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MARXISMO
G. V. PLEKHANOV
1908
Primeira Edição:........
Fonte: Biblioteca Marxista Virtual do Partido da Causa Operária.
Tradução: ........
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, janeiro 2006.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento
é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free
Documentation License.
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PREFÁCIO
As últimas obras de Plekhanov, os "Princípios Fundamentais
do Marxismo", que faz uma exposição sistemática do materialismo
dialético, surgiu em 1908, um quarto de século após ser lançado
seu célebre panfleto: "O Socialismo e a Luta Política", que inaugura
a história da social-democracia revolucionária na Rússia.
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históricas. A influência benéfica dessas concepções se faz sentir
atualmente no domínio da história do direito e no da chamada
"civilização primitiva".
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"Teses Preliminares para a Reforma da Filosofia", editado em 1843,
no segundo tomo da coletânea onde havia aparecido (1º tomo) um
artigo de Marx sobre a censura prussiana (Anecdota).
"O pensar é condicionado pelo ser, não o ser pelo pensar. O ser
é condicionado por si mesmo... O ser tem seu fundamento em si
mesmo". Esta concepção, acrescenta Plekhanov, é colocada por
Marx na base da interpretação materialista da história.
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Conforme desejo de Plekhanov, estas notas sobre a dialética e a
lógica tinham sido inseridas no texto da tradução alemã de seu
livro, publicado em 1910. O leitor encontrará também uma série de
novas anotações, feitas por Plekhanov para os leitores alemães. De
nossa parte, acrescentamos algumas notas explicativas, e
completamos, onde foi necessário, as referências indicadas por
Plekhanov.
D. Riazanov
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O marxismo é toda uma concepção do mundo. Em poucas
palavras, é o materialismo contemporâneo que representa o mais
alto grau daquela concepção do mundo, cujas bases foram
lançadas, na velha Hélade, por Demócrito, assim como pelos
pensadores jônios, seus precursores. O chamado hilozoísmo não é,
pois, outra coisa que um materialismo ingênuo. O mérito principal
de ter recuperado e formulado os princípios fundamentais do
materialismo moderno pertence incontestavelmente a Karl Marx e
a seu amigo Friedrich Engels. Os aspectos histórico e econômico
dessa concepção do mundo, a qual se designa comumente por
materialismo histórico, assim como o conjunto, a ele ligado, das
concepções sobre os problemas, o método e as categorias da
economia política, sobre o desenvolvimento econômico da
sociedade e, muito particularmente da sociedade capitalista, são
quase que exclusivamente a obra de Marx e Engels. A contribuição
de seus predecessores, neste domínio, deve ser considerada como
um trabalho preparatório. Materiais, às vezes abundantes e
preciosos, haviam sido reunidos mas não sistematizados nem
elucidados do ponto de vista de um pensamento geral e, portanto,
não puderam ser apreciados nem utilizados como deviam. O que
fizeram, neste domínio, os adeptos de Marx e Engels na Europa e
na América, foi o estudo mais ou menos feliz de problemas
particulares, algumas vezes, é verdade, da maior importância. Daí
entender-se geralmente por "marxismo" apenas os dois aspectos
acima mencionados da atual concepção materialista do mundo, e
isto não apenas no que se refere ao "grande público", que ainda
não está educado para a compreensão profunda das doutrinas
filosóficas, mas também entre aqueles que se consideram os
discípulos fiéis de Marx e Engels, tanto na Rússia como no resto do
I
Freqüentemente pleiteia-se a necessidade de "completar" o
marxismo com tal ou qual filosofia, alegando que em lugar algum
Marx e Engels expuseram suas concepções filosóficas. Mas tal
alegação é pouco convincente, e mesmo se fosse fundamentada,
não seria razão para substituir as concepções filosóficas de Marx e
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Engels pelas do primeiro pensador que surge e que
freqüentemente se coloca sob um ponto de vista totalmente
diferente. É necessário lembrar que dispomos de dados suficientes
para ter uma idéia justa das concepções filosóficas de Marx e
Engels. [1]
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sem a qual é difícil assimilar o método de Marx, mas também a
história do materialismo, sem a qual não é possível ter uma idéia
clara da doutrina de Feuerbach, que foi, em filosofia, o predecessor
imediato de Marx, e que forneceu, em considerável medida, a base
filosófica da concepção de mundo de Marx e Engels.
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neste caso, tratando com um procedimento metodológico cujo
valor era condicionado pelas circunstâncias de tempo e lugar, ou
seja, pelos modos de raciocinar habituais aos eruditos alemães, ou
simplesmente aos alemães cultos da época [6], mas que não
dependia absolutamente de qualquer concepção particular do
mundo.
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simultaneamente "tu" para um outro. Eu sou ao mesmo tempo
sujeito e objeto. É necessário observar, além disso, que o "eu", não
é o ser abstrato com o qual opera a filosofia idealista. Eu sou um
ser real; meu corpo pertence à minha existência; ainda mais meu
corpo, considerado como um todo, é precisamente meu "eu",
minha verdadeira entidade. Não é o ser abstrato que pensa, mas
precisamente esse ser real, esse corpo. Daí resulta que,
contrariamente ao que afirmam os idealistas, é o ser material real
que é sujeito, e o pensamento atributo. E precisamente nisto que
consiste a única solução possível da contradição entre o ser e o
pensar, a qual se debatia sem resultado no idealismo. No presente
caso, não se suprime nenhum dos elementos da contradição; eles
são conservados ambos, ao mesmo tempo em que manifestam sua
verdadeira unidade. "O que para mim, ou subjetivamente, é um ato
puramente espiritual, imaterial, não sensível, é em si,
objetivamente, um ato material sensível" [11].
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diz: "Folge und Eigenschaft" (conseqüência e propriedade). Eu sinto
e eu penso, de maneira alguma como um sujeito oposto ao objeto,
mas como um sujeito-objeto, como um ser real, material. E o
objeto é para mim, não apenas a coisa que eu sinto, mas também
o fundamento, a condição indispensável de minha sensação. O
mundo objetivo não se encontra apenas fora de mim, ele está
também em mim, em minha própria pele. O homem é só uma parte
da natureza, uma parte do ser; eis porque não há lugar para a
contradição entre seu pensamento e seu ser. O espaço e o tempo
não existem apenas para o pensamento. Eles são igualmente
formas do ser. São formas da minha contemplação. Mas eles o são
unicamente porque eu mesmo sou um ser que vive no tempo e no
espaço e que só percebo e sinto porque sou um tal ser. De maneira
geral, as leis do ser são ao mesmo tempo também as leis do pensar.
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acima referida, escreveu no primeiro tomo de seu Capital: "Agindo
sobre a natureza, exterior a si, o homem transforma ao mesmo
tempo sua própria natureza". Esta fórmula só revela todo seu
profundo sentido à luz da teoria do conhecimento formulada por
Marx. E veremos adiante até que ponto esta teoria é confirmada
pela história da civilização e pela lingüística. É necessário
reconhecer entretanto que a teoria do conhecimento de Marx
provém em linha direta da de Feuerbach ou, se quisermos, que ela
é, propriamente falando, a de Feuerbach, só que aprofundada, de
forma genial, por Marx.
III
A teoria da unidade entre o sujeito e o objeto, entre o pensar
e o ser, que é própria tanto a Feuerbach quanto a Marx e Engels,
foi igualmente a dos materialistas mais eminentes dos séculos XVII
e XVIII.
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consideravelmente a seus adversários lutar contra ele no terreno
filosófico.
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de abstração que culmina no nascimento da lógica hegeliana como
doutrina ontológica [25].
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pensamento só não está desligado do ser onde não é um sujeito
para si mesmo, mas o atributo de um ser real (quer dizer, material)"
[29]. Ora, em quais sistemas filosóficos o pensamento é "sujeito
para si mesmo", ou seja, algo independente da existência corporal
do indivíduo pensante? A resposta é clara: nos sistemas idealistas.
Os idealistas transformam inicialmente o pensamento em uma
entidade autônoma, independente do homem (em "sujeito para
si") e, depois, declaram que, nessa entidade - precisamente porque
ela tem existência distinta, independente da matéria - se resolve a
contradição entre o ser e o pensamento. E, com efeito, ela aí se
resolve, pois o que é afinal esta entidade? li o pensamento. E este
pensamento tem uma existência completamente independente.
Mas esta solução da contradição é uma solução puramente formal.
Obtém-se este resultado, como já havíamos dito, suprimindo um
dos elementos da contradição, a saber, o ser independente do
pensar. O ser se apresenta como simples propriedade do pensar e,
quando dizemos que tal objeto existe, isto apenas significa que ele
existe em nosso pensamento. Assim o compreendia, por exemplo,
Schelling. Para ele, o pensar era o princípio absoluto, de onde
procedia necessariamente o mundo real, que dizer, a natureza e o
espírito "finito". Mas como? Que significava a existência do mundo
real? Nada mais que a existência no pensamento. Para Schelling, o
universo era só autocontemplação do espírito absoluto. O mesmo
se dava em Hegel. Mas Feuerbach não se contenta com tal solução,
puramente formal, da contradição entre o pensar e o ser. Ele
mostra que não há e não pode haver pensamento independente
do homem, quer dizer, do ser real, material. O pensamento é uma
atividade do cérebro. "Mas o cérebro só é um órgão de pensamento
IV
Quando se diz que Marx e Engels foram durante certo tempo
adeptos de Feuerbach, freqüentemente quer-se dizer com isto,
que sua concepção do mundo se modificou posteriormente e se
diferenciou completamente da de Feuerbach. É também o que
pensa K. Diehl, que acha que normalmente se exagera muito a
influência exercida por Feuerbach sobre Marx [32]. Aí está um erro
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formidável. Mesmo após ter deixado de seguir Feuerbach, Marx e
Engels continuaram a partilhar de uma parte considerável de seus
pontos de vista filosóficos. É isto que aparece claramente nas teses
de Marx sobre Feuerbach. Estas teses não refutam absolutamente
Feuerbach; elas as completam apenas e, sobretudo, exigem que
estas idéias sejam, de forma mais conseqüente que em Feuerbach,
aplicadas à interpretação da realidade que rodeia o homem e, em
particular, a interpretação de sua própria atividade. "Não é o
pensar que determina o ser, é o ser que determina o pensar". Este
pensamento que está na base de toda filosofia de Feuerbach, Marx
e Engels o colocam também na base da interpretação materialista
da história. O materialismo de Marx e Engels é uma doutrina bem
mais desenvolvida que o materialismo de Feuerbach. Mas as
concepções materialistas de Marx e Engels se desenvolveram no
próprio sentido indicado pela lógica interna da filosofia de
Feuerbach. Eis porque estas concepções e particularmente seu
aspecto filosófico, jamais serão completamente claras para aquele
que não quiser se dar ao trabalho de conhecer a parte considerável
da filosofia de Feuerbach que entrou na concepção do mundo dos
fundadores do socialismo científico. E se vocês virem alguém
esforçar-se por encontrar um "fundamento filosófico" para o
materialismo histórico, esteja persuadido que existe, no saber
deste mortal, apesar de sua profundidade, grande lacuna a este
respeito.
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os homens estabelecem entre si. Este limite, que separa Marx de
Feuerbach, mostra também até que ponto eles estão próximos.
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Notas:
[1] O livro de VI. Verigo: Marx als Philosoph (Berna e Leipzig, 1904),
é consagrado à filosofia de Marx e Engels. É difícil, todavia, imaginar
obra tão insatisfatória.
[15] "O pensar", diz ele,"é precedido pelo ser; antes de pensar a
qualidade, você a sente" (Oeuvres , II, p. 253).
[22] Ibid., p. 7 e 8.
[23] Ibid.
[25] "O espírito absoluto de Hegel não é outra coisa que o espíritcs
abstrato, que o espírito isolado de si mesmo, o que chamamos o
espírito finito, assim como o Ser infinito da teologia não é outra
coisa que o Ser abstrato finito". (Oeuvres, II, p. 263).
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verdadeiramente genial. Ele diz: "O conceito de objeto não é
primitivamente outra coisa que o conceito de um outro 'eu'. Assim,
o homem concebe na infância todos os objetos como seres que
agem livre e arbitrariamente; é por isso que o conceito de objeto
nasce, em geral, por intermédio do tu, que é o eu objetivo".
Reymond, Lausanne, 1905, p. 414-415
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a essência da dialética, mas entretanto se esforçara em aplicar o
método dialético na análise da sociedade capitalista. E esta mesma
segunda parte da "Miséria da Filosofia" mostra que a dialética que,
em Hegel, tivera um caráter puramente idealista, e o mantivera em
Proudhon, na proporção em que este o assimilara, foi assentada
por Marx sobre um fundamento materialista.
PLEKHANOV| 41
Marx e Engels adotaram inteiramente esta concepção
dialética de Hegel, sobre a inevitabilidade dos saltos no processo
do desenvolvimento. Engels a desenvolve de maneira detalhada
em sua polêmica com Dühring e, nesta ocasião, ele a "coloca sobre
os próprios pés", quer dizer, sobre uma base materialista.
PLEKHANOV| 43
ficava sem nenhuma aplicação às questões candentes da vida
prática. O elemento especulativo devia introduzir necessariamente
o espírito de conservadorismo na filosofia do grande idealista.
Ocorre diferentemente com a filosofia materialista de Marx. A
"álgebra" revolucionária aí aparece com toda força invencível de
seu método dialético. Marx diz: "Em sua forma mística, a dialética
se tornou moda alemã, porque ela parecia glorificar o estado de
coisas existente. Em sua forma racional, a dialética não é, aos olhos
da burguesia e de seus teóricos, senão escândalo e horror, porque
além da compreensão positiva do que existe, ela engloba também
a compreensão da negação, do desaparecimento inevitável do
estado de coisas existente; porque ela considera toda forma sob o
aspecto do movimento, portanto também sob seu aspecto
transitório; porque ela não se inclina diante de nada e é, por sua
essência, crítica e revolucionária".
VI
Quando abordamos a interpretação materialista da história,
enfrentamos de início, como vimos, a questão de saber onde estão
as verdadeiras causas do desenvolvimento das relações sociais. Já
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satisfazer suas necessidades, quanto dos objetos que ele produz
para o mesmo fim. Onde não existiam metais, as tribos aborígines
não puderam ultrapassar com seus próprios meios os limites da
chamada "idade da pedra". Da mesma forma, para que os
pescadores e os caçadores primitivos pudessem passar ao
pastoreio e à agricultura, eram necessárias condições geográficas
apropriadas, ou seja, uma fauna e uma flora correspondentes. L. G.
Morgan observa que a ausência, no Hemisfério Ocidental, de
animais passíveis de serem domesticados, assim como as
diferenças existentes entre as floras dos dois hemisférios, explicam
o curso tão diferente da evolução social de seus habitantes [48].
PLEKHANOV| 47
no conjunto da produção diferem também segundo o caráter das
forças produtivas. A invenção de um novo instrumento de guerra, a
arma de fogo, devia necessariamente modificar toda a organização
interior do exército, as relações em cujo quadro os indivíduos
formam um exército e que dele fazem um conjunto organizado
enfim, também as relações entre exércitos diferentes".
PLEKHANOV| 49
encontram para certos fins, numa localidade determinada, estes
contatos jamais são de longa duração. Antes mesmo que a falta de
alimento ou a necessidade de partir à caça tenham obrigado os
aborígines australianos a se separarem, eclodem entre eles
conflitos que culminam rapidamente em batalhas [55].
PLEKHANOV| 51
observação, é necessário entretanto lembrar que, mesmo em tais
casos — a China é um excelente exemplo disso — , os
conquistadores economicamente atrasados sofrem
completamente, pouco a pouco, a influência do povo conquistado,
economicamente mais avançado.
VIII
As relações jurídicas e políticas [64] engendradas por uma
dada estrutura econômica exercem uma influência decisiva sobre
toda a psicologia do homem social . Marx diz: "Sobre as diferentes
formas da propriedade, sobre as condições sociais de existência,
PLEKHANOV| 53
vem-se erigir toda uma superestrutura de sensações, ilusões,
maneiras de pensar, de conceber a vida, todas diversas e singulares
em seu gênero". O "ser" determina o "pensar". E podemos dizer que
cada novo progresso realizado pela ciência na explicação do
processo do desenvolvimento social, representa um novo
argumento em favor desta tese fundamental do materialismo
moderno.
PLEKHANOV| 55
de caçadores, que para estes faz as vezes tanto de filosofia quanto
de teologia e ciência. "O que caracteriza a mitologia dos
bosquímanos", diz Andrew Lang, "é o papel quase exclusivo que aí
representam os animais. Com exceção de uma velha mulher que
aparece aqui e ali em suas lendas incoerentes, o homem aí não
representa nenhum papel" [72]. Segundo Br. Smith, os indígenas da
Austrália que, como os bosquímanos, ainda não estão no estágio
da caça, têm principalmente por deuses os pássaros e os animais
[73].
PLEKHANOV| 57
Von den Steinen avalia que o desenho (Zeichnen) surgiu dos
signos (Zeichen) adotados em objetivos práticos para designar os
objetos.
PLEKHANOV| 59
Notas:
[37] Engels não tinha em vista sua própria pessoa mas, em geral,
todos aqueles que tinham as mesmas idéias: "Precisamos...", dizia
ele. Não há dúvida de que Marx estava entre os que pensavam
como ele.
PLEKHANOV| 61
[58] Völkerkunde, t. I, p. 93.
PLEKHANOV| 63
[70] Ibid., p. 205-206.
PLEKHANOV| 65
IX
A vida econômica se desenvolve sob a influência do
crescimento das forças produtivas. É isto que explica porque as
relações existentes entre os homens no processo da produção se
transforma e com elas o estado psíquico humano. Marx diz:
PLEKHANOV| 67
influência do meio geográfico. Num caso, ele prescrevia à
sociedade que havia atingido um grau determinado de
desenvolvimento das forças produtivas um certo conjunto de
reclamações de produção, num outro caso, outro conjunto, bem
distinto do primeiro.
Tudo o que foi dito até hoje pelos "críticos" de Marx sobre o
suposto caráter unilateral do marxismo e sobre seu pretenso
desprezo por todos os "fatores" da evolução social, exceto o fator
econômico, resulta simplesmente da incompreensão do papel que
Marx e Engels reservam à ação e reação recíprocas entre a "base"
e a "superestrutura". Para persuadir-se quão pouco Marx e Engels
pretendiam ignorar, por exemplo, a importância do fator político,
é suficiente ler as páginas do "Manifesto Comunista", onde é
abordado o movimento de emancipação da burguesia. Está dito:
"Classe oprimida pelo despotismo feudal, associação armada se
auto-governando na comuna, aqui livre república municipal, lá
terceiro estado tributário da monarquia, depois, durante o período
manufatureiro, contrapeso da nobreza nas monarquias limitadas
ou absolutas, pedra angular das grandes monarquias, a burguesia,
após o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial,
PLEKHANOV| 69
conquistou finalmente o poder político exclusivo no Estado
representativo moderno. O governo moderno nada mais é que um
comitê administrativo dos negócios comuns da classe burguesa".
X
Nós citamos o Manifesto de preferência aos outros escritos de
Marx e Engels porque ele se refere à primeira época de sua
atividade onde, como asseguram alguns de seus "críticos", eles
tinham uma forma particularmente "unilateral" de compreender as
relações existentes entre os diferentes "fatores" do
desenvolvimento social. Vemos claramente que também nesta
época, Marx e Engels não se distinguiam por uma "maneira
unilateral" de compreender as coisas, mas apenas por uma
tendência ao monismo, por uma certa repugnância pelo ecletismo
que tão manifestamente permeava as observações dos senhores
"críticos".
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reproduzir aqui, dado que provam exatamente o contrário do que
pretendeu provar M. Bernstein.
PLEKHANOV| 73
de Marx que recuaram "do marxismo ao idealismo". Estes espíritos
profundos dão prova de uma grande suficiência quando
descobrem e mostram aos espíritos "unilaterais" que são Marx e
Engels que a história é feita pelos homens e não pelo movimento
automático da economia. Assim, testemunham seu apreço por
Marx e nem sequer desconfiam em sua incrível ingenuidade, que o
Marx que "criticam" nada tem em comum, salvo o nome, com o
verdadeiro Marx, o primeiro nada mais sendo que a criação de sua
própria incompreensão que, entre eles, é verdadeiramente
"multilateral". É natural que "críticos" deste jaez tenham sido
totalmente incapazes de "completar" e de "corrigir" o que quer que
seja no materialismo histórico. Sendo assim, não nos ocuparemos
mais deles, preferindo tratar daqueles que lançaram as bases desta
teoria.
PLEKHANOV| 75
constantemente que o meio é modificado pelos homens,
possibilita ao mesmo tempo, pela primeira vez, considerar o
processo desta modificação do ponto de vista da ciência. E eis
porque estamos no direito de dizer que a interpretação
materialista da história fornece os prolegômenos indispensáveis a
toda doutrina sociológica que pretenda o título de ciência.
XI
Eis um exemplo. Há dez anos, o célebre sábio francês Alfred
Espinas — seja dito de passagem, grande adversário dos socialistas
atuais — publicava "Origens da Tecnologia", "estudo sociológico"
extremamente interessante, ao menos pela idéia que desenvolve.
PLEKHANOV| 77
aparente. Isto é compreensível. Se, por exemplo, um gênero de
dança executado pela australiana nativa reproduz simbolicamente
seu trabalho de colheita de raízes, é evidente que nenhuma destas
danças elegantes com as quais se divertiam, por exemplo, as belas
mundanas da França no século XVIII, podia ser a interpretação de
um trabalho produtivo destas damas, visto que elas não se
ocupavam com nenhum trabalho produtivo, preferindo dedicar-se
à "ciência do doce amor". Para compreender a dança da australiana
nativa basta conhecer o papel que representa na vida de uma tribo
australiana a colheita, pelas mulheres, das raízes das plantas
selvagens. Mas para compreender, por exemplo, o minueto, não
basta, absolutamente, conhecer a economia da França no século
XVIII. Neste último caso está em questão uma dança que é uma
expressão da psicologia de uma classe não produtora. A grande
maioria dos "usos e conveniências" da chamada "boa sociedade" se
explica por este mesmo gênero de psicologia. Assim, portanto o
"fator" econômico cede, aqui, o lugar ao fator psicológico. Mas não
se pode esquecer que o próprio advento de classes não produtoras
na sociedade é o produto de seu desenvolvimento econômico. Isto
quer dizer que o "fator" econômico conserva inteiramente seu
valor predominante, mesmo quando cede seu lugar a outros. Ao
contrário, é precisamente então que este valor se faz sentir mais,
pois são determinadas por ele a possibilidade e os limites da
influência dos outros fatores [83].
PLEKHANOV| 79
compreenderá. Experimente-se dar uma explicação econômica
direta do aparecimento da escola de Davi na pintura francesa do
século XVIII e se chegará a um resultado que nada mais será que
um contra-senso ridículo e fastidioso. Mas se considera escola
como o reflexo ideológico da luta de classes que se desenvolve no
seio da sociedade francesa às vésperas da Grande Revolução,
imediatamente a questão mudará totalmente de aspecto. A arte de
Davi que, como outras, poder-se-ia crer, é tão desvinculada da
economia social que não se pode, por meio algum, associá-las a
esta última, se tornar então perfeitamente compreensível.
PLEKHANOV| 81
segundo as classes e se modifica segundo a situação, as
necessidades, as aspirações destas classes e as vicissitudes da luta
entre elas.
PLEKHANOV| 83
Qualquer que seja, a infeliz tentativa de Eleuteropoulos não
deixa de constituir um argumento novo em favor da tese —
inesperada para muitos — que um conhecimento mais
aprofundado do materialismo histórico de Marx seria de grande
utilidade a inúmeros estudiosos contemporâneos, justamente para
preservá-los de cair em formas unilaterais de tratar as questões.
Eleuteropoulos conhece o materialismo histórico de Marx.
Conhece-o, porem, mal. Prova disso é a pretensa retificação que
ele supõe necessária aí introduzir.
PLEKHANOV| 85
Thierry, Mignet, Guizot e de todos os historiadores ingleses até
1850 mostra que havia uma tendência para este resultado; e a
descoberta desta mesma concepção por Morgan prova que havia
chegado seu tempo e que ela era uma necessidade. O mesmo
sucede com todos os acasos ou com tudo o que parece acaso na
história. Quanto mais o domínio que exploramos se distancia da
causa econômica e adquire um caráter ideológico abstrato, mais
nós encontramos acasos em seu desenvolvimento, mais sua curva
se desenha em ziguezague. Mas trace o eixo médio da curva e você
descobrirá que, quanto mais o período a examinar é longo e o
domínio tratado é vasto, mais este eixo tenderá a tornar-se paralelo
ao do desenvolvimento econômico" [92].
PLEKHANOV| 87
embranquece, o brometo da prata escurece e o arco-íris aparece
nas nuvens assim que o sol, sua causa, provoque estes efeitos" [96].
J.-H. Speke diz em Les Sources du Nu (Paris, 1865, p. 21) que, entre
os negros, os escravos consideram que evadir-se é cometer para
com o senhor que pagou por ele, uma ação contrária à honra,
infamanto. A isto se soma que esses mesmos escravos consideram
sua situaçao como mais honrosa que a de um trabalhador
assalariado. Tal maneira de ver corresponde àquela fase da
sociedade "onde a escravidão ainda se mantém como fenômeno
de progresso".
PLEKHANOV| 89
perfeitamente razão quando diz que as leis abstratas da
multiplicação só existem para os animais e as plantas. O
crescimento (ou a diminuição) da população na sociedade humana
depende da organização desta sociedade, organização
determinada pela estrutura econômica desta mesma sociedade.
Nenhuma "lei abstrata da multiplicação" explicará algo sobre o fato
de a população francesa atual quase não aumentar. Grande é o
erro dos sociólogos e economistas que vêem no crescimento da
população a causa inicial do desenvolvimento social. (Ver A. Lona:
La Legge cli Popolazione cd ii Sistema Sociale, Sena 1882).
[87] Ibid., p. 99
PLEKHANOV| 91
XIII
O falecido Nicolas Mikhailovsky afirmava outrora, em sua
polêmica conosco, que a teoria histórica de Marx jamais teria larga
difusão no mundo dos sábios. Acabamos de ver e ainda veremos
que isto não é bem exato. Mas antes é necessário desfazer ainda
alguns outros mal-entendidos que prejudicam a compreensão do
materialismo histórico.
PLEKHANOV| 93
aqueles que se interessavam seriamente por literatura e arte.
Clássico em seus gostos, Ingres chamava Berlioz "horrível músico, o
monstro, o bandido, o Anticristo" [97]. Isto lembra as opiniões
lisonjeiras expressas pelos clássicos em relação a Delacroix, cujo
pincel eles qualificavam de "vassoura ébria". Sabemos que Berlioz,
assim como Vítor Hugo, teve que sustentar verdadeiras batalhas
[98]. Sabemos também que ele obteve a vitória após esforços
incomparavelmente maiores que os de Hugo, e bem mais tarde.
Por que foi assim, sendo que a psicologia expressa em sua música
foi a mesma que encontrara sua expressão na poesia e no drama
românticos? Para responder a esta questão, seria necessário
explicar-se muitos detalhes na história comparada da música e da
literatura francesas [99], detalhes que permanecerão talvez sem
explicação durante muito tempo, senão para sempre. Mas o que
não pode suscitar nenhuma dúvida, é que a psicologia do
romantismo francês só se tornará compreensível quando a
considerarmos a psicologia de uma classe determinada, situada em
condições sociais e históricas determinadas [100].
XIV
Em seus esforços para explicar esta marcha, os idealistas
jamais souberam olhar atentamente da perspectiva do "curso das
coisas". Assim, Taine explica as obras de arte pelas propriedades do
meio que cerca o artista. Mas quais? As propriedades psicológicas,
ou seja, aquela psicologia geral que é própria a uma época dada e
cujas propriedades têm, também, necessidade de uma explicação
[104]. O materialismo, explicando a psicologia de uma sociedade
ou de uma classe dada, se refere à estrutura social criada pelo
desenvolvimento econômico, mas Taine, que é idealista, explicava
a origem do regime social pela psicologia social, o que o fez
enredar-se em contradições sem saída. Os idealistas de todos os
PLEKHANOV| 95
países não gostam de Taine agora. Compreende-se porquê: por
"meio" ele entende a psicologia da massa, a psicologia do "homem
médio" de uma época e de uma classe determinadas e essa
psicologia é para ele a última instância para qual o estudioso pode
apelar. Para Taine, portanto, o "grande" homem, pensa e sente
sempre inspirando-se no homem "médio", nas "mediocridades".
Ora, isto é, além de falso, embaraçoso para os "intelectuais''
burgueses, sempre propensos a se situar mais ou menos na
categoria dos grandes homens. Taine foi o homem que, tendo dito
"A", se mostrou impotente para pronunciar "B", arruinando assim
a própria causa. Para sair das contradições nas quais se enredara,
não havia outra saída, salvo no materialismo histórico, que reserva
um lugar tanto para o "indivíduo" como para o "meio", tanto para
as pessoas "médias" como para os grandes "eleitos da sorte".
PLEKHANOV| 97
suspeitavam que se a crítica é, evidentemente, coisa bela e
louvável, é necessário criticar com conhecimento de causa, quer
dizer, compreender o que se critica. Criticar um dado método de
investigação científica, é determinar até que ponto ele pode servir
para descobrir a relação causal entre os fenômenos. Mas só se
pode fazê-lo por meio da experiência, ou seja, pela aplicação deste
método. Criticar o materialismo histórico é tentar utilizar o método
de Marx e Engels no estudo do movimento histórico da
humanidade. Somente desta forma podemos descobrir os aspectos
fortes e fracos deste método. "The proof of the pudding is in the
eating" (a prova do pudim está no comer), disse Engels, explicando
sua teoria do conhecimento. Isto também é verdade para o
materialismo histórico. Para criticar este prato, é necessário
inicialmente tê-lo experimentado. Para experimentar o método de
Marx e Engels é necessário saber dele servir-se. Mas servir-se
adequadamente, pressupõe uma preparação científica
incomparavelmente mais séria e um trabalho intelectual bem mais
persistente que eloqüentes discursos pseudocientíficos sobre o
caráter "unilateral" do marxismo.
PLEKHANOV| 99
inclina diante de nada e considera as coisas sob seu aspecto
transitório" não pode gozar da simpatia da classe conservadora que
é atualmente, no Ocidente, a burguesia. Ela é a tal ponto contrária
ao estado de espírito desta classe que se apresenta naturalmente
a seus ideólogos como algo intolerável e inconveniente, como algo
que não é digno nem de "pessoas honestas" em geral, nem em
particular dos "respeitáveis homens de ciência" [109]. Não é de
admirar que cada um destes "respeitáveis" sábios se considere
moralmente obrigado a afastar de si toda suspeita de simpatia pelo
materialismo. E, muito freqüentemente, ele o proclama com tanto
mais força quanto persiste, em suas pesquisas especiais, em
manter-se num ponto de vista materialista [110]. Daí resulta uma
espécie de "mentira convencional" semiconsciente que,
evidentemente, só pode ter influência das mais prejudiciais sobre
o pensamento teórico.
XV
A "mentira convencional" de uma sociedade dividida em
classes adquire proporções tanto mais consideráveis quanto a
ordem de coisas existente é abalada pela ação do desenvolvimento
econômico e da luta de classes por ele provocada. Marx disse, com
muita justeza, que quanto mais se desenvolvem os antagonismos
entre as forças produtivas crescentes, mais a ideologia da classe
dominante se impregna de hipocrisia. E quanto mais a vida
desmascara a natureza mentirosa dessa ideologia mais a linguagem
desta classe se faz sublime e virtuosa (Sankt Max. Dokumente des
Sozialismus, agosto 1904, p. 370-371). A justeza deste pensamento
salta aos olhos com evidência particular, agora que, por exemplo,
PLEKHANOV| 101
doutrina chamada materialismo histórico [112]. Acrescentaremos
apenas que Seligman é um homem suficientemente "respeitável"
para se intimidar também com o materialismo. Este "partidário" do
materialismo econômico considera que é levar as coisas a um
extremo intolerável, procurar explicar "a religião e até mesmo o
cristianismo" por causas econômicas [113]. Tudo isto mostra
claramente a que ponto estão profundamente enraizados os
preconceitos e portanto também os obstáculos que a teoria de
Marx deve combater. E, apesar disso, o próprio fato do lançamento
do livro de Seligman, assim como o caráter das reservas que
formula, permitem, numa certa medida, alimentar esperanças que
o materialismo histórico — mesmo que sob forma lapidada,
"depurada" — terminará por ser reconhecido pelos ideólogos da
burguesia que todavia ainda não renunciaram a pôr em ordem suas
concepções históricas [114].
PLEKHANOV| 103
Hegel, não podiam tampouco conhecer Engels. Eles faziam, ao
autor de Anti-Dühring, a objeção que não há liberdade onde há
submissão à necessidade. Isto era bastante lógico, da parte de
pessoas cujas concepções filosóficas estão impregnadas de um
dualismo que não sabe unir o pensar ao ser. Do ponto de vista
deste dualismo, o "salto" da necessidade para a liberdade,
permanece, com efeito, totalmente incompreensível. Mas a
filosofia de Marx — como a de Feuerbach — proclama a unidade
entre o ser e o pensar. E se bem que ela compreenda — como
vimos anteriormente, ao falar de Feuerbach — esta unidade,
diferentemente do que compreendia o idealismo absoluto, não se
diferencia entretanto da teoria de Hegel na questão que nos ocupa,
a saber, a da relação entre a liberdade e a necessidade.
PLEKHANOV| 105
Mas, aos olhos do camponês, que acalenta a idéia de se ver atribuir
aquilo que ele chama a "terrinha", a necessidade mais ou menos
triste será, ao contrário, unicamente esta "compensação justa",
enquanto a "expropriação obrigatória" lhe parecerá, seguramente,
ser a expressão de sua livre vontade e o penhor mais precioso de
sua liberdade.
XVI
O dualismo para o qual se inclinam atualmente os ideólogos
da burguesia, dirige ainda uma outra censura ao materialismo
histórico. Na pessoa de Stammler, ele o reprova por não levar
absolutamente em conta a teleologia social. Esta segunda censura,
aliás estreitamente relacionada à primeira, não é menos
desprovida de fundamento.
PLEKHANOV| 107
Não é difícil mostrar em que ponto deste raciocínio Stammler
peca contra a lógica e comete um erro que marcara todas as suas
observações críticas posteriores.
PLEKHANOV| 109
Aqui se manifesta de uma maneira notável o dualismo próprio
às pessoas educadas na filosofia de Kant: para elas, o pensar está
sempre separado do ser.
PLEKHANOV| 111
ideólogos da burguesia européia. A. Bargy diz que "na América, os
propagandistas da energia mais convictos são poucos propensos a
reconhecer a liberdade da vontade" [122]. Ele explica isto pelo fato
que estes homens, enquanto homens de ação, preferem as
decisões fatalistas. Mas Bargy se engana. O fatalismo nada tem
com isto. O que se pode ver em sua própria observação a respeito
do moralista Jonathan Edwards... é o ponto de vista de Edwards...
é o ponto de vista de todo homem de ação. Para quem jamais na
vida se propôs um fim determinado, a liberdade é a faculdade de
colocar toda a sua alma em buscar este fim" [123]. Isto está muito
bem dito e parece bastante com o "nada querer além de si mesmo"
de Hegel. Mas quando o homem "nada quer além de si mesmo" ele
não é absolutamente fatalista; ele é um homem de ação,
exclusivamente.
PLEKHANOV| 113
domínio das legendas utópicas. Qualquer que seja o homem que
admita tal oposição — "revisionista" alemão, no gênero de E.
Bernstein, ou "sindicalista revolucionário" italiano, do gênero
daqueles que participaram do recente congresso sindicalista de
Ferrara — revela na mesma medida a sua incapacidade de
compreender o espírito e o método do socialismo científico
moderno. Isto é útil relembrar no momento atual em que o
reformismo e o sindicalismo ousam falar em nom de Marx.
[104] "A obra de arte", diz Taine, "é determinada por um conjunto
que é o estado geral do espírito e dos costumes do meio".
[107] Em sua Histoire das Français (t. I, p. 59), Sismondi emite uma
interessante opinião sobre o significado destes romances, que
fornece elementos para o estudo sociológico da imitação.
PLEKHANOV| 117
[110] Lembrem com que ardor Lamprecht defendia-se da acusação
de materialismo. Vejam também como se defende Ratzel (Die Erde
und das Leben, p. 631). E no entanto o mesmo Ratzel escreve: "O
total das aquisições culturais de cada povo, em cada época de seu
desenvolvimento, compõe-se de elementos materiais e espirituais...
Eles não são adquiridos através de meios idênticos nem com a
mesma facilidade e ao mesmo tempo para todos... Na base das
aquisições intelectuais estão as aquisições materiais. As criações do
espírito surgem, como um luxo, somente após terem sido satisfeitas
as necessidades físicas. Conseqüentemente, toda questão colocada
sobre o aparecimento da cultura leva àquela sobre os fatores que
favorecem o desenvolvimento das bases materiais da cultura"
(Völkerkunde, t. I, l.ª edição, p. 17). Isso é o mais incontestável
materialismo histórico, se bem que uma concepção muito menos
profunda e portanto de qualidade inferior ao materialismo de Marx
e Engels.
PLEKHANOV| 119
[120] Este aspecto da questão foi exposto por nós de forma
suficientemente detalhada em diferentes pontos de nosso livro
sobre o Monismo Histórico (Oeuvres, t. VII).
OS "SALTOS" NA NATUREZA E NA
HISTÓRIA
G. V. PLEKHANOV
PLEKHANOV| 121
Primeira Edição: ........
Fonte: Biblioteca Marxista Virtual do Partido da Causa Operária.
Tradução: ........
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, janeiro 2006.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é
livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free
Documentation License.
PLEKHANOV| 123
econômica. Ora, apresenta-se a questão: os representantes
teóricos deste movimento, ou seja, os socialistas, teriam
conseguido combinar suas tendências revolucionárias com uma
teoria tão pouco satisfatória do desenvolvimento social?
A esta questão, quem quer que tenha uma idéia, por fraca que
seja, do socialismo contemporâneo, responderá sem hesitação
pela afirmativa. Todos os socialistas sérios da Europa e da América
se atêm à doutrina de Marx; mas então quem ignora que esta
doutrina é antes de mais nada a doutrina da evolução das
sociedades humanas? Marx era um defensor ardente da "atividade
revolucionária". Ele simpatizava profundamente com todo
movimento revolucionário dirigido contra a ordem social e política
existente. Podem, se quiserem, não partilhar de simpatias tão
"destrutivas". Mas, em todo caso, só o fato de elas terem existido
não autoriza a concluir que a imaginação de Marx estivesse
exclusivamente "fixada nas transformações pela violência", que ele
esquecia a evolução social, o desenvolvimento lento e progressivo.
Não apenas Marx não esquecia a evolução, como descobriu grande
número de suas leis mais importantes. Em seu espírito, a história
da humanidade se desenrolou pela primeira vez num quadro
harmonioso, não fantástico. Ele foi o primeiro a mostrar que a
evolução econômica leva às revoluções políticas. Graças a ele o
movimento revolucionário contemporâneo possui um objetivo
claramente fixado e uma base teórica vigorosamente formulada.
Mas se é assim, por que então M. Tikhomírov imagina poder, com
algumas frases descosidas sobre a "construção" social, demonstrar
a inconsistência das tendências revolucionárias existentes "entre
PLEKHANOV| 125
alarmes, nem perigos. Mas eis, de repente, um tremor de terra,
semelhante ao que se produzira há dois anos. O solo oscila, as casas
desabam, os habitantes fogem terrificados, em poucas palavras, é
uma verdadeira "catástrofe", indicando um incrível desleixo na
mãe natureza. Instruído por esta amarga experiência, M.
Tikhomírov verifica atentamente suas idéias geológicos e chega à
conclusão de que a lenta "transformação de um tipo de fenômeno"
(no caso, o estado da crosta terrestre) não exclui a possibilidade de
transformações que possam parecer, sob certo ponto de vista
"súbitos" e produzidas pela "violência" [2].
PLEKHANOV| 127
A todos os confusos raciocínios de M. Tikhomírov sobre as
"transformações pela violência" os revolucionários
contemporâneos podem retrucar com esta simples questão: que é
necessário fazer, em sua opinião, das "transformações violentas"
que já se produziram na "realidade da vida" e que, em todos os
casos, representam "períodos de destruição"? Iremos declará-las
nulas e não acontecidas ou considerá-las obra de pessoas frívolas e
nulas cujos atos não merecem a atenção de um "sociólogo" sério?
Mas qualquer que seja a importância que se dê a estes fenômenos,
é necessário, apesar de tudo, reconhecer que houve na história
transformações pela violência e "catástrofes" políticas. Por que M.
Tikhomírov pensa que admitir a possibilidade futura de
semelhantes fenômenos, é ter "concepções sociais erradas?"
PLEKHANOV| 129
por causa da "subitaneidade" da transformação efetuada por ele.
Eles afirmam que, em seu zelo reformador, ele esquecera a
necessidade da evolução, a lenta "transformação do tipo" do
regime social. Mas todo homem capaz de pensar, compreenderá
facilmente que a própria transformação efetuada por Pedro, o
Grande era imposta pela evolução histórica da Rússia, que a havia
preparado.
PLEKHANOV| 131
avançados, uma transformação de importância excepcional, a qual
se está fundamentado a presumir que se produzirá pela violência.
Ela consistirá na transformação do modo de repartição dos
produtos. A evolução econômica criou forças de produção
colossais que, para serem ativadas, exigem uma organização
determinada da produção. Estas forças só podem ser aplicadas em
grandes estabelecimentos industriais baseados no trabalho
coletivo, na produção social.
PLEKHANOV| 133
promete felicidade e liberdade; a outros o presságio da abolição de
sua situação privilegiada e mesmo sua supressão enquanto classe
privilegiada. E qual é a classe que não luta por sua existência, que
não tem instinto de conservação. O regime social proveitoso a uma
dada classe lhe parece não apenas justo, mas também o único
possível. Essa classe considera que tentar mudar de regime é
destruir os fundamentos de toda comunidade humana. Ela se
considera chamada a defender estes fundamentos, mesmo que
seja pela força das armas. Donde as "torrentes de sangue", donde
a luta e as violências.
PLEKHANOV| 135
vantagens essenciais adquiridas mais tarde pela França por meio
da Revolução. Estas vantagens podiam ser obtidas unicamente por
uma revolução, pois o ministério Turgot provara, pelos resultados
auferidos, ter um espírito onde a filosofia e a ilusão tinham muito
espaço: a despeito da experiência e da história, ele esperava
transformar unicamente por meio de suas ordens a organização
social que se havia formado no decorrer dos tempos e se mantinha
por sólidos laços. As reformas radicais, tanto na natureza quanto
na história. não são possíveis antes que tudo o que existe tenha sido
aniquilado pelo fogo, o ferro e a destruição". (Histoire du XVIIIe
Siêcle, 2.a edição, São Petersburgo, 1868, t. III, p. 361). Que
admirável fantasista, este sábio alemão! diria M. Tikhomírov.