
267
Vista do cruzamento de estradas de Benta Handi, nos arredores da localidade basca de Tolosa. Sobre um bloco de
concreto, visível apenas de um carro em movimento, apoia-se a escultura de Jorge Oteiza, Estela cruz caminando.
Homenaje a Txabi Etxebarrieta [Lápide cruz caminhando. Homenagem a Txabi Etxebarrieta]. Baseando-se na
escultura Par móvil [Par móvel] de 1956, feita a partir de dois semicírculos de chapa metálica, Oteiza assinalou,
em 1993, o lugar onde 25 anos antes morria com tiros da polícia Txabi Etxebarrieta, membro da organização
nacionalista separatista basca ETA. No dia anterior ele havia matado um policial. Eram as duas primeiras de uma
longa lista de mortes.
268
Asier Mendizabal, Agoramaquia (el caso exacto de la estatua), 2014 [Agoramaquia (o caso exato da estátua)]
Praça de San Agustín, Lima. Em 1961 foi colocada aqui a escultura intitulada España, aparta de mi este cáliz. Estela
funeraria en homenaje a César Vallejo [Espanha, afasta de mim este cálice: lápide funerária em homenagem a César
Vallejo]. A homenagem de Jorge Oteiza ao poeta peruano era uma adaptação de uma pequena peça de 1958, tam-
bém dedicada ao poeta, que gerava um volume oco a partir de duas chapas metálicas com vários círculos recorta-
dos. Poderiam até mesmo ser os retalhos que sobraram da escultura anterior denominada Par móvil. Durante sua
estada em Lima, Oteiza enuncia, em uma conferência e em um texto enviado à Espanha, sua tese El final del arte
contemporáneo. A escultura em homenagem a Vallejo, de 1958, é, segundo ele mesmo diria depois, a última que reali-
zou antes de seu próprio abandono da escultura.
269
Jonas Staal, Nosso Lar, Brasília, 2014
Jo Baer, In the Land of the Giants. Royal Families (Curves, Points and Little Ones), 2013
[Famílias reais (curvas, postes e os pequenos)]
270
Jo Baer, In the Land of the Giants. Heraldry (Posts and Spreads), 2013 [Heráldica (colunas e extensões)]
271
Val del Omar, Aguaespejo granadino, 1953-1955 [Aguaespelho granadino]
272
[Cantando, encobrindo a anterior]
Sou a voz de teu destino!
Sou o fogo em que te abrasas!
Sou o vento em que suspiras!
Sou o mar em que naufragas!
Sou o mar em que naufragas!
[Voz em off do narrador]
Sempre, se naufraga sempre, diz uma voz razoável.
No palácio da água, uma oração se sobressai.
Passou a verde loucura da lua.
Agora com a madrugada, vem a razão das pedras e
o verdadeiro milagre das águas.
Borda o sol flores e derrama sua alegria até o fundo
eatro da Vertigem, A última palavra é a
do barranco.
penúltima, 2008
Quer beijar o prodígio que ali ficou bem semeado:
a escola onde se ensina, sem esperar a lua e em
plena luz do dia, a fugir dos ciganos com as pupilas
abertas.
275
276
277
Hudinilson Jr., caderno de referência
Xerox Action – Hudinilson Jr.
Utilizar o corpo como matriz […] debruçando-me e deitando- tálogos são a matéria-prima de grande parte da produção do
me por inteiro sobre o visor da xerox, compondo assim formas/ artista. “A foto que tiro da revista não é a foto do fotógrafo – a
texturas. O xerox recria o corpo de maneira própria, destruindo imagem agora é minha”. E é desse acervo que emergem tam-
detalhes e valorizando outros, resultando imagens que se bém as imagens que nos lembram a morte em meio às páginas
aproximam da abstração, num exercício de leitura/visão. […] de alegria e gozo. Esses memento mori são fotografias da que-
Entender os limites impostos pela máquina e ampliar seus da de um avião, de um homem no momento do seu suicídio,
recursos, dominar estes limites, invertendo assim as relações, representações do Cristo crucificado e morto, homens execu-
fazendo com que a máquina seja veículo e coautora deste tados, corpos em caixões, crânios empilhados, raios x do corpo
trabalho.¹ humano. Por isso a questão do corpo não é algo tão evidente
na sua obra quanto se nota por aí. A sua poética homoerótica
é formada por um universo coletivo de corpos. Esses corpos
No ano passado, pouco depois da morte de Hudinilson Jr., exibem seus atributos em torsos, mamilos, axilas, pés, mãos e
encontramos uma grande quantidade de trabalhos em seu pelos numa escala gráfica que ele particularizava na linguagem
apartamento-ateliê, acondicionados em pastas plásticas repletas gráfica característica da xerografia. A performance do artista
de colagens, arte postal, matrizes de grafite e projetos de pai- nu sobre a máquina ficou impressa como imagem nas cópias
néis xerográficos. Em sua maioria, esses painéis foram feitos em papel, que depois foram tratadas graficamente por suces-
a partir de fotocópias ampliadas de uma imagem do corpo do sivas ampliações e reduções, sobreposições e contrastes. Ao
artista, gerada na própria copiadora. As ampliações permitem serem traduzidas pela copiadora, as qualidades daquele corpo
a montagem de diversas folhas no formato A4 em mosaicos foram convertidas em estruturas gráficas que o artista identifi-
que chegam a ter as dimensões de um outdoor. Muitos desses cava como resultado de uma coautoria da máquina, na criação
painéis apresentam a visão de um detalhe do corpo masculino, de padrões reticulares muito próprios daquele meio – trata-se
ampliado seguidas vezes até o ponto em que a copiadora começa da performatividade do xerox, uma nova forma de produção
a reproduzir sua própria mancha gráfica, seu próprio padrão automática da imagem nos anos 1980. As impressões desse
de impressão, criando superfícies orgânicas e abstratas da ima- Narciso urbano fixadas em papel são também imagens de sua
gem original do corpo. Outras séries em xerox também foram perdição, da perda dos contornos de sua figura e um testemu-
criadas por jogos de ampliações e reduções a partir de fotos nho de seu fascínio pelo espelho. Ao mesmo tempo, atestam a
impressas do seu vasto banco de imagens. Na sala do seu ateliê vida de alguém que teve “uma existência paradoxal, que vivia
foi difícil abrir a porta de um pequeno compartimento do armá- da sua própria destruição” e esperava sempre que possível ser
rio que guardava muitos envelopes repletos de recortes com ouvido em sua constante busca de interlocutores. A força de
fotografias impressas, matérias de jornal, bilhetes, cartas ende- sua obra também escondia uma certa fragilidade do homem
reçadas a ele, cópias xerox de seu próprio corpo. Durante anos, em busca do outro. Em suas pesquisas visuais, Hudinilson Jr.
o corpo erotizado de Hudinilson Jr., o mesmo que se tornou alcançou uma singularidade em seu trabalho por meio de diver-
conhecido pelas imagens de sua performance com uma copia- sas experimentações. A quantidade de projetos que encontra-
dora nos anos 1980, resistiu heroicamente ao seu estilo de vida mos em seu ateliê reflete a maturidade que ele havia atingido
pouco comum e arrasador. Nos últimos tempos, o artista, que como artista – aquele que mergulhou na práxis de uma nova
era urbano até no nome (Hudinilson Urbano Jr.), recolheu-se forma de produção instantânea da imagem e que se apropriou
ao seu apartamento-ateliê, isolado pelo estigma daqueles que do universo visual com tesoura e cola, nunca tendo alcançado
bebem. Dono de uma produção complexa, reunindo interven- o mundo digital. Grande parte dos seus projetos em xerox, até
ções urbanas, grafites, arte xerox, performance, colagem, arte agora não vista, está impressa, as cópias numeradas e guarda-
postal e livros de artista, Hudinilson Jr. foi também um catalo- das em envelopes identificados por carimbos. Nos anos em que
gador e um arquivista atento à dinâmica cultural do seu tempo. coordenou o Centro de Xerografia da Pinacoteca do Estado
Esse talento rendeu-lhe a aquisição, pelo Centro Cultural São de São Paulo, o artista produziu uma quantidade invejável de
Paulo, de uma extensa hemeroteca organizada por ele ao longo trabalhos e projetos ainda por realizar, todos minuciosamente
de trinta anos – um acervo documental com cerca de cinco descritos e planejados – um tesouro para o mercado que agora
mil itens sobre as manifestações de arte e cultura urbanas na desperta para a sua obra. Menos de um ano depois de sua mor-
cidade de São Paulo, colecionados desde o fim da década de te, são várias as curadorias e bienais interessadas nessa figura
1970. Em sua cama-ateliê, Hudinilson Jr. recortava diariamente emblemática. Cacete! Vocês não poderiam ter se adiantado ou
as figuras que compunham o seu olimpo homoerótico, coladas atendido ao telefone um ano atrás?
metodicamente em cadernos ao lado de outras figuras, como
as de suas musas prediletas e outras figurações fálicas, como Mario Ramiro
as colunas gregas, a tromba dos elefantes, os rinocerontes, os
cavalos, as girafas. Essa iconografia encontra-se principalmente
nas páginas dos Cadernos de referência. Esses cadernos são 1 Hudinilson Jr., “O corpo sempre como princípio”, Arte em São Paulo,
n. 8, jun. 1982, pp.2-4.
o espaço de ressonância de toda a sua obra, em grande parte
criada em São Paulo, lugar onde ele nasceu e viveu. Muitas
das imagens desses Cadernos são cópias xerográficas que se
repetem criando soluções gráficas muito particulares, que nos
lembram certas operações da arte pop ao justapor e sobrepor
imagens desgastadas pelo próprio processo de impressão.
Essas imagens recortadas de revistas, jornais, fanzines e ca-
278
Hudinilson Jr., Sem título, 1980
279
Arthur Scovino, estudo para Casa de caboclo, 2014
280
Arthur Scovino, Recanto dos Aflitos (O caboclo dos Aflitos), 2014
281
01 INT. NOITE – FADE OUT TÍTULOS
Aparecem os TÍTULOS, que são como os de
O Evangelho segundo São Mateus de Pasolini.
TÍTULO 1: LETRA MORTA
TÍTULO 2: LETRA MORTA O lapso de Pasolini
Juan Pérez Agirregoikoa
Diretor de Fotografia: José Mari Zabala
CRISTO
(7) As religiões são sistemas de doutrinas e
promessas que por um lado esclarecem os
mistérios deste mundo com uma completude
digna de inveja e por outro lado garantem que
uma providência bem intencionada velará por
tua vida e que renascerás no além... velará por
tua vida e renascerás no além. Esta providência,
o homem comum só pode representá-la na
figura de um Pai grandioso.
Somente tal Pai pode conhecer as necessidades
do filhos dos homens e ser tocado por suas
ações, acalmado pelos sinais do arrependimento.
CRISTO (CONT)
(8) A técnica da religião consiste em rebaixar o
valor da vida e em distorcer de forma delirante
a imagem do mundo real. O que pressupõe a
intimidação da inteligência.
CRISTO (CONT)
(9) O amor é o argumento central do
cristianismo político. Os grandes discursos
cristãos sobre o amor preparam os discursos
utilitaristas e instrumentais. A instrumentalização
do sonho do amor é a base da racionalidade
capitalista. O homem é uma entidade de
palavra, amor e esperança. A energia humana é
captada pelo discurso, pelo texto religioso, pela
promessa de amor. As elites se medem nessa
recusa burlesca da ação útil, nesse desprezo
àquele que não pode fazer nada além de esperar
pela recompensa divina.
Sejam úteis ao próximo porque... é da natureza
do útil ser utilizado.
CRISTO (CONT)
(10) Enquanto a virtude não encontre
Juan Pérez Agirregoikoa, Letra morta, 2014 recompensa na terra, a ética pregará em vão.
Uma mudança real nas relações dos homens
com a posse de bens seria melhor do que
qualquer mandamento ético.
CRISTO (CONT)
(11) Nada que nos tenha feito à sua imagem
e semelhança pode ser bom. A civilização é
a empresa de adestramento dos humanos e
a conversão ao texto se paga com neurose.
Mas cada um negocia a angústia como pode.
Em verdade vos digo que a ideia de que não
há prosperidade sem ordem é conservadora,
reacionária e fascista.
282
Juan Pérez Agirregoikoa, Letra morta, 2014
283
13 EXT. DIA - CIDADE TIRADENTES
SEDE
284
Juan Pérez Agirregoikoa, Letra morta, 2014
285
Danica Dakić, Vila Maria, 2014
Vila Maria
O carnaval acabou. Carros,
fantasias e outros adereços
no depósito da escola de
samba Unidos de Vila Maria
são o palco para oito jovens
“Picolinos” interpretando
uma homenagem ao famoso
palhaço interpretado por
Roger Avanzi, agora idoso.
Avanzi é filmado durante o
processo de sua maquiagem
no Museu do Circo, tornando-
se Picolino provavelmente pela
última vez.
Danica Dakić
286
Kasper Akhøj e Tamar Guimarães, A família do Capitão Gervásio, 2013
Por meio de película 16 mm, Kasper Akhøj e Tamar Guimarães captaram na cidade de Palmelo, no interior de
Goiás, imagens de sessões de cura no Centro Espírita Luz da Verdade. Valendo-se da ideia de “projeção”, o
filme resultante, A família do Capitão Gervásio (2013), relaciona com cidades modernas brasileiras as vinte cida-
des astrais mapeadas no território brasileiro por uma médium de Palmelo.
287
Kasper Akhøj e Tamar Guimarães, A família do Capitão Gervásio, 2013
288
A terrível façanha
Michael Kessus Gedalyovich
Vi caligrafia antiga em trechos Várias versões da história de Della Quero seguir a jornada sozi-
copiados de um antigo tratado Reina surgiram no fim do século 15 – nho agora, pelo menos é isso
chamuscado descoberto entre quando os judeus foram expulsos da que digo a mim mesmo e a
os arquivos de manuscritos em Espanha cristã – e poderiam ser em todo mundo: “é hora de partir
Tzfat, na caligrafia do falecido parte baseadas em figuras históricas em uma jornada”! E como sei
rabino Yehuda Meir, discípulo reais. Das que sobreviveram, a mais que é hora? Porque o nível
do falecido rabino Yosef Della popular é a do rabino Shlomo Navarro, de tédio aumentou mais uma
Reina, que estava com ele no conhecida como Versão do copista. Pu- vez, mascarando-se de paixão
momento da grande façanha blicada durante a segunda metade do pelo significado. Ou, como diz
que o rabino Reina ali reali- século 17, não por acaso coincide com Della Reina, “Não há proveito
zou... Uma grande e terrível o período do grande tumulto que atin- em gastar nosso tempo sendo
façanha de Yosef Della Reina, giu a diáspora com o surgimento de inútil”; preciso reagir, superar
um grande e sábio homem, Sabbatai Zevi – sua autoproclamação minha sempre tão refinada
adepto judicioso da Cabala como o Messias, as elevadas esperan- ociosidade que se tornou
Prática que viveu na Galileia, ças que ele inspirou em boa parte do como uma segunda natureza, e
em Safed. E chegou o dia em mundo judaico e a intensa decepção responder às circunstâncias do
que ele abriu seu coração às ocorrida após sua conversão, encar- convite. Acima de tudo, preci-
súplicas para trazer a salvação ceramento, morte ou desaparecimen- so urgentemente lubrificar as
e eliminar os domínios per ver- to. Navarro, segundo o próprio teste- rodas de minhas habilidades
sos da terra... munho, apenas copiou e publicou um artísticas enferrujadas.
manuscrito “antigo e chamuscado”
Assim começa a narrativa da incrível que ele encontrou por acaso. Ele con- Navarro nasceu em Casale em 1606,
jornada do rabino Yosef Della Reina. tinuou, assim, uma longa tradição de na região do Piemonte, Itália. Com
A história de Della Reina é clássi- literatura mística, hermética e cabalis- sua segunda esposa, Donina, mudou-
ca: um herói carismático e seus com- ta de escrita pseudoepigráfica, como -se para Veneza, onde estudou a Torá
panheiros – , no caso, um cabalista e ocorre com o Livro da criação, atribuí- e a Cabala e foi ordenado rabino; dali,
seus discípulos – partem em busca de do a Abraão, e o Livro de Zohar, credi- tomou seu rumo para Jerusalém, onde
um “santo graal”. É um grupo secreto tado ao rabino Shimon bar Yochai, um serviu como emissário de uma de suas
e decidido, seguindo a advertência de líder religioso muito influente do sécu- pequenas comunidades judaicas. Ele
Della Reina de que “é inútil desfrutar lo 2. Pseudoepigrafia: aquela famosa aderiu ao caminho do rabino Elisha
de nossos dias sem benefício”, ou, em astúcia de agentes duplos, nômades Ashkenazi, pai de Nathan de Gaza, o
outras palavras, considerando que, já culturais, messias, falsificadores, tra- arauto e profeta de Sabbatai Zevi e ide-
que estamos aqui e temos certas ha- paceiros, convertidos religiosos, ilusio- ólogo fundamental do movimento sa-
bilidades, é melhor que as utilizemos nistas e artistas. batiano; é provável que Navarro tenha
e entremos em ação. De preferência, Em seu conto, Navarro assume o conhecido pessoalmente Sabbatai Zevi
uma ação que transforme a realidade. papel do rabino Judah – um dos alunos e as estranhas histórias messiânicas
Utilizando seu conhecimento pro- de Della Reina e o único que viajou e que o cercavam.
fundo dos Nomes de Deus e outros sobreviveu à terrível jornada – para Em 1664, talvez após uma prolon-
usos da Cabala Prática, Della Reina oferecer um relato de primeira mão. gada jornada como emissário até co-
tomou o mais perigoso de todos os Entretanto, simultaneamente, o Na- munidades judaicas no Marrocos com
rumos: localizar Satanás e sua compa- varro “biográfico” aparece dentro da o rabino Elisha Ashkenazi, Navarro
nheira, Lilith, controlá-los e neutralizá- narrativa: no princípio, como aquele chegou à cidade italiana de Reggio,
-los, a fim de lançar um evento que de que descobriu o manuscrito “antigo onde se converteu ao cristianismo, foi
um só golpe desconectasse a huma- e chamuscado” e, no desfecho, como batizado e mudou seu nome para Pros-
nidade das prisões da história. É uma um narrador onisciente e mentor inte- pero Ruggieri. Na autobiografia que
busca que, se bem-sucedida, iniciará lectual. Della Reina tende ao fracasso, publicou, ele escreveu sobre as visões,
uma nova era, com novas leis; um ato e Navarro – o contador de histórias, as vicissitudes e as dúvidas que o in-
que criará uma nova dimensão da exis- a imagem cindida de aluno de Judah fluenciaram para sua conversão. Sobre
tência e um novo significado: uma al- (a escolha do nome provavelmente sua esposa Donina, ele conta que ini-
teridade cuja diversidade é tão radical não é casual) – converte uma jornada cialmente resistiu, por fim cedeu, e um
que não pode ser descrita. em outra. filho nasceu para o casal maduro após
289
ele se converter. Em sua nova vida, parte para realizar o que acredita ser a partir numa viagem, especial-
Prospero Ruggieri trabalhou como sua vocação verdadeira, mesmo que o mente quando sei que nela fra-
censor de livros sagrados judeus para preço seja devastador: sacrificar seus cassarei e que o preceito de que
a Santa Igreja Romana. Há rumores, discípulos devotos neste mundo e, ao “o que importa é a jornada, não
porém, de que o verdadeiro motivo mesmo tempo, renunciar a todos os o destino”, é bastante penoso
para sua conversão tenha sido uma mundos. e perdeu o encanto. Além dis-
história de amor. so, realmente não tenho ne-
A narrativa de Della Reina conver- Um conceito é conversa fácil, nhuma grande meta, não sou
ge para a forma épica, como a Ilíada, A quase sem obrigações; e con- alguém de propor redenção
divina comédia, Doutor Fausto, Ulisses, ceitos em arte estão na base nem de ser o messias; nem
O mestre e margarida, Cidadão Kane, da cadeia de conceitos. Certa mesmo sei se estou suficiente-
Apocalipse Now e muitas outras. Nes- vez vendi para um artista, mente entediado.
sas narrativas, chega-se à fatigada, um antes da abertura de sua ex-
tanto solitária, essência nuclear: os posição, um conceito por cem A história de Della Reina é construída
embates internos de um homem com dólares. Garanti a ele que o em torno de uma estrutura narrativa
seu destino e com o significado de sua conceito duraria pelo menos de altruísmo místico, em seu projeto
vida, com Deus e com demônios, com até o final da exposição. Durou para redimir todos, espiritual e social-
o paradoxo da livre escolha e com o um pouquinho mais. Assim, mente, e emendar um mundo maldi-
abismo estruturalmente intransponível imaginei que isso poderia ser to, arruinado. Simultaneamente, está
entre a imaginação e a realidade. um negócio modesto, atenden- implícita na narrativa uma dúvida in-
do a uma necessidade real. cômoda, que suscita a indagação so-
A última vez que parti em Hoje, eu criaria um aplicativo. bre a “real” motivação de Della Reina.
viagem, estava procurando o A jornada começa após uma decisão
túmulo de um messias morto. A terrível façanha divaga por estações em parte consciente, em parte coagi-
Ainda estou. Não é necessaria- conhecidas e obscuras; cobre 75 dias da. Tudo foi previsto, embora o livre-
mente bom começar uma nova de mortificação asceta, purificações e -arbítrio esteja dado; a escolha é uma
jornada antes de terminar a súplicas: a preparação para a jornada. decisão que necessita de um salto de
antiga. Mas nem tudo está O equipamento para a viagem é com- consciência; um paradoxo no coração
em meu controle. O convite posto principalmente de itens para pro- da categoria otimista e ilusória chama-
chegou agora, e eu já disse teção: remédios-perfumes, um tinteiro da livre escolha. Todavia, após todas as
que ficarei contente em me e caneta, um conjunto de roupas no- hesitações, ainda é sua decisão cons-
juntar ao comboio; até tenho vas, um tallit, filactérios, duas bande- ciente explorar os limites não mapea-
um conceito. jas de chumbo e uma faca (conhecidos dos do mundo – uma decisão que gera
principalmente como acessórios para rebeldia e subversão do que é permiti-
Retratado como uma espécie de exorcismo). A equipe selecionada con- do e do que é proibido na ordem social
realismo fantástico, A terrível façanha siste em um professor e cinco alunos existente; que desfia o tecido instável
de Della Reina clama por uma versão fiéis e dedicados. Sua rota segue em da própria identidade e da existência
em quadrinhos, em que a aventura do parte geografias conhecidas – Safed, de Della Reina, que, como um cama-
super-herói amaldiçoado e trágico seja monte Meron, Tiberíades, o deserto, leão dopado, é alternadamente colo-
transmitida em um estilo obscuro, com a nascente do rio Kishon –, mas passa rido de coragem e medo, tradição e
sombras longas e uma paleta de cores também por uma terra estranha e mila- rebelião, responsabilidade, liberdade
restrita: preto, vermelho e branco. grosa: uma montanha enorme coroada e loucura.
O título sugere as diferentes ca- de neve que alcança as nuvens, um
madas de calamidade na história. A vasto mar, uma parede de ferro que se Pensei que talvez minha via-
façanha é terrível porque o caminho eleva até o céu, um monte Seir aéreo. gem devesse ser turística –
que Della Reina percorre é coberto Na jornada, encontram o rabino Shimon de turismo médico. Partirei
por uma espessa pátina de medo e ter- e seu filho, rabino Elazar, em um so- em busca de uma cura e, no
ror. A façanha é terrível porque o fim nho, e o profeta Elias e os arcanjos caminho, obterei uma com-
conhecido do rabino é de decepção, Sandalfon, Actriel e Metatron, em um preensão da doença. Eu já
fracasso e traição. De fato, a façanha devaneio. Topam ainda com cavalos e tentei médicos, psicólogos,
é terrível porque “terrível” é também cachorros pretos de ambos os sexos e, psiquiatras, filósofos e pen-
uma das denominações de Deus – esse por fim, encontram Samael (Satanás) e sadores religiosos. Desta vez,
Deus mudo e invisível que Della Reina Lilith, sua companheira. A tarefa é exi- tentarei a sorte com curandei-
arrogantemente deseja substituir. gente, se não impossível, mas a fé de ros, xamãs, feiticeiros e caba-
Contra todas as advertências das Della Reina é ilimitada. listas. Irei aonde o caminho
mais altas autoridades espirituais para me levar e, se necessário, cru-
não embarcar na perigosa jornada, A verdade é que agora eu zarei fronteiras, desertos, dias
Della Reina supera seus temores e realmente não estou disposto e rios. Um conceito um pouco
290
Michael Kessus Gedalyovich, The Placebo Scroll, 2014 [O pergaminho placebo]
ingênuo, mas que não parece judaico, para ungir o sumo sacerdote para redenção, e esta exige mergulhar
de todo ruim. e os reis, em especial os descendentes na sarjeta e zombar do que constitui a
do rei Davi – de cuja semente sabe- vida; ser repulsivo, estimulante, sedu-
Depois de muitas dificuldades e aven- -se que surgirá o messias, pois, como tor, apaixonado, assediado, forçar-se
turas, Della Reina consegue capturar denota seu nome, o messias é sem- contra as fronteiras, constantemente
Samael, Lilith e sua entourage. Trans- pre ungido (em hebraico, “ungir” é flertando com a morte e com o que
bordando grandeza, júbilo e orgulho, le’mshoach, e “messias”, mashiach). é considerado mau ou imoral. Em
o rabino se torna autocomplacente retrospecto, este é também o lugar
e descuidado, falhando em perceber Talvez, em lugar de uma jorna- terrível que provavelmente gera a au-
exatamente aquilo contra o que os ar- da real eu escreva um tratado tenticidade. A história da Della Reina
canjos Metatron e Actriel o haviam sobre o tédio. O início pode- tornou-se muito popular entre os dis-
alertado: alimentar Satanás. Pois este, ria ser: “Estou escrevendo cípulos e seguidores de Sabbatai Zevi,
da mesma maneira que Deus, ganha estas linhas em 19 de abril em especial após sua conversão ao islã
sustento e força de oferendas sacrifi- de 2014, sábado. Agora são e posterior morte-desaparecimento.
catórias, incenso e oração. Ao sentir o 11h40; acabo de raspar a ca- Eles viam uma semelhança entre a
aroma do olíbano usado como incenso, beça, e já engoli uma pílula de busca de Della Reina e a jornada não
Satanás experimenta o equivalente a Colquicina e outra de Ritalina, menos maravilhosa e terrível de seu
receber um sacrifício, tem seu poder inalei mais uma de Ritalina, e messias, Sabbatai Zevi, e encontravam
renovado e consegue libertar-se de bebi uma quantidade indeter- nela uma fonte de explicações para a
seus grilhões. minada, mas grande, de Arak conversão dele e para as práticas
Não é coincidência que o olíbano, com gelo e refrigerante... extremas e estranhas que lhe atribu-
uma das principais provisões de Della íam. Mais tarde, desenvolveu-se uma
Reina para proteção e força, e prova- A psique de Della Reina é retratada ideologia hermético-religiosa, acompa-
velmente um catalisador para liberar e como incapaz de ceder uma única gota nhada de práticas de grupos pequenos
expandir a consciência, em última ins- de orgulho e humildade. É sempre a e secretos de sabatianos, em torno de
tância resulte em sua queda. Olíbano e mesma arrogância: o Golem que pen- concepções de “pecado sagrado”, “sal-
mirra eram os ingredientes principais sava sobre seu criador, que pensava vação pelos esgotos” e “libertação da
do óleo de unção: a reverenciada mis- ter inventado seu criador e, enfim, pen- proibição”.
tura que se usava para purificar e san- sou ser ele mesmo o criador. Parece que Della Reina falhou duas
tificar artigos dos rituais no Templo Trata-se também de uma jornada vezes: na ação e no entendimento. Na
291
primeira, por pensar ser como Deus, sedução pelo poder e um mecanismo Depois que Della Reina perdeu seu
ou pelo menos ser o messias e, assim, interno de fracasso. Trata-se de uma lugar neste mundo e no próximo, nada
agir como se estivesse acima e além profunda falha mental, pois ele precisa tinha a perder. Ele então repudia todas
das leis que governam o universo. Na constantemente da mais extrema imo- as proibições, traindo sua fé e todos os
segunda, por não ter entendido que deração. Um espaço perdido que não seus princípios: nega hereticamente o
a deidade também estivesse sujeita a pode acomodar nem facilitar o suces- essencial, colabora com Satanás, tem
essas mesmas leis do universo. Quan- so. Por isso, ele opta conscientemente um caso tempestuoso com Lilith, cele-
do a voz de Deus lhe falou: “Ai de ti, por obedecer o comando inconsciente: bra com ilimitada promiscuidade, co-
Yosef, e ai de tua alma, pois fracassaste fracasse! Caso contrário, é difícil en- mete assassinato, pratica magia negra
no que foi comandado, adorando ído- tender como o sábio e erudito rabino e, por fim, suicida-se.
los, queimando incenso para Samael não sabia, no momento ímpar e deci- É evidente, ao menos pelo desfecho
(Satanás), e agora ele está te caçando sivo em que Satanás lhe implora para da história, que o seu autor, o rabino
para te expulsar deste para o próximo cheirar o olíbano, que o incenso que Navarro, foi influenciado por outras
mundo”, só então ele percebeu que, oferece a ele é idólatra e um bálsamo histórias, como Doutor Fausto, ou pela
ao apostar tudo em seu jogo perigoso, de vida, e que sua decisão poderia ter jornada do rabino Elisha Ben Avuya.
perdera tudo: Yosef, neste mundo; sua apenas um resultado. A menos que Além disso, parece que sua própria dú-
alma, no além. sua arrogância e orgulho o fizessem vida pessoal mortificante, que surgiu
pensar que estava acima das leis que em meio à sua viagem pessoal, mistu-
Estou atolado e o tempo é governam tudo. Ou o incenso preju- rou-se com a narrativa, pois a história
curto, então decidi tentar dicava seu raciocínio ou o afiava. Ou, foi publicada na época em que Navarro
me desatolar pela leitura de talvez, tudo seja correto e parte de um se converteu.
minha sorte no café; uma lei- mecanismo que produz explicações va- A história de Della Reina é excep-
tura pictórica diretamente no riáveis segundo as regras internas de cional na literatura cabalista. Contém
pergaminho. Ao olhar para as uma estrutura de personalidade para a muitas passagens que retratam de
primeiras vinte xícaras, senti- qual o fracasso é na verdade sucesso. modo claro e simples a Cabala prática,
-me como um zumbi olhando mágica, e a revelação de nobres segre-
fixamente para um espelho, e Havia uma longa fila para o dos sem as salvaguardas, subterfúgios
então me lembrei de Esther. quarto de Esther. Alunos e e artifícios comuns à maioria dos tex-
Esther foi minha professora. professores aguardavam pa- tos cabalistas. Inclui detalhes de seus
Ela era uma mestra da adivi- cientemente, sempre com encontros com os personagens sagra-
nhação e da leitura da sorte uma xícara de café na mão. dos e místicos, seu cortejo e o papel de
pela interpretação de desenhos Lembro-me de uma manhã cada um deles no sistema dos mundos
nas borras do café, e eu era em que todos os espaços no mais altos, ao mesmo tempo que des-
seu aluno dileto, aquele que departamento cheiravam como creve os mecanismos de defesa contra
deveria continuar o legado, ou banheiros públicos na velha Satanás. A terrível façanha continua a
assim ela me dizia. Esther era rodoviária central em Tel Aviv. ser contada até hoje por cabalistas e
a mulher da limpeza no depar- Só no dia seguinte o mistério entre judeus ortodoxos. Della Reina é
tamento de arte em Bezalel, foi resolvido. Um dia antes, visto como uma figura trágica nesses
onde estudei em meados dos enquanto ela experimentava os círculos, que têm com ele uma atitude
anos 1980 – nos anos de novos vestidos que havia feito complexa e ambivalente.
crepúsculo da supremacia para o casamento de sua filha, Em última instância, o que ressalta
da arte conceitual, quando o um aluno a cumprimentou do relato de A terrível façanha é uma
pós-modernismo, a descons- com excessivo entusiasmo. Es- sensação de urgência, ansiedade e
trução e os nomes de filósofos ther, que preferia evitar riscos grande angústia pessoal, ao lado da fé
franceses tinham um aroma desnecessários, em especial cega na retidão da jornada e de uma
atraente, e a pintura (uma vez a ameaça do Olho do Mal, disposição inabalável de ir até o limite.
mais) teve permissão para res- iniciou um ataque preventivo Della Reina viabiliza e realiza a semen-
surgir dos mortos. Esther pa- e esfregou cada moldura de te de destruição nele escondida – um
recia uma bruxa saída de uma janela no departamento com processo humano demais, que não po-
pintura de Goya, porém mais sua urina fresca – uma fórmu- deria ter ocorrido de outra maneira.
colorida. Dizia-se que, quando la testada e comprovada. Qui-
criança, ela fugira descalça de seram demiti-la, mas ninguém Se as entendo corretamente,
Aleppo, na Síria, para Jerusa- ousou. De qualquer modo, ler as cartas mostram que não es-
lém carregando um tesouro de meus cafés não ajudou, por tou fazendo a pergunta certa.
ouro escondido. isso convidei Haim para vir e
ler minha sorte abrindo um
O destino de Della Reina foi decretado baralho.
por sua personalidade, que combinava
292
Jonas Staal, Nosso Lar, Brasília, 2014
293
Nosso Lar, Brasília
294
Tanto Nosso Lar quanto Brasília
representam cidades que devem ser consi-
deradas como pontos culminantes históricos
e ideológicos de uma forma arquitetônica. O
radicalismo de suas premissas permite uma
leitura precisa dos muitos fatores sociais,
econômicos e políticos de que resultaram. Ao
contrário das cidades que emergem como as
colagens caóticas de interesses privados que
tanto ofendiam Le Corbusier, elas marcam
pontos, com proposições conceituais cujas
consequências foram exploradas ao máximo,
em todos os sentidos imagináveis. Estes
gestos grandiosos, quase raros, muitas vezes
mostram traços ditatoriais. Mas talvez este
seja um dos aspectos que faz com que Nosso
Lar e Brasília sejam tão fascinantes, o fato de
que o seu potencial emancipatório anda de
mãos dadas com suas características repres-
sivas e autoritárias. São momentos concretos
no tempo que nos obrigam a enfrentar a nossa
própria orientação política, quando se trata
de futuros diferentes que somos obrigados a
imaginar para nós mesmos e para o mundo de
que fazemos parte.
Jonas Staal
Jonas Staal, Nosso Lar, Brasília, 2014
295
Nova Jerusalém
As igrejas evangélicas têm acumulado enorme força e influência no Brasil, ainda que tenham
sido muito pouco estudadas, permanecendo em grande parte invisíveis. Em 35 anos, brasi-
leiros que se declaram seguidores de uma igreja evangélica saltaram de 6,6 para 22%, e emis-
soras de rádio e televisão religiosas prosperaram. O outrora indisputado monopólio da Rede
Globo é agora ameaçado pelo crescimento da TV Record – de propriedade eclesial – e suas
novelas de inspiração bíblica. Deus se tornou uma figura fundamental na política brasileira, e
uma bancada religiosa se une no Congresso em questões específicas – contra o aborto ou os
direitos dos homossexuais, por exemplo.
Comparada à complexidade dos fenômenos, a debilidade da análise comum é notável, e oscila
entre o pessimismo e o populismo. No primeiro caso, denuncia a manipulação e a exploração
das massas incultas, enquanto, no segundo, vê a ordem social promovida por essas institui-
ções religiosas recentes como uma auto-organização genuína, que mantém os pobres longe
do crime, das drogas e de outros comportamentos desviantes. Para evitar essa abordagem
dilemática, o projeto Nova Jerusalém enfoca uma dimensão dos fenômenos aparentemente
marginal, mas, na verdade, impressionante: a relação que esses novos movimentos religiosos
– “novos” porque a maioria das igrejas surgiu na segunda metade do século 20 – têm com o
judaísmo, a Bíblia e Israel e a ascensão de um singular e complexo fenômeno híbrido e
transreligioso.
Nomes e símbolos tradicionalmente associados ao judaísmo florescem nas favelas e centros
urbanos do Brasil. Igrejas, lojas, restaurantes recebem nomes como El Shaddai (“Todo-pode-
roso”, em hebraico), shalom (“paz”), ou el-bet (“casa de Deus”). Em uma escala mais espetacu-
lar, algumas igrejas importaram pedras de Jerusalém para construir seus templos. Costumava-
-se considerar que a cidade era o útero da secularidade e a tumba da religiosidade; agora parece
que Deus está de volta a ela.
O fenômeno se dissemina por todo o país e liga a história brasileira a questões correntes de
identidade. Em Counting the Stars (2014)[Contando as estrelas], Nurit Sharett conta a histó-
ria de sua viagem pelo Brasil. Em colaboração com os pesquisadores Arieh Wagner, Carlos
Gutierrez e Anita Novinsky, Sharett mapeou grupos anussim. Os anussim (a palavra significa
“forçado”, em hebraico) declaram ser descendentes de judeus que foram obrigados a conver-
ter-se ao catolicismo pela Inquisição portuguesa no século 15 e esconder-se no Brasil.
296
Muitos dos autoproclamados anussim descobriram suas raízes judaicas por meio do conheci-
mento que adquiriram sobre judaísmo das igrejas evangélicas. Entre tribos perdidas, novos
judeus e velhos cristãos, o filme de Sharett reúne judaísmo, evangelismo e a história do Brasil
colonial, abordando o constante deslocamento e reestruturação das identidades religiosas,
bem como suas contínuas lutas pela legitimidade.
Essa flexibilidade dentro da identidade religiosa funciona como uma base para criar novas
narrativas religiosas e construir futuros possíveis a partir de passados míticos. Usando a fic-
ção como ferramenta, o ponto de partida de Yael Bartana é o poder de geração de estratégias
que caracterizam a indústria da fé no Brasil. Enquanto escrevemos este texto, a Igreja Uni-
versal do Reino de Deus está finalizando a construção de uma réplica brasileira do Templo de
Salomão – que outrora havia em Jerusalém, onde se encontra agora o Muro das Lamentações
– com pedras importadas de Israel. Em Inferno (2014), Bartana adotou essa estratégia com
seriedade e prevê – pré-representa – suas consequências ao filmar a inauguração do Templo,
sua destruição e a construção de sua ruína. À medida que o tempo se repete, com o Templo
mais uma vez destruído, pode-se testemunhar como os mitos são estabelecidos.
Na mesma direção, a pesquisa de Efrat Shvily analisa a relação entre uma arquitetura sonhada
e sua efetiva construção – a réplica do Templo. Em parceria com o sociólogo David Lehmann,
Shvily registrou as diferentes fases da construção do Templo enquanto pesquisava constru-
ções ou iniciativas semelhantes em Israel e na velha Jerusalém, cujo objetivo era criar algum
tipo de reprodução sensorial do passado. Usando documentação tradicional, ela desata o nó
que amarra velho e novo, fantasia e autenticidade, realidade e fotografia, para trazer à tona o
que ela descreve como “graus de ilusão”.
Essa perda de referências sólidas abre caminho para a pesquisa de Maurício Dias e Walter
Riedweg, que se concentra na linha tênue entre fé e loucura. Em Jerusalém, eles visitaram o
Centro de Saúde Mental Kfar Shaul, um instituto psiquiátrico especializado na síndrome de
Jerusalém. Essa síndrome se refere ao comportamento de alguns turistas que, uma vez em
Jerusalém, acreditam ser, eles mesmos, profetas. Fenômenos parecidos são comuns no Insti-
tuto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub), onde os artistas traba-
lharam nos últimos dois anos. Territórios diferentes originam fenômenos psicológicos especí-
ficos. Dias e Riedweg foram além e desvincularam os territórios de sua materialidade. Jerusa-
lém não é mais um lugar no mapa; é uma construção da imaginação que pode ser transporta-
da com sua síndrome – como as pedras israelenses para construir o Templo em São Paulo – e
suscitar o que se poderia chamar de síndrome de Nova Jerusalém.
297
Yael Bartana, Inferno, 2013
298
Yael Bartana, Inferno, 2013
299
Yael Bartana, Inferno, 2013
300
Yael Bartana, Inferno, 2013
301
Wilhelm Sasnal, Columbus, 2014
302
Wilhelm Sasnal, Untitled, 2013 [Sem título]
303
304
Páginas de The Situationist Times, número 5, dezembro de 1964
305
306
Páginas de The Situationist Times, número 5, dezembro de 1964
307
308
Páginas de The Situationist Times, número 5, dezembro de 1964
309
Yonamine, neoblanc, 2013
310
Yonamine, neoblanc, 2013
311
Lia Perjovschi, Knowledge, 1999 [Conhecimento]
Otobong Nkanga, projeto para Landversation, 2014 [Terraconversa]
Prabhakar Pachpute Back to the Farm II, 2013 [De volta à fazenda II]
Exposição Del Tercer Mundo, Havana, 1968 [Do Terceiro Mundo]
Índice de Agnieszka Piksa 132, 138, 186, 187, 319
Armando Queiroz 1-4, 108, 109, 131, 138, 139, 146, 320,
325-328
Danica Dakić 94, 95, 130, 135, 136, 141, 286, 318, 320
Erick Beltrán 20, 45, 48, 128, 129, 142, 169, 319
Gülsün Karamustafa 98, 124, 125, 130, 131, 135, 143, 310, 319
Imogen Stidworthy 133, 136, 143, 226, 227, 318 Peter Pál Palbert 136, 149, 151, 250-265
Ines Doujak 133, 136, 143, 234-238, 319 Prabhakar Pachpute 90, 129, 133, 135, 149, 213, 314, 318
Jakob Jakobsen 133, 136, 146, 191-194, 320 Qiu Zhijie 50, 129, 131, 149, 167, 319
Jo Baer 102, 130, 134, 144, 270, 271, 319 Romy Pocztaruk 106, 107, 126, 130, 131, 149, 320
Johanna Calle 132, 144, 183, 184, 319 Ruanne Abou-Rahme 132, 136, 139, 140, 188-190, 319
John Barker 133, 136, 143, 234-238, 319 ruangrupa 28-30, 128, 149, 320
Jonas Staal 134, 135, 144, 270, 293-295, 319 Sandi Hilal 19, 21-25, 128, 138, 319
Juan Carlos Romero 66, 68-70, 129, 144, 320 Sergio Zevallos 132, 133, 147, 159, 175, 242, 318
Juan Downey 17, 44, 58, 102, 103, 128-130, 133, 145, 239, Sheela Gowda 92, 93, 130, 137, 150, 320
318, 320
Tamar Guimarães 106, 113, 130, 131, 133, 135, 137, 145, 287,
Juan Pérez Agirregoikoa 135, 137, 145, 282-285, 319 288, 319
Kasper Akhøj 106, 130, 131, 133, 135, 137, 145, 287, 288, 319 Teatro da Vertigem 72, 73, 77, 129, 134, 150, 273, 320
Lázaro Saavedra 132, 145, 182, 318 Teresa Lanceta 121, 122, 131, 150, 319
Leigh Orpaz 91, 130, 145, 318 Thiago Martins de Melo 105, 115, 130, 131, 150, 319
León Ferrari 132, 136, 145, 146, 175-177, 179, 319 Tiago Borges 150, 318
Lia Perjovschi 101, 127, 130, 131, 135, 141, 146, 312, 319 Tony Chakar 80-89, 129, 132, 151, 168, 169, 319
Lilian L’Abbate Kelian 146, 201-211, 319 UEINZZ, Cia Teatral 136, 149, 151, 228, 229, 318
Mapa Teatro – Laboratorio de artistas 132, 146, 170, Val del Omar 104, 130, 133-135, 151, 226, 272-275, 296, 319
171, 319
Virginia de Medeiros 134, 151, 248, 249, 320
María Berríos 133, 137, 146, 191-194, 320
Vivian Suter 112, 113, 131, 134, 151, 152, 281, 320
Marcelo Rodrigues 108, 109, 131, 138, 146, 320
Voluspa Jarpa 132, 152, 181, 319
Mark Lewis 76, 77, 129, 137, 146, 319
Walid Raad 45, 132, 152, 180, 319
Marta Neves 18, 49, 128, 129, 147, 319
Wilhelm Sasnal 100, 114, 130, 131, 135, 152, 301-303, 318
Michael Kessus Gedalyovich 135, 147, 289-292, 319
Yael Bartana 132, 135, 137, 152, 170, 294, 297-301, 319
Miguel A. López 42, 147, 242-245, 318
Yeguas del Apocalipsis 32, 128, 133, 152, 243, 318
Mujeres Creando 31-33, 128, 133, 147, 244, 319
Yochai Avrahami 78, 79, 129, 152, 320
Nahum Zenil 133, 147, 244, 318
Yonamine 131, 133, 135, 153, 166, 193, 310, 311, 318
Nilbar Güreş 97, 123, 130, 131, 133, 137, 148, 240, 241,
318-320 Yuri Firmeza 74, 75, 129, 131, 135, 137, 153, 288, 319
318
Errar de Dios. 2014. [Errar de Deus]. Línea de vida / Museo Travesti del Perú. 2009-2013.
Etcétera... e León Ferrari pp.175-179 [Linha da vida / Museu Travesti do Peru].
Giuseppe Campuzano pp.230-233
La Escuela Moderna. 2014. [A Escola Moderna].
Archivo F.X. / Pedro G. Romero pp.195-200 Loomshuttles, Warpaths. 2009- .
[Lançadeiras de tear, trilhas de guerra].
Espacio para abortar. 2014. [Espaço para abortar]. Ines Doujak e John Barker pp.234-238
Mujeres Creando pp.31-33
Map. 2014. [Mapa]. Qiu Zhijie * pp.50, 167
The Excluded. In a moment of danger. 2014.
[Os excluídos. Em um momento de perigo]. Martírio. 2014. Thiago Martins de Melo * pp.105, 115
Chto Delat pp.172-174
Meeting Point e outros trabalhos. 2011-2014. [Ponto de
A família do Capitão Gervásio. 2013. Kasper Akhøj e encontro]. Bruno Pacheco pp.16, 96
Tamar Guimarães pp.287, 288
Muhacir. 2003. [Migrante]. Gülsün Karamustafa pp.124-
A fortaleza. 2010. Yuri Firmeza * 125
pp.74, 75
Mujawara. 2014. Alessandro Petti, Sandi Hilal e
Fuego en Castilla. 1958-1960. [Fogo em Castela]. Grupo Contrafilé pp.21-25
Val del Omar pp.274-275
Nada é. 2014. Yuri Firmeza pp.74-75
Handira / Bert Flint / Granada. 1997-2002.
Teresa Lanceta pp.121-122 The Name Giver. 2013. [A nomeadora]. Michael
Kessus Gedalyovich * pp.289-292
Histórias de aprendizagem. 2014.
Voluspa Jarpa * pp.181 Não é sobre sapatos. 2014. Gabriel Mascaro p.71
Inferno. 2014. Yael Bartana pp.298-301 Open Phone Booth. 2011. [Cabine telefônica aberta].
Nilbar Güreş pp.97
Invention. 2014. [Invenção]. Mark Lewis pp.76-77
Perímetros. 2012-2013. Johanna Calle pp.183
It’s Just the Spin of Inner Life. 2011-2014. [É
apenas o vértice do seu mundo interior]. The Placebo Scroll. 2014. [O pergaminho placebo].
Agnieszka Piksa pp.186, 187 Michael Kessus Gedalyovich * pp.289-292
Letra morta. 2014. Juan Pérez Agirregoikoa pp.282-285 Resimli Tarih. 1995. [História ilustrada].
Gülsün Karamustafa pp.98
Letters to the Reader (1864, 1877, 1916, 1923). 2014.
[Cartas ao leitor]. Walid Raad pp.180
319
Revista Urbânia 5. 2014. Graziela Kunsch e * Esses projetos, apresentados na exposição 31ª Bienal,
Lilian L’Abbate Kelian * não estão representados nesse livro por não terem
pp.59-61, 201-211 sido concluídos antes da publicação ou por questões
editoriais. As páginas indicadas aqui se referem a
The Revolution Must Be a School of outros projetos do mesmo participante.
Unfettered Thought. 2014. [A revolução deve
ser uma escola de pensamento irrestrito].
Jakob Jakobsen e María Berríos pp.191-194
320
Como
lutar
contra
coisas
que não
existem
Como
reconhecer
coisas
que não
existem
323
A
n
z
A
e
Como
A
A
p
m
esquecer
z
á
l
n
z
coisas
n
n
z
n
A
que não
z
n
A
A
é
existem
A
n
é
p
é
A
é
m
A
n
n
n
A
A Amazônia não é tua. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é verdadeira. A Amazônia não é ingênua
e plácida. A Amazônia não é assassina. A Amazônia não é Inferno Verde.
A Amazônia não é celeiro do mundo. A Amazônia não é Pulmão Verde. A
Amazônia não é uma fantasiosa falácia. A Amazônia não é o reino da im-
punidade. A Amazônia não é economicamente viável. A Amazônia não é do
mundo. A Amazônia não é estratégica. A Amazônia não é engano. A Ama-
zônia não é moda. A Amazônia não é modismo. A Amazônia não é negoci-
ável. A Amazônia não é muda. A Amazônia não é. A Amazônia não é reve-
ladora. A Amazônia não é inconsequência. A Amazônia não é. A Amazônia
não é excesso. A Amazônia não é agiotagem. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é rota de fuga. A Amazônia não é. A Amazô-
nia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é indiferença. A Amazônia
não é Jurema. A Amazônia não é. A Amazônia não é confluência. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é compassiva. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é embrutecida. A Amazônia não é embrutecedora.
A Amazônia não é arrogante. A Amazônia não é o que você quer. A Ama-
zônia não é grilagem. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é condescentente. A Amazônia não é. A Amazônia não é embriaguez.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é cosmopolita. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é ostentação. A
Amazônia não é. A Amazônia não é garimpagem de sangue. A Amazônia
não é morte anunciada. A Amazônia não é poder escuso. A Amazônia não
é livre morticínio. A Amazônia não é clandestina. A Amazônia não é poder
paralelo. A Amazônia não é omissão. A Amazônia não é. A Amazônia não
é totalidade. A Amazônia não é poder. A Amazônia não é narcotráfico. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é afirmativa. A Amazônia não é. A Amazônia não é
mordaça. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é fora da lei. A Amazônia não é Amazô-
nia. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é revolta. A Amazônia não é finitude. A Amazônia
não é cemitério. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é contrabando. A Amazônia não é Pio X. A Amazôniaé
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é elitista. A Amazônia não é oA
passado. A Amazônia não é o futuro. A Amazônia não é engano. A Amazô-e
nia não é o que virá. A Amazônia não é AviadasDollars. A Amazônia nãoA
é pesadelo. A Amazônia não é cinismo. A Amazônia não é. A Amazônian
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-z
zônia não é púlpito. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A AmazôniaA
não é passiva. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. AA
Amazônia não é Pinga Fogo. A Amazônia não é. A Amazônia não é. Az
Amazônia não é. A Amazônia não é jogatina. A Amazônia não é coragem.n
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia nãoA
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazôniaé
não é. A Amazônia não é pequena aldeia. A Amazônia não é. A Amazônian
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é alucinató-n
ria. A Amazônia não é invernada. A Amazônia não é. A Amazônia não é. AA
Amazônia não é execução. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-A
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. Az
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia nãoé
é Pena e Maracá. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia nãod
é. A Amazônia não é fashion. A Amazônia não é contaminação. A Amazô-n
nia não é ordem do dia. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazôniaz
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-A
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é cobiça. A Amazônia nãoc
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é internacionalização. A Amazônian
não é pulsante. A Amazônia não é. A Amazônia não é Malícia. A Amazôniaz
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-é
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é descarrego. A AmazôniaA
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é emblemática. A Amazôniaé
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é legalidade.n
A Amazônia não é. A Amazônia não é desterritorialização. A Amazôniaé
não é engenho. A Amazônia não é. A Amazônia não é lusa. A Amazôniaf
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-A
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é Herondina. A Amazôniaé
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é propriedade. A Amazônian
não é fascínio. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é.A
A Amazônia não é. A Amazônia não é tutela. A Amazônia não é vital. Az
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia nãom
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é intervenção. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é
espasmo. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é a lei. A
oAmazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é capataz. A Amazô-
nia não é barracão. A Amazônia não é. A Amazônia não é cabocla. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é esturro. A Amazônia não é agônica morada.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é falência múltipla.
A Amazônia não é florescer. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é virulência. A Amazônia não é. A Amazônia
não é fracasso. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é comportas. A Amazônia não é comodismo. A Amazô-
nia não é sobriedade. A Amazônia não é Sentinela do Norte. A Amazônia
não é. A Amazônia não é o Aurá. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é consórcio. A Amazônia não é fel. A
Amazônia não é dizer sim. A Amazônia não é Libânia acobreada. A Ama-
zônia não é justa. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
oé. A Amazônia não é. A Amazônia não é estagnação. A Amazônia não é
desejo. A Amazônia não é ancestralidade. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é balcão de negócios. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é
conluio. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é oportu-
nismo. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é tapir. A Amazônia não
é. A Amazônia não é fisiologismo. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
aA Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
aé. A Amazônia não é Europa. A Amazônia não é adivinhação. A Amazônia
não é notoriedade. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é indizível. A Amazônia não é inde-
fensável. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
aé. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
anão é. A Amazônia não é. A Amazônia não é minério. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é disfarce. A Ama-
zônia não é arrebentação. A Amazônia não é. A Amazônia não é apodera-
omento. A Amazônia não é. A Amazônia não é empoderamento. A Amazônia
não é genocídio. A Amazônia não é viável. A Amazônia não é. A Amazônia
não é remédio. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é devoração. A
Amazônia não é luta. A Amazônia não é significado vão. A Amazônia não
é querência. A Amazônia não é Juruna. A Amazônia não é terra mestiça. A
Amazônia não é magnitude. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é número. A Amazônia não é patuá. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é vingativa. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é inconveniência. A Amazônia não é coloni-
zada. A Amazônia não é. A Amazônia não é Madeira-Mamoré. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é eclusa. A Amazônia não é
sede campestre. A Amazônia não é. A Amazônia não é agouro. A Amazônia
não é. A Amazônia não é obrigatoriedade. A Amazônia não é. A Amazônia
não é o não. A Amazônia não é manobra. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é poder. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é
temerária. A Amazônia não é. A Amazônia não é potencialidade. A Amazô-
nia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é baratista. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é
hedônica. A Amazônia não é estampido. A Amazônia não é. A Amazônia
não é vertiginosa. A Amazônia não é culpada. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é ócio. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é
urgência natimorta. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é berro silenciado. A Amazônia não é dourada. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é Macunaíma. A Amazônia não é.
A Amazônia não é contumaz. A Amazônia não é. A Amazônia não é vale.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia
não é sagrada. A Amazônia não é imprevisibilidade. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é temerária. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é meretriz. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é derrota. A Amazônia não é tola. A Amazônia
não é. A Amazônia não é Cabelo de Velha. A Amazônia não é miçanga. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é desova. A Amazô-
nia não é nobre. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é lepra. A Amazônia não é. A Amazônia não é rio. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é comodidade. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é cabanagem. A Amazônia não é ver-
tigem. A Amazônia não é batelão. A Amazônia não é. A Amazônia não é
escolha. A Amazônia não é terror. A Amazônia não é barroca. A Amazônia
não é incendiária. A Amazônia não é Tum tá tá. A Amazônia não é. A
Amazônia não é séria. A Amazônia não é calma. A Amazônia não é seme-
adura. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é eterna. A Amazônia não é reinvenção. A Amazônia não é.
A Amazônia não é desacordo. A Amazônia não é fugaz. A Amazônia não é
o que queremos. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é
fratura exposta. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é
luto. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é 38. A Ama-
zônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é tormenta. A Amazônia
não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é Serra do Cachimbo. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é 19. A Amazônia não é simulacro. A
Amazônia não é política. A Amazônia não é. A Amazônia não é promessa.
A Amazônia não é cumplicidade. A Amazônia não é beira. A Amazônia não
é. A Amazônia não é. A Amazônia não é infortúnio. A Amazônia não é. A
Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é Xingu. A Amazônia
não é. A Amazônia não é sutileza. A Amazônia não é. A Amazônia não é.
A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não é. A Amazônia não
é. A Amazônia não é corolário de mentiras. A Amazônia não é BR-230. A
Amazônia não é. A Amazônia não é ameaça. A Amazônia não é verniz
Belle Époque. A Amazônia não é desmazelo. A Amazônia não é fortuna. A
Amazônia não é 252. A Amazônia não é intensidade. A Amazônia não é. A
Amazônia não é busca. A Amazônia não é estrada. A Amazônia não é
Orellana. A Amazônia não é dúvida constante. A Amazônia não é. A Ama-
zônia não é terra preta. A Amazônia não é isolamento. A Amazônia não é.
31a Bienal de São Paulo Como (...) coisas que não existem
não existem Como falar de coisas que
Como imaginar coisas que
Como usar coisas que
Como lutar por coisas que não existem
não existem Como analisar coisas que
Como pensar sobre coisas que
Como ler sobre coisas que
não existem
Bienal e Itaú apresentam
31� Bienal de São Paulo
978-85-85298-48-7