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Ball, S. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade. Cadernos de Pesquisa, v.35, n.126, p.

539-
564, set./dez.2005

1) Objetivo do texto: Analisar como as tecnologias de política performatividade e gerencialismo


são utilizadas como estratégias para a reforma educacional, e como estas exercem influência
negativa sobre as relações interpessoais entre os profissionais.

2) Tese do autor: Ball argumenta que atualmente o termo profissionalismo está longe de ser o que
ele realmente acredita. Para ele, profissionalismo tem relação direta entre o “profissional e seu
trabalho, uma relação de compromisso que está situada nos diálogos comunitário e interno”
(p.541). Entretanto, em nome da modernidade essas relações vêm sendo ‘erradicadas’ em prol
de uma reforma educacional que se sustenta nas tecnologias da performatividade e
gerencialismo. Nessa perspectiva, Ball enfatiza que seu foco principal se baseia nas novas
relações, identidades e valores que se estabelecem a partir da instalação dessas novas
tecnologias.

3) Principais ideias e argumentos:

3.1- O profissionalismo
 “A formação da identidade profissional dos professores na prática” está passando por
intensas transformações, na qual Ball argumenta que a ética profissional dos professores
não existe mais.

 Para Ball o profissionalismo se caracterizaria pela dialogicidade, ou seja, “em uma


relação específica entre o profissional e o seu trabalho, uma relação de compromisso
que está situada nos diálogos comunitário e interno” (p.541).

 É necessário fazer uma reflexão acerca do real significado dado ao profissionalismo, já que
que as denominações quanto ao termo profissionalismo atualmente “‘novo profissionalismo’,
(McNess, Boadfoot, Osborn, 2003, p.248), ‘ reprofissionalismo’,ou mesmo ‘profissionalismo
pós-moderno’ não é, de forma alguma profissionalismo” (p.542). O autor chama atenção para
a ressignificação quanto ao termo profissional, e que “os textos políticos e gerenciais” partem
do pressuposto que nós não perceberemos que o significado dado atualmente para o termo
profissionalismo e como ele é praticado diferem do que era antes da reforma.
 Essas novas denominações quanto ao termo profissional tem relação direta com o sistema
capitalista, que traz mudanças tanto a nível discursiva quanto relacional. Ou seja, essas
mudanças discursivas propiciam uma nova linguagem que vai determinar novos papéis e
relações , nas quais “as organizações educacionais reformadas estão agora ‘povoadas’ de
recursos humanos que precisam ser gerenciados; a aprendizagem é reapresentada como
resultado de uma política de custo-benefício; o êxito é um conjunto de ‘metas de
produtividade’ etc.” (p.546) gerando assim uma nova ética organizacional calcada nos
princípios da competição, eficiência e produtividade em prol dos interesses da instituição.

 Crítica ao termo profissionalismo na modernidade. Diante disso, podemos definir


algumas categorias para tentar distinguir o profissional de antes e pós reforma segundo
Ball:
Profissionalismo antes da reforma Profissionalismo pós-reforma
-Racionalidade substantiva(conteúdo) -Racionalidade técnica (forma)
-Autêntico profissional(profissional que -Obediência a regras de forma exógena/
busca soluções para os problemas) performance (desempenho)
-Necessidade de raciocínio moral e
incerteza adequada
- Eficácia

 Ball tentar definir o profissional de hoje, dialogando com alguns autores, que descrevem esse
profissional como: “eles são ‘meros espectadores’ (Stronach et al., 2002, p.115), ou ‘sujeitos
não incorporados’ (Weir, 1997) de quem se exige ‘o desligamento de sua experiência social’
(Dillabough, 1999, p.378) e o empenho por algum tipo de ‘instrumentalismo desengajado’”
(Taylor, 1989). O autor não faz menção ao profissional ideal, o que ele coloca é a falta de
respeito que exerce sobre o profissional, no qual este se vê forçado a se desligar de sua história
de vida, de suas crenças e valores para atingir um desempenho desejado.

3.2-A performatividade
 O autor neste tópico vai tentar ilustrar o uso do termo performatividade, como sendo “uma
tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação que emprega julgamentos,
comparações e demonstrações como meios de controle, atrito e mudança” (p.543).
 Essa tecnologia quando utilizada produz critérios mensuráveis quer servem para comparar o
desempenho dos sujeitos dentro da instituição.
 Se apoiando na afirmação de Lyotard (1984), Ball define performatividade como ‘os terrores’
(soft e hard) de desempenho e eficiência” (p.544), afim de controlar o contexto ou seja , se
você não se enquadrar nos critério pré definidos, será descartado. Processo definido por
Bauman (1991, apud Ball, 2005), como intolerância, consequência natural da modernidade.

3.3- O gerencialismo
 Segundo Ball, o gerencialismo seria a principal tecnologia política da reforma do setor
público nos países do norte dos últimos 20 anos.
Gerencialismo
Visão que eles Visão crítica
almejam passar
Instrumento de reformulação do setor público Instrumento para criar uma cultura
empresarial competitiva

Processo de institucionalização Processo de


desinstitucionalização

Liderança “carismática” pré moderna Ampliação do que


pode ser cotrolado na
esfera administrativa

Responsabilização pelo bem-estar

da organização Destruição dos


sistemas ético-profissionais

3.4- A reforma de relações e subjetividades

 Ball alerta que as tecnologias de políticas utilizam diferentes “técnicas e artefatos”


como “uma alternativa politicamente atraente e eficaz ao tradicional provimento de
educação para o bem estar- público, centralizado no Estado” (p.545).
 Cabe ressaltar, que Ball chama atenção para o fato de que essas tecnologias políticas
além de produzirem mudanças técnicas e estruturais, elas também tem o poder de
“reformar os profissionais do setor público, como os professores” (p.546). Elas mudam
nossa “identidade social” (Bersntein, 1996, p.73 apud Ball, 2005). Cabe ressaltar, que a
reforma de relações e subjetividades diz respeito a um fenômeno social e não pode ser
encarado como uma questão individual.
 Em diálogo com Rose (1989), Ball afirma que a reforma da educação na verdade é
sobre quem exerce de fato influência sobre a subjetividade e as relações interpessoais.
 Nessa perspectiva, Ball argumenta que seu principal objetivo não são as mudanças
estruturais causadas por essas tecnologias, mas sim, as transformações que essa
tecnologias trazem para as relações e subjetividades. Quais valores, sentimentos e
relações são estabelecidas a partir da reforma educacional calcada nessas novas
tecnologias.
 A reforma educacional traz novos papéis e funções para o professor, que são
constantemente alvos de avaliações, produzindo dentro do âmbito educacional
sentimentos de competitividade, necessidade de eficiência e a procura em ser o melhor
em tudo, pois a qualquer momento seu desempenho pode vir a ser avaliado e
recompensado.
 Ball novamente nos chama atenção que dessa maneira as subjetividades estão sendo
destruídas, “a complexidade humana vê-se reduzida à forma mais simples possível:
números em uma tabela” (p.547).
 Existe uma diferença pontual no que diz respeito a identidade social do professor, pois
de acordo com Ball “os professores acabam inseridos na performatividade pelo
empenho que tentam corresponder aos novos imperativos da competição e do
cumprimento de metas” (p.548).
 O profissional professor se tornou um técnico, sua formação se constitui em aprender e
apreender “um conjunto de competências” (p.548), para atingir os objetivos que vem de
fora, que muitas vezes nada tem haver com às reais necessidades dos sujeitos
envolvidos.
 No quadro abaixo podemos sintetizar algumas características do pós profissionalismo
apontadas por Ball :
Insegurança
Sentimentos de culpa, medo, orgulho,
vergonha e inveja
Competências e técnicas
Competitividade
Busca pela perfeição
Visibilidade através de avaliações constantes
Instabilidade
Mensurações
Comparações
Metas
Individuação

 Ball apoiado nos estudos de Jeffrey e Woods (1998) explica que a performatividade tem
o poder de produzir um “espetáculo, um jogo ou uma submissão hipócrita, ou aquilo
que podemos chamar de ‘representação de uma fantasia’ (Butler, 1990 apud Ball, 2005,
p.552), ou seja, o professor finge ser quem ele não é, apenas para satisfazer o
desempenho almejado pelos que estão na escola inspecionando, julgando, comparando.
Essa relação nomeada por Ball de “gerenciamento do desempenho” (p.552), cria
problemas pessoais e profissionais que traz consequências trágicas no relacionamento
entre professor e aluno em sala de aula. Segundo Ball, “ a reforma mudou o
relacionamento do professor (grifo meu) com as crianças, agora nelas em vez de com
elas” (p.553).
 Há um dualismo nessas novas identidades profissionais porque ao mesmo tempo em
que elas são “poderosas” –pois exige-se um profissional complexo, dinâmico e que
busca a perfeição- são “frágeis”- pois instaura sentimentos de culpa, medo, orgulho,
competitividade, insegurança, causando no profissional professor, por exemplo uma
constante tensão entre crenças e representação, ou seja, “as crenças não importam mais-
é a produção que conta. As crenças fazem parte de um discurso ultrapassado, cada vez
mais fora do lugar” (p.554).

 Ball considera a prática de sala de aula como inautêntica na medida em que professores
não conseguem estabelecer uma reflexão dialógica entre o “eu” e o “ser professor”.
Diante disso, o autor caracteriza três formas de prática inautêntica:
 “Em relação a si mesmo- a percepção que se tem do que é certo;
 Nas relações com seus alunos- quando um compromisso com o aprendizado é
substituído por objetivos de desempenho;
 Nas relações com os colegas- quando o empenho e o debate são substituídos
por conformidade e silêncio” (p553-554).
3.5- Dois discursos: as possibilidades de estabelecer um parâmetro diferente para si próprio
 Ball salienta que existem atualmente vários discursos em torno do “profissional de
antigamente”, no entanto, ele sintetiza esses discursos em apenas dois:
“O Profissional reformado ou pós- “Profissional autêntico ou profissional
profissional” reorientado”
-Profissional orientado para indicadores -Trabalho de cunho moral, investimento
de desempenho, concorrência, emocional, consciência política,
comparação; adaptação e acuidade” (Harggreaves,
-Representado em espetáculos 1994 apud Ball, 2005, p.558);
(performances); -Autenticidade;
-Aquele que responde aos requisitos -Compromisso pessoal;
externos e a objetivos específicos; -Prática profissional é “não só
-Equipado com métodos padronizados e determinada pela narrativa pessoa, como
adequados para eventualidades; [...] também é moldada pelas relações
-disposição e habilidade para se adaptar sociais e estruturais, dentro e além [...]”
às necessidades e vicissitudes da política; (Dillabough 1999 apud Ball, 2005,
p.558);
-Reflete sobre a prática;
-Convivem com a ambivalência;

 O autor finaliza sua tese colocando que em hipótese alguma ele está tentando dizer
que o professor de antigamente é o professor autêntico. Porém ele afirma, que as
críticas ao professor reformado existem e que é tarefa do pesquisador e do analista
desse tópico é justamente tentar resgatar crenças, valores e subjetividades que foram
excluídas pela reforma educacional e tentar produzir reflexões acerca do ato de
ensinar sem se deixar influenciar pelo discurso reformado que atualmente permeia as
instituições educativas.

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