Veljanovski - A Economia Do Direito e Da Lei

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áreas onde existe uma interseção óbvia entre a economia e
o direito, e nem aos casos em que » lei afeta a atividade eco­ . ..

nômica. Vai além, examinando as instituições e os proces- ;.


sos legais nos quais não sSo óbvios os aspectos econômi­
cos.
O Dr. Vetjanovski apresenta os aspectos econômicos
da análise da lei a advogados e economistas, mostrando-
lhes o quadro referenciai em que se fundamentam tanto a
substância como os procedimentos da iei. Referindo-se às ,,
diferentes áreas do direito - direito criminal, direito consue- ,
tudinário, regulamentação e processo judiciário - o autor
explica a aplicação da economia nesses campos, e o faz de
maneira nlo-técnica. O livro contém abundante referência à
crescente literatura sobre a economia da lei e do direito.
g a a á t r t r t in a g m iin w iii i i M i i i i i i i i i i i i i i i i i i i T m m u iiJ i.m f i B i i i i u i i n

A ECONOMIA DO
DIREITO E DA LEI
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U M A I N T R O D U Ç Ã O
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CENTO VELJANOVSK!

A ECONOMIA
DO DIREITO E DA LEI
UMA INTRODUÇÃO

Tradução
FRANCISCO J. BERALLI

iNsrrrirro
l i b s r a l

Pj O OS JANBROJJG54
Titulo do original em inglês:
THE ECONOM1CS 0 F L A W - AN INTROOUCTORY TEXT

Copyright © The Jnslitute of Ecónomic Affalrs, 19S0

First published by Tne institute of Sconomic Affalrs, London, July 1990

Direitos para publicação csdidos ao:


INSTITUTO LIBERAL
Rua Professor Alfredo Gomas, 28
CEP 22251-080 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

PrínlBüin B/szíMmpresso no Brasil

ISBN 35-85054-35-2 * ■
(Edição original ISBN 0-255 36227-7)

Revisão de originais
RENATO BARRACA

Editoração oieirônica
SANDRA GUAST1 DE A. CASTRO

Revisão tipográfica
REGINA ISABEL VASCONCELLOS SILVA

Projeto gráfico
EDUARDO MUNIZ DE CARVALHO

Ficha catalográfica elaborada pela


Biblioteca Ludwig von MiSss do Instituto Libera!
Responsável: Wilson Teixeira M. de VasconcelJos

_ Veljanovski, Cento. -■ '


V437 ' A economia do direito e da le i; uma introdução / Cenío Veljanovski;
. tradução de Francisco J. Beralli. - Rio de Janeiro : Insiiluto Uberal, 1S94.
121 p. ‘
Bibliografia: p. 117-121
Tradução tfe: The Economics of Law: An Iniroductory Text.

ISBN 85-85054-35-2

1. Legislação econômica. 2. Sistemas legais. 3. Estrutura de mercado.


4. Regulamentação. 5. Política governamental. 6. Decisões jurídicas. 7.
Análise econômica. 8. P.eino Unido. I. Beralli, Francisco J. II. Instituto Libe­
ral, Rio de Janeiro. III. Título.
ÍNDICE

APRESENTAÇÃO , Graham Mather 9

O A UTO R 13

AG RADECIM ENTOS 15

I. INTRODUÇÃO 17
"U m a daninha separação de disciplinas" 18
Box 1: “ Uma combinação letal": direito ssm economia 19
“A economia do direito" 21
A legislação como “gigantesca máquina de preços" 22

II. UMA HISTÓRIA CURTA 25


Separações das disciplinas 26
Ressurreição da economia legal 28
Os anos 60 - regulamentação dos serviços de utilidade
pública e dos acidentes 29
A teoria de Calahresi da responsabilidade por acidentes 30
O teorem a de Coase 31
A abordagem econômica do comportamento extramarcado 32
Um a busca antiga 33
Os anos 70: a análise da eficiência de Posnsr 34
A economia do direito nos anos 80
oc
III; A ABORDAGEM ECONÔMICA 39
Uma parábola bíblica 39
A sconúmi'3 como o estudo da opção 41
Um quadro referencial teórico 43
A naiureza da tsoria 43
ív;odeio Bconõmico 45
A hipótese da racionalidade 46
A nálise h&donístioa da lei? 48
Jsrgâo profissional 49

IV. AS LEIS COMO SISTEMAS DE INCENTIVOS 51


E'<-pasi versus ex-ante 51
Controle de aluguéis e aquela história toda 53
Custos e benefícios 54
A disposição de pagar 55
Atribuindo valor aos intangíveis 57
A economia da segurança 58
C ü s ío s de oportunidade 60
Nova visita ao teorema de Coase . 61
Decorrências da análise do custo de oportunidade 62
Análise quantitativa 65

V. ALG UM AS APLICAÇÕES LEGAIS 69


O s papéis do economista 69
a. Técnico 69
b. Supertécnico" , 70
c. Retórico da economia 70
Prejuízos decorrentes de lesões pessoais 70
A econom ia das leis criminais 72
Repressão 73
O custo da punição 74
Medindo a repressão ' 75
Negociação do pleito 77
Aversão ao risco 80
Definindo os termos legais 81
Negligência 82
O teste de Hand 83
B gx 2: Aplicação econômica do teste de Hand 85
O m odelo econômico formal de negligência 89

VI. REGULAMENTAÇÃO 95
M cdeícs de regulamentação 96
Falhas regulatórias 97
Salário-mínimo -té c n ic a inadequada 100
Os regulamentos de segurança como barreira
à competição 101
A economia das normas legais '(02
Su'o e superinclusão 103
Os afeitos da superinciüsâc 105
As técnicas de intervenção 107
Conclusões 108

VII. SUMÁRIO E CONCLUSÕES 113


Sumário 113
Aos advogados e agentes regulador es 114
Quadros e gráficos;
1. O efeito sobre a taxa de crimas contra a propriedade
decorrente de um aumento de 10% em cinco variáveis:
Inglaterra e País de Gaíes, 1986 76
2. A maneira como o economista vê a negligência 90
Tabsla:
1. Estimativa dos custos de reduzir os crimes contra
a propriedade em 1% 77

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA 117


APRESENTAÇÃO

Talvez seja inevitável o fato de o pensamento econômico freqüen­


temente estar mais adiantado nos EUA do que no Reino Unido.
Isso parece ser especialmente verdadeiro no caso do estudo ínter-
disciplínar direito-e-economia. Da mesma maneira que a teoria da es­
colha pública se inspirou no pensamento econômico norte-americano e
teve um impacto menor neste lado do Atlântico, o campo da economia
do direito, com sua ênfase na regulamentação e no uso da análise e da
visão econômica dos sistemas de incentivos governamentais, perma­
nece lamentavelmente subapreciado na Grã-Bretanha, entre os acadê­
micos e profissionais das duas disciplinas que o compõem.
Porque preocupar-nos com isso? Primeiramente, porque é um sin­
toma da relutância m ais abrangente dos economistas britânicos em
adotar uma visão mais global da Economia Política. Conforme sugeriu
Sam uel Brittan na introdução qus escreveu para o recente estudo do
IEA sobre uma amostra da 1.000 economistas,1 essa estreiteza de vi­
são pode muito bem levar os economistas a serem ignorados peios
profissionais de novas e interessantíssimas áreas do conhecimento ~
fato que conspira contra o interesse tíe longo prazo dos próprios econo­
mistas.
Mais importante é o risco de que a falta de domínio dos importan­
te s fru to s do e stu d o c o n ju n to cia Is i-e -e c o n o m ia possa im p e d ir os a c a ­
d ê m ic o s , p ro fis s io n a is e re sp o n sá ve is p o r m ed id as p o lític a s d e d is p o -
rs m d e um in stru m e n ta l tã o útil para o rie n tá -lo s em fa ce de u m a s ig n ifi­
c a tiv a n iu js n ç a íia n a tu re z a da a tiv id a d e g o ve rn a m e n ta l na vid a eco -
!ió n i;c a . riã o p a re c s p ro v á v e l que na p ró x im a dé cad a a p ro p ríe d a c ls
p e lo o o r-.:n o ci?. a tivid a d e s e m p re sa ria is no rnercado c o n s titu a u m p ro ­
b le m a cr& scenie, a q u i ou em ou tro s p a íse s. M as cresce, p o r o u tro ia d o ,
a p.rr.saçti da re g u la m e n ta ç ã o , pelo g o v e rn o , das a tivid a d e s e c o n ô m i­
cas p riv a d a s com a m e lh o r das in te n çõ e s, se ja para c o n tro ia r p ro b le ­
m a s a m b ie n ta is, se ja p a ra s a n e a r o m e rc a d o fin a n ce iro ou o u tra s
"b o a s " razões.
- Como resultado, o poder está sendo transferido, na Grã-Breta-
nba, para as mãos dos autores da regulamentação: o Escritório da
Comissão Encarregada de Comércio Competitivo, Monopólios e Fu­
sões (Office of Fair Trading, the Monopoíies and Mergers Commis-
sion) s uma série de outras agências oficiais que operam sob diferen­
tes sigias - OFTEL, OFGAS, OFFER e outras. Os advogados esíão
empenhados em seu trabalho, da mesma maneira que um grupo me­
nor de economisias. Está faltando atgo que aproxime esses dois gru­
pos de profissionais, na base de um quadro de referência intelectual
que lhes sejs comum. Essa referência poderia colocar suas respecti­
vas atividades dentro de iimites apropriados, medir os custos dos re­
gulamentos em bases adequadas, bem comó sugerir uma série de so­
luções a!ternativas'de mercado, em lugar de medidas reguladoras que
dependem pesadamente do julgamento e dD discernimento burocráti­
cos; ss "soluções de mercado, ao contrário, se fundamentam em direi­
tos específicos subordinados a regras claras.
Esta monografia que o IEA. publica, sob o número 114 da série
“ H obari Paper", examina o problema da “privatização” de alguns com­
ponentes do processo de regulamentação. Cento Veljanovski sugere o
recurso s direitos de propriedade propriamente definidos, sugere ainda
que contrastando-os com as alternativas - que incluem os benefícios
de seguros ou outras infringências legais indsnizáveis - se garanta
mais eficácia à reparação das violações sofridas pelas pessoas lesa­
das, com menores custos burocráticos, menores custos diretos e me­
nores custos de acordo entre as partes, os quais geralmente repre­
sentam os mais graves aspectos da intervenção estaial no mercado.
Fera do sistema de regulamentação pública, o casamento da eco­
nomia com o direito pode constituir uma poderosa defesa dos direitos

10
individuais. Cento Veljanovski adverte os leitores com relação ao pro­
blema da indenização por acidentes, esclarecendo que a falta de fami­
liaridade dos juizes relativamente a conceitos econômicos pode levá-
los a prejudicar as víiímss. Veljanovski coloca o litígio legal em seus ter­
mos apropriados; Irai.a-se de um instrumento eficaz para proteger os di­
reitos individuais. Desse ponto de vista, o direito como praticado na
Grã-Bretanha pode estar subestimando o alcance da iei pslos tribunais,
especialmente no que se refere à ajuda que pode receber da economia.
Esta monograFia surge num momento apropriado. Nas economias
européias que nasceram após o colapso do comunismo, o campo de
economia-e-dirsito estè surgindo espontaneamente como inspiração
para a reestruturação econômica e política de novas sociedades cons­
cientes de que sua liberdade e sua prosperidade dependem da prote­
ção eficaz dos direitos de seus cidadãos. Como de costume, esta mo­
nografia da série Hobart Paper e suas sugestões refletem a posição de
seu autor, e não dos membros do IEA. Creio que esta contribuição de
Cento Veljanovski será importante para o desenvolvimento do campo
da economia do direito na Grã-Brelanha.

Graham M aiher

NOTA

1- RICKETTS, Martin, SHOESMITH, Edward. British Economic Opinion: A


Survey o ía Thousand Economists. London: tnstilute of Economic Affairs, 1390.
(Research Monograph, 45)
O AUTOR

Cento Veljanovski associou-se ao !EA na condição de diretor de


pesquisa e edições em janeiro de 1988. Antes, e!e esteve trabalhando
como professor de .economia e direito, no Colégio Universitário de Lon­
dres (1984-87) e como pesquisador júnior, do Centro de Estudos Sócio-
Legais de Oxford (1978-84). Na condição de professor visitante, lecio­
nou em várias universidades norte-americanas e trabalhou durante um
breve período, após sua graduação, no Tesouro da Austrália. Sua edu­
cação teve iugar na Austrália e no Reino Unido, resultando em títulos
universitários em direito e economia (B.Ec., M.Ec., D.Fhií.). Trabalhou
como consultor governamental em assuntos ligados a privatização, re­
gulamentação e reiações com a imprensa.
O Dr. Veljanovski é um dos poucos militantes d esse campo misto de
direito e economia a ser nomeado professor de direito no Reino Unido,
na Universidade de Londres. H e tem escrito muito sobre o assunto, o
que inclui vários livros: The New Law and Economics (1983); (com A.S.
Ogus) Readings in the Economics o fL a w and Regulation (1984), além
de muitos artigos em publicações universitárias, como Modern Law
Review e Economic Journal. Ê autor de Seliing the State - Privaüsation
in Britain (1987), com W. Bishop ele escreveu Choice by Cable (Hobart
Paper 96, 1983), e mais recentem ente. publicou Privatisation and
Compeiition: A M arket Prospectus (Hobart Paperback 28, 1989), e
Freecom in Broadcasting (Hobart Paperback 29, 1989). É membro do
comiíê editorial do International R eview of Law and Economics, L a w and
Poiicy, bem como do Journal das Economistas s t des Études Humaines,
e do conselho do Erasmus Programme in Law and Economics, e do
Ceníer íorthe Study of the New Insiiíuíiona! Economics (da ex-Alemaníia
Ocidental). Fínalmsníe, é membro-fundadorda Associação Européia de
Direito e Economia.
A GRADBC1MENT0 Í

Uma versão inicial deste Hobart Paper foi escrita para uma confe­
rê n cia sobre “ Direito e Economia", realizada em 17 de maio de 1989,
no Centro Queen Elizabsih !l. Ao reescrever o documento original para
o (EA, agradeço os comentários de Bill Bishop, John B u rto n , Ralph Har-
ris, Graham Maíher, Anthony Ogus e AríhurSeldon.

c.V.
g B MBagBSjaaa«saBb»

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INTRODUÇÃO

A economia vai progressivamente ultrapassando seus limites tradi­


cionais, qus a ligam ao mercado, para chegar à sociologia, à ciência
política, à filosofia e ao direito. Uma atividade que tem ganho ímpeto e
respeito é a análise econômica do direito. Trata-se de um exemplo do
que Kenneth Boüidírig chamou de imperialismo econôm ico;'“a tentativa
da economia de invadir outras ciências sociais".1
A m aior paris desse interesse pela análise econômica da lei tem
sido mostrada não por economistas, mas por advogados, especialmen­
te os da América do Norte. “A capacidade de conversar sobre a econo­
mia neoclássica do bem-estar", observa Coleman, “é um aparente pré-
requisito para um emprego bem remunerado nas escolas de direito dos
EUA” .2 Embora isso constitua um exagero, não deixa de m ostrara im­
portância que a nova disciplina tem ganho na Am érica do Norte.
Trata-se de expressivo contraste com o que ocorre no Reino Uni­
do, onde o interesse pelo assunto é muito pequeno. “O advogado in­
glês", comentam Ogus e Rtchardson, 'ie m mostrado notória relutância
em reconhecer a relevância das ciências sociais para o direito".3 Da
mesma maneira, os economistas ingleses têm ficado muito atrás de
seus colegas norte-americanos. Campbell e Wíles chegaram à seguin­
te conclusão;
“em comparação com a posição na América, os economistas
britânicos íêm virtualmente ignorado os estudos do direito ou a
relevância da regulamentação legal para o desenvolvimento
econômico’: 4

"U M A D AN IN H A SEPARAÇÃO DE DISCIPLINAS"

Existe uma desnecessária e prejudicial separação entre o direito e


a economia, o que produz conseqüências práticas. As duas disciplinas
sofrem do que Veblen chamou de "incapacidade treinada". Os advoga­
dos e os elaboradores de políticas públicas são analfabetos em econo­
mia, aíèm de freqüentemente serem pouco chegados a números, A fra­
ternidade jurídica inglesa desconfia da teoria, desdenha dos peritos e
acadêmicos e reluta em aceitar a idéia de que outras disciplinas pos­
sam ter aigo de valor para dizer a respeito da “direito". O professor Pa-
trick Atiyah identificou bem essa atitude:

18
BOX 1

"UMA C O im iN A Ç Ã O L E T A L '
DIREITO SEM ECONOMIA

“ Os juizes se movam mais lentamente do que os mercados, porém


mais rapidamente do que a profissão econômica, uma combinação
letal".
Juiz F. Essterbroak (1S87)

"Um advogado que não estudou economia (...) pode bsm tomar-se
um inimigo público".
Juiz Brnndeis (1916)

"... todos os advogados deveriam procurar com preender a economia.


Com sua ajuda aprendemos a considerar e a pesar os fins da legisla­
ção, os meios de alcançá-los e o custo envolvido. Aprendemos que
para obter algo é necessário abrir mão de outra coisa, aprendemos a
com parar a vantagem obtida com a vantagem a que renunciamos e a
saber o que estamos fazendo quando escolhemos".
Juiz O.W. Holrnes (18S7)

"[A econom ia] é um poderoso e abrangente instrumento de análise


que todos aqueles que pensam e escrevem sobre direito e legislação
usam, conscientemente ou não, (...) ela oferece um ponto de partida
conveniente para uma teoria gera! do direito na sociedade. Além dis­
so - e esse aspecto deve ser realçado - ela possui urna forte base
empírica, bem como boa dose de sensatez. Em torno de nós existem
muitas evidências de que o sistema usa o mecanismo de preços (no
seu sentido mais amplo) para manipular o comportamento, e de for­
ma difusa".
Professor L Fríedman (1984)

"Para o estudo racional do direito, o homem da toga preta pode ser o


homem do presente, mas o homem do futuro é o hom em da estatísti­
ca e o mestre ds economia".
Juiz O. W. Ha/mes { 1897}

"A m aior parte dos juizes ingleses não é enfaticamente nem


intelectual, nem teórica; poucos são dados a duvidar de seus
próprios princípios básicas, pelo menos em público, e a m aio­
ria se mostra muito cética quanto ao valor da teoria... Muito

19
poucos têm mais do que uma vaga idéia da vasta literatura ju­
rídica sobre a natureza do processo judicial. A maioria se or­
gulha de ser pragmática, é não teórica”.5

Para o economista, a abordagem jurídica é excessivamente des­


critiva e legalista. Nas oportunidades em que ele se aventura a comen­
ta r reformas legais, suas conclusões parecem racionalizações ad hoc,
julgam entos de valor éíicos e moralistas, ou então simples afirmações
baseadas num empírismo causai dúbio. O editor de economia do Syd-
n&yM om ing Herald retratou a abordagem dos advogados, no seu rude
ataque a urna proposta da Comissão de Refonna Legal sobre a permis­
são de ações, como:

"... uma terapia extremamente intervencionista, tipicamente


jurídica. Ignora muitos dos problemas econômicos envolvidos
e cai na convicção legai de que iodos os probjemas do mundo
podem ser solucionados, desde que apenas se disponha de
uma legislação apropriada. Encontrar um advogado que en­
tenda e respeite as forças de mercado é tão difícil quanto
achar um fabricante de roupas de bebê que compreenda e
respeite o celibato. A mente juridicamente treinada não conse­
gue perceber que não é possível derrotar as forças de mèrca-
. do, mas apenas distorcê-las de modo que elas surjam abrup­
tamente de maneiras inesperadas”,6

Os economistas também merecem crítica. A tendência geral, es­


pecialmente, se bem que não exclusivamente, dos economistas ingle­
ses é no sentido de tratar o direito como um dado do problema. O Pro­
fessor Ksrt Llewetyn referiu-se a isso há muito arsos, num comentário
que ainda descreve com precisão a atitude de grande número de eco­
nomistas:

“ò economista vê [o direito] como um dado do problema. O di­


reito existe. Se ele serve bem a vida econômica, ele o ignora;
caso contrário, ele o amaldiçoa impiedosamente, bem como
aos seus partidários, sem qualquer grande esforço para com­
preender a razão do desserviço” .7

Essa situação agora esíá mudando. Na atmosfera acadêmica dos


m

anos 70, era difícil fazer comentários econômicos ao direito principal­


llr mente porque, na época, a idéiá parecia irrelevante, sendo vista-como
algo importado dos EUA, onde o mercado e a livre iniciativa constituem
valores mais aceitáveis e aceitos. Nos anos 80, a tese do livre mercado
passou a ocupar o centro da economia política na Europa e outras par­
tes do mundo. As políticas da economia da oferta da Sra. Thatcher de­
st
% ram ímpeto intelectual â análise econômica das leis e dos regulamen­
tos. A privatização e a desregulamentação de serviços de utilidades pú­
M
M blicas - g á s , água, eletricidade - colocaram em evidência a dimensão
m econômica de várias leis. Mas a despeito da importância crescente da
economia no controle das atividades industriais na medida em que nos
■% movemos da estatização para a regulamentação, a base da nova abor­
1 dagem da regulamentação ainda não mostrou uma preocupação pro­
f ■ funda para com os bons princípios econômicos. No Reino Unido, a retó­
I rica do racionalismo econômico pode ter sido adotada para justificar a
Ííí expansão da regulamentação, mas a realidade nos apresenta um con­
junto ad hoc de leis e decisões amalgamadas pelo m aior de todos os
expedientes: um compromisso político executado pela burocracia dis­
I cricionária.

"A ECONOMIA DO DIREITO"

I Examinarei aqui as possibilidades do uso da economia na análise


do direito - um novo campo de esíudo conhecido como "economia do
direito",
A economia do direito pode ser definida de forma simples como a
aplicação da teoria econômica (principalmente a teoria dos preços) e
dos métodos estatísticos ao estudo da formação, estrutura, processos
e impacto da lei e das instituições jurídicas. Trata-se de uma literatura
dispersa e assistemáíica, escrita por economistas e advogados. Ainda
& não há consenso sobre ela, e os economistas não possuem uma teoria
do direito coerente e esclarecedora. Ainda assim, na úiiims década
esse novo campo de estudo alcançou o status de uma disciplina dife­
renciada com seus especialistas, e suas próprias revistas8 e livros9, o
que indicaria um crescente interesse sobre o assunto.
A economia do direito não se limita a assuntos que afetam direta­
mente os mercados ou a atividade econômica. Vai além, a ponto de
chegar ao estudo das instituições legais fundamentais. A disciplina tem
partes ‘Velhas" e partes "novas", numa separação algo arbitrária. A ve­
lha economia do direito se refere a isis que afetam o funcionamento da
economia e dos mercados. Examina os efeitos que a lei tem sobre a
concorrência, o desempenho dos mercados, indústrias e empresas,'
bem como sobre variáveis econômicas como preços, investimento, lu­
cro, distribuição de renda e utilização de recursos. Inclui as leis que afe­
tam a concorrência, a regulamentação das atividades econômicas (em
pariicuiar, das empresas de serviço de utilidade pública, quotas e con­
troles de preços), os impostos e o comércio. Esse tipo de aplicação
está voltando à evidência, na medida em que ressurgem no fteino Uni­
do e na Europa as reformas ligadas a privatização e à liberalização e '
inspiradas na economia da oferia, as quais paradoxalmente colocam a
regulamentação das atividades empresariais em primeiro planò. ■,
A inovação mais importante da economia nos anos recentes foi a
“ nova" economi2 do direito, que tem como objeto a ioialiüade cios siste­
mas legai e regulador, independentemente de a lei controlar ou não as
relações econômicas. Nos coniratos mais recentes, as normas sobre
delitos de responsabilidade civil (torf), que no direito consuetudinário
tratam dos danos civis não-intencionais, como acidentes e perturba­
ções da paz; direito de família, direito penal e regras processuais estão
sujeitos ao escrutínio da análise econômica. Esse campo de estudo
está rnuito ligado ao juiz Richard A. Posner, desde o tempo em que le­
cionou na Escola de Direito da Universidade de Chicago. Seu íiyro-tex-
to, Economic Angfysis o f Law, agora em sua terceira edição, exemplifi­
ca a generosa variedade de assuntos legais passíveis de estudo pela
economia.

A LEG IS LA Ç Ã O COMO ‘‘GIGANTESCA M ÁQ UiNA DE PREÇOS”

Vou fazer um esboço muito rápido da natureza e da 'história da


economia do direito. Trata-se de uma contribuição noríe-americana, na
qua! os advogados ou aqueles que tiveram formação em economia e
direitu ficaram com a maiorquota. As diferenças entre o raciocínio eco­
nômico e o raciocínio lega! serão analisadas no Capítulo III. Os concei­
tos básicos de economia referem-se à escolha, ao princípio da substi­
tuição na margem, aos custos de oportunidade e à eficiência no uso
dos recursos escassos. Mesmo aqueles que não são economistas, es­
pecialmente advogados, visualizam a economia como ligada à riqueza

22
m a te ria l ou a considerações financeiras. Essa visão errônea tem leva­
do a uma desnecessária confusão e à criação de uma barreira artificial
que dificulta a aceitação da economia pelos advogados e mesmo como
base para uma reforma legal. A principal diferença enire advogados e
economistas está no fato de que estes vêem as leis como uma “gigan-
iesca máquina de preços" - as leis atuam como preços e impostos que
geram incentivos, É este o ângulo de visão que marca a contribuição
dos economistas à análise da legislação. O Capítulo IV deste trabalho
analisa com mais detalhes a maneira como o economista aborda o sis­
tema legal, enquanto as de números V e VI dão exemplos das diferen­
tes aplicações de análise econômica ès normas do direito consuetudi-
nário dos delitos de responsabilidade civil extracontratuai, do direito pe­
nal, das doutrinas legais e da regulamentação.

NOTAS

1- BOULDIMG, K. E. Economics as a Moral Science. American Econom ic


Rsviaw, v. 68, p.8. 1968.
2-C O LEM AN, J. L. Eíficiency, Exchange and Auctian: Philosophica! A spects of
the Economic Approach to Law, Califórnia Law Review, v. 68, p.227. 19S0.
3- OGUS, A.J., RICHARDSON, G. Economics and the Environm ent A S tudy of
Prtvaie Nuíssnce. Cambridge Lsw Journal, v. 26, p.284-325, 1977.
4- CAMPBELL, C., WILES, P. The Study of Law in Society. Law and S o cisty
Rsviaw, v. 10, p.563-64, 1976.
5- ATIYAH, P.S. The Legacy of Holmes Through English Eyes. Boston
Univsrsiiy Lew Review, v. 63, p.380, 1983.
6- Sydney Moming Hsraid, 25 May 1981.
7- ILEW ELLYN , K.N. Ths Eríecí o f Legal Institutions Upon Economics.
American Econom ic Revi&w, v. 136, p.665. 1925.
8- Principalmente The Journal o f Law & Economics, The Journal o f Lega!
Studias, In ia rn a tio m l Review o f Law and Economics, e Journal o f Law,
Economics a n d Organization.
9 - Ver “ Bibliografia Selecionada", p. 117-121.

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UMA HISTÓRIA CURTA

O ca sarnento da economia com o direito não é novo. Aplicações


"econômicas” ao campo do direito podem ser enconíradasno utíJitaris-
mo de Beccaiia-Bonesara (1764)1 e Jeremy Bentham (1789)2; na eco­
nomia política de Adam Smith (1776)3 e K arlM arx(1861)4; e na Escola
íristitudon alista noría-americana, principalmente no trabalho de John
r : Commons (1929)s. De faío, há fortes razões para se dizer que o nas­
cimento da economia como disciplina autônoma ocorreu na filosofia
moral e política de Adam Smith, o fundadorda economia moderna. O li­
vro A riqueza das nações, de Smítíi, é apenas uma parte de uma tsoria
mais geral que inclui o direito. As suas Lectures on Jurísprudence (Au­
las de jurisprudência) nunca foram concluídas, lamentavelmente. No
mesmo sentido, as relações entre direito e economia parecem estar
nas origens da própria economia. Na realidade, elas talvez até estejam
geneticamente relacionadas, pois o pai de Adam Smith - que faleceu
antes do nascimento do fiího - era funcionário da Corte Marcial e da Al­
fândega. (Clerk io ihe Court Mariial and Compíroller o f Customs), em
Kirkaídy, Escócia, e o próprio Adam Smith foi fiscal aduaneiro.6 Assim,
a idéia de aplicar a economia ao direito não é nova; ela simplesmente
foi negligenciada em detrimento das duas disciplinas. De feto, o direito
consuetudinário anglo-americano tem sido profundamente'influenciado
pela economia, especialmente nas partes relativas a contratos e delitos
de responsabilidade civil exiracontratual.

SEPARAÇÕES DAS DISCIPLINAS

A risspeito desses antecedentes, durante o período de 1920 a


1960 o estudo econômico do direiio perdeu prestígio entre os econo­
mistas anglo-americanos. Uma ativa interação dos dois campos conti­
nuou nos EUA, onds o direito tinha objetivos e/ou efeitos econômicos,
como no direito da concorrência de mercado e na regulamentação dos
serviços de utiiidade pública, por exemplo, gás e ferrovias, Mas no Rei-'
no Unido, devido principalmente ao processo de estatlzação e à precá­
ria siluação da legislação sobre concórrêcia de mercado, pouco se fez
a esse respeito7.
O fato de os economistas terem negligenciado as instituições pode
ser atribuído a dois fatores. Primeiro, muitos economistas norte-ameri-
canos associavam o estudo do direito e das organizações aos institu-
cionslistas, como John R. Commons, cujo trabalho era visto como legs-
lísticc e carente de rigor. Assim, em 1S59, Henry Houthakker, um eco­
nomista respeitado, escreveu:

,:A análise econômica das instituições não é muiio bem vista


ou amplamente praticada entre os economistas contemporâ­
neos. A'própria palavra instituição sugere associações desfa­
voráveis com a abordagem legalíslica de fenômenos econô­
micos, que era respeitável nas três primeiras décadas deste
século. Há pouco motivo para se.iameníar a triunfante reação
que varreu o institucionalismo do seu lugar de destaque. Mes­
mo assim, a economia ainda pode aprender muito com o estu­
do das instituições. Os problemas analíticos que surgem cons­
tituem muitas vezes não apenas um desafio à teoria conven­
cional, mas também uma lembrança útil da relatividade da
doutrina aceita "8

O professor Mark Blaug sugere que, em essência, o institucionalis­


mo representava uma insatisfação para com o slío nível de abstração
da economia neoclássica. Os institucionalisias defendiam a integração
da economia com as outras ciências sociais, e eram a favor de mais es­
tudos empíricos.9 O institucionalismo não sobreviveu, sendo visto por
muüos apenas como um conjunto útil de criticas è economia convencio­
nal.
A segunda razão de as instituições terem sido negligenciadas está
na transformação da economia de ciência apríorí em ciência empírica.
O aumsníc cia influência do positivismo sobre a economia, juntamente
com o maior uso da matemática10 e da análiss estatística, orientou a
atenção do economista para áreas de pesquisa onde dados fundamen­
tais pudessem ser encontrados. Tanto as instituições c g itio o direiio pa­
reciam desafiar o uso de modeios matemáticos ou ?. anáfise empírica
fácii, e foram, portanto, ignorados. Isso ainda s válido para a m aior par­
te da economia de hoje, Um passar de olhos pelas principais revistas
ds economia dá ao leitor a impressão de que se trata de um ramo da
matemática aplicada, muito distanciado dos problemas econômicos
diários que assoberbam os cidadãos comuns. A economia tornou-se
uma fantasia matemática que prestigia as pessoas versadas em cáicu-
lo, topologia, teoria dos conjuntos, álgebrs linear e coisas desse gêne­
ro. “Páginas e páginas das revistas técnicas de economia", diz Wassiiy
Leontieí, um Prêmio Nobel de economia, “estão repletas de íórmuias
matemáticas que levam a conclusões enunciadas com rigor, mas irrele­
vantes".11 Visão análoga é expressa pelo Professor Ronala Coase, um
dos maiores economistas institucionais contemporâneos; “Na minha ju­
ventude Gostumava-se dizer que as coisas que fossem tolas demais
para ser diíss podiam ser cantadas. Na economia moderna elas podem
ser ditas em linguagem matémafica''.12 Algumas pessoas alimentam a
esperança de que o crescimento da economia do direito induzirá, even­
tualmente, uma mudança dessa tendência e o renascimento da econo­
mia política.
Entre os advogados, a relutância em se engajar no ensino e na
pesquisa interdisciplinares provém de vários fatores. O primeiro é a in-
fiuãncia exercida pelos praticantes da profissão sobre o ensino do direi­
to. O direito ieva a uma profissão, o que não acontece com a economia.
Um diploma de direito representa uma qualificação profissional que dá
ao esiudaníe condições práticas de trabalho; por esse motivo, o curso
de direito no Reino Unido e na maioria dos países de. língua inglesa
deve preparar o estudante para o seu trabalho. De fato, antes da II
Guerra Mundial o curso de direito de muitas universidades inglesas era
dado por praticantes de advocacia contratados como professores de
tempo parcial. A subserviência do estudo do direito às exigências da­
queles que militam na profissão no Reino Unido criou severas limiia-

27
ções à possibilidade de a educação jurídica expiorar o contexto mais
amplo do direito, e tem gerado hostüidade contra as tentativas de alar­
gamento das bases do curso de direito. O segundo fator emana da me-
todotagisde ensino, especialmente o método baseado em casos, que
requer do estudante uma familiaridade com centenas de ações ju d i­
ciais; ta! maneira de ensinar não conduz à fácii aceitação da abonda-
gem das ciências sociais que procura identificar generalidades em lu­
gar das peculiaridades situacionais que fascinam a mente dos juristas.

RESSURREIÇÃO DA ECONOMIA LE G A L

O crescente interesse na economia do direito está intimamente -


se bem que não exclusivamente - 13 ligado aos escritos de professores
da escola de direito e do departamento de economia da Universidade
de Chicago.
É difícil definir de maneira específica a análise do direito que é feita
pela "Escola de Chicago". A maioria concordada, contudo; com a,idéia
de que a marca principai daquela análise está na crença de que a sim ­
ples teoria econômica do mercado possui enorme poder de explicação
em todos os campos das atividades humanas e institucionais. Aquela
tèoria apíica os simples princípios do comportamento maximizadora.to­
dos os aspectos da vida, com o propósito dè enunciar proposições (es­
táveis a respeitosa maneira como pessoas e instituições reagem a muT
danças em seus ambienies, e formular sugestões de reforma lega! ba­
seadas no critério da eficiência econômica. . .
O programa de direito e economia da Escola de Chicago começou
no início dos anos 40, quando Henry Simons se tornou diretor da facul­
dade de direito. Após o falecimento de Simons, em 1947, Aaron Director
o substituiu como professor e, em 1949, foi nomeado professor de eco­
nomia da escola. Directorteve influência intelectual considerável na eco­
nomia antitruste, graças aos trabalhos de seus estudantes, como Bow-
man, Sork e Manne.u Essa atividade nos campos da economia do direi­
to e da iegislação antitruste, simultaneamente com a vocação dos eco­
nomistas de Chicago para a política, estimulou um estudo econômico
ainda mais geral do direito. Em 1958, o programa de economia do direito
de Chicago entrou em uma nova fase, com a inauguração do Journal o f
L aw a nd Economics (Revista de direito e economia), tendo como primei-
ro editor, Aaron Director, mais tarde substituído por Ronató Coase.13
* v 5i rí

O desenvolvimento subseqüente da análise econômica do direito


pode ser dividido em três fases,’cada uma coincidindo aproximadamen­
te com uma das décadas - 60, 70 e 80, . -
■ m
-
OS ANOS 60 - R EG ULAM ENTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE
1? UTILIDADE PÚ BLICA E DOS ACIDENTES

:w
H Encontram-se nos anos 60 os estágios iniciais da economia do di-
H reito. A importância crescente da intervenção governamental na econo-
mia norte-americana estimulou slguns economistas a dedicarem aten-
J| ção aos modelos e à mensuração dos eferíos da regulamentação sobre
ip ! as atividades econômicas. Os artigos clássicos de Averch e Johnson,16
Caves,17 Stigler e Friediand13 marcam o começo das tentativas rigoro-
s as dos economistas de estudara assim chamada regulamentação dos

‘fjf serviços de utiiidade pública. Outra contribuição marcante foi o livro
:!§ The Economics o f Regulation, de Alfred Kahn, publicado em dois volu-
í| mes, em 1970 e 1971.19 De uma maneira diferente, George Stigler,2?
S| economista de Chicago, elaborou os rudimentos de uma teoria posiiiva
II da regulamentação, indicando que os governos não tinham interesse
Ü : na eficiência ou em algum conceito geral de interesse público. A hipóíe-
I! se centra! de Stigler é a de que a regulamentação é conseguida por
p grupos eficientes de interesse, invariavelmente produtores ou setores
H da atividade econômica regulamentada, e não por consumidores. “Em
H gerai", argumenta Stigler, "a regulamentação é conseguida peto setor
ff econômico interessado e é destinada e executada primeiramente em
H seu benefício", por meio de uma redistribuição de renda que fhe é van-
.f| tajosa, ensejada por políticos que, em troca, recebem apoio eleitoral.
H Tal visão da regulamentação tem sido amplamente aceita tanto pela
“esquerda” como pela “direita", e endossa as tentativas do governo da
f| Sra. Thatcher de retirar o fardo da burocracia governamental das cos-
H tas do setor produtivo. Muitas normas reguladoras são vistas como bar-
jf reiras à competição econômica, comprometendo assim o processo
§ criador de riqueza. O crescimento da regulamentação durante os anos
f 60 e 70 é visío como a ação de setores interessados:
|Ü,

|| “O corporativismo iimiía a competição e osurgirneniode novas


H empresas, encorajando o protecionismo e as restriçfe s conce-
§ bidas para ajudar as atividades de firmas já existentes”.21
A hipótese de Stigler e seu trabalho sobre serviços de utilidade pú-
büca estimularam os economistas nos anos 70 a realizarem estudos
empíricos sobre os efeitos da regulamentação no desempenho das em-
22
p rs s s s

A tsorís de Calabresi da responsabilidade por acidentes

Outros dois trabalhos se destacaram nos anos 80 peia influência


que vieram a ier. Ambos trataram da responsabilidade civil por aciden­
tes, campo jurídico ds instituição inglesa do tort, isto é, aquela parte do
direito consustudínário referente à responsabilidade dos autores de da­
nos 2 terceiros. As duas contribuições trataram, portanto, de algo dife­
rente da questão da regulamentação. O estudo fecundaniedo professor
Guido Calabresi (Ya|s üniversity), publicado sob o título "Somè
Thoughts on Risk Distributíon and the Law ofTo[ts",23foi o prim eiro es­
forço sistemáíico feito por um jurista para analisara lei dos ío /fs d o ponto
de vista econômico. De acordo com Calabresi, o G&jetivó da lei sobre aci­
dentes era o de “ minimizar o toíal dos custos dos acidentes e dds custos
para evitaracidenies". Posieriormente, ele mesmo refinou o seu axioma,
e o chamou de uma teoria da responsabilidade pelas perdas resultantes
de acidentes. Para Calabresi, os custos dos acidentes seriam minimiza­
dos se a parte que poderia ter evitado o acidente ao menor custo fosse
responsabilizada pelas perdas decorrentes. O próprio Calabresi deu a
essa regra o nome de “o custo-mais baixo-da prevenção” .24 É fácil
exemplificar a idéia. Um taxista atropela um pedestre, causando-lne da­
nos no valor de 200 libras esterlinas. Descobre-se que o acidente resul­
tou de. uma falha do motorista de equipar seu cairo com freios novos, no
vaiorde 50 libras. Obviamente, os usuários das vias públicas e a comuni­
dade e'tn gera! teriam sido beneficiados se o motorista tivesse trocado os
freios do seu carro, sendo esse benefício equivalente a 150 libras (a per­
da de 200 menos o custo dos freios, de 50 libras). Se o motorista fosse
abrigado a pagar200 übras à vítima, é claro que ele teria preferido com­
prar novos freios. Uma regra de responsabilidade, que transfere a perda
sempre que estimulasse o motorista a colocar novos freios em seu carro,
toma a solução mais barata para o indivíduo na soiução eficiente.
A qualidade especial da contribuição de Calabresi consistiu em
mostrar o poder de alguns simpies princípios de economia para racio­
nalizar toda uma lei, e desenvolver uma base coerente para o seu aper­
feiçoamento.
O teorem a de Coase

O segundo artigo mais importante foi o de Ronald Coase:. “The


Problem of Social Costs"“ 5 (“O problema do custo social"), que teve
profundo efeitc- na abordagem econômica do direito, e ainda constitui
fonte ds intensa controvérsia, Esse aríigo refere-se a vários íemas, mas
sua principal intenção era a correção do que, na visão da Coase, cons­
tituía um erro na maneira de os economias tratarem as questões relaii-
vas a normas comporiameriíais.
Os economistas geralmente dão conselhos sobre esses proble­
mas na bass do conceito de falha de mercado.26 Em princípio, qualquer
desvio do modelo de mercado perfeitamente competitivo constitui ra­
zão suficiente para a intervenção governamental. Nessa visão, o gover­
no era considerado uma força corretiva isenta de cusío. Criou-se, as­
sim, uma dicotomia injustificável entre um mercado imperfeito e um go­
verno perfeito.
De acordo com Coase, uma política econômica deveria ser con­
cebida apenas após detalhado exame de cada caso e na base da
comparação dos custos e benefícios totais das propostas alternativas.
Tanto as soiuções de mercado como as outras, que escapam a ele,
têm cusíos que deveriam ser comparados antes de que qualquer op­
ção entre as alternativas fosse feits.27 Isso. não era o que os econo­
mistas habitualmente faziam, e tampouco é o que hoje fazem (ver Ca­
pítulo VI).
O artigo de Coase é famoso por outro motivo. Como referência
básica para a análise do direito consuetudinário inglês sobre atos da­
ninhos coníra terceiros e passíveis de reparação (por exemplo, polui­
ção), Coase preparou uma sugestão que veio a ser conhecida como
"Teorema de Coase’’; de acordo com eie, quando os custos de transa­
ção ou negociação são nulos, os direitos de propriedade serão trans­
feridos aos agentes que atribuam o maior valor a eles. Aiém disso,
Coase mostrou que o nível de poluição seria o mesmo, quer a lei atri­
buísse a responsabilidade ao poluidor ou não, desde que as partes
envolvidas pudessem reunir-se para negociara custos não proibitivos.
O único efeito da iei recairia sobre a riqueza relativa dos indivíduos.
Em outras palavras, cs ganhos-ds-negociação, e não os decorrentes
da lei, determinariam o destino dos recursos entre suas utilizações al­
ternativas. Essa conclusão, que parece coiidir com a intuição, é anali­
sada no Capítulo !!i.

31
Em outras áreas do estudo econômico, há trabalhos em desen­
volvim ento que vão gradualmente se combinando, de modo a colocar
os aspectos institucionais num lugar de importância nas agendas dos
economistas.

A abordagem econômica do comportamento extramercado

Na década de 60, um pequeno grupo de economistas engajados


no estudo de política fiscal começou a questionara relevância da eco­
nomia ortodoxa. A idéia da “falha de mercado” não resulta va em pro­
postas que os governos adotassem, e ela tampouco explicava o com­
portamento dos burocratas e políticos. Foi no início dos anos 80 que um
pequeno grupo de economistas, inspirados no trabalho de antigos eco­
nomistas da Europa continentai - Wicksell, Lindahl eoutros - começou
a inciuir o governo e a burocracia em seus estudos. Da mesma maneira
que Coase, eles deram realce não à comparação enire ideais, mas en­
tre alternativas viáveis, imperfeitas e todas elas gerando custos; come­
çaram a conceber um modelo baseado na “falha de governo",.compa­
rável ao modelo da falha de mercado. ' ■"
Foi a Escola da Escolha Pública (Public Choice) que submeteu o
comportamento governamental ao mesmo tipo de exame a què-éra
subm etido o mercado. Começando com os trabalhos de Downs (An
E cqnoítiic Theory o f Democracy)26 e de Buchanan & Tuilock (The Cal­
culas o fC o n s e n íf3 , os economistas passaram a explicar d comporta­
mento d cs políticos e burocratas fundamentados na hipótese de que
am bos õs grupos atuam motivados peiós interesses pessoais de seus
integrantes. A economia da política procura desenvolver uma visão do
comportamento social que não difere fundamentalmente da visão que
se tem dé ação individual no mercado.30
Em 1S57, foi publicada £ tese de doutorado de Gary Becker sobre
a discriminação sexuai e racial no mercado de trabalho, um assunto
até então limitado a outras ciências sociais.31 Esse trabalho abriu o
caminho para a aplicação da economia a uma série de problemas que
transcendem o mercado: crimes, política, educação, famíiia, saúde è
caridade.32 Becker não teve acanhamento ao aplicar a hipótese da
maximszação a todos os tipos de escolhas individuais, esiivessem elas
no mercado ou não. A economia, como ciência, passou a eqüivaler ao
estudo da opção - um problema comum a todos as atividades huma­
nas. Becker mostrou que o comportamento extramercado podia ser ri­
_•»-

gorosamente formulado, tornando aceitável entre os economistas o


estudo de problemas que normalmente eram considerados objeto de
outras ciências sociais.
Os trabalhos pioneiros de Alchian33 e Demsetz34 deram uma di­
mensão institucional explícita para a expansão do campo da economia.
Conforme observado anteriormente, a teoria econômica funciona num
vácuo institucional e focaliza a produção, a distribuição e o consumo de
bens e serviços físicos. Os teóricos dos direitos de propriedade realçam
o fato de o valor dos bens e serviços depender fundamentalmente do
"conjunto de direitos iegais" que o acompanha e pode ser transfsrido
com ele. A economia, de fato, estuda as mudanças desses “ conjuntos
de direitos” e as maneiras como podem, assim, afetar os preços e a uti­
lização de recursos. Cfaramente, o preço de uma propriedade varia de
acordo com o fato de ser ela propriedade de alguém ou alugada por al­
guém, e esses diferentes direitos ~ do proprietário e do inquilino - afe­
tam a eficiência com que a terra é usada.35

Uma busca antiga

Nos seus 10 anos de desenvolvimento, a economia do direito era


vista pela maioria das pessoas como algo periférico e, de certa manei­
ra, antiquado. Com a notável exceção de Calabresi, era uma província
exclusiva dos economistas. A literatura desse período se preocupava
com a análise econômica do impacto dos regulamentos governamen­
tais (leis de salário mínimo, competição e seíor de utilidades públicas)
no mercado, além de abrigar o debaie, ainda não concluído, sobre a va­
lidade e as conseqüências da análise de Coase.
No Reino Unido, o assunto foi ignorado. Alguns poucos economis­
tas se interessaram por ele, mas havia muito pouca atmosfera para
uma pesquisa séria porque as estruturas legais e políticas do Reino
Unido diferiam muito das norie-americanas. Os EUA, com suas 51 ju ­
risdições estaduais, oferecem aos advogados e economistas um rico
laboratório para a avaiiação critica das leis - algo que inexiste no Reino
Unido. A despeito disso, em 1970 o professor Paírick Atiyah publicou
seu trabalho sobre Accidents, Compensation and the Law,38 que tor­
nou o trabaiho de Caiabresi conhecido dos leitores britânicos s estimu­
lou o interesse dós advogados pela reforma do sistema jurídico dos de­
litos de responsabilidade civil extracontratual e peia eficiência dos es­
quemas sobre indenização de acidentes.
Os Anos 70: a análise da eficiência de Posner

Os anos 70 podem serdescrüos como a década do crescimento do


movimento da economia do direito. Progressivamente os acadêmicos
norte-americanos começaram a usar a economia para dar sentido ra­
cional às íeís e avaliá-las, sendo que no fim da década já se tornava
respeitável a abordagem econômica do direito entre as pessoas dedi­
cadas ao estudo das íeís. Quanto à regulamentação, um número cres­
cente de estudos desafiava a sua eficácia.
Se aiguem tivesse de ser escolhido para representar o período, se­
ria o professor {hoje juiz) Richard Posner, da escola de direiío da Uni­
versidade de Chicago.37 Embora continue objeto de controvérsia, o tra­
balho de Posner é tão importante quanto duradouro.
Posner demonstrou que os conceitos simples da economia podem
ser usados para analisar todas as áreas do direito - contratos, proprie­
dade, penal, de família, comercial, constitucional, administrativo.e pro­
cessual. Seu iralado, Economic Analysis o f Law, contém muitos exem­
plos de sutis e detalhadas aplicações dos princípios da economia no di­
reito. Ele mostrou que tanto as doutrinas como as regras processuais
dos sistemas legais podem ser submetidas à explicação e à racionali­
zação econômicas. Tal tipo de análise econômica do direito (considera­
do no Capítulo IV) tenta explicar a natureza das doutrinas legais a paríir
do conceito da eficiência econômica. A despeito das dificuldades desse
tipo de abordagem, o trabalho de Posner, começando com a contribui­
ção do seu artigo "A Theory of Nagiigence”,39 posteriormente refinado
numa'série de artigos e livros, inaugurou um novo campo de estudo da
economia do direito que poderia ajudar os juristas a descobrira base da
confusão que constitui o direito consuetudinário.
F osner íornou-se conhecido e ganhou notoriedade, conquistando
o interesse de uma geração de acadêmicos no seu esforço de defen­
der s tese de que s lógica fundamental ao direito consueiudinário era
essencialmente econômica. Sua argumentação mostrou que os juizes
decidism de maneira a estimular uma utilização mais eficiente de re­
cursos.
Isso parece extraordinário para os economistas por duas razões:
e ~ gsra! os juizes rejeitam os argumentos econômicos e, quando se
uiiiisam cieies, o fazem erradamente. Posner argumentou ainda que a
eccnemia poderia “ explicar" as doutrinas legais, a despeito de essas
douiiinss carecerem de fundamentação econômica explícita.
A economia do direiio nos anos 80

Os anos 80 foram uma década de maturação e consolidação. Nos


EUA, muitos dos acadêmicos famosos nesse campo (Posner, Bork,
Easterbrook, Scaiis e Brsyer) foram levados para a magistratura na ad­
ministração Reagan, e a importância da economia - especialmente as
mudanças inspiradas na economia-da-oferta - alcançou destaque nos
debates políticos e legais sobre reformas governamentais, tanto no
Ocidente quanto no Oriente. Nos EUA, o professor (agora juiz) Easter­
brook afirmou que:

“ Os juizes [da Suprema Corte dos EUA] esião mais sofistica­


dos no uso do raciocínio econômico, e o esião aplicando ds
uma maneira mais abrangente do que em qualquer outra épo-
•5A
ca da nossa historia”.

Em outros lugares, políticas como privatização, liberalização, des-


regulamentação e perestioika implicam, todas elas, mudanças impor­
tantes nas instituições e na legislação sobre as atividades econômicas
governamentais.
No Reino Unido, a utilização da economia para anaiisar o direito e
a regulamentação está apenas começando a ter seu lugar, devido es­
pecialmente às reformas inspiradas na economia-da-ofsrtg da adminis­
tração Thaicher, A expansão da regulamentação resultante da privati­
zação tem alertado para a necessidade de levar-se em conta os aspec­
tos econômicos - justificativas, custos, benefícios e impacto - de modo
a tornar eficaz a realização dos objetivos desejados, com a menor per­
da possível de recursos escassos. Menos compreendida é a teoria po­
sitiva da regulamentação, que trata de explicar as razões pelas quais
os governos, apesar das boas intenções e da análise competente, fre­
qüentemente ignoram a eficiência e a eficácia como critérios orientado­
res das reformas da regulamentação. Na realidade, o mercado político
gera regulamentos custosos e que representam desperdícios para
atender a grupos de pressão e acomodar as conveniências administra­
tivas. As tensões entre os mercados político e econômico constituem,
em grande parte, a essência da anáiise econômica e uma “área de
caça” para os praticantes da economia do direito.
NOTAS

1- BECCARIA-BONESARA. A n E ssa yin Crime and Púnlshm ent (1764). New


York: Oceania Publishers, 1958.
2- BENTHAM, J. An Introducíion to lhe Principies o f Morais and Legislat/on,
1789.
3- SMITH, Adam. Tne Wealth o f Nathns. 1776.
4- MARX, Karl. Das KapitaL 1861.
5- COMMONS, J.R. Legal Foundatlons o f Capltalism. New Yorlc Maemillan,
1924.
6 - Estou em divida com o professor John Burton, por ter chamado minha
atenção sobre essa informação.
7- STEVENS, R.B., YAMEY, B.S. The Restrictiva Trade Practices Court.
London: Weídenfeld & Nicolson, 1965.
8- HOUTHAKKER, H.S. The Scope and Limits of Futures Trading. In:
ABRAMOVITZ, M. et a/, (eds.). Allocaiion o f Economic Resources, Califórnia:
Stanford University Press, 1959, p.134.
9- BLAUG, M. Economic T heoryin Retrospect. 2nd edn. London: Heinemarin,
1970. p.678-73.
10- Tal fato pode ter como data o artigo clássico de Samuelson sobre bens
públicos. SAMUELSON.Tfie Pure Theory o f Public Expenditure. REVIEW O F
ECONOMICS AND STATISTfCS, V. 36, p.387-89. 1954. Que ilustra em três
páginas o poder da matemática para expressar um conceito que Vinha
escapando aos efconomistas.
1 1 -T H E ECONOMIST, 17 july 1982.
12- COASE, R.H. The Firm: the Market and the Law. Chicago: University o f
Chicago. Press, 1988. '
13- Há algumas abordagens que, em sua maiôr parte, sa diferenciam pela
ênfase que dão ao comportamento do mercado e à complexidade do processo
decisório. Para uma abordagem diferente, ve r W ILLÍAMSON, O.E. The
Econom ic institutions o f Capitalism. New York: The Free Prass, 1985. V er a
análise em VELJANOVSKI, C.G. The N ew Law and Economics, Oxford: Centre
for Socio-Lega! Síudies, 1983.
14- Duas importantes contribuições da economia antitruste de Chicago são:
BORK, R.H. The Anlitrust Faradõx: A Policy a tW a rw iih Itsslf. New York: Basic
Books, 1978.; POSNER, R A A niitrust Law: An Economic Perspective.
Chicago: University o f Chicago Press, 1976.
15- Para uma descrição do programa sobre direito e economia de Chicago
aníes de 1950, ver KJTCH, E. (ed.). The Fire o f Truth: A Remembrance of Law
and Economics at Chicago, 1932-1970. Journal o f Law and Economics, v. 26,
p.163-234. 1983.
16- AVERCH, H., JOHNSON, L. Behavior o i the Fírm under Regulatory
Constraint. Am erican Economic Review, v. 52, p.1052-69.1962.
17- CAVES, R. A ir Transport a n d its Regulators: An Industry Study. Cambridge:
Harvard University Press, 1962.
18- STIGLER, G.J., FRIEDLAND, C, W hat Can Regulators Regulate?: The
Case o f Electricity. Journal o f Law and Economics, v. 5, p.1-16. 1962.
19- Esse trabalho foi reeditado em um volume: KAHN, A.E. The Econom ics o f
Ragufation: Principies and ínstitutions. Cambridge: MIT Press. 1988.
20 - STiG LER, G.J. The Theory o f Economic Regulation. Be// Journal o f
Econom ics and M anagement Science, v. 2, p.3-21. 1971. Para uma amostra
dos estudos subseqüentes de "Chicago", ver STIGLER, G.J. (ed.). Chicago
Studies in PolíticaI Economy. Chicago: University of Chicago Press, 1988.
2 1 -D T I. Enterprise. London: HMSO, 1988.(Cm. 278) para. 1.3.
22- Para um a avaíiação dessa teoria, feita por um dos seus partidários, ver
PELTZMAN, S. The Economic Theory of Regulation a/ter a Decade of
Deregulation. tn: BROOKINGS Papers on Economic Activity: Mícroeconomics.
W ashington, D.C.: Brookings Institution, 1389.
2 3 - YALE LAW JOURNAL, v. 70, p.4 99-5 53 .1987.
24- CALABRESI, G. The Costs o f A cddents: A Legal and Economic Analysis.
N ew Haven: Yale University Press, 1970.
2 5 - JO U R N AL OF LAW ANO ECONOMICS. v. 3, p.1^14.1960.
26- COW EN. T. (ed.). The Theory o f M arkat Failure: A Criticai Examination.
Fairfax: George Mason University Press, 1988.
27- W OLF, C. Jr. Markets o r Government: Choosing between Imperfecí
Aiternatives. Cambridge: MIT Press, 1988.
28 - N ew York: Harper and Row, 1957.
29 - Ann Arbor. University o f Michigan Press, 1962.
3G -TULLO CK, G. The Vote Motive, London: IEA, 1976. (H obert Paperback, 9)
Um cam po de estudo nessa linha é o que versa sobre o papel dos grupos de
interesse: ROWLEY, C.K., TOLLISON, R.D., TULLOCK, G. (eds.), The Politicaí
E conom y o f Rent-SeeIJng. Boston: Kluwer Academic Publishers, 1988.
31- BECKER, G.S. The Economics o f Discrimination. Chicago: University of
Chicago Press, 1957.
32- BECKER, G.S. The Economic Approach to Hum an Behaviour. Chicago:
U niversity o f Chicago Press, 1976; BECKER, G.S., LANDES, W .M (eds).
Essays in the Economics o f Crime and Punishment. New York: Columbia
U niversity Press, 1974; BECKER, G.S. A Treaüse on the Family. Cambridge:
Harvard University Press, 1981.
3 3 - ALCHIAN.A.A. Som e Economics o f Property Rights. Santa Monica, 1961.
(R and Paper, 2.316).; ______ . Prícing a n d Society. ■London: !EA, 1S67.
(O ccasional Paper, 17)
34- DEMSETZ, H. Some Aspecís of Property Rights. Journal o f Law and
Economics, v. 9, p.61-70. 1 9 6 4 ;_____ . Toward a Theory of Property Rights.
Am erican Econom ic Rsview, v. 59, p.347-59, 1960.
35- V er BURTON, J. In: CHEUNG, S.N.S. The Myih o f Social Cost. London:
]EA, 1978. (Hobart Paper 82).
36- London: W eidenfeld S Nrcolson, 1970.
37- POSNER, R.A. Economic Anaiysis o f Law. 3rd edn. Boston: Litíle Brown,
19B8.; ____ . The Economics o f Justice, Boston: Harvard University Prsss,
1081; LANDES, W .M., POSNER, R.A. The Economic S trudure o fT o r t Law.
Cambridge: Harvard University Press, 1988,
38- JO URNAL OF LEG AL STUDiES, v. 1, p.28-96, 1972.
39- EASTERBROOK, F. Foreword: The Court and the Economic System
H arvard Law Review, v. 98, p.45. 1984.

33
Qualquer observador pode facilmente constatar que os advogados
e os economistas pensam e argumentam de maneiras radicalmente di­
ferentes, O raciocínio lega! se processa na base de exempios, argu­
mentos e interpretação e significado das palavras. Os advogados são
treinados para distinguir e interpretar opiniões iegais, identificar os fatos
relevantes e aplicar as normas àqueles fatos. Postos contra a parede,
advogados, juizes e muitos dos responsáveis por medidas de política
pública dirão que o conhecimento da economia não é útil. Leva à confu­
são, dizem eles, porque os economistas não concordam entre si, não
cliegam a conclusões claras, a economia é uma confusão e, de qual­
quer maneira, o direito busca objetivos que, em sua maioria, não são
essencialmente econômicos. Neste e no próximo capítulo analisare­
mos a natureza e os instrumentos do raciocínio econômico, bem como
aquilo que os diferencia do raciocínio legal.

UMA PARÁBOLA BÍBLICA

Quando Deus criou o mundo, colocou Adão e Eva no Jardim do


Éden. Quase que ao mesmo tempo, eie fez duas outras coisas:

39
Primeiro, estabeieceu uma norma: não comam as maçãs;
Segundo, deu a Adão e Eva a capacidade de escolha.
Todos sabemos o que ambos fizeram, infringiram a norma, conde­
nando a raça humana à expiação eterna, núm mundo onde os recursos
são escassos e as pessoas são egoístas. DEUS deu ao homem uma es­
colha - uma opção íegal - e o homem criou um problema econômico. No
lugarde um paraíso que dispensava o esforço, ele passou a serobrigado
a trabalhar muito para determinar seu próprio destino. Dessa maneira,
os nossos sistemas lega! e econômico tiveram início com o mesmo aío
de desrespeito à iei.
Essa parábola bíblica nos oferece várias verdades. Primeira, que o
direito e a economia tratam essencialmente dos mesmos problemas:
escassez e seus conflitos de interesses, e como canalizar o egoísmo
no sentido de obter resultados socialmente desejáveis. Segunda, que
os economistas foram sábios ao erigir sua discipfina com base na supo­
sição de que o homem age principalmente em seu próprio interesse. De
maneira geral, as pessoas não são santas. Um sistema econômico ou
jurídico baseado na altruísmo rapidamente entrará em colapso, mesmo
que prometa o paraíso às pessoas. Deus não conseguiu fazê-lo, e ne­
nhum homem ou sociedade conseguiu até hoje provar a ineficiência de
Deus. Finalmente, a parábola nos diz que, a despeito de contar com a
orientação divina, é um erro acreditar na correspondência de um-por-
um enire o que a iei diz e o que as pessoas fazem. Os seres hurrianos
respeitarão a leiapenas se fo r de seu interesse fazê-lo, e, de qualquer
forma, eles tentarão minimizar as desvaniagens que a norma legal ihes
impõe’.
Os. economistas e advogados podem não ser membros da mais
antiga das profissões, embora freqüentemente sejam acusados de agir
como se pertencessem a ela, mas eles tratam de solucionar o mais ve­
lho dos problemas, isto é, como conciliar as liberdades individuais
quando os interesses individuais estão em conflito. O mercado é uma
solução; o direito é outra. E ambas interagem.
A economia, então, diz respeito às escolhas que os “Adãos” e as
“Evas" deste mundo fazem. É o estudo sistemático dos fatores que afe­
tam a opção: as vantagens e desvantagens, bem como elas se equili­
bram e a maneira como os indivíduos desenvolvem instituições para
enfrentar a escassez e controlar o interesse privado.
A ECONOMIA COMO O ESTUDO DA OPÇÃO

Duas questões surgem naturaimenie; como pode a economia ser


aplicada ao estudo do direito? E por que deveria ser?
A economia é geralmenie vista como o estudo de inflação, desem­
prego e mercados, assuntos que parecem te r apenas uma vaga rele­
vância para se saber se um médico negligente deveria indenizar seu
paciente peto erro de ter-lhe amputado a perna errada, se um jom al de­
veria pagar uma indenização numa ação legai ou, então, para se deter­
m inar que tipos de regulamentos de segurança são eficazes. Contudo,
a análise econômica dó direito usa os mesmo princípios utilizáveis tam­
bém no estudo do preço da madeira ou se um contrato restritivo viola a
competição. Esse campo de investigação é conhecido como Teoria dos
Preços: o estudo da interação e do comportamento das unidades na
economia - a empresa, o consumidor, o trabalhador.
A Teoria dos Preços pode e é usada no estudo do direito por dois
motivos. O primeiro decorre do fato de que, gostemos ou não, aceite­
m os a teoria econômica ou não, eia tem muito a ver com o funciona­
mento prático da iegislação. Considere-se, por exemplo, o campo dos
delitos de responsabilidade civil extracontratual, que será analisado
mais adiante, e que estabelece sanções nos casos de infrações civis,
como ocorre com a negligência nos acidentes de trânsito. Esses aci­
dentes e os danos que deles resultam não são apenas ocorrências físi­
cas que dão iugar à possibilidade de ação tegai e tratamento médica;
são também fatos econômicos. Um acidente consome recursos; tentar
evitá-ios custa dinheiro, s são custosos os tratamentos médicos das ví­
timas. Numa sociedade de recursos escassos, as normas legais são
necessárias não apenas para uma solução justa, mas também para
evitar o desperdício através da redução dos custos dos acidentes.
Há uma tendência predominante, entre advogados e leigos, de
considerar o direito como um conjunto de regras e procedimentos; ?ai
atitude pode desfigurar a percepção dos resultados práticos que decor­
rem da aplicação das normas jurídicas. Por exemplo, a iegislação proí­
be certos iipos de indenização às víiimas, em obediência a alguns prin­
cípios que prevêem compensação total. Recorrer aos manuais de direi­
to para saber de que forma a lei afeta os indivíduos eqüivale a le ro Ma­
nifesto Comunista para compreender o levante que houve em países
comunistas. O conhecimento legal é apenas um primeiro passo para o
entendimento do assunto. Bem mais do que 95% dos casos de respon­
sabilidade.civil extracontratuaí, por exemplo, são solucionados fora dos
tribunais. A razão é simples: o acordo é mais barato que o litígio. Esse
fator econômico tem um profundo efeito na natureza do sistema legal,
porque eie condiciona os direitos do queixoso. Existem normas formais
disciplinando a responsabilidade civil e a indenização. Mas as partes
envolvidas, através de seus representantes na negociação, definem o
que será a compensação; e os custos e a incerteza, por sua vez, fazem
com que o queixoso não receba o total do valor monetário envolvido e
ao qual teria direito pela lei.
Esse processo tem duas conseqüências para o advogado militante.
Primeira, se o advogado dispõe dos poderes adequados, ele pode agir
co'mo negociador em mais de 95% dos casos. Segunda, o conhecimento
das regras técnicas legais proporciona muito pouGa certeza sobre como
a lei será de fato usada e, principalmente, a respeito dos resultados fi­
nais. É ciaro que as regras e as medidas legais relativas a danos contra
terceiros são usadas, em muitos casos, apenas como “ameaças", como
limites superiores da negociação. Na negociação, as normas legais não
apenas escapam do controle das cortes, mas, além disso, são submeti­
das a acordos. O advogado da vítima rapidamente se vê envolvido na
necessidade de negociara incerteza da responsabilidade peia possibili­
dade de menores compensações monetárias. Os problemas envolvidos
são econômicos e, naturalmente, sendo financeira a solução tfpica dis­
ponível para o queixoso bem-sucedido, a análise econômica passa a íe r
um lugar naiurarfia teoria e na prática do direito. Mesmo no direito penal,
a justiça é transacionada na “barganha da queixa" (plea bargain), a ser
analisada mais detalhadamente no Capitulo V.
Essas considerações não representam, contudo, as razões princi­
pais do uso da economia no pensamento jurídico. Na realidade, a teoria
econômica utilizada vai pouco aiém da aplicação sistemática do bom
sensc. E isso ocorre porque a economia é o estudo d 2 escolha, de al­
ternativas e objetivos, bem como da reconciliação de objetivos confli­
tantes. O que marca o raciocínio econômico é sua análise dos compor­
tamentos humano e institucional, voltados para determinados objetivos,
o que eu definiria como a análise da ação racional em face de objetivos
a serem alcançados.
A posição adotada por muitos economistas - e que está nos funda­
mentos da aplicação da economia ao direito - é a de que qualquer
questão envolvendo uma escolha tem uma dimensão econômica, seja
aquela opção relacionada ao preço do carvão ou ao valor da indeniza­
ção a ser determinado por um juiz. As opções também envolvem di­
mensões éticas e conseqüências políticas. Dessa maneirá, a abran­
gência da economia é limitada pela natureza da escolha, mas não se
restringe ao exame tías óbvias conseqüências financeiras da aplicação
da lei. A análise econômica diz respeito às escolhas que os indivíduos
fazem na condição de juizes, de pessoas em perigo, litigantes ou advo­
gados em face de danos, diante da lei e outros fatores, tais como cus­
tos, renda, etc.

UM QUADRO REFERENCIAL TEÓRICO

A natureza da teoria

A principal razão da tensão existente entre c advogado e o econo­


mista consiste nas visões conflitantes que eles têm do papel da teoria.
Os advogados não pensam com base em taorias; seu método analítico
é literário, seu raciocínio se processa na base de metáforas, analogia e
semelhança. Seu método empírico é o estudo de casos precedentes e
de ieis, de ocorrências e experiências, baseando-se na introspecção e
no bom senso. Na realidade, o método do direito consuetudínário é in­
tensamente pragmático e indutivo.
Isso não constituiria motivo de preocupação, se as pessoas forma­
das em direito se restringissem a agir como profissionais da íei com
base em escritos jurídicos para aconselhar seus clientes. Mas a influên­
cia desses profissionais é mais ampía. Eles são parte das nossas insti­
tuições acadêmicas, e de seus quadros vem um número elevado de
parlamentares e pessoas com influência na elaboração de políiicas,
leis e projetos de lei. Não obstante, sua formação em direito não os
equipa adequadamente para enfrentar os problemas de mudanças e
reformas legais. Seria apenas um pequeno exagero dizer que a profis­
são está em profunda crise na Inglaierra devido a uma formação inade­
quada e estreita. O stakis profissional dessas pessoas é mais baixo
que o dos contabilistas, esua competência para aconselhar clientes so­
bre as conseqüências das leis em seus negócios chega às raias da in­
genuidade. Seria de fato difícil encontrar outra profissão que tivesse tão
deliberadamente restringido seu mercado.
O direito atua como parasita das ciências sociais, da filosofia e ou­
tras disciplinas exatamente devido à estreita base intelectual que o im-

.in
pede de desenvolver seu próprio referencia! ieórico. É, nas palavras do
juiz Bork, "um navio com um bocado de velas, mas com pouca quilha"1
O díreíío, de acordo com o professorLon FuÜer,

"é o único campo de estudo que não dispõe de um objetivo di­


ferenciado próprio. Quando seus fins podem s e r vistos como
bem fundamentados na razão, e não nas expressões brutais
do poder político, nesses casos os fins em questão não são os
do direito, e sim da ética, da sociologia e da economia".2

As melhores defesas do advogado são o ataque e o obscurantis­


mo. Os segredos da lei, dizem eles, não se submetem a uma única
teoria. O campo do direito é por demais complexo e confuso para ser
explicado por uma só teoria, pois cavalga muitos diferentes cavalos ao
mesmo tempo. Os advogados são hostis à teoria e suas ampias gene-
raiizações fundamentadas em hipóteses simplificadas. Para os advo­
gados, os postulados dos economistas parecem frágeis, estreitos e
técnicos, além de apoiados em um número tão grande de qualifica­
ções que tornam irrelevantes os pronunciamentos, ou então são for­
mulados de maneira tão genérica que se tomam de difícü aplicação a
situações factuais específicas. Os advogados preferem levsr simulta-
neamente em conta todos os fatos e avaliar as proposições com refe-
r§nciá~a indivíduos específicos. Os economistas argumentarão que as
pessoas são desesiimuladas a agir negligentemente quando as re­
compensas a pagar são mais elevadas, màriíidos supostamente
iguais iodos os demais fatores. O advogado reagirá dizendo que a
Sra. M., a acusada no caso, não teria sido mais cautelosa porque não
teria pensado na lei, ou não teria mesmo consciência da !ei no mo­
mento da ocorrência. O economista replicará com o argumento de que
é desnecessário mostrar que cada indivíduo será desestimulado, mas
que os indivíduos o serão na média, e, mais ainda, as circunstâncias
específicas não feíutam a teoria porque a evidência que poderia su­
postamente apoiar a proposição não viria à atenção dos advogados.
Isto é, um menor número de causas e menos pessoas agindo negli­
gentemente.
Na raiz da crítica do advogado há uma confusão entre teoria e des­
crição. Os advogados freqüentemente confundem sua tarefa com a do
juiz. Eies examinam a iei com a mesma linguagem, o mesmo raciocínio
e as mesmas caiegorias utilizadas pelo juiz, e caem, assim, na armadi­
lha de visuaiizar o direito da mesma estreiia maneira. Quancfo essa ati­
tude é assumida na concepção do referencial teórico ela leva ao fracas­
so, pois inevitavelmente leva às mesmas respostas e razões dos ju i­
zes. Esse tipo de abordagem jam ais resultará em uma intuição pene­
trante da realidade, e tampouco ajudará a dissecara confusão e a com­
plexidade das coisas.

Modelo econômico

A economia, por sua vez, adota uma abordagem científica. Os eco­


nomistas pensam apoiados em modelos e usam hipóteses simplifica-
doras para to m a r os problemas complexos mais manejáveis. Esses
modelos são muito criticados por serem irrealistas. É claro que o sãol
Que tipo de beneficio haveria em recriar-se a realidade de maneira
mais formal? A resposta será: nenhum. O valor de um modelo está nas
novas iníuipões que ele enseja sobre aquilo que antes, era confuso e
complicado, de modo a poder revelar as relações entre diferentes áreas
e desenterrar o “chão comum” .
Os modelos se baseiam em hipóteses, e estas, dada a sua nature­
za, são irrealistas. Os advogados aiegam freqüentemente que a econo­
mia do direito usa modelos irreais e supersimpüficados. Aqui, convém
pararmos um pouco para examinarmos a natureza da teoria, especial­
mente da teoria positiva. A teoria econômica positiva é um conjunto de
generalizações, e sua finalidade é a previsão das conseqüências das
mudanças. Há uma escola de pensamento econômico, liderada por Mil­
ton Friedman, que rejeita a legitimidade da crítica de uma teoria por ser
esta irrealista nas suas hipóteses. A única maneira de ava!iar-se uma
íeoria, d iz Friedman, é pe!o teste das suas previsões, isto é, verificando
se as relações postuladas são apoiadas pela evidência empírica. Mais
ainda, se duas teorias são igualmente capazes de explicar as mesmas
observações, deve-se preferir a mais simples delas, porque a teoria e a
ciência buscam a generalidade. Quanto mais específica for uma teoria
e quanto m aior fo r o número tíe hipóteses que aia usa, menos gerai eia
se tom a e menos explicará.
Em síntese, a teoria deve ser simples e irrealista. Seu valor está na
revelação de conexõss até então desconhecidas, bem como no fato de
servir como uma bússola para guiar seu usuário na complexidade do
mundo reai, complexidade esta em grande parte irrelevante. Nas pala­
vras do próprio Friedman:
"Uma hipótese fundamentai da ciência nos diz que as aparên­
cias são enganadoras e que há uma maneira de se olhar, in­
terpretar ou organizara evidência que revelará fenômenos su­
perficialmente desconexos e diferentes, mas que de fato po­
dem ser manifestações de uma estrutura mais fundamenta! e
reiativameníe mais simples”.3

A hípõisse da racionalidade

A economia se baseia na premissa de que as pessoas, na média,


se com poriam de forma raciona! e de acordo com seus próprios inte­
resses.-Disse o professor George Siigler que “a economia é um estu­
pendo paiácio erguido no granito do interesse pessoal".4 Essa hipóte­
se significa apenas qua as pessoas agem propositadamente na busca
de objetivos autonomamente escolhidos; significa, mais especifica­
mente, que as pessoas preferem mais, e não menos, das coisas que
eias desejam.
A suposição de que as pessoas agem racionalmente tem sido mui­
to difamada e ridicularizada. Argumenta-se que as pessoas não são ra­
cionais e que não podem calcular e não calculam, e que a racionalidade
implica um grau de conhecimento e habilidade computacionais que
nem mssmo os economistas possuem. Um exempio clássico desse
tipo de critica é a cruel paródia de Veblen sobre o homem econômico:

"... um caiculador relâmpago de prazeres e dores, que osciia


"quai glóbulo homogêneo... de prazer, sob o impulso de estí­
mulos que o fazem deslocar-se nesse terreno, mas o deixam
intacto”.5

Ou a mordaz dissecação do “homem econômico" fena pelo profes­


sor Kefj/ieín Boulding:

“ É um milagre realmente que as insiiiuições econômicas con­


sigam afinai sobreviver, sendo tão universalmente impopuiar o
homem econômico. Ninguém em juízo perfeito aceitaria a
idéia de sua filha casar-se com um homem econômico, al­
guém que contasse todos os custos e esperasse receber to­
das as recompensas, que jamais sofresse de uma louca gene­
rosidade ou um amor não-interesseiro, que nunca agisse sem

46
um agudo sentido de identidade iníerior, e de falo não tivesse
identidade interior, mesmo quando ocasionalmente levado por
considerações cuidadosamente caicuiadas de benevolência
ou malevolência. O ataque à economia é um ataque á capaci­
dade de calcular, e o fato mesmo de pensarmos em caículãr
de forma tão fria sugere quão expostos estamos à crítica ro­
mântica e heróica".6

Essas críticas são caricaturas que disfarçam maneiras mais sofisti­


cadas de ver essa hipótese. Vou sugerir várias.
Se as pessoas não se comportam de maneiras previsíveis, então a
idéia de que podemos regulamentar a sociedade por meio de leis e in­
centivos se torna impraticável. Mas toda a base dos negócios, da lei e
da atividade social se sustém na hipótese de que as pessoas, na má-
dia, de fato reagem de maneiras previsíveis. Sabemos, por exempio,
que quando o preço de certa marca de automóvel se eleva relativamen­
te a outras marcas, menos carros da marca cujo preço aumentou serão
comprados. A hipótese da racionalidade é usada pelos economistas
não como uma descrição do comportamento humano, e sim como uma
maneira de identificar o componente previsívei da reação do indivíduo
médio que compôs um grupo. Esse uso da hipótese da racionalidade
considera o homem econômico como média ponderada do grupo de in­
divíduos em exams. Permite, assim, a existência de diferenças mar­
cantes nas reações individuais.
A segunda maneira de se ver a hipótese da racionalidade é per­
guntando-se que modelo de homem consideramos o mais apropriado
para elaborar as leis. Podemos de forma segura supor que tados os ho­
mens são bons cidadãos ou aiiruístas, ou deveríamos correr menos ris­
cos supondo que eles são egoístas e procuram maximizar apenas seu
próprio bem-estar? Alguns teóricos do direito e da política têm argu­
mentado que é a segunda hipótese a que deveria ser empregada. Oli-
ver Wendell Hoimes disse que:

“Se você deseja conhecer a lei e nada mais, dsve então vê-!a
como um homem mau a vê, aiguém que apenas se interessa
pelas conseqüências materiais que aqueie conhecimento pos­
sa dar às suas previsões, e não como a boa pessoa que tem
nas sanções da sua consciência a referência para sua condu­
ta, independentemente do que esteja na lei” .7

47
Holmes, a meu juízo, não está dizendo que Iodos os homens são
maus ou que eles respeitam a lei porque íemem as possíveis conse­
qüências, e sim porque se trata dé um modelo mais prudente de ser hu­
mano para o objetivo de fazer leis. Dessa maneira, pode-se coerente­
mente defender o ponto de vista de que o homem é, por sua natureza,
respeitador da lei, mas que o melhor modelo de homem para a elabora­
ção de ieis é aquele que aconselha a conter o “homem mau” . Essa
idéia já existia antes mesmo do filósofo político do século XVIi, Thomas
Hobbes, que disse o seguinte no seu livro The Leviathan (1681):

“Na elaboração das regras restritivas de governo, bem como


dos vários controles e contrapesos da Constituição, o homem
deve ser tido como desonesto, alguém que nas suas ações
não íem outro objetivo além de seus interesses particulares” .

Análise hedonistica da lei?

A análise econômica da lei tem sido taxada de.“desumanizante",


uma “análise mecânica e hedonistica das relações legais", isso é em
grande medida uma inevitável conseqüência de uma abordagem eco­
nômica que dá ênfase às trocas (o principio da substituição na mar­
gem), que servem de instrumentos (isto é, relacionam meios, e flns):e
que procuram tornar explícitas as escolhas .que são jm p lícita s e, pqr
isso, geralmente"não são percebidas. Na, prática, é impressionante
como os advogados e os servidores púbüços freqüentemente não se
encontram preparados pafa enunciar claramente o objetivo da lei ou
para avaliar até que ponto íeís específicas têm alcançado seus fins. A
abordagem geralmente se processa na base de definições, procedi­
mentos e discursos, em lugar de custos, benefícios.e resultados. Per­
gunte-se a qualquer advogado ou serventuário público a respeito da
existência de evidência ou ds pesquisa sobre os eíeiíos das leis crimi­
nais, policiais ou sobre saúde e segurança: - qual tem sido o custo?
Quantas vidas têm sido salvas ou quantos crimes têm sido evitados?
Têm sido eficazes? São perguntas que apenas terão como respostas a
perplexidade e o desdém.
São precisamente essas as questões que a economia levanta,
mas que não impressionam os advogados e legisladores. Se bem que
possam não aceitar as respostas dos economistas, advogados e legis­
ladores não podem, porém, ignorá-las. Toda lei, de fato toda questão
moral, envolve uma escolha, implica a íroca de algo por outra coisa e,
portanto, resulta num custo. Os economistas procuram íornar explícitas
as condições em que essas opções legais e morais são feitas.
Às vezes aiega-se que é a justiça que separa advogados e econo­
mistas. Os economistas estão interessados em eficiência; os advoga­
dos em justiça. Isso parece ser verdade, mas um exame mais cuidado­
so mostrará que se írata de um problema principalmente semântico.
O Concise Oxford Dictionary define justiça como “eqüidade, a
exercício da autoridade na manutenção de um direito” . Assim, quando
se diz que a lei busca a justiça, o que de fato se q u e rd iz e ré q u e a auto­
ridade da lei está sendo exercida para proteger e tom ar eficaz um direi­
to já definido em iei. Trata-se de um círculo vicioso. A palavra "justiça"
não tem conteúdo ético, quando é usada nesse sentido. Ela nada nos
diz sobre o va lo ro u a moralidade de determinados direitos legais. É o
que nos mostra Steven Lucas, em seu livro On Justice:

“ a idéia formal de igualdade ou justiça, como guia de política


social, é destituída de qualquer sentido e permite a concepção
de todos os lipos de proposta em nome da justiça".8

Jargão profissional

Mas os economistas têm um sério problema de comunicação. A


forma como eles tratam a lei parece forçada, porque usam as metáfo­
ras e o linguajar próprios do mercado. IWuiios artigos que aplicam a
economia à lei recorrem a analogias com o mercado. Por exemplo, os
economistas falam de “oferta e procura" com relação a crimes, ou refe-
rem-se à pena como sendo um “preço” do crim e; dessa maneira, pas­
sam a idéia de que acreditam na disposição dos criminosos de estupra­
rem ou pilharem, desde que acertem "pagar” um “preço” apropriado.
Dois comentários são oportunos. Primeiro, as metáforas econômi­
cas e s tio intensamente embebidas na linguagem moral ussda para
descrever crimes e penas: "pagar o preço pelos seus erros” , "colher as
suas recompensas” , “ os salários do pecado", “pagar sua dívida à so­
ciedade” , etc. Além disso, a sanção predominante do direito civil con-
sueíudinário é a indenização financeira, e a muita é a pedra anguiardo
sistema penal angio-americano. Essas sanções podem ser vistas como
penalidades ou, alternativamente, como um preço para exercer urna
atividade iiegal, da mesma maneira que o preço do pão pode s e r visto
'i*án§ ii~nt»■£•** ■■ f *«

como medida do vaior desse alimento a ser pago ao padeiro como in­
centivo para produzi-io, mas que penalize o consumidor, que compra o
pão, peio fato de te r usado parte dos recursos escassos da sociedade,
privando outras pessoas de comerem o correspondente àquele pão,
seja porque não dão igua! valor ao produto, seja por não poderem corn-
prá-lo. Apenas pelo fato de algo ser chamado de preço, penalidade ou
sanção civil ou criminal não deveria levar-nos a pensar que os diferen­
tes rótulos necessariamente implicam diferenças analíticas ou compor-
tameníais.
Segundo comentário: os economistas não deveriam ser interpreta­
dos de forma literal. Como ocorre nas outras profissões, eles também
são vítimas de seu jargão e seu acrônimo. A linguagem da análise de
m ercado é freqüentemente usada para organizar o processo analítico,
como uma taquigrafia para distinguir os principais fatores relevantes no
exame econômico de determinado problema. Mas os economistas não
pretendem, com isso, dizer que exisíe ou deveria existir um "mercado”
para o crime; apenas dizem que há uma “oferta” de ofensas criminais e
um desejo, de parte das vítimas potenciais e da sociedade, de prevenir
esses crimes.

NOTAS

1- BORK, R.H. New Constítutional Theories Threatan Rights, Bork W arns. A EI


Memorandum, W ashington, D.C.: AEI, n.44, p.8. 1985,
2- FULLER, L.L. Anatom y o fia w . New York: Praeger, 1968. p.4.
3- FRIEOMAN, M. The Meíhodology of Positive Economics. In :____ . Esssys in
Positive Economics. Chicago: University of Chicago Press, 1953. p.33.
4- STiGLER, G.J. The Economist as Prsacher. Oxford: Blackwell, 1983. p. 135.
(farochurs).
5- VE3LEN, T. W hy Is Economics Not an Evolutionary Science? (1893). In:
THE PLACE Science in Modem Civiiizaíion. New York: 1919. p.73.
6 - BOULDING, K.E. Economics as a Moral Science. Am erican Economic
Review, v. 68, p .1 0 .1968.
7- HQLMES, O.W. The Path of the Law. Harvarü Law Review, v. 10, p.478.
1897.
8 - LUCAS, S. On Justice. Oxford: Clarendon Press, 1989. p.31.

50
ÂS LEIS COMO SISTEMAS DE INCENTIVOS

Os economistas consideram as leis como um sistema para alterar


os incentivos; os advogados as identificam como um conjunto de regras
e procedimentos. Trata-se de uma diferença fundamental.

EX-PO ST VERSUS EX-ANTE

A visão retrospectiva é típica entre os advogados. Sua investiga­


ção factual começa com uma disputa que deve ser solucionada pela
aplicação de princípios legais derivados de decisões de casos legais
passados. Já que o advogado chega a um problema após a disputa ter
surgido, é natural que ele focalize a questão de como eía será resolvida
e de como a solução poderá afetar o bem-estar das partes diretamenie
envolvidas.
Os economistas, por sua vez, não estão tão preocupados com a
conseqüência da decisão sobre o bem-estar das partes; sua preocupa­
ção maior é com as repercussões mais amplas das leis sobre todos os
litigantes potenciais e todos os indivíduos qus pode n í ser envolvidos
em situações análogas. Sua investigação factual começa bem antes da
disputa, quando as partes tinham a oportunidade de reorganizar suas

51
f

atividades de forma a m inim izara possibilidade da pendência, bem


como os custos e danos dela decorrentes. O direito é visto como um
método de realocar as perdas, dando incentivos para as pessoas redu­
zirem as perdas e usarem os reGursos mais eficientemente.
Uma vez reconhecido que o juiz (como o "c ria d o rd e leis) e o legis­
lador podem influenciar o uso de recursos, os julgamentos legais e os
regulamentos podem ser examinados do ponto de vista dos seus efei­
tos como incentivos.
Nos casos de responsabilidade civil extracontratual, o problema a
ser enfrentado pelo tribunal envolve geralmente uma perda passada,
como ocorre, por exemplo, quando um motorista negligente deixa de
parar n um sinal vermelho e causa danos em outro veículo. Essa perda
não pode, obviamente, ser evitada; pode apenas sèr. transferida pelo
juiz. Mas a transferência judiciai de perdas produz efeitos sobre futuras
vitim as e agressores, pois altera seu comportamento ou sua decisão,
após uma agressão, de enfrentar um litígio judiciai ou, alternativamen­
te, de chegar a üm acordo fora do tribunal. Assim, enquanto o advoga­
do dá atenção às ações das partes com o objetivo de atribuíra “falta" a
alguém, o economista analisa a maneira pela qual a decisão judicial
pode afetar o número de acidentes, seus custos e também a carga de
trabalho dos tribunais. Além disso, a maneira como a lei altera o com ­
portamento muitas vezes não é observada diretamente pelo advogado
e, de fato, tampouco constitui parte da sua experiência. Se a lei tem êxi­
to em coibir ações faliosas, acidentes ou crimes, significa que um üíígio
judicial foi evitado. Em resumo, o sucesso da lei representa menos ne­
gócio para os advogados. Não surpreende, porianto, que eles dêem
menos .^ienção a esse aspecto do problema.
Essa simples diferença de visão explica boa parle do hiato existen­
te eniré o raciocínio dos advogados e o dos economistas. Os advoga­
dos estão preocupados com os resultados do coníiito geral de interes­
ses e atividades que inevitavelmente ocorrem em sociedade. O econo­
mista se preocupa com os efeitos da lei sobre o comportamento snfss
das possíveis ocorrências acontecerem. O economista normalmente
pensa em alterar ou ajustar os incentivos com que se confrontam os in­
divíduos. Em síntese, e citando o professor Lawrence Friedman:

“A idáia básica da teoria econômica é a de que o sistema iega!


constitui uma gigantesca m á q u in a de p re ç o s ... Quando a lei
concede direitos ou impõe G brigações, ela toma o comporta­
mento, de uma maneira ou de outra, mais barato ou mais
caro’’.1

Controle de aluguéis e aquela história toda

Talvez o exemplo mais bem documentado dos efeitos do incentivo


da lei seja o controle de aluguéis. A legislação sobre controle de alü-
guéis se baseia na crença de que pelo controle do preço de um bem ou
serviço se pode ajudar o seu consumidor ou usuário, que pagaria me­
nos por efe. Mas a economia nos informa que o controle de aluguéis di­
minui a taxa real de rendimentos dos proprietários, fato que os leva a
procurar outras maneiras de aumentar os ganhos decorrentes dos seus
imóveis. Eles tentarão inicialmente driblar o controie, exigindo "luvas"
ou "depósitos” em dinheiro ou, ainda, obrigando os inquilinos a assumi­
rem os gastos em consertos e manutenção da propriedade. Se essas
práticas também estão sob controle, os proprietários deixam de alugar
seus imóveis ou, então, evitam gastos em manutenção, o que leva à
degradação desses imóveis. Esse tipo de intervenção legal acaba pre­
judicando o grupo dos inquilinos, que terão menos acomodações dispo­
níveis para alugar, ou os imóveis disponíveis serão de pior quaiidads.
O falecido profsssorArthur Leff resume assim a essência da abor­
dagem econômica desses assuntos:

“imaginemos uma velha viúva com seis filhos. É dezembro, e


o tem po está péssimo. Ela deixa de pagar a hipoteca de sua
casa. O detentor da hipoteca, torcendo seu negro bigode,
toma as medidas legais de praxe, atirando a família no frio da
ma. A viúva alega pobreza toíaí perante o juiz. Levantando-se
de sua cadeira, o magistrado aponta para ela e seus filhos o
caminho da rua. "Vá embora” , diz-lhe ele; “seu argumento não
me convence!" E o leitor poderá exciamar: “Que horrorl”

"Que nada", diz o economista. Veja o outro lado da medalha.


Que aconteceria se o juiz permitisse ã velha viúva ficar com a
casa apenas porque lhe faltava dinheiro? Em primeiro lugar,
os emprestadores de dinheiro futuramente ficariam relutantes
em emprestar para velhas viúvas com filhos. Não quero suge­
rir que deixassem completamente de emprestar; eles apenas
se tornariam mais cautelosos nos casos marginais. O custo
agregado para o grupo de senhoras idosas proprietárias pro­
vavelmente seria maior do que o custo pago pela viúva que foi
despejada. Isto é, o valor agregado das casas dessas proprie­
tárias (conhecido como sua riqueza) cairia e elas seriam ob­
viamente prejudicadas” .

"Além disso, considere-se o efeito daquela decisão judicial na


motivação de velhas viúvas. Conscientes de que o não-paga-
mento de suas dívidas seria visto sem complacência, elas te­
riam menos incentivo para deixar de cumprir seus compromis­
sos. Poderiam começar dando um pedaço ocasiona! de frango
a seus filhos, ou mesmo servindo-lhes um pedaço de carne de
tempos em tempos. Esse tipo de prodigalidade tenderia a gerar
ainda menos crédito financeiro, à medida que aumentasse o ín­
dice de inadimplência. Um número crescente dessas senhoras
faltosas seria rejeitado pelo mercado financeiro, aíéque nenhu­
ma viúva pudesse hipotecar sua casa para conseguir o capitai
necessário para iniciar um ateliê de costura que a tirasse (a ela
e seus filhos) da pobreza. O que Você pretertdeu dizer com que
horror? O que você tem contra viúvas e órfãos?"2

CUSTOS E BENEFÍCIOS

A economia coloca no primeiro plano do debate os custos e bene­


fícios da lei, considerações que sempre serão relevantes nas situa­
ções de recursos escassos. Com freqüência, advogados, políticos,
grupos de pressão e funcionários públicos consideram a lei como se
eia não tivesse custos. A economia nos diz que nada é gratuito, do
pondo de vista social. O aumento do número de casos nos tribunais,
por exemplo, redunda na expansão do consumo de recursos que,
dessa forma, deixam de ser usados em outras atividades. Embora a
eficiência não seja tudo, mesmo assim a visão econômica ajuda-nos a
saber se, ao aplicar seus recursos entre atividades alternativas, uma
sociedade está obtendo melhores resultados. Leff coloca o assunto de
íorma sxpressiva:

"a principal questão e os princípios operacionais mais impor­


tantes da análise econômica consistem em saber: 1) quanto
•tt

custará?, 2) quem pagará? e 3} quem deveria decidir os dois


problemas"?3

Ou, conforme a observação pertinente da Associação Australiana


da Lei:

"A reforma legal e o processo gerador de leis, em geral, deve


estar alerta sobre as conseqüências econômicas de seus es­
forços. Os custos e os benefícios das mudanças de leis de­
vem ser cuidados a menie avaliados e, quando possível, de
maneira mais científica do que a prática atual".4

Nesse contexic, a economia tem duas aplicações. A análise tíe


custo-oenefício procura medir em termos monetários tanto custos
como benefícios. São tentativas de avaliar a efetividade dos custos no
atendimento de objetivos preestabelecidos da maneira mais barata
possível: obter mais por menos! O economista que assume essa postu­
ra é, na opinião de George Stigler, "um aritmético da política... que estã
simplesmente dizendo.à sociedade que aquilo que ela pretende está de
faío sendo conseguido de maneira ineficiente".5
Exíste uma grande confusão a respeito do signtficaâò da análise
de custo-benefícjo ou de eficiência econômica. Acredita-se geralmente
que os economistas são obcecados por custos e benefícios financeiros,
em detrimento do resto. Não é o caso. São os contadores, e não os
economistas, que lidam com esses custos financeiros. A preocupação
dos economistas é com opção e utilização de recursos, sendo que seu
conceito de custo é subjetivo, intimamente ligado às escolhas indivi­
duais que têm !ugar sob a ação das forças da oferta e da procura.6
Essa é a razão pela qual uma teoria que prevê as reações humanas às
mudanças dos fatores que afetam benefícios e custos é tão fundamen­
tal na economia. Sem a capacidade de antecipar as reações da oferta e
da procura às mudanças não seria possível quantificar ganhos e per*
das resultantes de leis e regulamentos.

A disposição de pagar

Para podermos avaliar uma atividade que produz uma gama varia­
da de benefícios, temos que te r uma referência comum de medida.
Para tal fim, os economistas usam o dinheiro. Mas é preciso não con­

55
fundir a mensuração de benefícios com os aspectos meramente finan­
ceiros do problema. Os benefícios econômicos são medidos peia "dis­
posição de pagar” dos indivíduos, fsio é, a noção que os economistas
têm de benefícios é análoga à noção utilitária de felicidade, mas de
uma felicidade aiímentada pela disposição de pagar. O mero desejo ou
“ necessidade" é irrelevante. A medida da disposição de pagar procura
chegar a uma indicação quantitativa de uma intensidade individual de
preferências.
Vejamos dois exemplos da diversidade da mensuração de benefí­
cios econômicos e financeiros:

• Em muitos mercados, produtos idênticos são vendidos pelos


mesmos preços a todos os consumidores. Segue-se que aque­
les que tenham uma preferência maior por um produto (isío é,
que se disporiam a pagar mais por ele) estão tendo um benefício
substancial na sua compra, vantagem que não é medida pelo
mercado. Além disso, esse benefício adicional não vai para p
produtor. O economista chama de excedenis do consumidor
esse benefício adicional, que é a diferença entre a quantia máxi­
ma que o consumidor se disporia a pagar e a que ele de fato
paga. Isso eqüivale ao benefício que.uma empresa obtém na far­
ina de lucro. Um sistema econômico eficiente procura.maximizar
o excedepte conjunto dos consumidores e produtores, e não o
preço de mercsdo ou os lucros monetários. Na realidade, a finali-
-dade econômica de um mercado ê a maximização do bem-estar
do consumidor. . . .

. Os economistas reconhecem que as decisões são tomadas na


base de considerações monetárias e não-monetárias. Conside-
re-se, por exemplo, a escolha de um emprego. Uma pessoa não
aceita um emprego apenas pelo respectivo salário, e sim pelo
pacote de benefícios que vai junto: mordomias, ambiente de tra­
balho, possibilidade de carreira, segurança no emprego, via­
gens, reputação da firma empregadora, sua localização, etc. Em
síntese, as pessoas podem estar dispostas a negociar o salário
por algumas dessas vantagens. Dsssa maneira, os especialistas
em direito que ficam no magistério recebem muito menos do que
os que estão na prática advocaiicia, mas permanecem no meio
acadêmico porque o total de benefícios nêo-monetários supera o
que poderiam ganhar no exercício da profissão. Visto o problema
de outra maneira, esses ãcadê micos estão pagando pelo privilé­
gio de usufruir dessas vantagens, em troca das rendas mais al­
tas que poderiam conseguir.

O economista, diante dessa situação, mede os benefícios não-mo­


netários em termos do dinheiro que aqueies acadêmicos deixam de re­
ceber. isto é, há uma “equivalência monetária" que, somada ao salário
pecuniário, nos dá idéia do valor monetário do pacote tota! de benefí­
cios recebidos em determinado emprego, isso é feito não porque o di­
nheiro em si seja valioso - na reaiidade, não há vaior econômico intrín­
seco para um economista e sim porque essa prática constitui uma
maneira simples de comparar diferentes alternativas.

Atribuindo valor aos intangíveis7

Alega-se freqüentemente que muitas coisas não podem ser reduzi­


das a um valor monetário. São os denominados intangíveis: liberdade,
vida, am or e o ambiente. Seria infrutuoso negar que essas coisas são
nâo-econômicas em sua essência, e geralmente não são negociadas
no mercado. Mas também seria tolice pensar que isso enfraquece a
análise econômica. Muitos intangíveis podem ser avaliados em termos
monetários, e de fato o são diariamente pelas pessoas. Considere-sé,
por exemplo, a segurança individual. Boa parte da lei civil trata de lití­
gios sobre danos pessoais envoivendo perda da vida ou de parte do
corpo. Freqüentemente se diz que a vida não tem preço, e qualquer
tentativa de avaliá-ia m onetariam erle seria um ma!. Essa idéia merece
duas observações.
Primeira, se a vida é vista como sem preço peias pessoas e a socie­
dade, nunca veríamos alguém fazendo algo que envolvesse risco pes­
soal. Algo que possua um vaior infinito deveria ser preservado a qual­
quer custo] Mas estamos assumindo riscos todos os dias, alguns deles
muito grandes. O fato é que as ações individuais indicam que as pessoas
não consideram suas vidas sem preço, e estão dispostas a transacionar
o rísco de morte porbenefícios materiais ou psíquicos. Segundai nossas
instituições sociais de fato dão “preço" à vida. Nos casos de delitos de
responsabilidade civil extracontratual, a iei não manda que se mate a
pessoa que negligentemente matou alguém; exige que o agressor pa­
gue uma indenização. Olhemos o assunto de maneira um pouco diíeren-
te: o que a lei está de fato dizendo é que alguém ppde matar outra pes­
soa num ato de negligência, desde que o agressor se disponha a pagaro
“preço". Se a sociedade realmente visse a vida como “fiã oien do preço”,
eia reagiria dessa maneira tão complacente - como acontece diariamen­
te nos iribunais numa situação em que se acredita que o agressorteria
podido evitar um acidente íatai se apenas tivesse sido mais cauteloso?

A economia da segurança

O exemplo anterior é uma boa ilustração da maneira como os eco­


nomistas ligam a avaliação monetária à utilização de recursos. Os eco­
nomistas avaliam a vida e a parte do corpo prejudicada no acidente
com o fim de saber quanto deve ser investido em segurança.
O economista não pergunta: quanto você pagaria para permane­
cer vivo? Sua pergunta é mais sutíí: quanto você pagaria para reduzir o
risco de morte, dado o fato que você ignora quando será morto? Essa
será a quantia que o indivíduo estará disposto a pagar para dim inuir o
risco de morte.
O procedimento do economista, baseado na disposição de pagar,
pode ser explicado da seguinte maneira; você cruza diariamente, uma
rua movimentada e perigosa, Você pode cruzá-ia de duas maneiras:
utilizando-se da passagem para pedestres, que acrescenta cinco minu­
tos ã caminhada,_ou esperando uma oportunidade no tráfego para atra­
vessar a rua correndo. Essa alternativa mais arriscada aumenta a pro­
babilidade de o pedestre ser morto em 1 em 1 milhão, um pequeno ris­
co, de qualquer forma. Se você desse um valor infinito à sua vida, você
não assumiria o risco e, na verdade, qualquer risco. Isso porque você
estaria comparando uma perda infinita com o custo finito de tom ar mais
cuidado. Mas vemos as pessoas correndo esses riscos diariamente, e
algumas delas até morrendo como resultado disso. Ò que nos faz prati­
car essas ações? Ê o seguinte: ao decidirmos que tipo de cuidado to­
maremos, comparamos os custos das maiores precauções que dispos­
tos a assumir, com os respectivos riscos; e nos dispomos a trocar me- •
lhorias no nosso bem-estar material, por diminuições ou aumentos dos
riscos. A decisão de um pedestre de não usar a passagem apropriada
para cruzar a rua implica numa troca de tempo por risco. Ex-ante, essa
troca parece razoável, e a partir dela podemos derivar o valor que o
grupo que pratica esse tipo de ação atribui a uma morté estatística.
Vou dar um exemplo de como se pode fazer esse cálculo. Supo­
nhamos que a economia de tempo para cada pessoa, decorrente de
não se usar a passagem para pedestres, seja de 80 pennies ingleses, e
que o aumento do risco é de 1 em 1 milhão; a decisão de não usara fai­
xa impiica um valor de pelo menos 600.000 libras. Em outras palavras,
o valor de um pedestre que cruza uma via, do ponto de vista da preser­
vação de uma vida estatística correponde a 600.000 libras. Nesse
caso, portanto, vaie economicamente a pena gastar-se até 600,000 li­
bras para a construção de uma passagem para pedestres.
Há um princípio mais gera! que pode ser deduzido da economia da
segurança. É uma resposta ou, pelo menos, alguma orientação para a
pergunta incômoda: “quão seguro é seguro"? É igualmente uma res­
posta a: “ em que consiste um cuidado razoável”? Embora muitos riscos
pudessem ser totalmente evitados, os custos para a sociedade seriam
proibitivos, no caso de custos/benefícios diretos da segurança relativa­
mente à produção, emprego ou mesmo prazeres, no caso de incluirmos
os esportes que geralmente oferecem muitos riscos (montanhismo, pu­
gilismo). As considerações de custos iimitam a disposição social de evi­
tar todos os riscos.
Existe uma quantidade ótima de segurança que é definida pelos
custos e benefícios da redução do risco. Muitos riscos (acidentes) po­
dem ser reduzidos com um grau maior de cuidados, mas apenas a cus­
tos mais elevados. O problema econômico consiste em localizar o pon­
to onde os custos de uma segurança maior são equilibrados pela redu­
ção das perdas dos acidentes esperados, Um grau ótimo de cautela-é
atingido quando uma libra adicional gasta na redução dos riscos econo­
miza uma libra nas pardas decorrentes dos acidentes previstos. Assim
definido, ótimo significa que muitos acidentes são “justificados” porque
seria caro demais evitá-los. O corolário que daí se pode extrair é o se­
guinte: da mesma forma que pode existir cuidado de menos, pode ha­
ver iambêm cuidado excessivo,
A idéia de um mercado de segurança de forma nenhuma é nova
ou exagerada. Adam Smith argumentou que os empregos mais peri­
gosos - outras coisas sendo constantes - pagam salários mais alíos
do que os empregos menos perigosos.,O prêmio adicionado ao salá­
rio do emprego perigoso implicitamente compensa o trabalhador pelo
risco de acidente ou morte, e simultaneamente dá um incentivo ao
empregador no sentido de criar condições mais seguras no ambiente
de trabalho. A recompensa do empregador é a diminuição da sua fo­
lha de pagamentos decorrente de um grau maior de segurança para

59
K ) '- Ü 3

seus empregados. Essa idéia de um mercado implícito para seguran­


ça tem sido progressivamente submetida à investigação empírica, e a
evidência obtida lhe dá apoio.8 - -
Colocando o problema em termos do uso de recursos escassos, o
economista pode fazer uma avaliação coerente que dê às autoridades
meios de elaborarem medidas preservadoras da vida, mas de forma
coerente com o bom uso daqueles recursos: salvar vidas ao menor cus­
to possível.

Custos de oportunidade

O debate sobre os benefícios econômicos ultrapassou o conceito de


custos de oportunidade dos economistas. O que representa um benefí­
cio para uma pessoa significa, freqüentemente, um custo para ouira.
‘ $. O custo econômico de algo representa o vaíor do bem que deixou
de se r produzido para que o pdmeiro o fosse, fsío é, o custo econômico
de algo se incorpora no valor da alternativa sacrificada. Se produ 2o um
bem, os custos de produção refletem não apenas os meus gastos em
mão-de-obra, instalações e matérias-primas, irias também o lucro sa­
crificado por não usar esses mesmos recursos na produção da próxima
mefhor alternativa de aproveitamento desses fatores escassos. Seguè-
:r '\M
J.fa-. :■ se daí que a noção econômica de lucro incorpora üma taxa '‘normal1'd e
•I rendimento sobre o capital (por exemplo, o que se ganharia num depó­
sito bancário remunerado)9. Não deve, portanto, ser confundida corri o
conceito de lucro dos contadores. Se a aplicação desse capital na sua
próxima mefhor alternativa resuita num rendimento m aior do que o que
está sendo presentemente conseguido, isso significa que estou tendo
perdas econômicas e não iucros, embora esteja gerando iucros contá­
beis. O investidor prudente perceberia essa situação e trataria de reo-
rientarsuas atividades no seniido da alternativa mais'rentável. Essa é a
razão pala qua) os economistas dizem, num aparente paradoxo, que
numa situação de concorrência perfeita as empresas não têm lucros
"econômicos”.
É importante não confundir custos contábeis ou históricos com
custos econômicos. Uma casa que tenha sido comprada há seis anos
por 5.000 libras e hoje pode ser vendida por 20.000 tem o custo de
20.000, e não de 5.000 libras. Isso porque 20.000 correspondem à
quantia que o proprietário deixa de receber para continuar morando
nela. Dessa maneira, as 20.000 libras refletem o vaior da casa em seu
m elhor uso alternativo. Os economistas procedem dessa maneira por­
que estão preocupados com a melhor utilização possível dos recursos,
e querem estar seguros de que esses recursos sejam empregados
onde tenham o mais alto valor.

Nova visita ao teorema de Coase

O conceito de custo de oportunidade é o alicerce do Teorema de


Coase (anteriormente analisado neste livro) e da boa parte do novo
campo da economia do direito. Tomemos como exemplo o caso judicial
de 1879, "Sturgess versus Bridgeman’', que é examinado p or Coase.10
Um confeiteiro da rua Wigmore usava dois pilões e trituradores, um de­
les em uso na mesma posição por mais de 60 anos. Isso não causou in­
cômodos para seu vizinho médico durante oito anos, quando então
esse vizinho construiu um consultório nos fundos de seu jardim e ao
lado da cozinha do confeiteiro. O barulho e a vibração tornaram difícil o
uso do consultório pelo médico, que moveu uma ação contra o vizinho,
sob a alegação de que o ruído era excessivo.
A decisão do íribunaí afetará o uso dos terrenos daquefes vizi­
nhos? A resposta de Coase é "não”, desde que o médico e o confeiteiro
possam negociar uma solução entre si.
Para tal fim, é necessária a atribuição de valores monetários aos
ganhos e perdas das duas partes. Suponhamos que o lucro do confei­
teiro é de 400 íífaras e que a cessação de lucros do médico é de 300 li­
bras. A solução eficiente está na continuação das atividades do confei­
teiro e, portanto, do funcionamento dos seus equipamentos (um ganho
de 400 menos 300, isto é, 100 libras).
Suponhamos ainda que o tribunal decida, è revelia da economia,
conceder uma injunção (mandado judicial) ao médico, o que obriga o
confeiteiro a cessar o barulho. O leitor pode argumentar que isso equi-
vaie a congelar a propriedade num uso ineficiente, mas esse argumen­
to é errado. Se o tribuna! conceder a injunção, como de fato o fez, ele
estará incentivando o confeiteiro a negociar um acordo com o médico,
que corresponderia de feto à “compra” da injunção. De acordo com os
valores atribuídos, o médico avalia em apenas 300 libras o seu sossego
e silêncio, ao passo que o confeiteiro calcula em 400 übras o valor do
seu produtivo barulho. Um acordo mutuamente vantajoso pode ser
acertado eníre eies: o confeiteiro estaria disposto a pagar até 400 übras
ao médico, por algo que vale 300 para este. Há então uma faixa de ne-
gociação de 100 iibras, dentro da qual o valor do acordo seria definido,
embora o pagamento exaío não possa ser previsto, pois depende da
habilidade das partes em barganhar. A injunção estabelece apenas o
ponto de partida da negociação; ela nãc influencia o padrão de uso da
propriedade.
Se o caso tivesse sido decidido de outro modo, a decisão judicial
imposia seria a solução final e constituiria, na base dos valores atribuí­
dos, a solução eficiente. Se o médico não ganhasse a injunção, ele te­
ria ds barganhar com o seu vizinho, se quisesse menos baruího. Mas
como sua peitia é de apenas 300 iibras, sendo de 400 libras o lucro do
confeiteiro, o médico não pode oferecerá outra parte uma quantia sufi­
ciente para induzi-io a silenciar o seu equipamento,
Esse exemplo mostra que duas regras legais totalmente antitéticas
conduzem à mesma solução, e que nos dois casos o autor da inconve­
niência leva em conta as perdas da vítima, o confeiteiro “ absorve" a
perda, qualquer que seja a posição legal. Quando é considerado res­
ponsável, e mesmo se a decisão é a injunção e não a compensação,
ele assume o custo do dano causado ao médico. Se o dano não consti­
tui objeto de ação judicial, então o custo do prejuízo causado ao médico
é levado em conta no pagamento que ele recusa. Isso ocorre porque
ele poderia converter seus direitos legais imediatamente em dinheiro. O
fato de poder fazê-lo representa uma quantia não recebida, isto é, um
custo de oportunidade. Conforme diz o próprio Ccase, em economia “o
pagamento nãorecebido de uma certa quantia eqüivale ao pagamento
do mesmo vaior''.11

Decorrências da análise do custo de oportunidade

Essas considerações sobre custos e negociação podem parecer ir­


relevante para os advogados, mesmo que o fosse apenas porque em
muitas situações as partes envolvidas não teriam como barganhar. Mas
há muitas verdades econômicas que podem ser objeto do Teorema de
Cosse.

Primeira: a análise econômica de custo/benefício não se limita a


cusíos financeiros e lucros contábeis; sua abrangência é muiío maior.
Ela se aplica ao ato da escolha, ao processo equilióradords disputa por
recursos escassos e fins alternativos. O objetivo econômico da eficiên­
cia se figa ao ganho agregado ou à minimização da perda conjunta para

62
iodos os indivíduos. Para o advogado, esse processo significa o ajusta­
mento dos interesses das partes, do queixoso e do acusado. Mas a
despeito de serem diferentes, essas visões do problema reconhecem
que ao ser favorecida uma parte por uma decisão, a outra parte é preju­
dicada. O problema é esse: em que nos baseamos para tom ar uma de­
cisão que favorece uma das partes? A sugestão do economista é um
algoritmo técnico: avaliemos iodas as vantagens e desvantagens em
dinheiro para as duas partes e minimizemos os custos conjuntos ou,
então, o que redunda no mesmo, maximizemos a soma dos benefícios
líquidos.

Segunda: Coase abalou de maneira sutil a noção de que o ato físi­


co de causar danos pertence ao campo da economia das falhas de
mercado, e que isso seja aceito pelo direito consuetudinário. A alega­
ção do tipo "A prejudica B” não tem relevância econômica. O dano re­
sulta da proximidade entre duas atividades incompatíveis; se uma de­
las for removida, o dano desaparece. As perdas são, dessa maneira, a •
conseqüência da interação de duas atividades conflitanfés que devem-
ser tratadas como sendo o custo conjunto dessas atividades. Isso se
aplica também aos gastos decorrentes da solução de pendências des­
se tipo. Essa linha de raciocínio sugere que todas as vítimas são em ‘
parte “auíores"do seu próprio infortúnio. Do ponio de vistada alocação
de recursos, isso é verdade. Do ponto de vista da escolha íegal a ser
feita, o "prejuízo" é em essência recíproco: permitir que o acusado pre­
valeça eqüivale a prejudicar o queixoso; decidir a favor do queixoso sig­
nifica infligir danos ao acusado. O economista utiliza a palavra "custo"
onde o advogado emprega o vocábulo “interesse”. Mas isso não nos
deve enganar. Quando o economista mede custos e benefícios, ele não
difere dos encarregados do processo judicia! usado na soiução da
maior paríe das disputas iegais.

Terceira; Coase enfatiza a importância dos cusios de transação,


identificando-os como os determinantes principais dos efeitos da iei so­
bre o comportamento humano e a atividade econômica. Os custos de
transação podem ser definidos como os custos da busca de informa­
ções e da barganha, bem como da definição, fiscalização e eficácia dos
direitos de propriedade e contratos. Resumidamente, eles são as fric­
ções associadas às transações. Coase sugeriu que muitas instituições -
entre elas a empresa, as trocas comerciais e os contratos - podem ser
vistas como adaptações eficientes aos custos de transação. Esses cus­
tos obstacuiizam o intercâmbio e a cooperação que são mutuamente be­
néficos. Na causa judicial "Sturgess versusBridgeman", as partes ieriam
destinado as propriedades a usos ineficientes se o ju iz houvesse decidi­
do de maneira incorreta. Se os custos de transação forem suficiente­
mente elevados, a lei terá conseqüências econômicas e, nesse caso, o
analista deve buscar identificar adequadamente a fonte e o tamanho dos
custos de transação, de maneira a poder examinar a lei e uma eventual
alteração deia. Não seria exagero dizer que a ponte intelectual entre o di­
reito e a economia tem, como um dos seus arcos de sustentação, a no­
ção de custos de transação.12

Quarta: a finalidade econômica da lei não é prevenir todos os da­


nos, e sim ponderar os interesses da vitima comparativamente aos in­
teresses e bem-estardo autor dos danos e dos consumidores em geral.
Do ponto de vista econômico, isso significa ponderar as perdas decor­
rentes dos danos e os custos de evitá-los. Quando a soma desses cus­
tos é minimizada, atinge-se o nívei “ótimo" ou “eficiente" de danos.
Conforme observou o juiz do caso "Daborn versus Bath Tramways":

"Como tem sido mostrado, se todos os trens deste pais fossem


limitados à velocidade de 5 milhas horárias, haveria menos aci-
dentes. mas a vida nacional seria intoleravelmente lenta".

Raramente o raciocínio econômico ieva a soluções extremas como


a completa eliminação da poluição ou de acidentes, mesmo que tecni­
camente essas soluções radicais fossem viáveis.

Finalmente: as nossas considerações indicam que devemos ir


aíém da lei. Em muitas disputas legais as partes envolvidas podem ne­
gociar. Quando a barganha é possível, devemos reconhecer que, após
a aprovação de uma iei, as partes irão adaptar o seu relacionamento e
os seus contratos a fim de compensar a redestinaçâo dos custos cria­
dos pela lei. Dessa maneira, as ieis que responsabilizam os emprega­
dores por acidentes sofridos por seus empregados não deveriam au­
mentar os custos para aqueles empregadores, porque os saiários po­
deriam diminuir para assim compensar as despesas com indenização.
Do mesmo modo, tom ar os industriais responsáveis por produtos defei­
tuosos oode resultar apenas no aumento do preço dos bens em ques-
tão e nenhuma melhoria da segurança ou do bem-estar dos consumi­
dores. A lição para os advogados d iz que os indivíduos reagem às leis
de maneira a poderem minimizar o ônus que elas lhes causam. '

A N Á LIS E QUANTITATIVA

Os advogados não são muito bons com números. De acordo com o


professor Bob Cooíer, da Universidade da Califórnia (Berkeley):

“Deixados à súa própria conta, os advogados não teriam mais


chance de desenvoiver a metodologia quantitativa do que tive­
ram os australianos de desenvoiver o coeiho."13

Os economistas vêm ocupando esse terreno com grande vigor.


Revistas especializadas, como The Journal o (L a w and Economics e
The Journal of Legal Studies, estão repletas de artigos sobre o impac­
to de leis contra a negligência sobre os índices de acidentes, o efeito
dos regulamentos sobre as variáveis econômicas e outros estudos
quantitativos mais específicos, que íêm sido usados nos litígios legais.
Os economistas dispõem de muitas técnicas estatísticas sofisticadas,
que podem ser aplicadas na quantificação do impacto das leis. Embo­
ra nem iodas as questões legais possam ser submetidas à análise es­
tatística, aqueias que o são podem ser estudadas com mais rigor e
validade estatística (no sentido de uma teoria explicitamente formula­
da) pela economia.
Há um certo número de áreas onde a economia pode dar uma con­
tribuição para o trabalho dos advogados e dos autores de políticas pú­
blicas.
A análise estatística pode se r usada para medir o impacto das leis e
para decidir questões íactuais - por exempio, se tem havido discrimina­
ção no pagamento de saiários às mulheres ou a membros de certos gru­
pos raciais, e se isso não se deve a diferenças de produtividade ou de
outras situações de trabalho; ou ss os preços cobrados por certos bens
são monopoiísticos ou refletem diferenças de qualidade. Técnicas como
a análise de regressão múltipla, que são usadas para separar os efeitos
de diferentes variáveis individuais nos dados agregados, estão disponí­
veis e podem realmente ajudar nessas investigações empíricas.14
Muitas leis têm como fundamento sua capacidade de conter o
comportamento anti-social e atingir os fins a que se destinam. Sur­
preendentemente, há pouca evidência e nenhum programa sistemático
de pesquisa no Reino Unido que verifiquem se os regulamentos finan­
ceiros beneficiam os investidores, se as leis de segurança de fato pro­
tegem trabalhadores e consumidores ou se as sanções criminais con­
têm a criminalidade. Essa lista da nossa ignorância em assuntos funda­
mentais pode ser expandida quase que sem iimites. Quando são feitas
isntsiivas de avaiiação do im pado das leis, os achados têm sido desa-
pontsdores. Os efeitos preiendidos, como a suposta eficácia da legisla­
ção sobre segurança industrial na melhoria da segurança no trabaiho,
têm sido geralmente tão pequenos a ponio de não serem detectados.
Por outro lado, os custos diretos e indiretos (como, por exemplo, inves­
timento e produtividade) são geralmente insignificantes. Voltaremos a
esse assunto no Capítuío VI.
Em outros países, como EUA e Austrália, são feitas avaliações sis­
temáticas do impacto das mudanças legais com a finalidade de orientar
as pessoss encarregadas de medidas públicas.15 No Reino Unido, a
despeito da importância maior dada à economia nos anos recentes,
pouco esforço é feito para justificar-se uma lei em termos de custos e
benefícios. Em outras oportunidades, eu e alguns colegas temos cha­
mado a atenção para exemplos importantes de mudanças na legisla­
ção financeira e empresaria! que são destituídas de qualquer funda­
mentação econônjica.16 Estudos do impacto das leis podem constituir
uma contribuição importante na formulação de normas legais e regula­
mentos, pois dão a seus autores informações extremamente necessá­
rias sobre as conseqüências dessas iniciativas.

NOTAS

1- FRÍEDMAN, L.M. Two Faces of Law. Vrfsconsin Law Review, n. 1, p. 13-33.


1ÊS4.
2 - LEFF, A A . Economic Analysis oí Law: Some Realism abouí Nominalism,
Virgínia Law Revisw, v. 60, p.460. 1976.
3- LEFF. op.cit.
4 - LA W REFORM COMMISSÍON: annua! report 1981. Cariberra: Australian
Govarp.ment Publisning Service, 1981. p.1.
5 - STíGLER, G.J. The Economist ss Preacher. op.cit., p.â.

65
6- Uma das melhores anàiises de custos foi feita por ALCHIAN, A.A. Economic
Forces at Work. Indianapolis: Liberty Fund, 1977. Chap.2.
7- Sobre métodos de avaiiarintangíveis, ver PEARCE, D.W., MARKANDYA, A.
Environm antal Poíicy Benefits: Monetary Valuation. Paris: OECD, 1989.;
PEARCE, D. W ., MARKANDYA. A., BARBER, E.B., Blueprínt for a Green
Economy. London: Earthscan Pubiications, 1989.
8- VELJANOVSKI, C.G. Reguiating industrial Accidents: An Economic Analysis
o f Market and Legal Responses. New York: D. Phil, 1982.; VELJANOVSKI,
C.G. The Valuation o f Injury in Economics and Law. London: Department of
Transpori, 19S9.(mimeo).
9- EQWARDS. J., et ai.- The Economic Analysis o f A ccourting Profitability.
Oxford: Oxford University Press, 1987.
10-(1879), 4, C.P.D. 172.
1 1 -COASE. The Problem o f Saciai Costs. op.cit., p.7.
12- WILLJAMSON, O. The Economic ínstitutions o f Capitalism. New York: Free
Press, 1985.
13-CO O TER, R.D. Law and the Imperialism of Economics; An Introduction ta
the Economic Analysis o f Law and a Review of the M ajor Books. UCLA Law
Review, v. 29, p.1.260, 1982.
14- FISHER, F.M. Multiple Regression in Legal Proceedings. Çolumbia Law
Review, v. 80, p.702-36. 1980.; RUBINFELD, D.L. Econorrietrics in the
Courtroom. Coiumbia Law Review, v. 85, p. 1040-92. 1985.
15- BRADDOCK, B. Product Liability: Economic lmpacts.[s.í.J: Australian Law
Reform Commission, 1989. (Product Liability Research Paper, 2)
16- VELJANOVSKI, C.G. Introduction. In: SELDON, A. (ed.). Financial
Regulation: Or Over-Regulation?. London: IEA, 1988. (IEA Readings, 27)
........................ n i ...............
ALGUMAS APLICAÇÕES LEGAIS

Até este ponto a exposição tem sido de caráter genérico. É hora de


coiocar algum recheio na economia do direito, analisando alguns casos
específicos.

OS PAPÉIS DO ECONOMISTA

(a) Técnico

O economista desempenha peio menos três papéis na analise das


leis.1 O primeiro é o do iécnico, que impiica aceitar o problema como é
form ulado petos advogados e tentar solucioná-lo com a ajuda da econo­
mia. A empresa A qusbra o contrato que tem com a empresa B. Como
calcular corretamente os lucros perdidos? Na legislação sobre concor­
rência vigente no Reino Unido e na Europa, a definição de “ mercado re­
levante0 requer os conhecimentos do economista para a identificação de
barreiras à entrada no mercado, a elastiddade-cruzada entrs produtos
similares que os identificaria como substitutos e a abrangência da con­
corrência entre os vendedores.2 Tais assuntos qualificam o economista
para ajudar advogados e autores de normas reguladoras, sem que isso
prejudique de algum modo a autoridade ou a abordagem dos juristas.

(b) Superlécnico

Neste papei, o economista vê o campo do direito e da iei como ten­


tativas de iornarm ais eficiente a aplicação dos recursos econômicos. O
controle de aluguéis é um bom exemplo. A economia é usada para
identificar as conseqüências do controle de aluguéis nos custos, na
oferis e m qualidade dos imóveis alugados, na produtividade e no cres­
cimento; após s determinação desses efeitos, usa-se a economia para
com parar os custos da legislação e seus benefícios. Isso freqüente­
mente sxige o atropeio da linguagem e das tradições jurídicas para que
possa ser isolado o impacto econômico de uma medida legal,

(c) Retórico da economia

Neste papel, o economista emprega o jargão de sua profissão para


oferecer um novo vocabulário para os advogados. Essa tentativa pode
assumir a forma de uma contundente análise da eficiência, como acon­
tece com a hipótese do juiz Posner, de que o direito consuetudinário
poderia ser entendido como se os magistrados estivessem na busca de
uma aplicação mais eficiente dos recursos escassos. Os princípios
econôm icos podem ser alternativamente usados para organizar o de­
bate sobre as detíísões judiciais, classificando-as, identificando as co­
nexões comuns, definindo mais claramente os conceitos legais e criti­
cando á lógica das decisões legais e mesmo das leis que resultam de
incoerências, etc. Em resumo, o economista usa aqui seus conheci­
mentos especializados para fazer sugestões de carátergerai sobre a lei
de madeira aceitável para advogados e juristas.

PREJUÍZOS DECORRENTES DE LESÕES PESSOAIS

Pense primeiro no economista em seu papel de técnico. De acor­


do cora o direito consuetudinário inglês, o propósito de uma indeniza­
ção por danos decorrentes de um ato negligente é assegurar uma
“compsfisação total” , no sentido de colocar a vítima na posição em
que estaria se o acidente não houvesse ocorrido, peio menos em ter­
mos de dinheiro. O economista, o atuário e o contador podem ajudar o

7n
tribunai a atender aquele objetivo da “compensação total". A despeito
disso, surpreendentemente o jüdiciário inglês tem desestimuladoa pe­
rícia técnica nos casos de danos pessoais e morte, preferindo recorrer
a um cálculo aritmético relativamente simples, que tem subcompensa-
do muitíssimo as vítimas de acidentes.
Isso ocorre principalmente nas avaliações de perdas futuras.M ui-
tas vítimas de acidentes sofrem perdas continuadas, que limitam sua
possibilidade de trabaifiar em tempo integrai ou, então, que as impe­
dem de se rtã o produtivas quanto eram antes do acidente. Nesses ca­
sos, o juiz tem que avaliara perda futura de renda da vítima e descontá-
la a alguma taxa de juro, a fim de chegar a uma soma global presente
que representará a "compensação total" a ser paga. Em lugar de usar a
evidência econômica ou atuarial, os tribunais preferem o método multi­
plicador/multiplicando, que consiste em duas partes. Primeiramente o
juiz deve estabelecer a perda anual decorrente do acidente, o que
constitui uma questão de fato.3 Em seguida, esse valor anual é conver­
tido no valor presente da perda anual prospectiva. Para tanto, o ju iz es­
tabelece um multiplicador e o aplica àquele valor anuaLO multiplicador
leva em conta dois fatores: o desconto e uma ajuda financeira para
aquilo que é freqüentemente conhecido como "vicissitudes da vida”. O
desconto para capitalizar o fluxo futuro de renda é necessário para que
a vítima, de posse antecipada da indenização que ihe é devida, possa
ínvesti-ía de maneira a assegurar o recebimento de uma anuidade du­
rante o resto de sua vida. Os tribunais também ajustam as futuras per­
das para baixo, com o propósito de levar em conta as contingências
que possam reduzira perda atribuível ao acidente, tais como um novo
casamento, a possibilidade de desemprego e a de doenças que encur­
tem a expectativa de vida. Esses fatores não são tratados de forma ex­
plícita na base de quaisquer bons princípios aritméticos. Ao contrário, o
juiz (os júris foram abolidos nos julgamentos civis, exceto os concer­
nentes à calúnia, na Inglaterra e no País de Gales) acaba chegando a
um vslo rq u e no seu entender constitua uma compensação adequada.
O m ultiplicador usado peios tribunais varia dentro de uma faixa entre 5
e 18, embora 15 constitua o limite máximo típico.
Os multiplicadores usados pelos tribunais são baixos e, portanto,
resuitarn em indenizações baixas para as vitimas de acidentes. De fato,
a maior parte dos advogados e juizes ignorava a taxa de desconto im­
plícita nos multiplicadores, até que Lord Diplock revelasse que ela gira­
va ao redor de 4 a 5%.4 Kemp e outros têm argumentado a favor de um

Ti
aumento do uso da evidência aluaria! e de uma taxa de desconto ao re­
dor de 1,5 a 2,3% ao ano.5
Um exemplo do baixo grau de compensação nos é dado pelos fatos
do caso judicial "Mitcheil versus Mulholland’1,6 no qual o ju iz Lord Ed-
m undPavies estabeleceu que uma evidência levantada por perícias téc­
nicas de economistas era inadmissível. Usando o método do "multiplica­
dor”, a Corte de Apelações multiplicou por 14 a perda iíquida pré-julga-
m entoda renda anual do queixoso, chegando à quantia de 20.833 iibras.
Se um economista tivesse ferio a avaliação desse caso, o resulta­
do teria sido muito melhor para o queixoso.7 Com base nos ganhos
anuais líquidos da vítima na data do acidente (1.255 libras) e supondo
que ela trabalhasse aié os 65 anos, que a produtividade tivesse aumen­
tado 1% por ano e usando uma taxa de desconto de 2%, as perdas ava­
liadas da vítima na data do ac/dente seriam de 36.438 libras. Se acres­
centarmos os juros a essa quantia, ela chega a 48.262 libras na data do
julgamento, em 1969, e 54.243 libras em 1971, quando a Coríe de Ape­
lação deu sua decisão. Esse valor, calculado na base de hipóteses ra­
zoáveis, é mais do que duas vezes e meia superiora soma concedida à
vitima pelo tribunal.
Acabamos de ver uma situação na quai uma utilização simples da
economia pode não apenas meihorar a coerência da deGisão judicial,
como também o bem-estar dos acidentados. O fato de os ju iz e s se ne­
garem ião peremptoriamente a empregar técnicas financeiras-padrão,
como juros compostos e razoáveis taxas de desconto, e persistirem
numa abordagem tão cheia de erros, constituí um daqueles "mistérios
do direito” .

A ECONOMIA DAS LEIS CRIMINAIS

A análise do crime e da legislação criminal coloca o economista


nos papéis de técnico e supertécnico. Na condição de técnico ele tem
produzido evidências empíricas suficientes para apoiar a tese de que
as penaiidades criminais detêm o crime. No papei de supertécnico, eie
tem sugerido maneiras de melhorar a legislação criminal e seus proce­
dimentos e, assim, aumentar a eficácia de ambos na prevenção da cri­
mes e na administração do sistema judiciário penal.
Não há muita dúvida de que o crime constitui um problema econô­
mico. Em 1988, havia 3.6 miihões de delitos registrados na Inglaterra e
no País de Gales. Os gastos chegaram ao total de 1.241 milhões de li­
bras - 8.277 mifhões em polícia, 1.014 milhão em prisões e 1.886 mi­
lhão nos tribunais. Os custos da prevenção criminal para o setor priva­
do não são conhecidos, como desconhecidos são os dados sobre as
perdas sofridas pelas vitimas e a sociedade. Pode-se dizer, em termos
simples, que o bem-estar material da sociedade seria consideravel­
mente maior se o crime não existisse.
A abordagem econômica do crime se baseia na hipótese de que
criminosos, vítimas e administradores da lei são racionais, isto é. todos
eies reagem de modo previsível a mudanças nos custos e benefícios
que os afetam.8 A decisão de praticar um crime nâo difere em essência
da decisão sobre a escolha de um emprego. Um indivíduo se envolve
numa atividade criminosa porque obtém um fluxo de benefícios líquidos
m aior do que conseguiria na utilização legítima de seu tempo e esforço.
"As pessoas se convertem em criminosos", diz Becker, "não porque
suas motivações básicas diferem das motivações das demais pessoas,
mas porque seus custos e benefícios diferem”.9

Repressão

Se os criminosos são contidos peias penalidades criadas por leis,


então a sociedade deve decidir que tipo de penas serià preferível e
quais seriam os seus limites. Para o economista, esses assuntos são
solucionados pela comparação da eficácia das penas {multas, prisão,
serviço comunitário, etc.) com seus respectivos custos.
A pena que influencia a ação de um criminoso e a sua decisão de
participar de um crime resulta de dois fatores: a severidade da pena e a
freqüência com que e!a é aplicada aos criminosos. Pela multiplicação
desses fatores podemos obter a pena esperada. Assim , se a pena é
uma multa de 200 libras, mas se apenas 50% dos agressores são deti­
dos e condenados, a penalidade esperada corresponderá a 100 libras
(0,5 x 200 = 100). Se os criminosos são neutros com relação ao risco,
isto é, se eies avaüam o risco que assumem levando em conta apenas
o aumento ou o decréscimo esperado da sua riqueza, o mesmo nível
de prevenção pode ser atingido pela redução do híveí da mulía ou de
seu equivaiente, desde que haja um aumento compensador no outro
fator. Por exempio, a probabilidade de 50% de uma multa de 200 li-
bras(0,5 x 200 = 100 libras) resulta no mesmo grau de prevenção que
os prováveis 25% de uma muita de 400 libras (0,25 x 400 = 100 libras).
Nos dois casos a multa esperada é de 100 libras.
A combinação ótima da taxa de condenação e da severidade dã
pena é, no modelo econômico, determinada apenas pelo custo de sua
utilização pela sociedade. A detenção e a condenação de transgresso­
res são muito dispendiosas, requerem trabalho e uma quantidade con­
siderável de tempo e equipamento. As multas, por outro iado, previnem
pela ameaça da sua imposição. Desse modo, os custos da eficácia da
lei penal e da prevenção criminai podem ser reduzidos pelo aumento
progressivo da severidade da multa, simultaneamente com a redução
da taxa de condenação.

O custo da punição

A análise dos custos ajuda igualmente na definição da forma que a


punição deveria tomar. É sempre mais barato usar multas em dinheiro
do que prisão e outras sanções semelhantes. As muitas são de cálculo
fácil e envoivem uma simples transferência de dinheiro do_ agressor
para o governo, quantia essa que pode ser usada para indenizara víti­
ma e financiar os custos da polícia e dos tribunais. As prisões adicio­
nam custos evitáveis, como são os investimentos em presídios, os sa­
lários tíos guardas e outros empregados, além do valor das perdas da
vítima no exercício de atividades produtivas legítimas. A sociedade
nada ganha com esse tipo de punição, quando existe a alternativa sem
custo das m ulta s.'"'
Acabam os de esboçar a tese favorável às multas; ela pode ser re­
sumida nessas duas idéias:

» O mesmo nível de prevenção pode ser atingido com uma redu­


ção da atividade preventiva (poiiciamento, prisão e processo
scusatório), desde que haja um aumento suficiente na severida­
de tía punição.
» A punição deveria, sempre que possível, assumir a forma de
multas financeiras elevadas, porque elas previnem praticamente
asm custos. Essa regra deve ser adaptada quando os crimino­
sos potenciais são insolventes, quando são cometidos muitos er­
ros nas condenações e nos casos em que as preferências em re­
lação ao risco diferem muüo, casos em que as muKas muito altas
pedem desestimuíar atividades sociais desejáveis: Esta última
circunstância é especialmente importante nos crimes de "colari­

74
nho branco" e nas infrações de regulamentos, que muitas vezes
acontecem em atividades produtivas. As muitas podem ser inefe-
tivas nessas situações ou porque não evitam as ações indesejá­
veis (quando os transgressores são insolventes) ou correm o ris­
co de punir a inocência ou, ainda, desestimulam uma atividade
desejável. Além disso, multas uniformemente altas podem gerar
incentivos indesejáveis. Se as multas (ou quaisquer sanções)
são draconianas, os criminosos potenciais não serão impedidos
de cometer mais crimes hediondos. Se há uma mesma muita
para quem rouba um pedaço de pão e para quem assalta a mão
armada, a lei fará muito pouco para evitar o crime pior. O sistema
de penalidades criminais deve, portanto, adoiar multas diferen­
ciadas. Por outro lado, penalidades severas tendem 3 ser anula­
das por juizes e jurados. Um argumento contra a pena de morte
é a possibilidade de um juri considerar inocente o acusado, para
não correr o risco de condenar um inocente à morte.

Medindo a repressão

A contribuição do economista não pára aí. Começando com o tra-


balho do professor Isaac Ehrtich,10 nos EUA, seguiram-se centenas de
estudos estatísticos que confirmaram o modelo de repressão. Além dis­
so, esses trabalhos forneceram também estimativas do impacto sobre
3 criminalidade que deriva de mudanças na aplicação das leis e das pe­
nalidades.11
David Pyle, por exemplo, realizou uma análise estatística do crime
contra a propriedade na Inglaterra e no País de Gales.12 Fundamenta­
do num modelo econômico da criminalidade, explicitamente formulado,
ele examinou o impacto sobre a incidência de crimes contra a proprie­
dade decorrente de mudanças em variávels-chave da aplicação das
leis (o tamanho dos quadros policiais, o número de condenações e a
duração do período de prisão), os ganhos econômicos provenientes de
atividades ilegais e o nível de desemprego. Os resultados apóiam as
previsões do modelo econômico; aquelas variáveis que aumentaram a
pena esperada tenderam a reduzira incidência dos crimes contra a pro­
priedade, ao passo que aquelas que aumentaram os ganhos da ativida­
de ifegal ou diminuíram os ganhos das atividades legítimas tiveram um
efeito contrário. Os achados estatísticos de Pyle são mostrados na Fi­
gura 1, e eles indicam o impacto de uma elevação de 10% de cada va-

75
riável relacionada à aplicação da iei sobre o índice de crimes contra a
propriedade.

FIGURA 1:
EFEITO SOBRE A TAXA DE CRIMES CONTRA A PRO PRIEDADE
DECORRENTE DE UM AUM ENTO OE 10% EM CINCO VARIÁVEIS:
NÚMERO DE POLICIAIS, TAXA DE ENCARCERAMENTO,
DURAÇÃO DA PENA DE PRISÃO, GANHOS ILEGAIS B
TAXA DE DESEMPREGO

Notas:
a) A taxa de encarceramento se refere á proporção de condenados cuja senlença Implica
prisão imediata.
b) O aumento dos ganhos ilegais, ou lucros dos crimes, é medido peto valor rateado per
cap/fa.
Fonte: D J. Pyle. "The Economics of Crime in Brita in", Economic Arfaírs, v. 9, n. 2, dezem­
bro 1988i5aneiro 19S9, p. 6-9.

Resultados como esses, conseguidos por Pyle constituem uma


ajuda valiosa para a eficácia em termos de custo das diferentes medi­
das concebidas para reduzir o crime. No Quadro 1, os resultados ds
Pyle são contrastados com os custos de cada atividade rapressora
para conseguir uma redução de 1% da incidência de crimes contra.a
propriedade. A comparação mostra claramente que a redução do crime
pelo aumento dos efetivos policiais não é eficaz em term os de. custos.
Para conseguira redução de 1% nos crimes contra a propriedade, seria
necessário um gasto anua! superior a 51 milhões de libras, isto é, 10
vezes mais que o necessário para atingir o mesmo resultado através de
m aior severidade na taxa de prisão ou na tempo da detenção.

Negociação do pleito

A economia também pode ser usada para analisar o processo le­


gal. Um volume considerável de pesquisa tem sido realizado com o fim
de identificar os fatores que influenciam a decisão de pessoas e empre­
sas de recorrerem aos tribunais ou negociarem um acordo fora deles.
Como a m aioria dos casos é solucionada fora das cortes, torna-se im­
portante compreender não apenas porque isso ocorre, mas também de
que maneira as mudanças dos custos legais e das regras do processo
afetam o número de casos levados aos tribunais e o bem-estar dos liti­
gantes potenciais.

QUADRO 1
ESTIM ATIVA DOS CUSTOS DE REDUZIR OS CRIMES
CONTRA A PROPRIEDADE EM 1%

O PÇÃO POLÍTICA CUSTO (milhões de libras)

A um ento do núm ero de policiais3 51,2

Aum ento do núm ero de pessoas condenadasb 4,9

Aum ento do tem po médio de prisãob 3,6

Notas:
a) O custo de empregar um policial adicional é eslimado era 16.000 libras por ano.
b) O custo de manter alguém preso é esiimado em 15.000 libras anuais.

Fonte: D.J. Pyie, The Economics of Crime in Briíain, Economic Aífairs, v.9, n. 2, dezembro
1988tfaneiro 1939, p.6-9.

Nos EUA e, em menor grau, na Inglaterra e no País de Gaies, a


m aior parte das disputas de direito civil é resolvida na base de negocia­
ções que antecedem os julgamentos. Isso ocorre também no campo de
direíío criminal, através da utiiização da assim chamada "negociação
do pleito” . Por essa prática, o acusado admite sua culpa em troca de
uma sentença menor. Nos EUA essa prática é abertamente adotada.
Calcula-se que em 90% das causas criminais foi usada a admissão de
culpa, sendo que 50% dessas causas envolveram uma negociação en­
tre o acusado e o promotor. Na Inglaterra e no País de Gales, os profis­
sionais do direito e os juizes negam a existência dessa prática, embora
a pesquisa indique ser eia corriqueira.13
A negociação do pleito tem uma explicação econômica clara e dire­
ta: a solução das causas pela sua negociação prévia é mais barata e ofe­
rece“ ganhos" para o promotor e o acusado. O primeiro enfrenta um pro­
blema econômico: como usarseus recursos limitados para desembara-
çar-se do m aior número de causas calibradas pelas sentenças.1^ Um
promotor racionai, com capacidade de decidir a respeito da maneira de
adm inistrar o conjunto de causas que lhe tocam, procurará fazê-lo da
maneira mais efetiva possíve! em terruos de cusíos. A negociação da
causa é um meio de atingir esse objetivo. O promotortroca uma senten­
ça menor peia certeza da condenação, dessa forma economizando os
custos de "provar" uma culpa que não deixe qualquer margem de dúvi­
da. O acusado é estimuiado a aceitara culpabilidade, trocando a incerte­
za de um julgamento que pode resultar numa sentença maior, no caso de
insistir em sua inocência, pela certeza da pena merior que decorrerá da
admissão de c u lp a d o caso de o máximo de redução da pena concedido
pelo promotor igualar ou exceder o mínimo de redução de sentença pre­
tendido pelo acusado, então haverá o prosseguimento do processo acu-
satório. As considerações de custo levam ambas as partes a procurar
uma solução de compromisso durante a negociação que precede o pro­
cesso propriamente dito. A negociação do pleito tem um fundamento ra­
cional, da mesma forma que a negociação mais freqüente das causas cí­
veis. É o barateamento do processo que força as pessoas a buscarem
acordos voluntários para soiucionarsuas pendências. Isso, porsua vez,
faz com que o sistema de justiça criminal funcione mais suavemente. É o
que nos diz Glanville Williams, eminente professorde direito:

*'... os acusados que nâo têm defesa devem ser persuadidos a


não desperdiçar o tempo do tribunal e o dinheiro público; a ad­
missão de culpa poupa as testemunhas do aborrecimento de
tentar fornecer evidência, além da inconveniência da perda de
tempo; e, nas atuais circunstâncias, é uma prática essencial
para prevenir o congestionamento das cortes.’'15

Essas considerações que os economistas fazem sobre a “ negocia­


ção do pleito" de maneira nenhuma esgotam a capacidade da visão
singular do economista. Sua contribuição consiste na produção de pre­
visões adicionais do tipo de influência que as mudanças das circuns­
tâncias têm sobre o resultado da negociação do pleito. De acordo com
os modelos econômicos, a probabilidade de o pleito continuar cresce
quando:

* é maior o desacordo entre acusado e promotor acerca do resul­


tado do julgamento;
* é m aior a gravidade do crime, conforme medida peía sentença
potencial;
■ é mais fácil a possibilidade de ajuda jurídica para o acusado; e,
* a probabilidade da continuação do pleito varia inversamente>corn
o tempo e o desconforto da detenção pré-julgamento. ;• ;

A assistência judicial, por exemplo, tende a aumentar o volume


de trabalho dos tribunais criminais, desde que não se alterem düíras
determinantes. As regras que disciplinam a geração de evidências
também afetam tanto a prevalência das negociações do pleito quanto
o percentual da redução da sentença. Na Inglaterra, as normas pro­
cessuais que excluem certos iipos de evidência são muito menos rigo­
rosas do que nos EUA. Consíaníes as demais variáveis, isso aumen­
tará a probabilidade da condenação dos acusados na Ingiaterra e, si­
multaneamente, uma menor redução da sentença em qualquer nego­
ciação do pleito. Assim, a disparidade entre as sentenças incidentes
sobre aqueles que admitem a cuipa na Inglaterra e aqueles que insis­
tem num julgam ento será menor do que em jurisdições com fortes
normas exciudentes de evidência. Além disso, quando a investigação
e a acusação criminais constituem responsabilidade de uma mesma
instituição, há um efeito previsível no número de causss decididas por
julgamento. Constantes os demais fatores, a redução de custo de um
acordo pré-juigamento é maior pars a instituição que absor/e as des­
pesas com a investigação e a acusação. Mas se o caso vai a julga­
mento, essa mesma instituição estará mais relutante em dá-lo por de­
cidido.
Aversão ao risco

As reduções de custo não são o único fator explicativo para o uso da


negociação do pleito. Se o promotor e o acusado têrn aversão ao risco,
eles podem concordar na troca de uma sentença mais íeve por uma ad­
missão de culpa, para assim evitar a incerteza do juigamenío. A negocia­
ção pode também ser usada pelo promotor para isentar o inocente de cul­
pa. A pessoa efetivamente culpada é mais propensa do que a inocente a
reconhecer sua culpà' em troca de uma sentença mais Jeve, supondo-se
constantes as demais variáveis relevantes. Dessa maneira, a negocia­
ção pode ser vista como maneira eficiente de expurgar de culpa uma pes­
soa inocente. Mas este apenas será o caso se iodos os acusados forem
igualmente avessos ao risco. Se os inocentes acusados do crime forem
mais avessos ao risco do que os culpados, eles.podem adm itir a culpa
apenas para evitara perspectiva incerta de uma pena mais pesada.
Mais ainda, os promotores podem exagerar a acusação para,
dessa maneira, estimular os acusados a aceitarem a cuípa. A promo-
toria pode fazer várias acusações injustificáveis para levar o acusado
a crer que o abrandamento da sentença que lhe está sendo oferecido
é grande e generoso. Isso efetivamente impõe uma sobrecarga ao tri­
bunal e pode resultar, para os acusados que prefiram ir a julgam ento,
numa sentença mais pesada para evitar julgamentos do que para pre­
venir crimes; isto é,.o inocente “expele” o cuipado,. consumindo mais
recursos públicos no julgamento de pessoas inocentes. Na Grã-Breta­
nha nãoJiá evidência direta da validade dessas conjecturas..Baidwin
e iMcConviJIe elaboraram uma análise poiêmica da negociação do plei­
to na Inglaterra, segundo a qual uma proporção expressiva das pes­
soas que alegavam ser inocentes havia admitido a respectiva culpa;
os autores não acharam, porém, evidência acerca de uma "sobrecar-
1R *
ga” para os tribunais.
O uso muito difundido da negociação do pleito produz outro efeito
sobre os procedimentos da justiça criminal. A justiça crim inal inglesa
tem como princípio a necessidade de a culpa do acusado ser provada
“aíém da dúvida razoável". A negociação do pleito representa uma cer­
ta transigência na observação do mencionado princípio, pois tem o efei­
to de reduzir o padrão da prova exigida por uma condenação. Isso
acontece porque o promotor é capaz de fazer uma troca da dúvida (so­
bre a evidência insuficiente que sustenia a culpa do acusado) por uma
sentença mais branda.
Pode-se ver, por essa breve exposição, que a análise de urri fenô­
meno legal no quadro referencial tia economia pode ajudar a identificar
as conseqüências de uma prática processual no funcionamento corren­
te da justiça.

DEFINiNDO OS TERMOS LEGAIS

O mais novo pape! que o economista pode assumir é no campa da


retórica econômica, isto é, do uso da economia para dar maior clareza
aos conceitos legais ou sugerir definições alternativas para eles. É inte­
ressante notar que a maior parte dos usuários dessa prática é compos­
ta de advogados, oferecendo-nos um raro exemplo de colonizados que
se transformam em imperialistas.
Pode parecer esquisito, para não dizer arrogante, a alegação de
que um economista precisa (re)interpretar as palavras dos juize s antes
de poderem ser entendidos. Mas a justificativa plausível desse fato de­
corre do costume dos juizes ingleses de raramente citarem princípios
gerais de direito, O direito consuetudinário, que é o direito habitual do
país, se desenvolveu na base de decisões judiciais tomadas através de
séculos, e o direito consuetudinário não se fundamenta num conjunto
de regras ou num código. Eie se baseia em decisões sobre cásos espe­
cíficos que são usados como precedentes para a solução de pendên­
cias atuais. O direito consuetudinário já foi descrito como um sistema
lega) que coioca um determinado valor em debate e o submete á obs­
curidade e ao caráter tentativo das decisões judiciais, de maneira “que
pronunciamentos exclusivamente de caráter normativo ....não possam
ser feitos".17 Dessa maneira, uma das principais atividades dos profis­
sionais do direito é a classificação de casos que lhes permita extrair as
"regras" do direito. É essa “ escuridão” do direito consuetudinário que
tem levado a economia a ser usada para sugerir novas definições de
conceitos legais fundamentais.18
Economistas e juristas têm analisado as doutrinas legais, e têm po­
dido mostrar que muitas delas se alicerçam em definições econômicas.
Doutrinas legais como as referentes a “razoabflidade”, "distanciamen­
to ", "padrão de cuidado”, '‘previsibilidade'*, "proximidade" e "causalida-
de", foram todas analisadas.19

OH
Negligência

A análise econômica da negligência constitui o ponto de partida


de boa parte da econsmia do direiio. A lei da negligência diz quando
as vítimas de danos {por exemplo, nos acidentes de trânsito e na ne­
gligência médica) devem ser indenizadas pelos autores dos acidentes.
No direito consuetudinário, na maior parte dos acidentes o agressor é
tido como responsável apenas quando age sem a suficiente cautela,
isto é, quando sua ação foi negligente ou cometeu uma “falta". A mais
famosa declaração sobre negligência no direito inglês (e escocês) en­
contra-se no pronunciamento do juiz Lord Atkin, no caso “Donohue
versus Stevenson":

"Diante da proibição não se deve agredir o vizinho, o advogado


questiona: quem é m eu vizinho? A pergunta recebe uma res­
posta limitada.-Deve-se tomar cuidado razoável para eviíar
ações ou omissões que poderiam ser razoaveimente previstas
como causas possíveis de danos ao vizinho. Quem, então, pela
lei, é meu vizinho? A resposta parece ser que são consideradas
vizinhas as pessoas que são tão próxima e diretamente passí­
veis de serem afetadas pelo meu ato que eu deveria ter razoa­
velmente levado em conta essa possibilidade."20

Da maneira-eomo está formulado, esse teste judicial é por demais


vago. As partes que o compõem são alimentadas pela decisão dos ju i­
zes em casos específicos que ocorrem no tempo. Não obstante, as for­
mulações lingüísticas usadas pelos juizes, tais como "a obrigação de
ser cauteloso", “previsibilidade razoável", "proximidade” e “cuidado ra­
zoável” possuem as características do camaleão. Freqüentemente es­
sas expressões são usadas como se fossem sinônimos, gerando con­
fusão tanto nos profissionais do direito quanto nos leigos. Essa falta de
precisão toma os princípios do direito consuetudinário inglês um assun­
to em aberto. As causas decididas na base das normas vigentes resul­
tam em decisões que usam remendos em lugar da lógica.
O economista aborda a análise da doutrina legal de maneira com­
pletamente diferente da utilizada pelos advogados e juristas. Ele usa
conceitos do tipo escolha, trocas, efeitos incentivadores, análise margi­
nal, exfemalidades, etc., em seus estudos de uma doutrina ou de uma
causa. A lei é tratada de maneira funcional, na base de diferenças entre
níveis de cauteia e atividade, cuidados conjuntos e alternativas, aciden:
tes ocorridos entre estranhos è aGidentes entre pessoas que já tinham
um relacionamento prévio. Juristas e advogados passam a ter um vo­
cabulário para a redefinição dos conceitos legais.

O íssts de Hand

Consideremos a maneira como os tribunais definem o padrão legal


de cautela nos casos de negligência. Numa situação típica, o agente A
{o acusado) causou danos a B (o queixoso) devido à falta de cuidados
de A (e, freqüentemente, de B também). Um motorista imprudente, ao
mudar de pistas, causa um acidente, ou um médico deixa uma tesoura
no corpo de B durante uma operação. Um economista atribuiria a perda
à parte ou partes mais capacitadas a evitar o acidente. A decisão com
reiação a quem deveria arcar com as perdas seria tomada na base dos
custos qus poderiam corresponder ao agressor e ao agredido para evi­
tarem o addente, comparados esses custos com os danos esperâdO§;
Uma decisão tomada pelo juiz Hand, num tribunal norte-americano;
enuncia explicitamente o padrão de cautela. De acordó com o 'Tesíe
de Hand", a culpabilidade do acusado é definida peta. comparação “do
ônus das precauções adequadas" (S) com "a possibilidade de urixasi1
dente" (P), multiplicada pela gravidade dos danos, tiyesse o acidente
ocorrido (i.) 21 Se o custo de evitar o acidente excede o dano esperado,
então a prevenção aumentaria os custos. O Teste de Hand apenas res­
ponsabiliza o acusado se for possível a prova de que a prevenção do
acidente seria a solução mais barata {ver 6 ox2), o que espelha bem a
exposição anterior sobre a economia da segurança).
O íe ste de Hand não é uma aberração judiciária. Eie incorpora as
principais considerações apresentadas nos tribunais ingleses e de ou­
tros países da Comunidade Britânica, e a maior parte dos manuais de di­
reito e coleções de casos para uso didático usa os frês fatores (risco, pre­
cauções e gravidade) com o fim de ordenar a discussão de casos judi­
ciais.22 A fórmula de Hand pode ser vista como um sumário conveniente
dos fatores relevantes para saber se o acusado faltou com o seu dever
de assumir razoáveis precauções com vista à segurança de outras pes­
soas. Para fins de ilustração, consideremos alguns dos casos judiciais
clássicos conhecidos períodos os estudantes ingleses de direito.
De acordo com o Teste de Hand, o acusado terá, com mais proba­
bilidade, faltado com sua obrigação de ser cauteloso se: os custos da

83
precaução forem baixos, os riscos de dano forem altos e a gravidade
dos danos decorrentes de um acidente for alta. É a interação desses
três fatores que {em importância para a decisão sobre a quebra ou nãp
daquela obrigação de se ter cautela. Conforme veremos, os três fatores
são knpoíiantes na prática do direito.
A probabilidade de dano (L) é fator relevante para saber se o risco
criado peio acusado é ou não razoável Na causa de "Fardon versus Har-
court-Rivingion’',23 o juiz Lord Dunedin disse, no seu pronunciamento,
que “ as pessoas devem resguardar-se de probabilidades razoáveis, mas
não são obrigadas a se resguardarem de probabilidades fantásticas” . ■
BOX 2

AP LIC A Ç Ã O ECONÔMICA D O TESTE D E HAND

Na ação ju dicial "Estados Unidos versus C anoll Towing Co.” ,


159F.2d 169 (2d.Cir.1947), houve o problema de saber se houve ne­
gligência po r parte da empresa Conners Company, proprietária de
uma barcaça, ao deixá-la sem os devidos cuidados durante diversas
horas numa baía de muito movimento. Sem a atenção de alguém, a
barcaça rompeu suas amarras e colidiu com outra embarcação. O
ju iz Learned Hand declarou ao tribunal (página 173):
"Não há regra geral para decidir-se sobre quando a ausência de
um barqueiro ou de atguém que o substitua tornará o dono da embar­
cação responsável por danos a outros barcos causados por quebra
das amarras ... Torna-se clara a razão da inexistência dessa regra
geral quando se consideram os fundamentos desse tipo de respon­
sabilidade. Já que em certas ocasiões qualquer em barcação se sol­
tará de sua atracação e, quando ela o faz, se transforma em ameaça
para as embarcações vizinhas, a obrigação do proprietário, como em
outras situações, de evitar danos contra terceiros é função de três va­
riáveis: 1. A probabilidade de o barco soltar-se; 2. A gravidade dos
danos causados, quando os houver; 3. O ônus das precauções ade­
quadas. Isso pode ser posto numa equação algébrica: sendò P a
probabilidade, L o dano e B o ônus dos cuidados, então a responsa­
bilidade depende de B ser menor que L multiplicada po r P: isto é, "se
B<P!__ Na questão em pauta, o barqueiro deixou o barco às 5 horas
da tarde do dia 3 de janeiro, e o barco se desam arrou ás 2 horas da
tarde do d/a seguinte, isto é, 21 horas depois. O barqueira esteve au­
sente todo esse tempo, e eu sustento que a história inventada por eie
constitui evidência positiva de que ele não tinha desculpa para sua
ausência. No iocal da ocorrência, especialmente durante os dias cur­
tos de janeiro e no meio da agitação das águas da m aré aita, as em ­
barcações são constantem ente sacudidas de um íado para o outro.
Certamente não estava {ora de uma expectativa razoávei, com a ine­
vitável agitação e alvoroço, que o trabalho do barqueiro não fosse fei­
to com o devido cuidado. Em tais circunstâncias, mantenho o ponto
de vista de que - e é tudo que mantenho - s e r ia ju sto exigir-se que a
Conners Com pany m antivesse um barqueiro a bordo (a m enos que
essa .empresa tivesse alguma desculpa para nâo fazê-lo) durante as
horas de trabalho do dia’’.
BOX 2

CONTINUAÇÃO

Pela redefinição dos dois termos da íórmuia de Hand, é fácil


deixar clara sua natureza econômica. B, o õnus da precaução, é o
custo de evitar o acidente; L, a perda causada pelo acidente, passa
a representar o custo do p róprio ácidénte. P'múltiplicado"'pòr L (P x L ) -
o cusío do acidente, se de fato ele ocorrer, multipíicado (ou "des­
contado” ) pela probabilidade dá ocorrência - répresefitá aquilo que
o economista chamaria de "custo esperado" do acidente. O custo
esperado é mais facilmente compreendido cojr.ç o custo médio que
será incorrido num pèrlódo de tempo suficientemente longo para
que c número previsto de acidentes coincida com o número de fato
observado.
Por exemplo, se a probabilidade de certo acidente acontecer.é
de 0,001 (1 em 1 000), e seu custo for de 1ÍJ.O00 libras, o custo espe­
rado do acidente é de 10 libras ($10.000 x 0,001); e isso equ;ya!e a
dizer que se observarmos a atividade què dá lugar a esse tipò de aci­
dente durante um período suficientemente longo, chegaremos a um
custo médio do acidente de $10. Suponhamos que a atividade cor­
responde a viagens de automóvel do ponto A para S. Se há 100.000
viagens, haverá 100 acidentes, contando que a nossa probabilidade
de 0,001 esteja correta. O custo total dos 100 acidentes será de $1
m ilhão ($10.000 x 100). O custo médio, què é simplesmente o custò
total ($1 miihão} dividido pelo número total de viagens (100.000),
sérs de $10. Issoé 'o mesmo que o custo espe/ado.

l: onte. fJ.A. Posner, TortLàw-C ases and Economic Analysis, Boston: tittle-
Grov/n, 19S2, p.1.

No caso "Boltofi versus Stone,24 um rebatedor de cricket siirou


uma bola por cima de uma cerca, atingindo alguém numa estrada próxi­
ma. Durante os 90 anos de prática desse esporte ninguém ainda havia
sido acidentado, e nos 30 anos antecedentes a bola fora atirada sobre
a cerca em apenas seis oportunidades. A Casa dos Lordes concluiu
que o acusado não devia ser responsabilizado porque a probabiiidade
de dane “ era muito pequena” . O juiz Lord Reid recorreu ao teste que
consistia em saber

"se o risco de dano a uma pessoa na estrada era íão pequeno


que um homem razoável..,, considerando o problema do pon­
to de vista da segurança, julgasse correto não tom ar providên­
cias que evitassem o perigo."

Em termos econômicos o risco de dano era muiio pequeno, de


modo que o prejuízo foi minimizado fortemente (o resultado de P x L era
muito baixo). Os fatos desse caso mostram também que e cerca já ti­
nha 29 pés de aüura, de modo que os custos de prevenir o acidente
tendiam a ser muito altos. Assim sendo, B é consideravelmente maior
do que P x l .
No caso “Haley versus London Electricity Board” ,25 os fatores da
equação de Hand foram mais amplamente usados. A acusada, a em­
presa de eletricidade de Londres, estava abrindo um buraco de rua e,
como precaução, deixou um obstáculo num dos lados da abertura, ao
interromper o trabaiho do dia. o queixoso, um cego que não tinha como
evitar um obstáculo comum, a não ser com a ajuda de uma bengala,
acabou tropeçando nele e ferindo a cabeça, de cujo acidente resultou
uma surdez. O acusado aiegou que a possibilidade de um cego passar
poraqueie locai naquele dia era pequena e, portanto, não seria razoá­
vel esperar-se que uma precaução adequada fosse tomaçia. Mas Lord
Reid não concordou com a alegação. Foi apresentada a evidência de
que, na data do acidente, 500 pessoas em Londres eram cegas. O ma­
gistrado a seguir considerou o custo das precauções adequadas na­
quele caso. Lâmpadas-aviso, por exemplo, não se justificavam em face
dos riscos. Mas ele continuou:

“Um momento de reflexão... nos mostra que um obstáculo bai­


xo colocado num lugar inusitado constitui grave perigo; por ou­
tro lado, é claro que uma cerca muito leva de uns dois pés de
altura é um ayiso adequado. Não haveria dificuldade em provi-
denciar-se esse tipo de cuidado."

(A razão pela quaí isso não foi feito pela empresa de eletricidade
foi o aíraso com que a cerca foi entregue).
O padrão de cautela esperado de parie do acusado se torna mais
exigente em função da magnitude do dano. No caso “ Paris versus
Stepney Borough C oundl",26 um homem qus dispunha apenas de um
olho ficou totalmente cego quando um fragmento de meta! atingiu seu
único olho bom. O queixoso alegou que seu empregador fora negiigen-

87
te, pois deixar^ de equípá-Jo corn ócuios especiais, embora rtão fossem
eles usualmente oferecidos aos empregados. O tribunal decidiu que,
embora não houvesse negligência no caso de empregados de visão
normal, nesse caso ela existiu porque as conseqüências foram mais
sérias. No voto de Lord Morton, ele sustentou que "quanto mais sérios
são os danos decorrentes de um acidente, maiores devem s e r as pre­
cauções a serem tomadas pelos empregadores". Ele tornou claro que a
componente do lado direito do Tesíe de Hand ( P x L ) é relevante:

"Considerando-se de maneira gera! as precauções que o em­


pregador deve tomar para proteger seus trabalhadores, a meu
' juízo seria correto levar em conia ambos os fatores, a proba­
bilidade do evento ter lugar e a gravidade das suas conse­
qüências.”

O custo da redução do risco é explicitamente mencionado em ou­


tros casos, como ocorreu, por exemplo, em "Watt versus Hertfordshire
Country Councii’’,27 quando o juiz Lord Denning declarou que, na ava­
liação da necessária cautela, deve-se comparar o risco com as medi­
das necessárias para eiiminá-lo. Se os .custos da precaução são míni­
m os,.a responsabilidade deveria existir. No caso australiano "Mercer
versus Com m issionerfor Road Transport and Tramways” ,20 o condutor
de um bonde desmaiou quando dirigia o veículo e, a despeito dos esfor-
ços do ajudante pâfá imobilizar o veículo cóm o freio de mão; houve
ama colisão. O queixoso alegou que se o veiculo fosse equipado com
um dispositivo especial, que o freia automaticamente, o acidente pode­
ria ter sido evitado. O tribunal decidiu que os custos, no caso, seriam
grandes demais, comparativamente ao risco envolvido.
Algumas vezes os tribunais aceitam desculpara conduía do acu­
sado, se essa conduta possuir uma alta "utilidade social". No caso "Da-
bom versus Bath Trarnways Motor Co. Ltd. and T. Smithey” 29 o quei­
xoso estava dirigindo uma ambulância com direção do lado esquerdo.
O queixoso fez um sina!, mas colidiu com um ônibus. Vários aspectos
foram debatidos. Argumentou-se que:"o motorista desse tipo de carro
deveria, antes de fazer uma curva, parar seu veículo, mudar-se para o
assento do lado direito e olhar para trás, a fim de certificar-se de que
não havia outro carro tentando ultrapassá-lo; apenas em seguida pode­
ria continuar sua viagem”. O juiz Lord Asquith estava consciente de que
esse procedimento implicaria algum atraso, e de que poderia ser inefj-
caz. O tribunal levou em conta ouírp custo: era um período de emergên­
cia nacional, que exigia a utilização de todos os meios de irànsporte.Ò
risco poderia te r sido evitado se fosse proibido o uso de veículos, com a
direção colocada á esquerda do motorista. Mas o juiz observou que
esse custo deveria ser comparado ao benefício da redução do risco.
O caso relatado ilustra a aplicação do conceito de custo de oportu­
nidade: o custo da proibição de veículos com direção è esquerda repre­
sentava os benefícios sociais perdidos. E o custo de riso usar aqueje
tipo de ambulância (B na equação de Hand) devia ser comparado à re­
dução das perdas (totais) esperadas e decorrentes da utilização daque­
le tipo de ambulância.

O modelo econômico formal de neglicência

O Teste de Hand não representa com inteira fidelidade a econo­


mia ds negligência e nem a maneira como os tribunais decidem os ca­
sos de riegligência. O problema da precaução ou cautela não é uma
situação do tipo liga-desliga. É um continuum de mais ou m enos cui­
dado ou ações que poderiam evitar acidentes. Tal como enunciada,
deu a impressão de que uma precaução maior teria evitado completa­
mente a perda da vítima. Embora isso possa ser verdade em alguns
casos, geralmente não é. De um ponto de vista econômico, a precau­
ção óíima é definida como uma situação na qual 1 iibra gasta em se­
gurança dim inui a perda esperada em 1 libra, isto é, a perda ocorrida,
descontada pela redução da possibilidade de o acidente ocorrer (pon­
to C * da Figura 2). Em outras palavras, as comparações são feiías na
base do custo marginai ou incrementai, e não dos custos totais e das
perdas esperadas.

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FIGURA 2
A J A N E IR A COMO O ECONOMISTA VÊ A NEGLIGÊNCIA
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esteja situada numa curva muito fechada da estrada, de modo que os
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í i" ‘ visitantes devem fazer um ângulo agudo para alcançar a entrada da
t 'i .l casa. Suponhamos, ainda, que o risco de dano é de.1 em 10, e que o
m
? I 1;- prejuízo para.os veículos é em média de 100 libras. Se eu mudar de lu­
■ :iíí: gar um dos mourões da cerca, posso reduzir a possibilidade do risco de
minhas visitas danificarem seus carros de 1 em 10 para 1 em 20. isso
Vi me custaria apenas 2 libras, o custo da remoção do mourão. Deveria eu
mudá-!o? E. não fazendo, deveria eu ser tido como negligente? A fes-
posta s “sim". Custa-me a quantia de 2 libras para mudar o mourão,
'-V i -• mas isso pouparia às minhas visitas 5% de 100 libras = 5 libras. Dessa
■M’: í :{
maneira, para saber se o queixoso foi negiigente é necessário compa­
rar os custos das ações que poderiam íer sido tomadas com a redução
dos riscos que eias ensejariam, isto é, a comparação é entre o custo
m argina! do maior cuidado com a redução margina! das perdas previs­
tas. Se os custos da segurança forem menores do que as perdas mar­
' I*'A ginais esperadas, o cuidado maior se apresenta como economicamen­
te eficiente, e o acusado deveria ser responsabilizado (na Figura 2, a
precaução é menor do que C*). Se a próxima unidade da precaução
custar 2 libras, mas poupar apenas 1 libra de perdas, então precauções
excessivas foram tomadas e não se justifica a indenização das perdas.
Ma prática, os tribunais decidem os casos de negligência dessa
maneira, se bem que menos formal e rigorosamente. Embora os juizes
façam escolhas binárias (culpado/inocente), os fundamentos das deci­
sões judiciais são incrementais. O estilo dialético do julgamento, no di­
reito consuetudinário, força advogado e juiz a pensarem não em termos
de absolutos, mas de variações incrementais. O juiz decide se o acusa­
do agiu ou não de forma irrazoável. Mas isso mascara a maneira como
os tribunais determinam a fraude e como os advogados apresentam os
casos de seus clientes. Para identificar a fraude, o queixoso deve per­
suadir o ju iz de que, na avaliação de probabilidade, o acusado não agiu
com razoável cautela. O queixoso relacionará as ações que, se tives-
sem sido tomadas pelo acusado, teriam evitado o acidente. O acusado,
por sua vez, procurará contrapor as razões pelas quais as medidas de
precaução sugeridas pelo queixoso não diminuiriam o risco eu, então,,
seriam impraticáveis, caras demais ou inrazoáveis. A base da decisão
do juiz e a maneira como ele chega à sua decisão são muito parecidas
com o modo pelo quaf um economista resolveria o problemas, As cor­
tes, de fato, envolvem numa análise de “ custo-benefício". Conforme
Posner recentemente enfatizou, a análise de custo-benefício “pelo me­
nos descreve o processo de julgamento" dos tribunais nos casos de
responsabilidade civil extracontratua}.30
Uma boa apiícação da análise de custo marginai pode ser encon­
trada no caso “Latimer versus AEC Ltd." A fábrica do acusado tinha
sido inundada durante um forte e incomum temporal, e boa quantidade
de água e óieo se acumulou no chão da fábrica. Foi espalhada serra­
gem no chão, mas em quantidade insuficiente, em face da grande
quantidade de água. O tribunal decidiu que havia serragem suficiente
para enfrentar qualquer situação previsível. O queixoso, que trabalhava
no tum c da noite, machucou-se ao escorregar numa poça de água e
óieo, quando tentava levar um barril para uma carreta, de cujo acidente
resultou uma fratura de perna. Esse exempio mostra bem que o tribunal
íeva em conta os custos adicionais da precaução, comparando-os com
a redução incrementai dos riscos. O problema do tribunal consistia em
saber se "um empregador razoavelmente prudente teria fechado a fá­
brica, em lugar de permitir que seus empregados corressem o risco de
coniinuartrabalhando". O juiz Tucker decidiu que o perigo não era sufi­
ciente para o fechamento da fábrica. Erri termos econômicos, o juiz es­
lava comparando os custos adicionais do fechamento com a redução
incrementai do risco de os empregados sofrerem acidentes. Em termos
da Figura 2, o tribuna! achou que o empregado estava no ponto C * (o
nível economicamente eficiente de cuidado). Exigir o fechamento da fá-,
brica (nível de precaução C1) significaria impor um custo ao emprega­
dor que não seria totalmente compensado pelo ganho a ser auferido
peios trabalhadores (o excesso de cusío é represeníado pela área es­
curecida da Figura 2).

NOTAS

1- Essas três categorias foram tiradas do trabalho de KLEVORICK, A. Law and


Econom ic Theoiy: An E conom isfs View, reeditado em OGUS, VELJANÒVSKI,
op.cit., p.31-37.
2- O recente White Paper sobre práticas restritivas afirma; "O conceito de
“mercado reJevante” para um produto ou serviço será definido peia anáiíse
econôm ica” . Deparfment of Trade & tndustry. Opening Markaís: Wew Policy on
Resbidive Trade Pradices. 1989, (Cm 727) para. 2.12.
3- KEM P & KEMP. The Quantum o f Damagós. London: Sweet & Maxwell,
1988. . ■'
A- COOKSON v. KNOWLES (1979), A.C. 556 (H .L). ■ '
5- KEMP, O. The Assessm ent o f Dam ages for Future Pecuniary Loss in
Personsl Injury Claims. Civil Justiça Quarteríy, p.120-32.1984.
6 - [1971] 2 A li E. R. 1205, C .A
7- PAR KM AM, A.M. The Multiplier in English Fatal Accident Cases: W hat
Happens WJien Judges Teach Economics?. International Review o f Law and
Economics, v. 5, p.187-97.1985.
8 - Esta pa ris se baseia no artigo de VELJANÒVSKI, C.C. The Econom ics o f
Crim inal Law and Procedure, Coexistence, V. 23, p.137-53.1985.
9 - 8EC KER, G.S. Crime and Punishm ent An Economic Approach. Journal of
Poliiical Economy, v.76, p.167-217. 1968.
10 - EHRLICH, l. Participatjon in Hlegitimate Adrvities: A Theoretiçal and
Em piricai Investigation. Journal ofPoliticat Economy, v. 81, p.5 21-6 4.1973.
1 1 -PYLE, D.J. The Economics of Criminal Law and Law Enforcament. London:
Macmillan, 1SS3.
12- PYLE, D.J. An Economic Model ofRecorded Property Crimes in Engiand
and Wales. Thesis. University o f Leicester, 1S84; P Y IE , D.J. The Econom ics .0/
Crime in Brita in, Economic Affairs, v. 3, n. 2, p.6-9. Dec. AJan. 1988-1989, '
13-SALD W IN , J., McCONVILLE, M,. Negotiated Justice : Pressure to Plead
Guilty, London: Martin Robertson, 1977.
14- LANDES, W .M . An Econom ic Analysis o f the Courts. Journal of Law &
Economics, v. 14, p.61-108. 1970.; ADELSTEIN, R.P. The P!ea Bargain in
Engiand and America: A Comparative institutíonal View. In: BURROWS,
P..VELJANOVSKI, C.G. (eds.). The Economic Approach to Law. London:
Butterworth, 1981. Chap.10.
1 5 - W ILLIAMS, G. Questioning by Police: Some Practical Considerations.
Crimina! L aw Review, p.3 25-4 6.1360.
16- BALDWiN, McCONVILLE. op.cit.
17- SIMPSON, B. The Common Law and Legal Theory. In: TWINING, W . (ed.).
Legal Theory and Common Law. Oxford: Basil Blackweli, 1986. p.17.
18- Sobre o assunto, ver VELJANOVSKI, C.G. Legal Theory: Econom ic
Analysis and the Law o f Torts. ln:TWINING. ibid., Chap.12.
19- Para uma síntese da literatura recente sobre o assunto, verS H A V E LL, S.
Economic Analysis o f Accident Law. Cambridge: Harvard University Press,
1987; LANDES, W.M., POSNER, R. A The Economic Structure o f Tort Law.
Cambridge: Harvard University Press, 1987.
20* DONOGHUE v. STEVENSON (1932), Â.C. 562, p.58.
21- UNITED STATES v. CAR RO LLTO W ING Co., 159 F. 2d. 18 9 ,1 7 3 (2d Cir.),
1947.
22- Manifestações desse mesmo tipo sobre quebra do dever podem ser
encontradas nas ações judiciais - MACKINTOSH v. MACKINTOSH 2 M.
1357 (1864); RYAN v. R FISHER (1976) ALJR 125; MORRIS v. W EST
HARTLEPOOL STEAM NAVÍGATION Co. (1956} HL 574/5. Há vários casos e
textos sobre as principais jurisdições do direito consuetudinário, todas eias
girando ao redor da fórmula de Hand: HÊPPLE, S., MATTHEWS, M. Tort:
Cases and Materiais. 2nd edn. London: Butterworth, 1980. Chap.4; POSNER,
R.A. Tort Law: Cases and Economic Analysis. Boston: Little Brown, 1984.;
LINDEN. Canadían Tort Law, Toronto: Caswell, 1977. p,80-90.; LUNTZ, H. et
aí. Torts: Cases and Commentary. Sydney: Law Book Co., 1980. Chap.3.
23- [1932] 14S LT. 391.
24-[1951]1 Ali ER 1073.
2 5 -[1 9 6 4 ] 3 A!l ER 185.
26-[1951] 1 Al! ER 42.
27- [1954] 2 Ail ER 368, 371.
28- [1937] 56 CLR 580. '.
2 9 -[1 9 4 6 ]2 A !l ER 333 (CA).
30- POSNER, R.À. W ealth Màximisation and Judicia! Decision-Making
International Review o f Law and Economics, v. 131, p. 134,1984.
REGULAMENTAÇÃO

Lamentavelmente, o estudo da regulamentação tem sido n e g lig e n ­


ciado pelos economistas do Reino Unido. Todas às teorias ’e a maior
parte do trabalho empírico têm sido importados dos EU A ; e parte do
pensamento críiico sobre a concepção dos quadros de referência regu-
laíóríos tem surgido da “pesquisa privatizada", isto é, do trabalho de
economistas contratados como consultores pelo governo ou empresas.
A inovação ocorre apenas no campo da política econômica, mas com a
pesquisa indo a reboque de medidas a serem tomadas pelo governo e
que requerem estudo pré™ . Meiíior seria um estudo mais sistemático,
que resultasse num referencial básico mais genérico que orientaria as
propostas governamentais. A regulamentação está-se expandindo ra­
pidamente no Reino Unido. Durante a gestão de lyjargareih Thatcher,
as reformas de sua iniciativa levaram ao uso crescente da regulamen­
tação como técnica de controle legal,1 regulamentação essa adminis­
trada por instituições públicas semi-autônomas. A regulamentação as­
sume a forma de lei, regulamentos e outros instrumentos administrati­
vos como ordens ministeriais, avisos, licenciamento e decisões, aiém
ds um conjunto de atividades executivas.
Os economistas britânicos têm-se mostrado confusos diante da re­
gulamentação, chegando mesmo a uma certa esquizofrenia: a reguia-
mentação é boa em teoria, mas na prática resuita em perplexidade e
ineficiência, uma ineficiência que não é explicada peia teoria da "faiha
de mercado" da boa regulamentação.
Esta parte do livro dá uma visão meio pálida da regulamentação.
Ela mosíra que a regulamentação invariavelmente consegue resuíta-
dos modestos e a altos custos, isso se deve ao fato de ela ser freqüen­
temente concebida não para buscar eficiência, e sim para favorecer
certos setores empresariais ou grupos políticos influentes.

MODELOS DE REGULAM ENTAÇÃO

Um estudo recente sobre a reforma da regulamentação na Grã-


Bretanha, elaborado por dois economistas, chega à seguinte çonctu-
são:

"A primeira fundamentação racional da regulamentação é re­


mediar vários tipos de falhas de mercado. "2

O estudo menciona três falhas de mercado: externalidades, poder


de,mercado e informação inadequada. Os autores dizem que:

“© padrão normal se liga à idéia de que a falha de mercado ofe­


rece a justiftêáíiva para a regulamentação, mas o seu escopo
acaba estendendo-se para abranger uma ampla gama de as­
suntos que constituem objeto de interesses gerais ou setoriais,
independentemente de haver ou não faiha de mercado."3

O mencionado estudo é interessante por vários motivos. Primeiro,


não oferece evidência de que a falha de mercado é ou tenha sido a razão
predominante da regulamentação existente. Segundo, apóia-se numa li­
mitada literatura sobre o assunto para fundamentar o seu argumento e
“explicar" a regulamentação. Por exemplo, os autores deixam de citar o
importante trabalho de dois laureados peio Prêmio Nobel, George Sti-
g ie r^e James Buchanan.quedesenvoiveramumateoria econômica que
se choca com a aiegação de que a falha de mercado é a primeira e mais
importante razão de ser da regulamentação. A teoria de Stigler, tratada
rapidamente no Capítulo II deste livro, sugere que a regulamentação é
motivada e alimentada por interesses desde o seu nascedouro; o favore-
cimento não se dá, portanto, como um resultado posterior não intencio­
nal. Terceiro, e finalmente, os poucos economistas que têm estudado a
regulamentação concordariam com as conclusões do estudo aqui men­
cionado. O saüíores desse estudo deixam de registrar o consenso emer­
gente entre os economistas norte-americanos dos dois principais parti­
dos políticos, na década de 70, de que a regulamentação tem em geral
"fracassado” . Consideremos a avaliação da experiência norte-america­
na, feita por dois respeitáveis especialistas no assunto. O professor Ro-
ger Nolí, da Universidade de Stanford, diz o seguinte:

“No início dos anos 70, a grande maioria dos economistas ha­
via chegado a um consenso sobre dois pontos. Primeiro, a re­
gulamentação econômica não teve êxito na proteção dos con­
sumidores contra os monopólios e, na realidade, freqüente­
mente serviu para criá-los no seio de setores empresariais po­
tencialmente competitivos ou, então, para proteger monopó­
lios contra a entrada de novas empresas que poderiam ser
uma ameaça para eles. Segundo, nas situações em que as fa­
lhas eram de importância duradoura (por exemplo, proteção
ambiental), a tradicionai regulamentação que estabelece pa­
drões reveiou-se geralmente um remédio muito menos eficaz
do que o próprio mercado e os incentivos (como são os impos­
tos sobre a emissão de poluentes ou as licenças para nego­
ciar emissões poíuidoras)."5

Por sua vez, o professor George Síigler conclui:

"A função m ais importante, tradicionalmente atribuída pelos


economistas à regulamentação púbiica, era a de corrigir as fa­
lhas de mercado (os efeitos do comportamento de um agente
econômico sobre os demais), mas de faio o papei mais impor­
tante da regulamentação é o de redistribuir a renda."®

FALHAS REGULATÓR1AS

A regulamentação tem uma fama triste devido às forças do merca­


do político e à escoiha de técnicas inadequadas.
Poder-se-ia supor que a administração Thatcher adotou um pro­
grama de regulamentação racional, do ponto de vista econômico. Os
documentos oficiais da época mostram muita preocupação com a ne­
cessidade de evitar-se o excesso do assim chamado “estilo da regula­
mentação norte-americana", uma regulamentação iitigiosa do tipo cosí-
plus, que onera demasiadamente os produtores e os consumidores. O
estilo ingiêâ, em contraste, se baseia na racionalidade econômica, na
simpiicítíadê e no generalizado pragmatismo característico da mentali­
dade inglesa, que evita os excessos de outros governos. Mesmo assim,
essa descrição constitui mera maneira civiiizada de dizer que o proces­
so se baseia numa prática adhoc, é carente de uma estratégia coeren­
te e tem sido muitas vezes guiado por considerações de curto prazo e
conveniência administrativa.
Não é preciso ir às complexidades da anáiise econômica para co­
lher exemplos significativos do fracasso da regulamentação. Vejam os a
pequena lista que se segue, de casos dos anos 80, e que são o produto
de um governo comprometido com a reforma da regulamentação e com
o racionalismo econômico:

1. Tem havido uma grande confusão a respeito das novas leis de


proteção ao investidor. O SIB - Securities and Investment Board (Junta
de Títulos e Investimentos), a principal agência regulamentadora, ado­
tou uma postura legaüstica, inflexível e incoerente no desempenho de
suas responsabilidades, gerando uma crise na ‘'City’' e em ‘WhitehaN",
a demissão do seu presidente, uma revisão do manual de regras do
SIB e a revogação de secções importantes da nova Lei de Serviços Fi­
nanceiros, em 1988. O presidente anterior do SIB, Sir Kennath Berrill,
freqüentem ente alegava que a nova iegislação sobre proteção do in­
vestidor protegeria o pequeno investidor comum. Mas nunca houve evi­
dência de que isso ocorresse, e tampouco houve a disposição por parte
dos 2gentes reguladores para examinar criticamente as técnicas de in­
tervenção e avaliar sua eficácia,7

2. O csso Barlow Clowes, que deu início à preocupação governa­


mental a respeito da adequação das leis de proteção ao investidor, de­
monstrou que as burocracias podem s e r ineficientes. Em 1989, o gover­
no fe z um pagamento ex grada de 100 milhões de libras a pessoas que
investiram em Barrow Clowes, após a denúncia do Ombudsman de que
h a v ia “má administração significativa” no Departamento de Comércio e
Indústria.6 A incapacidade desse departamento em lidar com outras irre­

98
gularidades reguiatórias tomou-se agora de conhecimento púbiico.

3. Uma instituição de investimentos, a MacDonald Wheeler, era


uma empresa autorizada pela agência regulamentadora. Era, de fato,
dirigida por uma pessoa que falira duas vezes e fugira com o dinheiro
dos clientes. Os investidores foram iludidos pelo falso sentido de segu­
rança que ihes passara o nome da empresa que, além da razão sociai,
indicava ser oficialmente autorizada. A confiança na regulamentação
não é garantia de que o investidorserá protegido de atos irregulares. A
agência reguladora està sendo agora processada por negligência.

4. Leis de 1982, 1983 e 1936, sobre os setores de combustíveis,


gás e energia e que disciplinaram as atividades das empresas de trans­
porte, permitem o uso do sistema de transmissão seja da British Gas,
seja da agora extinta CEGB (Central Electricity Generating Board). Es­
sas normas legais não estimularam a competição, porque deixaram de
criar adequadas salvaguardas contra os abusos monopolísticos da Bri­
tish Gas e da CEGB.9

5. A ISA - Independent Broadcasting Authority, que regulaméntao


rádio e a televisão comerciais no Reino Unido, tem a obrigação estatu­
tária de controlar as finanças do contratante da independent Television
(ITV), um canal comercial de televisão, para evitar gastos excessivos
que reduzam seus lucros e, portanto, a receita proveniente do imposto
incidente que pertence ao Tesouro nacional. O IBA nunca registrou
gastos excessivos. Mesmo assim, o Relatório Peacock10 chamou a
atenção para esse aspecto do monopólio de anúncios comerciais das
empresas daquele grupo privado, e a ITV agora reconhece que os cus­
tos vêm crescendo através dos anos, chegando a um nível inaceitável.
Por sua vez, o Pubíic Accounts Committee mostrou sua preocupação
com o fato de os órgãos oficiais "não disporem de meios confiáveis de
avaliar... a eficiência do programa dos contratantes....".11 Em resumo,
tanto o governo como a burocracia encarregada de administrar os regu­
lamentos fracassaram nos seus deveres estatutários. Uma empresa
privada que deixasse de auditarsuas contas de maneira apropriada se­
ria denunciada e objeto de ação criminal peios seus acionistas. O con­
tribuinte, porém, não dispõe desses remédios.
Acabam os de ver aíguns exemplos de falhas da regulamentação.
A principal razão da existência dessas falhas é a inadequação da regu­
lamentação e dos incentivos das pessoas encarregadas de administrar,
e fiscalizar o cumprimento das normas vigentes.

Salário mínimo - técnica inadequada

A análise que anteriormente fizemos da legislação sobre habitação


nos deu um exemplo dos efeitos adversos da lei. Considere o leitor agora
o caso da lei trabalhista, que é geralmente apresentada como um meio
de melhorar o bem -esíardos trabalhadores e garantirsua segurança; Ao
interferir nos preços de mercado, essa legislação compromete a utiliza­
ção dos recursos, acabando por criar malefícios para os próprios traba-
lhadores.qi.ie ela procura ajudar. Poder-se-ia alegar, como fazem Kay e
Vickers, que se trata de um lamentável sub-produto que não fora previs­
to. Mas isso significa ir longe demais, pois essa posição corresponde-a
aceitar que a persistência da regulamentação ineficiente é o resultado de
equívocos não corrigidos, ignorância e erros. Conforme observação do
" jv
professor Siigler, se essa é a abordagem do economista s regulamenta­
;'V£
ção, então uma “teoria dos erros” se faz necessária para poder-se te r a I^
gum entendimento acerca do processo regulatório.
Consideremos os efeitos da lei do salário mínimo. Na base dessa
lei está a crença de que, ao terem seus salários aumentados, os traba­
lhadores que recebem salários mais baixos seriam benefÍciados; A Co­
missão Européia, nas propostas que fez para a elaboração de lim a
“Carta Social” sugere que os salários'sejam elevados a um “nível de­
cente". O efeito imediato desse tipo de proposta é o aumento da quan­
tia embolsada pelos trabalhadores beneficiados peia medida. Mas
ocorre que aumentam também a folha de pagamentos e o preço da
mão-de-obra. As forças da oferta e da procura reagirão em face do au­
mento do custo do trabalho menos qualificado. Os empregadores, por
sua vez, concluirão que com mão-de-obra mais cara os seuâ produtos
se tornam menos competitivos, ou mesmo não-competitivos comparati­
vamente a produtos substitutos importados ou menos intensivos no uso
do fator trabalho. Esses empregadores tratarão de despedir os empre­
gados menos produtivos e de não contratar trahalhadores menos quali­
ficados. O desemprego tenderá a aumentar.12 Além disso, se o cusío
do trabalho continuar acima do niveI que seria estabelecido pelo mer­
cado, os empregadores começarão a substituir o fator trabalho peio fa­
to r capitsl e, onde isso não puder ser feito, os preços subirão e a produ­
ção diminuirá. O saldo líquido dessa legislação consistirá em desem-
2 SS £ E Se sftiJL

prego maior, produção menor e preços mais elevados para os produtos


dos setores afelados pela legislação.
Esses efeitos não serão disseminados de maneira uniforme;entre
as firmas, setores e regiões. As empresas que usam trabalho, ^arato. e
elaboram prodíiíos que consomem relativamente uma quantidade
m aior de mão-de-obra sofrerão mais. As regiões que têm um grande
número de empresas cujos produtos são intensivos em trabalho e se
baseiam em mão-de-obra menos qualificada sofrerão mais do que as
outras. Os trabalhadores itinerantes, inconstantes ou casuais terão
mais dificuldade em achar emprego suficientemente atraente. .
isso iudo produzirá resultados redistributivos significativos. A legis-
íação efeva os custos de algumas firmas e alguns setores comparativa­
mente a outros setores e empresas, co!ocando-os em condições de
desvantagem-competitiva e causando mudanças importantes nos ní­
veis de emprego e produção. Haverá, então, ganhadores e perdedores
em conseqüência da implantação do salário mínimo, além dos traba­
lhadores inicialmente afetados. No caso particular da Comunidade Eu­
ropéia, a Carta Social previsivelmente afetará negativamente os esta-
dos-membros do sul e positivamente os do norte, que já são economias
de aíto n/vel salarial.
Se a regulamentação produz esses efeitos previsíveis decorrentes
da elevação dos custos dos competidores, eis aqui uma teoria da regu­
lamentação. Conforme diz Stingler, a regulamentação se enquadra
num padrão lógico, se examinarmos de perto quem são os ganhadores
e perdedores, em lugar de identificarmos a regulamentação apenas
como um remédio para as falhas de mercado.

Os regulamentos de segurança como barreira à competição

A legislação sobre segurança industriai cabe dentro daqueie padrão


fógico. A abordagem que se baseia nas falhas de mercado ieva à inter­
pretação da regulamentação sobre segurança industria! como maneira
de enfrentar a incapacidade do mercado de trabalho em prover graus
adequados de segurança no trabalho. Ocorre, porém, que a pesquisa
empírica não identifica quaiquer melhoria considerável na segurança
que possa ser atribuída às ieis que lhe dizem respeito, mas sim identifica
a eievação substanciai de custos que essas mesmas normas causam.
Uma explicação parciai se encontra nos efeitos redistributivos criados
por leis como essa, que incide sobre a segurança no trabalho. Essas nor-

im
mas, em geraí, impõem padrões técnicos e Jegalísticos aos empregado­
res e dão ênfase m aior ao aumenío dos ingredientes da segurança do
que ao objetivo da prevenção de acidentes. Por exemplo, elas exigem
que o empregador faça gastos em capital na compra de máquinas com
proteção, etc. Isso eleva o custo do capital, deixando o trabalho relativa­
mente isento de normas, a despeito do fato de haver estudos mostrando
que a maior parte dos acidentes resulta da faita de cuidados porparte do
empregado ou do empregador ou, ainda, da omissão conjunta de am­
bos. Como conseqüência, o fator trabalho acaba beneficiado, pois as
normas legais de segurança incidem sobre o capital, deixando a mão-
de-obra relativamente isenta de regulamentação.
Mas a legislação sobre a segurança no trabalho tem outras con­
seqüências indiretas. Se ela é rigorosa e é implantada com eficácia,
ela eleva os custos da empresa e torna a entrada no seior mais difícil
para as fsrmas m enores. Se as empresas têm custos diferentes pára
. adotar as imposições legais, seja em decorrência do seu tamanho,
seja por causa de sua localização, então a regulamentação terá um
impacto mais forte sobre algumas empresas do que sobre ouíras. Al­
guns trabalhos empíricos confirmam essa idéia. O esiudo feito por
Bartel e ThomaSj13 sobre a regulamentação da segurança ambiental e
no trabalho, nos EUA, concluiu que essas normas tiveram o efeito de
aumentar os lucros nos setores que tinham elevada proporção de
^ seus trabalhadores em firmas grandes e o de diminuí-los nos setores
'co m um grande número dé empresas pequenas: Isso vai ao encontro
das previsões fsitas anteriormente a propósito das propostas da Co­
missão Européia a favor de um “salário decente". Acaba-se conce­
dendo uma vs-ntagem competitiva a algumas empresas, quando se
impõe um custo mais alio a outras. Em resumo, a regulamentação au­
menta os obstáculos à entrada no mercado e reduz a competição.

A ECONOMIA DAS NORMAS LEGAIS

As técnicas legaiisticas empregadas na elaboração das normas re­


guladoras são a causa principal do efeito dos regulamentos, ou de boa
parte deles. Examinarei resumidamente agora: a) a maneira como a
economia pode ajudar na concepção de regras legais que levam em
cohta custos e incsntivos; b) porque os padrões legalísticos aumentam
custos, mas não melhoram necessariamente o bem-estar daqueles que
as normas supostamente protegeriam.
Os regulamentos que pretendam ser eficazes devem ser elabora­
dos de forma a levar na devida conta os custos e as reações adaptati-
vas daqueles que são os seus objetos. O governo da senhora Thatcher
tentou, sob essa orieniação, implaniar o sistema de Avaliação do Custo
de Cumprimento [das normas], que obriga os órgãos governamentais a
identificar os custos de cada regulamentação. Mas não teve sucesso,
pois faltaram apoio político e uma visão coerente das meias a serem
atingidas. Faltou coerência aos órgãos oficiais em avaliar adequada­
mente os custos dos regulamentos ou no uso de técnicas de custo-be-
neficio para a escolha das normas mais efetivas. Na realidade, a eco­
nomia foi usada de maneira degradada para justificar os regulamentos
legaifsíicos de cada departamento governamental.
A eficiência de qualquer sistema de normas legais exige o balan­
ceamento de três dos custos principais:

• os custos da concepção e da implantação dos padrões legais (os


custos da produção das normas);
. os custos de fazer com que os padrões sejam obetfecidos;
■ os custos que as normas impõem às atividades regulamentadas.

Um sistema “ eficiente" de cumprimento das normas é aquele que


minimiza a soma dos três custos, recém-mencionatios, mais as perdas
sociais criadas pela regulamentação.14

Sub e superinclusão

Na prática, as leis não são eficazes quanto a seu custo, no sentido


que acabamos de mencionar. Especificamente falando, a lei pode ser
sub ou superindusiva. Pode sersubinclusiva porque muitas atividades
e práticas sociais indesejáveis não são regulamentadas. As atividades
que são objeto de regulamentação são freqüentemente sujeitas às leis
superinclusívas, que eviíam ou impedem atividades consideradas so­
cialmente indesejáveis, feis essas que estabelecem padrões rigorosos
demais, levando a práticas excessivamente caras ou ineficazes. Diz-se
que um regulamento é superinclusiyo quando as perdas marginais so­
ciais ou externas derivadas de seu cumprimento são menores do que a
soma dos custos da obediência aos padrões normativos e dos custos
de administrá-los.

im
Um exemplo pode ilustrar essa idéia. No Reino Unido, o limite de
velocidade na área urbana é de 30 milhas por hora. Em geral, essa nor­
ma é uma medida expedita para assegurar adequada segurança nas
rodovias. Mas pode não ser em algumas situações. O pai de família
que está levando sua esposa, prestes a ser mãe, a uma maternidade
pode exagerar a velocidade do carro. Um policial que detecte o exces­
so de velocidade poderá obrigar o motorista a parar. O bom senso nos
diz que o cumprimento rigoroso da lei, nesse caso, fará mais dano do
que bem; nesse caso a lei seria superinclusiva. Considere-se outro
exemplo: os sindicatos podem ameaçar as empresas empregadoras
com as chamadas “operação-padrão", as quais levam os empregados
a exagerarem no cumprimento das normas e procedimentos vigentes,
isso é visto como uma ameaça capaz de paralisar asatividades de uma
empresa.
Deixando de lado por um momento o argumento levantado acima,
de que as regras podem não ter a intenção de atingira eficiência, algum
grau de superinclusão inevitavelmente decorrerá dos fatores de custo e
informação, tornando impossível conceber-se o tipo de intervenção'
m ais efetivo. Para um regulamento ser efetivo quanto a seu custo, a
instituição que estabelece os padrões (seja o Parlamento ou um órgão
- governamental) deve contar com considerável quantidade de informa­
ções á respeito das condições tecnológicas e econômicas sobre a dimi­
nuição e o grau das perdas ímputáveis aos riscos. Os custos de obter e
\ processar essas informações tenderão a adequar os padrões a serem
estabelecidos ao método do menor custo. Tais custos das informações
e da implementação tenderão a crescer em função da complexidade,
diversidade e/ou extensão da atividade que será objeto da regulamen­
tação. Além disso, os encarregados da regulamentação consultarão as
partes interessadas, como sindicatos, o que gera outro grupo de custos
(da negociação e das entrevistas) e provoca atrasos na decretação do
regulamento.
A combinsção desses fatores teva a uma estrutura regulamentar
que, muitas vezes, não está à altura dos padrões de custos que se es­
peram das medidas que pretendam atingir ;os seus fins. Muitas infra­
ções legais serão de caráter técnico, pouco tendo a ver com o estímulo
ao comportamento desejável ou, então, conseguirão seus objetivos
apenas a custos desproporcionais. Surge assim o problema da superin­
clusão, que tenderá a agravar-se no tempo, especialmente quando as
mudanças tecnológicas e econômicas são rápidas. Conforme declarou
o Relatório Robens, “a obsolescência é uma doença crõn/ca dos regu­
lamentos sobre segurança” .15 ' -

Os efeitos da superíndusSo

É especialmente devido à superinctusão que os métodos legalísti-


cos de regulamentação são escolhidos. Eles regulamentam de manei­
ra a procurar atingir certos fins, mas acabam na prática favorecendo
alguns à custa de outros.
Conforme mencionado anles, muito da iegislação sobre segurança
industriai dá ênfase ã segurança, e nâo aos acidentes. Os empregado­
res são obrigados a dotar de grades protetoras as máquinas ou, então,
a submeter-se a certos procedimentos de segurança, sob a ameaça de
processo criminai. Tais medidas controlam mais os ingredientes da se­
gurança do que penalizam os acidentes. O professor Robert Smith re­
sume as objeções dos economistas a essa atitude:

"Primeiro, os padrões podem não guardar qualquer relação


com os riscos de determinada operação e, mesmo assim seu
cumprimento é obrigatório a qualquer custo. Segundo, pelo
fato de exigir certo número de medidas de segurança em lugar
de penalizar um resultado indesejável como são os ferim en­
tos, essa atitude fundamentada em padrões não estimula as
empresas a procurar outros meios, talvez mais baratos, de re­
duzir os danos. Terceiro, os padrões existentes são tão num e­
rosas e os locais de trabalho tão diversos que se pode pergun­
ta r quão abrangentes e bem informadas as inspeções deve­
riam ser."1s

Ocorre que as regulamentações legais quase sempre dão mais ên­


fase aos aspectos do problema que são mais faci/mente tratáveis do
que às causas principais de acidentes importantes. Por exemplo, a
Facíory Act focaliza exageradamente os acidentes com máquinas, em­
bora grande paríe dos acidentes resulte de quedas, escorregões e ma­
nuseio de objetos.
Não é difícil imaginar uma situação em que as empresas reajam a
um rigor m aior na aplicação de um regulamento ineficaz de uma deter­
minada maneira que nem consumidores, nem produtores são benefi­
ciados. A lei controla um carto número de requisitos de segurança rela­
tivamente ineíicszes na redução dos acidentes nos locais de trabalho.
Esses requisitos são rigorosamente fiscalizados. As empresas cum­
prem os regulamentos e aumentam conseqüentemente seus custos.
Mas elas também se adaptam a essas elevações de custos, diminuindo
outros cuidados com a segurança nas oficinas, cuidados esses que não
estão regulamentados e que podem ser mais eficazes na redução dos
acidentes de trabalho. A mencionada reação adaptativa é ilustrada por
um caso judicial relatado por Kagan eScholz,17 no estudo que fizeram
sobre a aplicação da regulamentação da segurança industrial, originá­
ria d 2 Adm inistração da Segurança e Saúde Ocupacionais (OSHA) do
governo dos EUA. Uma empresa siderúrgica começou a ter problemas
com aquela instituição pública, a qual havia adotado uma atitude agres­
siva quanto ao cumprimento dos regulamentos durante os anos 70.
Uma das reações imediatas da empresa contra aquilo que ela conside­
rava uma perseguição injustificável peia OSHA foi despedir o engenhei­
ro de segurança que chefiava o programa de prevenção de acidentes,
substituindo-o por um advogado. Trata-se de um ciaro exempfo da
substituição de um ingrediente (no caso, o cumprimento da regulamen­
tação) por outro que fosse mais eficaz na diminuição de danos e na me­
lhora do bem-estar do trabalhador.
Esse tipo legalístico de regulamentação pode dar lugar a uma si­
tuação na qua! o aumento do rigor na aplicação das regras leva a um
m aior grau de cumprimento das normas e a custos mais altos para al­
gumas firmas, mas pelo faío de estas haverem se adaptado à nova si­
tuação através do afrouxamento de outras medidas de segurança, o
número de acidentes não diminui, podendo até aumentar. O esquisito
está no fato de o autor do regulamento poder reivindicar seu sucesso:
afinal de contas, não aumentou o rigor administrativo, um número maior
de empresas não está sendo processado, e mais empresas não estão
agora cumprindo as normas? Contudo, por trás dessas estatísticas ofi­
ciais estamos vendo a elevação dos custos industriais e a perplexidade
dos trabalhadores diante do fato de não te r havido apreciável melhoria
da segurança ocupacional.
Outro borrt exemplo bem documentado nos é dado pela lei sobre o
uso do cinto de segurança. Os acidentes em rodovias resultam da inte­
ração de três grupos de fatores: as estradas (sua construção, topogra­
fia, iluminação e características de segurança), o projeto do carro e o
seu uso, e o comportamento dos motoristas e pedestres. À medidá que
as estradas se tom am mais seguras, há uma inclinação normal, de par-
te dos motoristas, a assumirem mais riscos, correndo mais, guiando
com menos cuidado e freando tãide demais. Eles substituirão a cara
segurança pessoal pela segurança gratuita oferecida pela rodovia pú­
blica. Na literatura econômica, Sam Peltzman18 foi o primeiro a identifi­
car esse efeito, em seu estudo sobre o impacto da lei sobre o uso obri­
gatório do cinto de segurança nos EUA. De acordo com eie, devido ao
fato de o cinto de segurança diminuir os riscos e os ferimentos do moto­
rista, estes passaram a dirigir com maior velocidade e com menos cui­
dado, aumentando assim o número de acidentes, mudando o tipo de
acidentes e elevando as perdas totais decorrentes de acidentes. Esse
fenômeno foi também identificado por outros estudiosos do problema
da segurança como "compensação de risco".

AS TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO

A causa de boa parte da ineficácia dos regulamentos é a técnica do ■


controle legal. A regra lega! das sanções criminais e civis pressupõe que '
a norma é concebida para evitar os efeitos nocivos dos incentivos. Mas .
há outras técnicas regulamentares que se baseiam em incentivos eco­
nômicos relacionados diretamente com danos sociais e econômicos.
Os primeiros, de natureza fiscal, tornaram-se moda. Isso significa
tributar o agente poiuídor com base no assim chamado princípio de “o
poiuidor deve pagar” . Pelo imposto sobre a poluição ou danos que
aproximam as perdas não compensadas infringidas a terceiros, o setor
empresarial é levado a decidir se as medidas anti-poluição são eficazes
relativamente aos custos e de que maneira podem ser adotadas.
Outra medida é o alvará negcciáveí. No Reino Unido, as ficenças
de poluição são emitidas pana as empresas existentes e até o nivel a
que se deseja [imitar a contaminação ambiental. Essas Jicsnças po­
dem ser negociadas no mercado. Criou-se, dessa maneira, um merca­
do da poiuição, no quaf as empresas que consideram não-lucrativo re­
duzir o nível, digamos, de emissões tóxicas, vendem as licenças a
que têm direito a outras firmas que se acham capazes de conseguir
reduções a custos baixos ou que valorizam muíío o direito de poluir.
Desse modo, a redução desejada de poluição é atingida ao menor
custo possível.
A medida mais compatível com o mercado para iidar com a polui­
ção é a privatização dos recursos naturais escassos, através da atribui-

107
çâo de direitos de propriedade aos indivíduos. Consideremos o caso do
elefante africano. A política de regulamentação tem sido no sentido de
se. criar parques nacionais administrados pelo governo e fiscalizados
por uma milícia, que atira nos caçadores de marfim ou é atacada por
eles. O governo pode reagir ao aumento dos caçadores (que é o resul­
tado da procura mundial de marfim) tornando draconianas as penalida­
des sobre os predadores e queimando o marfim confiscado. Mas o re­
sultado acaba sendo o aumento do preço do marfim e, em conseqüên­
cia, a elevação dos ganhos dos caçadores. Uma política alternativa
consiste na privatização dos elefantes. Se fazendas de criação de ele­
fantes forem autorizadas, as forças econômicas naturais tenderão a
evitar que essa espécie animal seja condenada à extinção.

CONCLUSÕES

A análise da regulamentação feita excessivamente ria base da hi­


pótese das falhas de mercado nos leva a um beco sem saída. A regula­
mentação pode ser um remédio para falhas de mercado, mas no maior
parte das vezes é um substituto do mercado que destrói a concorrência
e redistribui a renda contra os consumidores, os pequenos e eventuais
agentes competidores, e a favor das empresas maiores.
Com base na evidência existente a respeito dos efeitos da regula-
, mentação, várias generalizações podem ser feitas:

• A hipótese das “falhas de mercado” e a teoria que ela tem inspi­


rado não explicam as regras reguladoras existentes. Os econo-
misias precisam explicitamente levar em conta o fato de que an­
tes de uma política tornar-se efetiva, ela sofre a pilhagem dos
sistemas político e legal, dois mundos povoados de analfabetos
em economia e indivíduos que estão atrás de seus próprios inte­
resses. Se o camelo constitui um cavalo projetado por um comi­
tê, as falhas da regulamentação são o produto dos mundos polí­
tico e legal, ambos em conluio contra os consumidores e os com­
petidores.
• Tanto a regulamentação como o mercado são impeifeitos. Veja­
mos a conclusão a que chegou c professor Fred Kahn, após uma
canreira ilustre como acadêmico, empresário intelectual e agente
encarregado de regulamentação:
“O veredicto da grande maioria dos economistas seria, eu
creio, o de que a regulamentação tem sido um sucesso, mas
sem perder de vista ... que as escolhas da sociedade são
sempre entre sistemas imperfeitos, mas que, onde quer que
elas tendem a ser eficazes, mesmo a concorrência imperfeita
é preferível à regulamentação.”19
:í^':
•v
A idéia de que os mercados funcionam melhor do que a burocracia
está em ascensão. Mas não tem sido sempre assim, e o fato de que
muita regulamentação, velha ou nova, falha não penetrou ainda no tra­
balho de muitos economistas.

Uma das maiores deficiências da regulamentação está nas técni­


cas que ela usa, que são predominantemente baseadas em vi:
sões legalísticas de mero controle, em lugar de uma “regulamen­
tação de incentivos". O uso de técnicas de regulamentação
apoiadas no mercado, como impostos, direitos de propriedade e
licenças negociáveis, garantiria maior eficácia.
Existe muito pouca pesquisa e conhecimento sobre as relações
entre a legislação vigente e seu impacto sobre os agentes que
são objeto da regulamentação e do protecionismo no Reino Uni­
do. Supõe-se invariavelmente, entre os legisladores, que a lei é
fielmente obedecida e aquilo que ela visa como efeito acaba de
fato sendo seu efeito. Há uma expressão, segundo a qual "a re­
gulamentação é isenta de custos; seus resultados são bons".
Trata-se certamente de uma idéia equivocada.

Vale a pena repetir a mensagem principal desta parte do livro. Cri­


ticamos os economistas que negligenciam um assunto que é vital para
o funcionamento da economia e de seus mercados. A regulamentação
é difusa, especialmente quando é elaborada para abarcar direitos de
propriedade e o quadro legal que enseja ganhos provenientes de trocas
no seio do mercado. E aqui a crítica recai adequadamente sobre os
economistas, devido àquilo que apenas pode ser descrito como falha
intelectual de grandes proporções. Se a economia na Grã-Bretanha
fosse um produto e seus supridores fossem todos sócios de uma mes­
ma empresa que busca lucros, essa empresa estaria insolvente por
não ter realizado a pesquisa básica sobre as principais questões da po­
lítica industrial dos anos 80 e, igualmente, por não ter sido criada. Con-
form e indicou um estudo recente do iEA - Institute o f Economic A ff " 14- EHRLfCH, I., POSNER, R.A. An Economic Analysis o f Legal Rule-making.
faírs,20 a profissão de economista não se encontra em bom estado de* Journal o f Lega! Studies, v. 3, p.257-86: 1974.
saúde. 15- ROBENS REPORT, Committee on Safety and Health at Work. London:
HMSO, 1972.(Cmnd. 5034), para. 29.
16- SMITH, R.S. The Feasibiüty of an 'injury Tax’ Approach to Occupational
Safety. Law and Contemporary Problems, v. 38, p.730.1974.
NOTAS
17- KAGAN, R.A., SCHOLZ, J.T. In: HAWKINS, K , THOM AS, J.M. (eds.).
Enforcing Regulation, Boston: Kluwer-Nijhoff, 1984. Chap.4.
1- Ver, VELJANOVSKI, C.G. Selling the State: Privatisation in Britain. London': 18- PELTZMAN, S. The Effects o f Automobile Safety Regulation. Journal of
W eidenfeld & Nícolson, 1988.; também VELJANOVSKI (ed.), Privatisation and ?
Political Economy, v. 83, p.677.1975,.
Competition : A Market Prospectus, London: IEA, 1989. v
19- KAHN, Alfred E. The Economics o f Regulation: Principies and Institutions.
2 - KAY J., VICKERS. J. Regulaíory Reform in Britain. Economic Policy, v.‘ 7,-
p.301. 1082, Cambridge; M IT Press, 1988. p.23.
20 - RICKETTS, M., SHOESMITH, E. British Economic Opinion: A Survey o f a
3- Ibid., p. 334. Ver tam bém BREYER. S., MacAVOY, P.W. Regulation a n d ’ ;'
Thousand Economisís. London: Institute o f Economic Affairs, 1990.(Research
Deregulation. ln:THE NEW PALGRAVE Dictionary of Economics. London:.
Mcnograph 45).
Macm illan, 1987. p.128-37.
4- STIGLER, G.J. The Theory of Economic Regulation, Bell Journal o f
Econom ics & Management Science, p.241, 1971.; POSNER, R.A. Theories o f
Economic Regulation, Bell Journal o f Economics & Management Science,
p.335. 1974.
5- NOLL, R.G. Regulation After Reagan, Regulation, n. 3, p.20,1988.
' 6 - STIGLER, G.J. (ed.). Chicago Studies in Political Economy, Chicago:
University o f Chicago Press, 1988. p. 12.
7 - SELDON, A. {ed.). Financial Regulation : or Ove r-re gula tio n?. London:
Institute o f Economic A ffairs,-t988. (IEA Readings, 27)
8 - OMBUDSMAN, The Barlow Clowes Affair, London: HMSO, 1889.
S- V e r VELJANÕVSK!, C.G. (ed.). Privatisation and Competition. op.cit,
Chap.1.

10- REPO RT O F THE COMMITTEE ON FINANCING THE BBC. London:


HMSO, 1996. (Cmnd. 9824)

11- CO M M ITTEE OF PUBLIC ACCOUNTS. independent Broadcssting


Autiioríty: Additional Payments fay Programme Contracto rs. London: HMSO,
19S8. (Cm. 317)

1 2 - A lgum as estim ativas desses efeitos são mencionadas por MINFORD, P.,
ASHTGK', P. The Effects in the UK o f EEC Wage Proposals in the Social
C h arter; a Not. Liverpool Quarteiiy Economic Bulletin, v. 10, n. 4, Dec. 1989,
13- BARTEL, A P .. THOMAS, L C . Predation through Regulation: The Wage
ano’ P rofit Effects o f the Occupational Safety and Health Administraíion and the
Environm ental Protection Agency. Journal of Law and Economics, v. 30,
p.239-65. 19S7.

111
......................... # .........................
SUMÁRIO £ CONCLUSÕES

SUMÁRIO .

Procurei, neste livro, apresentar ao leitor um novo campo de apíi-


cação da economia. A econornia dg direito está sendo rapidamente
transformada: de um empenho acadêmico esotérico que era, está co­
meçando a desafiar e ampliar as fronteiras da política industriai e eco­
nômica. À medida que o ritmo da privatização e da desregiiiamenta-
ção se apressa e se espalha pelo mundo, questões cada vez mais in­
cômodas a respeito do modelo instiiucional têm que ser enfrentadas e
respondidas. Mo Reino Unido, advogados, servidores públjcos e eco­
nomistas têm sido lentos em reconhecer essa tarefa, çle modo que a
elaboração de políticas tem caminhado velozmente, sem o.benefício
do apoio de uma'análise séria ou ama orientação apropriada. As pró­
ximas décadas constituirão um terreno fértil, à medida que as deficiên­
cias da regulamentação forem reconhecidas.
Na parte principal deste trabalho foram destacados os princípios
fundamentais da economia. A economia se preocupa com escolhas e
alternativas, bem como com as oportunidades sacrificadas que fazem
parte das decisões individuais e poiíficas. No Smago da economia en-
coníra-se a hipótese de que as pessoas agem de maneira propositada
para selecionar alternativas e quantidades que maximizem seu bem-
estar, tal como elas o percebem. É essa hipótese que dá à economia;
o seu poder explicativo, a capacidade de antecipar, de maneira me;
lhor que outras disciplinas, as conseqüências de mudanças das condi- •
ções da escolha.
A teoria da sscolha, que sustenta a economia, !eva a uma visão
fundamentalmente diferente da lei, a qual, mesmo não sendo estranha
aos advogados, não faz parte da essência de suas considerações.
Conforme mostrei anteriormente, os economistas vêm a legislação
como uma máquina de preços. A sua estrutura de deveres, direitos e
obrigações cria um sistema de limitações e penalidades que altera os
benefícios líquidos dos diferentes tipos de ação. Colocando o assunto
de maneira simpies, a iei estabelece preços para o comportamento hu­
mano e o tributa, influenciando-o, portanto.
A economia do direito oferece a possibilidade de um tratamento
mais racional e sensaio de concebera regulamentação. Além da exd-
isção intelectual gerada por essas diferentes aplicações da economia,
seu valor fundamenta! decorre da luz que elas trazem sobre o funcio­
namento da economia e das instituições. Um estudo detalhado da lei,
das instituições feaais e de organizações possibilita-nos ter uma com­
preensão melhor da maneira como o mercado e as empresas funcio-
.nam. A análise econômica nos dá informações sobre os efeitos, cus­
tos e benefícios de diferentes leis, dessa maneira identificando o meio
menos restritivo e mais eficaz de implantar uma regulamentação.

AOS ADVOGADOS Ê AGENTES REGULADORES

As ieis existem para um fim; eias não constituem um fim nelas


mesmas. O estudo da lei deve, quase que por definição, ser ampliado
para incorporar uma compreensão de suas justificativas e efeitos.
Do meu ponio de vista, a economia vem acima de qualquer estu­
do mais abrangente da lei por diversas razões diretas. Primeiro, ela
dispõe de uma bem desenvolvida teoria que é amplamente aceita pe­
los profissionais desse campo. A maior parte das outras ciências so­
ciais não pode te r essa pretensão. Segundo, a economia desempenha
um papel tão importante no funcionamento da iei que seria uma tolice
ignorá-la. As leis impõem e mudam custos; elas são custosas, criam
incentivos e alteram o comportamento. Terceiro, mesmo não aceitan­
do a importância dos fatores econômicos, continuamos precisando sa-
ber quanto estão custando as nossas preconcebidas idéias de direi­
tos, justiça e moraiidade. Muitas vezes a simples aplicação da econo­
mia pode revelar-nos hipóteses escondidas e incoerentes, e gerar in-
tuições úteis.
Mas não há necessidade de acreditar em mim. Permitam-me cha­
mar como minha principal testemunha uma das maiores autoridades
em direito consuetudinário, o juiz O iiver Wendell Holmes. Falará por
e!e aquele artigo de sua autoria, “The Path of the Law”, que é o mais
citado dos artigos legais já escritos. Holmes, escrevendo em 1897,
procurava visualizar aquilo que, no seu entender, seria a etapa ideai
da educação em direito, onde a energia do estudioso de assuntos le­
gais seria dirigida ao:

“estudo dos fins procurados e das razões para desejá-los. Um


passo para chegar àquele ideai, parece-me, está na disposi-
ção de cada advogado em buscar o conhecimento de econo­
mia. O atual divórcio entre as escolas de economia política e
direito constitui, para mim, evidência do muito de progresso
ainda a ser feito no campo do estudo filosófico. Na ... econo­
mia política ... somos convidados a considerar e pesar os fins
da legislação, os meios de consegui-los e o custo envolvido.
Aprendemos que para ter qualquer coisa temos que renunciar
a alguma outra coisa, e somos ensinados a comparar a vanta­
gem ganha com a vanfagem perdida, e a saber o que estamos
fazendo quando escolhemos.*'1

Em resumo, os advogados deveriamse perguntarse os fins desejá­


veis da lei “valem o seu preço” . E, conforme realçou Holmes, se a forma­
ção dos advogados habituaimente os levasse a considerar essas ques­
tões com relação a uma lei, "algumas vezes eles hesitariam onde agora
são confiantes, e variam que de fato eies estavam tomando partido em
questões discutíveis e muiías vezes explosivas”. E Holmes conciui:

"... a felicidade, e estou seguro após ter conhecido muitos ho­


mens de sucesso, não pode ser obtida simplesmente pelo fato
de ser um conselheiro de grandes empresas e de fazerjus uma
renda de 50.000 dólares. Um intelecto suficientemente grande
para ganhar o prêmio necessita de outros alimentos, além do
sucesso. É através [do estudo dos aspectos mais remotos e a e~
rais da lei]... que você se torna não apenas um grande mestre
em-sua especialidade, mas íambém relaciona o seu campo
com o universo e ouve um eco do infinito, um vislumbre do seu
fantasmagórico processo, uma idéia da lei universal.’’2

NOTAS ííS fv '

'C - í * ’ *
1- HOLMES, O.W. The Path of the Law. Harvard Law Review, v. 10, 1897. £.'•?/-
2- Ibid., p.478. : v‘ífe-V-
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA

TEXTOS

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University Press, 1984.
2. BARNES, D.W. Statistics as Proor Fundamentais of Quantitative Evidence.
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3. BOWLES, R.A. Law and the Economy. Oxford: Martin Roberíson, 1982.
4. CALABRESf, G. The Costs of Accidents: A Legal and Economic Analysis.
New Haven: Yaie University Press, 1976.
5. COOTER, R., ULEN, T. Law and Economics. Glenview: Scotc, Faresman,
1988.
6. EGGERTSSON, T. Economic Behaviour and Institutions. Cambridge:
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7. GOETZ, C.J. Law and Economics: Cases and Materials. Minnesota: West,
1984.
8. HARRIS, D. Remedies in Contratei and Tort London: Weidenfeid and
Nicolson, 1988.
9. HIRSCH, W.A. Law and Economics: An Introductory Analysis. 2nd. edn.
New York: Academic Press, 1988.
comportamento anti-social e atingir os fins a que se destinam. Sur­
preendentemente, há pouca evidência e nenhum programa sistemático
de pesquisa no Keíno Unido que verifiquem se os regulamentos finan­
ceiros beneficiam os investidores, se as teis de segurança de fato pro­
tegem trabalhadores e consumidores ou se as sanções criminais con­
têm a criminalidade. Essa lista da nossa ignorância em assuntos funda­
mentais pode ser expandida quase que sem limites. Quando são feitas
tentativas de avaliação do impacto das leis, os achados têm sido desa-
pontadores. Os efeitos pretendidos, como a suposta eficácia da legisla­
ção sobre segurança industrial na melhoria da segurança no trabalho,
têm sido geralmente tão pequenos a ponto de não serem detectadas.
Por outro lado, os custos diretos e indiretos (como, por exemplo, inves­
timento e produtividade) são geralmente insignificantes. Voltaremos a
esse assunto no Capítulo VI. *
Em outros países, como EUA e Austrália, são feitas avaliações sis­
temáticas do impacto das mudanças legais com a finalidade de orientar
as pessoas encarregadas de medidas públicas.15 No Reino Unido, a
despeito da importância maior dada â economia nos anos recentes,
pouco esforço é feito para justjficar-se uma lei em termos de custos e
benefícios. Em outras oportunidades, eu e alguns colegas temos cha­
mado a atenção para exemplos importantes de mudanças na legisla­
ção financeira e empresarial que são destituídas de qualquer funda­
mentação econômica.16 Estudos do impacto das leis podem constituir
uma contribuição ifiiiportante na formulação de normas legais e regula­
mentos, pois dão a seus autores informações extremamente necessá­
rias sobre as conseqüências dessas iniciativas.

NOTAS

1- FRIEDMAN, LM. Two Faces of Law. Wisconsin LawReview, n. 1, p.13-33.


1964.
2- LEFF, A.A, Economic Analysis of Law: Some Reaiísm afaouí Nominalism,
Virgínia Law Review, v. 60, p.460. 1976.
3 - LE F F oo y t

4- LAW REFORM COMMISSION: annual report 1981. Canberra: Australian


Government Publishing Sar.-ice, 1981. p.1.
5- STIGLSR, G.J. Tho 3-.'cnomir,t 35 Prsac.her op.cit., p. 8.
ilwiSTW

6- Uma das melhores análises de custos foi feita por ALCHIAN, A A Economic
Forces at Work. Indianapolis: Liberty Fund, 1977. Chap.2.
7- Súbre métodos de avaíiar intangíveis, ver PEARCE, D.W., MARKANDYA, A.
Environmental Poíicy Ben&tits: Monetary Valuation. Paris: OECD, 1989.;
PEARCE, D. W., MARKANDYA, A., BARBER, E.B., Blueprint for a Grsen
Economy, London: Earthscan Publications, 1989.
8- VELJANOVSKI, C.G. Regulating industrial Accidents: An Economic Analysis
of Market and Legal Responses. New York: D. Phil, 1982.; VELJANOVSKI,
C.G. The Valuation o f Injuryin Economics and Law. London: Department of
Transport, 1989.{mimeo).
9- EDWARDS, J., et aí: The Economic Analysis o f Accounting Proütability.
Oxford: Oxford University Press, 1987.
10-(1879), 4, C.P.D. 172.
1 1 -COASE. The ProWetti of Social Costs. ôp.cii, p.7. .
12-WU-LfAMÔON, O: The Economic InstitütiOns o f Çsp/tafism. New-Yortc Fcee
Press, 1385. _ . ... '
13- COOTER, R.D, Law and the Imperialtsm of Economics: Anlnt^Oductíoítto "
the Economic Analysis o f Law and a R eview ofthe JdajõrBooká ‘iiíS tA íd w ■'
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14- FISHER, F.M. Multiple Regression in Legal Proceedings. çdjambia Low ■
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15- BRADDOCK, B. Product Uability: Economic impacts.fs.l.]: Australian Law
Reform Commission, 1989. (Product Liability Research Paper, 2)
16- VELJANOVSKI, C.G. Introduction. In: SELDON, A. (ed.). Financia/
Regulation: Or Over-Regulation?. London: IEA, 1988. (IEA Readings, 27)

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