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O OLHAR GREGO
REVISTA DE ESTUDOS HELÊNICOS
No. 2 – Primavera de 2017

SETOR DE GREGO - INSTITUTO DE LETRAS - UERJ


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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
INSTITUTO DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E ORIENTAIS
SETOR DE GREGO
Rua São Francisco Xavier, 524 – Bloco A – 11.005

ΤΟ ΕΛΛΗΝΙΚΟ ΒΛΕΜΜΑ – O OLHAR GREGO


REVISTA DE ESTUDOS HELÊNICOS
No. 2 – Primavera de 2017
Editora executiva: Fernanda Lemos de Lima
Conselho editorial: Fernanda Lemos de Lima
Dulcileide Nascimento Braga
Elisa Brandão de Carvalho
Luciana Povoa
Luciene Lima

Conselho Científico: Anderson Martins (UFRJ)


Ioánnis Petrópoulos (CHS – Harvard – Grécia)
Kalliópi Samiótou (Vanderbilt University –
EUA)
Nikolétta Tsitsanoúdi (Universidade de
Ioánnina - Grécia)
Tania Martins Santos (UFRJ)

APRESENTAÇÃO 7

ESTUDOS DE LÍNGUA GREGA


The Scents of the Child, Memory and Children’s Books:
Alternative perspectives in culture and teaching
methodology
Smaragda Papadopoulou 11

ESTUDOS DE HISTÓRIA E CULTURA MATERIAL


A presença de Dioniso nas taças de vinho kylikes
decoradas com grandes olhos monumentais do
período arcaico dos gregos
Maria Regina Candido 40

ESTUDOS DE LITERATURA, ARTE E CULTURA


O Surgimento da Retórica e sua Evolução até
Aristóteles
Elisa Costa Brandão de Carvalho 54
Ritmo em Aristóxeno
Artur Gouvêa 61
A apresentação de si de Paulo de Tarso diante dos
Atenienses em seu discurso no Areópago de Atenas
Luciene de Lima Oliveira 72

ESTUDOS SOBRE TEATRO GREGO


El sentido de la forma. Los 'anuncios extendidos' en
Suplicantes de Esquilo
María del Pilar Fernández Deagustini 90
A função do mito de Filotetes na peça homônima de
Sófocles
Alexandre Rosa 103

SOBRE OS AUTORES 113

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APRESENTAÇÃO

É com imensa alegria que apresentamos o segundo número de Το


Ελληινικό Βλέµµα: Revista de Estudos Helênicos, produzida pelo Setor de
Grego do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Diante das lutas que nossa universidade enfrentou desde 2016 e que
perduraram e se agravaram em 2017, manter ativa a edição de uma
publicação tão singular é uma vitória e motivo de comemoração,
sobretudo, se tivermos em mente, a variedade de contribuições, seja no
que diz respeito aos temas apresentados, seja no que se refere à
diversidade de origem dos autores que apresentam seus trabalhos no
presente número.
O número tem por artigo de abertura o texto de Smaragda
Papadopoulou, professora da Universidade de Ioánnina na Grécia. Seu
trabalho apresenta um estudo sobre um alfabeto dos aromas no processo
de leitura de literatura infantil grega no ambiente escolar, investigando
como a maneira de usar os aromas nos materiais de leitura pode ter
influência no desempenho dos alunos.
Os estudos de cultura material estão presentes nesse número
através do artigo de Maria Regina Cândido, professora de História Antiga
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Em seu artigo, Cândido
apresenta um estudo sobre o conjunto de vasos em terracota no formato
de kylix utilizados em banquetes para beber vinho e, provavelmente,
depositados nos templos de Dioniso. As taças destacam-se por
determinados traços característicos levantados pela pesquisadora.
No âmbito do teatro grego, temos o artigo de María de Pilar
Fernández Deagustini, professora da Universidad Nacional de La Plata
da Argentina, o qual lida com a tragédia Suplicantes, de Ésquilo, no que
diz respeito à técnica que estrutura a tragédia, tendo por ponto de
fundamental a análise dos anúncios estendidos” (vv. 176-203; 710-733)
como elemento que confere sentido à matriz discursiva. Temos ainda o
artigo de Alexandre Rosa, pós-doutorando do Programa de Pós-
Graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, cuja investigação é voltada para a obra de Sófocles, mais
especificamente, para o mito de Filoctétes na tragédia homônina. Em seu
trabalho, Rosa busca demonstrar como a utilização do referido mito em
justaposição com temas que poderiam gerar discussões entre seus
contemporâneos.
Na área da argumentação, temos dois artigos que investigarão o
tema em momentos diversos da cultura que se expressa em grego. O
artigo de Elisa Costa Brandão de Carvalho, professora do Instituto de
Letras da UERJ, apresenta um panorama acerca do surgimento da
retórica e do seu lugar social na pólis grega. Outro artigo, da também
professora do Instituto de Letras da UERJ, Luciene de Lima Oliveira,
aborda a construção discursiva na produção retórica de Paulo de Tarso,
buscando identificar a apresentação de si que o autor constrói como
estratégia de persuasão.

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Temos, ainda, na área de música, o artigo de Artur Gouvêa,
doutorando do Programa de pós-graduação em Música da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, o qual investiga o tema do ritmo, no que diz
respeito ao tempo, através da tradução e estudo teórico do texto de
Aristóxeno de Tarento.
Os diversos temas e faixas temporais abrangidos pela coleção de
textos ofertada no presente número de nossa revista, de fato, pode
oferecer ao leitor uma perspectiva ampla da cultura grega, seja na
educação contemporânea, nos estudos de cultura material, na tragédia,
na teoria musical ou na argumentação. É notório que os múltiplos
olhares helênicos se manifestam sempre com extremo vigor.

Fernanda Lemos de Lima


Editora Executiva

ESTUDOS DE LÍNGUA GREGA

ESTUDOS DE LÍNGUA GREGA


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The Scents of the Child, Memory and Children’s Books: Alternative
perspectives in culture and teaching methodology

Smaragda Papadopoulou
Department of Primary Education
University of Ioannina, Greece
smpapado@cc.uoi.gr

Abstract

This study reflects on theories and practices of scented/smelly books as a fact


which could give new perspectives in writing for children and creating children’s
books. This impact can be an alternative methodological tool for children’s
learning at school. Smell has very high retention rate in the learning process
that influences the memory of a story and the impact to children’s imagination
and experience in the world around. This forgotten value at school textbooks
can be re-examined from specialists. Scented books as a teaching strategy and
a methodological tool reveal how children can represent memories and express
themselves effectively in a language class with the help of using smelly books.
In our study, we expected children to remember the main or essential points as
a bottom-line of story plots when scents were involved between the child and
the book. Perfume literacy in children’s book and the e-book industry refer as
theoretical components in our study and are described in detail. It is true that
civilization has cost people a valuable sense. A nose alphabet could also arrange
things in different perspectives for young children.

Key words: Scented children's Books, Teaching, Language

Resumo

Este estudo reflete sobre teorias e práticas de livros perfumados/aromatizados


como um fato que poderia dar novas perspectivas na escrita para crianças e na
criação de livros infantis. Esse impacto pode ser uma ferramenta metodológica
alternativa para o aprendizado infantil na escola. O aroma tem uma taxa de
retenção muito alta no processo de aprendizagem que influencia a memória de
uma história, o impacto na imaginação e a experiência das crianças no mundo
todo. Este valor esquecido nos livros escolares pode ser reexaminado por
especialistas. Livros perfumados como uma estratégia de ensino e uma
ferramenta metodológica revelam como as crianças podem representar
memórias e se expressar, efetivamente, em uma aula de línguas com a ajuda do
uso de livros aromatizados. Em nosso estudo, esperávamos que as crianças se
lembrassem dos pontos principais ou essenciais, como linhas mestras de
enredos de histórias quando os aromas estivessem envolvidos entre a criança e
o livro. A literalidade do perfume no livro infantil e a indústria do e-book se
referem como componentes teóricos em nosso estudo e são descritas em
detalhes. É verdade que a civilização custou às pessoas um sentido valioso. Um
alfabeto do nariz também pode organizar as coisas em diferentes perspectivas
para crianças pequenas.

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Palavras-chave: Livros infantis perfumados, Ensino, Linguagem

"Smell [..] is a highly elusive phenomenon. Odours, unlike


colors, for instance, cannot be named – at least not in
European languages. ‘It smells like...', we have to say when
describing an odour, groping to express our smell
experience by means of metaphors. Nor can odours be
recorded: there is no effective way of either capturing scents
or storing them over time. In the realm of olfaction, we must
make do with descriptions and recollections." (C.Classen,
D.Howes&A. Synnott, Aroma: The cultural history of smell,
UK: Routledge, 1994, p.3)

Introduction

Compared with other functions people rely very little on smell. We rather
limit ourselves to perceive the world with the help of vision and hearing, while
we attribute to sniff a secondary role, for example, do not use to find our way,
nor to identify the unmatched us. However, babies recognize their mother by
smell and adults are aware subconsciously from the forgotten scent that
suddenly enters their nostrils can cause invoking memories and intense
emotions.
Scientists have tried to decipher the alphabet of odors. The discovery of
odorant receptors spurred many new investigations into the mammalian sense
of smell. When educators try to put this knowledge in everyday life of school
children, a lot of experimentation can occur, (Ferrero et al, 2011).
Light the secrets of smell recently dropped U.S. researchers at the
Medical Institute Howard Hughe Harvard University in collaboration with
Japanese colleagues of Life Electronics Research Center in Amagasaki.
Investigating how the nose – which has a relatively small number of odorant
receptors, (proteins, which are found in certain cells of the epithelium of the
nasal cavity and which "capture" molecules arriving there) ¬ able to recognize
and distinguish thousands of different odors, professor Linda Buck and
colleagues decoded the mechanism of smell . According to an article by
researchers in the journal «Cell», the sense of smell in mammals is based on a
combinatorial approach to the identification and registration of odors. Instead,
i.e., corresponding to an olfactory receptor in each odor, olfactory system utilizes
an " alphabet" of receptors in order to create the identity of smell perceives the
brain( Buck & Axel, 1991).
As explained Mrs. Buck, "any container used again and again in order to
fix an odor , just like the letters used most often to form different words . As to
the language, the system utilizes our olfactory receptor combinations
(combinations correspond to words) so as to reduce the number of receptors
(letters), that are needed to yield a wide range of odors (vocabulary)".
Creating codes resulting from the combination of simpler units is not
unknown in nature. Of the four 'letters' of the genetic code (A - adenine, T -
thymine , G - guanine and C - cytosine) is formed to an endless number of
sequences of genes. However, this is the first time demonstrated how the nerve
cells that make up the mammalian olfactory system using same approach. The

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input from the millions of sensory cells in the nose creates an electrical pattern
in the olfactory bulbs, which act like a switching station. From there, the
messages containing coded smell information are relayed to various parts of the
brain. Many of the nerve pathways lead to the temporal lobe, which stores
memories, while others connect with the most ancient parts of the brain that
deal in the traffic of emotions, sex, appetite and survival behavior. We sense the
smell of fear and other emotions. The researchers are discussing this option to
identify genetic signatures in the neurons involved in fear responses. If they find
unique molecular signatures for these specific neurons and if those signatures
occur in humans too, such discoveries could lead to a better understanding of
stress disorders, such as PTSD and depression, Buck noticed and perhaps even
point to novel targets for therapeutics (2016). In future, this can change all we
know about the children’s literacy and human knowledge and the
interpretations of children’s books. There is already evidence suggesting that
other scents, like rose oil, can block the fear response to predator odors. Buck’s
research team is currently working to uncover the neurons that could suppress
stress hormones and the fear response in rodents (Kunio Kondoh, Zhonghua
Lu, Xiaolan Ye, David P. Olson, Bradford B. Lowell and Linda B. Buck in Nature.
Published online March 21 2016 doi:10.1038/nature17156).
Ethnographic data of how children learn illustrate that smell terms have
detailed semantics tapping into broader cultural constructs. Contrary to the
widespread view that languages cannot encode odors, the Maniq data show odor
can be a coherent semantic domain, thus shedding new light on the limits of
language (Wnuka & Majida, 2014). The recognition of the existence of the
alphabet enabled U.S. researchers to provide answers to practical questions.
Scientists observed that molecules with similar chemical formula activate
different combinations of cells in the olfactory epithelium. This explains why the
octanol smells like orange, while octanoic acid smells as sweet.
Correspondingly, there is also observed that increased concentrations of the
same substance trigger greater variety of cells of the olfactory epithelium. As
features Ms. Buck, the novelist on odour science said , " It is a matter of the
alphabet ." This notion inspired us to try a kind of odour alphabet for children
that learn to read.

Creating the ABC of our nose as readers

From the ancient time and the Greek philosopher Plato till some decades
ago there has been the common belief that the experience of a smell is
impossible to put into words. But the studies confirmed by observation of
scientists have focused on participants from urbanized Western societies.
Cross-cultural research suggests that there may be other cultures where odors
play a larger role in learning as an education (Burenhult &Majid 2013, Fendt at
al., 2016, Classen at al, 1994).
In recent years Professor Linda Buck and colleagues posing a series of
logical questions unraveled the tangle of smell, culminating in the discovery of
the alphabet. According to an American researcher, their main goal was to
investigate the mechanisms and strategies used by our olfactory system to
stand the smells. Thanks to their efforts we can now follow the path of odor from
the nose as the nerve centers of the brain: as scents entering the nose meets
the olfactory epithelium, a cell line that lining the nasal cavity. It is estimated
that about five million olfactory nerve cells are located in the olfactory
epithelium. On the surface of each of these nerve cells is only one out of 1,000
different types of olfactory receptors. The hiring of odor receptors has therefore

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activation of nerve cells and their bearing signal transfer to other nerve cells in
the olfactory bulb (Buck 1991, 2016, Doty & Laing, 2003).
It is a brain structure that is the focal point for the perception of odors.
From there the signal travels so nervous to the cortex, which manages conscious
processes and to the centers of the brain, which are associated with the creation
of emotions. This explains why an odor besides an actual information, being
able to wake up and emotions. For example: the smell of hot milk probably takes
adults back in their childhood, (LeDoux,2012 Datta at al., 2011). It is worth
noting that the structure of the nerve cells in the different levels of the olfactory
system is different. Thus, the olfactory epithelium of the nose there are four
different areas, each of which are randomly olfactory nerve cells
characteristically olfactory receptors. In other words, an olfactory receptor
found only 25 % of the nasal epithelium, but in this zone the location is random.
But then information of all the olfactory nerve cells with identical receptors
concentrated in the same places in the olfactory bulb, (Brookes at al 2007).
According to Buck, the dispersion of receptors in the epithelium,
preserving the sense of smell in cases where a portion of the damaged (for
example, after an infection), while at the same time, the convergence of
messages from thousands of olfactory cells with the same receptors in certain
parts of the brain increases our sensitivity to low concentrations of odors and
allows detecting odors even when they are in the environment at low
concentrations. Through her research which was for many years, Buck was able
to determine how the brain processed different types of smells. She made a
portrait of how the brain's olfactory bulb functioned. In 2004, Buck and Axel
were named co-recipients of the Nobel Prize in Physiology or Medicine "for their
scientific achievements as odorant receptors and the organization of the
olfactory system. In 2008 Avery Gilbert gives us a more detailed guide of
information about “What the Nose Knows: The Science of Scent in Everyday
Life” (Gilbert, 2008).

The Study

In Greek folk wisdom, the smell is associated with higher mental


functions such as perceptual ability and understanding. The allegorical Greek
expression "got someone or something scent” (τον πήρε µυρωδιά, το µυρίστηκε,
ton pire mirodia, to miristike) characteristically confirms this view. The smell
“captured” by the nose is the sense organ of smell, the sense which protects the
body from harmful odors, such as poisonous gases (Kratskin & Belluzzi, 2003).
In Creta island in the Mediterranean area there is a weird, kind of uncommon
for the rest of Greece formulaic phrase to express the verb “I smell” in the words:
“I hear smells”. This can involve a more detailed aspect of the way other senses
such as hearing serve olfaction.
The operation, though considered simple, is based on the specialized
structure to capture and transmit rapidly olfactory stimuli. Specifically, upon
inhalation into the nasal cavity entering aromatic molecules of various odors
are dissipated in the air. Aromatic molecules stimulate the hairy body area,
which stimulates pulsed olfactory neurons. These transmit successive stimuli
in the olfactory bulb from which the olfactory nerves travel to different brain
centers where their identification is to determine the reactions of the organism
to these (Firestein 2001).
Human memory has the ability to record a large body odor which keeps
for a very long time arranging them in pleasant or unpleasant - harmful and
linking them by association with incidents of everyday life, people or

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environments. This can make reading literature and involving scents a very
personal issue. The ability to smell is a normal function (Kaiser, 2006).
Scents are a cultural component of understanding the world around us:
Historical references, (Keller & Vosshall 2004, Burr 2003) emphasize the use of
perfumes in antiquity for perfuming a place of worship or halls. References e.g.
divination in the stifling atmosphere of incense or the Function Rooms,
mysteries or symposia in which herbs from different parts of the then known
world flooded the atmosphere, are the texts of many writers of antiquity. As we
already noted the olfactory stimuli leaves strong and lasting impressions
mnemonic. In fact, it seems that exploited and ecclesiastical environment where
incense is one of the ' raw materials cults ' implies how often a student may like
going to the church. How can the scents of the church influence the
memorization of the story plot and how much the reader liked the story? It may
depend on the feelings of the reader for the implied smell in the story and the
relationship of the reader with this smell in real life, (Ferrero at al 2011).
Something similar happens in all places of worship, Christian or in
mosques, and temples of all religions, especially the ancient eastern where all
the senses are stimulated simultaneously, immediately after the entrance to
such spaces. Statues, paintings, beauteous architectural or elaborate utensils
attract eyesight creating admiration. Melodic sounds delight hearing and scent
of incense and offerings of flowers with intense fragrance permeate stimulating
atmosphere pleasant smell. At the same time, the gloss by the sense of touch of
the barefoot shoe creates feelings of hospitality, security and warmth. Finally,
the sense of taste pleasantly excited as believers partake participating in an
ecstatic ritual thanksgiving character (Menashe at al., 2003).
The cultural component of ecclesiastical model freshening indoor
worshipful living, bringing together for a reasonable period of several dozen
believers seem to adopt today and the modern way of organizing the workplace,
space habitation, commercial stores and children’s books. The trend freshening
area tends to spread in open shops, services etc. The long coexistence of workers
in the same place inevitably creates odors. Such an atmosphere does not
contribute positively to the development of a healthy communicative framework.
A “smelly” workplace e.g. discourages cooperation among employees.
Something similar would happen to a home environment where guests will be
looking despite the time to leave. Similarly, a commercial - economic
environment, such as a shop selling goods or a bank branch, may repel
customers, possibly because they would associate with negative connotations
and their unpleasant experiences, (Schilling at al., 2010).
Especially for seasoning, the premises has developed huge chemical industry
with various aromatic deodorant formulations for every taste, because it has
been observed that each man expresses different preference to a particular type
of deodorant perfume, which of course chooses . The same applies to the choice
of fragrance deal with body odors, as we saw above.
Consensus is the fact that the scent associated with something healthy,
pleasant, healthy, safe and harmless to health and generally positive emotions
as opposed to the stench that usually emerges from deterioration and rotting.
So, by association, the smell associated with life and with the stench of death.
This allusion explains why modern flavoring industry and its products
worldwide are welcome and extended pouring more and more consumer goods.
The sensor captures the smell pleasant odors which connects joyfully past or
accept as unprecedented. Somehow, seductive scents work well; not only
attracts attention to their emission sources but also affect the purchasing
consumer. Commercially e.g. areas of shops flavored, while the goods
themselves emit a smell. The smell of new clothes and the shoe is typical. The

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smells in the detergent section of stores from cleaners or deodorants for any
space or object is marked as diffuse tens of perfumes at the same time, which
are chemical imitation fruit, flowers or herbs for every taste. In place of the daily
diet, diffuse intense natural or artificial odors as amplification products of taste,
which is associated with olfaction. Bakery and pastries, coffee, tobacco,
gasoline, books, newspapers, each emits a unique natural aroma, a united
smell, which is certainly stronger in the sales area of each product .Could we
predict a book’s success in sales from its odor? This could be one of the reasons
that readers like reading a storybook, especially in children’s industry, (Keller
at al, 2007).
Each room has its own distinctive odor depending on the items or
products it contains. It is possible in our opinion that school class could affect
children’s willingness to read stories or does the school work at this function.
Every man or every house smells differently. But how “different” is the
atmosphere among butchers, fishermen , pharmacies , hospitals , schools ,
cafes , libraries , clubs , casinos, electrical goods stores or automotive ,
hairdressing , hotels , police stations , barracks , canteens , restaurants,
transportation . There differentiate odors in any room or whether this occurs
because of different olfactory capacity of each? Scientifically we put a number
of questions that modern science of neuropsychology studies lodges more
enlightening answers and education can take advantage of them or estimate
this evidence in teaching methods of an unseen emotional and memorizing
alphabet - language of odors.
In the education sector, have already penetrated the flavoring industry
products aimed, of course, selling and profit. Erasers with varied and pleasant
aromas, markers with fruit flavors with aromas of flowers, stationery etc. are
some stationery items that attract the attention of children who 'convince their
parents to buy them regardless of their usefulness or appropriateness. In the
field of electrical engineering trade - attempt if not already achieved -
construction televisions and computers which, apart from the image and sound
will emit odors whereas in this way the viewer or the operator may be
experiencing the multisensory ' virtual reality '. In the automotive industry has
already tapped the ' aromatic power ' in order to attract buying interest of
customers for this type of car whose cabin flavored appropriate to engage the
buyer's preference.This use of ' aromatic power ' also utilized in the most
profitable way to programs aromatherapy (aromatherapy), which " sell "
fragrances for mental well-being to physical relaxation and relief from daily
stress, (Roberts&Williams 1992).
We mostly followed the examples of the older scientists who had twenty-
two subjects asked to visualize positive and negative phrases following exposure
to either chamomile oil or placebo. Chamomile oil significantly increased the
latency for all images, and shifted mood ratings and frequency judgments in a
more positive direction, suggesting a possible mode of action for such oils. Also,
in other cases in reading and memorizing the plot - experiments with children;
subjects were exploited and fragrances were used for this purpose, (Roberts &
Williams 1992, Smith, 1992). We also tried to use stories that children could be
interested in and also to present them in a play-training project in reading
classrooms.

Our Hypothesis

1. Normally, olfaction can help children in memorization and understanding of


a story.
2.Scents can help express a detailed narration in context.

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3. Fairy tales may have scents in descriptions and function characteristically in
Greek Literature.

Our Method

Ideas for engaging students’ sense of smell as they explore the world
include the Safe Smelling Method of wafting (waving) an odor towards a nose
with the hand instead of sniffing directly from a container. This sensory method
was used in order to detect nice odors for children that participated in our study.
These scents were included in reading material through storytelling-and
listening and reading fairy tales in two ways: Scents as a physical presence in
the room/classroom and scents in the symbolic language of the book, (story
heard or read).
We encouraged children to tell a story without the stimulation of scents
and then with it. So, as we find differences or changes in their speech (oral or
written).
Another research of how smells function in typical fairy/folk tales from
the Greek geographical region gave us enough teaching material for the case.

Duration of the Study

Three months, (From September to December 2014) and three months


for testing the memory in relation with the story for a longer period of time,
(January to February 2015).

Place

Typical classroom where we used aromatherapy device in accordance


with scents that children like (chocolate, vanilla, strawberry, bergamot, lemon,
apple) and are known as helping tools for relaxation, concentration, memory
(basil rosemary, geranium, jasmine, rose, neroli, ylang ylang). Before each
session we opened the windows for fresh air and created the scents of memory
at first level and the odors of the story at second level.

Description of the study

At first place, there was only one vivid scent that was connected to a
story. Children which were between 8-10 years old as an experimental group of
60 persons in comparison with the same number of a group at the same school
seemed to recall more information with the presence of scents than without
scents (short term memory). After the past of months they remembered a more
detailed and rich narration of a story when the scent was present in the room
which gives us a connection between verbal ability and the application of
stimulating the sense of olfaction.
We also tried to see if this verbal capacity is affected in writing. This is
why we asked children to write the story instead of telling us. Writing involved
fewer mistakes in syntax and morphology of language and a better vocabulary.
The content of the story had episodes in detailed description of pictures and
persons and children tended to involve other senses in their writing (What the
hero was looking like, what was heard at a moment). Especially, to children with
a low assessment the results show that senses can help a better linguistic result
in terms of a multisensory education by introducing smelly books to young

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readers and writers. Plot, persons, places, time and incidents of the story were
examined in particular items of the children’s language. In many ways,
expressions of the children were borrowed from the stories we worked at the
first three months of the experiment.

Examples of children’s language at children’s discourse analysis

“The bird had the glance of the grass as it smells early in the morning moist”
(Andreas 9).

“The firefly donated to the hot air a scent of freedom. When the prisoners in the
cave smell it; they escaped before they put in a tomb their chains of slavery and
promised each other to live happily ever after” (Sophia 10).

“Get out of here you stink as a badger (8, Marissa)


-But I am a badger/ Can you tell me how it smells?..” (Orestis 10).
“The sun smells like a lemon” (8, Maria)

“The hawk smelled the fear of the bee and helped her find the treasure in the
precious egg- looking flower” (Alexandros, 9).

Discussion-Conclusions

1.From the above remarks and our experimentation with scents in class
it follows conclusively that olfaction is a sensation that probably contributes to
the realization of non-verbal communication. It relates both protecting the
individual from biological threats and secondly by developing psychological and
emotional bonds to what can be reflected to language communication whenever
scented literature is involved. It therefore appears that the smell can be availed
in various communication environments and diverse circumstances. As
mentioned in section to flavor space, materials and body, already the production
and use of chemical olfactory stimuli has to get well in everyday life consumer
consciously contributing under the merchandising, the marketing and
promoting over-consumption and therefore profit.
2.The smell is involved in trade marketing, is a fundamental component
of interpersonal relations, signing agreements, politics and diplomacy, the fun,
the desire of residence or stay in a certain room etcetera. It can be an
educational good and an artistic clue between the child and the book at school
settings.
The smell is so heuristic in its function that it could be effectively utilized
for better adaptation to diverse environments and even in places where many
people come together, such as public services, hospitals, asylums, etc. Could
be harnessed systematically and in education either as a reinforcing agent in
the context of sensory acquisition of knowledge or as a means of recruitment
deodorant reasons for addressing odor which creates positive feelings and
therefore attracts the children in the area of learning and education, if
configured right communication environment.
3.It could finally be used more systematically and in the space of bodily
hygiene, aesthetics, educational and cultural areas, in health more widely read
in conjunction with the application As we saw above, more and more research
in this area highlight the psychosomatic therapeutic and intelligence effect of
perfume, especially natural, this can both blow off student’s stress and to create
a sense of security for children in learning environments. Spearheading the new
initiative as a strategic partner is experimental psychologist Professor Charles

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Spence (2007) who runs the Cross modal Research Laboratory at the University
of Oxford. Toby Hoare, CEO of JWT Europe called sensory marketing
“something different and increasingly relevant”. Professor Spence worked with
JWT to evaluate and develop a multitude of sensory marketing implementations,
including tactile packaging design, color choice, scent and sound/music. Our
opinion is that such an experimental use could be a teaching strategy of
language and literature approach. Spence has consulted for Unilever, Toyota,
Starbucks, VF Group, and Nestlé, on multi-sensory design, branding, and
communication. Some of Spence’s previous work has focused on designing
foods to optimally stimulate the senses and the effect of indoor environment on
people’s mood, performance and well-being. He has also investigated cross-
modal ideas, where sensory input is associated with an entirely different sense.
For example, one of his lectures asked “Are lemons fast or slow? Is carbonated
water round or angular?” Universally, people tend to answer that lemons are
fast and carbonated water is angular, as they associate the taste with other
sensations, (speed or shape). The Hello Kitty products, and as a scented book
is only an example: An industry of books and other products for children have
been produced. We find advertisements that call children to “Just touch the
surface of the spine of each chunky board book to release the cherry scent”.
(http://smellessence.wordpress.com). Scratch and sniff as a hand-made book
prepared from teachers is also an example. The scratch and sniff project of
reading classrooms could be an experiment for many schools.

The study’s sequence in 2016

In our example, we involved two groups of children of the same age (8-
10) and we asked children to retell a story first, when smells in the room were
not involved and after when favorite odors were used for exactly the same
procedure with the same children and similar stories in vocabulary, complexity
of episodes, number of characters and length of sentences. Stories were of the
same difficulty and the only parameter that changed in the procedure was that
of the odor involvement. Favorite odors were selected before in a process of
interviewing them and children had the chance to try perfumes in order to select
the three favorite ones. An otolaryngologist also checked problems of detecting
smells with the group of study.

Study’s limitations

Limitation of the study as well as of the experimentation was the


possibility of health problems such as allergies to scents or anosmia, (which can
be detected at the scent of Moschos/musk at 10% of population that shares the
problem), a phenomenon related to human capacity to interact with scents,
children having health problems temporarily with making sense of smells;(such
as a common cold, a flu). Anosmia can be caused by either strong or head injury
or even from virus infection (Crawford & Sounder, 1995. Gillyatt, 1997). Gender
is also a factor that creates differences in olfactory ability of people. Girls are as
our research has shown but and others, too more sensitive to odors and
therefore exhibit greater olfactory ability which can perceive even the impending
danger from natural disasters (Ackerl et al., 2002)
The use of smells in our study turned to be an alternative advantage with
children that have a physical skill in recognizing scents or they are socially
aware of scents in the environment from the very first years (This can be proved
from parents’ interviewing of family habits in cooking, cosmetics and the
importance of scents in their discussion)

19

More Results

Children’s scent awareness can prove to be an advantage for the case of


using odors in reading books at school but not with children with a problem in
the function of smelling temporarily or not temporarily. This means that can be
used as an alternative method of learning but not as the only one at the same
time. Odors and children’s memory was checked a month after the first
application of the experiment: It became clear that scents are important for
children in order to demonstrate what happened in a story and remember
person, plot, places or time incidents. Although, it is not clear how gender and
children’s previous engagement in scent issues influence their language
communication while representing a smelly story, it is true that they prefer
smelly story- books rather than non-smelly as they told us (56 from the 60
persons), and they are more involved in stories that denote or express scents
in storytelling or writing for children (54 persons).

Suggestions-Discussion

Smell essence is a typical leading publisher of “scented” books for


children that are fun, engaging and encourage children to read. This new and
exciting technology involves children in the story, as we noticed and allows them
to interact with the books on a multisensory level. Children love books that
make them laugh and yet will subtly take them on a journey.
The Fabulous Scented Books range, using certain patented technology to
engage and educate children is another suggestion of working literacy through
the senses in class. Some funny stories with a character named Theo, the little
dog which loses his family is a book example as a global teaching tool. The book
“helps” the dog finds his sense of smelling so as to find the family and pictures
help in this procedure as an activity book for children. Hyde wrote a series of
six books, beginning with Mo Smells Red. Her latest is Mo Smells Pink, in which
the dog, Mo, smells pink grapefruit bubble bath and pink peppermint ice cream,
among other pink things. She tried to use scents that would be safe and
hypoallergenic for children, and she settled on essential oils. The oils are
dispersed in a “Press 2 Smell” technology developed by Hyde that holds the scent
until pressed. Each scent can be pressed up to 150,000 times. This example
showed us that in a different culture these attempts can be used adapted to the
cultural influences of the teaching strategies and environment.
In addition, to the general children’s market, our study agrees with the
suggestion that the books have had a great reception from learning disabled
and autistic children. Research has shown that they react very positively to
multi-sensory experiences and are able to learn better when more senses are
used1.
Although there are no smelly books in all languages and cultures,
teachers can create as teaching tools hand- made storybooks with culturally
and geographically common smells or select their alphabet of which smell
reminds us each letter of the alphabet.
The area which we introduce and encourage is rather a new in
educational experimentation in Greek Schools and the educational tools which
help children summarize or recall a story from the smell that reminds a plot or
certain episodes of a sequence in a storyline. We assume that there are
probably as many alphabets of odors as the cultures and each one of us can

1
See also: //scentmarketingdigest.com/2011/07/13/author-debuts-scented-childrens-books/smells

20

affect in creating such a production. Publishing for authors and teaching for
educators their own Scratch and Sniff Smelly Book is a step away of searching
what the works in children’s memory when other strategies of remembering
certain details of a cognitive procedure collapses as a methodology. We suppose
that our world would probably be a poor world, if there were not teaching
activities without a possibility of a smelling world.
Educators and language researchers can think of all the wonderful
“smells” associated with preparing, cooking and eating food. Children as
students or just as explorers of language, especially the younger writers, can
add scented ink to the books if they teachers are aware and willing to try what
really works in learning language in multisensory terms of memory and
cognition. The more senses we use the more real the experience is, as the
pedagogy-father Friedrich Froebel encouraged educators since 1800 for using
children’s play as a freedom to learn, (Liebschner 1992). Humans have four
genes for vision, whereas there are 1,000 allocated to smell, which means we
have the ability to play with this opportunity and differentiate more than 10,000
combinations of smells. This information adds ideas at the process of searching
for teaching methodology and applications in class. Perhaps, a children's
scratch and sniff book, cookbook, holiday book, gift book, textbook, promotional
book, new product announcement, wedding books, travel book, or many other
creative ideas can help educators search how memory works in learning from
their experience with the children. Sniff products and book creations are often
designed as the most powerful of the five human senses in marketing as a home
hobby of reading books and in education as a teaching methodology of sensory
language items2.

REFERENCES

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2
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21

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E-references

http://www.theguardian.com/books/booksblog/2012/mar/20/autumn-
publishing-scented-books)
http://smellessence.wordpress.com
http:// scentmarketingdigest.com/2011/07/13/author-debuts-scented-
childrens-books/smells

22

Os aromas da criança, da memória e dos livros infantis:
perspectivas alternativas em cultura e metodologia de ensino3
Smaragda Papadopoulou
Departamento de Educação Primária
Universidade de Ioánnina - Grécia
smpapado@cc.uoi.gr

Resumo
Este estudo reflete sobre teorias e práticas de livros perfumados/ aromatizados
como um fato que poderia dar novas perspectivas na escrita para crianças e na
criação de livros infantis. Esse impacto pode ser uma ferramenta metodológica
alternativa para o aprendizado infantil na escola. O aroma tem uma taxa de
retenção muito alta no processo de aprendizagem que influencia a memória de uma
história, o impacto na imaginação e a experiência das crianças no mundo todo. Este
valor esquecido nos livros escolares pode ser reexaminado por especialistas. Livros
perfumados como uma estratégia de ensino e uma ferramenta metodológica revelam
como as crianças podem representar memórias e se expresser, efetivamente, em
uma aula de línguas com a ajuda do uso de livros aromatizados. Em nosso estudo,
esperávamos que as crianças se lembrassem dos pontos principais ou essenciais,
como linhas mestras de enredos de histórias quando os aromas estivessem
envolvidos entre a criança e o livro. A literalidade do perfume no livro infantil e a
indústria do e-book se referem como componentes teóricos em nosso estudo e são
descritas em detalhes. É verdade que a civilização custou às pessoas um sentido
valioso. Um alfabeto do nariz também pode organizar as coisas em diferentes
perspectivas para crianças pequenas.
Palavras-chave: Livros infantis perfumados, Ensino, Linguagem

Abstract
This study reflects on theories and practices of scented/smelly books as a fact
which could give new perspectives in writing for children and creating children’s
books. This impact can be an alternative methodological tool for children’s learning
at school. Smell has very high retention rate in the learning process that influences
the memory of a story and the impact to children’s imagination and experience in
the world around. This forgotten value at school textbooks can be re-examined from
specialists. Scented books as a teaching strategy and a methodological tool reveal
how children can represent memories and express themselves effectively in a
language class with the help of using smelly books. In our study, we expected
children to remember the main or essential points as a bottom-line of story plots
when scents were involved between the child and the book. Perfume literacy in
children’s book and the e-book industry refer as theoretical components in our
study and are described in detail. It is true that civilization has cost people a
valuable sense. A nose alphabet could also arrange things in different perspectives
for young children.
Key words: Scented children's Books, Teaching, Language

Cheiro (…) é um fenômeno altamente elusivo. Odores,


diferentemente das cores, não podem ser nomeados –
Pelo menos não nas línguas européias. "Isso cheira
a…", nós temos de dizer quando descrevemos um odor,


3Texto traduzido do original em inglês The Scents of the Child, Memory and Children’s Books: Alternative
perspectives in culture and teaching methodology, por Fernanda Lemos de Lima.

23

tateando para expresser nossa experiência olfativa por
meio de metáforas. Nem podem os odors ser
registrados: não há um meio efetivo nem para capturer
aromas ou guardá-los ao longo do tempo. No âmbito da
olfação, nós devemos nos contentar com descrições e
lembranças." (C.Classen, D.Howes &A. Synnott,
Aroma: The cultural history of smell, UK: Routledge,
1994, p.3)

Introdução
Em comparação com outras funções, as pessoas dependem muito
pouco do cheiro. Preferimos limitar-nos a perceber o mundo com a ajuda
da visão e da audição, enquanto atribuímos a cheirar um papel
secundário, por exemplo, não o usar para encontrar o nosso caminho,
nem para identificar os inigualáveis. No entanto, os bebês reconhecem
sua mãe pelo cheiro e os adultos têm noção subconscientemente do
cheiro esquecido que, de repente, entra nas narinas e podem invocar
memórias e emoções intensas.
Cientistas tentaram decifrar o alfabeto dos odores. A descoberta
dos receptors de odors impulsionaram muitas novas investigações
relativas ao sentido do alfato em mamíferos. Quando os esducadores
tentam colocar esse conhecimento na vida cotidiana das crianças na
escola, muitas experimentações podem ocorrer (Ferrero et al, 2011).
Trazer à luz os segredos do cheiro, recentemente, uniu
pesquisadores Americanos do Medical Institute Howard Hughe, da
Harvard University, em colaboração com colegas japoneses do Life
Electronics Research Center em Amagasaki. Ao investigar como o nariz –
que tem um número relativamente pequeno de receptores de odores
(proteinas as quais são encontradas em certas células do epitélio da
cavidade nasal e que “capturam” as moléculas que ali chegam) – é capaz
de reconhecer e distinguir milhares de odores diferentes, a professora
Linda Buck e seus colegas decodificaram o mecanismo do cheiro. De
acordo com um artigo de pesquisadores no jornal “Cell”, o sentido do
olfato nos mamíferos é baseado em uma abordagem combinatória de
identificação e regitro de odores. Isto é, ao invés de correponder a um
receptor olfativo para cada odor, o sistema olfativo utiliza um “alfabeto”
de receptores para criar a identidade do cheiro que é percebida pelo
cérebro (Buck & Axel, 1991).
Como explicou a Sra. Buck, “qualquer recipiente usado várias
vezes para fixar um odor, assim como as letras usadas, na maioria das
vezes, para formar palavras diferentes. Do mesmo modo em relação ao
idioma, o sistema utiliza nossas combinações de receptor olfativo (as
combinações correspondem a palavras) de modo a reduzir o número de
receptores (letras), que são necessários para produzir uma ampla gama
de odores, (vocabulário)”.
A criação de códigos resultantes da combinação de unidades mais
simples não é desconhecida na natureza. Das quatro “letras” do código
genético, (A - adenina, T - timina, G - guanina e C - citosina) é formado
um número infinito de sequências de genes. No entanto, esta é a primeira

24

vez que se demonstra como as células nervosas que compõem o sistema
olfativo de mamíferos usam a mesma abordagem. A entrada dos milhões
de células sensoriais no nariz cria um padrão elétrico nos bulbos
olfativos, os quais atuam como uma estação de comutação. A partir disso,
as mensagens contendo informações de cheiro codificadas são
transmitidas para várias partes do cérebro. Muitas das vias nervosas
levam ao lobo temporal, que armazena memórias, enquanto outras se
conectam com as partes mais antigas do cérebro que lidam com tráfico
de emoções, sexo, apetite e comportamento de sobrevivência. Sentimos o
cheiro de medo e outras emoções. Os pesquisadores estão discutindo
essa opção para identificar assinaturas genéticas nos neurônios
envolvidos em respostas ao medo. Se eles encontrarem assinaturas
moleculares únicas para esses neurônios específicos e se essas
assinaturas também ocorrerem em seres humanos, tais descobertas
podem levar a uma melhor compreensão dos distúrbios de estresse, como
distúrbio de stress pós-traumático e depressão. Buck percebeu e talvez
tenha apontado novos alvos para a terapêutica (2016). No futuro, isso
pode mudar tudo o que sabemos sobre a alfabetização das crianças, o
conhecimento humano e as interpretações dos livros infantis. Já há
evidências sugerindo que outros aromas, como o óleo de rosa, podem
bloquear a resposta do medo aos odores de predadores. A equipe de
pesquisa de Buck está atualmente trabalhando para descobrir os
neurônios que podem suprimir os hormônios do estresse e a resposta ao
medo em roedores (Kunio Kondoh, Zhonghua Lu, Xiaolan Ye, David P.
Olson, Bradford B. Lowell and Linda B. Buck in Nature. Published online
March 21 2016 doi:10.1038/nature17156).
Os dados etnográficos de como as crianças aprendem ilustram que
os termos dos cheiros têm uma semântica detalhada que toca em
construções culturais mais amplas. Ao contrário da visão generalizada
de que os idiomas não podem codificar odores, os dados Maniq mostram
que o odor pode ser um domínio semântico coerente, lançando assim
uma nova luz nos limites da linguagem (Wnuka & Majida, 2014). O
reconhecimento da existência do alfabeto permitiu aos pesquisadores dos
EUA fornecer respostas para questões práticas. Os cientistas observaram
que moléculas com fórmula química similar ativam diferentes
combinações de células no epitélio olfativo. Isso explica por que o octanol
cheira à laranja, enquanto o ácido octanóico cheira como doce. Do mesmo
modo, observa-se também que as concentrações aumentadas da mesma
substância desencadeiam uma maior variedade de células do epitélio
olfativo. Como apresenta a Sra. Buck, a romancista da ciência do odor
disse: "É uma questão de alfabeto". Essa noção nos inspirou a tentar uma
espécie de alfabeto de odor para crianças que aprendem a ler.

Criando o ABC do nosso nariz enquanto leitores

Desde a antiguidade e do filósofo grego Platão até algumas décadas


atrás, tem havido a crença comum de que a experiência de um cheiro é
impossível de se colocar em palavras. Entretanto, há estudos
confirmados pela observação de cientistas que se concentraram em

25

participantes de sociedades ocidentais urbanizadas. A pesquisa
intercultural sugere que pode haver outras culturas onde os odores
desempenham um papel maior tanto na aprendizagem quanto na
educação (Burenhult &Majid 2013, Fendt at al., 2016, Classen at al,
1994).
Nos últimos anos, a professora Linda Buck e colegas, apresentando
uma série de questões lógicas, desencadearam o emaranhado do cheiro,
culminando na descoberta do alfabeto. De acordo com um pesquisador
norte-americano, seu principal objetivo era investigar os mecanismos e
estratégias utilizados pelo nosso sistema olfativo para suportar os
cheiros. Graças aos seus esforços, podemos seguir agora o caminho do
odor do nariz até os centros nervosos do cérebro: como os aromas que
entram no nariz encontram o epitélio olfativo, uma linha de células que
se alinha na cavidade nasal. Estima-se que cerca de cinco milhões de
células nervosas olfativas estão localizadas no epitélio olfativo. Na
superfície de cada uma dessas células nervosas há apenas um dos 1.000
diferentes tipos de receptores olfativos. A contratação de receptores de
odor, portanto, ativa as células nervosas e sua transferência de sinal de
rolamento para outras células nervosas no bulbo olfativo (Buck 1991,
2016, Doty & Laing, 2003).
É uma estrutura cerebral que é o ponto focal para a percepção de
odores. A partir dai, o sinal viaja dos nervos para o córtex, que gerencia
os processos conscientes e os centros do cérebro, que estão associados à
criação de emoções. Isso explica por que um odor além de uma
informação real, é capaz de acordar e de emoções. Por exemplo: o cheiro
de leite quente provavelmente leva os adultos de volta à sua infância
(LeDoux,2012 Datta at al, 2011). Vale ressaltar que a estrutura das
células nervosas, nos diferentes níveis do sistema olfatório, é diferente.
Assim, o epitélio olfativo do nariz tem quatro áreas diferentes, cada uma
das quais são células nervosas aleatoriamente olfativas,
caracteristicamente, receptores olfativos. Em outras palavras, um
receptor olfativo encontrou apenas 25% do epitélio nasal, mas nessa zona
a localização é aleatória. Mas, em seguida, a informação de todas as
células nervosas olfativas, com receptores idênticos, fica concentradas
nos mesmos lugares no bulbo olfativo (Brookes at al 2007).
De acordo com Buck, a dispersão dos receptores no epitélio,
preservando o sentido do olfato nos casos em que uma parte dele foi
danificada (por exemplo, após uma infecção), e, ao mesmo tempo, a
convergência de mensagens de milhares de células olfativas, com os
mesmos receptores em certas partes do cérebro, aumentam a nossa
sensibilidade a baixas concentrações de odores e permitem a detecção de
odores, mesmo quando estão no ambiente em baixas concentrações.
Através de sua pesquisa que durou muitos anos, Buck pôde determinar
como o cérebro processou diferentes tipos de cheiros. Ela fez um retrato
de como funcionava o bulbo olfativo do cérebro. Em 2004, Buck e Axel
foram nomeados co-receptores do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina
“por suas realizações científicas com receptores odorantes e a
organização do sistema olfativo. Em 2008, Avery Gilbert nos fornece um

26

guia mais detalhado de informações sobre” O que O nariz sabe: a ciência
do cheiro na vida cotidiana ". (Gilbert, 2008).

O Estudo

Na sabedoria popular grega, o cheiro está associado a funções


mentais superiores, como a capacidade perceptiva e a compreensão. A
expressão alegórica grega “pegar alguém ou alguma coisa cheirando” (τον
πήρε µυρωδιά, το µυρίστηκε, ton pire mirodia, to miristike) confirma
caracteristicamente essa percepção. O cheiro “capturado” pelo nariz é o
sentido do orgão do cheiro, o sentido que protege o corpo de odores
nocivos, como gazes venenosos (Kratskin & Belluzzi, 2003). Na ilha de
Creta, na região mediterrânea, há uma expressão estranha, incomum
para o resto dos dizeres da Grécia, para expressar o verbo “eu cheiro" nas
palvras: “Eu ouço cheiros". Isso pode envolver um aspecto mais detalhado
do modo como outros sentidos, como o da audição, podem servir à
olfação.
A operação, embora considerada simples, é baseada na estrutura
especializada em capturar e transmitir, rapidamente, estímulos olfativos.
Especificamente, a partir da inalação na cavidade nasal, há a entrada de
moléculas aromáticas de vários odores dissipadas no ar. Moléculas
aromáticas estimulam a área peluda do corpo, que estimula os neurônios
olfatórios pulsados. Estes transmitem estímulos sucessivos no bulbo
olfatório, a partir do qual, os nervos olfativos viajam para diferentes
centros cerebrais, onde sua identificação é a de determinar as reações do
organismo a estes estímulos (Firestein 2001).
A memória humana tem a habilidade de gravar uma grande
quantidade de odores corporais, que guarda por um longo tempo,
organizando em agradáveis e desagradáveis-nocivos e conectando-os por
associação com incidentes da vida cotidiana, pessoas e ambientes. Isso
pode tornar a leitura da literatura e o envolvimento com cheiros uma
questão pessoal. A habilidade de cheirar é uma função normal (Kaiser,
2006).
Cheiros são componentes culturais de compreensãao do mundo
em torno de nós: referências históricas (Keller &Vosshall 2004, Burr
2003) emfatizam o uso de perfumes na antiguidade para perfurmar locais
de adoração ou salões. Referências, por exemplo, em adivinhação na
atmosfera sufocante do incenso ou das salas de funções, mistérios ou
simpósios em que as ervas de diferentes partes do mundo então
conhecido inundavam a atmosfera, estão nos textos de muitos escritores
da antiguidade. Como já observamos, os estímulos olfativos deixam
impressões mnemônicas fortes e duradouras. Na verdade, parece que os
ambientes explorados e eclesiásticos, onde o incenso é uma das
“matérias-primas dos cultos” implicam na frequência com que um aluno
pode gostar de ir à igreja. Como os aromas da igreja podem influenciar
na memorização do enredo e no quanto o leitor gostou da história? Pode
depender dos sentimentos do leitor pelo cheiro implícito na história e do
relacionamento do leitor com esse cheiro na vida real (Ferrero at al 2011).

27

Algo parecido acontece em todos os locais de culto, cristãos ou em
mesquitas e templos de todas as religiões, especialmente o antigo
Oriente, onde todos os sentidos são estimulados simultaneamente,
imediatamente após a entrada em tais espaços. Estátuas, pinturas,
beleza arquitetônica ou elaborados utensílios atraem a visão provocando
admiração. Sons melódicos prazerosos de ouvir, o aroma de incenso e
ofertas de flores com perfume intenso perfumam a atmosfera estimulante
de cheiro agradável. Ao mesmo tempo, a cobertura, pela sensação de
toque do pé descalço, cria sentimentos de hospitalidade, segurança e
calor. Finalmente, o senso de gosto agradavelmente estimulado quando
os crentes participam de um ritual de ação de graças excitante (Menashe
at al, 2003).
O componente cultural do modelo eclesiástico que revigora a
vivência de adoração em ambientes internos, reunindo, por um período
razoável, várias dezenas de crentes, parece vir sendo adotado hoje
também na maneira moderna de organizar o local de trabalho, o espaço
habitacional, as lojas comerciais e os livros infantis. A tendência da área
de revigoração de ambientes tende a se espalhar em lojas abertas,
serviços, etc. A longa coexistência de trabalhadores no mesmo local cria
inevitavelmente odores. Essa atmosfera não contribui positivamente para
o desenvolvimento de um quadro comunicativo saudável.
Um espaço de trabalho “fedorento”, por exemplo, desencoraja a
cooperação entre empregados. Algo similar pode ocorrer no ambiente
doméstico onde convidados podem contar as horas para sair. De modo
similar, um ambiente commercial ou bancário, como um loja de venda de
produtos ou agência bancária, pode repelir os consumidores,
possivelmente, porque eles irão associar a conotações negativas e a suas
experiências desagradáveis. (Schilling at al, 2010).
Especialmente para temperos, as fábricas desenvolveram uma
enorme indústria química com várias formulações de desodorantes
aromáticos para todos os gostos, pois observou-se que cada homem
expressa uma preferência diferente para um tipo particular de perfume
desodorante, o que, claro, ele escolhe. O mesmo se aplica à escolha do
tratamento de fragrância com odores corporais, como vimos acima.
É consenso o fato de que o odor está associado a algo saudável,
agradável, seguro e não nocivo à saúde e a emoções geralmente positivas,
em oposição ao mau cheiro que, geralmente, emerge de deterioração e
podridão. Assim, por associação, são o cheiro ligado à vida e o que emerge
da morte. Essa alusão explica porque a moderna indústria de sabores e
seus produtos mundo a fora são bem recebidos e extende mais e mais
seus bens de consumo. O sensor capta o cheiro de odores agradáveis que
se conectam com um passado alegre ou aceito como sem precedentes. De
alguma forma, os aromas sedutores funcionam bem; não só atraem a
atenção para suas fontes de emissão, mas também afetam o consumidor
comprador. Comercialmente, por exemplo, áreas de lojas são
aromatizadas enquanto as mercadorias mesmo emitem um odor. O
cheiro de roupas novas e sapato é típico. O cheiro, na seção de detergente
das lojas de produtos de limpeza ou desodorantes para qualquer espaço
ou objeto, é marcado com dezenas difusas de perfumes, ao mesmo tempo,

28

que são frutas, flores ou ervas de imitação química para todos os gostos.
No lugar da dieta diária, difundem odores naturais ou artificiais intensos
como produtos de amplificação do gosto, que está associado ao olfato.
Padaria e pastelaria, café, tabaco, gasolina, livros, jornais, cada um deles
emite um aroma natural único, um cheiro concentrado, que certamente
é mais forte na área de vendas de cada produto. Podemos prever o
sucesso de um livro nas vendas de seu odor? Esta pode ser uma das
razões pelas quais os leitores gostam de ler um livro de histórias,
especialmente na indústria infantil (Keller at al, 2007).
Cada espaço tem o seu próprio odor distintivo, dependendo dos
itens ou produtos que contém. É possível, em nossa opinião, que a sala
escolar possa afetar a disposição das crianças de ler histórias ou que a
escolar possa trabalhar nessa função. Cada homem ou cada casa cheira
de maneira diferente. Mas quão “diferente” é a atmosfera entre
açougueiros, pescadores, farmácias, hospitais, escolas, cafés,
bibliotecas, clubes, casinos, lojas de eletrodomésticos ou automóveis,
cabeleireiros, hotéis, postos de polícia, barracas, cantinas, restaurantes,
transportes? Há diferentes odores em qualquer espaço ou isso pode
ocorrer por conta da capacidade olfativa de cada um? Cientificamente,
nós propomos um número de questões cuja ciência moderna ou os
estudos de neuropsicologia guardam respostas mais esclarecedores e a
educação pode se valer delas, ou estimar essas evidências, em métodos
de ensino de um alfabeto emocional memorizável não visível – a
linguagem dos odores.
No setor da educação, a industria de aromas já penetrou,
buscando, evidentemente, vender e lucrar. Borrachas com uma
variedade de aromas agradáveis, canetas com cheiros de frutas, com
aromas de flores, conjuntos de escritório, etc. são alguns itens de
papelaria que atraem a atenção das crianças que “convencem” seus pais
a os comprar a despeito de serem úteis ou apropriados. No campo do
Mercado de engenharia elétrica, tenta-se, mas ainda não se consegue a
construção de televisões e computadores os quais, além de som e
imagem, emitirão odores, para que, desse modo, o epectador ou o usuário
possa experimentar uma realidade virtual multisensorial. Na indústria
automotiva, já se aproveitou do “poder aromático" para atrair os
interesses de consumo de consumidores para esse tipo de carro cuja
cabina é apropriadamente aromatizada para atender a preferência do
comprador. Esse uso do “poder aromático" é também utilizado de
maneira mais lucrativa em programas de aromaterapia, os quais
“vendem” fragâncias para o bem-estar mental, para o relaxamento físico
e alívio do stress diário (Roberts&Williams 1992).
Majoritariamente, seguimos os exemplos de cientistas mais velhos
que solicitaram a vinte e dois indivíduos que visualizassem frases
positivas e negativas após a exposição ao óleo de camomila ou ao placebo.
O óleo de camomila aumentou significativamente a latência para todas
as imagens e alterou as classificações de humor e os julgamentos de
freqüência em uma direção mais positiva, sugerindo um possível modo
de ação para esses óleos. Além disso, em outros casos, ao ler e memorizer
a trama, em experiências com crianças os, assuntos foram explorados e

29

as fragrâncias foram usadas para este propósito (Roberts & Williams
1992, Smith, 1992). Nós também tentamos usar histórias em que as
crianças pudessem estar interessadas e também apresentá-las em um
projeτο de jogo-treino de brincar na leitura de salas de aula.

Nossas hipóteses

1.Normalmente, o olfato pode ajudar crianças na memorização e


compreensão de uma história.
2.Cheiros podem ajudar a expressar um contexto narrativo detalhado.
3.Contos de fadas podem ter cheiros nas descrições e funções
caracteristicamente na Literatura Grega.

Nosso método

Ideias para engajar o sentido do olfato dos estudantes enquanto


eles exploram o mundo incluíram o Método Seguro de Cheirar ao "abanar”
um odor na direção do nariz com a mão, ao invés de se inalar diretamente
de algum pote. Esse método sensorial foi usado para detector odores
agradáveis para as crianças que participaram de nosso estudo. Esses
aromas foram incluídos em materiais de leitura através da contação de
histórias e a leitura e escuta de contos de fadas de dois modos: Cheiro
como uma presença física no ambiente/sala de aula e cheiro na
linguagem simbólica do livro ( história escutada ou lida).
Nós encorajamos crianças a contarem uma história sem o estímulo
dos cheiros e depois com ele. Desse modo, encontramos diferenças e
modificações em seus discursos (oral e escrito).
Outra pesquisa de como os cheiros funcionam em um típico contao
de fadas/ história folclórica de regiões geográficas gregas nos
proporcionou um material de ensino suficiente para o caso.

Duração do estudo

Três meses (de setembro a dezembro de 2014) e três meses para


testar a memória em relação a história por um período mais longo de
tempo (de janeiro a fevereiro de 2015).

Local

Sala de aula típica na qual nós usamos um dispositivo de


aromaterapia de acordo com os cheiros de que as crianças gostavam
(chocolate, baunilha, morango, tangerina, limão, maçã) e são conhecidos
como ferramentas auxiliares para o relaxamento, a concentração, a
memória (alecrim, gerânio, jasmim, rosa, neroli, ylang ylang). Antes de
cada sessão, nós abríamos as janelas para que o ar fresco criasse os

30

cheiros da memória em um primeiro nível e os odores das histórias, em
um segundo nível.

Descrição do estudo

Em primeiro lugar, havia apenas um cheiro vívido que estava


conectado a uma história. Crianças que tinham entre 8 e 10 anos, como
um grupo experimental de 60 pessoas, em comparação com o mesmo
número de um grupo na mesma escola, pareceram lembrar mais
informações com a presença de cheiros do que sem os cheiros (memória
de curta duração). Com o passar dos meses, eles lembravam a narrativa
de uma história de modo mais detalhado e rico, quando o cheiro estava
presente na sala de aula, o que nos deu a conexão entre a habilidade
verbal e a aplicação de um estimulante do sentido do olfato.
Nós também tentamos ver se a capacidade verbal era afetada na
escrita. Foi por isso que pedimos às crianças para escrever a história, ao
invés de nos contar. A escrita evolveu um número menor de erros
sintáticos e morfológicos da linguagem e um vocabulário melhor. O
conteúdo da história teve episódios com descrições detalhadas de
imagens e personagens e as crianças tenderam a envolver outros sentidos
em sua escrita (como o herói parecia, o que era ouvido naquele momento).
Especialmente, para crianças com baixo desempenho, os resultados
mostraram que os sentidos podem ajudam em melhores resultados
linguísticos, em termos de uma educação multissensorial, através da
introdução de livros com cheiro para jovens leitores e escritores. Enredo,
personagens, lugares, tempo e incidentes da história são examinados em
itens particulares da linguagem infantil. De muitas maneiras, as
expressões das crianças foram emprestadas das histórias com as quais
trabalhamos nos três primeiros meses do experimento.

Exemplos da linguagem infantil na análise da linguagem das crianças

“O pássaro tinha o olhar da grama quando cheira cedo na manhã úmida”,


(Andreas 9)

“O pirilampo dava ao ar quente o cheiro de liberdade. Quando os


prisioneiros na caverna o cheiraram, eles escaparam. “ (Sophia 10)

“Antes eles colocaram em uma tumba suas correntes de escravidão e


prometeram um ao outro viverem felizes para sempre. “

“Saia daqui você fede como um texugo (8, Marissa)


- Mas eu sou um texugo”/Você pode me dizer como isso cheira?..”
(Orestis 10)

“O sol cheira como um limão” (8, Maria)

31

“O falcão cheirava o medo da abelha e ajudou-a a encontrar o tesouro na
preciosa flor que parecia um ovo”. (Alexandros, 9).

Discussões – Conclusões

1. A partir das observações acima e de nossa experimentação com


cheiros na sala de aula, chegou-se à conclusão de que o olfato é uma
sensação que provavelmente contribui para a realização da comunicação
não verbal. Isso está relacionado à proteção do indivíduo de ameaças
biológicas e, secundariamente, ao desenvolvimento psicológico e
emocional ligados ao que pode ser refletido na linguagem de
comunicação, sempre que uma literatura aromatizada esteja envolvida.
Parece, portanto, que o cheiro pode ser aproveitado em vários ambientes
de comunicação e circunstâncias diversas. Como mencionado na parte
sobre odores do espaço, materiais e corpo, a produção e o uso de
estimulantes olfativos químicos já se inseriu bem no consumo da vida
cotidiana, conscientemente contribuindo através da propaganda, do
mercado a da promoção do excesso de consumo e, portanto, do lucro.
2.O cheiro está envolvido no mercado comercial, é um componente
fundamental de relações interpessoais, assinando acordos, políticos e
diplomáticos, da diversão, do desejo de residir ou permanecer em algum
ambiente, etc. Pode ser um bem educacional e um guia artístico entre a
criança e o livro nas configurações escolares.
O cheiro é tão heurístico em suas funções que pode ser
efetivamente utilizado para uma melhor adaptação a diversos ambientes
e até em lugares em que muitas pessoas ficam juntas, como em
repartições públicas, hospitais, asilos, etc. Poderia ser utilizado
sistematicamente e, igualmente, na educação, como um agente de reforço
no contexto da aquisição sensorial de conhecimento ou como meio de
recrutamento de razões aromáticas para destinar um odor o qual cria
sentimentos positivos e, portanto, atraem as crianças na área do
aprendizado e da educação, se um ambiente comunicativo correto for
configurado.
3. Finalmente, poderia ser usado mais sistematicamente também
no espaço da higiene corporal, da estética, nas áreas educacional e
cultural, na saúde de maneira mais amplamente direcionada em
conjunto com ações. Como vimos acima, mais e mais pesquisas nessa
área destacam a terapêutica psicossomática e o efeito do perfume na
inteligência, especialmente o natural, isso pode tanto diminuir o stress
dos estudantes e criar uma sensação de segurança para as crianças, nos
ambientes de aprendizado. Liderando a nova iniciativa, como um parceiro
estratégico, há o psicólogo experimental Professor Charles Spence (2007)
que administra o Cross modal Research Laboratory da Universidade de
Oxford. Toby Hoare, CEO da JWT Europa chamou o mercado sensorial
de “algo diferente e cada vez mais relevante”. O professor Spence
trabalhou com JWT para avaliar e desenvolver uma multidão de
implementações do mercado sensorial, incluindo o design tátil de
embalagens, escolha de cor, cheiro e som/música. Nossa opinião é que
um tal uso experimental pode ser uma estratégia de ensino na abordagem

32

da língua e da literatura. Spence foi consultor da Unilever, da Toyota, do
Starbucks, do Grupo VF e da Nestlé, no que se refere ao design
multissensorial, estratégia de marca e comunicação. Alguns dos
trabalhos anteriores de Spence focaram no design de alimentos para
estimulação ótica dos sentidos e o efeito de ambientes fechados no humor
das pessoas, performance e bem-estar. Ele também investigou ideias
intermodais, em que um estímulo sensorial está associado a um sentido
completamente diferente. Por exemplo, uma de suas palestras perguntou
“Os limões são rápidos ou lentos? A água gasosa é curva ou angular? “
Universalmente, as pessoas tendem a responder que limões são rápidos
e que a água gasosa é angular, quando associam sabor a outros sentidos
(velocidade ou forma). Os produtos da Hello Kitty bem como um livro
aromatizado são apenas um exemplo: uma indústria de livros e produtos
para crianças foi produzida. Nós encontramos propagandas que dizem
para as crianças “Apenas toque a superfície da lombada de cada quadro
duro do livro para liberar o cheiro de cereja”
(http://smellessence.wordpress.com). Raspar e cheirar, como em um
livro artesanal preparado por professores, é também um exemplo. O
projeto de raspar e cheirar da sala de aula de leitura poderia ser um
experimento para várias escolas.

A sequência do estudo em 2016

Em nosso exemplo, nós envolvemos dois grupos de crianças da


mesma faixa etária (8-10) e pedimos às crianças para recontarem uma
história primeiro, quando o cheiro na sala não estava envolvido e, depois,
quando os odores favoritos foram usados para exatamente o mesmo
procedimento, com as mesmas crianças e histórias similares em
vocabulário, complexidade de episódios, número de personagens e
extensão de sentenças. As histórias apresentavam as mesmas
dificuldades e o único parâmetro que mudou no procedimento foi o do
envolvimento do odor. Odores favoritos foram selecionados antes, em um
processo de entrevista em que as crianças tiveram a oportunidade de
experimentar os perfumes para poder selecionar os três favoritos. Um
otorrinolaringologista também verificou problemas na detecção dos
cheiros com o grupo de estudos.

Limitações do estudo

Limitações do estudo, bem como da experiência, foram a possibilidade de


ocorrência de problemas de saúde, como alergias a aromas ou anosmia
(que pode ser detectada com o aroma musk em10% da população que
partilha desse problema), um fenômeno relacionado com a capacidade
humana de interagir com odores, crianças tendo problemas de saúde
temporários para se dar conta dos aromas (como em um resfriado comum
ou uma gripe). Anosmia pode ser causada tanto por uma forte lesão na
cabeça, quanto por uma infecção viral (Crawford & Sounder, 1995.
Gillyatt, 1997). O gênero é também um fator que cria diferenças na
habilidade olfativa das pessoas. As meninas, mas também outros, como

33

nossa pesquisa mostrou, são mais sensíveis a odores e,
consequentemente, apresentam uma grande habilidade olfativa, a qual
pode perceber até mesmo o perigo iminente de desastres naturais (Ackerl
et al., 2002).
O uso do cheiro em nosso estudo acabou por se tornar uma
vantagem alternativa com crianças que tem habilidades físicas para o
reconhecimento de aromas ou estão socialmente atentas aos aromas no
ambiente, desde seus primeiros anos (isso pode ser provado pela
intervenção dos pais em hábitos familiares no cozinhar, nos cosméticos
e na importância do cheiro em suas discussões).

Mais resultados

A consciência dos perfumes por parte das crianças pode se mostrar


como uma vantagem em caso de se usar odores em livros de leitura na
escola, mas não com crianças com problemas na função olfativa
temporários ou não temporários. Isso significa que pode ser usado como
um método alternativo de aprendizagem, mas não como o único em um
mesmo momento. Odores e memória infantil foram checados um mês
depois da primeira aplicação do experimento: ficou claro que os aromas
são importantes para que as crianças possam demonstrar o que houve
em uma história e lembrar de personagens, enredo, lugares e incidentes
temporais. Entretanto, não está claro como o gênero e a ligação prévia ao
tema dos aromas influencia a sua linguagem comunicativa ao
representarem uma história cheirosa, é verdade que elas preferem um
livro com história cheirosa mais do que um não cheiroso, como elas nos
disseram (56 de 60 pessoas), e elas se envolveram mais com as histórias
que denotavam ou expressavam aromas na contação de história ou na
escrita para crianças (54 pessoas).

Sugestões-Discussões

Smell essence é uma típica editora líder de livros "perfumados" para


crianças que são divertidos, envolventes e encorajam as crianças a lerem.
Esta tecnologia nova e excitante envolve crianças na história, como
percebemos, e lhes permite interagir com os livros em um nível
multissensorial. As crianças adoram livros que os fazem rir e, ainda, os
levam sutilmente a uma viagem.
O alcance dos Fabulous Scented Books, usando de uma tecnologia
patenteada para engajar e educar crianças, é outra sugestão de
alfabetização que trabalha através dos sentidos em sala de aula. Algumas
histórias engraçadas com um personagem chamado Theo, o cachorrinho
que perde a família, são exemplos de livros como ferramenta de ensino
global. O livro “ajuda” o cachorrinho a encontrar o seu sentido de olfação,
para que ele possa encontrar a família e as imagens ajudam nesse
procedimento como um livro de atividades para crianças. Hyde escreveu
uma série de seis livros, começando com Mo Cheira Vermelho. Seu ultimo
é Mo Cheira Rosa, no qual o cachorrinho, Mo, cheira uma espuma de
banho rosa toranja e sorvete rosa hortelã, entre outras coisas rosas. Ela

34

tentou usar aromas que poderiam ser seguros e hipoalergênicos para
crianças e ela determinou óleos essenciais. Os óleos estão disperses em
uma tecnologia “Aperte para cheirar” (Press 2 Smell), desenvolvida por
Hyde, que guarda os aromas até serem pressionados. Cada aroma pode
ser pressionado 150.000 vezes. Esse exemplo mostrou-nos que, numa
cultura diferente, essas tentativas podem ser usadas adaptadas às
influências culturais das estratégias de ensino e do ambiente.
Além disso, para o mercado geral infantil, nosso estudo concorda
com a sugestão de que os livros tiveram uma ótima recepção para
crianças deficientes em aprendizado e crianças autistas. A pesquisa
mostrou que eles reagem de forma muito positiva às experiências
multissensoriais e são capazes de aprender melhor quando são usados
mais sentidos4.
Embora não haja livros cheirosos em todas as línguas e culturas,
professores podem criar, como ferramentas de ensino, livros de história
feitos à mão, com cheiros cultural e geograficamente comuns ou
selecionar os seus alfabetos em que o cheiro nos lembra de cada letra do
alfabeto.
A área que apresentamos e incentivamos é bastante nova na
experimentação educacional nas escolas gregas e as ferramentas
educacionais que ajudam as crianças a resumir ou lembrar uma história
do cheiro que lembra uma trama ou certos episódios de uma sequência
em uma história. Acreditamos que, provavelmente, há tantos
alfabetos de odores quanto as culturas e cada um de nós pode afetar
a criação dessa produção. Publicação para autores e ensino para
educadores, a criação de seu próprio livro de raspar e cheirar é um passo
à frente para procurar o que funciona na memória infantil, quando outras
estratégias de lembrar certos detalhes de um procedimento cognitivo
desmoronam como uma metodologia. Supomos que nosso mundo,
provavelmente, seria um mundo pobre, se não houvesse atividades de
ensino sem a possibilidade de um mundo com cheiro.
Educadores e pesquisadores de línguas podem pensar em todos os
maravilhosos "cheiros" associados a preparar, a cozinhar e comer. As
crianças como estudantes ou apenas como exploradores da linguagem,
especialmente os escritores mais jovens, podem adicionar tinta
perfumada aos livros, se os professores estão conscientes e dispostos a
tentar o que realmente funciona na aprendizagem de linguagem, em
termos multissensoriais de memória e cognição. Quanto mais sentidos
usamos, mais real é a experiência, como uma pedagogia – o padre
Friedrich Froebel incentivou os educadores, desde 1800, a usar as
brincadeiras infantis como liberdade de aprender (Liebschner, 1992). Os
seres humanos têm quatro genes para a visão, enquanto que 1000 são
alocados para o cheiro, o que significa que temos a capacidade de jogar
com essa oportunidade e diferenciar mais de 10.000 combinações de
cheiros. Esta informação adiciona ideias ao processo de busca de
metodologia de ensino e aplicações em sala de aula. Talvez, um livro de
raspar e cheirar para crianças, livro de receitas, livro de férias, livro de
presente, livro de texto, livro promocional, anúncio de novos produtos,

4 Ver também: //scentmarketingdigest.com/2011/07/13/author-debuts-scented-childrens-books/smells

35

livros de casamento, livro de viagem ou muitas outras ideias criativas
possam ajudar os educadores a pesquisar como a memória funciona,
aprendendo através de sua experiência com as crianças. Produtos de
cheirar e criações de livros são muitas vezes concebidos como o mais
poderoso dos cinco sentidos humanos no marketing, como um hobby
doméstico de leitura de livros e na educação como uma metodologia de
ensino de itens de linguagem sensorial5.

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http://scentmarketingdigest.com/2011/07/13/author-debuts-scented-
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37


38

ESTUDOS DE HISTÓRIA E CULTURA MATERIAL

39

A presença de Dioniso nas taças de vinho kylikes decoradas com grandes
olhos monumentais do período arcaico dos gregos

Maria Regina Candido


NEA/PPGH/UERJ
medeiacandido@gmail.com

Resumo
O conjunto de vasos em terracota no formato de kylix detém a função
social de taça para beber vinho que, provavelmente, circulava junto aos
simposiastas nos banquetes. Acredito que ao final da festa as taças eram
depositadas no santuário do deus Dioniso. A aparência das kylikes que
selecionamos detém a peculiaridade de simular uma face devido à presença de
dois grandes pares de olhos.
Palavra-chave: kylix, Dioniso, Gorgona

Abstract
The set of pots terracotta kylix in the format has the social function of
glass to drink wine that probably flowed along the symposiasts at banquets. I
believe the end of the party it was deposited in the sanctuary of the god
Dionysus. The appearance of the kylikes that holds the peculiarity selected to
simulate a face due to the presence of two large pairs of eyes.
Keys words: kylix, Dionysus, Gorgon

A área de produção de artefatos em terracota para o transporte de


produção de grãos contou com a participação de imigrantes no qual o legislador
Sólon garantiu a alguns estrangeiros o acesso à categoria jurídica de meteco. A
medida visava incentivar determinadas categorias relacionadas às ofícios e
atividades especializadas como a produção de artefatos de cerâmica
relacionadas as trocas comerciais e mercantil (L.A. Molina, 1998:16). Neste
período Atenas emergiu junto a produção de cerâmica ática de figuras negras
em concorrência de qualidade com a cerâmica de Corinto como nos aponta os
artefatos encontrados nas regiões do Mar Negro e na Magna Grécia, ratificando
a relação da produção de cerâmica ática com vinho e azeite em troca de grãos,
madeira e metais.
Considero que tais ações foram fundamentais para que os artesãos
estabelecidos no território Ático expandissem suas criatividades e habilidades
manuais ao produzirem uma diversidade de artefatos de cerâmica em terracota
cujas pinturas foram designadas de vasos áticos de figuras negras cujo
processo de produção faz emergir a etapa dos vasos intermediários, os
bilinguais, chegando a perfeição dos vasos áticos de figuras vermelhas.
As imagens presentes neste universo iconográfico dos vasos de cerâmica
que integram a cultura material ática, do período arcaico, ainda nos chamam a
atenção e nos levam a busca de uma possível explicação para o seu significado.
40

Nosso interesse se pauta em tecer uma breve analise das imagens de vasos
kylikes/taça de vinho através do olhar do historiador em dialogo com o campo
da ceramologia e da semiótica da imagem. As kylikes analisadas foram
provenientes de oficinas de cerâmica localizadas fora do território ático,
identificadas com cerâmica local, e, buscavam reproduzir com perfeição as
modelagens de vasos e o estilo de pintura visando estabelecer a semelhança
com os vasos áticos de figuras negras. Acreditamos que os vasos identificados
como cup- eyes que integram a coleção do Corpus Vasorum Antiquorum de
Toronto6, Canadá. Embora, os vasos detenham procedência inserta, podemos
afirmar que compõem acentuada semelhança de reprodução dos modelos áticos
de figuras negras que circulavam no período arcaico pelo Mediterrâneo.
Este conjunto de vasos em terracota no formato de kylix detém a função
social de taça para beber vinho que, provavelmente, circulava junto aos
simposiastas nos banquetes e ao final da festa era depositado no santuário do
deus Dioniso. A aparência das três kylikes que selecionamos para analise detém
a peculiaridade de simular uma face devido à presença de dois grandes pares
de olhos. Na parte externa dos artefatos de cerâmica, podemos visualizar a
decoração de grandes pares de olhos desenhados com destaque para o contorno
dos olhos que deixam transparecer que os círculos que formam a íris e as
pupilas são distintos na combinação, variando nas cores branca, vermelha e
negra.
A imagem dos olhos ocupa toda a superfície externa do vaso, próximo a
borda da taça alguns exemplares apresentam traços semelhantes a
sobrancelhas. Todas as taças apresentam a inserção de uma figura entre os
olhos, algumas taças apresentam o desenho de nariz e orelhas. Entretanto, nas
peças de cerâmica analisadas por nós, não existem a simulação de nariz e
orelhas. A imagem externa da taça nos leva a supor que estamos diante de uma
misteriosa face de um ser muito próxima a figura humana. Na parte interna
desses três recipientes de vinho situada no fundo do medalhão visualizamos a
figura do ser mítico identificado como Gorgona cujo desenho também apresenta
diferença no contorno e no acabamento.
Antes de prosseguirmos com a nossa analise devemos informar que
vamos nos referir ao conjunto das três kylikes com grandes olhos como taça
com grandes olhos monumentais devido a característica marcante dos pares de
grandes olhos com pupilas em vermelho ou em negro. A pintura dos olhos detém
acentuada luminosidade, devido a cor branca, que expressa uma visão fixa para
o expectador que lança um olhar em sua direção. O estilo de pintura nas kylikes
do Tipo A detém a especificidade de ser um vaso do estilo bilingual decorado
com olhos monumentais. O modelo e o estilo têm chamado à atenção de
pesquisadores, pois possui uma vasta publicação que busca identificar a
motivação e o significado dos grandes pares de olhos pintados na parte externa
das taças. Alguns especialistas, com quem nos propomos dialogar, tem
analisado o estilo do vaso e sua curiosa decoração, identificando como eyecups,
coupe à yeux, copa a occhioni e por Augenschale, os termos demonstram que a
presença dos grandes olhos fizeram desse estilo de vaso um modelo singular e
marcante.


6 especificamente os Plates 35.1,2 com imagem de um cervo; 36.2,2 com imagem das Amazonas
e 37.1,2 com imagem de um casal de eromenos e erastés. A maioria dos museus detêm um
conjunto de vasos do tipo eyes cup.

41

Figura 01. Modelo de Kylix Tipo A eyes cup
desenho estilizado realizada pela autora.

Autores como H. Bloesch, Gloria Ferrari e Beth Cohen consideram que


modelo de kylix com grandes olhos foi muito comum em meados do VI século,
florescendo por volta de 540/530 a.C no território ático através do pintor
Exekias. O artesão produziu a taça de Monique cujo modelo elegante e singular
adquiriu popularidade entre os atenienses do período arcaico (D. Martens,
1992, p.284). O artefato de cerâmica detém a inovação dos grandes olhos
monumentais que se parece com o rosto de uma figura humana. A imagem
externa está associada à pintura localizada na região da alça da taça e o uso da
extensão interna decorada com figura do deus Dioniso.
De acordo com John D. Beazley o artesão Exekias parece ter assinado a
decoração de seis taças do tipo kylix e quatro taças Little Master (Beazley, 1986,
p.62). O modelo de taça/kylix do Tipo A conviveu com os vasos de terracota
denominado de taça de Siana cujo nome deriva do cemitério na região em Rodes
local aonde foram encontrados vários exemplares desse tipo de recipiente.
Observando a taça de Siana, podemos distingui-la do modelo anterior, Komasts
cups devido ao seu aspecto robusto, pelo fato de ter a base de sustentação mais
alto e borda mais larga, ambos detém imagens na decoração interna. A taça
identificada como Little Master, é uma tradução do Kleinmeisterschale, termo
alemão que faz referencia à pequena dimensão dos seus elementos decorativos
pintadas na pequena faixa estreita da parte externa do recipiente e no fundo
interna do vaso conhecido como medalhão.
Beazley afirma que um novo formato da taça conhecida como Tipo A,
surgiu no final do sexto século, deslocando a taça de formato Little Master. A
kylix do Tipo A tornou-se um novo modelo de taça sem a demarcação da borda,
de menor proporção quando comparada com os formatos de taças de vinho
anteriores. Por ser robusta e de base menor na proporção, esse modelo de taça
tornou-se uma inovação que transitou na Ática, no período da Tirania de
Pisístratos. A kylix do Tipo A foi contemporânea das inovações técnicas do
período, convivendo com o processo bilingual dos demais vasos e a emergência
da técnica de figuras vermelhas. Beazley complementa a informação citando
que a taça com grandes olhos monumentais, em sua maioria segue o modelo do
Tipo A (J.Beazley, 1986, p.63).
Para Didier Martens, foi a partir de 540 a.C que se desenvolveu em Atenas
o modelo de vaso de cerâmica, kylix do Tipo A, destacando-se devido a presença
dos grandes olhos monumentais como decoração externa. O autor considera que
este novo modelo provocou uma acentuada mudança estética que afetou
diretamente as oficinas de cerâmica situadas na região do Kerameikos em
Atenas no final do período arcaico. D. Martens concorda com Beazley ao afirmar
que a mais antiga kylix com esta peculiaridade trata-se da taça de Munique
assinada pelo artesão Exékias, considerado o responsável pela inovação em
Atenas (D. Martens, 1992, p.284).

42

Entretanto, as oficinas de cerâmica da região de Chalcis deixam
transparecer que contribuíram para a formulação dos vasos kylikes com
grandes olhos monumentais. As escavações na região de Vulci realizadas por
Eduard Gerhards junto com as analises das inscrições de Adolf Kirchhoff (1863)
reconheceram que o alfabeto impresso nos vasos era da região de Chalcis (J.R.
Merten,2010, p.94). Segundo, Joan R. Merten, Chalcis se destacou como um
importante centro de produção de vasos de cerâmica situado na região da
Eubeia cuja produção era exportada para a Magna Grécia, mantendo conexão
com a região da Ampuria na Espanha e Marselha na França. Parte da
historiografia considera que a taça com o modelo de decoração dos grandes
olhos circulou pelo mundo grego a partir da Magna Grécia e da Jônia (J.R.
Merten, 2010,p.95).
A pesquisadora Gloria Ferrari no seu artigo Eye Cup (1986, p.08) nos
informa que existem muitas kylikes decoradas com grandes olhos e que seguem
o mesmo estilo do pintor Exékias. Logo, devemos considerar a existência de
outros pintores áticos que seguiram o mesmo estilo na inovação proporcionada
pelo pintor Exekias assim como os artesãos das demais oficinas de cerâmica
local. O termo cerâmica local tem sido usado pelo pesquisador François Villard
no artigo Les céramiques locales: problemes généraux (1992) para designar a
produção de vasos efetuados em oficinas situadas em outras regiões fora do
território ático.
John Boardman nos informa que o uso de olhos para decorar vasos de
cerâmica pode ser detectado no período anterior, ou seja, no VII a.C entre os
pintores da Jônia, porém, a aplicação em vasos kylix do Tipo A, seria especifico
da Ática (J.Boardman, 1997, p.107). Ernst Buchor credita para a região de
Chalcis na Peninsula Itálica o processo de inovações dos vasos áticos, pois, o
modelo de taça de vinho detinha semelhança com as taças produzidas no
mercado da região de Chalcis. O autor considera que foi na metade do sexto
século que o novo modelo de vaso kylix e o novo tipo e decoração com grandes
olhos foram inseridos em Atenas. A transição ocorreu a partir da oficina
ateniense do artesão Ergotimos que produziu as primeiras taças com imagens
de Sátiros, Dioniso e as Menades (E. Buchor, 1921,p.100).
Ao interagirmos com a vasta historiografia sobre os artefatos de cerâmica
de estilo eyecups nos deparamos com profícuos debates sobre o significado dos
grandes olhos. O tema detém uma diversidade de hipóteses e suposições os
quais nos propomos analisar e, ao final, expor o nosso posicionamento que
tende a apoiar o seu uso nos simpósios. De acordo com G.Ferrari, para
determinarmos o significado dos olhos, antes devemos definir o que são esses
olhos (G.Ferrari, 1986, p.11). A autora traz a hipótese de D. A. Jackson, no
artigo East Greek Influence on Attic Vases (1976), ao afirmar que os grandes
olhos seriam uma adaptação do olho egípcio, o Egyptian Udjat eye, como aponta
a imagem visual da taça Chalcidian contemporânea do modelo ático. A hipótese
tem como matriz a tese de A. Furtwanger ao comentar que a semelhança entre
a taça de Phineus com as taças Chalcidian (G.Ferrari,1986,p.11).
Em relação ao seu significado, devemos afirmar que, junto à literatura
especializada, tornou-se frequente creditar aos grandes olhos das kylikes do
Tipo A uma ação mágica, ou seja, os olhos tinham poderes apotropaicos, ou
seja, atuava contra qualquer sentimento negativo enviado ao dono da taça de
vinho. A tese do olho contra o mal olhado foi elaborada no século XIX a partir
das considerações de Otto Jahn no livro Über den Aberglauben des bösen Blicks
bei den Alten (1855) e ainda permanece como explicação na maior parte de
manuais e catálogos modernos (D.Martens, 1992, p.332). O poder apotropaico
dos grandes olhos monumentais tem sido defendido pelos scholars como

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Wilhelm Kraiker (1930), Dagobert Frey (1953), Gloria Ferrari (1986), Waldemar
Deonna (1965), entre outros.
Entretanto a tese foi questionada em 1972 pelo arqueólogo Michael M.
Eisman no artigo Are Eyes Apotropiac?, ao apresentar o tema na assembleia
geral do Archaeological Institute of America. Nesse artigo, o autor afirma que a
simulação dos grandes olhos monumentais nos vasos do tipo kylix integrou um
período de inovação de modelo decorativo de taças de vinho, suplantando a taça
de formato Little Master, sem nenhuma simbologia particular. O autor ainda
propõe banir do vocabulário da ceramologia o termo olhos apotropaicos e se
referir as imagens apenas como grandes olhos (M.Eisman,1972,p.210) que pra
nós seria grandes olhos monumentais.
Didier Martens valida a proposição ao afirmar que o desaparecimento
súbito da decoração oftálmica das taças/kylix do Tipo A, no período clássico,
permite-nos indagar que os olhos simulados faziam parte de uma estratégia
estética lançado pelos pintores ceramistas atenienses por volta de 540 a.C. A
novidade ganhou adeptos e extrapolou o território da Ática, pois o estilo foi
copiado e reproduzido nas demais oficinas de cerâmica fora de Atenas,
agradando principalmente os participantes de symposium e banquetes (D.
Martens, 1992, p.339).
Entre os defensores da decoração estética das kylix de grandes olhos
monumentais, Ernst Buschor considera a decoração com grandes olhos uma
inovação que contribuiu para animar o aspecto físico do recipiente de cerâmica
ao acrescentar os olhos, nariz e orelhas (E. Buschor, 1940,p.58). A partir dessa
premissa o pesquisador Didier Martens considera que as imagens decorativas
dos olhos monumentais seriam um ato de transgressão do artesão grego, ao
utilizar o efeito da curvatura do vaso como face e as alças da taça de vinho
assumem a impressão de orelhas.
Didier Martens traz o conceito de animação antropomórfica para designar
os vasos com grandes olhos monumentais (D. Martens,1992, p.290) O autor
afirma que trazer a animação aos recipientes de argila seria familiar aos
atenienses do VI ao inserir inscrições, sempre na primeira pessoa do singular
deixando transparecer que o vaso podia ver e também falar (D. Martens,1992,
p.291). A partir dessa suposição, o autor traz ao debate as pesquisas de
François Lissarrague no livro Um flot d’images. Une esthetique du banquet grec
( Paris,1988) e R. Laffineur no artigo Egrapsen: peinture et escriture em Grece
(Liege,1984), ambos catalogaram as inscrições de vasos do formato Little Mastter
que circularam pelos banquetes no período de 560-550 a.C. Os vasos com olhos
monumentais suplantaram esse modelo de taça, criando uma maior interação
com o usuário simposiasta ao promover a animação antropomórfica com a
decoração dos olhos na parte externa da kylix (D. Martens,1992, p.291).
François Lissarrague no artigo L’image au signe (2006) ratifica que a imagética
dos vasos áticos produzidos no VI ao V século deve ser vista como massivamente
centrada na figura humana. A representação do corpo humano ocupa todo o
repertório de vasos que pode ter a representação imagética de homens, deuses
ou seres míticos, pois para o pesquisador o antropomorfismo seria forma
dominante no final do período arcaico (F. Lissarrague, 2006, p.11).
O vaso de terracota kylix Tipo A da Coleção Sturge (Plate 35.1,2)7 faz parte
do Corpus vasorum Antiquorum de Toronto, Canadá. Embora, de procedência
desconhecida, o seu período ficou estabelecido entre 530 a 520 a.C, devido à
forma do vaso e ao estilo da decoração. O recipiente detém media profundidade


7O vaso inventariado com o nº 919.5.180 (C 343) foi restaurado na parte das alças e da
superfície: apresenta a borda de 21,5 cm de diâmetro e a base com 8,8 cm, o seu peso ficaria
entre 8.1 a 8.8 (CVA,Toronto,p.30).

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apresenta cores vivas com o uso do vermelho e o branco que marcam a
decoração oftálmica com dois grandes olhos na parte externa do vaso. Entre os
dois olhos, existe a figura de um cervo no Lado A e B; no fundo do medalhão
encontra-se a figura mítica da Gorgona com dentes brancos e língua vermelha.
A decoração dessa kylix C.V.A. de Toronto, Plate, nos aponta para uma
singularidade quando comparada com as demais taças que iremos apresentar
para analise. A taça de vinho, kylix, tem a pintura de um cervo entre os grande
olhos, fato que para nós pode indicar um exercício de experimentação do pintor
que usou como estilo a figura de animais da natureza para ornamentar a parte
externa do vaso. A decoração com animais segue o padrão de outros vasos
contemporâneo ao da taça kylix como nos indica o vaso phiale de fundo branco
proveniente de Capua, produzido em Atenas, cuja imagem está no catalogo
Greek Vases (D. Williams, 1999, p.66) e do medalhão do vaso Lip cup do pintor
Tleson que se encontra no catalogo Athenian Black Figure Vases (1997, figura
nº111) de John Boardman. A figura do cervo em movimento promove a
animação, a cena e fornece graciosidade ao vaso kylix acrescido da curiosa
imagem da Gorgona no medalhão.

Figura 2, Imagem da Gorgona


situada no fundo da taça Kylix
(tondo, medalhão) desenho
estilizado pela autora.

A figura mítica da Gorgona no fundo da taça, no medalhão da kylix


suscita o debate entre os pesquisadores que associam o interior do vaso com a
superfície externa do recipiente e creditam que os grandes olhos representam a
máscara da Gorgona que também detém poderes apotropaicos. Pierre Grimal
nos relata que das três Gorgonas, apenas a Medusa era mortal sempre
representada com cabeça rodeada de serpentes, tinham grandes presas
semelhantes ao do javali e asas de ouro que a permitia voar. O ser mítico tinha
olhos cintilantes e olhar penetrante com o poder de transformar em pedra tanto
os mortais quanto os imortais (P.Grimal, 2000, p.97). L. Hildburgh, no artigo
Apotropaic in Greek Vase Painting, deixa transparecer que a face da Gorgona
desenhada servia de proteção contra o mal olhado, inveja, ciúme e contra
praticas magicas, pois foram encontrados nas sepulturas etruscas uma
extraordinária quantidade de vasos pintados com grandes olhos e com a face da
Gorgona desenhadas no fundo das kylikes (L. Huldburgh, 1946,p.155).
O pesquisador Waldemar Deonna no livro Le Symbolisme de l’oeil
considera que os olhos na parte externa das kylikes seria a representação da
própria Gorgona. A imagem do ser mítico formaria com os grandes olhos uma
espécie de mascara (W. Deonna, 1965,p.113). Não podemos esquecer que o
aspecto da face da Gorgona leva o expectador a ficar diante da imagem do terror,
da encarnação do medo, do sobrenatural, fato que nos leva a questionar a
motivação de fomentar o horror no ambiente de banquete. Temos por suposição
que, ao final do banquete as taças de vinho, eram depositadas como oferendas
nos santuários. Talvez o simposiasta e portador da kylix, na condição de

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solicitante ao deus, tivesse por desejo fomentar o medo, amedrontar os
adversários ou espantar os inimigos em meio ao banquete.
A figura da Gorgona nos artefatos de cerâmica, por nós selecionados,
aponta para a execução de técnicas distintas, pois as imagens detêm diferenças
no contorno dos olhos e na disposição da língua, da barba e dos dentes. Quando
aplicamos o campo de experimentação comparada entre as figuras do medalhão
nas três kylikes analisadas por nós, com a Gorgona do pintor Lydos do catalogo
Athenian Black Figure Vases (Boardman, 1997, p.70), fica evidente a diferença
no traçado do contorno da figura e na qualidade do desenho que, embora deixa
transparecer as marcas da restauração do vaso, percebe-se a precariedade na
elaboração do ser mítico pintado no fundo do medalhão.
François Lissarrague considera que a figura da Gorgona no fundo do
medalhão teria como função atuar como imagem apotropaica (F. Lissarrague,
1984, p.159). O autor deixa transparecer que o ser mítico tinha por
incumbência proteger o dono da taça contra os malefícios do mau olhado.
Entretanto, devemos afirmar que poucos autores seguem a vertente de ser os
grandes olhos monumentais desenhados na parte externa do vaso como a
representação do ser mítico identificado como Gorgona.
Joan Boardman ratifica que as kylikes do Tipo A, com a decoração dos
grandes olhos monumentais, retoma a idealização de uma máscara de um ser
sobrenatural (Boardman, 1997, p.71). Os scholars C.Walter-Karidi (Samos
VI,1973), A. Greifenhagem (Antike Kunstwerke, 1966), B.A. Follmann (CVA
Hannover, 1971) definem os grande olhos monumentais como máscara do deus
Dioniso (G.Ferrari, 1986, p.11). A questão esta em identificar qual deus Dioniso
que está sendo representado nos vasos kylikes do Tipo A com a decoração de
grandes olhos monumentais. A pesquisadora Gloria Ferraz teceu esse
questionamento sobre os olhos monumentais nas taças kylix. A autora
questiona se eles apontam para a máscara do ídolo de madeira que integra o
ritual da Leneias representado pelo Pintor Villa Giulia ou os olhos monumentais
indicam para a máscara do deus Dioniso que faz parte das representações
dramáticas do teatro grego (G.Ferrari, 1986, p.12).
M. Paul Foucart, no livro Le Culte de Dionysos em Attique (1804,p.20),
atribui a existência de cinco cultos ao deus Dioniso e afirma que surgiram em
tempos e lugares diferentes, a saber: a divindade de Creta, a oriunda do Egito,
a cultuada em Tebas e a proveniente da Trácia. O autor acrescenta que o deus
Dioniso cultuado na Ática seria proveniente de um rito estrangeiro
(M.P.Foucart,1804,p.20), trazido por alguns migrantes que formaram um genos
no território ático. As informações de Paul Foucart nos levam a supor que o
deus Dioniso teria dois procedimentos de culto: um antigo e tradicional
proveniente de Creta, cuja materialidade está presente nas imagens dos vasos
do pintor Villa Giulia, e outro em processo de formação a partir das reformas de
Pisístratos e Clístenes. As mudanças econômicas e sociais proporcionadas pelos
dois políticos atenienses resultaram na emergência de atividades mercantis com
acentuado contato comerciais com regiões como a Trácia. Novos cultos e novos
deuses se estabeleceram no Pireu e tiveram a sua materialidade composta nos
vasos áticos de figuras negras e nos vasos bilinguais como as kylilkes do Tipo A
com grandes olhos monumentais. Retornando a nossa analise, observando o
desenho oftálmico nas taças, fica evidente o olhar frontal de uma face que fixa
de maneira intensa o expectador que o observa. A noção de olhar fixo e marcante
dos grandes olhos ocorre pelo uso de todo o espaço de curvatura externa do
vaso. No conjunto, a imagem externa do vaso atuou no imaginário grego que já
circulava entre os atenienses do período arcaico, ou seja, a figura de grandes
olhos do deus Dioniso cujo repertório imagético dominou o cenário grego no
periodo arcaico.

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A segunda imagem do CVA Toronto de nº 941.24.2 (Plate 37.1,2 )8 segue
o padrão de vaso kylix do Tipo A, do período de 500 a 490 a.C,, porém o vaso
detém uma inscrição identificada como “ Chiusi”, o vaso tem a presença de
imagens inseridas entre olhos. De acordo com a descrição trata-se da figura de
duas guerreiras Amazonas de corpo em posição frontal, em movimento para a
direita e olhar voltado para a esquerda, ambas portam escudos na mão direita.
Acompanham a Amazonas, um Sátiros nu, situado próximo ao lado esquerdo
da alça da taça e uma Ménades trajando um chiton longo, caminhando para o
lado direito, mas com o olhar voltado para o lado esquerdo, ou seja, ela olha
para a Amazonas. O mesmo cenário se repete no lado B do vaso kylix do Tipo
A.
Nosso questionamento se pauta em relacionar a figura das Amazonas ao
uso do vinho no banquete. O caminho possível de analise está em relacionar o
mito das Amazonas com o ser mítico do fundo do medalhão, ou seja, a Gorgona.
De acordo com a narrativa mítica, as Gorgonas formavam um grupo de
mulheres guerreiras semelhantes as Amazonas. Habitavam uma região nos
confins do mundo, a ilha de Atlantes, em disputa pela ilha, o local foi
conquistada pelas Amazonas que se saíram vitoriosas no combate com as
Gorgonas (P.Grimal, 2000, p.188). O fato dos personagens míticos na kylix
portarem fitas vermelhas deixa transparecer que festejam a vitória das
Amazonas sobre as Gorgonas. A ausência da procedência da kylix nos permite
supor que a taça de vinho fez parte de um simpósio de hetairas e que após
circular pelo banquete foi dedicada ao deus Dioniso em algum santuário da
região de Chiusi na Península Itálica.
Se o deus Dioniso mantém estreita relação com o teatro grego, os olhos
monumentais nos apontam para a máscara de Dioniso cuja tese emergiu com
Adolph Greifenhagem e Ann-Barbara Follman (D. Martens,1992,p.353). Ambos
defendem que os vasos ornamentados com grandes olhos representam as
máscaras do deus Dioniso e seus companheiros, ou seja, os Satiros, as Menades
e os Silenos. Os pesquisadores partem da antiga colocação que credita a Thespis
de Icaria a criação das máscaras usadas pelos atores/hypocrites no teatro grego
(D. Martens,1992,p.354). A historiografia nos aponta Thespis de Icaria como o
introdutor do primeiro ator e do uso da máscara nas representações dramáticas
do teatro em Atenas. Thespis atuava também como ator e pode ter usado as
máscaras para interpretar as peças xc, Priest’s, Bachelors e Pentheus, ao qual
alcançou a primeira colocação por volta de 534 a.C. (J.Phillipson,2013,p.638).
Acreditamos que a novidade do espetáculo deve ter atraído multidão que
buscava assistir as suas performances e que passou a transitar pelo território
ático. A cada vitória o dramaturgo responsável pela inovação deveria entregar
a premiação como oferenda no santuário de Dioniso assim como as máscaras
produzidas para o espetáculo.
O teatro grego tem como matriz o evento identificado como dithyrambo,
uma espécie de coral lírico cuja musica era acompanhado por um coro de
cinquenta homens ou jovens efebos que cantavam nos rituais em honra a
divindade relacionada ao cultivo do vinho. O termo dy thyrambo nos remete à
narrativa mítica do duplo nascimento de Dioniso. Na produção da dramaturgia
em Atenas, o coro reunia os voluntários, identificados como cidadãos,
integrantes legítimos da comunidade ao qual pertenciam e aptos para participar
do dithyrambo. Segundo Konrad H. Kinzl no artigo The origins and early history
of Attic tragedy (1980) a palavra dithyrambo pertence ao vocabulário grego


8 Refere-se a kylix com diametro de 19.6, base de 8.3., a taça se destaca pelos dois pares de
olhos monumentais e a inscrição “ Chiusi”.

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proveniente da Ásia Menor cujos autores mais remotos seriam Arion de
Methyna, Lasos de Hermione e Hypodikos de Chalkis (K.H.Kinzl, 1980:178).
Em Atenas, a inovação tem sido, tradicionalmente, atribuída a Thespis
oriundo do demos de Icaria, próximo a região de Maratona na Ática. Através da
supervisão de Thespis, o responsável pelo prologo do dithyrambo, cuja função
era anunciar os temas cantados pelo coral, passou a atuar na categoria de
ator/hypocrites (R. Flaceliere, 2009, p.110). Nessa função, com o advento da
máscara, o ator alcança a capacidade de atuar em diferentes papéis na
dramaturgia ao qual podia ser um deus, um herói ou um mensageiro.
Para Gloria Ferrari, a conexão dos olhos monumentais com a máscara
do deus Dioniso fica evidente nos vasos áticos das kylikes do tipo Chalcidian
muito semelhante ao formato e estilo ático. A autora analisou a imagem frontal
de Dioniso em dezoito kylikes com os olhos monumentais, em duas taças de
vinho com a imagem de Silenos e em seis ânforas com a face do deus Dioniso
como ornamentação (G.Ferrari, 1986.p.18). Acrescentamos a imagem de
Dioniso com olhos monumentais nos vasos gregos com representação frontal na
kylix no catalogo do Museu de Bolonha (Plate 16.1, 510 a.C), na ânfora do
Museu de Tarquinia (nº 1804, 520 a.C) e no lecytos exposto no Museu de
Palermo (nº 206.3, 490 a.C). Diante da popularidade da imagem do deus Dioniso
e da emergência da dramaturgia, acreditamos que não seria estranho que os
artesãos atenienses se interessassem pelo tema inovando a representação do
deus inserindo através da simulação de seu olhar na parte externa da kylix do
Tipo A.
As taças de vinho tinham como função social circular pelos banquetes
dionisíacos no qual a interação entre o simposiasta e o deus ocorria através dos
grandes olhos monumentais, que fixavam o expectador e os seus companheiros
de orgia. A taça com os olhos monumentais, em meio ao simpósio, tornara-se
um prosopon, termo usado pela pesquisadora Françoise_Frontisi-Ducroux no
livro Le Dieu-masque. Une figure du Dionysos d'Athènes (1991). Os olhos
parecem a simulação de uma mascara de Dioniso que através do enthusiasmo
se manifesta no usuário e participante do simpósio. Em meio ao vinho, o vaso
cria vida ao fixar o expectador que o observa, fato que leva John Boardman,
segundo D. Martens, a assinalar que o vaso com olhos monumentais induz o
expectador a terá impressão de estar diante de uma mascara, cuja impressão
ocorre no momento em que o simposiasta inclina a taça para beber o vinho,
nesse instante as alças do vaso passam a fazer parte das orelhas e o suporte de
sustentação do vaso deixa transparecer uma boca (D.Martens,1992, p.288).
Não podemos negar que a forma do vaso kylix do Tipo A, decorado com
olhos monumentais adquiriu popularidade entre os frequentadores dos
banquetes. Os grandes olhos têm suscitado várias suposições que vai desde
objeto apotropaico ou simples ornamento decorativo assim como a afirmação de
ser os olhos da Gorgona. Entretanto, vamos ao encontro de ser os grandes olhos
a representação da máscara do deus Dioniso, cuja circulação do vaso ocorria
nos banquetes privados. A sugestão se deve a presença do falo estruturado na
base da taça situado no Museu de Ashmolean, Oxford cuja imagem encontra-
se no catalogo de John Boardman (1997, p.22). No interior de parte das
taças/kylikes do Tipo A, no medalhão encontra-se a imagem frontal da Gorgona
em meio a um simpósio.
Podemos afirmar que as kylikes do Tipo A detém algo em comum, ou seja,
o fato de participar do lazer, circular pelas mãos dos simposiastas, exercendo a
função social de servir vinho e interagir com os convivas do banquete. Não temos
como negar a presença do lúdico, do jocoso presente nos vasos gregos, ao qual
incluímos as imagens que decoram as kylikes do Tipo A. Diante da relação das
kylikes com o vinho e o deus Dioniso com o teatro, o pesquisador Alexandre G.

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Mitchell traz a argumentação de que as kylikes com grandes olhos
monumentais formam um conjunto de objetos cômicos a fazer parte do universo
dos simposiastas e frequentadores dos banquetes. O autor defende a tese no
livro Greek Vase-painting and the Origins of Visual Humor (Oxford, 2009) ao
argumentar que o conjunto de imagens jocosas e lúdicas que compõem as
kylikes do Tipo A decoradas com olhos monumentais na parte externa da taça
tem por finalidade fazer rir o expectador do banquete que a observa (A. Mitchell,
2009, p.41). Mitchell considera que a atribuição de imagem apotropaica para os
grandes olhos monumentais deve ser abandonada (A. Mitchell,2009, p. 38), pois
os pintores, diante da liberdade de expressão, usam da transgressão das
normas sociais ao acrescentar imagens jocosas entre os grandes olhos
monumentais.
Ao lado do lúdico, podemos observar também a presença da sedução
como nos aponta a kylix do catalogo do CVA Toronto de nº 920.68.13, Plate
36.1,29. O vaso pertence ao grupo erótico denominado por Beazley de Group of
the Courting Cup. Esse conjunto de taças de vinho apresenta cenas de homens
seduzindo jovens efebos. No lado A e B da taça de vinho, temos como cena de
um casal masculino nu em atitude de corte realizada entre um efebo imberbe e
um jovem homem adulto. O jovem rapaz porta uma fita vermelha amarrada na
cabeça e o homem adulto tem cabelos avermelhados e atitude ativa. No lado B
do vaso, o jovem do lado direito parece carregar uma fita branca na mão direita.
A cena denota uma relação de pederastia ocorrida no ginasium, na qual o
homem adulto em atitude ativa na condição de erastes, deixa transparecer a
intenção de tocar os órgãos genitais do jovem efebo que está de pé e do lado
direito na condição de eromenos.
O ritual de aproximação entre um homem adulto e o efebo atuava como
educação complementar do jovem em processo de formação e aquisição da
cidadania. A relação era marcada pelo rito de passagem, materializada pelos
presentes ofertados ao jovem como a armadura de guerreiro, o animal para o
sacrifício aos deuses e uma taça/kylix na qual simbolizava a sua admissão nos
banquetes. Os presentes fazia parte do processo ritual de aquisição da
cidadania, segundo Robert Aldrich (R.Aldrich, 2002:16) e tinham por finalidade
ratificar e garantir a relação de pederastia entre o jovem efebo e o homem
adulto. Na condição de erastes e sedutor, o homem adulto garantia três
aspectos cruciais para o jovem e futuro cidadão, a saber: a panoplia para a
guerra, o galo/lebre como animal de sacrifício (símbolo da virilidade e
fertilidade) e a taça de vinho/kylix visando propiciar a participação em
banquetes e simpósios.
As cenas de pederastia nos vasos gregos demonstram que o ato fazia
parte da vida cotidiana dos integrantes da aristocracia guerreira, os agathoi
andres, em geral ocorria no local de treinamento/gymnasium para os jogos
atléticos. Marc Golden considerou-a como parte integrante da instituição grega
voltada para o processo educativo e de transição do adolescente para a categoria
de homem adulto (M.Golden, 1984:309). O erastes atua como suplicante na
busca do prazer quando segue, persegue o jovem amado/paidika expondo o seu
afeto e carinho. Através das imagens de outros vasos com cenas semelhantes,
ratifica-se a conotação erótica que circulava nos banquetes. As cenas expõem
as intimidades entre o casal como o ato de segurar o queixo para um beijo assim
como a direção dos dedos para tocar a genitália do jovem efebo.
A educação do jovem ateniense ocorria no espaço físico do gymnasium,
local ao qual podemos afirmar ser a escola de formação educacional de homem

9
Com data aproximada de 520 a.C. com diâmetro de 21.2, base de 8,7, de procedência
desconhecida.

49

grego, que integrava a aristocracia, e do estabelecimento da relação social entre
adolescentes e adultos. A maioria dos homens e jovens bem-nascidos de Atenas
passava grande parte de seu tempo livre em ócio, envolvidos em atividades
físicas cuidando do aprimoramento do corpo e de reflexões intelectuais visando
a formação do caráter do cidadão grego.
A palavra gimnasium deriva do termo gymnos que significa estar nu, o
local tornou-se oportuno para olhar e admirar a compleição física dos corpos
perfeitos dos jovens atletas. O mais belo corpo moldado pelos exercícios físicos
aguçava e despertava a energia erótica e o desejo do homem adulto que buscava
o contato físico e a realização de intimidades. O jogo da sedução despertado em
decorrente da beleza e jovialidade dos jovens efebos tendia para a realização de
intimidades sexuais registradas nos vasos.
Concluímos este breve ensaio, afirmando que as três kylikes do Tipo A
por nós analisadas e que integram a coleção do Corpus Vasorum Antiquorum de
Toronto, Canadá nos revela um período especifico da sociedade grega e seu
processo de produção e inovação de pinturas em cerâmica. Diante da ausência
de procedências dos artefatos, consideramos que os artefatos integram o
conjunto de cerâmica local cuja matriz seria as oficinas atenienses localizadas
na região do Kerameikos. Sabemos que em Atenas, a produção de cerâmica
ática integrou os procedimentos políticos, sociais e econômicos como nos
aponta a atuação de Sólon. O legislador contribuiu para estabelecer contatos
econômicos mais próximos com as regiões do Mediterrâneo. Pisistratos
promoveu a inserção de novos segmentos sociais que impulsionaram a
emergências de novas categorias e ofícios sediadas no espaço urbano. Clístenes
ratificou as mudanças através de sua reforma politica que resultou na formação
do conceito de cidadania ateniense. Enfim, um longo processo de mudanças
que podem ser cotejadas através dos vasos áticos modelo kylix Tipo A estilo
figuras negras.
Diante de suas inovações e singularidades, a cerâmica ática tornou-se
rival e concorrente da produção de Corinto durante o período arcaico. A inserção
do modelo kylix do Tipo A decorado com grandes olhos monumentais alcançou
acentuada repercussão neste período. Entretanto, no final do VI século, a
técnica atinge o seu limite entre os atenienses, devido a inúmeras reproduções
realizadas pelas oficinas localizadas fora do território ático, identificadas como
produção de cerâmicas locais. A produção das kylikes de grandes olhos
monumentais perdeu espaço de consumo e a técnicas de figuras negras
passaram a ser produzidas em oficinas menores de pouca expressividade.
Entretanto, ao mesmo tempo, estava em curso o processo de experimentação
da nova técnica de pintura de vasos áticos identificados como estilo de figuras
vermelhas que conheceu a sua maturidade e expansão no período clássico.

Referências bibliográficas

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52

ESTUDOS DE LITERATURA, ARTE E CULTURA


53

O Surgimento da Retórica e sua Evolução até Aristóteles

Elisa Costa Brandão de Carvalho – UERJ


lcbrandao@yahoo.com.br

Resumo
Este artigo tem por finalidade traçar um panorama acerca do surgimento
da retórica, do seu desenvolvimento, da sua importância no cotidiano e
na educação do cidadão grego e da sua relevância na literatura da época.
Abordaremos, também, a sua evolução a partir do século V a. C. com os
sofistas até o advento de um tratado sobre retórica que, até hoje é o marco
nos estudos da arte de persuadir, Arte Retórica de Aristóteles.

Palavras-chave: retórica, oratória, persuasão, filosofia, logos.

Abstract

The purpose of this article is to outline the emergence of rhetoric, its


development, its importance in everyday life and the education of the Greek
citizen, and their relevance in the literature of the time. We will also address its
evolution from the century V a. C. with the sophists until the advent of a treatise
on rhetoric that, to this day is the mark in the studies of the art of persuading,
Aristotle's Rhetoric Art.

Keywords: rhetoric, oratory, persuasion, philosophy, logos.

Uma das principais características da sociedade grega era a


oralidade de sua língua. O grego precisava falar bem em seu dia a dia
para convencer o seu público e, desta forma, exercer sua cidadania
plenamente. A própria literatura grega tinha uma origem oral, o que a
torna mais evidente se examinarmos os diferentes gêneros literários. A
poesia dramática era feita para ser declamada ou cantada. A própria
filosofia, talvez, tenha tido sua origem em máximas populares e
cosmologias transmitidas oralmente, isto sem falar na oratória, que
evidentemente encontrava seu ápice na expressão oral diante de um
público. Por isso um dos principais interesses dos gregos era a retórica.
Mesmo em sua expressão escrita, toda esta literatura deriva muito
de seu vigor, de seus aspectos orais. Na poesia lírica, por exemplo, isto é,
particularmente nas diferentes preces e exortações que encontramos na
obra de poetas como Safo e Calino. Quando lemos hoje tragédias e
comédias áticas, é inevitável imaginar como seriam estas obras na

54

encenação, já que o nosso entendimento se baseia na obra escrita. Na
verdade, a retórica está sempre ligada à persuasão, a qual está presente
nestes diferentes gêneros. Devido ao papel exercido pela oralidade e pela
persuasão na sociedade grega, papel este que se reflete na própria
literatura, é natural que a retórica assumisse grande relevo na educação
dos gregos e, posteriormente, dos romanos. O aprendizado do bem falar
para persuadir era bastante extenso e tinha grande utilidade.
Dentro deste contexto é importante analisar a palavra grega para
discurso: lógos. Tal palavra tem uma vasta gama de significados,
assumindo, às vezes, até uma conotação mística. Na verdade, lógos tem
dentro do grego uma tríplice significação principal, significando palavra,
vocábulo, daí aglomerado de palavras, discurso, e finalmente conteúdo
do discurso, raciocínio. É este último significado que assume um valor
filosófico, motivando a tradução, feita por Cícero, da palavra lógos como
ratio. Há uma famosa passagem de Isócrates (Nícocles 5ss, reproduzido
em Antidosis 253ss) que assinala lógos como conceito básico da
civilização humana, já se distingue os homens dos animais.
Segundo a teoria tradicional, a retórica é dividida em cinco partes.
A primeira é a héuresis ou inuentio e trata do conteúdo dos discursos.
Nesta parte, se encontra a tradicional divisão aristotélica dos discursos
em três gêneros: o judiciário ou forense, formado de discursos
empregados em causas jurídicas perante tribunais; o deliberativo,
formado de discursos sobre causas políticas enunciados perante
assembleias; e o epidíctico ou demonstrativo, formado de discursos
sobre questões gerais enunciados perante um público não específico. N
a verdade, o gênero epidíctico veio englobar todos os discursos que não
encontravam lugar nem no gênero deliberativo nem no gênero judiciário.
A segunda parte da retórica é a táxis ou dispositio, a qual trata da
organização das diferentes partes de um discurso. As divisões básicas do
discurso são geralmente a introdução ou proêmio (prooímion, exordium),
a narração (diégesis, narratio), a prova (pístis, probatio) e o epílogo ou
conclusão (epílogos, peroratio). A terceira parte da retórica é a léxis ou
elocutio, a qual trata do estilo do discurso. A quarta parte é a memória
(mnéme, memória), a qual trata de expedientes mnemônicos para a
memorização do discurso. A quinta parte é a hypókrisis ou actio, que
trata do desempenho do orador durante a enunciação do discurso,
entrando aí, entre outras coisas, o estudo da modulação da voz e da
gesticulação.
Na Antiguidade houve uma vasta tradição de escritos sobre a
teorização da retórica. Apenas alguns destes escritos chegaram até nós,
mas mesmo assim podemos ter a visão bastante abrangente de um fio
contínuo da tradição retórica antiga que chega até os romanos,
encontrando nestes a sua expressão mais completa, através das
Institutiones Oratoriae de Quintiliano.
Através destes escritos retóricos podemos perceber que, apesar de
seu grande relevo na educação e na civilização da Antiguidade Clássica,
houve uma contestação à importância da retórica por parte de alguns
filósofos. Para bem entendermos esta contestação faz-se necessário
remontar até o movimento sofístico, surgido no século V a. C.. Os sofistas

55

foram os primeiros a ensinar a arte de falar bem para conseguir a
persuasão do ouvinte. Foram, portanto, os primeiros mestres da retórica,
e entre eles destacaram-se Protágoras e Górgias. Na verdade, o
ensinamento sofístico era relativista: nele todos os argumentos eram
válidos para defender uma causa, fosse ela boa ou má. Contra este
relativismo surge Sócrates que, através da dialética, busca definições
precisas e um padrão para uma verdade absoluta. No ensinamento de
Sócrates estariam os germes da doutrina platônica sobre a retórica,
contida, sobretudo, nos diálogos Górgias e Fedro. Platão desvaloriza a
retórica, afirmando que a dialética lhe é essencialmente superior. A
retórica, para Platão, não teria o estatuto de uma “arte” (téchne) e,
portanto, não é passível de teorização. As opiniões de Platão contra a
retórica são, de resto, bem mais acentuadas no Górgias que no Fedro.
Neste último diálogo, Platão reconhece até que a retórica existe e tem
alguma utilidade. Na verdade, as opiniões platônicas contra a retórica
não atingem apenas os pensamentos de seu mestre Sócrates, mas
também o desprezo essencial que Platão nutria pela forma de vida política
em Atenas, incluída aí a liberdade de palavra.
A reação contra as controvertidas opiniões socráticas e platônicas
acerca da retórica deu-se de imediato. Isócrates deu a Platão uma
resposta de caráter essencialmente prático. Para Isócrates, a retórica
tinha grande valor para o cidadãona medida em que era importante o
falar bem no cotidiano da vida grega. Já Aristóteles, discípulo de Platão,
deu ao mestre uma resposta teórica e filosófica. Embora em um diálogo
juvenil, intitulado Gryllus, Aristóteles tenha assumido por inteiro as
opiniões platônicas acerca do pouco valor da retórica, seu pensamento
evoluiu muito até a Arte Retórica. Esta começa logo com a seguinte frase:
“A retórica é correlativa (antístofros) cona dialética”. Nenhuma das duas
é superior à outra, mas ambas tratam dos mesmos assuntos de maneiras
diferentes. Ao mesmo tempo, para Aristóteles, a retórica é uma “arte”
(téchne) e, portanto, passível de teorização filosófica. O estagirita dá,
portanto, um tratamento à retórica baseado bastante na lógica e na ética.
, tratamento este imparcial e sem apologias da retórica.
Esta disputa entre a retórica e a filosofia é reflexo também do
conflito existente entre dois modelos educacionais diferentes. Após
Aristóteles, a polêmica acalmou-se bastante, e mesmo escolas filosóficas
incluíram em seus currículos o estudo da retórica. Toda essa controvérsia
refletiu-se também na educação romana, na qual a retórica era muito
relevante. Ocasionalmente, a disputa entre filósofos e mestres de retórica
ressurgiu ao longo da Antiguidade, mas sem a intensidade da época de
Platão e Isócrates.
Nesta rivalidade é natural que o homem moderno procure assumir
uma posição a favor da filosofia. A princípio esta parece ser a busca da
verdade, enquanto a retórica não passaria do ensino de expedientes para
a persuasão e, consequentemente, para a enganação. No entanto, a
retórica tem suas virtudes, e, dentre estas, a principal é fornecer ao ser
humano meios mais eficientes para a sua própria defesa e para a defesa
de suas opiniões. Num sistema político-social onde a palavra é livre, a
importância da retórica é evidente. A retórica apresenta também, sem

56

dúvida, alguns defeitos, e dentre estes o maior é o fato de o orador muito
hábil julgar-se onipotente em seu poder de persuasão, podendo defender
com sucesso causas boas ou ruins.
Segundo uma tradição antiga, a arte da retórica teria sido
inventada no século V a. C. em Siracusa, na Sicília, por Córax e Tísias.
Dali, teria passado a Atenas através do sofista Górgias de Leontinos, que
veio numa embaixada à Ática em 427 a. C..
Na verdade, algumas circunstâncias fizeram com que os séculos V
e IV a. C. se tornassem a idade de ouro da retórica e da oratória. Em
primeiro lugar, através da evolução judiciária, os tribunais passaram a
ter júris muito grandes, com um mínimo de duzentos e um integrantes.
Perante tantos jurados era necessária grande habilidade de persuasão.
Ao mesmo tempo, a democracia evoluía politicamente e os cidadãos foram
ganhando cada vez mais espaço para expor suas opiniões perante a
assembleia.
É de se notar ainda que a consciência retórica na Grécia foi
despertada nesta época por quatro fatores. O primeiro é o
desenvolvimento do racionalismo nas provas e argumentos. Neste
desenvolvimento inclui-se o uso do argumento por probabilidade. O
desenvolvimento de argumentações mais sutis e trabalhadas atesta não
apenas um progresso na retórica, mas também está fundada no princípio
de que a justiça, mesmo existindo em forma absoluta, não é sempre
óbvia, e deve ser descoberta através da racionalidade humana.
Outro fator é o interesse que surge em dividir os discursos em
partes, cada uma com uma função individual.
Um terceiro fator é o interesse manifestado na busca de novos
estilos de prosa. Nesta busca destaca-se o gosto pela antítese. Se
examinarmos a literatura grega, veremos que esta figura estava
profundamente enraizada no espírito helênico.
Finalmente, o quarto fator consiste no interesse crescente pelas
linguagem propriamente dita. Tal interesse mostra-se na nascente
ciência da filologia. Vários sofistas dedicaram-se a estudos sobre a
língua, e o diálogo de Crátilo de Platão atesta o interesse pelas
etimologias.
No século V a. C., teve inicio a teorização retórica, mas na literatura
grega técnicas de persuasão oratória são bem evidentes já nos poemas
homéricos. Com efeito, nas epopeias homéricas temos vários tipos de
discurso. No canto IX da Ilíada, Fênix, o preceptor de Aquiles, diz que o
tinha educado para ser um “praticante de atos e falador de discursos”
(VV 442-443). Não só a atividade guerreira é valorizada nos poemas
homéricos, mas também a eloquência faz parte da areté (virtude) heroica.
Na Ilíada, de resto, cada herói tem seu estilo de falar.
A argumentação apresentada nos discursos homéricos é bastante
fraca do ponto de vista lógico. Encontramos ali exemplos de persuasão
através do uso de evidências diretas, referências ao caráter do orador,
exemplos ou apelos à emoção do ouvinte, sem o uso do argumento por
probabilidade. Aliás, poucos discursos registrados em Homero poderiam
ser classificados dentro do que hoje entendemos como oratória real,
sendo a maioria antes da conversação.

57

Prosseguindo na trilha da literatura grega, vemos que a obra Os
trabalhos e os Dias de Hesíodo é por inteiro uma tentativa de persuadir
seu irmão Perses. O mesmo caráter persuasivo vemos em muitas obras
da lírica arcaica. No Hino Homérico a Hermes encontramos pela primeira
vez algo que se aproxima de uma disputa forense onde é usado o
argumento por probabilidade. Para defender-se da acusação de ter
roubado os rebanhos de Apolo, Hermes apresenta o argumento de que
ele é uma criança e, portanto, não pode ser um ladrão. Nas Eumênides
de Ésquilo encontra-se mais uma cena de disputa forense, em que o
acusado é Orestes. Ali Apolo atua como testemunha e virtual advogado
de defesa e Atena como juíza. Os discursos proferidos por Orestes, por
Apolo e pelas Erínias mostram já uma argumentação bastante
desenvolvida para uma questão bastante complexa. Em Heródoto
também já se nota um certo interesse por coisas que mais tarde seriam
associadas à retórica. Há vários discursos inseridos em sua obra, mas,
como em Homero, a melhor parte do discurso direto inserido na obra
está, do ponto de vista argumentativo, nos diálogos e não na oratória.
Podem-se ainda encontrar em Heródoto as quatro características da
consciência retórica já enumeradas, assim como o argumento por
probabilidade.
O estudo das características retóricas já presentes em Ésquilo e em
Heródoto demonstra bem que a retórica não foi introduzida como algo
novo em Atenas por Górgias em 427 a. C.. no entanto, é necessário ter
consciência da tremenda impressão que as técnicas retóricas deste
orador causaram no público ateniense. Já em Tucídides a técnica
oratória difere da técnica de Heródoto sobretudo em grau de intensidade.
A retórica envolve o estilo de Tucídides em grau ainda maior que o de
Heródoto. Ainda em termos de estilo temos a antítese, figura principal
empregada por Tucídides em orações, frases ou discursos inteiros.
A instrução retórica no século V a.C. era dada de duas maneiras
diferentes: em primeiro lugar, eram fornecidos lugares comuns, ou seja,
discursos inteiros ou mesmo partes de discursos ou mesmo apenas
frases para a análise dos alunos, formando uma instrução através da
exemplificação; em segundo lugar, havia a instrução através de manuais
de retórica, os quais eram compostos de exposições de preceitos através
de uma teorização sobre o assunto. Pelas referencias contidas em Platão,
Aristóteles e Isócrates, estes manuais eram em grande número. Nenhum
destes manuais mais primitivos chegou até nós, mas sabe-se que
Aristóteles, antes de escrever seu próprio tratado retórico, compilou-os
em uma obra intitulada Synagogé Technôn.
Da segunda metade do século IV a. C., possuímos dois tratados
completos sobre retórica. Um deles, a chamada Retórica de Alexandre,
enquadra-se como um produto típico da tradição retórica primitiva. O
outro é a Arte Retórica de Aristóteles, a qual se baseia profundamente nos
estudos feitos pelo estagirita acerca da ética, da política e da lógica. Para
bem compreendermos a Retórica de Aristóteles é necessário ter duas
coisas em mente. Em primeiro lugar, a obra não surgiu repentinamente,
mas através de um desenvolvimento gradual, como, aliás, toda a filosofia
aristotélica. Em segundo lugar, é necessário levar em consideração a

58

influência exercida por Platão, mestre de Aristóteles. Com efeito, varias
passagens da Retórica parecem desenvolver sugestões de Platão ou são
respostas a objeções feitas pelo mestre.
Mesmo em uma primeira leitura da Retórica de Aristóteles notam-se
inconsistências na ordenação dos assuntos e repetições. Para explicá-las os
eruditos modernos têm elaborado teorias acerca da ordem em que foram
escritos os diferentes livros da Retórica. Nesta questão Kennedy aceita as teorias
de Friedrich Solmsen, que é substancialmente um desenvolvimento das teorias
de A. Kantelhardt e de Werner Jaeger.
Segundo esta teoria, há uma certa evolução nas teorias de Aristóteles
sobre a retórica. Em um diálogo juvenil, intitulado Gryllus, Aristóteles defende
as teorias de Platão acerca da retórica, desvalorizando-a em sua própria
essência. Em seguida o estagirita escreveu um tratado sobre retórica que se
encontra contido no que hoje conhecemos como os livros I e II da Retórica. Neste
tratado de Aristóteles desenvolve o estudo do entimema.
A Retórica é o resultado de três etapas posteriores. Em uma primeira
etapa Aristóteles aplica ao estudo da retórica sua teoria acerca da lógica,
incluindo aí a caracterização do entimema. Em segundo lugar, seguindo a
sugestão de Platão exposta no Fedro, ele adiciona à argumentação lógica a
psicológica, a fim de obter uma persuasão mais eficaz. Finalmente, em terceiro
lugar, aproximando-se mais da teoria retórica antiga, ele estuda o estilo das
partes do discurso.
Aristóteles distinguiu ainda três tipos de oratória: a judiciária, a
deliberativa e a epidíctica. Esta distinção foi feita em primeiro lugar pelo
Estagirita, já que os tratadistas a ele anteriores ocupavam-se apenas com a
oratória judiciária. Tal divisão tornou-se posteriormente tradicional, apesar de
ser ligeiramente questionada por autores posteriores como Cícero e Quintiliano.
Os eruditos modernos questionam, sobretudo os critérios usados pelos filósofo
para esta classificação, critérios estes que vão desde o tipo de ouvinte até o
conteúdo. Mesmo discursos daquela época não se deixam classificar facilmente
em um ou outro dos três tipos.
Se contemplarmos em seu conjunto toda tradição retórica em seus
primeiros cento e cinquenta anos, constatamos que a Arte Retórica de
Aristóteles se destaca nitidamente de todos os outros tratados. Isto
acontece não só por ser o mais rico nem por ter exercido a influência mais
duradoura, mas, sobretudo porque Aristóteles é imparcial em seu
tratamento. Ele não procura glorificar a retórica, mas sim mostrá-la como
ela é, reconhecendo sua utilidade, mas advertindo contra seus perigos.
Ninguém aprenderia a proferir discursos só por ler a Retórica, mas um
orador bem treinado certamente tiraria muito proveito do livro.

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1984.

60

Ritmo em Aristóxeno
Artur Gouvêa
Programa de Pós-Graduação em Música – UFRJ

Resumo

Este trabalho apresenta pesquisa, tradução e comentários sobre o texto


Elementos de ritmo, escrito pelo antigo estudioso da música Aristóxeno de
Tarento, com o intuito de elucidar questões concernentes aos termos por ele
utilizados para descrever os fenômenos musicais relacionados à organização do
tempo e, consequentemente, aos agrupamentos das durações, tentando traçar
um paralelo entre a forma de responder a esses fenômenos no período antigo e
hodiernamente. Para tal, tentar-se-á localizar de forma suscinta Aristóxeno no
contexto de seu tempo e provocar discussões a partir de excertos traduzidos do
texto grego estabelecido por Christopher Marchetti que evidenciarão o choque
entre o discurso antigo, presente no texto de Aristóxeno, e o discurso que parte
da vivência contemporânea particular do autor deste documento.

Palavras-chave: Aristóxeno - Música - Ritmo

Abstract

This work presents a research, translation and comments on the text Elements
of rhythm written by the ancient music scholar Aristoxenus of Tarentum in order
to elucidate questions concerning the terms used by him to describe the musical
phenomena related to the organization of time and consequently the groupings
of durations, trying to draw a parallel between the way of responding to these
phenomena in the ancient period and nowadays. To this end, it will be tried to
locate Aristoxenus in the context of his time and to provoke discussions from
translated excerpts taken from the Greek text as established by Christopher
Marchetti. Such discussions will theoretically evidence the clash between the
old discourse, present in Aristoxenus, and the discourse that comes from the
contemporary experience of the author of this document.

Keywords: Aristoxenus - Music - Rithm

Nascido entre 375 e 360 A.C., em Tarento, foi um filósofo e teórico da


Música. Foi a figura mais importante e influente no campo da teoria musical na
Grécia Antiga, conhecido como "o músico". Viveu durante e depois da era de
Alexandre, o Grande. Era filho de músico, chamado Mnesias. Começou a
aprender música com seu pai, depois foi aluno de Lamprus, em Matineia, em
sua juventude. Ao voltar para a região da Itália, estudou com Xenófilo, pensador
pitagórico de quem ficou amigo. Sabe-se que algum tempo depois foi a Corinto,
onde conheceu Dionísio, tirano de Siracusa, que estava por lá exilado. Por fim,
tornou-se pupilo de Aristóteles, no Liceu em Atenas. Aparentemente teve
importante posição entre os pupilos, inclusive com expectativas de ser o
sucessor de seu mestre no Liceu.

61

Foi um escritor prolífico, produzindo mais de 450 volumes versando
sobre música, filosofia, história e educação em geral. Entre suas obras, tratados
sobre diversos assuntos musicais: Elementos de harmonia (em três livros, a
maior parte preservada); Elementos de ritmo (tendo restado um importante
fragmento, sobre o qual nos debruçaremos); Sobre música; Sobre melopeia;
Sobre as notas; Sobre a escuta musical; Sobre o tempo primário; Sobre
instrumentos, ou Sobre aulo e instrumentos; Sobre o interior do aulo; Sobre
aulética; Sobre o coro da tragédia; e uma obra da qual o fragmento rítmico de
Oxirrinco é derivado. A maior parte desses volumes se perdeu, mas foram
descobertos extratos deles em referências frequentes de Plutarco, Ateneu,
Porfírio e outros escritores. Detalhes valiosos de suas doutrinas teóricas e de
ensino são encontradas principalmente em Isagoge, de Cleônides e Tratado
sobre música, de Aristides Quintiliano. Em Gaudêncio e Bacchio também se
acha parte dessas doutrinas.
A educação de Aristóxeno sob a doutrina aristotélica pode dizer algo
sobre seu discurso. Aristóteles é notável pela concisão de pensamento e busca
das generalidades das coisas. Levou o dualismo de Platão, presente na oposição
entre o sensível e o inteligível, à articulação metafísica do pensamento. Criou
procedimentos para os processos epistemológicos que desenvolveram as
Ciências Naturais. Curiosamente, a articulação metafísica tem origem no
princípio musical da consonância, onde a Fundamental ideal é a que abarca
todas as outras alturas. Se pudéssemos ouvir, por exemplo, o som de uma
frequência de 1Hz, teríamos todas as outras frequências dentro de seus
domínios físicos. Curiosamente também, até onde se sabe, Aristóteles não era
grande conhecedor da arte da Música. Dos escritos que sobreviveram ao tempo,
restaram somente descrições e classificações pouco esclarecedoras de questões
musicais, de modo específico. O discurso de Aristóteles é algo bem afastado do
que se pode chamar de musical. Mas as tendências racionalizantes,
generalizantes e classificatórias do pensamento metafísico ajudaram a criar os
textos de Aristóxeno de forma a guardar ainda uma relação íntima com o leitor
e facilitar o entendimento daquela forma de classificação.
A forma científica está em posição de destaque na atualidade, assim como
a articulação metafísica de pensamento, que generaliza, posto que se especialize
cada vez mais. Os termos utilizados por Aristóxeno muitas vezes aproximam a
música a relações matemáticas e de forma, mas as traduções modernas muitas
vezes escondem essas relações, pois as novas línguas tendem a relacionar várias
palavras a um mesmo significado. Tomemos como exemplo a palavra ritmo. Seu
sentido está intimamente ligado ao movimento. Allen Winold nos dá uma
perspectiva um pouco diferente, embora também ligada a movimento:
Quando consideramos que a origem do significado da
palavra ritmo é fluxo, como no fluxo de um rio, somos
lembrados de uma das maiores armadilhas em qualquer
consideração de ritmo na Música. Nós nunca poderemos
parar o fluxo de um rio para examinar e descrevê-lo, pois
senão não teremos mais um fluxo, mas ainda somente
água. (WINOLD, 1975, 208.) (Tradução nossa.)

Émile Benveniste mostra que esse sentido nos é dado pelo menos desde
o início da gramática comparada e ligaria a palavra grega à noção de “fluir” com
uma ligação ao movimento das ondas. Mas identifica erro semântico nessa
abordagem e acha as origens da palavra no atomismo de Leucipo e Demócrito,
usada como termo técnico para suas doutrinas. Aristóteles, que foi responsável

62

por boa parte dos fragmentos pelos quais sobreviveram os trabalhos de
Demócrito, dá, segundo Benveniste, a sua significação exata:
Segundo ele, as relações fundamentais entre os corpos
estabelecem-se pelas suas relações mútuas, e essas
diferenças se reduzem a três – rismos, diathige, trope – que
Aristóteles interpreta da seguinte maneira:(...) "As coisas
diferem pelo rismos, pela diathige e pela trope; O rismos é
o schema ("forma"); a diathige ("contato") é a radzis
("ordem"); e a trope ("reviravolta") é a thesis
("posição").(Metaph, 985, b 4). (BENVENISTE, 1976, 363.)

O linguista segue em suas investigações para trazer à tona algo que


se aproxima do sentido originário de ritmo. De "fluir", chegará até o
sentido de "forma movente", apresentando as diferenças que deixamos de
considerar ao fazer a relação direta com que é aceito pelo senso comum.
Note-se que, em certo momento, a palavra rysmos se modifica um pouco,
para rythmos. Isso se deve a semelhanças naturais entre os fonemas /s/
e /θ/, que podem ter cambiado de acordo com a região.
Sobressai desse importante texto que rysmos significa
schema, "forma", o que Aristóteles confirma, na sequência
desse passo, por meio de um exemplo tomado a Leucipo.
Ilustra essas três noções aplicando-as respectivamente à
"forma", à "ordem" e à "posição" das letras no alfabeto. A
difere de N pelo schema (ou rysmos), AN difere de NA pela
radzi, e I difere de H pela thesis. Conservemos dessa
citação que rysmos tem por equivalente schema. (...)
Se procurarmos os poetas líricos, é ainda mais cedo, desde
o VII século, que vemos aparecer rythmos. É tomado, como
schema ou tropos, para definir "forma" individual e
distintiva do caráter humano (...)
As citações são amplamente suficientes para estabelecer:
1º que rysmos nunca significa "ritmo" desde a origem até
o período ático; 2º que nunca se aplica ao movimento
regular das ondas; 3º que o sentido constante é "forma
distintiva, figura proporcionada, disposição", nas mais
variadas condições de emprego, aliás. Igualmente os
derivados ou os compostos, nominais ou verbais, de
rythmos sempre se referem apenas à noção de "forma".
Essa foi a significação exclusiva de rythmos em todos os
gêneros escritos até a época na qual interrompemos as
nossas citações.
Estabelecido este sentido, é possível e necessário precisá-
lo. Para "forma", há em grego outras expressões: schema,
morphé, eidos, etc. das quais rythmos deve de algum modo
distinguir-se, melhor do que pode indicá-lo a nossa
tradução. A própria estrutura da palavra rythmos deve ser
interrogada. (...) Quando os escritores gregos interpretam
rythmos como schema, quando nós mesmos o traduzimos
por "forma", trata-se, nos dois casos, apenas de uma
aproximação. Entre schema e rythmos, há uma diferença;

63

schema com relação a echo, "eu (me) contenho" (cf., quanto
à relação, o lat. habitus: habeo) se define como uma
"forma" fixa, realizada, posta de algum modo como um
objeto. Ao contrário rythmos, segundo os contextos onde
aparece, designa a forma no instante em que é assumida
por aquilo que é movediço, móvel, fluido, a forma daquilo
que não tem consistência orgânica: convém ao pattern de
um elemento fluido, a uma letra arbitrariamente
modelada, a um peplo que se arruma quando quer, à
disposição particular do caráter ou do bom humor. É a
forma improvisada, momentânea, modificável.
(BENVENISTE, 1976, 365-368).

Os tratados de música escritos em forma de manual são tendência pelo


menos até o século XX. São provavelmente inspirados na forma concisa de
escrita de Aristóxeno e não só refletem uma vontade de aproximação entre a
maneira de expor os conhecimentos sobre música e as outras formas de
conhecimento. Como se sabe, na Idade Média a música fazia parte do
Quadrivium, sendo parte trivial (ou melhor, “quadrivial”) da formação do
erudito. Boécio (480-525 D.C.), um dos mais respeitados estudiosos de sua
época, era reconhecidamente aficionado por Aristóteles, tendo traduzido boa
parte de seus textos. Seu livro De Institutione Musica fazia parte do material de
estudos provavelmente usado por ele ao ensinar a seus alunos as matérias do
quadrívio e é uma compilação de conhecimentos antigos; boa parte do que
concernia a nomes e números era intimamente relacionada ao texto de
Aristóxeno. Essa abordagem musical inspirou outros autores músicos e ficou
em voga pelo menos até a reforma promovida por Gregório Magno, no século X.
Mas a forma de escrever sobre música, classificando os gêneros e listando as
formas, permaneceu.
Aparentemente a forma dos tratados obedecia a uma forma geral de
discurso escrito, que se aproximava mais da ciência e filosofia que da poesia.
Premissas e certezas eram necessárias para a legitimação do conhecimento
sobre música. Sua origem, provavelmente, é mais antiga que o texto de
Aristóxeno ou Aristóteles. Encontramos em Platão um marco do pensamento
dicotômico, que acabou por evoluir para o discurso científico. Eric Havelock
(1994) nos diz que a passagem da oralidade para escrita nas artes está ligada a
um incômodo quanto à subordinação dos homens em relação ao místico, ou
seja, aquilo que estaria além do controle humano10.
Com o tempo a necessidade de o que está escrito ter uma rigidez métrica
e rítmica foi se perdendo, assim como a necessidade de aliar o que era dito no
poema a uma melodia e movimentos corporais específicos. Desse modo a arte
das musas foi pouco a pouco se desmembrando em várias “formas” de arte e
cada musa foi sendo atrelada a uma dessas formas. Este lento processo nos
permitiu, nos dias de hoje, conceber as “artes” separadamente, reflexo do
advento da escrita. Na verdade, trata-se de uma decisão do homem primar pela
escrita como processo de memoração em substituição ao processo anterior,
legado a um personagem que em subserviência a um fazer místico, privava toda
pólis do controle sobre sua memória. Isto é, a cultura e a história faziam parte
de algo que necessitava ser dito pelas musas (HAVELOCK, 1996).

O controle dos deuses diz respeito, também, à sua vontade determinante nos atos dos homens. Desse
10

modo, não existe a vontade do homem, mas sim a Moira, destino; o Oráculo; a Esfinge; as musas, filhas de
Mnemósine; os deuses e suas dádivas.

64

Daí o incômodo a que Havelock se refere. A escrita passou a apontar
aquele que escrevia como o condutor dessa história, conhecedor dessa cultura.
Passamos a nos reconhecer como autores de nossa própria história. A mudança
na noção de “verdade” também está intimamente ligada à transição da escrita.
Instaurados pelo advento da escrita podem ser destacados outros reflexos dessa
transição. A música tonal, como forma de música mais difundida, se dá de modo
a apresentar a tensão. Resolvê-la é a atitude mais lógica.

Elementos de ritmo

O que se segue é uma tradução resumida11, acompanhada de notas, de


ΡΥΘΜΙΚΩΝ ΣΤΟΙΧΕΙΩΝ Β ́(Rythmikon Stoicheion B), de Aristóxeno, e para tal
utilizou-se o texto grego estabelecido por Christopher Marchetti (MARCHETTI,
2009).

Aristóxeno
Elementos de ritmo 212

1. Que são muitas as naturezas do ritmo, quais são suas diferenças e a causa
de compartilharem o nome, foi previamente discutido. O texto a seguir trata do
ritmo relacionado à música.
2. Que é concernente aos intervalos de tempo e sua percepção já foi declarado;
No entanto, será repetido agora, pois de alguma maneira esse é o princípio
fundamental do estudo do ritmo.
3. Deve-se observar que há duas naturezas, a do ritmo e a do ritmizado, tão
relativos entre si quanto a forma e aquele que é formado.13
4. Se um corpo assume formas variadas, se essas formas são organizadas
diferentemente, seja em todas as partes ou algumas delas, então cada um dos
objetos ritmizados recebe várias formas, não de sua própria natureza, mas pela
natureza do ritmo. O mesmo texto, organizado em intervalos de tempo
diferentes, assume variações, as quais são equivalentes às variações presentes
na natureza do ritmo. Na mesma conta estão a melodia e qualquer outra coisa
cuja natureza foi ser ritmizada pelo tipo de ritmo que é organizado em intervalos
de tempo.14
5. Deve-se daqui aplicar a percepção resguardando esta analogia, no empenho
de ver, a respeito de cada coisa mencionada, de que tipo é o ritmo e o objeto
ritmizado.15 Pois nenhum corpo que pode receber forma naturalmente é o
mesmo que as formas, mas sim a forma é um arranjo das partes do corpo,
decorrente de ter cada uma das partes de certa maneira, de onde é chamado
forma. Assim, também o ritmo não é o mesmo que os objetos ritmizados, mas é
o que os arranja, de uma maneira ou de outra, e fazendo-o assim respeitando
os intervalos de tempo.
6. As coisas acima mencionadas se relacionam entre si também porque não vêm
para ser eles mesmos. Para a forma, se aquilo que recebe não está presente,
claramente não pode vir a ser. Da mesma maneira, ritmo não pode vir a ser na


11 Alguns trechos foram encurtados com a intenção de ressaltar os aspectos mais relevantes percebidos,
sem estender demais o presente texto.
12 Como esta seção compõe-se integralmente da tradução, optou-se por usar a formatação comum.

13 O ritmo aqui está cruamente relacionado com forma, sem imagem poética de ondas ou de rio.
14 Então o autor assume que outras coisas além da melodia podem ser ritmizadas.
15 Ritmo – rysmos; objeto ritmizado – rythmizomenon, rhythmizomena, pl.; a arte da composição do ritmo –

rythmopeia. Pode-se entendê-los, respectivamente, como forma; sujeito à forma; e organização das formas.

65

ausência daquilo que será ritmizado e que divide tempo, pois tempo não se
divide sozinho, como dissemos acima, mas requer que algo o divida. Portanto, é
necessário que o objeto ritmizado seja divisível em partes reconhecíveis, com as
quais dividirá o tempo.
7. Essa formulação segue o que foi dito e o próprio fenômeno: o ritmo ocorre
sempre que a distribuição dos intervalos de tempo assume algum arranjo
definido, pois nem todo arranjo em intervalos de tempo é incluído entre os
ritmos.
8. Assim, é crível, mesmo sem explicação, que nem toda organização em
intervalos de tempo é rítmica. Mas deve-se induzir o pensamento por analogias
e tentar aprender com elas, até que uma prova possa surgir da matéria em si.
Conhecidas por nós são as matérias concernentes à combinação de letras e
intervalos musicais, pois nem ao falar combinamos letras de qualquer maneira,
nem ao cantar, os intervalos. Em vez disso, há apenas alguns caminhos com os
quais eles são combinados entre si, muitos deles em que a voz não é capaz de
combinar em enunciado, nem a percepção aceitar, mas rejeitar. Pela mesma
razão, uma melodia bem construída é feita em poucas formas, a mal construída,
em um pouco mais.
Assim também aparecerão as coisas relativas aos intervalos de tempo: pois
muitos são os arranjos e proporções que são claramente estranhos à percepção,
e poucos são os apropriados a serem arranjados na natureza do ritmo.
O objeto ritmizado é, de certa forma, comum tanto à arritmia e ao ritmo, pois é
naturalmente capaz de receber ambas as construções: o rítmico e o arrítmico.
Basta dizer que o objeto ritmizado deve ser pensado como aquilo que é capaz de
ser arranjado em todo tipo de intervalo de tempo e todo tipo de combinação.
9. O tempo é dividido pelos objetos ritmizados, por meio das partes de cada
um.16 Os objetos são três: texto, melodia e movimento corporal (lexis, melos,
kinesis somatike). Assim o texto dividirá o tempo com suas partes, tais como
letras, sílabas, palavras, e coisas assim; a melodia o dividirá em notas,
intervalos e escalas; o movimento corporal, em sinais e posições e qualquer
outra parte de movimento.
10. Definamos o intervalo de tempo primário17 como aquele que não pode ser
dividido por qualquer objeto ritmizado; O “diseme” é medido por dois desse, o
“triseme” é medido por três, o “tetraseme” é medido por quatro. Os nomes de
todas as durações restantes seguirá analogamente.
11. É preciso tentar entender o sentido do tempo primário desta forma: É
característico das coisas que aparecem vivamente na percepção não tomar a
velocidade de seus movimentos ao ponto de uma intensificação ilimitada, mas
para os intervalos de tempo comprimidos, em que as partes dos objetos movidos
são organizadas para ficarem fixas em algum lugar. Estou falando de coisas
movidas, como a voz é movida falando e cantando e o corpo andando e dançando
e executando o resto de seus movimentos.
12. Este intervalo de tempo, no qual de forma alguma podem ser colocadas duas
notas, duas sílabas, ou dois passos, nós chamaremos intervalo de tempo
primário. Como a percepção vai entender isso ficará claro na discussão dos
esquemas dos pés.
13. A respeito da prática da composição rítmica, falamos de um certo tempo não
composto. Que a composição rítmica não é o mesmo que ritmo não é fácil deixar
claro, mas confie na seguinte analogia. Como vimos, na natureza da melodia,
que nem uma escala, modo ou gênero é a mesma coisa que a composição


16 Divisão do tempo pelos objetos, movimento corporal, melodia e texto.
17 No original em grego: proton men to kronon.

66

melódica, devemos supor o mesmo no que concerne a ritmos e composição
rítmica. Veremos isso mais claramente à medida que prossegue a investigação.
14. Considerando a prática da composição rítmica, falaremos de um tempo não
composto18; se esse tipo de duração de tempo for ocupado por uma sílaba, nota
ou passo, a isso chamaremos de tempo não composto. Se a mesma duração é
tomada por mais sílabas, notas ou passos, esse intervalo de tempo será rotulado
de tempo composto.
Pode-se tomar um paradigma das questões relativas às escalas musicais. Para
isso, o gênero enarmônico usa a mesma altura em um intervalo composto que
o gênero cromático torna não composto. Às vezes o mesmo gênero torna o
mesmo intervalo composto e não composto, embora não no mesmo lugar da
escala.
O paradigma difere de nosso problema em que o intervalo de tempo se torna
não composto ou composto através dos processos de composição rítmica. O
intervalo, pelos próprios gêneros ou por seu lugar na escala. Sobre todos os
intervalos de tempo não compostos e compostos, deixe-se assim definido.
15. Com o problema assim reconhecido, deixemos que um intervalo dividido por
nenhum dos objetos ritmizados seja chamado não composto absolutamente. Da
mesma forma, aquele dividido por todos os objetos ritmizados será composto.
Parcialmente composto e parcialmente não composto seria aquele dividido por
um e não dividido por outro objeto ritmizado. O absolutamente não composto
não seria ocupado por mais sílabas, notas ou passos. Absolutamente composto
seria aquele ocupado por mais de um tipo de objeto rítmico. Misto, o único que
acaba por ser ocupado por uma nota, mas mais de uma sílaba, ou, por uma
sílaba e mais de uma nota.
16. Aquilo pelo qual marcamos o ritmo e o tornamos compreensível para
percepção é o pé, ou mais de um.
17. Dos pés, alguns são compostos de dois intervalos de tempo, uma arsis e
uma tesis, outros de três, dois arsis e uma tesis ou um arsis e duas tesis,
<outros de quatro, dois arsis e duas tesis>.
18. É evidente que não pode haver um pé de um intervalo de tempo, uma vez
que um sinal não faz uma distribuição de tempo. Pois não parece que um pé
existe sem uma distribuição de tempo19.
Que um pé pode ter mais de dois sinais, os tamanhos dos pés nos mostra. Para
os pés menores, sendo de um tamanho facilmente apreendido pela percepção,
são facilmente compreensíveis através de dois sinais. O contrário acontece com
os pés grandes, pois, sendo de um tamanho difícil de perceber, eles exigem mais
sinais, pois a extensão de todo o pé, dividida em mais seções, poderia ser mais
facilmente compreendido.
Por que não acontece de haver mais de quatro sinais, que um pé, em e por sua
própria natureza, faz uso, será explicado mais tarde.
19. Não deve haver mal entendido sobre o que agora está sendo dito, e inferir
que um pé nunca deve ter mais que quatro partes20. Pois alguns pés são
divididos em uma contagem o dobro da quantidade acima referida, e em muitas
vezes mais. Mas um pé não é repartido em mais do que o referido montante em
si, mas é distribuído em tais divisões pelo processo de composição rítmica.
Deve-se ter em mente que os marcadores que mantêm a função de um pé são
diferentes das divisões decorrentes da composição rítmica. É para ser
adicionado ao que foi dito, além disso, que os marcadores de cada pé

18
Tempo não composto (simples) e tempo composto: asyntheton e syntheton.
19Pé é um conjunto, nunca um movimento só. O autor permite a subdivisão de pés longos em partes menores.
20Sobre o máximo de quatro divisões de um pé e as diferenças entre a marcação dada pelo pé e pela subdivisão

da composição rítmica. Ao que parece, o processo composicional é artificial em relação à marcação do pé.

67

permanecem iguais tanto em seu número e em seu tamanho, mas as divisões
decorrentes da composição rítmica assumem uma grande variedade. Isso ficará
claro no que se segue.
20. Cada pé é limitado por uma lógica ou alogia de um entre duas lógicas
reconhecíveis à percepção21. O que foi dito ficará bem claro assim: suponha que
dois pés sejam tomados, tendo o primeiro sua arsis igual à tesis, ambos diseme
(dois tempos primários); o segundo com uma tesis de diseme, a arsis a metade.
Suponha então que um terceiro pé seja tomado, tendo sua tese igual a ambos,
mas sua arsis com uma duração entre a das outras duas arsis. Tal pé tem sua
arsis alógica em relação a sua tesis. Essa alogia está entre duas lógicas
reconhecíveis para a percepção, o igual e o duplo. Isto é chamado de khoreios
alógico [ = troqueu].
21. Não se deve errar aqui, não percebendo como o estabelecido e o alógico se
incorporam à questão dos ritmos22. Assim como nos elementos da melodia, o
estabelecido de acordo com a melodia é apreendido, que é primeiro melódico,
então reconhecido pelo seu tamanho; Por exemplo, as consonâncias e o tom e
as coisas proporcionais a essas coisas. Então há o que é estabelecido apenas de
acordo com as proporções de números, o que não é melódico. Assim, nos ritmos
devem ser entendidos o estabelecido e o alógico.
Um é apreendido como estabelecido pela natureza do ritmo, o outro apenas pela
proporção dos números. A duração do tempo que é considerada estabelecida no
ritmo deve ser uma daquelas que caem sob composição rítmica; Então, uma
parte estabelecida do pé em que foi colocado. O que é considerado estabelecido
apenas de acordo com as proporções de números deve ser entendido como tal,
como é o décimo segundo tom em intervalos, e se houver qualquer outra coisa
semelhante nas comparações de intervalos.
É claro, pelo que foi dito, que a arsis tomada entre os outros não é proporcional
à sua tesis. Pois não há uma medida rítmica comum a eles.
22. Que estas sete distinções entre os pés sejam estabelecidas: primeiro, aquela
pela qual eles diferem uns dos outros em tamanho; em segundo lugar, aquela
pela qual eles diferem em gênero; terceiro, aquela por que alguns são pés
estabelecidos, outros são alógicos; quarto, aquela pela qual alguns são não
compostos, outros compostos; em quinto lugar, aquela pela qual eles diferem
uns dos outros em divisão; sexto, o que diferem uns dos outros em esquema;
sétimo, aquela pela qual diferem pela antítese.
23. Um pé difere de outro pé em tamanho, quando as durações dos pés, que os
pés compreendem, são desiguais.
24. No gênero, quando as proporções dos pés diferem uma da outra, como
quando uma tem razão de igualdade, a outra de duplicidade, a terceira tem
outra proporção rítmica de tempo.
25. Os alógicos diferem dos estabelecidos por não terem a arsis estabelecida em
relação à tesis.
26. Os não-compostos diferem dos compostos por não serem divididos em pés,
sendo o composto dividido.


21 Costuma-se traduzir esta noção por razão, irracional, razões, em vez de lógica, alogia, lógicas. Mostra o
quanto mudou a forma de tratar a palavra logos, traduzida para o latim como ratio. Originariamente, logos
era o dizer-se da Physis, ou seja, o aparecer de tudo que é doação da Physis. Estes dois termos são bastante
complexos e são discutidos desde os tempos de Heráclito e Parmênides, pelo menos. Já em Aristóxeno seu
significado havia sofrido mudanças, mas não é possível ainda mensurar o quanto restara na cultura da época
de força do sentido originário da palavra logos para pensar uma possível transição de sentidos.
22 Números e ritmos: arythmos e rythmos – deve-se entender o ritmo em seu aspecto musical e racional,

percebendo suas diferenças.

68

27. Eles diferem em divisão, quando a mesma magnitude é dividida em partes
desiguais; Partes desiguais em relação tanto à sua contagem e suas durações,
ou em relação a ambos.
28. Diferem uns dos outros em esquema, quando as mesmas partes do mesmo
tamanho não estão dispostas da mesma maneira.
29. Eles diferem uns dos outros por antítese, quando têm suas arsis e tesis
contrariamente dispostas. Esta distinção estará nos pés que são iguais entre si,
mas têm a tese diferente da arsis.
30. Existem três gêneros de pés que admitem uma composição rítmica contínua:
o dátilo, o iambo e o peão. O dátilo é aquele de razão igual; o iambo, o dobro; o
peão, de um e meio23.
31. O menor dos pés é aquele na duração triseme, pois a duração do diseme
teria uma marcação completamente comprimida de pés. Aqueles na duração
triseme são iâmbicos por gênero. Pois no número três, a única proporção é o
dobro.
32. Em segundo lugar são aqueles em duração tetraseme. Estes são datílicos
por gênero. Pois nos quatro, há duas proporções, a do igual e a do triplo. Destes,
o triplo não é rítmico, o do igual cai no gênero datílico.
33. Em terceiro lugar, de acordo com o tamanho são aqueles na duração
pentaseme. Nos de cinco são duas proporções, o quádruplo e o três-para-dois.
Destes, o quádruplo não é rítmico, o três-para-dois produzirá o gênero peônico.
34. Quarto são aqueles na duração do hexaseme. Esta duração é comum a dois
gêneros, o iâmbico e o datílico, pois em seis há três proporções, o igual e o duplo
e o quíntuplo. O último nomeado não é rítmico; Dos outros, a proporção do igual
cai no gênero datílico, o do duplo no iâmbico.
35. A duração do heptaseme não tem uma divisão em pés, pois das três
proporções recebidas em sete, nenhuma é rítmica. Desses, o primeiro é de
quatro a três, o segundo é de cinco a dois, o terceiro, sêxtuplo.
36. Assim, em quinto lugar vêm aqueles na duração octaseme. Estes serão
datílicos por gênero, desde que certamente [...]

Algumas diferenças de abordagem

Um trabalho similar realizado por Abdy Williams, no início do século XX,


coloca sob uma perspectiva moderna alguns termos utilizados por Aristóxeno e
pode agora revelar-nos as diferenças de tratamento dos termos no meio musical
em um intervalo de um século.
Assim, a sua obra, The aristoxenian theory of musical rythm, tenta
conciliar uma prática vigente de sua época com as significações dos termos de
Aristóxeno. Observem-se a seguir algumas diferenças entre a presente tradução
e o texto de Williams, incluindo algumas observações de cunho prático,
tomando em conta análises prévias de obras históricas:
O pé anacrústico era considerado de maior importância para os gregos
do que o tético, de acordo com Williams, porque verificou que o primeiro era
mais usado. Ele compara o pé simples com o compasso e o pé composto com a
frase.
Uma diferença importante deve ser assinalada, em relação à contagem
da duração (quantidade) das sílabas longas e breves nos poemas a partir dos
metros gregos, nos tempos de Aristóxeno e posteriormente, a partir dos teóricos
latinos, que perdura até hoje. Em Aristóxeno, as proporções de duração
importam e são apontados (quão longas e breves as sílabas devem ser),


23 Hemiólio / hemiólico.

69

enquanto nos estudos latinos apenas diferenciam-se as sílabas longas das
breves.
Quando trata de dátilo choreico (que interpreta com uma semínima e
duas semicolcheias), Williams diz que o protos chronos foi dividido e que uma
regra foi quebrada. Mas as semicolcheias não o fariam a partir do momento em
que entram no papel de protos chronos?
O ensino de Aritóxeno com relação aos chronos
protos parece ter durado quase até a idade da
música mensural, pois Hieronymus de Moravia,
escrevendo em 1250 d.C., diz: "Instans é o menor
e indivisível do tempo em que o som pode ser
ouvido clara e distintamente, e isto é o que os
antigos chamaram o tempus". (WILLIAMS, 1911,
29.) (Tradução nossa.)

Os gregos usavam dois sistemas de letras para escrever as composições.


Um para o canto, outro para os instrumentos. O autor compara com o uso da
tablatura para os instrumentos e a linha de canto no sec. XVI. As letras, escritas
de trás para frente ou em vários sentidos, mutiladas ou alteradas de várias
formas, eram chamadas semeia (sinais). Outros sinais eram adicionados acima
das letras para mostrar a quantidade de protos chronos de cada duração, o
tempo da música. Um autor anônimo deu as informações das indicações de
tempo e de pausa, até o equivalente a cinco protos chronai. Nos tempos, o protos
chronos não precisava ser indicado: dois tempos _ ; três _| quatro |_| ; cinco
|_|_|. As pausas eram indicadas com ^ para um tempo e o mesmo sinal em
cima das indicações de 2, 3, 4 e 5 tempos. Os tempos de pausas geralmente
eram usados para completar o pé depois do canto e preenchidos com
acompanhamento instrumental. Os sinais costumavam ser omitidos pois
geralmente sabia-se os tempos a partir das sílabas e as pausas eram feitas nos
finais dos versos, completando o pé. O ponto era usado para acento (stigma),
em função similar à barra de compasso, indicando o início do pé, mas também
era usado como indicação de sincopação ou colocação artificial do acento, não
temos infelizmente informação suficiente para conhecimento preciso do uso do
ponto.
Williams ressalta que quando a voz está em jogo várias regras devem ser
levadas em conta, mesmo nos tempos atuais, enquanto os instrumentos têm
mais liberdade. Observa ainda que para os gregos a variação rítmica era muito
importante para evitar o marasmo da repetição dos pés, pois não havia muita
complexidade no pensamento da harmonia de várias notas simultâneas que
hoje é comum sobre ritmo racional e irracional. No exemplo de Aristóxeno, pode-
se calcular um pé de sete divisões, mas esse intervalo entre um tempo primário
e um diseme não é preciso. Williams faz a relação com o tempo
irregular/irracional/alógico nas pausas onde hoje utilizamos fermata e
respirações. Podemos atribuir rubatos instituídos no metro, nessa linha de
pensamento. O pé com ritmo irracional era chamado de coreio irracional (alogos
chorei).
Erritmia, de acordo com Williams, relaciona-se com a regularidade e
simetria dos tempos em uma composição rítmica, o que pode ser de fácil
percepção e trazer uma impressão tanto do perfeito quanto do enfadonho.
Arritmia, por outro lado, é a imprecisão e assimetria, que está relacionado à falta
de controle ou de habilidade no trato com o ritmo. Euritmia se dá quando se
alcança um alto grau de satisfação estética. Traçando um paralelo com o estudo
de Benveniste sobre ritmo, a forma bela é o que diz este último termo em sua

70

origem24. Assim como se pode dizer que há arritmia quando, no momento em
que o fenômeno musical se dá, não há percepção de uma forma, ou seja, o
sentido musical é dificultado por razões como imprecisão ou aleatoriedade.
Erritmia aconteceria quando essa forma é perceptível.

Considerações finais

Para Aristóxeno, os intervalos de tempo e sua percepção não são os


únicos objetos de estudo do ritmo, mas de certa forma são seu princípio
fundamental. Este fato em si coloca a questão cognitiva sob outra perspectiva
histórica, pois, já em Aristóxeno, o fenômeno e sua percepção são
complementares.
O presente trabalho não pretende se colocar como referência de futuros
estudos de tradução, mas julga necessário colocar a atenção sobre termos muito
utilizados na música e seus sentidos originários.

Referências bibliográficas

BENVENISTE, Émile. A noção de "ritmo" na sua expressão lingüística. In:


Problemas de lingüística geral. São Paulo: Nacionai/EDUSP. 1976.
HAVELOCK, Eric. A música suprema é a filosofia. In: HAVELOCK, Eric. Prefácio
a Platão; Trad. Enid Abreu Dobránzsky. Campinas, SP: Papirus, 1996.
________________ A Revolução da escrita na Grécia e suas conseqüências
culturais. Ordep José Serra, trad. São Paulo: Paz e Terra, 1994.
MARCHETTI, Christopher C. Aristoxenus elements of rhythm: Text, Translation,
and Commentary with a Translation and Commentary on POxy 2687. Dissertação para
preenchimento parcial dos requerimentos necessários para obtenção do grau de
Doutor em Filosofia. Nova Jersey: The State University of New Jersey, 2009.
MICHAELIDES, Solon. The music of ancient Greece: an encyclopaedia. Londres:
Faber and Faber, 1978.
WILLIAMS, C. F. Abdy. The aristoxenian theory of musical rythm. Cambridge:
University Press, 1911.
WINOLD, Allen. Rhythm in twentieth-century music. In: DELONE, Richard et al.
Aspects of twentieth-century music. New Jersey: Prentice-Hall, 1975.


24De rysmos, tiram-se os compostos omórrysmos, omoiórrysmos, "da mesma forma", omorrysmé,
"semelhança"(...) eurrysmós, "de bela forma, elegante", etc. (BENVENISTE, 1976, 365.)

71

A apresentação de si de Paulo de Tarso diante dos Atenienses em seu
discurso no Areópago de Atenas25

Luciene de Lima Oliveira – UERJ

Resumo

Ao anunciar a nova crença em sua jornada missionária, o apóstolo Paulo, antes


perseguidor implacável dos seguidores de Jesus, pronunciou muitos e variados
discursos, diante de públicos bastante heterogêneos, não só para difundir os
seus ideais, mas também para participar de debates ou mesmo se defender de
acusações religiosas e políticas que lhe iam sendo impostas. Assim é que o
presente artigo buscará identificar qual a imagem, diga-se, apresentação de si
que Paulo de Tarso construiu diante do seu público para obter a persuasão dos
atenienses de que o “Deus Desconhecido”, a quem os gregos veneravam era o
verdadeiro Deus e, somente, a essa divindade deveriam cultuar. Ressalte-se que
a noção de h^qoς êthos provém da retórica de Aristóteles (ARISTOTE. Rhétorique
II, 1, 1378 a), que distinguia, desta forma, frovnhsiς phrónesis (sensatez,
prudência, isto é, ter o aspecto de pessoa ponderada), a*rethv, areté (isto é,
assumir a atitude de um homem de fala franca), eu!noia, eúnoia (boa vontade,
benevolência, isto é, oferecer uma imagem agradável de si mesmo). Ora, a
questão de êthos foi reformulada na psicologia social, em termos de
apresentação de si, devido aos trabalhos de pesquisadores como Goffman
(KERBRAT-ORECCHIONI apud MACHADO & MELLO, 2010, p. 117).

Palavras-chave: Retórica, Êthos, Apóstolo Paulo, Areópago de Atenas

Abstract

When announcing his new belief in his missionary journey, the apostle Paul,
who had been relentless persecuter of Jesus followers, uttered several and
varied speeches, before a very heterogeneous audience, not only to disseminate
his ideals, but also to participate in debates or even defend himself from
religious and political imposed allegations. The present research will pursue
identifying to which image, I mean, self-presentation Apostle Paul has built
before his audience in order to obtain the athenian’s persuasion that the
“Unknown God”, to whom the Greek worshipped, was the true God and that
they should worship only this deity. It is important to stress that the notion of
h^qoV, ethos, is provided from Aristhotle’s rhetoric (ARISTOTE. Rhétorique II, 1,
1378 a), which distinguished, therefore, frovnhsiV, phrónesis (wisdom,
prudence, namely, having the aspecto of a balanced person), a*rethv, areté (virtue,
namely, presenting the atitude of a man with honest speech), eu!noia, eúnoia
(good will, kindness, namely, offering the image of pleasant with his/her own
self). Now, the issue of êthos has been redesigned in social psychology, in terms

25
O presente artigo constitui uma adaptação da monografia intitulada A Apresentação de Si de Paulo de Tarso
diante dos Atenienses em seu Discurso no Areópago de Atenas, apresentada à Profa. Doutora Lúcia H. Martins
Gouvea na disciplina Questões de Pragmática (LEV 819) em 2011/1, no Programa de Pós Graduação em
Letras da UFRJ. Convém sublinhar, ainda, que o artigo também é uma adaptação do capítulo 6 da Tese de
Doutorado intitulada Os Discursos Epidícticos de Paulo de Tarso no Livro dos Atos dos Apóstolos (Tradução e
Comentários), defendida em fevereiro de 2016, sob a orientação do Professor Doutor Auto Lyra Teixeira no
PPGLC da UFRJ.

72

of self-presentation, according to the works of researchers such as Goffman
(KERBRAT-ORECCHIONI apud MACHADO & MELLO, 2010, p. 117).

Keywords: Rethoric, Êthos, Apostle Paul, Areopagus in Athens.

Todo ato de tomar a palavra


implica a construção de uma imagem de
si. Para tanto, não é necessário que o
locutor faça seu autorretrato, detalhe
suas qualidades nem mesmo fale
explicitamente de si. Seu estilo, suas
competências linguísticas e
enciclopédicas, suas crenças implícitas
são suficientes para construir uma
representação de sua pessoa. Que a
maneira de dizer induz a uma imagem
que facilita ou mesmo condiciona a boa
realização do projeto (...). (Ruth Amossy)

Notas Introdutórias

A linguagem é inerente ao homem, que permite ao homem pensar, agir e


viver em sociedade. Sem a posse da linguagem, o ser humano não saberia como
entrar em contato com o outro, como estabelecer vínculos psicológicos e sociais
com esse outro que é, simultaneamente, semelhante e diferente. A linguagem,
talvez, seja o primeiro poder do homem. Todavia, esse poder da linguagem é o
próprio homem que constrói e que ajusta por meio de suas trocas, seus contatos
no decorrer da história dos povos. Além do mais, a argumentação é um setor de
atividade da linguagem que sempre exerceu fascínio. A propósito, desde a
retórica dos antigos fizeram dela o próprio fundamento das relações pessoais (a
arte de persuadir) (CHARAUDEAU, 2010, p. 7).
O presente artigo buscará identificar qual a imagem, diga-se,
apresentação de si que Paulo de Tarso construiu diante do seu público em seu
discurso no Areópago de Atenas26, para obter a persuasão dos atenienses de
que o “Deus Desconhecido”, a quem os gregos veneravam era o verdadeiro Deus
e, somente, a essa divindade deveriam cultuar.
Sabe-se que os estudiosos não são unânimes quanto à formação retórica
de Paulo, mas a maioria concorda que o religioso era detentor de uma ampla
cultura, seja judaica ou greco-romana, e, possivelmente, poliglota. De qualquer
forma, dois lugares surgem como possíveis onde o apóstolo teria obtido a sua
formação retórica: Tarso ou Jerusalém.
Fabris destaca que nas grandes cidades, onde Paulo anunciava o
evangelho, ele fale o grego, que é a língua franca de comunicação em todo o
Império Oriental. Embora Paulo seja de língua materna hebraica27, ele teria
aprendido o grego como segunda língua não só na escola como também no
contexto de sua primeira formação na cidade de Tarso (FABRIS, 1996, p. 33).
Ora, da leitura dos escritos de Paulo, tem-se a impressão de que ele se
move com desenvoltura no ambiente cultural greco-romano. Em tal contexto,
explica-se também a afinidade de alguns excertos de Paulo com os modelos

26
A propósito, esse discurso de Paulo de Tarso se encontra registrado no livro de Atos dos Apóstolos, que foi
redigido em grego koiné, provavelmente, entre 61 e 63 d.C.
27 Presume-se que Fabris estivesse se referindo ao aramaico palestinense.

73

expressivos do debate ou diatribe em uso entre mestres e propagandistas do
estoicismo popular (FABRIS, 1996, p. 33).
A narrativa dos Atos diz que Paulo estava em Atenas esperando Silas e
Timóteo28 e, enquanto esperava, ficou revoltado em face da “idolatria” da cidade
e, consequentemente, do politeísmo grego; na sinagoga, ele passou a discutir
com judeus e gentios piedosos, assim como também na ágora, dirigindo-se,
diariamente, aos que ali se encontravam (At 17. 16-21).
Não obstante, alguns dos filósofos epicureus e estóicos que debatiam com
Paulo, que estava pregando a Jesus e à ressurreição, o retiveram consigo e o
levaram ao Areópago. Na verdade, os filósofos queriam saber que nova doutrina
era aquela de que Paulo tanto falava. Paulo, então, ficou de pé no Areópago para
discursar (At 17. 21-22).
Convém lembrar que a maioria dos filósofos de Tarso, cidade natal de
Paulo, eram estóicos como Atenodoro de Tarso. É bem provável que Paulo,
quando criança, tivesse ouvido falar de Atenodoro, pois esse morrera em 7 d.C.
Paulo, em certa ocasião, chamou a atenção para os perigos das filosofias
religiosas gregas (Cl 2. 8).
A propósito, Jaeger considera a visita do apóstolo a Atenas, um centro
intelectual e cultural do mundo grego clássico, como sendo um momento
decisivo no encontro entre gregos e cristãos: “Pode ser que Lucas tinha a
intenção de dramatizar por meio desse acontecimento a luta intelectual entre o
cristianismo e o mundo clássico” (JAEGER, 1965, p. 23).
A kérygma cristã falava da ignorância dos homens,
prometia dar-lhes um conhecimento melhor e, como todas
as filosofias, fazia referência a um mestre que possuía e
revelava a verdade. Esta situação paralela entre os filósofos
gregos e os missionários cristãos levou a estes últimos a
aproveitá-la em seu favor (JAEGER, 1965, p. 21).

Na verdade, o politeísmo poderia ser objeto de tolerância; entrementes,


cabia aos homens acolher a pregação cristã, quando chegasse até eles, a fim de
haver a e*pistrofhv, a “conversão”, para um estilo de vida religiosa que seria
considerada correta. Na concepção judaico-cristã, tratava-se de chamar a
atenção para o “erro da idolatria”, alicerçado na representação imagética das
divindades (Dt 5. 7-9; Lv 17. 7-9; Am 2. 4; Jr 10. 1-16; Ez 8. 10).
Inicialmente, foram feitas as traduções dos excertos paulinos alicerçadas
no texto grego The Greek New Testament de Kurt Aland et alii, 4ª edição
revisada, texto editado pela Sociedade Bíblica do Brasil.

Pressupostos Teóricos

A questão de êthos foi reformulada na psicologia social e em


microssociologia, em termos de apresentação de si, devido aos trabalhos de
pesquisadores como Goffman (KERBRAT-ORECCHIONI apud MACHADO &
MELLO, 2010, p. 117).
O discurso é inseparável de uma “voz”; essa era uma dimensão bem
conhecida da retórica antiga, que entendia por h!qh, éthe, as propriedades, isto

28Pode-se até dizer que a estadia de Paulo em Atenas fora, praticamente, por um acaso, uma vez que estava
esperando dois companheiros que tiveram de sair às pressas de Bereia (At 17. 13-15) e fazer os preparativos
para a viagem a Corinto.

74

é, a imagem que um orador transmitia, implicitamente de si mesmo, através de
sua maneira de falar: adotando as entonações, os gestos, o porte geral de um
homem honesto, por exemplo, não se diz, explicitamente, que se é honesto, mas
isso é mostrado. Assim é que, o emissor, através do discurso, ativa no
destinatário uma construção de uma representação de si, que o locutor se
esforça por controlar de modo mais ou menos consciente (MAINGUENEAU,
2006, p. 59; apud MACHADO & MELLO, 2010, p. 193)29.

Na verdade, o enunciador deve se conferir, e conferir a seu


destinatário, certo status para legitimar seu dizer: ele se
outorga no discurso uma posição institucional e marca sua
relação com um saber. (...) A maneira de dizer autoriza a
construção de uma verdadeira imagem de si e, na medida
em que o locutário se vê obrigado a depreendê-la a partir de
diversos índices discursivos, ela contribui para o
estabelecimento de uma inter-relação entre o locutor e seu
parceiro. Participando da eficácia da palavra, a imagem
quer causar impacto e suscitar adesão. Ao mesmo tempo, o
êthos está ligado ao estatuto do locutor e à questão de sua
legitimidade, ou melhor, ao processo de sua legitimação
pela fala (MAINGUENEAU apud AMOSSY, 2011, p. 16-17).

A apresentação de si não está limitada a uma técnica que se aprende, a


um artifício, uma vez que ela se efetua, muitas vezes, “à revelia dos parceiros,
nas trocas verbais mais corriqueiras e pessoais” (AMOSSY, 2011, p. 9).
O êthos está ligado à enunciação, não a um saber extradiscursivo sobre
o enunciador (MAINGUENEAU apud AMOSSY, 2011, p. 70).
Por meio da enunciação, revela-se a personalidade do enunciador.
Roland Barthes salientou a característica essencial desse êthos: “São os traços
de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importa sua
sinceridade) para causar boa impressão: são os ares que assume ao se
apresentar” (BARTHES apud MAINGUENEAU, 2004, p. 98).
Catherine Kerbrat-Orecchioni destaca que a imagem que o orador
constrói através de seu discurso é a imagem sobre a qual se fundamenta, em
grande parte, tanto o sucesso quanto o fracasso da persuasão. A esse êthos, a
pesquisadora denomina de êthos-1, êthos individual (KERBRAT-ORECCHIONI,
2010, p. 118). Já o êthos-2 é a caracterização do comportamento de uma
coletividade, “identificada, na maior parte dos estudos a uma “cultura” vista em
sua globalidade” (ibidem, 2010, p. 125).
A noção de êthos provém da retórica de Aristóteles (ARISTOTE.
Rhétorique II, 1, 1378 a), que distinguia, desta forma, frovnhsiV, phrónesis
(sensatez, prudência, isto é, ter o aspecto de pessoa ponderada), a*rethv, areté
(virtude, isto é, assumir a atitude de um homem de fala franca), eu!noia, eúnoia
(boa vontade, benevolência, isto é, oferecer uma imagem agradável de si mesmo).
O orador, que tem o h^qoV, êthos, formado por estas três qualidades, possui
a confiança do ouvinte (ARISTOTE. Rhétorique II, 1, 1378 a 6-19).
Há dois tipos de provas: as técnicas (e!ntecnoi, éntekhnoi) e as extra-
técnicas30 (a!tecnoi, tevkhnoi). As provas técnicas são as provas criadas pelo orador

29 Na realidade, mesmo os corpus escritos não constituem uma oralidade enfraquecida, mas algo dotado de
uma “voz”, a de um sujeito situado para além do texto. Embora o texto seja escrito, ele é sustentado por uma
voz específica: “a oralidade não é o falado”, como lembra Meschonnic (MESCHONNIC apud MAINGUENEAU,
1997, p. 46).
30 Já as provas extra-técnicas não são criadas pelo orador, citem-se, por exemplo: as testemunhas, os escritos,

as confissões sob tortura. Aristóteles enfatiza que as testemunhas são de duas espécies: as testemunhas

75

com o objetivo de persuadir o auditório. Ressalte-se que as provas técnicas
empregadas através do discurso são de três espécies:
a) Quanto ao êthos do orador, uma vez que se pode alcançar a persuasão
pelo êthos do orador, quando o discurso é dito de tal sorte que “torne o
orador digno de crédito. (...) Mas é necessário que esta confiança seja o
efeito do discurso, não de um juízo prévio sobre o êthos do orador”
(ARISTOTE. Rhétorique I, 2, 1356 a 5).
b) Quanto aos afetos, páthe dos ouvintes, quando o discurso os leva a sentir
algo (ARISTOTE. Rhétorique I, 15, 1356 a 14)31. A eúnoia diz respeito ao
páthos, pois se trata de um afeto, uma vez que mostra ao ouvinte que o
orador é bem intencionado para com ele (EGGS apud AMOSSY, 2011, p.
33).
c) Quanto ao valor demonstrativo do discurso, Aristóteles pontua que o
discurso (dià tòn lógon) gera a persuasão, quando a verdade e o verossímil
são mostrados (ARISTOTE. Rhétorique, I, 2, 1356 a 19-20).

Eggs destaca que o lugar que engendra o êthos é o discurso, lógos do


orador, e esse lugar é mostrado através das escolhas feitas pelo orador, uma vez
que “toda forma de se expressar” é produto de uma escolha entre outras
possibilidades linguísticas e estilísticas (EGGS apud AMOSSY, 2011, p. 31).
Charaudeau sublinha que convém que os sujeitos falantes ganhem em
credibilidade diante do seu público. Assim, o sujeito falante é levado a apostar
na influência, se baseando em quatro estratégias discursivas, a saber: 1) “o
modo de estabelecimento de contato com o outro e o modo de relação que se
instaura entre eles; 2) a construção da imagem do sujeito falante (seu êthos); 3)
a maneira de tocar o afeto do outro para seduzi-lo ou persuadi-lo (o páthos) e 4)
os modos de organização do discurso que permitem descrever o mundo e
explicá-lo segundo os princípios da veracidade (o lógos)” (CHARAUDEAU apud
MACHADO & MELLO, 2010, p. 59).
A argumentação está baseada em uma relação triangular entre um
sujeito argumentante, uma proposta sobre o mundo e um sujeito-alvo (idem,
2010, p. 205). A proposta do pesquisador francês é bem parecida com a de
Aristóteles que sublinha que o discurso consta de três componentes (ARISTOTE.
Rhétorique I, 3, 1358 a 37-40): a) o que fala (o orador); b) aquilo que se fala (o
assunto); c) aquele a quem se fala (o auditório).
Como destaca Reboul: “para ser bom orador, não basta saber falar; é
preciso saber também a quem se está falando, compreender o discurso do outro,
seja esse discurso manifesto ou latente, detectar suas ciladas, sopesar a força
de seus argumentos e, principalmente, captar o não-dito” (REBOUL, 2004, p.
XIX).
Ora, a “excelência da elocução”, levxewV a*rethv reside em ser “clara”, safhv;
sinal disso é que, se o discurso não for claro, não alcançará o seu objetivo. Além
do mais, a elocução não pode ser nem “modesta”, tapeinhvn, nem “de muito
aparato”, toV a*xivwma, mas ser “conveniente / adequada”, prevpw.
A “adaptação / o ajustamento”, h& a&rmovttousa, da elocução deve ser de
acordo com cada “gênero / categoria”, gevnoV, e “disposição / maneira de ser”,
e@xiV. A adaptação diz respeito às diversas faixas etárias: criança, homem e
ancião; ao sexo: feminino ou masculino; à nação: lacônio ou tessálio. Já a


antigas e as recentes (ARISTOTE. Rhétorique I, 15, 1375 b 26-34 / 1376 a 1-16). Denominam-se
testemunhas antigas os poetas e outros personagens.
31 Os afetos/emoções são “os meios pelos quais se fazem mudar os homens nos seus juízos e que têm por

consequência o prazer e a dor como, por exemplo, a cólera, a compaixão, o temor e todas as outras emoções
semelhantes e aquelas que são contrárias” (ARISTOTE. Rhétorique II, 1, 1378 a 20-22).

76

disposição, à sua maneira de ser. Um “inculto”, a*groi~koV, e um “instruído”,
pepaideuvmenoV, não falam, igualmente, as mesmas palavras, valendo-se de
diferentes registros (ARISTOTE. Rhétorique III, 7, 1408 a 25-32).
É bom lembrar que a adaptação do auditório não diz respeito, somente,
à questões vinculadas à linguagem, uma vez que não basta que o auditório
compreenda o que o orador diz, mas, para persuadir o auditório, deve-se, em
primeiro lugar, conhecê-lo, isto é, conhecer “as teses que ele admite de antemão
e que poderão servir de gancho à argumentação” (PERELMAN, 2004, pp. 145-
146).
O mais importante não é conhecer aquilo que o orador considera como
verdadeiro ou probatório, mas “qual é o parecer daquele a quem a argumentação
se dirige”. O orador pensa de modo mais ou menos consciente em relação aos
ouvintes que se procura persuadir e que constituem o auditório em que seus
discursos são dirigidos. Haja vista que o conhecimento prévio daqueles a quem
se quer persuadir é, na verdade, uma condição importante de uma
argumentação eficaz.
Deve-se pensar nos tipos de argumentos que podem influenciar o
interlocutor; preocupar-se com ele e interessar-se por seu estado de espírito
(PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 2005, pp. 18-27).
Assim é que a análise da argumentação gira em torno do que seja,
presumidamente, admitido pelo auditório. Os pesquisadores, ainda, pontuam
que “tanto o desenvolvimento como o ponto de partida da argumentação
pressupõe acordo do auditório (...)”. A propósito, determinados argumentos
considerados válidos para certas pessoas podem não ser, de modo absoluto,
para outras (ibidem, p. 73, 117).
Ruth Amossy, ao fazer uma análise do pensamento de Perelman destaca
que o orador apoia seus argumentos levando em consideração a dóxa que toma
emprestado de seus ouvintes. Assim, o orador constrói a sua imagem em função
da imagem que ele tem de seu auditório, “das representações do orador confiável
e competente que ele crê ser as do público” (AMOSSY, 2011, p. 124).
Entrementes, Glad dá o seguinte testemunho sobre Paulo e a
“adaptalidade”:
A ideia da adaptalidade era comum no mundo greco-
romano no tempo de Paulo entre diferentes segmentos da
sociedade por toda a bacia do Mediterrâneo. “Adaptação” é
um termo relacional; fala-se de adaptar ou ajustar alguma
coisa a outra, por exemplo, seu comportamento ou sua fala
aos outros em circunstâncias específicas. Como conceito
relacional, o termo se refere ao que precisa ser adaptado e
àquilo a que precisa se adaptar. Relaciona-se com o caráter,
a obra e os objetivos de alguém, e com as várias
circunstâncias e tipos de pessoas que se encontram. A
adaptação no discurso, muitas vezes tratada sob os títulos
de propriedade do discurso e descrição de caráter, tinha de
atuar nas várias condições dos destinatários numa
tentativa de ser perspicaz. Os retóricos sabiam muito até
que ponto sua apresentação podia afetar a recepção de seus
discursos. Os oradores tinham de saber como falar
adequadamente no “momento oportuno” para obter o
desejado impacto nos ouvintes (GLAD apud SAMPLEY,
2008, pp. 1-3).

A propósito, a opinião de Glad é, também aqui, digna de nota:

77

Nesse modo de pensar, a “cooptação ou “empréstimo” que
Paulo faz de concepções, convenções ou práticas
helenísticas ou romanas era, simplesmente, sua maneira
criativa de embalar o evangelho. Longe de mim dizer que
Paulo não era oportunista! Servia-se de qualquer abertura,
oportunidade ou situação que se apresentava como ocasião
de pregar. Por exemplo a sua pregação aos gálatas,
justamente porque ficou doente enquanto atravessava a
terra deles (Gl 4. 13), ou sua pregação aos guardas
pretorianos, porque aconteceu que eram eles que o vigiavam
no cativeiro (Fp 1. 13) (GLAD apud SAMPLEY, 2008, p.
XVII).
Há uma necessidade em considerar o êthos judaico de Paulo32 e,
simultaneamente, seu êthos greco-romano33, já que “todos os judaísmos na
época do início do Cristianismo já estão helenizados; já estão marcados até certo
ponto pelo onipresente influxo do mundo greco-romano e por seu êthos”.
O mundo greco-romano era o mundo de Paulo, e por isso,
não se pode dizer que Paulo “tomou emprestada” esta ou
aquela tradição, convenção ou prática romana; do mesmo
modo, não se deve utilizar expressões que sugiram que o
apóstolo esteja “adotando” os modos característicos de um
romano. Por consequência, Paulo apresenta-se, de fato,
como um judeu, e um judeu romano, no ecúmeno do
Mediterrâneo Oriental de sua época. Assim é que Paulo
conhece, de modo perfeito, as convenções e as práticas de
seu tempo (SAMPLEY, 2008, pp. XVI-XVIII).

Já Fiorin argumenta que o falante organiza sua estratégia discursiva em


função da imagem que ele tem do interlocutor, em função da imagem que ele
pensa que o interlocutor tem dele e, por fim, em função da imagem que ele
deseja transmitir ao interlocutor. Assim, devido a esse jogo de imagens, o falante
utiliza determinados procedimentos argumentativos e não outros (FIORIN,
2003, p. 18).
Sublinhe-se que a obra Linguagem e Discurso: Modos de Organização de
Patrick Charaudeau foi de suma importância para a análise do discurso paulino
no Areópago de Atenas.

Comentários

Levando em consideração os pressupostos teóricos supracitados de


vários pesquisadores e tomando por base as três etapas da argumentação: 1) o
começo; 2) a transição; 3) o fim, propostas por Charaudeau (CHARAUDEAU,
2010, p. 244-245), pode-se fazer as seguintes observações a respeito do discurso
paulino no Areópago de Atenas.


32 A expressão «Eu sou varão judeu” (...) (At 22. 3) constitui uma declaração de uma identidade, apontando
para a fidelidade de Paulo quanto ao judaísmo. Por meio do reforço do pronome pessoal e do verbo no presente,
na primeira pessoa do discurso, « eu sou », Paulo apresenta informações do âmbito étnico-religioso. A
propósito, não só essa expressão, mas também a referência ao seu curriculum vitae, onde inclui a escola de
Gamaliel em Jerusalém (At 22. 3), assim como as cartas que recebeu para perseguir os cristãos de Damasco
(At 22. 5) são, aqui, elementos fundamentais para a apresentação de sua identidade diante dos ouvintes.
Assim sendo, Paulo adapta o seu h^qoV diante de seu público hierosolimitano.
33 Ver, sobretudo, At 17. 28.

78

O Começo: é a exposição dos elementos da Proposta e da Proposição

!AndreV *Aqhnai~oi, kataV pavnta w&V deisidaimonestevrouV u&ma~V


qewrw~34.

Ó varões atenienses, de acordo com todas as coisas, vejo-vos


como extremamente religiosos. (vers. 22)

Atesta-se, nesse discurso, o emprego de uma expressão em vocativo -


!AndreV *Aqhnai~oi, “Ó varões atenienses!”, para assinalar a interpelação direta,
qualificando o orador o público específico a quem se dirige.
Após a invocação, segue-se a partícula w&V, aqui traduzida por “como”,
antecedendo e acentuando a forma do comparativo do adjetivo deisidaivmwn:
w&V deisidaimonestevrouV, "extremamente religiosos", ou ainda, “muito religiosos ou
religiosos demais”.
Desse modo, podem-se destacar determinados procedimentos
discursivos utilizados por Paulo neste discurso como, por exemplo, a
comparação
Rowe destaca que Atos 17. 22 é visto por estudiosos modernos como um
exemplo excelente de captatio benevolentiae com o qual oradores antigos abriam
os seus discursos. O destaque vai para o adjetivo no grau comparativo
deisidaimonestevrouV, "extremamente religiosos”. Assim, Paulo tenta elogiar a sua
audiência e ganhar a sua eu!noia, “boa vontade” (ROWE, 2009, p. 33).
De modo inverso, outros estudiosos notam, claramente, o senso
pejorativo que deisidaivmwn pode levar no mundo antigo, e interpretam a sentença
não como um procedimento retórico, mas como uma crítica de Paulo ao
politeísmo ateniense. Esta leitura aponta para os Atos 17.16, onde Lucas,
explicitamente, declara que Paulo estava revoltado por causa da “idolatria” da
cidade e, em Atos 17. 30, Paulo caracteriza a “idolatria” ateniense como a!gnoia
(At 17. 23) (ROWE, 2009, p. 33).
É bom lembrar que, para o estagirita, “o elogio é um discurso que mostra
a grandeza da areté”, !Estin d’ e!painoV lovgoV e*mfanivzwn mevgeqoV a*reth~V (ARISTOTE.
Rhétorique I, 9, 1367 b 27).
Não obstante, Aristóteles utiliza o vocábulo ei*kwvn para expressar a
semelhança, a imagem, a comparação entre elementos. Aristóteles ainda
destaca que ei*kwvn é útil no discurso, desde que seja empregada poucas vezes,
uma vez que é peculiar da poesia (ARISTOTE. Rhétorique III, 4, 1406 b 24-25).
Charaudeau pontua que “no âmbito de uma argumentação, a
comparação é utilizada para reforçar a prova de uma conclusão ou de um
julgamento (...)” (CHARAUDEAU, 2010, p. 237). A comparação no prólogo de
Paulo é, na terminologia charaudeana, denominada de “comparação objetiva,
uma vez que o “comparante é verificável” (ibidem, p. 238).
Vanoye expressa que a “comparação completa compreende quatro
termos” (VANOYE, 1986, p. 49):
1. O Comparado (objeto que se compara)
2. O Comparante (objeto ao qual se compara o
comparado)
3. O Termo Comparativo: como, tal, tão, como,
semelhante etc.
4. O Ponto de Comparação

34
Vine atesta que qewrevw, “vejo”, é utilizado para fazer referência a alguém que olha uma determinada coisa
com interesse e também com um propósito, indicando, então, uma observação minuciosa dos detalhes (VINE,
2002, p. 502).

79

Estrutura da Comparação

1. Comparado: !Andreς *Aqhnai~oi, Ó varões


atenienses
2. Comparante: deisidaimonestevrouς, extremamente
religiosos
3. Termo Comparativo: w&ς, como
4. Ponto de Comparação: A religiosidade dos atenienses

2) A Transição: Passa de um momento da argumentação a um outro.


[23] diercovmenoV gaVr kaiV a*naqewrw~n taV sebavsmata u&mw~n eu%ron kaiV
bwmoVn e*n w%/ e*pegevgrapto, *Agnwvstw/ qew~/. o$ ou^n a*gnoou~nteV
eu*sebei~te, tou~to e*gwV kataggevllw u&mi~n. [24] o& qeoVV o& poihvsaV toVn
kovsmon kaiV pavnta taV e*n au*tw~/, ou%toV ou*ranou~ kaiV gh~V u&pavrcwn
kuvrioV ou*k e*n ceiropoihvtoiV naoi~V katoikei~ [25] ou*deV u&poV ceirw~n
a*nqrwpivnwn qerapeuvetai prosdeovmenovV tinoV, au*toVV didouVV pa~si
zwhVn kaiV pnohVn kaiV taV pavnta: [26] e*poivhsevn te e*x e&noVV pa~n e!qnoV
a*nqrwvpwn katoikei~n e*piV pantoVV proswvpou th~V gh~V, o&rivsaV
prostetagmevnouV kairouVV kaiV taVV o&roqesivaV th~V katoikivaV au*tw~n
[27] zhtei~n toVn qeoVn ei* a!ra ge yhlafhvseian au*toVn kaiV eu@roien,
kaiV ge ou* makraVn a*poV e&noVV e&kavstou h&mw~n u&cavrconta.
[28] *En au*tw~/ gaVr zw~men kaiV kinouvmeqa kaiV e*smevn, w&V kaiv tineV
tw~n kaq’ u&ma~V poihtw~n ei*rhvkasin,
Tou~ gaVr kaiV gevnoV e*smevn.
[29] gevnoV ou^n u&pavrconteV tou~ qeou~ ou*k o*feivlomen nomivzein
crusw~/ h# a*rguvrw/ h# levqw/, caravgmati tevcnhV kaiV e*nqumhvsewV
a*nqrwvpou, toV qei~on ei^nai o@moion.

[23] Pois, passando e observando atentamente os vossos


objetos de culto, encontrei também um altar, no qual estava
escrito: “Ao Deus Desconhecido”. Por conseguinte, aquilo
que, não conhecendo, adorais, isto eu anuncio a vós. [24] O
Deus que criou o Universo e todas as coisas (existentes) nele,
esse, sendo Senhor do céu e da terra, habita, não em templos
feitos por mãos humanas, [25] nem mesmo é servido por
mãos típicas de homens, (como que) necessitando de alguma
coisa. Dando ele a todos vida terrena e fôlego e todas as
coisas. [26] E fez de um toda a raça de seres humanos para
habitar sobre toda a face da terra; determinando tempos
oportunos estabelecidos e os limites assinalados da
habitação deles, [27] para buscarem a Deus, se porventura,
pudessem tocá-lo e encontrassem, se bem que não esteja
distante de cada um de nós.
[28] De fato, nele, vivemos e nos movemos e existimos,
como também alguns dentre os vossos poetas falaram:
Também, com efeito, somos descendência dele.
[29] Por conseguinte, sendo descendência de Deus, não
devemos pensar que a divindade seja semelhante à imagem
de ouro ou a objeto de prata ou de pedra trabalhada, imagem
de arte gravada e imaginação de ser humano.

80

Tem-se a utilização da conjunção explicativa gavr, “pois”, para Paulo
passar de um tópico da argumentação a outro e dar início à explicação do
porquê do seu elogio: “Pois, passando e observando atentamente os vossos
objetos de culto, encontrei também um altar, no qual estava escrito: “Ao Deus
Desconhecido”. Por conseguinte, aquilo que, não conhecendo, adorais, isto eu
anuncio a vós” (vers. 23).
Sem dúvida, estava muito inspirado o apóstolo Paulo, ao usar um objeto
de culto dos atenienses - o altar do “Deus Desconhecido”, para tentar persuadir
os atenienses da existência de um único Deus verdadeiro. Na verdade, o altar
do “Deus Desconhecido” possuía uma história que tanto Paulo quanto os
filósofos bem sabiam. O historiador Diógenes Laércio conta que Epimênides foi
chamado a ir para Atenas, quando a cidade enfrentava uma grave peste.
Quando chegou à cidade, expiou-a da seguinte forma: ordenou que soltassem
um rebanho de ovelhas negras e brancas no Areópago; o lugar onde esses
animais parassem para repousar era o local onde deveriam prestar culto à
divindade. Assim, a praga cessou (DIÓGENES LAERCIO, Vidas de Filósofos
Ilustres I, 2). Possivelmente, foi esse altar ao “Deus Desconhecido” que Paulo
viu35.
Mesmo na época clássica, os poetas parecem inventar novos deuses, tais
como, a Esperança, o Medo e outros conceitos que podem ser elevados a deuses,
sabe-se que São Paulo considerou os atenienses “muito tementes a deus”,
todavia esse temor compreendia uma multiplicidade de deuses. Ao que tudo
indica, tanto os gregos antigos quanto outros povos primitivos pensaram a
mesma coisa a respeito dos deuses, uma vez que tinham a concepção de que a
vida deles estava sujeita a poderes externos que eram incapazes de dominar, e
a esses poderes denominaram de qeoiv, deuses36. A todos os deuses deviam-se
oferecer sacrifícios, uma vez que qualquer irregularidade poderia irritá-los. É
bem que verdade para os sacrifícios, o homem deveria se submeter à
purificação. Uma religião politeísta como a dos gregos é hospitaleira para novos
deuses, uma raça grega que se instalasse em outro local continuaria venerando
suas divindades e também as já existentes na região (KITTO, 1980, p. 323-329).
Um outro procedimento discursivo atestado é a definição de um ser
(versículos 24 a 27). Para Charaudeau, no que diz respeito à argumentação,
utiliza-se a definição com fins estratégicos, consistindo em descrever
determinados traços semânticos que caracterizam um vocábulo, em certo
contexto (CHARAUDEAU, 2010, p. 36).
Dos versículos 24 ao 27, tem-se informações a respeito desse “Deus
Desconhecido. O apóstolo sustentou seus argumentos empregando também
vocábulos apropriados, como ou*ranovV, “céu”, gh~, “terra”, kovsmoV, “universo”, kuvrioV,
“Senhor”, e o& qeoVV o& poihvsaV, o “Deus que criou”, isto é, o “Criador”, para situar
o “Deus Desconhecido”, diante dos atenienses e para dar ênfase às obras
criacionistas dessa Divindade. Através destas expressões, Paulo ratifica o
poderio e a amplitude desse “Deus Desconhecido”.
No início de Gênesis, em todo o primeiro capítulo, há a concepção
judaica-cristã da criação do universo (Gn 1. 1-26). Ora, como exemplo da
concepção grega da criação do universo, pode-se extrair preciosas informações
da teogonia hesiótica, em que o poeta Hesíodo invoca às Musas (HESÍODO.
Teogonia, vv. 104-110; 116-117; 126-128).

35 Encontra-se também referência a esse Deus, “sem nome”, quer dizer a!gnwstoV, “desconhecido” em outros
autores (DIOGENES LAERTIUS, Lives of Eminent Philosophers 1. 110); TERTULLIAN. Contre Marcion, I.
9; PAUSANIAS. Description of Greece I.1.4; V.14.8; FLAVIUS PHILOSTRATUS. The Life of Apollonius VI,
3).
36 É bom lembrar sobre o que Paulo expressou, em uma de suas epístolas, a respeito da pluralidade de deuses

(1 Co 8. 5-6).

81

Paulo demonstrou que a Divindade, que ele anunciava, não dependia de
sua criação humana e, mostra, mais uma vez, sua grandiosidade. Para dar mais
realce às suas palavras, Paulo usa a partícula negativa ou*dev, “nem mesmo”. A
antítese, nesse versículo 25, é entre a Deidade e o ser humano. A propósito,
essa oposição se inicia no versículo 24, se estendendo até o versículo 27.
O verbo e*poivhsevn, “fez”; o&rivsaV "limitando”, demonstra a ação da
Divindade e os infinitivos katoikei~n, “para habitar”, e zhtei~n, “para buscarem”, o
objetivo da Divindade com relação à sua criação, conforme os versículos 26-27.
Pela primeira vez, nesse discurso, Paulo emprega o “nós inclusivo” de
“identificação”, por meio do pronome pessoal de primeira pessoa do plural h&mw~n,
“de nós” (vers. 27).
A citação é um outro procedimento discursivo, que Charaudeau
denomina de “discurso relatado”:“a citação consiste em referir-se, o mais
fielmente possível, (ou pelo menos dando uma impressão de exatidão) às
emissões escritas ou orais de um outro locutor (...). A citação funciona como
uma fonte de verdade, testemunho de um dizer, de uma experiência, de um
saber” (CHARAUDEAU, 2010, p. 240).
Maingueneau chama de intertextualidades ao conjunto das relações
explícitas ou implícitas que um determinado texto mantém com outros
(MAINGUENEAU, 2006, p. 87).
Paulo, além de fazer uma citação indireta do profeta Isaías (Is 42. 5-24)
nos versículos 24 e 25, empregou, em seu discurso no Areópago de Atenas,
versos de poetas gregos que, originalmente, exaltavam a Zeus, o soberano do
Olimpo tais como Cleantes de Assos (331-232 a.C.) e Áratos de Soli (315-240
a.C.). O primeiro era filósofo e discípulo do fundador do estoicismo, Zenão de
Cício (332-269 a.C.); o segundo, filósofo estoico e matemático grego.
A propósito, possivelmente, Tou~ ... e*smevn seja uma citação direta de
Phaenomena, “Fenômenos” 1-5, especialmente o último verso de Áratos de Soli
e do Hino a Zeus de Cleantes de Assos.
Acredita-se que o verso, que serviu de introdução ao versículo
supracitado *Enau*tw~/ gaVr zw~men kaiV kinouvmeqa kaiV e*smevn, seja da obra Cretica, de
Epimênides37 (poeta e profeta cretense de meados dos anos 600 a.C., natural
de Cnossos).
Nunca é demais ressaltar a importância de um poeta na Grécia Antiga e
a inspiração poética. Para Aristóteles, e!nqeon gaVr h& poivhsiV, “a poesia é inspirada
pelos deuses” (ARISTOTE. Rhétorique III, 7. 1408 b 17-19). Já Demócrito dá o
seguinte testemunho: poihthVV deV a@ssa meVn a#n gravfh/ met’ e*nqousiasmou~ kaiV i&erou~
pneuvmatoV, kalaV kavrta e*stivn, “todas as coisas que um poeta escreve com
entusiasmo e sopro sagrado são, certamente, belas” (fr. D12).
Desse modo, o poeta, entre os gregos antigos, era, por muitos,
considerado como um ser sagrado, que falava belas coisas, por meio de uma
qei~a duvnamiV, “força divina”, ou ainda por meio de uma qei~a moi~ra, “parcela /


37 Em uma outra ocasião, Paulo utilizou, mais uma vez, os versos de Epimênides para ratificar e dar mais
veracidade às suas palavras a respeito de falsos mestres cretenses, como corroboram os versículos subscritos:
[12] ei%pevn tiV e*x au*tw~n i!dioV au*tw~n profhvthV. Krh~teV a*eiV yeu~stai, kakaV qhriva, gastevreV a*rgaiv. [13] h& marturiva au@th
e*stiVn a*lhqhvV. di’ h$n ai*tivan e!legce au*touVV a*potovmwV i@na u&giaivnwsin e*n th~/ pivstei. [12] Alguém disse dentre eles,
um próprio profeta deles: “Cretenses, sempre mentirosos, feras más, ventres inativos. [13] Este testemunho
é verdadeiro. Por esta causa, exorta-os, severamente, para que sejam sadios na fé (Tt 1. 12-13). Paulo também
cita um excerto de Thaís de Menandro (342-291 a.C.), uma comédia perdida: Fqeivrousin h!qh crhstaV o&milivai
kakaiv, “as más conversações destroem os bons costumes” (1 Co 15. 33). Na verdade, não se tem unanimidade
entre os estudiosos a respeito da autoria desse verso. Para tal consideração, deve-se mencionar a observação
de Glad: “Muitas vezes se tem afirmado que esse provérbio é da comédia perdida Thaís de Menandro, mas
Robert Renehan mostrou que essas palavras “originalmente, apareceram numa tragédia, provavelmente, de
Eurípides” (GLAD apud SAMPLEY, 2008, p. 20).

82

privilégio divino”, e não por uma e*pisthvmh, “arte ou ciência”, (PLATÃO. Íon, 532
d; 533 e; 534 b, c, d).
Assim, a criação poética não dependia da racionalidade do homem para
a sua realização. Convém lembrar, ainda, o poeta Homero e suas famosas
invocações à Mou~sa (Moûsa), Deusa em seus versos épicos (HOMERO. Ilíada
I, 1-2; II, 484-494). Homero, aliás, destaca que a Musa inspirava o aedo
Demódoco (HOMERO. Odisséia VIII, 72-77).
Rowe destaca que, no discurso do Areópago, a fala de Phaenomena de
Aratus e outras alusões são removidas da moldura interpretativa original e
situadas em outra moldura, que se estende de Gênesis 1 até a ressurreição de
Jesus no último dia (h&mevra, vers. 31) (ROWE, 2009, p. 40).
Eis, por exemplo, os versos originais de abertura com invocação a Zeus
do poeta Áratos de Soli38:
pavnth deV DioVV kecrhvmeqa pavnteV.
tou~ gaVr kaiV gevnoV ei*mevn ...
(ARATUS SOLENSIS. Phaenomena 4-5)

Em todas as partes, todos temos necessidade de Zeus.


Também, com efeito, somos descendência dele.

Seguem-se, agora, os versos subscritos de Cleantes de Assos:

cai~re: seV gaVr pavntessi qevmiV qnhtoi~si prosauda~n


e*k sou~ gaVr gevnoV e*smevn (...).
(CLEANTHES. The Hymn of Cleanthes, 4-5)

Salve! Pois é costume a todos os mortais dirigir-te a palavra.


Com efeito, somos tua descendência.

No caso, a citação paulina de versos pertencentes à literatura grega


funciona como um testemunho de um dizer, uma vez que se refere a declarações
de outrem, para, nas palavras de Charaudeau, “provar a veracidade de alguma
coisa, para constatá-la, ou para destacar sua exatidão” (CHARAUDEAU, 2010,
p. 240).
Mckenzie pontua que “o discurso de Paulo não foi pronunciado no
habitual estilo Paulino, mas representou um esforço para falar à maneira dos
filósofos gregos” (MCKENZIE, 1983, p. 71).
Interessante destacar que o apóstolo, em uma de suas epístolas aos
coríntios, disserta a respeito de sua estratégia evangelística:
[22] e*genovmhn toi~V a*sqenevsin a*sqenhvV, i@na touVV a*sqenei~V
kerdhvsw: toi~V pa~sin gevgona pavnta i@na pavntwV tinaVV swvsw. [23]
pavnta deV poiw~ diaV toV eu*aggevlion, i@na sugkoinwnoVV au*tou~
gevnwmai.
[22] Fiz-me de frágil para os frágeis, para que eu
conquistasse os frágeis, fiz todas as coisas para todos, para
que, por todos os meios, eu salvasse alguns. [23] Ora, faço
todas as coisas por causa do evangelho, para que eu me
torne seu co-participante (1 Co 9. 22-23).

Após Paulo fazer as citações de poetas gregos, ele emprega mais uma
vez a comparação, dessa vez, subjetiva que é a comparação por analogia mais

38 Ver também: CLEANTHES. The Hymn of Cleanthes, 15-19.

83

ou menos imagética (CHARAUDEAU, 2010, p. 238). Na verdade, Paulo, de modo
indireto, estava comparando o “Deus Desconhecido”, que não era obra de
nenhum artífice e nem de imaginação humana (vers. 29), aos deuses do panteão
grego.

Fim: Anuncia o último momento da argumentação ou de uma parte dela

Paulo passa de um tópico ao outro, empregando a partícula de nuance


consecutiva ou^n, “por conseguinte”, finalizando sua argumentação.
Novamente, há a definição de um ser com a presença de verbos que
indicam as ações desse “Deus Desconhecido”: paraggevllei, “anuncia” (vers. 30);
e!sthsen, “estabeleceu”; mevllei, “está a ponto de”; w@risen, “designou” (vers. 31).
Sublinhe-se que, na parte final de seu discurso, o apóstolo faz referência,
indiretamente, a um varão que foi ressuscitado pelo “Deus Desconhecido”. Ora,
esse “varão” seria Jesus Cristo (At 17. 30-31).
Parece que o discurso foi interrompido por causa da zombaria, quando
ouviram a respeito da ressurreição (vers. 32). A propósito, Mack destaca que a
ideia da ressurreição violava a sensibilidade helênica, uma vez que se tratava
de uma ideia nova (MACK, 1994, p. 208).

Notas Conclusivas

A língua é, de um modo geral, coletiva, todavia, cada indivíduo tem suas


particularidades, preferências linguísticas. Então, as estratégias de construção
de um discurso - citações, seleções lexicais, paralelismos, perguntas retóricas,
comparações, operadores argumentativos ... - têm por escopo a transmissão de
opinião(ões) do enunciador a respeito de algum assunto e conseguir uma
aproximação com o seu(s) destinatário(s), de modo a criar uma cumplicidade
entre ambos, para que o(s) destinatário(s) também seja seu “coenunciador”.
Paulo extraiu o seu proêmio do “louvor”, do “elogio” a seu público (At 17.
22) logo no início de sua argumentação, para obter a simpatia entre ele e os
ouvintes; assim sendo, ao iniciar a sua argumentação, o apóstolo faz um elogio,
almejando lhes despertar alguns pavqh, “as disposições, sentimentos” (vers. 16),
como, por exemplo, h& filiva, “a amizade”, toV qarrei~n, “a confiança”, h& cavriV, “a
benevolência”.
A princípio, pode parecer estranho tal elogio, uma vez que o relato dos
Atos informa que ele ficou indignado em face da idolatria da cidade (At 17. 16).
Mas apesar disso, em nenhum momento, ele desrespeitou os ouvintes,
qualificando-os de “idólatras” ou de “adoradores de falsos deuses”, mas os
denominou deisidaimonestevrouV, “extremamente religiosos” (At 17. 22). Na
verdade, Paulo tinha consciência de que os gregos, apesar de não possuírem as
mesmas crenças religiosas que ele, era um povo extremamente religioso,
cultuando e crendo nos deuses que consideravam verdadeiros.
O apóstolo – valendo-se de sua vasta cultura, tanto judaica quanto
helênica –, constrói também o seu h^qoV, isto é, a apresentação de si, tendo em
vista as dovxai, “os valores, as crenças”, de seu público ateniense.
A apresentação de si do apóstolo revelou ser ele um homem bem
intencionado para com seus ouvintes, portador de frovnhsiV, “prudência,
sensatez”. Pode-se dizer também que o missionário, ao fazer referência à cultura
peculiar dos atenienses, toca nos afetos (pavqh) desse povo, mostrando que ele
era um orador portador de eu!noia, “benevolência”, já que discursava a respeito
do “Deus Desconhecido”, mostrando quem era, na verdade, essa Divindade, a

84

quem os atenienses adoravam, mas não estavam muito bem informados a seu
respeito. Na verdade, o “Deus Desconhecido” era superior as outras divindades
do panteão helênico, sendo o verdadeiro “Senhor do Universo” (At 17. 24).
Possivelmente, Paulo sabia da importância da figura de um poeta e da
influência de seus versos para o público grego. O religioso tinha consciência que
ali havia gregos que ainda consideravam os poetas como seres inspirados, como
“portadores da revelação divina”.
O apóstolo, em nenhum momento, citou nomes de profetas israelitas e
nem excertos das sagradas escrituras judaicas (de modo direto), para obter o
respeito e a atenção de seus ouvintes.
Assim sendo, sempre que podia, Paulo empregava citações diretas, isto
é, “discursos relatados”, um procedimento retórico, como uma espécie de fonte
da verdade, ou seja, um testemunho confiável, uma vez que essas referências
estavam vinculadas a uma determinada cultura, a um passado comum,
peculiar aos membros de um determinado grupo. Desse modo, o apóstolo não
desprezou a cultura de seu público, dialogando com as peculiaridades desses
povos, sempre que lhe era oportuno e necessário, para fundamentar a sua
argumentação, para dar mais veracidade às suas palavras.
Paulo sabia que o seu público se constituía tanto de pessoas muito
religiosas quanto de filósofos estóicos e epicureus, pois ele fora confrontado por
esses dois últimos grupos, antes de ser conduzido para discursar no Areópago
(At 17. 17-18). Para tal, empregou determinados procedimentos
argumentativos, a fim de alcançar a persuasão de seus ouvintes, citem-se, por
exemplo: comparações, citações e definições de um ser, conforme a terminologia
charaudeana.
Atestam-se, no corpus paulinum, observações a respeito da utilização
adequada do lovgoV (Cl 4. 6). Paulo colocava, em evidência, a importância de um
discurso com fluidez, para que os usuários de uma língua se entendessem (1
Co 14. 10-11). Convém sublinhar que Paulo se considerava um i*diwvthV, “uma
pessoa leiga, não treinada”, quanto ao seu lovgoV (2 Co 11. 6); este, por sua vez,
seria e*xouqenhmevnoV, "desprezível, inútil” (2 Co 10. 10). No entanto, as afirmações
do apóstolo, quanto ao seu lovgoV, não devem ser levadas ao pé da letra.
Destarte, o apóstolo conseguiu, por meio de seu discurso, persuadir
alguns gregos - tanto homens quanto mulheres - que o “Deus Desconhecido”,
que cultuavam, era, na verdade, o verdadeiro Deus que ele anunciava (At 17.
34).
A propósito, Paulo empregou a levxiV, a “elocução”, apropriada, adaptada
de acordo com cada tipo de público, na tentativa de obter a captatio
benevolentiæ, a “boa vontade”, buscando os meios, as expressões e as palavras
mais adequadas, a fim de que o seu discurso fosse eficaz e, consequentemente,
persuasivo. Na verdade, a adaptalidade ou propriedade do discurso era algo
corriqueiro no mundo greco-romano.
À vista disso, conclui-se que o apóstolo contextualizou a sua mensagem,
não desprezando a cultura desse povo; falou a língua dos seus ouvintes, mesmo
sendo um estrangeiro, não precisou de intérprete, para alcançar a persuasão de
seu público.
Não convém esquecer que Paulo aproveitava todas as oportunidades que
apareciam para anunciar o evangelho (1 Co 9. 22-23; Gl 4. 13; Fp 1. 13). O
missionário, em certa ocasião, destacou que a sua missão havia chegado ao fim,
e que havia cumprido o seu comissionamento divino como um apologista da
nova crença (2 Tm 4. 7).
Ora, Paulo, ao discursar em Atenas, vê-se, então, o encontro de dois
povos: judeus e gregos. Por um lado, os judeus, além de monoteístas, tinham

85

um “orgulho” de fazerem parte de uma “eleição divina”; de suas leis e dogmas
terem sido objeto de revelação divina para eles. Por outro lado, os gregos que
eram politeístas ao extremo e o seu “orgulho” não se baseava em fazer parte de
um “povo eleito” por uma Divindade, mas se “orgulhavam” de seu “saber”, de
sua cultura seja literária, filosófica ou artística (MCKENZIE, 1983, pp. 394-395).
Assim é que o apóstolo, no decorrer de suas viagens missionárias, entrou
em contato com numerosos povos e, mesmo sendo portador de cultura
diferente, tentou estabelecer uma empatia com aqueles que não possuíam as
mesmas convicções teológicas que ele. Desse modo, o contexto histórico e a
localização espacial foram de suma importância para a compreensão de seu
discurso diante dos atenienses, uma vez que o tipo de ouvinte e o quadro
espacial são de grande valia, para que o orador possa construir o seu discurso
e, consequentemente, a apresentação de si.

Referências Bibliográficas

Documentação Textual

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88

ESTUDOS SOBRE TEATRO GREGO

89

EL SENTIDO DE LA FORMA.
LOS ‘ANUNCIOS EXTENDIDOS’ EN SUPLICANTES DE ESQUILO39

María del Pilar Fernández Deagustini


UNLP- CONICET
mpilarfd@hotmail.com

“…it is up to the playwright to invent the stage action and


to use it; the few fixed elements make no difference to this.
And it is, indeed, precisely in his dramatization that his
art lies; not in the story, but in how he turns it into the
drama.”
Taplin (1977: 27).

Resumen

Suplicantes de Esquilo fue datada y valorada como “primitiva” en nombre de un


patrón genérico convencional. Frente al enfoque normalizador de origen
aristotélico, artificial y forzado, proponemos apreciar la obra como un fenómeno
dramático auténtico, conjugando el método filológico-literario con la perspectiva
performativa, un enfoque escasamente ensayado en las aproximaciones a
Suplicantes.
En el presente artículo, analizamos dos pasajes de la tragedia, los
“anuncios extendidos” (vv. 176-203; 710-733), porque permiten revelar su
técnica estructural auténtica, sin imponer a la obra una matriz compositiva
externa. Nuestro objetivo es demostrar que la forma de la puesta en escena
confiere sentido a la matriz discursiva.

Palabras clave: Sentido, Estructura, Anuncios, Suplicantes, Esquilo

Abstract
Aeschylus’ Suppliants was dated and valued as “primitive” according to a
generic and conventional pattern. Confronting this standarized approach of
aristotelic origin, artificial and forced, we propose to esteem the play as an
authentic dramatic phenomenon, combining the filological-literary method with
the performative perspective, which is an unusual standpoint among the
studies of Suppliants.
In this article, we analize two passages of the tragedy, the “extended
announcements” (vv. 176-203; 710-733), because they allow for revealing its
authentic estructural technique, without imposing an external scheme on the
play. Our aim is to demonstrate that the form of the performance transmits
meaning to the discursive pattern.

Key words: Meaning, Structure, Announcements, Suppliants, Aeschylus


39 Parte de esta sección del apartado está constituido por el contenido de la ponencia “Cooperación y
competencia: las llegadas del amigo y del enemigo en Suplicantes de Esquilo”, presentada en el VI Coloquio
Internacional Agón: Competencia y Cooperación. De la antigua Grecia a la Actualidad. Homenaje a Ana María
González de Tobia, en la cuidad de La Plata, junio de 2012, inédito.

90

Durante décadas, Suplicantes ha sido considerada la obra dramática más
antigua entre las conservadas, hasta que, mediando el siglo pasado, nueva
evidencia puso en cuestión su datación primera, junto con todo aquello que
había sido escrito con anterioridad al descubrimiento.40 A pesar de haber sido
protagonista de uno de los más revolucionarios hallazgos de los estudios
clásicos, Suplicantes es el drama menos estudiado entre las obras de Esquilo y
uno de los menos leídos del corpus trágico atesorado. Entre los estudios
existentes, menguan interpretaciones integrales de la tragedia que reconozcan
su impronta genérica. Debido al desafortunado estado del manuscrito, los
críticos concentraron su interés en aproximaciones de tipo textual y, como
consecuencia de haber sido considerada el único exponente de la proto-
tragedia, su valor dramático ha sido históricamente subestimado.41
Suplicantes fue datada y valorada como “primitiva” en nombre de un
patrón genérico convencional, a partir del cual se determinó que la técnica
dramática de la obra era arcaica (por carecer de prólogo y desarrollar un
argumento “simple”) y que las posibilidades ofrecidas por el uso del segundo
actor no habían sido adecuadamente desarrolladas todavía, porque la lírica
coral predominaba sobre el diálogo entre actores. Frente a este enfoque
normalizador de origen aristotélico, artificial y forzado, proponemos apreciar la
obra como un fenómeno dramático auténtico, conjugando el método filológico-
literario con la perspectiva performativa, un enfoque escasamente ensayado en
las aproximaciones a Suplicantes. El principio que guía este análisis es,
entonces, que el entendimiento cabal del género trágico griego clásico sólo puede
emerger del conocimiento de cuán diferentes entre sí son cada una de las obras
que han subsistido hasta nuestros días. A pesar de las limitaciones fijadas por
las condiciones de la performance, cada drama es una obra de arte única, que
obedece solamente a sus propias reglas. Por consiguiente, interpretar una
tragedia particular implica intentar captar la concepción dramática subyacente,
asumiendo que el dramaturgo compuso, podujo y dirigió la obra con absoluta
libertad. Para ello, proponemos el análisis de dos pasajes, los “anuncios
extendidos”,42 para demostrar que el texto dramático es sólo uno de los insumos
que construyen una experiencia, mucho más amplia y de inasequible
reconstrucción: la composición de una “tragedia en acción”,43 en la que la forma
de la puesta en escena confiere sentido a la matriz discursiva.


40 El descubrimiento del papiro de Oxyrrinco 2256.3 en 1952 causó la mayor revolución en los estudios
esquileos en particular y clásicos en general. El texto revelaba datos de un certamen trágico de las Grandes
Dionisias que transformaron la historiografía del teatro griego clásico, sugiriendo una nueva fecha de
representación de Suplicantes. El revolucionario fragmento, adjudicado a Aristófanes de Bizancio, fue
publicado por primera vez por Lobel-Wegener-Roberts (1952: 30). Tras siglos de recepción en los que se
desconoció la fecha de representación de la obra, durante los cuales los especialistas se esforzaron por
descifrarla, la publicación del papiro marcó un hito que dividió los estudios de la obra en dos etapas definidas.
Antes de 1952, el desconocimiento de una fecha cierta impulsó el surgimiento de investigaciones que, basadas
en criterios estilométricos e históricos, tendieron a ubicar la obra en una etapa temprana de la producción
dramática de Esquilo, aproximadamente en la década del 490 a. C, dos décadas antes de la primera tragedia
datada con certeza, Los persas (472 a. C.). Después de 1952, la divulgación de la corrompida didascalia
impuso una nueva coyuntura entre los clasicistas, en la cual la mayoría se inclinó a sostener que Suplicantes
no era la primera entre las tragedias conservadas de Esquilo ni, por lo tanto, la tragedia más antigua entre
las preservadas de los tres trágicos.
Para una completa discusión del fragmento 2256.3, Garvie (2006: 1-28). Dos artículos específicamente
dedicados a la polémica sobre la datación de Suplicantes son los de Yorke (1954) y Wolf (1958).
41 Sobre los abordajes y líneas de investigación acerca de la obra, cfr. Fernández Deagustini (2015:

“Introducción”).
42 El término para designar este tipo de pasajes dramáticos ha sido acuñado por Taplin (1977).
43 Se trata de una referencia explícita al emblemático libro de Taplin (1978).

91

En la década del ’70, Taplin44 supo probar que el estudio de la técnica
estructural de la tragedia griega ha sido inhibido por los términos y definiciones
de Poética 1452b 14-27. El acercamiento a la forma de una tragedia desde los
axiomas aristotélicos propuestos en el conocido capítulo XII no sólo es inflexible
y predeterminado,45 sino que se define sobre la base de un único criterio: la
alternancia entre el discurso de los actores y los cantos del coro. En el caso
particular de Suplicantes, la arbitrariedad del principio resulta evidente, puesto
que el coro es protagonista. En una “tragedia lírica,” donde el coro interviene
extraordinariamente, participando en los “episodios”, no todo canto coral divide
escenas.
Sin dudas, la forma constituye un aspecto importante de cualquier obra
de arte. En el caso particular del teatro, el dramaturgo no sólo compone cada
una de las escenas como unidad, sino que las organiza significativamente, de
manera que el espectador pueda responder a la relación de las partes en un
todo integrado. En esta disposición de las distintas unidades dramáticas, dos
pautas resultan fundamentales: por un lado, la secuencia,46 es decir, la
concatenación ininterrumpida y progresiva de escenas;47 por el otro, la
coherencia, o sea, la existencia de componentes que aparecen en conjuntos
solidarios y cooperan en la construcción del sentido dramático. En este último
aspecto de la composición estructural, importan los momentos que captan el
interés del espectador y orientan su apreciación de los hechos, por lo tanto, los
momentos que tienen tanta prominencia como atención dedicada a ellos.
Proponemos enfocar la composición de Suplicantes desde este último
aspecto, porque permite revelar su técnica estructural auténtica, sin imponer a
la obra una matriz compositiva externa. Nuestra hipótesis es que los “anuncios
extendidos” constituyen un recurso compositivo fundamental que da coherencia
estructural a la presentación de la coyuntura trágica.

La limitación de los recursos técnicos disponibles para la composición de


una tragedia griega clásica (cantidad de actores, de coreutas, tiempo de
representación aproximado, entre muchos otros factores condicionantes) ofrecía
comparativamente menos posibilidades de variedad, riqueza y complejidad que
el teatro posterior. Sin embargo, los dramaturgos alcanzaron un notable grado
de diversidad dentro de este marco escénico básico.48 Una de las premisas del
enfoque performativo es que, cuanto más significativa es la acción de una
tragedia, mayor es la atención que recibe en las palabras.49 Este argumento
elemental indica, en el caso particular de Suplicantes, dos acciones
deliberadamente señaladas como relevantes a partir del discurso: la llegada de
Pelasgo y la del heraldo a las inmediaciones del altar donde se encuentra el coro
de Danaides. En ambos casos, el ingreso a escena de los actores no se gesta a
partir de una simple mención por parte de otro personaje en escena, sino de un
vasto anuncio de Dánao, que captura la atención de las Danaides tanto como


44 Cfr. Taplin (1977: 25 y 471-476).
45 Según el esquema aristotélico, las partes constitutivas de toda tragedia son prólogo, párodos, episodio,
estásimo y éxodo.
46 Como sostiene Taplin (1977: 18), “the play should be treated as sequential; that is to say that, since the

work was performed from start to finish in a certain time, it must be taken in order, and we should be wary
of treating the play as 'spatial', that is as an indivisible whole in which all parts bear on all others”.
47 La concatenación de escenas es ininterrumpida porque la tragedia griega tiene una continuidad formal

peculiar dada por la continua presencia del coro.


48 Taplin (1977: 19-21) brinda un somero informe de ese marco, a partir del cual logra demostrar su carácter

sumamente flexible.
49 Taplin (1977: 13).

92

la del espectador.50 Debido a su extensión, los versos comprendidos entre 176-
203 y 710-733 son únicos en el corpus de las tragedias conservadas.51
La extraordinaria extensión de los pasajes que informan sobre estas dos
llegadas no es la única particularidad que señala la trascendencia dramática de
dichas acciones. En primer lugar, es llamativa la similitud contextual entre
ambas: intervienen los mismos caracteres (Dánao y las Danaides) para
reaccionar ante el mismo suceso (la aproximación de un sujeto al recinto
sagrado). En segundo lugar, el análisis filológico-literario confirma la relación
de ambos pasajes en el nivel discursivo, en el que se manifiestan numerosos
ecos léxicos y sintácticos. Finalmente, la afinidad entre las dos escenas se
consolida en la esfera visual, dado que la representación de los discursos es
idéntica: desde su posición privilegiada en lo alto del altar y tras un tiempo
extenso de vigilar el horizonte, el actor que representa a Dánao interrumpe su
largo silencio para comunicar al coro, que permanece en la orchéstra, la novedad
de que alguien se aproxima a su encuentro.
La coincidencia en los aspectos contextual, textual y paratextual
determina una conexión entre escenas que no puede ser ignorada. Durante la
performance, el espectador de Suplicantes es expuesto dos veces a un cuadro
escénico prácticamente análogo, revelando un patrón compositivo. Entre los
recursos disponibles para el dramaturgo, la composición de escenas “en espejo”
era una de las alternativas para que dos eventos separados cronológicamente
pudieran ser percibidos en conjunto. Sea o no verdad que la mente humana
tiene una base de operación binaria, sea cierto o no que la mente griega tenía
una tendencia especial a ordenar el mundo en términos de polaridad y analogía,
efectivamente los trágicos griegos componían escenas de a pares.52 Pero es
necesario tener presente que, en este tipo de composición estructural, el público
estaba en condiciones de percibir la trascendencia de los sucesos espejados y
concebirlos como un todo solidario una vez materializada la segunda de ambas
escenas. Ante la repetición, se habría generado una suerte de reconsideración
y reevaluación de la situación primera, mientras se percibían las diferencias con
la escena doble que se estaba representando. Por lo tanto, en la reflexión acerca
de la performance de Suplicantes, no hay que perder de vista la envergadura
dramática que cobraba el segundo anuncio extendido, por dos razones: la
correlación con el primer anuncio y la introducción inesperada de la peripecia.53

La técnica estructural demuestra la relevancia de los pasajes que


anuncian las llegadas del potencial amigo (phílos) y enemigo (ekhthrós) de las
Danaides, los sucesos más significativos para el coro protagonista. Además, la


50 Taplin (1977: 199): “As Danaus has actually seen the approach of the Argives the entire scene from 176 to
233 is strictly speaking an entrance announcement, according to the definition on p. 71, rather than simply
preparation. However, since one normally uses 'announcement' to refer to the familiar brief introductions
devoted exclusively to the immediate arrival, and since most of this scene is spent, rather, on the response of
the Danaids, the term is only loosely appropriate”.
51 Taplin (1977: 200) destaca el carácter extraordinario de estos anuncios, pero sorprende el hecho de que

explique el empleo de este recurso en Suplicantes como un resabio arcaico del teatro anterior a la skené, en
el que todos los ingresos debían hacerse a través de los eísodoi. La justificación es insuficiente, ya que se basa
en el repetido lugar de la crítica que tiende a ver los elementos arcaicos o primitivos de la obra. Por el contrario,
el doble uso del anuncio extendido puede comprenderse a partir de la influencia del Altarmotiv, no sólo en
relación con los elementos esenciales de ese tipo de trama, sino con las actividades esénicas que determina.
Las reglas de la hiketeía obligan a todo suplicante a llevar a cabo determinados comportamientos. En acuerdo
con la escena tipo de la súplica, la dilatación temporal que ofrecen los anuncios da tiempo escénico a las
Danaides para ubicarse en el lugar que les corresponde en su carácter de suplicantes y tomar la posición que
deben: postrarse a los pies de las estatuas con los ramos en sus manos. Además, las noticias del salvador y
del raptor movilizan actitudes y movimientos gestuales opuestos: la postración silenciosa cede el lugar a la
corrida veloz y el grito despavorido, en busca de un socorro que parece difícil de precisar.
52 Taplin (1978: 98).
53 Precisamente, Taplin (1977: 98) advierte que la tendencia a un giro catastrófico central fomentó la

composición a través de escenas dobles en la tragedia griega clásica, una en cada mitad de la trama.

93

esperanza del refugio primero y, más tarde, el presagio de la amenaza inminente
constituyen los momentos más dinámicos del drama, porque ofrecen al
espectador la oportunidad de percibir la impulsiva y apasionada reacción de las
jóvenes ante los dos eventos que determinan su destino. Los anuncios de la
llegada de los huéspedes Argivos y de los perseguidores Egipcios, por lo tanto,
construyen las instancias de mayor clímax de la obra. Teniendo en cuenta estas
características específicas de Suplicantes, el análisis filológico-literario de
ambos anuncios extendidos surge como un material provechoso para refutar el
prejuicio de que se trata de una tragedia primitiva.
El examen comparativo de los dos anuncios extendidos revela cantidad
de detalles que prueban no sólo su correlación verbal, sino también su dominio
sobre la simetría y equilibrio compositivo de la tragedia. El primer discurso (176-
203) sucede inmediatamente después de la oda inicial (1-175), es decir, del
arribo de las Danaides a la costa de Argos, escapando del acoso violento de sus
primos. Dice Dánao:

παῖδες, φρονεῖν χρή: ξὺν φρονοῦντι δ᾽ ἥκετε Hijas, es necesario ser sensatos. Pero llegáis
πιστῷ γέροντι τῷ δε ναυκλήρῳ πατρί˙ 
 con este sensato anciano digno de confianza,
καὶ τἀπὶ χέρσου νῦν προµηθίαν λαβὼν 
 con vuestro padre, piloto de la nave.
αἰνῶ φυλάξαι τἄµ᾽ ἔπη δελτουµένας. También ahora, sobre esta tierra seca,
180 ὁρῶ κόνιν, ἄναυδον ἄγγελον στρατοῦ˙ después de tomar una precaución,
σύριγγες οὐ σιγῶσιν ἀξονήλατοι˙ recomiendo que cuidéis estas palabras mías,
ὄχλον δ᾽ ὑπασπιστῆρα καὶ δορυσσόον como grabándolas en unas tablillas.
Estoy viendo polvo, silente mensajero del
λεύσσω, ξὺν ἵπποις καµπύλοις τ᾽ ὀχήµασιν.
ejército; las siringas que giran sobre su eje
τάχ᾽ ἂν πρὸς ἡµᾶς τῆσδε γῆς ἀρχηγέτης
no callan; pero brilla ante mis ojos una
185 ὀπτῆρες εἶεν, ἀγγέλων πεπυσµένοι.
multitud que carga escudos y blande lanzas
ἀλλ᾽ εἴτ᾽ ἀπήµων εἴτε καὶ τεθηγµένος 
 con caballos y curvos carros. Quizás venga
ὠµῇ ξὺν ὀργῇ τόνδ᾽ ἐπόρνυται στόλον, hacia nosotros un gobernante de esta tierra
ἄµεινόν ἐστι παντὸς εἵνεκ᾽, ὦ κόραι, [y sus seguidores] como observadores,
πάγον προσίζειν τόνδ᾽ ἀγωνίων θεῶν˙ porque a causa de la noticia de los
190 κρεῖσσον δὲ πύργου βωµός, ἄρρηκτον mensajeros, quieren informarse.
σάκος. Sin embargo, ya inofensivo, ya provocado
ἀλλ᾽ ὡς τάχιστα βᾶτε, καὶ λευκοστεφεῖς por la salvaje cólera, excita a esta flota. Por
ἱκετηρίας, ἁγάλµατ᾽ αἰδοίου Διός, todo esto es mejor, oh muchachas, que
σεµνῶς ἔχουσαι διὰ χερῶν εὐωνύµων vengáis a sentaros en el promontorio de
αἰδοῖα καὶ γοεδνὰ καὶ ζαχρεῖ᾽ ἔπη estos dioses que presiden la contienda. Pues
195 ξένους ἀµείβεσθ᾽, ὡς ἐπήλυδας πρέπει, un altar es más fuerte que una torre, escudo
τορῶς λέγουσαι τάσδ᾽ ἀναιµάκτους φυγάς. invulnerable.
φθογγῇ δ᾽ ἑπέσθω πρῶτα µὲν τὸ µὴ θρασύ, No obstante, de esta manera, caminad lo
τὸ µὴ µάταιον δ᾽ ἐκ †µετώπω σωφρόνων† más rápidamente posible y, sosteniendo
ἴτω προσώπων ὄµµατος παρ᾽ ἡσύχου. devotamente entre las prósperas manos
200 καὶ µὴ πρόλεσχος µηδ᾽ ἐφολκὸς ἐν λόγῳ ramas de olivo coronadas de blanco,
γένῃ˙ τὸ τῇδε κάρτ᾽ ἐπίφθονον γένος. 
 ornamento en honor del piadoso Zeus,
µέµνησο δ᾽ εἴκειν˙ χρεῖος εἶ ξένη φυγάς˙ intercambiad con los huéspedes, como
θρασυστοµεῖν γὰρ οὐ πρέπει τοὺς ἥσσονας.54 conviene a los recién llegados, no sólo
llorosas, sino también impetuosas palabras,
mientras relatáis claramente esta fuga no
manchada por sangre. Pero, primero, por un
lado, que la audacia no acompañe a la

54 Las citas del texto original griego han sido tomadas de la edición de Sommerstein (2008).

94

lengua; por el otro, que la insolencia no salga
de los moderados rostros, de la pacífica
mirada. Tampoco resultes pronta en hablar
ni tediosa (lenta) en el discurso: la
descendencia de aquí es extremadamente
celosa.
Y recuerda ceder: eres necesitada,
extranjera, fugitiva. Pues no conviene que
los más débiles tengan una boca audaz.55

El segundo pasaje (710-733) sobreviene a continuación de la oda central (625-


709), por lo tanto, inmediatamente después de la celebración inspirada por la
confirmación del asilo. Nuevamente, dice Dánao:

710 εὐχὰς µὲν αἰνῶ τάσδε σώφρονας, φίλαι˙ Por un lado, queridas, apruebo estos
ὑµεῖς δὲ µὴ τρέσητ᾽ ἀκούσασαι πατρὸς prudentes votos; por el otro, vosotras no
ἀπροσδοκήτους τούσδε καὶ νέους λόγους. temáis cuando escuchéis de su padre estas
ἱκεταδόκου γὰρ τῆσδ᾽ ἀπὸ σκοπῆς ὁρῶ inesperadas y nuevas palabras.
τὸ πλοῖον. εὔσηµον γὰρ οὔ µε λανθάνει Pues desde este atalaya de suplicante estoy
715 στολµοί τε λαίφους καὶ παραρρύσεις νεώς viendo la embarcación, ya que es
καὶ πρῷρα πρόσθεν ὄµµασιν βλέπουσ᾽ ὁδόν, fácilmente reconocible: no se me ocultan
οἴακος εὐθυντῆρος ὑστάτου νεὼς los equipamientos de lona ni los telones de
ἄγαν καλῶς κλύουσα, τὼς ἄν οὐ φίλη˙ la nave ni la proa en el frente que mira el
πρέπουσι δ᾽ ἄνδρες νάιοι µελαγχίµοις camino con sus ojos mientras escucha
720 γυίοισι λευκῶν ἐκ πεπλωµάτων ἰδεῖν. demasiado bien al timón guía, como si no
fuera amiga.
καὶ τἄλλα πλοῖα πᾶσά θ᾽ ἡ 'πικουρία
Y los varones parecen verse como marinos
εὔπρεπτος˙ αὐτὴ δ᾽ ἡγεµὼν ὑπὸ χθόνα
con negros miembros en contraste con sus
στείλασα λαῖφος παγκρότως ἐρέσσεται.
blancos vestidos. También las otras
ἀλλ᾽ ἡσύχως χρὴ καὶ σεσωφρονισµένως
embarcaciones y la fuerza auxiliar
725 πρὸς πρᾶγµ᾽ ὁρώσας τῶνδε µὴ ἀµελεῖν θεῶν. completa son conspicuas: pero esta, la
ἐγὼ δ᾽ ἀρωγοὺς ξυνδίκους θ᾽ ἥξω λαβών˙ conductora, después de amainar el
ἴσως γὰρ ἂν κῆρυξ τις ἢ πρέσβη µόλοι, velamen rema sincronizadamente, con
ἄγειν θέλοντες, ῥυσίων ἐφάπτορες. mucho ruido, en dirección a tierra.
ἀλλ᾽ οὐδὲν ἔσται τῶνδε˙ µὴ τρέσητέ νιν. Sin embargo, es necesario que veáis este
730 ὅµως δ᾽ ἄµεινον, εἰ βραδύνοιµεν βοῇ, acontecimiento tranquila y prudentemente
ἀλκῆς λαθέσθαι τῆσδε µηδαµῶς ποτε. y que no descuidéis a los dioses: y yo
θάρσει˙ χρόνῳ τοι κυρίᾳ τ᾽ ἐν ἡµέρᾳ volveré después de conseguir protectores y
θεοὺς ἀτίζων τις βροτῶν δώσει δίκην. defensores. Pues probablemente venga
algún heraldo o embajada, queriendo
tomarlas, como raptores de sus botines.
Pero no ocurrirá ninguna de estas cosas.
Ahora no temáis, sino que es mejor,
aunque eventualmente nos demoremos
con el auxilio, no olvidarse de ninguna
manera, en ningún momento, de esta
defensa. Sé audaz: ciertamente, con el
tiempo y en el día preciso cualquiera entre


55 Las traducciones de ambos pasajes son propias.

95

los mortales que desdeña a los dioses paga
justicia.

La lectura correlativa de los discursos es iluminadora, pero los siguientes


elementos consolidan la correspondencia y contraste entre ambos pasajes:

Las invocaciones: vínculo entre hablante y destinatario

El examen de las invocaciones es valioso porque expone una apreciación


acerca de los destinatarios del discurso filtrada por la percepción subjetiva del
hablante. Por lo tanto, proporciona datos del vínculo entre ambos. En la
posición inicial del verso 176, παῖδες inaugura la primera intervención de Dánao
en la obra. El sustantivo destaca su relación de parentesco y la dependencia de
las jóvenes respecto de su padre. Como deíctico social, en un texto dramático
sin acotaciones escénicas, el sustantivo identifica al emisor, someramente
mencionado por las Danaides en el verso 11. Por eso, los versos 176-179
constituyen la presentación del personaje, que había ingresado junto al coro.56
En el verso 188, Dánao se dirige a las Danaides como κόραι, que
compendia una variedad de sentidos asociados: κόρη es
“hija”/“niña”/“virgen”. Es interesante que la primera mención que se hace de
57

las Danaides en la obra desde un punto de vista ajeno al de ellas mismas


subraye el estatus social de las jóvenes. El vocativo es un recurso más que,
desde el ámbito lingüístico, colabora en orientar al espectador respecto del
matrimonio como uno de los tópicos fundamentales de la obra. No obstante el
valor sociológico del término, se trata de un sustantivo que acentúa la debilidad
y desprotección de las Danaides, justificando la necesidad de la presencia de
Dánao. Las referencias a su condición de inferioridad, que pueden ser
rastreadas a lo largo de toda la obra, se retoman explícitamente entre los versos
202-203, final de este discurso. Por lo tanto, la rhêsis se sirve de una
composición anular: el padre está presente, interviene y aconseja porque sus
hijas son débiles.
En el segundo discurso, la invocación es φίλαι (“queridas”, 710), en la
posición final del verso. Esta ubicación parece encadenar al vocativo con la frase
siguente: Dánao sabe lo que va a anunciar, por eso, muestra contemplación y
cariño.58 Según un criterio métrico, el espacio hubiera permitido otras
posibilidades, como παῖδες o κόραι, elegidas antes. También en este caso, la
invocación advierte acerca de una composición anular: los versos finales (732-
733) insisten en la intención de Dánao de acompañar y dar ánimo a sus hijas.
En consecuencia, las invocaciones anticipan los tópicos principales de
cada rhêsis, pues la primera tiene carácter preceptivo; la segunda es
confortadora. Por lo tanto, muestran dos aspectos de la misma función de
Dánao: en el primer caso, las protege como acompañante exigido por la
debilidad e inexperiencia de las Danaides; en el segundo, como aquel que no
sólo debe brindar seguridad efectiva, sino que debe transmitirla.

El léxico verbal: las acciones esenciales de los discursos


56 Cfr. apartado II.2.1, “Participaciones I y II”.
57 LSJ : 980. El mismo sustantivo es utilizado para designar a Ártemis (145), invocada a propósito de su
castidad. Bowen (2013: 184) destaca el sentido del término vinculado al estatus público de la joven aún no
desposada.
58 Bowen (2013: 184) señala que este vocativo posee fuertes connotaciones emocionales.

96

Mirar las rhéseis en conjunto permite distinguir fácilmente que ambas
son introducidas por el mismo verbo, αἰνῶ (179; 710). En el primer discurso, al
inicio del verso 179, su sentido se perfila hacia el futuro, subrayando una acción
en la que las Danaides deben ser activas: “cuidar” las palabras de su padre,
actuando en consecuencia. Por eso, dentro de los matices semánticos que ofrece
el verbo,59 se ha optado por interpretarlo como “recomendar”. En el verso 710,
en cambio, el mismo verbo dirige su atención hacia una acción ya realizada: el
canto de las jóvenes dedicado a la ciudad de Argos, que les ha brindado
protección. Este sentido pretérito es traducido como “aprobar”. Acto seguido,
Dánao propone a las Danaides una acción pasiva, escuchar. El empleo del
verbo, más allá de su sentido prospectivo o retrospectivo, denota la autoridad
de Dánao sobre la conducta de sus hijas.
Por otro lado, ambos discursos tienen origen en un acto de percepción
sensible. Dánao goza de una posición privilegiada en lo más alto del altar y,
porque puede ver, habla. ὁρῶ (“estoy viendo”) introduce la visión a distancia en
la posición inicial del verso 180 en el primer discurso y, en el segundo, en el
final del verso 713. El verbo tiene valor durativo60 e implica, además, percepción
inteligible. En palabras de Segal, “el pensamiento griego se inclina a considerar
que la visión es el ámbito primario de conocimiento”.61 En este caso, Dánao ve
y, aunque no sabe con certeza, conjetura, lo que explica la construcción en el
modo sintáctico potencial.
Asimismo, la comparación de las características del objeto de visión
resulta esclarecedora. En el primer discurso, κόνιν (“polvo”, 180) es un
sustantivo indeterminado que implica absoluta imprecisión respecto del
referente que se describe a la distancia. El sustantivo que da mayor información
está, en cambio, al final del verso, aludido de manera indirecta, en genitivo:
στρατοῦ (“del ejército”, 180). En esta descripción visual, la metáfora del polvo
como mensajero se completa con una imagen auditiva, metonímica: el sonido
de los ejes de las ruedas insinúa la proximidad de los carros.
Coordinado por un δέ adversativo, se introduce en este primer discurso
otro verbo de visión, λεύσσω (183). El verbo, como propone Flores, expresa la
idea de flujo visual, de un hilo de luz que brilla desde los ojos hacia el objeto.62
En este caso, como la percepción está vinculada con un objeto material que se
destaca por su brillo, las armas, resulta adecuado traducir el verbo como “brillar
ante los ojos”. La selección léxica verbal no sólo pone el acento sobre el objeto
visto, la multitud, sino que da cuenta de que, a medida que Dánao cuenta lo
que ve, el objeto se acerca y se distingue mejor. Por eso, de este verbo depende
la conjetura acerca de la identidad de quienes vienen (184-185).
De esta construcción sintáctica en modo potencial surge el predicativo
subjetivo ὀπτῆρες (“espías”, 185). Según las sospechas de Dánao, quienes se
acercan vienen para ver, es decir, para conocer. La relación entre los dos grupos,
Danaides y Argivos, por lo tanto, es recíproca: necesitan verse para conocerse,
más precisamente, “reconocerse”. El anuncio de este acontecimiento
fundamental para los protagonistas y para la obra se refuerza con el uso de la
estructura εἴτε… εἴτε (186), que señala la incertidumbre acerca del tipo de
vínculo social objetivo que generará el encuentro.
En el segundo discurso, el objeto con el que se completa el sentido de
ὁρῶ aparece especialmente destacado por el encabalgamiento. A diferencia del
caso anterior, τὸ πλοῖον (“la nave”, 714) se presenta como sustantivo definido,


59 LSJ: 39.
60 Flores (2007: 79). Los matices semánticos han sido extraídos de Chantraine (1968: 813-815).
61 Segal (1995: 221).
62 Flores (2007: 205). La noción de flujo es interpretada por la autora como “lanzar la mirada con los ojos.”

97

característica morfosintáctica que destaca la condición particular de este otro
referente que se describe a distancia: lo que Dánao divisa en esta oportunidad
resulta familiar. En consecuencia, aquí no hay posibilidad de reconocimiento.
El adjetivo εὔσηµον (“fácilmente reconocible”, 714), introducido por la
conjunción causal γάρ, acentúa la oposición entre los objetos divisados. Entre
714 y 723, Dánao refiere todos los signos que confirman la identidad de quienes
se aproximan. El verso final de esta descripción visual se asocia, también en
este segundo anuncio, a otra imagen auditiva: el ruido producido por la
sincronización y rapidez de los remos agrega tensión, insistiendo sobre la
progresión del acercamiento (722-723).
A diferencia del primer anuncio, en esta oportunidad el verbo de
percepción sensible se expande, como es adecuado al conocimiento del objeto,
en un modo sintáctico real (714). Sin embargo, la potencialidad se instala luego
de la descripción, ya que el padre debe justificar ante sus hijas que dispone de
tiempo para ir en busca de ayuda. Por ello, en el verso 727, Dánao augura que
“probablemente venga un heraldo o una embajada”. Aunque la posición de este
modo sintáctico no coincide con la del primer anuncio, la estructura potencial
se amolda a la misma propuesta sintáctica: en este caso, el predicativo subjetivo
es ἐφάπτορες, (“raptores”, 728).63 En vez de la posibilidad de reconocimiento, el
pasaje instala la certeza de la peripecia.

Uso de la raíz θαρσ-/ θρασ-: actitudes hacia quienes llegan64

El campo semántico que involucra esta raíz variable se aprovecha para


dos finalidades opuestas. En el verso 197 del primer anuncio, τὸ θρασύ es el
sujeto de la advertencia del padre a sus hijas antes de la llegada del potencial
salvador: “que la audacia no acompañe a la lengua”. En el mismo discurso,
pocos versos después, θρασυστοµεῖν (203) insiste en que: “no conviene que los
más débiles tengan una boca audaz”. Dánao, conocedor del pueblo receptor,
aconseja a sus hijas moderación y sensatez, sobre todo al presentar su caso. En
el verso 732 del segundo discurso, en cambio, la recomendación es inversa: con
la fuerza del imperativo (θάρσει, “sé audaz”) Dánao alienta a sus hijas para que
sean valientes, infundiéndoles ánimo para enfrentar a sus perseguidores.65 En
síntesis, apocamiento frente al huésped para ser aceptados como amigos; arrojo
frente al raptor, que ya es enemigo.

ἀλλά: organización de los discursos

La partícula adversativa divide ambos discursos en dos y retoma, luego


de los anuncios, el sentido inicial: la recomendación. Tras la descripción de la
visión a la distancia, ἀλλά (191; 724) inaugura la cadena de imperativos.66 En

63 Cuzzi (1970: 85) señala la relación etimológica entre este sustantivo compuesto y Épafo, nacido de la ἔφαψις
divina (v. 46). Por lo tanto, los episodios de Zeus e Ío y de los Egipcios y las Danaides se conectan también a
través del uso de las palabras, en este caso, coincidiendo en la idea de la mujer como objeto de posesión
masculina.
64 Respecto de la coincidencia de ambos anuncios en el empleo de otras raíces semánticas importantes, vale

la pena destacar la recurrencia de términos asociados a φρεν-: φρονεῖν, φρονοῦντι (176); σώφρονας (adjetivo
de εὐχάς, 710). En el primer caso, Dánao reconoce aquello que las Danaides han dicho de él al mencionarlo
(11) y, al mismo tiempo, lo recuerda a sus hijas como el modo adecuado de comportamiento. En el segundo
discurso, el padre elogia el accionar correcto de sus hijas, que han cantado en agradecimiento a la ciudad
benefactora. El campo semántico se retoma en el discurso final de Dánao, justamente en la última línea que
profiere el actor-carácter (992-2013). Por lo tanto, los discursos de Dánao se ajustan al patrón de
composición anular, frecuente en la obra en distintos niveles de análisis.
65 La audacia es un componente obligatorio de la personalidad del héroe épico. Por lo tanto, Dánao estaría

demandando a las Danaides no sólo una conducta heroica, sino también masculina.
66 Según la clasificación de Denniston (1954: 13-14), este uso de ἀλλά en ambos discursos parece ajustarse

a un uso especial, propio de las órdenes y exhortaciones: “it rather expresses, as Hartung says (ii35), a

98

el primer anuncio, τάχιστα βᾶτε (“caminad rápidamente”, 191), brinda la
indicación escénica al coro para que se posicione junto a los altares de los
dioses, que les brindan inmunidad. Le siguen otras directrices vinculadas con
las convenciones griegas de la súplica: el uso de los ramos, la forma, y el gesto
que resultan adecuados para hablar al huésped.
De manera idéntica, en el verso 724, la misma partícula introduce una
pauta de acción en función de lo que se ha visto: τῶνδε µὴ ἀµελεῖν θεῶν (“no
descuidéis a estos dioses”, 725). El consejo es, entonces, permanecer al mismo
resguardo.

Modos sintácticos y otras construcciones sintácticas: el rol de Dánao

Como ha sido señalado, la conjunción adversativa (186; 724) divide las


rhéseis en dos. Sin embargo, ambas partes colaboran para convertirse en un
motor generador de palabras y acciones: la primera parte de ambos discursos
involucra la anticipación de la posibilidad de salvación o de la proximidad del
peligro y está dominada por el modo sintáctico real. La inquietante cercanía de
quienes llegan conduce, en acelerado in crescendo, a la yuxtaposición de los
numerosos imperativos y prohibitivos de la segunda parte. El modo sintáctico
real de los anuncios sólo es invadido por el potencial de los versos 184 y 727,
cuando Dánao conjetura quiénes pueden ser aquellos que ve a distancia.
Las gnômai que profiere Dánao como sensato anciano (176-179) brindan
otra oportunidad para analizar el paralelismo trazado por estos dos discursos.
En el verso 190, el padre afirma que “un altar es más fuerte que una torre,
escudo invulnerable”; entre los versos 732-733, declara que “ciertamente, con
el tiempo y en el día preciso, cualquiera entre los mortales que desdeña a los
dioses paga justicia”. Ambas máximas exponen el juego de oposición entre las
Danaides y los hijos de Egipto.67 Las “recién llegadas” y, en parte, Argivas, se
aproximan a los ideales griegos de la sofros!ne y la piedad debida a los dioses.
En cambio, sus primos, caracterizados permanentemente como hybristaí e
impíos, merecen ser identificados como “bárbaros”.
También en consonancia con la sabiduría de Dánao, la construcción
nominal ἀµεινόν ἐστι (“es mejor”) aparece una vez en cada anuncio, ponderando
la prioridad en cada una de las coyunturas. En el verso 188, Dánao dice: “es
mejor, por todo esto, que vengáis a sentaros en el promontorio de estos dioses
que presiden la contienda”. Frente a la presión que instaura la llegada del
potencial protector, Dánao manifiesta la necesidad de conseguir el cobijo de las
divinidades. Por consiguiente, en la frase se destacan los deícticos de
movimiento o dirección. Asimismo, es clave el adjetivo que califica a los dioses,
ἀγωνίων, derivado de agón: se trata de los dioses que presiden cualquier reunión
entre personas, ya sea un encuentro cooperativo como uno competitivo.
En el verso 730 del segundo discurso, Dánao formula: “es mejor, aunque
eventualmente nos demoremos en el auxilio, no olvidarse, de ninguna manera,
en ningún momento, de esta defensa”. Si bien las Danaides no se instalan
inmediatamente en el montículo del altar desde donde Dánao divisa a los
enemigos, aprovechan la protección del recinto sagrado tras la llegada de
Pelasgo (911).


break off in the thought or, as Klotz (i5) more specifically and more accurately puts it, a transition from
arguments for action to a statement of the action required. Hence ἀλλά, in this sense, usually occurs near
the end of a speech, as a clinching and final appeal (whereas at the opening of a speech it introduces and
objection in the form of a command: S. El. 431 ‘Nay’): as we say, ‘Oh, but do’, ‘come’ or ‘come now’ will often
get the meaning”. La última sugerencia ha sido la adoptada en nuestra traducción del pasaje.
67 Cabe destacar que, en ambos discursos, Dánao recurre a las sentencias sobre el final.

99

Tras este análisis, es irrefutable la composición estructural de la obra
sobre la base de escenas espejadas. Resulta evidente el paralelismo entre el
comienzo y el “nuevo comienzo” que se instala tras el segundo discurso. La
correspondencia escénica marca dos hitos en la obra, que diseñan un esquema
compositivo en el cual los acontecimientos definitorios son las llegadas de los
personajes hasta el lugar donde permanece el coro protagonista. Los
movimientos, entonces, delinean las partes de la pieza.
El doble uso del recurso del anuncio extendido se justifica a partir de la
marca convencional que signa la tragedia y le da su nombre: las reglas de la
hiketeía obligan a todo suplicante a llevar a cabo determinados
comportamientos, socialmente establecidos, para asegurarse la protección
deseada. Por lo tanto, ambos discursos obedecen tanto a una necesidad
escénica como dramática. En cuanto a su función escénica, dan tiempo a las
Danaides para ubicarse en el lugar y posición que, según Dánao, les
corresponde en su carácter de suplicantes: postrarse a los pies de las estatuas.
Esta actitud escénica y, sobre todo, la función de Dánao como chóregos, son
más evidentes en el primer anuncio, ya que se trata de la primera vez que se
explican estas convenciones griegas. En el segundo caso, las indicaciones se
reiteran, como indica el uso del verbo λανθάνω (λαθέσθαι µηδαµῶς, “no olvidéis
de ninguna manera”, 731). No obstante, la segunda escena marca una
diferencia en la reacción de las Danaides: la demora en la toma de posición en
el altar permite generar la tensión del encuentro entre las jóvenes y el heraldo
en el espacio de la orchéstra (825 y ss.)
Respecto de la motivación dramática, la composición alrededor de los
anuncios demuestra que Suplicantes no es, como se ha sostenido
tradicionalmente, una tragedia “simple”. Los anuncios que forman parte de
estos dos discursos dan cuenta de la madurez de la obra porque, además de
constituir un dispositivo arquitectónico, funcionan como anticipación de las
metabolaí, de los cambios, que son las acciones más complejas que puede
presentar una tragedia según el criterio clásico aristotélico. Desde el primer
discurso de Dánao, coro y público palpitan el encuentro con los Argivos y viven
con expectativa el reconocimiento, es decir, si de ese encuentro resultará una
relación de alianza u hostilidad.68 Luego ambos personajes descubren algo que
antes ignoraban, que están ligados entre sí por dos relaciones objetivas
socialmente definida como positivas: por un lado, la philía determinada por el
vínculo de parentesco; por el otro, el vínculo de cooperación que asocia a
suplicante y suplicando. A partir del momento en que Dánao pronuncia el
segundo discurso de anuncio, el efecto sorpresa genera, en cambio, que
Danaides y espectadores comiencen a experimentar la peripecia, que se
materializa con la llegada del heraldo de los Egipcios (825).
Desde el criterio moderno, que pondera la calidad dramática de las obras
según la presencia de conflicto, los anuncios extendidos también introducen los
dos encuentros agonales fundamentales, determinados por el motivo de súplica:
el agón entre el suplicante y el potencial salvador, para obtener la protección
necesaria, y el agón con el perseguidor, para intentar rechazar su dominio.


68 Seguimos la propuesta de Dupont- Roc y Lallot (1980: 232-233, n. 2), quienes interpretan la definición
aristotélica de “reconocimiento” (Poética 1452ª 29) de la siguiente manera: “Philía désigne le lien qui unit les
membres d’un groupe clos, et en particulier le lien de parenté ou d’alliance (…); symétriquement, l’ekhthrá
désigne l’hostilité de fait qui découle, notamment, de la violation d’un tel lien. Moins que l’appréhension
subjective que le héros peut avoir de son action ou des ses relations à l’autre, la reconnaisance est la
découverte du fait, ignoré de lui auparavant, qu’il est lié à tel autre personnage par une relation objective,
socialement définie comme positive (PHILÍA) ou négative (ÉKHTHRA): ainsi Oedipe qui ‘reconnaît la PHILÍA’ qui
l’unit à son père”. La cita manifiesta que, en este tipo de cambio de fortuna, el meollo no es simplemente el
conocimiento de la identidad de un personaje, sino la toma de conciencia del tipo de vínculo social que existe
entre un personaje y otro. Este dato es clave para la aproximación a las tragedias de súplica.

100

En síntesis, los dos discursos analizados no solamente anticipan las
llegadas de los nuevos caracteres, Pelasgo y el heraldo, que es lo que indica la
percepción sensible, sino los cambios que se producirán en el acontecimiento
trágico. Los anuncios, por lo tanto, construyen los momentos de mayor clímax
dramático y dividen la obra en dos mitades.
Los prejuicios sobre el primitivismo de Suplicantes estaban basados en
la incapacidad de comprender la forma de un drama que resulta poco habitual.
Sin duda, es natural, pero errado, aproximarse a una obra de arte con una idea
previa de lo que debe ser. Efectivamente, estamos convencidos de que, como
críticos, debemos cuestionar fundamentalmente aquello que percibimos como
irregular, puesto que, cuando un artista no recurre al procedimiento obvio, es
lógico pensar que pretenda alcanzar otro efecto, uno en el que el recurso
esperable hubiera fracasado.
El análisis de los anuncios extendidos ha permitido acercarnos a la forma
de esta obra en particular, sin atender a ningún molde preestablecido, normado
y artificial. La simetría estructural de la obra generada por estos pasajes no sólo
funciona como dispositivo arquitectónico gracias a su especularidad, sino
también como recurso de preparación, ya que anticipa las escenas de metabolaí
y de agón, es decir, las de mayor tensión dramática.
En este punto, resulta pertinente volver sobre el epígrafe que dio inicio a
este trabajo, porque los textos de la mayoría de las obras trágicas continúan
siendo introducidos, tal como en las antiguas hipótesis, por un resumen del
argumento. Esta desafortunada tradición ha naturalizado el hecho de que la
tragedia griega sea reducida a un exiguo párrafo en un sinnúnero de manuales
modernos.69 Sin embargo, una síntesis argumental no dice nada acerca las
cualidades especiales y puntos de énfasis de una obra. Por ello, los anuncios
extendidos resultan un ejemplo que logra demostrar la relación entre la obra en
papel y la acción en el escenario, dentro de las condiciones y posibilidades de
realización de la tragedia griega clásica. De su estudio emergieron dos valiosas
conclusiones: 1. que es posible recuperar de algún modo la puesta en escena
que el dramaturgo concibió y presentó como parte de su creación, considerando
las “acciones significativas” como aquellas especialmente subrayadas por las
palabras; 2. que la forma de la trama no es una característica externa ni
incidental, sino una parte de la composición artística, un elemento de
comunicación y, por lo tanto, una clave de sentido.
En definitiva, aprehender un aspecto de la forma compositiva particular
de Suplicantes ha revelado cómo la tragedia provoca el efecto dramático cuando
logra volver apasionantes los movimientos de llegada de los actores hasta el sitio
ocupado por el coro protagonista, manipulando con extraordinaria pericia los
momentos de sorpresa y expectación.

Referências Bibliográficas

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Introduction and commentary, Oxford.


69 Taplin (1977: 26).

101

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102

A função do mito de Filoctetes na peça homônima de Sófocles
Alexandre Rosa
PPGLC – UFRJ
alexandrehrosa@yahoo.com.br

Resumo
Na peça Filoctetes, Sófocles utilizou-se de um assunto bastante restrito,
ocorrido em contexto homérico, para destacar valores e conceitos da sociedade
ateniense do século V a. C. Como se sabe, a matéria-prima utilizada na tragédia
era o mito, completamente estilizado e muitas vezes alterado para adaptar-se
ao contexto da pólis democrática. O objetivo desse trabalho é mostrar de que
maneira Sófocles justapôs o mito de Filoctetes, atualizando os pontos de
referência para ensejar, ao que parece, uma discussão apropriada entre os seus
espectadores.
Palavras-chave: mito, Filotetes, Sófocles

Abstract
In the play Philoctetes, Sophocles used a very restricted subject,
occurring in a Homeric context, to highlight values and concepts of Athenian
society of the fifth century BC. As is well known, the raw material used in the
tragedy was myth, completely stylized and often altered to fit the context of the
democratic polis. The purpose of this work is to show how Sophocles juxtaposed
the myth of Philoctetes, updating the points of reference to give, apparently, an
appropriate discussion among his spectators.
Keywords: myth, Philoctetes, Sophocles

Estudar o mito na tradição grega antiga - especificamente o seu uso na


tragégia -, não faz parte do escopo desse artigo, embora reconheçamos ser uma
empreitada das mais cativantes por causa dos inúmeros caminhos aonde
podemos chegar. Burkert (1979, p. 23), por exemplo, considerou o mito em si
algo feito com uma certa intencionalidade, ou melhor, uma história com um
objetivo social bem demarcado, capaz de influenciar as pessoas sobre temas
presentes na sociedade. Segundo o helenista, “O mito é uma narração
tradicional com uma referência secundária, parcial, a algo que tem importância
coletiva”70. Daí podermos associá-lo, muitas vezes, a algum evento histórico de
grande importância, entendendo-o como uma linguagem simbólica de aplicação
geral, para servir de exemplo no lugar onde foi criado ou, pelo menos, utilizado.
Como sabemos, os vários mitos gregos presentes na tragédia possuem
uma funcionalidade política e, por isso, está inserido em atividades cívicas do

70“Myth is a traditional tale with a secondary, partial reference to something of collective importance”.
Burkert ainda acrescenta: “A referência é secundária, tal como o significado do conto não é para ser derivada
dela - em contraste com a fábula, que é inventado por causa da sua aplicação; e é parcial, uma vez que conto
e realidade nunca serão bastante isomórficas nestas aplicações. E ainda o conto muitas vezes é o primeiro e
fundamental verbalização de uma realidade complexa, a principal maneira de falar de muitas faces problemas,
assim como contar um conto foi visto como uma forma bastante elementar de comunicação. A linguagem é
linear e a narrativa linear é, portanto, uma forma prescrita pela linguagem para mapear a realidade.” [The
reference is secondary, as the meaning of the tale is not to be derived from it - in contrast to the fable, which
is invented for the sake of its application; and it is partial, since tale and reality will never be quite isomorphic
in these applications. And still the tale often is the first and fundamental verbalization of a complex reality,
the primary way to speak about many-sided problems, just as telling a tale was seen to bequite an elementary
way of communication. Language is linear, and linear narrative is thus a way prescribed by language to map
reality".]

103

povo helênico. Assim, o mito, transposto para o teatro grego, é essencialmente
intencional e, seguindo a afirmação de Burket anteriormente citada, inferimos
também que não há problema algum em considerar Filoctetes uma peça
ficcional com pontos de intersecção com a realidade social.71 Com base nessa
afirmação, o cenário, as indumentárias, os personagens, as falas e a trama eram
criados para fazer os espectadores pensar sobre os problemas da pólis ateniense
do séc. V a. C. Margeada por assuntos díspares apresentados com alguma
notificação particular, a ponto de o público reconhecê-los, a tragédia mostra a
utilização de um mito do passado com uma roupagem nova no presente.72 A
esse respeito, vale citar Vernant (1999, p. 8):
...a tragédia, enquanto gênero literário, aparece como a
expressão de um tipo particular de experiência humana
ligada a condições sociais e psicológicas definidas. Esse
aspecto de momento histórico, localizado com precisão no
espaço e no tempo, impõe certas regras de método na
interpretação das obras trágicas. Cada peça constitui uma
mensagem encerrada num texto, inscrita nas estruturas
de um discurso que, em todos os níveis, deve constituir o
objeto de análises filológicas, estilísticas e literárias
adequadas. Mas esse texto não pode ser compreendido
plenamente sem que se leve em conta um contexto. É em
função deste contexto que se estabelece a comunicação
entre autor e seu público do século V e que a obra pode
reencontrar, para o leitor de hoje, sua autenticidade e todo
seu peso de significações.

Na tragédia Filoctetes, peça representada em 409 a.C., período conturbado


em Atenas e marcado por profunda divisão interna, crise de valores e
oportunismo político, Sófocles apresenta o episódio em que Odisseu devia
reconduzir Filoctetes ao campo de batalha. Nessa passagem do mito, a
derrota de Troia só se concretizaria se contasse com a participação do
tessálio, detentor das armas de Héracles. Nessa missão, o herói de Ítaca
está na companhia de Neoptólemo, filho de Aquiles, um guerreiro escolhido,
muito provavelmente, por sua origem (Fil. v. 56) e capacidade discursiva
(Od. XI, vv. 510-1). Entretanto, o cumprimento do objetivo não seria
facilmente realizado, pois Filoctetes nutria um ódio mortal pelos Atridas e
também por Odisseu, responsáveis por seu abandono73 na ilha de Lemnos,
após ter sido mordido no pé por uma serpente, guardiã do templo de Crises.
Filoctetes comprometia, em consequência de sua moléstia, a segurança de
toda a tropa (Fil. vv. 1-11). É interessante notar, entretanto, que o narrador


71Por isso, concordamos com a opinião de Burket, segundo o qual o mito serve para apontar, de forma
implícita, questões sociais. Assim, o enredo trágico torna-se um mecanismo de propulsão para colocar em
questão, conflitos, problemas, discussões e conceitos, primordialmente ligados aos sofistas.
72 Em Odisseia, por exemplo, o protagonista enfrenta inúmeras dificuldades para retornar a Ítaca. Essas

situações adversas fazem parte de uma compensação requerida pelo deus Posêidon a Zeus, uma vez que o
herói cegara seu filho, o ciclope Polifemo. O pano de fundo de toda a epopeia é o desejo de Odisseu voltar
para casa e a ira de Posêidon, que tenta de todas as formas infligir uma série de tormentos ao herói. Na
tragédia, a ira também está colocada em primeiro plano, pois Filoctetes nutre um desejo quase obsessivo de
ver Odisseu morto em combate.
73Segundo Snell (2001, p. 112), era uma característica de Sófocles representar em suas peças homens

solitários, que possuíam uma posição quase irredutível acerca dos assuntos vigentes. Essa particularidade
encontra-se no personagem Filoctetes, um homem abandonado, ciente de que aos Aqueus não prestaria
nenhum tipo de ajuda, ao contrário, desejaria a morte de muitos deles por causa do mal que lhe tinham feito.

104

de Ilíada já anunciara a futura reintegração do herói maliense ao exército
aqueu, como referem os versos 716-25 do canto II:74

Os que habitavam Metone e a Taumácia,


e ocupavam Melibeia e a rústica Olízon, Filoctetes, bem
conhecido pelos arcos, comandava, com seus sete barcos;
em cada um, cinquenta remeiros, bem conhecidos pelos
arcos, embarcaram para lutar.
720
Ele, porém, estava abandonado, sofrendo fortes dores
na ilha divina de Lemnos, onde os filhos dos Aqueus o
deixaram com uma ferida terrível, por causa de uma
serpente perniciosa. Lá ele estava abandonado com
dores; mas em breve vão se lembrar os Argivos em suas
naus do chefe Filoctetes.75

Percebe-se, numa simples comparação com os citados versos homéricos,


que Sófocles manteve o mesmo tema aludido na epopeia e não lhe alterou o
enredo central, compondo sua peça sobre o abandono de Filoctetes na ilha de
Lemnos e sua futura reintegração ao exército. Alguns estudiosos, como Romilly
(1997, p. 22), acreditam que a breve menção ao tema em Homero facultou ao
tragediógrafo ampliar as possibilidades artísticas na elaboração do enredo, o
que lhe proporcionou uma adaptação da composição teatral sobre o mito de
Filoctetes, do qual destacou aspectos considerados mais relevantes para a
situação que se lhe apresentava. Nessa perspectiva, a escolha do tema não foi
casual, mas se tornou conveniente na medida em que favoreceu Sófocles em
sua abordagem, não restringindo sua capacidade criativa76.
E os elementos existentes na peça, não encontrados no relato homérico,
obedecem a critérios de verossimilhança para satisfazer as expectativas da
audiência e montar uma obra sem objeções ao conteúdo. Deve-se ter em mente
que o poeta tinha um espaço considerável para apresentar suas ideias, mas ele
não o faz de qualquer forma, pelo contrário, todo o arranjo incorporado à trama
deve parecer uma história verdadeira, sem desproporcionalidades em relação
ao que o espectador já conhecia. Por isso, Sófocles, com base nos referidos
versos 716-25 do canto II de Ilíada, elaborou a estrutura temática da tragédia
que apresenta, ao que parece, em vários aspectos, pontos convergentes com o
proêmio de Odisseia (vv. 1-10) no qual a amizade ocupa um lugar primordial, já
que o herói Odisseu tenta de todas as formas salvar a vida de seus
companheiros, contrariamente ao que se observa em Filoctetes em que o rei de
Ítaca é responsabilizado por abandonar um companheiro, Filoctetes, num
momento de dificuldades.
Além disso, os personagens, o cenário e as falas são elaborados pelo
tragediógrafo para suscitar aquilo que poderia ter acontecido. A esse respeito,
Aristóteles, em Poética (IX, 1451b), estabelecendo uma distinção entre o poeta
e o historiador a fim de esclarecer a posição do primeiro, evidencia que o


74Vernant (1999, p. 127) esclarece que o mito de Filoctetes foi mencionado de forma sucinta na Ilíada (II, vv.
716-25) e esboçado na Pequena Ilíada e nos Cantos Cíprios. Há, de acordo com o estudioso, um resumo da
Pequena Ilíada em A.Severyns, Recherches sur la Chestomathie de Proclos, IV, Paris, 1963, p. 83, 1. 217-8,
bem como para os Cantos Cíprios, ver idem, na p. 89, 1. 144-146.
75 Todas as traduções form feitas pelo autor do artigo (Alexandre Rosa).

76 Segundo Romilly (1997, p. 22), “desenvolveu-se uma espécie de distância, de recuo em relação ao tema que

parece ter ainda contribuído para aumentar a majestade da tragédia e para lhe conferir uma dimensão
particular, pois ela apenas utiliza uma determinada ação como uma espécie de linguagem por meio da qual
o poeta pode dizer tudo aquilo que o toca ou fere”.

105

tragediógrafo não registra um fato, mas formula uma história possível de acordo
com suas convicções:

Das coisas que foram ditas é evidente que a função do


poeta não é dizer as ocisas que aconteceram, mas as que
poderiam (acontecer) e as coisas possíveis, segundo a
verossimilhança e a necessidade. O historiador e o poeta
não diferem por relatar em metro ou não (seria o caso de
colocar os relatos de Heródoto em metro, e não seria
inferior a alguma história com ou sem metros); mas
diferem por isso: por um dizer as coisas que aconteceram,
o outro por dizer o que poderia acontecer. Por isso, a
poesia é mais filosófica do que a história: a poesia diz o
que é mais geral, a história, o que é particular.

A estrutura da peça estava em grande parte associada a uma lógica na


concatenação de ideias, na maneira de reproduzir a ação, afastando qualquer
sensação de estranheza por causa de um elemento improcedente, desconhecido
ou não aceito. O poeta devia produzir um espetáculo mais próximo da realidade,
com base no conhecimento das crenças e do imaginário do povo.77 Assim, ao
compor a tragédia, o poeta poderia inserir certas alusões, impressões ou mesmo
indícios do que pensava.
O público devia, então, entrever, nos elementos constitutivos da cena, a
arte do poeta, seu talento em tratar de algo tão distante, e, ao mesmo tempo,
propor uma mensagem atual. Isso porque a cena e o desenvolvimento da trama
não serviam somente para divulgar a saga dos heróis do passado e fazê-los
ainda mais conhecidos do grande público, mas possibilitavam uma reflexão
sobre usos, costumes, práticas e comportamentos do presente, tudo isso feito
de forma indireta, com base numa narrativa mítica: em Sófocles, o mito de
Filoctetes na peça homônima. Isso somente seria possível se o poeta deixasse
sinais ou algum tipo de orientação que buscassem direcionar o entendimento
do público. Havia, então, uma intenção do poeta, e o público era o principal
receptor e devia assistir à encenação buscando descobrir sua finalidade.
Assim, para a leitura e análise de passos da peça Filoctetes, visando
compreender a apropriação do mito de Filoctetes por Sófocles na peça referida,
podemos utilizar a teoria de “arte alusiva”, proposta por Pasquali e citada por
Vasconcelos (1999, p. 82): “a criação de sentidos que o diálogo com o(s) texto(s)
evocados(s) provoca”. Deste modo, com a “arte alusiva”, o poeta relaciona
determinados pontos da obra com um referente externo, localizado em outra
obra ou citação ou em texto de outros autores. A interpretação mais adequada
da obra do poeta pelo público deve passar por um conhecimento de algo que
está fora daquilo que o próprio poeta fez. Corrobora-o Vasconcelos (1999, p. 84):

Essa "arte" consiste em evocar outros textos através de


citação (que pode ser feita de formas tão sutis e diversas
que julgamos impossível enumerar objetivamente todos os
seus tipos) - e tecer com eles diálogo criador da mais vasta
gama de sentidos. Portanto, interessamo-nos, sobretudo,


77Essa questão é muito importante, pois a representação em cena se refere a um mito utilizado para educar
gerações de pessoas na Grécia. É algo quase solene, em razão de sua conotação religiosa e social, tentar
entrever as particularidades imprescindíveis daquela história contada pela tradição através da ação de
personagens nas mesmas proporções. O poeta deveria reconhecer na sua função uma natureza sacerdotal,
na medida em que recebe algo divino para comunicar ao povo, conferindo à representação uma esfera de
revelação.

106

por indícios concretos de evocação textual, tanto mais
comprobatórios quanto mais extensos e próximos da
"fonte".

Em Filoctetes, a “arte alusiva” estabelece-se na relação intrínseca de


partes da peça com as epopeias homéricas, como já comentamos, pois o fator
relevante na tragédia citada se dá na construção de sentidos com base em
referências da guerra de Troia. Assim, o tragediógrafo não precisa dizer
explicitamente, mas é capaz de sugerir ao público o sentido mais conveniente
de entender sua mensagem por meio de um conjunto de sinais disponíveis.
Lembramos que a análise da obra sofocliana em nossos dias encontra
certas dificuldades, considerando a falta de informações do próprio autor acerca
do espetáculo em si, de indícios do contexto político-social da época de
apresentação da peça entre outros aspectos. O que ficou para a posteridade foi
a mensagem quase cifrada sobre questões da época da apresentação da peça
incorporadas na obra que o leitor deve decodificar. Compartilhamos com
Brandão (1991, p. 162), ao afirmar que: “Na verdade, tudo que temos nas mãos,
quando trabalhamos com um texto trágico, é o próprio texto e tudo o que se
afirma a seu respeito, se não estiver ancorado nele, são apenas conjecturas”.
Essa “arte alusiva”, produzida por sinais diversos, acaba restringindo-se a
pequenas marcas do texto, e certamente sofre uma diminuição de alcance, pelo
menos em relação àquilo que poderia ter acontecido78 no momento de sua
encenação para o público presente na ocasião.
Ao sabor de sua capacidade criativa, Sófocles, na releitura79 do mito de
Filoctetes, destacou-lhe características marcantes e burilou-as de acordo com o
tema central da narrativa mítica, para dar contornos trágicos à peça. Acerca da
reconstrução de uma figura mitológica, o poeta legitimava o personagem por
meio de traços oferecidos pelas fontes, para que o público o aceitasse como real
e verossímil.
Com efeito, na referida peça, em contexto semelhante ao apresentado no
célebre episódio da embaixada enviada a Aquiles, narrado no canto IX de Ilíada
(vv. 185-657), Odisseu, também compondo uma embaixada e participando de
um episódio referente à guerra de Troia, devia reconduzir Filoctetes ao exército
aqueu, pois Troia só seria vencida se os Aqueus possuíssem as armas de
Héracles, das quais o tessálio Filoctetes tinha a posse. O fato de Odisseu ser
destacado para missões diplomáticas a serviço da comunidade aqueia e, em
situações difíceis, intermediar decisões justifica-se por sua capacidade de
convencimento, fundamento da práxis sofística.
O mesmo podemos dizer de Neoptólemo, o jovem filho de Aquiles, que foi
escolhido para acompanhar Odisseu e participar efetivamente da missão na ilha
de Lemnos. Sua presença está associada ao fato de também ser um homem
habilidoso no uso da palavra, como evidenciam os versos 505-16 do canto XI de

78Acerca disso, é importante considerar os pressupostos teóricos de Maingueneau (1996, p. 1), que apoiando-
se no conceito de êthos proposto por Aristóteles em sua Arte Retórica, desenvolve um organizado meio de
entrever a leitura como uma interação viva entre leitor e texto. Na verdade, apesar das diferenças, existe um
vínculo essencial entre as duas teorias do êthos, pois se o conceito aristotélico contempla somente o discurso
oral, a reelaboração moderna da noção antiga estende seu significado ao nível do texto, independentemente
do gênero, já que todo obra possui, para ele, uma “vocalidade”. Segundo o estudioso “o texto está sempre
relacionado com alguém, uma origem enunciativa, uma voz que atesta o que é dito” (MAINGUENEAU, 2001,
p. 138-9). Desta forma, a compreensão da cenografia, da situação de enunciação é imprescindível para
reconhecer a vocalidade da obra. Quando lemos um texto, silenciosamente ou em voz alta, imaginamos
determinados tons para a voz de cada personagem com base nas pistas deixadas pelo próprio texto.
Acrescenta, ainda, que o termo tom é adequado, uma vez que pode ser utilizado tanto em discursos orais
quanto escritos.
79Concordamos com Easterling (1984, p. 1) quando propôs que Sófocles, na composição de sua obra, foi

profundamente influenciado pelos heróis dos Poemas Homéricos e manifestou grande interesse em retratar o
comportamento desses personagens.

107

Odisseia80, além de ser filho de Aquiles, que não admitia mentiras, como fica
evidente no discurso do Pelida, ao dirigir-se a Odisseu, no episódio da
embaixada:

Divino filho de Laertes, Odisseu de mil ardis,


é preciso revelar-te minha intenção francamente,
do modo como penso e como será realizado,
310
para que não murmureis, cada um de seu lado, ficando
perto de mim.
Tal como as portas do Hades, é odioso para mim aquele
que esconde no coração uma coisa, mas fala outra.
(Il. IX, vv. 308-13)81

Entretanto, diferentemente do Odisseu épico, em Filoctetes, revela-se o


herói com um perfil questionável, um homem destinado apenas a cumprir sua
missão, sem levar em conta os meios ilícitos para atingir seu objetivo, apoderar-
se do arco de Héracles (Fil. 54-134). É evidente que o sucesso da empresa,
dirigida por Odisseu, não traria benefícios somente para ele, mas para todo o
exército aqueu. Muito provavelmente, o tragediógrafo, utilizando-se desse
personagem homérico, tencionou fazê-lo representar figuras de seu tempo,
associadas ao discurso lógico e ao poder de sedução, próprios dos sofistas, como
já comentamos. Compartilhamos do ponto de vista de Ferreira (SÓFOCLES,
2005, p. 22), segundo o qual o discurso de Odisseu representa, em muitos
momentos, a atitude dos sofistas da época de Sófocles, mestres de retórica que
ensinavam seus discípulos a tornar argumentos fracos e falsos em verdadeiros
e persuasivos. Nas palavras do helenista, Odisseu “é a corporização e a
incarnação de certas práticas políticas em voga à data da representação do
Filoctetes”.
Para além dessa customização autoral, que também é original, uma das
perguntas mais dramáticas que simbolizam o teatro grego, de acordo com Snell
(1969, p. 35), fundamenta-se na expressão “o que devo fazer”82, carregada de
interpretações variadas e que marca, de maneira inconteste, o conflito do herói
grego e seu destino final, como bem observamos sobretudo no personagem
Neoptólemo que, em diversas passagens, demonstra indecisão acerca de suas
atitudes em relação a Odisseu e a Filoctetes. Neoptólemo representa na peça o
homem educado segundo os princípios da sociedade retratada nos Poemas
Homéricos e que diante das novas concepções presentes no século V a. C., deixa
levar-se, adotando um comportamento contrário a sua natureza aristocrática.
A crise de valores, pela qual o jovem passa, pode ser verificada no próprio modo


80Nos versos 505-16 do canto XI da Odisseia, encontramos o registro de uma cena bastante importante para
ratificar o que estamos falando acerca de Neoptólemo. No Hades, Odisseu diz a Aquiles que o filho na
assembleia procura falar entre os primeiros e somente ele mesmo, Odisseu, e Nestor o venciam na
argumentação. Assim, podemos concluir que Neoptólemo possui uma característica preponderante na arte
do discurso, notada pelos guerreiros e utilizada nessa ação contra Filoctetes.
81 Tradução nossa.
82Snell (1969, p. 35) reconheceu que uma das características do gênero trágico, que o faz diferente dos outros,

é que tudo se encaminha para o momento da decisão do herói. Assim, a novidade, a síntese se tem quando
surge a consciência de ter diante de si a ação, de se encontrar no momento da decisão. E essa síntese se
exprime em sua forma própria, no drama. Em Ésquilo o problema tí dráso; (“que devo fazer?”) é posto no ápice
de sua última e máxima tragédia com toda a angústia de um homem encurralado; e, com isso, o agir é
compreendido em seu ponto mais profundo e problemático. Somente com esse olhar no próprio futuro, o
homem capta o seu Eu como interioridade real, não como simples Ele ou Tu, ao modo do épos ou da lírica”.

108

de agir do personagem: primeiramente, decide agir conforme as ordens de
Odisseu, mas, depois, arrepende-se, mudando sua opinião e seu procedimento
diante de Filoctetes. Esse comportamento é bem marcado na primeira parte da
peça, no diálogo entre Neoptólemo e Odisseu, que tenta convencer o
inexperiente jovem a reintegrar Filoctetes ao exército aqueu por meio da astúcia
(vv. 1-134), e, ainda, no diálogo do jovem filho de Aquiles com o solitário
maliense quando aquele questiona se deve revelar todo o plano de Odisseu para
enganar Filoctetes e, por conseguinte, levá-lo junto com o arco para Troia, como
exemplificam os versos seguintes, nos quais se observa a expressão “o que devo
fazer”:

Neoptólemo
Ai, ai! O que devo eu fazer daqui em diante? 895

Filoctetes
O que há filho? Por qual discurso te desvias?

Neoptólemo
Não sei para onde preciso dirigir uma fala duvidosa.

De modo análogo, nos versos 969-76, verifica-se a hesitação de
Neoptólemo: devolver as armas a Filoctetes ou dar cumprimento ao plano de
Odisseu:

Neoptólemo
Ai de mim, o que devo fazer? Prouvera os deuses que eu
nunca tivesse deixado Ciros; tão oprimido estou com a
situação presente.
970

Filoctetes
Tu não és mau, mas, tendo aprendido com homens vis,
pareces concordar com atos vis; e agora tendo devolvido
aos demais o que convém, levanta a âncora, depois de ter-
me deixado as armas.

Filoctetes, por sua vez, é a projeção do cidadão grego regido por normas
de conduta aristocráticas e que não muda diante das dificuldades nem mesmo
para obter vantagens pessoais. O maliense critica, de forma veemente, Odisseu
que, na peça, representa a mentalidade vigente no século V a.C., em que se
questionava a tradição e se acreditava na volatilidade das opiniões, que
desencadeavam constantes discussões sobre os princípios tidos como
verdadeiros e incontestáveis. Filoctetes retrata o cidadão ligado à moralidade
política, como afirmou Kitto (1960, p. 106), que não se deixa conduzir pelas
artimanhas de um discurso sedutor, como, por exemplo, o de Neoptólemo nos
versos 1263 a 1286, nos quais este últimmo tenta persuadir o maliense a
embarcar para Troia. Desse passo, destacamos os versos 1283-8:

Na verdade, dirás tudo em vão, pois jamais terás


benevolente meu coração, tu que, depois de teres tomado
a minha vida com enganos, dela me despojaste; e, em
seguida, ao chegares,
(1285) me advertes, filho odiosíssimo de um nobre pai.

109

Que pereçais, sobretudo os Atridas, e depois tu também,
filho de Laertes!

Embora a atitude destemida e irreconciliável de Filoctetes revele sua


posição de não voltar para Troia – contrariando, assim, a vontade de Odisseu e
dos Atridas –, observamos algumas vezes que as falas do maliense deixam
transparecer certa variação numa decisão ou mesmo um questionamento
próprio de uma pessoa insegura, principalmente em relação a sua vida sem o
arco, tomado de suas mãos por uma ação orquestrada pelo mais vil dos homens.
A opinião de Ferreira (2005, p. 17) corrobora esse tipo de comportamento de
Filoctetes:

Notemos ainda que sua recusa é categórica, mas não


isenta de hesitações. Que fazer? - pergunta ele (vv. 1063-
4), quando Ulisses se apresta para partir com o arco e
abandoná-lo à morte inevitável. Uns versos mais adiante
(vv. 1181-2), numa contradição interior, suplica ao coro
que não parta, quando pouco antes lhe dera ordem
contrária (v. 1177). Depois, após o pedido de Neoptólemo
reabilitado, não sabe o que fazer. Sente asco pela vida que
o fez descrer de tudo e deseja morrer (vv. 1348-9).

Em contrapartida, Odisseu faz da pergunta “o que devo fazer”, proposta


por Snell como característica do conflito interno vivido por um personagem
trágico, parecer uma formulação comum, em razão de o herói saber sempre “o
que deve fazer”. Em outras palavras, Odisseu age na firmeza de seus
pensamentos, não hesita em proceder conforme já havia previsto; suas ações
não apresentam nenhuma indecisão. Motivado por pensamentos avaliados por
ele mesmo como os mais adequados, ensina a Neoptólemo o discurso para
convencer Filoctetes a retornar com as armas de Héracles para o exército aqueu.
Um exemplo dessa característica odisseica pode ser encontrado no
episódio em que Neoptólemo - depois de falar a verdade e ouvir o lamento de
Filoctetes, angustiado por ter sido enganado -, arrepende-se de ter agido
conforme as instruções de Odisseu e decide consertar seu erro, falando a
verdade e devolvendo o arco. Essa cena é significativa, pois, se, no início da
peça, Odisseu disse que se manteria oculto para o plano não ser descoberto,
nesse momento, ele aparece pela primeira vez diante de Filoctetes,
repreendendo o jovem por sua mudança de atitude a julgar pelo verso 975: “Ó
mais vil dos homens, o que estás fazendo?”

Nesse contexto, a expressão ti/ dra~?j; “O que estás fazendo?”, variação


morfológica da proposta por Snell (ti/ dra/sw ; “que devo fazer?”), é utilizada para
repreender Neoptólemo e caracterizar toda a forma inflexível de Odisseu para o que se
propôs fazer na ilha. Odisseu questiona o jovem porque sua atitude está prejudicando
todo um sofisma bem urdido e trazendo a ruína do exército. Ele se posiciona a favor de
uma ação sem mudanças repentinas, exatamente conforme haviam planejado: levar
Filoctetes para Troia. Odisseu mostra ao jovem uma postura firme, independe das
consequências imediatas. O que está em jogo é a vitória sobre Troia e, por sua vez, a
salvação de todo um exército.
Nessa perspectiva, O mito de Filoctetes transposto na peça homônima
propõe uma resposta à indagação “o que devo fazer”, manifestada nas ações dos
três personagens principais: Odisseu, Neoptólemo e Filoctetes. Essas figuras
teatrais refletem, de maneira clara, pensamentos e condutas sociais presentes
110

no século V a. C. e, ainda uma nítida crise entre a ideologia do passado, pautada
na honra e na verdade e representada pelos personagens Filoctetes e
Neoptólemo, e a nova ordem social e política, estabelecida em Atenas e
representada por Odisseu, na qual o poder de argumentação e a persuasão se
tornaram meios seguros para a obtenção de sucesso na pólis.


Referências bibliográficas

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Sobre os autores

Smaragda Papadopoulou é Professora Associada de Ensino de Língua Grega


Moderna no Departamento Pedagógico de Educação Primária junto à disciplina
"ensino da língua grega moderna". Ela estudou na Universidade Aristóteles na
Grécia e na New York University em Nova York nos Estados Unidos. Ela escreve
livros literários e os publica sob pseudônimo literário Smaragda Mandadaki. Os
seus interesses de pesquisa relacionam-se o conhecimento sobre ensino de
língua materna e de língua estrangeira em ambiente intercultural, técnicas
linguísticas na prática didática, o uso sensível da linguagem na educação
(biblioterapia), as primeiras leituras e escritas, aprendizagem da ortografia,
abordagem holística da língua e outros modelos de ensino na educação
linguística.

Maria Regina Candido é historiadora e obteve o grau de doutorado no


IFCH/UFRJ (2002) com estágio na EFA: Escola Francesa de Atenas, Grécia.
Atualmente ministra aulas, como Professora Associada de História Antiga no
IFCH/UERJ/Brasil, nas turmas de graduação de História Antiga e na
graduação de Arqueologia Clássica na UERJ. Atua também nos cursos da pós-
graduação de História Politica do PPGH/UERJ e na História Comparada do
PPGHC/UFRJ. Coordena o Núcleo de Estudos da Antiguidade, NEA/UERJ
(www.nea.uerj.br), registrado no CNPq e o Curso de Especialização Lato Sensu
de História Antiga e Medieval, CEHAM/UERJ. Orienta alunos de Iniciação
Cientifica, mestrado e doutorado e detém publicações de livros e artigos a partir
da cultura material.

Elisa Costa Brandão de Carvalho possui doutorado em Letras Clássicas pela


Universidade Federal do Rio de Janeiro (2015) e é Professora adjunta da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e desenvolve pesquisa sobre o
romance grego antigo de aventuras. Tem experiência na área de Letras, com
ênfase em Língua e Literatura Gregas, atuando principalmente nos seguintes
temas: romance grego antigo e período helenístico.

Artur Gouvêa é Mestre em Ciência da Literatura/ Poética pela Faculdade de


Letras da UFRJ, além de violonista, compositor e professor de Violão, tendo
atuado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, é doutorando
junto à pós-graduação da Escola de Música da UFRJ.

Luciene de Lima Oliveira é doutora em Letras Clássicas pela Universidade


Federal do Rio de Janeiro, mesma instituição em que obteve o grau de Mestre
em Letras Clássicas. É professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
além de autora da Gramática de Grego, obra em dois tomos, e de vários artigos
voltados para os estudos de língua e cultura gregas.

María del Pilar Fernández Deagustini é Doutora em Letras (UNLP), Chefe de


Trabalho Prático na Área Grega da Faculdade de Ciências Humanas e Ciências
da Educação da Universidade Nacional de La Plata e Associada Pós-Doutora de
CONICET. É autora de Suplicantes de Esquilo. Una interpretacion (2015) e do
El espacio épico en el canto 11 de Odisea (2010), bem como de alguns artigos,

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especialmente sobre Suplicantes de Esquilo, objeto de pesquisa de sua tese de
doutorado. Atualmente, ele está envolvido no projeto de pesquisa "Homer
Reception and Appropriation in Classical Greek Literature" (UNLP), dirigido pela
Dra. Graciela Zecchin.

Alexandre Rosa possui Graduação em Letras Português-Grego pela Universidade


Federal do Rio de Janeiro-UFRJ (2006), Mestrado em Letras Clássicas pela UFRJ (2009)
e Doutorado em Letras Clássicas pela UFRJ (2015). Foi Professor Substituto de Língua
e Literatura Grega do Departamento de Letras Clássicas da UFRJ (2008 e 2009) e
Monitor de Língua Grega do Departamento de Letras Clássicas da UFRJ (2004 e 2005).
Foi bolsista de Doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), bolsista de Mestrado da Capes e bolsista de Iniciação Científica da
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua e Literatura Grega
Antiga, trabalhando, principalmente, com os seguintes temas: Épica Grega (Poemas
Homéricos) e Tragédia Grega. Atualmente, é Pós-Doutorando (Capes) do Programa de
Pós-Graduação em Letras Clássicas da UFRJ.

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