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e os intelectuais
Uma edição realizada a partir do Artigo de Émile
Durkheim - L’individualisme et les intellectuels - Revue
bleue, 4e série, t. X, 1898, pp. 7-13
http:// classiques.uqac.ca index.html version électronique
Jean Jaurès
As Provas
Caso Dreyfus
(1898)
Prefácio
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falsos, à reprodução da guerra malevolente com taças envenena-
das que praticavam os Italianos dos séculos XV e XVI. Eis o estra-
Revista de Direito nhamento, eis o surpreendente e não que Dreyfus inocente tenha
do Cesusc.
No2. Jan/Jun 2007. sido condenado.
Documenta.
É preciso, portanto, apartar esse tipo de preconceito e olhar
diretamente os fatos. Ora, pelo exame dos fatos, é certo que Dreyfus
é inocente. Os dirigentes puderam afirmar sua culpabilidade. En-
quanto o fizeram em termos gerais, sua afirmação escapava a qual-
quer discussão. Mas assim que tentam precisar e produzir uma prova,
esta prova rui. Todas as vezes que recorrem ao famoso dossiê, é
para fazer surgir à superfície do poço misterioso ou uma tolice ou
uma falsificação.
Será preciso crer que um feitiço lhes foi lançado? Todos os
bordões sobre os quais se apóiam se partem entre suas mãos; é
madeira podre. E quando a revisão for feita, quando o processo
reiniciar à luz do dia, será difícil, ou melhor, será impossível para o
Estado Maior levantar um ato de acusação e afundar-se-á no nada.
Assim, agora desesperado para encontrar acusações sérias con-
tra Dreyfus, o alto exército tenta, com ajuda da fraqueza dos go-
vernantes e a cumplicidade malévola do Elysée, uma diversão su-
prema buscando desonrar e desgraçar o coronel Picquart.
Daí, a monstruosa acusação de falsificação levantada contra ele
a respeito do “petit bleu”. Com antecedência, na seqüência mesmo
dos artigos reunidos hoje nesse volume, nós respondemos a essa
acusação. Acrescento apenas, nesse curto prefácio, que essa maqui-
nação malévola foi preparada há muito tempo. Evidentemente, o
próprio Estado Maior a acha arriscada. Enquanto esperançava que
poderia salvar-se e impedir a revisão sem recorrer a essa suprema
malevolência, ele a adiou e foi somente quando a revisão ameaça-
dora já pairava sobre si, que atacou nesse lance desesperado.
Mas há muito o meditava e preservava. Há muito, os dois falsá-
rios, Henry e du Paty, preparavam contra Picquart a acusação de
falsificação.
Ela se torna pública primeiramente na carta que Henry es-
creve ao coronel Picquart em junho de 1897, e na qual fala da
“tentativa de subornar dois oficiais do serviço para fazer-lhe dizer
que um documento classificado no serviço, era da escrita de uma
personalidade determinada.” Henry que já havia confeccionado a
falsa carta contra Dreyfus preparava naquele momento falsos tes-
temunhos contra Picquart.
As deposições de Lauth, tão pérfidas e tão incoerentes, carre-
gam a marca de uma influência incompleta.
Em seguida, em novembro de 1897, é a falsa notícia Blanche 317
Revista de Direito
em que Esterhazy e du Paty dizem ao coronel Picquart : “Temos do Cesusc.
provas que o ‘bleu’ foi fabricado por Georges.” Assim, é a partir de No2. Jan/Jun 2007.
Documenta.
uma falsificação que a acusação de falsificação começa a provar: é
uma falsa peça que serve de berço à mentira ainda balbuciante.
Mas a partir de então, contra os mentirosos e os falsários, se eleva
essa terrível questão: Como não denunciaram oficialmente, desde
a primeira hora, o coronel Picquart?
No processo Esterhazy, em janeiro de 1898, quando é preciso
a todo custo salvar o cavaleiro, o ilustre Ravary, em seu relatório,
tenta lançar a dúvida sobre a autenticidade do “petit bleu”. Mas a
questão aqui é mais urgente ainda: Esterhazy é acusado de traição.
O antigo chefe do serviço de informações pretende ter recebido
de seus agentes uma peça que estabelece relações suspeitas entre
Esterhazy e Sr. de Schwarzkoppen.
Se essa peça é falsa, Esterhazy é vítima da mais abominável
maquinação. Se é autêntica, há contra ele uma presunção grave. O
primeiro dever dos investigadores e dos juízes é, portanto, esclare-
cer a autenticidade do “petit bleu”. Mas não, eles se contentam com
insinuações pérfidas. Não ousam denunciar formalmente como
falsa uma peça que sabem autêntica. Eles se limitam em desacredi-
tar por insinuações. Jamais maquinação mais celerada se espalhou
tão cinicamente.
Assim esperaremos, para discutir novamente e mais a fundo
essa miserável acusação, saber se o Estado Maior persiste nessa
manobra. É tão repugnante de engajar uma discussão séria com os
organizadores de uma cilada, que adiaremos a nova discussão de
fundo que poderíamos produzir.
Seria fácil demonstrar pelas próprias palavras do Sr. Lauth, a
falsidade de várias partes de seu testemunho e a autenticidade do
“petit bleu”. Mas nos agrada esperar que o Estado Maior produza
novas peças falsas que sem dúvida confeccionou para essa tentati-
va suprema.
A esta hora, nos basta advertir mais uma vez os cidadãos para
que não permitam que o coronel Picquart seja julgado às escuras.
Que o acusem em pleno dia; não pedimos outra coisa e temos a
certeza que a infâmia desses acusadores rebentará. Não mais qua-
tro paredes! Eis a palavra de ordem dos republicanos, das pessoas
honestas. Que seja nosso grito de guerra! E apenas pela força da
luz, venceremos. E nossa grande França generosa enfrentando mais
uma vez as potências da reação e do escuro, obterá reconhecimen-
318 to do gênero humano.
JEAN JAURES. 29 de setembro de 1898.
Revista de Direito
do Cesusc.
No2. Jan/Jun 2007.
Documenta.
Affaire Dreyfus,
Direitos Humanos e o
Individualismo Moderno
Neste ano, completam-se 110 anos da virada jurídica do Affaire
Dreyfus. E a seção Documenta da Revista de Direito do Cesusc ocu-
par-se-á com essa que foi, muito provavelmente, a disputa jurídica
mais publicizada durante o século dezenove no mundo ocidental.
O episódio inicial dessa disputa foi a condenação, por alta trai-
ção, de um oficial judeu de alta patente do exército francês, o capi-
tão Alfred Dreyfus (1859 – 1935). A partir da suspeita de espiona-
gem em favor do serviço secreto alemão, Dreyfus foi acusado,
ainda em 1894, de ser o autor anônimo de um documento, uma
folha, conhecida apenas como bordereau (memorando), que supos-
tamente conteria informações sobre as posições militares dos fran-
ceses em área de fronteira com a Alemanha. De suspeito, Dreyfus
rapidamente se tornou condenado. Sofreu degredação pública, em
ato constituído pelo alto comando do Estado-Maior, e foi rapida-
mente transformado em manchete nacional como atesta a primei-
ra página do Le Petit Journal de 13 de janeiro de 1895: Le Traite:
Dégradation d´Alfred Dreyfus. Na seqüência, Dreyfus foi encerrado na
Ilha do Diabo (Guiana Francesa) para cumprir pena de prisão per-
pétua. Finalmente, os enfrentamentos no campo jurídico-político
se arrastaram até 1906, ano em que Dreyfus foi reconduzido, com
glórias militares, à patente militar que havia perdido anos antes.
O Caso Dreyfus se tornou notório ao ganhar as páginas de
jornais do mundo, e os anos de 1898 e 1899 foram decisivos para
a conquista dessa expressão internacional. Mais precisamente em
janeiro de 1898, Emile Zola, já um ilustre escritor amigo do povo,
após várias tentativas de sensibilização da opinião pública, conquis-
tou a atenção esperada ao publicar na capa de um dos principais
jornais da época (L´Aurore) o panfleto J’Accuse. O ataque desferi-
do foi estrategicamente endereçado ao Presidente da República,
Félix Faure (1841-1899) e logo se tornou uma das principais peças
publicitárias, juntamente com os editoriais de Clémenceau a justifi-
car uma nova onda de interesse público sobre o Affaire. Parte
expressiva da intelectualidade francesa aderiu à defesa de Dreyfus e
esta adesão militante inaugurou o surgimento de dois grandes
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Revista de Direito
do Cesusc.
movimentos de idéias e propaganda: os dreyfusards, predominante- No2. Jan/Jun 2007.
Documenta.
mente associados à esquerda, às forças progressistas e anticlericais,
e os anti-dreyfusards, claramente conservadores, militarizados e liga-
dos à igreja. Panfletos, artigos de revista, matérias de jornal, concla-
mações, discussões acaloradas, brigas de patifarias, ameaças, pri-
sões e outros vários expedientes teatralizantes tornaram-se corri-
queiros, tendo como palco a rua, os Liceus, os Salões, os Cafés, as
reuniões de família, enfim, os espaços de realização da vida ordi-
nária do País.
A exarcebação passionalista desse momento eternizou o Affaire
Dreyfus, e um caso que durante três anos havia sido visto com certo
distanciamento pela opinião pública francesa e européia se tornara
então, de uma hora para outra, um devorador de rotinas institu-
cionais e pessoais de toda uma nação. O novo campo de eventua-
lidades, a nova regra passou a ser combater os amigos de Dreyfus
através de manobras políticas, jurídicas e de propaganda. Viva o
Exército! Viva a França! anunciava um panfleto de autoria creditada
a certo Grupo Patriótico de Toulouse, ligado ao Comitê Nacionalista. Outro
Panfleto expunha em letras garrafais: Dreyfus é um Traidor! Viva a
República! Abaixo os traidores! E em meio a essas expressões nacio-
nalistas figuravam as fotos dos amigos da França e da República,
General Mercier, o Ministro de Guerra Cavaignac, o General Zur-
linden, o General Billot e o General Chanoine.
Todavia, a resposta adversária não deixava para menos. Em
claríssimo ato de reivindicação do espírito da nação, um panfleto
editado exatamente como o dos oponentes espetacularizava: Dreyfus
é Inocente! Viva a França! Viva a República! Viva o Exército! Abaixo os
traidores! E aqueles que se anunciavam como os defensores do Di-
reito, da Justiça e da Verdade eram destacados por fotos tão bem
produzidas quanto o de seus inimigos anti-dreyfusards. Eram eles:
Zola, Scheurer-Kestner, Clémanceau, Yves Guyot, Reinach, Laza-
re, Labori, Pressensé, Jaurès e ao centro, o Coronel Picquart. Ou-
tro exemplo notório foi o surgimento do Manifesto dos Cento e Qua-
tro, uma espécie de panfleto que trazia em seu cabeçalho os dizeres:
Os assinantes protestam contra a violação das formas jurídicas do processo de
1894 e contra os mistérios que cercam o caso Esterhazy [grifo nosso] e
persistem na reivindicação da revisão. Entre os vários estudantes, profes-
sores e personalidades da vida política e cultural francesa figura-
vam nomes como o de Émile Durkheim, Charles Péguy, Émile
O Editor
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Revista de Direito
do Cesusc.
No2. Jan/Jun 2007.
Documenta.