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Thompson
Thompson
1
Victor Emrich é professor de História Moderna e da América na Faculdade de Filosofia Santa
Dorotéia (Nova Friburgo/RJ), diretor do SEPE-Nova Friburgo e membro da Base Francisco Bravo (PCB de
Nova Friburgo).
2
WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo. A renovação do materialismo histórico,
São Paulo, Boitempo, 2003, p. 74
3
THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, vol.
I p. 10
2
4
THOMPSON, E. P – A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros. Uma Crítica ao Pensamento de
Althusser, Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 182
5
Idem, Ibidem, p. 182
6
THOMPSON, E. P. “Algumas Observações Sobre Classe e Falsa Consciência”. In As
Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, Campinas/São Paulo, Ed. Unicamp, 2001, p. 277
7
WOOD, Ellen – op.cit, pp. 89/90
3
Aliás, não foi somente Thompson que se recusou a utilizar tal metáfora. Antes
mesmo dele, Raymond Williams já havia feito severas críticas a respeito, quando por
exemplo afirma que “é uma ironia lembrar que a força da crítica original de Marx se
voltava principalmente contra a separação das áreas de pensamento e atividade (como na
separação entre a consciência e a produção material) e contra o esvaziamento correlato do
conteúdo específico – atividades humanas reais – pela imposição de categorias abstratas. A
abstração comum da infraestrutura e da superestrutura é, portanto, uma continuação radical
do pensamento que ele atacou”.10 E a consequência habitual dessa fórmula é a descrição da
arte e do pensamento como “reflexo”.11 Como maneira de problematizar essa ideia de
“reflexo”, surge a ideia da “mediação”. Entretanto, como afirma Facina:
8
Idem, Ibidem, p. 51
9
THOMPSON, E. P. “Folclore, Antropologia e História Social”. In As Peculiaridades dos Ingleses e
Outros Artigos Campinas, Editora da Unicamp, 2001 pp. 254/255
10
WILLIAMS, Raymond – Marxismo e Literatura, Rio de Janeiro, Zahar, 1979, p. 82
11
Idem, Ibidem, p. 98
4
Voltando a Thompson, ele sugere que tal metáfora não leva em conta as diferentes
formas em que diferentes classes se relacionam com o modo de produção, ou as formas
diferentes em que suas respectivas instituições, ideologias e culturas “expressam” o modo
de produção.13 Apesar do modelo base/superestrutura ter algum valor para descrever as
relações da classe dominante, ele não se presta bem a descrever a cultura dos dominados. E,
mais uma vez retomando Ellen Wood:
“O significado de tudo isso só se torna evidente na
prática histórica de Thompson, e o valor de suas discordâncias
com a linguagem de base e superestrutura pode ser testado
pelo simples exame do que ele percebe através de seu prisma
conceitual e que não é tão claramente percebido por outros
através de seus prismas. Dois aspectos de sua obra histórica se
destacam especialmente: um profundo senso de processo,
expresso numa capacidade inigualável de identificar as
emaranhadas interações entre continuidade e mudanças; e sua
habilidade de revelar a lógica das relações de produção não
como abstração, mas como um princípio histórico operacional
visível nas transações diárias da vida social, nas instituições e
nas práticas concretas que existem fora da esfera da própria
produção. Essas duas competências estão em operação na
“decodificação” que ele faz da evidência que indica a
presença de forças de classe e modos de consciência
estruturados por classe nas instituições históricas em que não
se percebe clara e explicitamente a consciência de classe
como prova sem ambiguidade da presença de classe.”14
reais no mundo, não como simples construções históricas sem referência a um processo ou
a uma força social real, foi possível a Thompson recusar a metáfora base/superestrutura,
justamente por obscurecer o papel das classes na história:
“Classe, na tradição marxista, é (ou deve ser) uma
categoria histórica descritiva de pessoas numa relação no
decurso do tempo e das maneiras pelas quais se tornam
conscientes de suas relações, como se separam, unem, entram
em conflito, formam instituições e transmitem valores de
modo classista.”15
Nesse aspecto, de relacionar a classe com seu momento histórico, com sua
historicidade, Thompson dá realmente um grande salto, pois evita o clichê de definir a
classe ou como revolucionária, reformista ou conservadora, sem levar em conta as
especificidades históricas, como aliás é feito por alguns autores.16 A crítica feita por
Armando Boito Jr. e Caio Navarro de Toledo em resenha sobre a obra de Gorender,
Marxismo Sem Utopia, é bastante elucidativo:
“Na perspectiva materialista, uma classe social é
definida tanto pela sua inserção nas relações de produção,
quanto por sua constituição efetiva num coletivo que trava
lutas concretas, dentro de um sistema de relações de classe e
num período histórico determinado. Nesse sentido, a
posição reformista ou revolucionária do proletariado deve ser
determinada tendo em vista a sua situação concreta numa
formação social e num período histórico específicos.”17
15
THOMPSON, E. P. “Folclore, Antropologia…”, op.cit, p. 260
16
GORENDER, Jacob. Marxismo Sem Utopia. São Paulo, Ática, 1999.
17
BOITO Jr., Armando & TOLEDO, Caio Navarro “Resenhas”. In Revista: Crítica Marxista, nº 10,
São Paulo, Boitempo, 2000, p. 174 (Negritos meus).
6
uma acepção para outra.18 No primeiro caso, classe na sua acepção moderna guarda relação
com a sociedade capitalista industrial do século XIX. No segundo caso, a especificidade
histórica, anacrônica, deve ser levada em conta quando lançamos mão do conceito na
análise de sociedades anteriores à Revolução Industrial. Entretanto, o fato de se manter o
uso da categoria heurística de classe não deriva da perfeição do conceito, mas da carência
de categorias adequadas à análise do processo histórico evidente e universal. Segundo
Hobsbawm, partilhando dessa posição de Thompson:
“No capitalismo a classe é uma realidade histórica
imediata e em certo sentido vivenciada diretamente, enquanto
nas épocas pré-capitalistas ela pode ser meramente um
conceito analítico que dá sentido a um complexo de fatos que
de outro modo seriam inexplicáveis.”19
Isso conduz, segundo Wood, à fórmula “luta de classes sem classe”20, que
Thompson propõe para descrever a sociedade inglesa do século XVIII, pretendendo
transmitir os efeitos de relações sociais estruturadas em classes sobre os agentes sem
consciência de classe e como precondição de suas formações conscientes. A luta de classes,
portanto, precede classe, tanto no sentido de que formações de classe pressupõem uma
experiência de conflito e de luta que surge das relações de produção, quanto no sentido de
que há conflitos e lutas estruturadas nas formas de classe mesmo nas sociedades em que
suas formações ainda não são conscientes. Como o próprio Thompson nos mostra, ao
afirmar a prioridade do conceito de luta de classes, por ser mais universal:
“As classes não existem como entidades separadas que
olham ao redor, acham um inimigo de classe e partem para a
batalha. Ao contrário, para mim, as pessoas se veem numa
sociedade estruturada de um certo modo (por meio de
relações de produção fundamentalmente), suportam a
exploração (ou buscam manter poder sobre os explorados),
identificam os nós dos interesses antagônicos, debatendo-se
em cima desses mesmos nós e, no curso de tal processo de
luta, descobrem a si mesma como classe, vindo, pois, a fazer a
sua descoberta da sua consciência de classe”.21
18
THOMPSON, E. P. “Algumas Observações...”, op.cit, p. 272
19
HOBSBAWN, Eric – op.cit, p 37
20
WOOD, Ellen, op.cit, p78
21
THOMPSON, E. P. “Algumas Observações...”, op.cit, p. 274
7
Contudo, isso merece uma ressalva, feita pelo próprio Thompson, que também
aponta a ideia de uma classe “madura”, formada:
“Quando digo que classe e consciência de classe são
sempre o último estágio de um processo real, naturalmente
não penso que isso seja tomado no sentido literal e mecânico.
Uma vez que uma consciência de classe madura tenha se
desenvolvido, os jovens podem ser “socializados” em um
sentido classista, e as instituições de classe prolongam as
condições para sua formação. Podem-se gerar tradições ou
costumes de antagonismo de interesses. Mas tudo isso faz
parte da complexidade que habitualmente encontramos na
nossa análise histórica, especialmente a contemporânea.”23
22
THOMPSON, E. P. – A Miséria da..., op.cit, p. 121
23
THOMPSON, E. P. “Algumas Observações...”, op.cit, pp. 274/275
24
Idem, Ibidem, p. 279
25
Idem, Ibidem, p 281
8
Voltando ao tratamento que é dado por Thompson à classe como relação e como
processo, percebemos sua insistência em reconhecê-la como uma relação que se estende
além do processo imediato de produção e do nexo imediato de extração. As ligações e
oposições contidas no processo de produção são a base da classe; mas a relação entre
pessoas que ocupam posições semelhantes nas relações de produção não é dada diretamente
pelo processo de produção e apropriação. Podemos então voltar a sua definição de classe no
Prefácio de A Formação, quando afirma que A experiência de classe é determinada, em
grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram – ou entraram
involuntariamente. A consciência de classe é a forma como essas experiências são tratadas
em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas
institucionais. Se a experiência aparece determinada, o mesmo não ocorre com a
consciência de classe.26
Evidentemente, como ficou claro, Thompson não corrobora com a ideia de a
formação da classe ser independente de determinações objetivas, nem sustenta que a classe
possa ser definida como simples fenômeno cultural, ou coisa semelhante. É nesse sentido
que Facina nos aponta:
“Diferentemente de uma perspectiva idealista de
inspiração romântica, é preciso notar que a cultura não é uma
totalidade harmônica, mas sim palco de disputas, conflitos e
lutas de classe que caracterizam a sociedade como um
todo.”27
26
Ver a nota 20
27
FACINA, Adriana – op. cit, p. 25
28
THOMPSON, E. P. – Costumes em Comum, São Paulo, Cia das Letras, 1998, p. 17
9
Nesse sentido, de enxergar cultura como elemento conflitivo, como arena de luta de
classes, embora achando que outros conceitos menos carregados de pretensões pudessem
funcionar melhor, Ciro Cardoso aponta situações em que se é possível empregar tal
conceito sem cair em um certo “culturalismo”, a saber: 1)serem elementos de um
patrimônio social, historicamente produzidos por sucessivas gerações, assimilados e
selecionados pela comunidade humana que os transmite de geração em geração; 2) terem
um nível que ultrapasse o individual e cuja dimensão se torna efetivamente social; 3) serem
duráveis, o que é garantido pelo controle, sanção e pressão sociais, mais ou menos
institucionalizados segundo os casos, o que de modo algum significa que sejam
imutáveis.29
Para concluir, e retomando pela última vez o aspecto relacional e processual que
Thompson remete às formações de classe, gostaria de exemplificar com uma passagem d’A
Formação, onde ele afirma que:
“O fato relevante do período entre 1790 e 1830 é
a formação da “classe operária”. Isso é revelado, em primeiro
lugar, no crescimento da consciência de classe: a consciência
de uma identidade de interesses entre todos esses diversos
grupos de trabalhadores, contra os interesses de outras classes.
E, em segundo lugar, no crescimento das formas
correspondentes de organização política e industrial30
Portanto, Thompson realmente tem uma preocupação em concentrar sua atenção nos
processos históricos complexos e, em geral, contraditórios pelos quais, em determinadas
condições históricas, situações de classe geram formações de classe.
29
CARDOSO, Ciro – Um Historiador Fala de Teoria e Metodologia. Ensaios, São Paulo, Edusc, p.
277
30
THOMPSON, E. P. A Formação ..., op.cit, vol. 2, p. 17.
10
BIBLIOGRAFIA
14. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich – A Ideologia Alemã, São Paulo, Martins
Fontes, 1989.
15. MARX, Karl & ENGELS, Friedrich – Manifesto do Partido Comunista. In MARX
& ENGELS – Obras Escolhidas, Moscou/Lisboa, Progresso/Avante, 1982, Tomo I.
16. MÉSZÁROS, Istvan – Para Além do Capital – Rumo a Uma Teoria da Transição,
Campinas/São Paulo, Unicamp/Boitempo, 2002.
17. NEVES, Lúcia Maria Wanderley & SANT´ANNA, Ronaldo “Gramsci, O Estado
Educador e a Nova Pedagogia da Hegemonia”. In NEVES, Lúcia Maria Wanderley
(org.) – A Nova Pedagogia da Hegemonia: Estratégias da Burguesia Brasileira para
Educar o Consenso na Atualidade, (no prelo).
18. THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa, Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1987, vol. I.
19. THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa, Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1987, vol. II.
20. THOMPSON, E. P. “Algumas Observações Sobre Classe e Falsa Consciência”. In
As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos, Campinas/São Paulo, Ed.
Unicamp, 2001.
21. THOMPSON, E. P – A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros. Uma Crítica
ao Pensamento de Althusser, Rio de Janeiro, Zahar, 1981.
22. THOMPSON, E. P. – Costumes em Comum, São Paulo, Cia das Letras, 1998.
23. THOMPSON, E. P. “Folclore, Antropologia e História Social”. In As
Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos Campinas, Editora da Unicamp, 2001.
24. WILLIAMS, Raymond – Marxismo e Literatura, Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
25. WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo. A renovação do
materialismo histórico, São Paulo, Boitempo, 2003.