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M Delly Miseria Dourada I PDF
M Delly Miseria Dourada I PDF
M. DELLY
MISÉRIA DOURADA
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Miséria Dourada I– M. Delly
com dois filhos, dos quais o mais velho tinha dez anos.
Pai carinhoso e devotado, não quis se separar dos filhos e deu-lhes uma
governante encarregada ao mesmo tempo de dirigir a casa e de cuidar da
educação dos queridos pequenos. Mas o meigo professor era um patrão muito
cego e logo a sua fortuna sofreria vários golpes; primeiro pela pouco escrupulosa
governante e em seguida por falsos amigos, parasitas sem brio. Esses golpes
foram tantos e tão bem feitos que um dia Adriano Lieixkwicz, fatigado, viu-se na
obrigação de abandonar sua cátedra e constatou com uma estupefação terrificada
que seus recursos eram apenas suficientes para viver muito modestamente com
os seus dois filhos.
Foi um golpe bem rude para aquele homem já fisicamente abatido. Caiu
doente e foi admiravelmente tratado por sua filha Marísia, "seu tesouro", como ele
gostava de chamá-la. Assim que entrou em convalescença deixou a confortável
casa que ocupara até então indo se instalar em um estreito apartamento. Sua
precária saúde só lhe permitia dar algumas lições cujo produto vinha auxiliar o
pequeno lar muito bem dirigido por Marísia, que parecia ter herdado as qualidades
de sua mãe.
Viviam assim os três, muito dignos em sua pobreza, visitados apenas por
alguns amigos dos maus dias. A mais penosa prova era a enfermidade de Alexy, o
irmão de Marísia, que uma paralisia das pernas reduzia à imobilidade. O médico
havia declarado, há pouco, que o clima de Viena lhe parecia desfavorável para o
doente e que o ar vivo e sadio do campo, principalmente o das florestas obteria,
senão a cura, pelo menos uma notável melhora. Desde então, o professor e sua
filha procuravam um modo de tentar essa cura com poucas despesas.
Adriano Lienkwicz teria encontrado inesperadamente a solução desse
problema na última página do seu jornal?
Inclinando-se para uma porta deixada entreaberta, chamou:
Marísia!
Ouviu-se o ruído de uma cadeira que se recua no quarto vizinho; uma alta e
esbelta jovem apareceu na abertura da porta.
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dessas ocupações vulgares, livre para desenvolver a bela inteligência com que
Deus a dotou.
Um sorriso alegríssimo entreabriu os lábios de Marísia.
E eu, querido pai, só peço uma coisa: continuar a servir o senhor e Alexy,
ser amada pelos dois e conservar a coragem, a atividade com que Deus me
gratificou. Com isso e enquanto conservar a fé cristã, a sua Marísia nunca será
infeliz... Bom, vou ver a minha sopa que está se derramando no fogo!
Correu para a cozinha. O professor levantou-se, murmurando com
enternecimento:
Sempre alegre!... e tão corajosa! Ah! Meu Deus, como foste bom em me
dar uma tal filha!
Dirigiu-se para o cômodo vizinho, a sala de jantar que servia também de
salão. Sobre um divã, junto da janela, estava estendido um rapazinho de uns
quinze anos. À entrada do professor Alexy voltou para ele os olhos escuros, muito
grandes para o seu rosto emagrecido e que sobressaía na palidez mate de sua
tez. Esse juvenil semblante era singularmente atraente, pela sua beleza ferida e
mais ainda pela sua expressão de sofrimento resignado.
Sente-se melhor, meu querido filho? perguntou ternamente o professor,
passando a mão sobre a espessa cabeleira negra, bastante anelada.
Um pouco melhor, obrigado, papai.
Eis uma coisa que talvez se possa arranjar para nós, Alexy... O que você
diz? acrescentou Adriano Lienkwicz depois que o filho leu o anúncio.
Quem sabe, papai? O senhor vai escrever?
Agora mesmo...
Depois de ter redigido um cartão para o endereço indicado, voltou para
junto do filho. Alexy folheava um masso de velhos pergaminhos, e ao vê-lo se
aproximar, disse pensativamente:
É extraordinário que o senhor nunca tenha procurado as origens de
nossa família, papai. Parece-me, entretanto, que poderia encontrar na Polônia
alguns indícios.
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da nossa residência".
Quanto mistério não acha, papai? disse Marísia quando tomou
conhecimento dessa carta, escrita em um estilo elegante, mas muito breve...
sempre essas iniciais...
Essa pessoa não quer, sem dúvida, enviar o seu nome à curiosidade de
qualquer um. É muito natural... Você bem vê que ela parece ser exigente sobre a
questão de honorabilidade e isso é um bom sinal.
Evidentemente. Sobre esse ponto nada temos a temer. Quanto às outras
condições também as podemos preencher sem dificuldades. O senhor ou eu
poderemos dar as lições pedidas e ainda nos restará muito tempo livre... o senhor,
meu pai, poderá trabalhar na sua "história da Polônia" e eu poderei me ocupar do
nosso lar. A situação será agradável, certamente... mas é preciso ser mais
esclarecida.
O professor respondeu à sua correspondente desconhecida, dando-lhe os
detalhes pedidos e indicando as pessoas de uma honorabilidade incontestada a
quem ela poderia se dirigir para as referências.
Quinze dias se passaram sem nenhuma resposta. Depois uma manhã o
carteiro entregou a Marísia um envelope brazonado, timbrado com uma coroa de
conde. O sobrescrito tinha sido traçado pela mesma mão da carta recebida
anteriormente.
Eis uma resposta, papai, disse a moça entrando na sala de jantar onde
o professor explicava a Alexy uma versão grega.
Adriano Lienkvicz rasgou apressadamente o envelope e leu alto:
"Senhor Professor,
"As referências me satisfizeram inteiramente e o senhor me parece
preencher todas as condições exigidas por mim para com aqueles que virão
habitar sob o meu teto. Se então o senhor está decidido, participe-mo. Quanto a
mim estou disposta a recebê-lo em Runsdorf. nossa residência. O senhor gozará
de inteira liberdade fora das horas de lição.
"Espero a sua resposta definitiva.
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Lendau ocupavam uma grande parte da região. Pouco a pouco, porém, foram
perdendo o seu patrimônio, absorvido pelas prodigalidades dos senhores de
Runsdorf, que levavam a mais faustosa existência. Hoje resta aos seus
descendentes apenas a moradia senhorial e algumas terras sem importância.
"Entretanto, os Lendau parecem ter ainda uma grande riqueza. Levam uma
vida de grandes senhores e não perderam um pingo do imenso orgulho de casta,
hereditário nessa família. Sua reputação, porém, é irrepreensível e julgo que o
senhor pode, sem o menor temor, aceitar essa oferta.
“Pessoalmente, não conheço a condessa, porque o senhor deve calcular
que um plebeu, embora seja filho de um funcionário particularmente estimado por
Sua Alteza o arqui-duque Josef, não tem a honra de ser admitido em Runsdorf.
“A arrogância dessa família será, talvez, o único ponto penoso para o
senhor. Mas, conservando altivamente as distâncias, penso que não terá nenhum
choque a temer, pois os Lendau são pessoas corteses e de boa educação.
“Dizem, aliás, que a condessa é muito bondosa, sob a sua aparência altiva.
há uma jovem de dezoito anos, um rapazinho e duas meninas de uns doze anos.
Mas não esqueçamos o mais importante: Sua senhoria o conde Valther de
Lendau, o filho mais velho da condessa, atual senhor de Rurisdorf e outras terras,
para empregar a antiga fórmula.
"Repito-o: É uma família respeitável, vivendo muito retirada, com exceção
de algumas recepções da aristocracia e de algumas reuniões faustosíssimas
dadas em Runsdorf. Acredito que ficará muito bem nessa velha residência, senhor
professor. Diga-nos então se se decidirá e, uma vez em Eunsdorf, não se esqueça
dos seus amigos de Nunsthel, que esperarão impacientes a sua visita.
"Permite-me oferecer as minhas respeitosas homenagens à senhorinha
Marísia que eu conheci menina em Viena, agora que sou um rapaz turbulento e
muito desajeitado do qual ela talvez se recorde?
Oh! muito bem! disse Marísia rindo. um lourinho, gorducho e
espalhafatoso, mas muito bom rapaz.
Ele tem por quem puxar. Seu pai é um coração de ouro. E com isso que
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bela inteligência, que distinção de maneiras!... Afinal, que decidimos, meus filhos?
Parece-me que nada, nessa carta, é de natureza a nos fazer hesitar.
respodeu Marísia. Como diz o sr. Euntz apenas teremos que não chocar o
orgulho dos Lendau, colocando-nos no nosso lugar e assim também
salvaguardando a nossa dignidade... Que você diz, Alexy?
Sou de sua opinião. Nunsthel será para nós uma agradável vizinhança e
o senhor, papai, ficará contente por encontrar novamente o seu amigo.
Vamos, a sorte está lançada! declarou o professor com um suspiro de
alívio. Vou escrever à condessa, e dentro de quinze dias estaremos a caminho
de Runsdorf.
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II
Sim, eles estavam de fato sobre a estrada de Runsuorf, nessa tépida tarde
de primavera perfumada pelas exalações florestais. A carruagem corria sobre um
caminho largo, bem tratado, que atravessava a floresta. Mas o cair da noite
impedia os viajantes de verem fora de um raio muito restrito e, pouco a pouco a
sonolência se apoderou do professor e de Alexy, fatigados pela viagem. Marísia,
sim, ela estava bem acordada e um pouco melancólica. Havia saído de Viena com
algum pesar, deixando duas amigas; mas seu pai nem Alexy suspeitaram essa
tristeza que ela sabia dissimular. Na estação de Dlifelden acabava de
experimentar uma desilusão de sentir uma secreta amargura, encontrando, para
os esperar, apenas uma carruagem de aluguel mandada pela condessa.
Entretanto os senhores de Runsdorf deviam ter equipagens e criados à sua
disposição. Sem dúvida, porém, julgavam os seus novos hóspedes como pessoas
de muito pouca importância e não quiseram se incomodar por causa deles.
Entretanto, passado o primeiro momento de contrariedade, a razoável
Marísia pensou:
"Contudo que nos importa isso? Estamos suficientemente bem instalados
neste antigo veículo e não entrou em nossas combinações com a sra. Lendau que
ela nos daria o gozo de suas carruagens!"
Depois de algum tempo a carruagem descia sensivelmente. Parou de
repente. À claridade das lanternas, Marísia distinguiu uma larga grade; logo no fim
de um pátio que parecia imenso, uma imponente fachada cujas numerosas
janelas, do andar térreo, estavam brilhantemente iluminadas. Mesmo no pátio,
diversos pontos luminosos anunciavam a presença de numerosas carruagens.
O cocheiro fez entrar o seu lastimável carro e o parou diante da grande
escada circular. Nesse instante ouviu-se o galope de um cavalo. Um cavaleiro
apareceu, saltou à terra e estendeu um papel ao criado em libré escura que
acabava de surgir ali.
Um telegrama para o barão de Holberg, disse ele.
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O criado afastou-se.
Durante esse tempo o professor e Marísia desciam do carro. Deixando seu
pai dar alguns passos para dessipar a sua sonolência, a jovem subiu a escada,
afim de procurar a quem falar.
O vestíbulo abobadado, imenso, ornado de troféus de caça, estava bem
iluminado, mas deserto. O som de uma orquestra, ritmando uma valsa, chegou
aos ouvidos de Marísia. Esta, perplexa, perguntava a si mesma para que lado
devia se dirigir, quando viu aparecer o criado, velho alto, direito e seco, cujas
suissas brancas enquadravam um semblante rígido, onde os olhos punham dois
pontos agudos, muito brilhantes.
Somos as pessoas esperadas pela condessa de Lendau, disse Marísia.
Ele envolveu-a com um olhar desconfiado e suas sobrancelhas tiveram um
rápido franzir.
O senhor professor Lienkwicz e seus filhos? Muito bem, senhorita. Vou
fazer com que os conduzam ao seu apartamento. Querem entrar para aqui,
enquanto vou prevenir a camareira?
Ele designava uma espaçosa peça, o vestiário sem dúvida, porque se via
ali um grande número de casacos femininos e de sobretudos. Marísia sentou-se
sobre uma banqueta vindo seu pai se reunir a ela.
Que imponente, este criado! disse o professor sorrindo. Se os
patrões lhe estão em proporção...
Não gosto nada dessa fisionomia. O olhar é desagradável... ela se
interrompeu, ouvindo um barulho de vozes atrás de uma porta deixada
entreaberta. Estas palavras lhe chegaram, pronunciadas por uma voz masculina,
clara e fria:
Lamentamos que essa desagradável nova nos prive de sua presença
quase no fim da soirée.
Ao mesmo tempo a porta se abriu completamente. Uma joven, vestida de
tule rosa, apareceu, seguida por um homem de uns cinquenta anos, alto e forte,
cujo rosto estava emoldurado por uma barba meio grisalha, aparada com arte.
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Atrás deles vinha um moço de alta e esbelta estatura, que trazia o seu traje de
soirée com uma elegância aristocrática.
Os dois primeiros lançaram um olhar surpreso e passavelmente
desdenhoso sobre Marísia e seu pai que se levantaram. Um espanto apareceu.
durante alguns segundos no olhar de seu companheiro. Depois, este, subitamente
fez o gesto de um homem que diz: "Estou aqui!"
O senhor professor Lienkwicz, suponho eu? perguntou, respondendo
com uma cortezia ligeiramente altiva ao cumprimento dos recém chegados.
Ele mesmo... É ao senhor conde de Lendau que tenho a honra de me
dirigir?
Sim, sou o conde Walther de Lendau... já o atenderam, senhor professor?
Sim, senhor conde.
Está bem. Sejam, pois, bem-vindos à Runsdorf, onde esperamos se
achem bem.
Tendo assim preenchido os seus deveres de hospitalidade, convidou o pai e
a filha a se sentarem novamente e voltou-se para os seus convidados, junto dos
quais um lacaio surgido repentinamente, era todo cuidados.
Desejo que o acidente de seu tio não tenha consequências
desagradáveis, disse ele dirigindo-se à moça que se detinha abotoando a sua
"saída" de cetim branco. Talvez que o seu criado se tenha alarmado sem
grandes razões...
Segundo o seu costume... Esse bom Wihllem é um cão fiel, que ao menor
sofrimento do seu dono se desespera, respondeu ela com um sorriso de
zombaria que deixou brilhar os finos dentinhos.
Era, na verdade, uma linda criatura: pequenina, mimosa, fina como uma
boneca de luxo. Em seu semblante mate e delicado, os olhos negros tinham belos
reflexos brilhantes. Tinha movimentos graciosos, às vezes um pouco impacientes
como os de uma criança mimada. A uma observação do personagem de barba
grisalha respondeu com um franzir das suas sobrancelhas escuras.
A senhorinha Holberg lamenta deixar o baile, disse o conde de Lendau
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delas estava quebrada e era dali que vinha o vento sentido por Marísia.
A jovem se aproximou e lançou um olhar para fora.
“Quanto isto é singular!” murmurou, sem poder reter um ligeiro frêmito.
À sombria claridade da lua que se escondia entre as nuvens, ela via um
lagozinho escuro, inteiramente encaixado entre edifícios compostos por um só
andar e um dos quais formava a longa galeria em que Marísia se achava. No meio
desse lago erguia-se uma espécie de capela, baixa, encimada por uma cruz muito
grande uma estranha construção achatada, mal acabada, que pareceu à Marísia
toda negra como o próprio lago.
"É lúgubre!" pensou, muito impressionada.
Em seguida voltou para o seu quarto, fechou o ferrolho e colocou o seu leito
mais longe, afim de não sentir o vento. Feito isto, deitou-se e logo dormiu, apesar
da desagradável sensação produzida pelo estranho lago negro e sua fúnebre
capela.
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Alexy fatigado pela viagem teve que ficar na cama no dia seguinte. Calmo e
resignado como de costume olhava a irmã que ia e vinha pondo em ordem o
apartamento, enquanto o professor separava uns preciosos papéis antigos,
cuidadosamente colocados em sua mala.
Otavia entrou trazendo o café com leite e avisou o professor e sua filha que
a condessa os receberia dentro de uma hora.
Eu virei buscá-los, porque decerto não saberão se orientar em todos
esses corredores. Dormiu bem, senhorinha?
Muito bem. Mas não seria possível tapar, nem que fosse com um papel,
essa vidraça quebrada, que deixa passar tanto vento?
Uma vidraça quebrada?... em seu quarto, senhorita?
Não, em uma galeria, ao lado.
Uma expressão de terror se estampou na fisionomia de Otavia.
Na galeria?... A senhora esteve na galeria? Sua voz tremia.
Terei cometido, sem o saber uma indiscrição? Eu apenas quis saber de
onde vinha aquele vento.
Oh! não há indiscrição alguma! Nunca ninguém vai lá, principalmente à
noite. Oh! não, certamente! tremendo toda, ela se persignou. ... Mas é preciso
dizer que há um grande perigo em ir à noite até o lago negro. ele é... assombrado
Sua voz havia abaixado e ela olhava a sua volta como se esperasse ver surgir
algum fantasma.
Marísia se pôz a rir.
Eu não creio em almas do outro mundo e asseguro-lhe que nada vi ao
entrar de noite nessa terrível galeria. Mas é preciso convir que o aspecto desse
lago se presta a lendas fúnebres.
A lendas! disse Otavia com voz abafada. Fui eu mesma, senhorita,
que encontrei, uma manhã, estrangulada sobre a beira do lago, uma jovem
camareira de minha idade; tinha eu então dezesseis anos. Fui eu também que
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primeiro corri, aos gritos da condessa Luba, e que a encontrei de joelhos, junto do
lago, os braços estendidos para a água negra onde ela acabava de ver
desaparecer a sua cunhada antes de poder lhe prestar socorro.
Quem era essa condessa Luba?
A irmã do conde Arnulf, avó dos atuais jovens senhores. ele havia
esposado em segundas núpcias a uma bela jovem, uma italiana. Meu Deus, como
era formosa! A condessa Paola... e tão boa, tão amável! ela tomou-me ao seu
serviço... eu ajudava a ama a cuidar de sua pequena Franziska, hoje senhora
cônega de Lendau. Pois, uma manhã, a sua camareira, correu para mim dizendo:
"Octavia, a senhora condessa está louca!" E era verdade, senhorita. Entrando em
seu quarto, eu a vi sentada, o olhar desvairado, repetindo de tempos em tempos:
“O lago! O lago!” "O conde e sua irmã correram a ovê-los, a condessa Paola teve
uma crise terrível e eles foram obrigados a se retirar do aposento dela. A condessa
Luba estava lívida; esse espetáculo parecia ter produzido um efeito terrível sobre
ela. Quanto ao conde Arnulf, ninguém o reconheceria! Diziam, geralmente, que ele
não tinha o coração muito terno, mas em todo o caso, julgo que amava
ardentemente sua jovem esposa e esta sempre parecera muito feliz junto dele. O
médico, chamado às pressas, acalmou a crise, mas deixou poucas esperanças
quanto à volta da razão e outros consultados não foram mais tranquilizadores. A
jovem senhora se tornara mais tranquila mas não podia ver nem o marido nem a
cunhada... não podia ouvir nem os passos deles! Nunca mais falou a não ser para
dizer, com um ar espantado: “O lago! O lago!” "E eis que uma tarde, enquanto eu
trabalhava com uma outra criada nestes aposentos que a senhora ocupa, e que
serviam para os hóspedes nas ocasiões das grandes caçadas, ouvimos um grito
pavoroso... Oh! nem gosto de me lembrar, o sangue gela em minhas veias!...
Como então, tive coragem de correr para a galeria, apesar das minhas trêmulas
pernas? Decerto eu era mais corajosa do que agora... e vi o espectáculo que lhe
contei há pouco: a condessa Luba, ajoelhada, torcendo as mãos e gritando por
socorro, emquanto mostrava a água que fazia um grande redemoinho.
Desgraçadamente era muito tarde! Sondaram todo o lago com ganchos e ferros,
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apartamento de Adriano Lienkwicz. Trazia uma folha de papel para colar sobre a
parte quebrada da vidraça.
Vão substitui-la... um pouco mais tarde, porque aqui não há operários
para esse serviço, explicou ele, dirigindo-se para a porta da qual Marísia
acabava de puxar o ferrolho.
Enquanto ele dava conta de sua tarefa com uma certa pressa, o professor
fitava longamente a estranha superfície do lago onde o sol punha reflexos
esverdinhados.
De onde vem a coloração desta água? perguntou ele.
Heintz voltou para ele o seu rosto que tinha nesse momento, seria o reflexo
do lago sombrio?, uma cor acinzentada.
Parece que é do fundo...
O professor ficou um instante pensativo, parecendo meditar sobre essa
lacônica resposta. Depois continuou:
Se eu estivesse no lugar dos senhores de Runsdorf, tentaria desviar o
lago.
O velho estremeceu e disse bruscamente, sem interromper o seu trabalho.
Para que? O que adiantaria?
Ora, para conhecer a sua conformação. Além disso poderia encontrar os
corpos dos que desapareceram aqui, segundo contam, e enterrá-los
convenientemente.
Eles estão bem mais tranquilos aqui! resmungou Hintz enfiando o seu
pincel na cola com uma certa violência.
Marísia que entrou pouco depois do pai, chamou-o para lhe mostrar os
numerosos retratos que enfeitavam a galeria. Alguns tinham saído dos pincéis dos
maiores mestres. Alberto Durer, em particular, havia assinado três.
O atual senhor de Runsdorf, tinha herdado o tipo dos seus nobres
antepassados. Em todos se encontrava esse mesmo rosto um pouco comprido,
essa tez mate, essa cabeleira escura, essa atitude de altivez um pouco
desdenhosa que caracterizavam o seu jovem descendente. Só os olhos variavam
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Conrado Duntz.
A despeito dos seus cinquenta anos, ele é ainda o mais belo homem de
toda a região. E que inteligência! O arquiduque Josef o tem em alta estima. Além
disso, é de uma bondade, de uma caridade, das quais os seus subordinados e os
pobres daqui poderão dar testemunho.
E seus filhos?
Seu filho Heinrich não se lhe assemelha fisicamente, mas dizem que é
tão bom quanto ele. Sua filha mais velha saiu do colégio no ano passado; tem
ainda uma menina que apenas conta uns doze anos. Uma bela família, muito
unida, segundo consta e que vive muito simplesmente.
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daqui o meu retiro, em meio desta floresta natal, onde possuo um velho solar, bem
próximo do parque de Runsdorf.
Os dois homens trocaram um cordial aperto de mão, enquanto o professor
se declarava encantado por conhecer, pessoalmente, o eminente médico, do qual
ouvira elogiar em Viena a precisão do diagnóstico e a consciência profissional.
O senhor não me vê menos encantado pela vizinhança que me coube!
respondeu o dr. Berdeck, expansivo. Também já ouvi falar de si, sr. professor. Li
e apreciei as suas excelentes obras, aliás muito raras. Ouso pois esperar que nos
veremos sempre, não é verdade?
Mas, com grande prazer!
Quando eu for ver o Conde Walther, aproveitarei para lhe apertar a mão.
Oh! o conde está doente?
Absolutamente! Mas quis me honrar com a sua amizade e em se dizer
meu aluno.
Eele estuda medicina?
Sim, como curioso, naturalmente. Ah! que inteligência e que paixão por
esses estudos! Ele é médico na alma e se não fosse Conde de Lendau tornar-se-
ia num dos mais sábios e dos mais admiráveis clínicos de nossa época!
Marísia perguntou:
Em que, então a sua classe o impediria de satisfazer essa tão nobre e tão
útil vocação?
O velhinho mostrou-se estupefato, quase escandalizado com esta pergunta.
Em que?! Mas, senhorinha! Jamais um Conde de Lendau se esqueceria
a este ponto das tradições de sua família! Médico! Traficante de seu saber, como
eu, Berdeck o plebeu! Ah! os seus nobres antepassados sairiam das tumbas para
amaldiçoá-lo...
Não vejo que prescrições possam atingir dessa maneira um homem, que
seria bastante enérgico para romper com tradições antiquadas... e
deploravelmente pedantes. Um trabalho dignificante e útil a outrem só pôde
aumentar o valor de um homem... E no caso de quem se trata, esse trabalho daria
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ao Conde de Lendau uma superioridade mais real do que a que lhe confere a sua
origem.
O dr. franziu as sobrancelhas brancas:
Oh! Oh! A senhorita tem opiniões terrivelmente democráticas! Aconselho-
a... Hum!... de não as denunciar em presença dos senhores de Runsdorf... mas...
perdão, eu os estou prendendo e retardando o seu passeio!
Temos tempo e, parece-me, que não estamos muito longe de Nunsthel,
não é?
Há dez minutos, mais ou menos. Vão visitar o administrador? Um homem
encantador. Trato de sua pequena Gisela, que é muito delicada... Adeus, ou por
outra, até logo!
Cumprimentou graciosamente, chamou o cão e afastou-se com um passo
ainda esperto.
Em pouco os visitantes tinham chegado a entrada da grande clareira onde
se elevava, em plena floresta, a moradia do administrador dos domínios
pertencentes, nessa região, ao arquiduque Josef. Essa antiga residência, muito
grande tinha um aspecto ao mesmo tempo imponente e familiar com suas altas
janelas emolduradas por esculturas seus telhados de velhas telhas vermelhas
seus muros pardos em parte velados por longas trepadeiras. Um jardim
cuidadosamente tratado e abundantemente enfeitado de flores rodeava o edifício.
No fundo via-se a muralha de verdura formada pelas frondes cerradas da floresta.
O professor empurrou o portãozinho de madeira envernizada. Uma
campainha fez ouvir o seu som claro, que trouxe para o limiar de uma porta
envidraçada um alto e vigoroso joven. À vista dos recém-chegados adiantou-se
rapidamente.
Ei-los enfim! Soubemos de sua chegada a Runsdorf e os esperávamos
todos os dias. Entrem depressa, papai está aqui... Senhorita, permita-me que a
substitua.
Ele apoderou-se do carro e Marísia seguiu o pai para a casa. Um homem
de alta estatura surgiu, de repente, com uma exclamação de alegria, lançou-se
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aos visitantes, foi se sentar perto do administrador, que pousou, acarinhando, uma
das mãos sobre a linda cabeça loura.
Apresento-lhe a minha pequena ignorante disse ele num tom meio
sério, meio brincalhão... ela até agora é absolutamente refratária aos estudos,
apesar de todos os meus esforços.
Alexy a fitou com surpresa.
Oh! e no entanto, aprender é tão interessante! Eu passaria os dias
inteiros estudando!
Gisela sacudiu os seus belos cachos dourados.
Pois eu gosto mais de correr pela floresta e de brincar com as minhas
cabrinhas!
Ah! sim, é que você pode correr!, murmurou Alexy com amargura.
Um pouco de rubor subiu às faces de Gisela e os belos olhos azuis
demonstraram o pesar que lhe causava o ter sido tão indiscreta. Inclinando-se
para Alexy, a menina pousou sua mão sobre a dele.
Mas você também correrá um dia tão bem quanto eu! Ficará bom com o
ar da floresta... Não é verdade, papai, que ele ficará bom?
Decerto! Você verá, meu querido menino, que nunca há de se arrepender
de ter vindo conhecer a nossa terra... E vão bem com os Lendau?
Conrado Duntz dirigia essa pergunta ao professor. Este respondeu:
Muito bem. Ficamos sempre em nosso apartamento e assim
continuaremos depois das horas de lição; estas começaram anteontem. Marísia
abriu o fogo...
E está satisfeita com os seus alunos? perguntou Heinrich.
Ainda não o posso dizer. Helena, a mais velha das meninas, parece ser
muito inteligente. Valeria é mais embotada. Quanto a Guntran, percebo que ele é
muito inclinado para as ciências. Mas estão muito atrasados em seus estudos...
Fora disso são muito corteses...
E cheios de orgulho, naturalmente, como todos os Lendau? Estamos na
segunda parte do século dezenove e essa família, entretanto, soube conservar tão
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bem todas as suas tradições feudais, que um conde de Lendau julgaria derogar,
se ele próprio procurasse valorizar os seus domínios ou si se sentasse sobre os
bancos de uma Universidade!
À propósito, acabamos de encontrar o dr. Berdech, disse o professor.
Fizemos conhecimento e prometemos mutuamente nos tornar a ver. Esse velho
parece ser bem agradável e muito sociável.
Decerto! Ele se aborrece em sua velha casa e sempre o encontram
percorrendo todo o lugar, parando em casa de um ou de outro, bem recebido por
todos, porque é o melhor homem do mundo e possui um espírito fino, um enorme
bom senso, salvo, no entanto, quando se trata dos previlégios nobiliárquicos dos
Lendau. Seus pais foram vassalos dos senhores de Runsdorf e ele tem por essa
família uma indiscritível veneração. O conde Walther, principalmente, é o objeto de
sua idolatria e acho que não preciso avisá-los de nunca o censurar para ele.
Bom, eis-me então julgada e condenada! disse Marísia rindo. Porque
cometi a grande falta de insinuar que o conde errava em não seguir, por puro
orgulho de casta, a vocação que o arrasta para a medicina.
Conrado Duntz sorriu, respondendo:
Deverá, então, com efeito ter um lugar muito pequeno na estima do
doutor, senhorita. Comigo ele ficou emburrado durante muitos meses porque um
dia lhe disse a minha opinião a esse respeito. Sim, na verdade esse jovem conde
possui as belas qualidades que o dr. Berdech lhe concede e é deplorável vê-lo
levar essa existência inútil, unicamente porque tem a honra ou a desgraça de se
chamar o conde de Lendau.
O senhor diz bem, a desgraça, meu pai! exclamou Laura com um
pequeno estremecimento. Têm havido tantas catástrofes estranhas nessa
família! Gosto mais de me chamar Laura Duntz, muito simplesmente!
Conrado teve um clarão no olhar, emquanto replicava:
Sim, você tem razão, minha filha, é mesmo muito melhor assim.
Verdadeiramente você será muito mais feliz do que todas as condessas de
Lendau, passadas, presentes e futuras. Do que a pobre Paola. por exemplo...
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onde o irmão trabalhava nas grandes reformas com que queria melhorar os seus
domínios. Ora, uma manhã, o seu criado particular não o encontrou em seu
apartamento e foi em vão que o procurou em todo o castelo e no parque.
Desanimado de encontrá-lo preveniu a condessa Luba que se achava no castelo
há alguns dias. Ela fez com que recomeçassem as pesquisas e enviou um correio
a seu irmão então em Viena. Arnulf chegou, mandou sondar o lago, os poços, as
masmorras... mas o conde Eberhard continuou desaparecido... e o seu dinheiro
também, porque o cofre em que ele guardava a sua fortuna apareceu
completamente vazio quando foi aberto.
E o menino? perguntou Marísia.
O jovem Boleslas ficou pobre porque, naturalmente não tinha nenhum
direito sobre os bens patrimoniais de seu pai adotivo, que passaram ao conde
Arnulf. Este o conservou junto dele. manifestando a intenção de lhe dar uma boa
educação. Entretanto, alguns meses depois da morte de Eberhard, o menino
também desaparecia..
Isso se torna perfeitamente misterioso! disse o professor. E foi
encontrado?
Nunca. O conde fez no entanto muitas pesquisas, não somente na
Áustria mas até no estrangeiro. Tudo foi inútil e o enigma continuou a envolver
esses desaparecimentos. Houve quem sugerisse que o conde Eberhard talvez
num acesso de loucura tivesse fugido levando toda a sua fortuna, para se lançar
em algum golfo ou precipício. Mas são apenas suposições que nada autoriza a se
acreditar, porque Eberhard de Lendau era conhecido por um espírito sadio, muito
lúcido, e por um excelente cristão.
Esse também estará no lago? disse Marísia, meio pensativa, meio
sorridente.
Quem sabe? murmurou Conrado Duntz.
Durante a narração do filho ele tinha ficado constantemente silencioso, com
um ritus de amarga ironia na boca, enquanto sua mão, num gesto maquinal, ia
acariciando os cachos de Gisela, sentada junto dele.
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perguntou Marísia.
Com efeito, senhorita; é a condessa Bianca, muito simpática, apesar de
sua altivez. Ela me dá sempre a impressão de estar triste ou fatigada.
Heinrich só deixou Runsdorf depois que levou Alexy até a sua chaise-
longue. Os Lienkwicz, reconfortados pelo seu bom humor comunicativo e pelo
acolhimento hospitaleiro encontrado em Nunsthel, achavam agora um novo
interesse na sua estadia nesse lugar. Suas relações seriam encantadoras, porque
Heinrich parecia ser o melhor rapaz do mundo, Laura era certamente uma criatura
de natureza amável e atrahente e Conrado Duntz conservava todas as qualidades
de coração e de espírito que o haviam irrevogavelmente prendido outrora ao seu
amigo Adriano.
Ele tem a distinção de um grande fidalgo! disse Alexy com entusiasmo.
Mas que cicatriz é aquela que se vê quando os seus cabelos estão um
pouco levantados?
Que cicatriz? perguntou o professor que devido a sua miopia não tinha
notado nada.
Na fronte, à esquerda.
Ah! sim, agora me lembro! Ele já a tinha quando foi me ver há muitos
anos com a sua jovem esposa. Foi ferido quando salvava, não sei quem de um
incêndio, segundo ele me disse então, mas como não se estendesse sobre os
detalhes não insisti, percebendo que ele parecia pouco desejoso de falar nisso.
Um golpe ligeiro, dado na porta, interrompeu o professor. Marísia foi abrir e
introduziu o capelão de Runsdorf, que vinha pagar aos novos hóspedes do castelo
a visita que eles lhe tinham feito.
O pai Malhen era um velho um pouco alquebrado, meio enfermo, mas
conservando um espírito muito claro e uma sorridente bonomia. Tinha mais de
noventa anos, dizia Otavia, que sempre o vira em Runsdorf. Filho de um rendeiro
dos condes de Lendau, recebera a instrução eclesiástica às expensas da primeira
mulher do conde Arnulf. Logo, ordenado padre, viera como capelão de Runsdorf e
nunca mais o havia deixado.
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Uma vez instalado em uma poltrona junto de Alexy, que parecia inspirar-lhe
um particular interesse, o bom velho perguntou qual era a impressão que lhes
tinha produzido a floresta e mostrou-se encantado pelo seu entusiasmo.
Sim, é uma bela obra do Criador, uma das maravilhas mais completas,
presenteada a esta humanidade ingrata! Sou um grande admirador da minha terra
natal, da minha floresta que, infelizmente, agora não posso percorrer à pé. Mas o
senhor Duntz e seu filho sempre vêm me buscar de carro para fazer um longo
passeio pelas minhas queridas matas e depois trazem-me outra vez até a grade
de Runsdorf.
Ah Conrado também não entra com o senhor? Esse nosso amigo sofreu
alguma afronta aqui? Pois também recusou-se a vir nos visitar...
Subitamente a fisionomia do padre pareceu se tornar sombria.
Mas não... é que ele é muito orgulhoso para se apresentar aqui sem ser
convidado, para vir a uma casa cujos donos o julgam de uma essência totalmente
inferior à deles...
Marísia teve um sorriso de ironia.
Inferior, ele? Esse homem de um exterior tão notável e que parece ser
dotado de uma tão bela inteligência?
Sim, mas pertence a uma família burguesa, a uma dessas velhas e
honradas famílias, às quais, entretanto, se têm aliado famílias aristocráticas
menos exclusivas do que os Lendau...
E o senhor, meu pai, aprova isso como o faz o doutor Berdech?
O padre meneou a cabeça, sorrindo com indulgência.
Esse bom Berdech é incapaz de ver o menor defeito nos Lendau. Quanto
a mim, sou ligado a essa família como a hera à uma árvore; daria a minha vida por
todos eles, se por esse preço pudesse dar-lhes um pouco de felicidade. Mas na
aproximação íntima, quotidiana, com o Deus humilde e doce que apareceu sobre
a terra, as vaidades deste mundo se mostram claras, caem todos os véus,
deixando ver as tristes baixezas das grandezas humanas. Oh! como é grande a
nossa miséria. Ele tinha cruzado as mãos trêmulas sobre os joelhos e curvava a
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cabeça como sob o peso de uma pesada carga... E eles são umas criaturas
boas e encantadoras... Olhem, por exemplo o conde Walther... um ser de elite,
que passara a sua vida na inação, no pesar de ser assim, como se fosse uma
carga para si próprio, inútil aos outros, porque um conde de Lendau não pode,
sem descer, exercer uma profissão liberal... E os outros... farão qualquer
casamento desde que os foros de nobresa sejam suficientes ou então não se
casarão e envelhecerão solitários, retirados em seu orgulho. Mas todos sofrerão
porque têm coração... e que esse coração em família se quebre se esmague se
afogue sob o orgulho... mas que o mundo nunca o suspeite!... Ah! Senhor!" Não os
castigueis pelas culpas dos outros! Concluiu o bom velho numa espécie de
soluço.
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Não há nisso nenhuma falta de sua parte, senhor conde. Além disso nós
estávamos muito na beirada da alameda... Mas julgo que será melhor entrarmos para
você se refazer completamente, não é, Alexy? ela se inclinava para o irmão cuja
fisionomia ficara alterada.
Sim, isso será melhor, declarou o conde. Permita-me, senhorinha...
E repelindo, delicadamente, a mão que ia fazer o carro avançar, ele o dirigiu para
o meio da alameda.
Encarrego-me de levar para o castelo este moço tão impressionável,
acrescentou ele alegremente.
E o seu cavalo, senhor conde? perguntou Alexy, olhando para o belo animal,
imóvel na alameda.
Oh! Selim voltará sosinho para a sua cavalariça...
Marísia ajuntou rapidamente o seu trabalho e os livros de Alexy e reuniu-se ao
carrinho, delicadamente empurrado por Walther. Vendo-a perto dele o conde voltando a
cabeça fez-lhe um sinal que queria dizer: "Fique tranquila não há nada a temer".
Enquanto andavam ele ia conversando com Alexy, no evidente desejo de o distrair,
de afastar a lembrança do seu susto. Sua voz habitualmente breve, tomava inflexões
cheias de doçura. Marísia o considerava com surpresa. De perto e despojado de sua
reserva altiva, ele parecia muito mais jovem do que até então lhe parecera.
Realmente o conde sabia se mostrar amável e reparar as suas faltas, mesmo
involuntárias. Porque, depois de ter levado o carro até o apartamento dos seus hóspedes
e de novamente ter pedido desculpas ao professor, ele mesmo levou Alexy para a sua
"chaise longue" e só o deixou quando as pancadas do coração se tornaram regulares.
É encantador esse conde Walther! exclamou o menino quando o senhor de
Runsdorf saiu.
Sim, encantador, confirmou Marísia, mau grado seu.
Vendo o conde inclinado com solicitude para Alexy, notando o olhar de vivo
interesse com que ele envolvia o jovem enfermo, ela se lembrara repentinamente de uma
frase dita algum tempo antes pelo doutor Berdech: "O conde Walther procura todas as
ocasiões de estudar sobre o ser humano, os diferentes males que ele conhece
teoricamente. ele me acompanha sempre a casa dos seus rendeiros doentes e eu faço
com que ele pronuncie o diagnóstico, no que é extraordinário...”
Para esse médico amador, Alexy devia então apresentar um interessante assunto
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de estudo porque a sua doença, pelos sintomas que a acompanhavam, tinha confundido
os médicos de Viena consultados pelo professor e depois deles, o próprio doutor Berdech.
Ora, esse pensamento fora muito desagradável para Marísia. Durante um momento tinha
olhado, quase que com simpatia o conde de Lendau, afável e cheio de bondade para com
o doente. Mas, logo, só viu nele o grande fidalgo orgulhoso, egoísta, que provavelmente
supunha que esses burguesinhos se sentiam muito honrados em vê-lo se interessar por
Alexy, e talvez mesmo em consentir que ele fizesse algumas experiências no querido
menino.
Seu irmão, seu bem-amado Alexy, tornado em um simples objeto de estudos, em
uma distração para esse nobre ocioso! Ah! certamente que não consentiria nisso! Cada
um com a sua dignidade! Não era por serem burgueses que o professor e seus filhos não
saberiam salvaguardar a sua!
Heintz veio à noite mandado pelo amo, saber notícias de Alexy. Na tarde do dia
seguinte, como o conde e sua irmã Bianca passassem perto da clareira em que estavam
instalados o professor, Marísia e Alexy, os dois se aproximaram.
Sinto-me feliz por ver com os meus próprios olhos que a imprudência do meu
cavalo não deixou vestígios, disse Walther cumprimentando Marísia e estendendo a
mão ao professor e ao filho. Você hoje está realmente com uma bela fisionomia, Alexy!
Passou uma noite excelente, replicou o professor. Aliás tem dormido muito
bem desde que estamos aqui.
O belo olhar, um pouco melancólico de Bianca se fixou com uma simpática
compaixão sobre o joven enfermo.
O ar das florestas fará maravilhas. Depois têm à sua porta os cuidados tão
competentes do doutor Berbech...
Um excelente homem e um notável clínico, acrescentou Walther.
Ouvi dizer que o senhor conde é aluno dele, disse Marísia.
Sim, senhorita, um aluno amador...
Ao responder ele tivera um acento de altiva frieza.
Meu mano tem uma verdadeira paixão pela medicina, disse Bianca.
No profundo olhar do jovem conde, Marísia julgou ver uma fugitiva tristeza. Logo
em seguida, porém, ele sacudiu ligeiramente os ombros, replicando com uma certa
orgulhosa indiferença:
É uma ocupação interessante e eu tinha Berdech aqui...
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e algumas palavras de cortesia foram trocados. O conde lembrou que tivera ocasião de
ver Heinrich nas caçadas do arquiduque. Em seguida, depois de ter convidado o
professor e Alexy a se utilizarem da biblioteca de Runsdorf, Walther se afastou com a
irmã.
Ei-los então em relações amistosas! disse Henrich tomando lugar na cadeira
que Marísia lhe designava.
O professor contou-lhe o acidente da véspera e como o conde se tinha mostrado
amabilíssimo.
Não é verdade, Marísia?
Muito amável, com efeito, papai. Mas provavelmente estas relações ficarão
nisto...
E porque? disse Alexy. Eu espero tornar a vê-lo, porque gosto muito dele.
Decididamente a influência do conde já agira sobre o jovem doente. Marísia sentiu
uma contrariedade tão viva que não pode se conter e respondeu com certa acrimonia:
Porque o lisonjeou tanto?
Alexy fitou-a surpreendido.
Oh! que idéia! Você bem sabe que pouco me importo com os elogios. Mas o
conde se mostrou bom para comigo e além disso tem uma fisionomia tão agradável e um
tão belo olhar!
Uma fisionomia tão agradável?... Hum! Isso depende! disse Heinrich sorrindo.
Mas Sua Excelência decerto, lhe mostrou uma fisionomia despojada de altivês, meu
caro Alexy... A senhora não parece tão entusiasmada como seu irmão, não é, d. Marísia?
A minha opinião é reservada, pois tenho o mau costume de julgar as pessoas
pela minha primeira impressão, o que é um erro. Assim, só lhe darei a minha opinião mais
tarde, quando ela estiver amadurecida, provada pela experiência.
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VI
Aguaceiros diluvianos tinham caído durante toda a noite e nessa manhã o céu
estava ainda sombrio, pesado de chuva. A mudança de temperatura provocara em Alexy
uma dolorosa crise reumática. O professor tendo tomado muita friagem na véspera,
conversando longo tempo com Heinrich Duntz sob as árvores do parque, espirrava sem
interrupção, mostrando um lastimoso semblante constipado. Marísia devia, pois, procurar
distraí-los e compensar com a sua jovialidade a melancolia desse dia aborrecido.
Como Rosina estivesse ocupada junto da condessa, foi Otavia quem trouxe a
refeição do meio dia. A pobre velha se arrastava porque as suas pernas reumáticas
faziam-na também sofrer muito nesse dia.
Você precisa um pouco de repouso, disse Marísia, fitando com piedade esse
pobre rosto fatigado. Cairá doente se continuar assim...
Oh! minha saúde é vigorosa, apesar da minha idade... é apenas este
reumatismo que me incomoda... Tanto pior, se preciso andar do mesmo modo,
acrescentou ela com um sorriso resignado.
Mas, parece-me que na sua idade, você já ganhou bem para o seu descanso,
observou o professor.
Enquanto os meus amos precisarem de mim, não pensarei em descansar. Irei
até o fim, eis tudo. Pensem que nasci neste castelo e que desde menina sirvo os meus
senhores! Era então o bom conde Eberhard que possuía Runsdorf.
Você o conheceu? interrompeu Marísia. Realmente, nunca se soube o que
foi feito dele?
Jamais, jamais, senhorita! De noite eu o tinha visto muito alegre, sempre amável
como era seu costume, conversando com a irmã, que chegara aqui há alguns dias antes,
e que ele conduzia ao seu apartamento. Devia ser onze horas mais ou menos. À uma
hora, a condessa Luba chamou minha mãe, que a servia como camareira durante suas
estadias em Runsdorf. Pediu um calmante, dizendo que não podia dormir pois que seu
irmão lhe contara algumas estranhas histórias indianas que não lhe saíam do espírito.
Minha mãe achou-a muito singular, muito agitada e repetiu isso para os homens da justiça
que vieram fazer investigações... E na manhã seguinte ele havia desaparecido! Um tão
bom senhor! Não se assemelhava em nada aos outros... Isso não quer dizer que estou
reprovando o procedimento do conde Arnulf e de seu filho! acrescentou ela
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pequeninos.
Há ali um certo número de livros ingleses. Talvez eu descubra o que a senhora
deseja... Meu tio-avô, o conde Eberhard, sabia essa lingua e tinha reunido uma coleção
das suas obras preferidas. Mas, em geral, o estudo de inglês não entra nos programas de
instrução de nossa família. Por minha parte, lamento-o, e se eu pudesse, sem parecer
indiscreto, pediria algumas lições ao professor Lienkwicz.
Isso será um prazer para ele, porque tem paixão por ensinar, disse Marísia
com uma fria polidez.
O conde falando, tinha se dirigido para uma das bibliotecas. No momento de abri-
la, voltou-se para Marísia, mostrando uma fisionomia subitamente endurecida.
Eu teria aceito de boa vontade, mas... permita-me uma observação, senhorita:
ontem tive a impressão de que a senhora via, com desagrado, o meu interesse pelo seu
irmão; sua atitude era, um pouco, a de uma pessoa que suporta, por simples delicadesa,
uma visita irritante. Ora, a senhora deve compreender que eu não poderia concordar em
ver as minhas relações com seu pai apenas toleradas, e muito menos em sentir contra
mim essa desconfiança tão bem estampada em sua fisionomia e da qual não conheço o
motivo... Eu não poderia conhecer essa razão sem me mostrar muito indiscreto?
O seu tom era bem frio, ligeiramente mordaz e fitava a sua interlocutora com uma
ironia um pouco altaneira.
Um vivo rubor subiu ao rosto de Marísia. Assim ele adivinhava a sua desconfiança,
o seu receio, esse penetrante observador... Pois bem! ia francamente lhe dizer o motivo.
Pois não se enganou, senhor conde, respondeu ela dominando a sua emoção
para falar com tanta Mesma como ele tinha falado. A sua presença junto de meu irmão
me era penosa... desagradável mesmo.
Ora bem, isso é que é sinceridade! replicou Walther num tom de aprovação
mesclado de ironia. Continue, peço-lhe senhorita, a me dar a necessária explicação...
Eis o pensamento que me veio ao espírito: o senhor se ocupa de medicina como
amador e eu receei que não visse em meu irmão mais do que um objeto para os seus
estudos. Ora, me é penoso pensar que só essa curiosidade científica, por mais honrosa
que ela seja, o atrai para ele...
Durante um instante ela viu surpresa no olhar do seu interlocutor. Mas, quase que
imediatamente, a fisionomia do jovem conde se iluminou, um sorriso assomou aos seus
lábios.
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clareira do parque em que Alexy tanto gostava de ir. Inclinado para o professor, ele lhe
falava à meia voz e decerto eram ainda elogios ao conde de Lendau que saíam de seus
lábios.
A alguma distância, Walther ouvia sorrindo, a conversa entre Alexy e Gisela. O
jovem Lienkwicz havia empreendido a grande tarefa de fazer penetrar o amor pelos
estudos nesse cérebro recalcitrante e, com grande surpresa dos seus, a travessa menina
concordava, alegremente, em ficar imóvel junto dele, ouvindo as suas lições dadas sob
uma forma original que a viva inteligência de Gisela assimilava prontamente.
Você é um notável professor, meu caro Alexy, disse o conde, vendo-o se
interromper, pois a lição estava terminada. Você vai fazer de Gisela um poço de
ciências... Mas Helena e Guntran esperam-na lá em baixo... veja que grandes sinais lhe
faz minha irmã...
A menina dirigiu para Alexy um olhar cheio de pesar, depois levantou-se sem
grande pressa e foi se reunir aos jovens Lendau, seus companheiros de brinquedos
quando vinha a Runsdorf.
Decididamente, Alexy transforma sua irmã em uma pessoa perfeitamente
ajuizada, senhor Duntz, disse Marísia a Heinrich, enquanto preparava o café. Os
brinquedos já não têm a mesma atracção para ela.
Acredito! ela agora não tira o nariz dos livros! Papai, segundo dizem, também foi
assim. Aos treze anos somente é que se pôs a estudar com vontade e recuperou
amplamente o tempo perdido.
Seu pai tem uma notável inteligência, não se falando em todas as outras
qualidades que lhe são reconhecidas, disse o conde Walther. Infelizmente, ainda não
o pude julgar por mim mesmo, porque nos temos encontrado muito pouco. Porque ele
nunca os acompanha? Eu teria imenso prazer em travar relações com ele. Quando eu era
uma criança de quatro anos, mais ou menos, sempre o vi aqui em casa...
Então meu pai vinha a Runsdorf? perguntou Heinrich com surpresa.
Mas muito frequentemente mesmo! Ignorava-o? Pois eu admirava muito esse
belo e jovem homem, que se mostrava muito gentil para comigo e eu lhe votava uma
ardente afeição. Foi a minha velha Otavia que me lembrou tudo isso, pois, para lhe ser
franco, devo confessar que as minhas recordações não são muito precisas. Mas a
soberba fisionomia do senhor Duntz me ficou no espírito e quando o encontrei mais tarde,
ele já pai de família e eu um adolescente, não achei nenhuma diferença do que ele tinha
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sido... Olhe, veio-me uma lembrança agora. Eu me achava no pátio com Otavia em certo
dia, que ao voltar da caça, o senhor Duntz acompanhava meu pai e minha tia Franziska.
ele me tomou em seus braços e me fez dar algumas voltas ao redor do pátio. Eu ria, ria e
gritava: "Mais, mais!" De súbito o cavalo deu um salto e empinou. Foi uma coisa
momentânea. O senhor Duntz firmou a rédea e logo era senhor de sua montaria. Saltou
para terra um instante depois e me depôs nos braços de minha tia. Esta estava pálida de
susto e sua voz tremia ao dizer: "O senhor não devia continuar a montar nesse animal
raivoso! É muita imprudência de sua parte!" Minha tia Franziska me amava muito e
sempre fui o seu sobrinho favorito, acrescentou o conde de Lendau.
Conrado nunca nos falou que mantivera relações íntimas com os seus parentes,
senhor conde, observou o professor.
Nem para nós, seus filhos, ele nunca falou nisso, disse Heinrich que se
mostrava espantadíssimo. Falou-nos que conhecera o conde Otto, mas eu julgava que
ele o tivesse visto por acaso, ou que era um conhecimento apenas cerimonioso.
Ignoravam que ele salvou a vida de minha tia?
Não, isso eu o sabia... não que me tivesse falado nisso. Soube-o acídentalmente
por um estranho.
Nossa dívida de reconhecimento subsiste sempre e eu gostaria de lho tornar a
dizer... Às vezes pergunto a mim próprio que circunstâncias puderam romper essas
relações entre minha família e ele, acrescentou o conde pensativamente.
Ninguém ali o poderia esclarecer. Marísia, entretanto, pudera reparar na singular
expressão, um misto de sofrimento e de irritação escarnecedora, que sempre aparecia no
semblante de Conrado Duntz todas as vezes que se falava nos senhores de Runsdorf. E
agora, ela pensava que o orgulho dos Lendau decerto havia ferido o nobre e altivo Duntz,
que se retirara dignamente, sem fazer alarde.
Agora também se explicava a sua recusa em vir a Runsdorf.
A senhorita de Lienkwicz fez o café e se aproximou, trazendo uma xícara para o
professor e para o doutor Berdech. Este tinha o rosto voltado para cima e parecia
abismado em uma súbita meditação.
Está sonhando, senhor doutor? perguntou Marísia maliciosamente.
Não, minha querida menina. Pensava apenas que a senhora deve ter em seus
ascendentes alguma aristocrática avó que lhe legou essas mãos fidalgas...
Marísia teve um ligeiro ataque de riso. Ela já estava agora acostumada às
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pequenas manias do velho e os dois tinham, sempre a esse respeito, alegres disputas.
Até então, porém, elas nunca tinham tido lugar em presença do conde de Lendau.
Marísia, embora censurasse os Lendau pelos seus preconceitos, não se reconhecia no
direito de os ofender sem necessidade, tanto mais que o conde e sua irmã se mostravam
muito naturais, muito simples e cordiais com referência ao professor e seus filhos. Não
ligou, pois, muita importância à observação do doutor e adiantou-se para o jovem senhor
de Runsdorf, oferecendo-lhe o café. Entretanto, não se sabe que bicho picava o velho e o
incitava nesse dia à discussão.
A senhora decerto está com uma enorme vontade de me responder, senhorita
Marísia, que a distinção e a elegância não são o apanágio exclusivo da nobreza e que
elas se encontram também na burguesia, e talvez mesmo em grau mais alto, não é?
Sim, talvez! respondeu a jovem com um sorriso de ligeira zombaria. Não é
comum ver-se simples filhas do povo possuir aquilo que se convencionou chamar porte
real? Enquanto que na aristocracia o senhor também encontrará um bom número de...
Interrompeu-se, embaraçada pela presença do conde. Se bem que ele não
pudesse tomar essa apreciação para ele nem para os seus, poderia, reconhecendo essa
verdade, se sentir ofendido.
Em todo o caso ele não dava mostras de tal. Sua fisionomia séria apenas
demonstrava uma certa ironia. Estendendo a mão para tomar a xícara que Marísia lhe
oferecia, disse com calma:
Um bom número de tipos mais que ordinários, fisicamente falando... Concluo
sua frase, senhorita, acrescentando que não posso contradizê-la. Sim, a vulgaridade
física existe em nossa casta... e a burguesia, é preciso reconhecer, produz às vezes flores
muito aristocráticas.
As pálpebras do doutor Berdech tiveram o pequeno movimento que lhe era
habitual nos momentos de viva surpresa. O conde de Lendau passava por ser muito
avaro de cumprimentos. Entretanto, isso não era um dirigido a Marísia Lienkwicz?
Ela, porém, desprovida de faceirice, não viu em todo o caso nada disso.
Respondeu, pois, com simplicidade:
O fato é incontestável e é preciso ser-se o doutor Berdech para negá-lo.
Perdão, perdão, não estou negando nada! Digo somente que em tese geral
certos dons físicos se transmitem nas raças patrícias, quando elas se conservam sem
enlaces desiguais.
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senhorita de Holberg. E a linda Wilhelmina foi de certo esse observador, porque o seu
rosto se crispou todo; seus olhos negros, tornando-se duros, se fixaram durante alguns
instantes sobre Marísia. Depois afastou-se em primeiro lugar, logo após um pequeno
cumprimento muito impertinente.
Parece muito apressada, senhorita! disse Walther num tom mordaz.
Ela voltou-se para ele com um clarão no olhar.
E o senhor, conde, parecia pesaroso por ter de deixar esse grupinho. Estou
desolada, pois a minha visita foi a causa desse aborrecimento para si...
Havia em seu modo de falar uma ironia meio agressiva. Mas seus olhos se fixaram
com uma doçura acariciadora sobre o frio semblante do jovem conde.
Pode se tranquilizar... eu já ia voltar para o castelo. A senhora somente me
privou de tomar a minha xícara de café, que eu não tive tempo de engolir.
Wilhelmina se pôs a rir.
Foi realmente uma grande privação? Bianca em compensação vai nos servir
agora mesmo um chá.
Ele não valerá o café da senhorita Lienkwicz, verdadeiramente perfeito, não é
verdade, Bianca?
Delicioso! Aliás a senhorita Marísia possuI o dom precioso de fazer bem tudo o
que faz.
É uma perfeição, pois! disse secamente Wilhelmina. Hum! começo a
desconfiar... minha prima d'Ertein tinha uma professora que ela qualificava de oitava
maravilha do mundo e nos proibiu de lhe fazer a menor censura. Pois imaginem qual foi a
sua surpresa quando um dia um sobrinho de seu esposo, riquíssimo, veio-lhe anunciar a
sua intenção de esposar essa moça de um obscuro nascimento! A esperta mosca tinha
manobrado admiravelmente para capturar essa bela presa...
Nesse instante Wilhelmina encontrou o olhar de Walther, que dizia claramente não
sem ironia: "A que propósito nos conta essa história?". Enrubesceu um pouco e se
interrompeu, eNquanto Bianca declarava com um ligeiro movimento de ombros:
Essa joveM era decerto uma intrigante e uma faceira. Mas a senhorita de
Lienkwicz, que pertence a uma excelente família, possuI raras qualidades de espírito e de
coração, uma grande distinção moral e física.
E muito de bondade, de franqueza e de devotamento pelos seus, acrescentou
Walther.
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Wilhelmina lançou, de lado, um rápido olhar para ele; mas a fisionomia do jovem
conde ficou impenetrável, e não fez a menor mudança, quando Bianca continuou, não
sem alguma malícia porque conhecia bem o quanto a senhorita de Holberg era invejosa
de todas as outras mulheres:
A esses dons a senhorita Lienkwicz reúne ainda os do encanto e da beleza,
como você pode constatar.
Sim, não é feia, no primeiro momento... mas os traços não têm nenhuma
regularidade.
Oh! isso nem se percebe nessa fisionomia sedutora!... E que olhos admiráveis!
Que tez deliciosa!
Wilhelmina mordeu os lábios. Mas sem dúvida ficou satisfeita ao ver que o conde
não se associava ao entusiasmo da irmã, porque logo se mostrou alegre de novo e
contou um incidente acontecido a uma personalidade eminente de Diifelden, a cidade
próxima, onde ela e seu pai habitavam então, na residência do arquiduque Josef.
Lá embaixo, na clareira, o doutor Berdech perguntava a Marísia:
Como acha essa pequena Holberg, senhorita?
Lindíssima, incontestavelmente.
E arrogante como uma nova aristocrática que é, acrescentou Heinrich.
Uma nova aristocrática?
Sim; sua nobreza é bastante recente, explicou o doutor. Job de Holberg,
bavaro por seu pai, prestou serviços diplomáticos ao estado austríaco e recebeu por isso
o título de barão. Hábil, flexível... e intrigante ele soube se tornar indispensável, como
conselheiro, ao arquiduque Josef, que lhe confiou o cuidado de administrar toda a sua
fortuna.
E esse barão é rico? perguntou o professor.
Sim e sua filha há pouco herdou de um tio, respondeu Laura. Eis ali uma
importante herdeira. Também a conselheira Lchmann pretende que ela se casará com o
conde de Lendau.
O doutor Berdech, indignado, lançou um olhar sobre a senhorita Duntz.
O conde de Lendau! Como pode a senhora dar crédito a uma semelhante idéia
saída do cérebro inventivo da conselheira? Onde estão, pergunto-lhe, os graus de
nobreza dessa jovem?
Heinrich teve um sorriso cético ao responder:
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paisagem de sonho, uma terra do além, perdida no longe adormecida para sempre...
Numa volta do caminho divisou-se o Chalé. A luz que saía de todas as janelas,
mostrando apartamentos maravilhosamente decorados, parecia um desafio feito à pálida
claridade estendida por sobre a natureza adormecida. Ao redor da encantadora vivenda,
viam-se enormes lanternas de vidros rosados, presas por braços de ferro, delicadamente
forjados, que projetavam uma claridade intensa sobre a estrada, iluminando o magnífico
jardim do Chalé.
Está sempre assim disse Heinrich, refreando o seu cavalo para dar tempo aos
companheiros de verem bem a linda residência. A princesa Olgof não pôde com a
escuridão, tem necessidade de luz, sempre de muita luz...
O moço interrompeu a frase. Por detrás das grandes vidraças de uma janela do
primeiro andar, acabava de aparecer uma forma curvada, vestida de branco. Marísia
distinguiu, de passagem, um rosto pronunciadamente feio, abatido, e uns olhos
penetrantes que produziram sobre ela uma sensação de repulsa.
A princesa... murmurou Heinrich.
Assim que o carro passou pela frente do Chalé e ia deixá-lo para trás, a porta se
abriu e um homem de alta estatura apareceu no limiar. Num golpe de vista Marísia
reconheceu Heinle.
O velho tomou um caminho que encurtava muito, por meio de atalhos o trajeto até
Runsuorf.
É o velho Hleintz, não é? perguntou Heinrich. Que belo exemplo de
devotamento dão esses antigos servidores! Esse é velhíssimo! Foi contemporâneo da
princeza Olgoff. Muito jovem entrou para o serviço de Arnulf de Lendau, que o fez seu
criado favorito. Sua irmã também tinha em Heintz uma absoluta confiança. Provavelmente
ela agora gosta de falar com ele sobre o passado, porque sempre o encontro por aqui
quando volto à noite para casa... Viu a princesa, senhorita Marísia?
O suficiente para me convencer de que é de uma fealdade notável. Sim, mas o
seu espírito era, parece, incomparável: vivo, brilhante, original...
Oh! original ela o é ainda e sempre! Vive numa quase completa solidão, e
jamais, depois de sua volta da Rússia, pôs os pés em Runsdorf. Seus sobrinhos-netos
vêm vê-la muito raramente, segundo dizem. Quando sua sobrinha, a cônega, está em
Runsdorf, passa algumas vezes, dois ou três dias no Chalé. Suponho que então elas
devem se abismar em dissertações sem fim sobre a grandeza desaparecida de sua
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a da misteriosa musicista. E essa alma devia ser bem triste, magoada, dolorosa, ferida em
todos os seus ideais, se alguém a avaliasse pelas frases melancólicas, atormentadas,
pungentes em sua simplicidade, que Marísia ouvia com profunda emoção...
Bruscamente a harmonia mudou.
Tornou-se dura, cruel, triunfante e logo também cessou, com uma espécie de
soluço...
Marísia voltou para o seu quarto e abandonou-se, comovida, numa poltrona. Teria
tido alguma alucinação? Ou então vira um dos fantasmas anunciados por Otavia?
Meneou a cabeça, pondo-se a rir. Seus nervos, entesados um instante pela
estranheza dessa cena, retomaram logo o seu equilíbrio. Os Lendau, provavelmente
tinham alguns hóspedes, que talvez até fossem parentes e um deles viera rezar pelos
mortos de sua família. A pobre senhora devia ter muitos pesares próprios, a se julgar pela
sua atitude e pela sua música belíssima, mas tão triste!
Rosina, na manhã seguinte trouxe o café com leite, muito tarde. Desculpou-se,
dizendo que a senhora cônega tinha chegado na véspera, à noite, sem prevenir ninguém,
e que por isso ela se achava sobrecarregada de serviços.
... Tive que desfazer as malas, arranjar o apartamento. preparar uma porção de
coisas, porque a condessa Franziska gosta de ver tudo muito bem disposto à sua volta...
Onde fica o apartamento dela? perguntou Marísia, cortando o pão de rala em
fatias.
É aquele que dá sobre o lago. A princesa Olgoff o habitava quando foi jovem... a
senhora cônega o escolheu depois que ela o deixou. É o mais belo, o mais luxuoso do
castelo. Mas nem que me dessem uma fortuna não trocaria o meu pobre quarto por ele!
Quando Rosina saiu, o professor se voltou para a filha.
Então, eis o seu fantasma, Marísia!
Sim, tudo se explica. A cônega foi rezar por sua mãe diante desse lago que é o
seu túmulo... Entretanto essa espécie de desespero que vi é bem incompreensível se se
pensar que ela era uma criancinha, ainda inconsciente, na época em que morreu a
condessa Paola... Em todo o caso, a aparição dessa soberba criatura na beira do lago,
sob o luar, era realmente fantástica. Eu desejaria que o senhor a visse, papai!
Infelizmente não posso solicitar dessa orgulhosa senhora a repetição da cena,
disse rindo o professor. O que você vai fazer esta manhã, Marísia?
Já que hoje é o seu dia de dar as lições, papai, irei a casa da velha Muller. Vão
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floresta.
À volta do caminho viu o Chalé banhado de sol, coberto por um vermelho manto
de brionia. Era, na verdade uma fascinante moradia. Por um instante a jovem parou para
admirar as finas esculturas dos balcões e madeira e a admirável coleção de begônias, em
todos os tons rosa, que ornava a frente da linda residência.
Quando ela voltava a cabeça, viu duas pessoas que saíam do caminho que levava
diretamente a Runsdorf. Uma era o conde Walther, a outra... Marísia teria reconhecido
entre mil esse corpo incomparável, ao qual se aliava tão bem o andar flexível e
majestoso. Não poderia haver engano, tanto mais que a pessoa que avançava ali, trazia o
mesmo vestido preto, muito severo, um pouco comprido demais, que vestia a fascinante
aparição da véspera.
Um chapéu, porém, nessa manhã, cobria sua cabeleira e escondia uma parte da
fronte. Entretanto, enquanto ela se aproximava, Marísia pode detalhar com um rápido
golpe de vista essa fisionomia desconhecida. Como era bela! Seria verdadeiramente
impossível se imaginar uns traços mais harmoniosos, uma tez de brancura mais
delicada...
Magníficos olhos escuros, aveludados, que demonstravam uma surpresa um
pouco altiva, encontraram-se com os de Marísia.
O conde se descobriu e avançou para a jovem que se apressava em andar depois
de o ter cumprimentado.
Senhorita Lienkwicz, já que se oferece uma ocasião quererá me permitir
apresentá-la à minha tia, a condessa Franziska de Lendau?
Uma espécie de interesse surgiu nos olhos tão belos. A cônega achava, talvez
essa jovem burguesa bastante distinta para lhe conceder alguma atenção. Sua formosa
mão branca se estendeu para Marísia, num gesto que não teria desmentido a mais
orgulhosa das soberanas; seus lábios pronunciaram uma frase perfeitamente simples e
condescendente. A senhorita de Lienkwicz respondeu-lhe com a sua graça habitual, mas
um pouco reservada. Entretanto, não estaria sonhando? Que, essa formosa mulher era tia
do conde Walther?... uma mulher de uns quarenta anos? E, sob o sol claro que a
envolvia, era fácil a qualquer pessoa se convencer de que não existiam artifícios nessa
juventude e nessa beleza. O austero vestuário da cônega aliás, afastava qualquer
suposição de faceirice.
Ei-la passeiando hoje bem cedo, senhorita! Aliás estou vendo que o ar da
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ser que só devem ser esposadas por si próprias. A classe social é a mesma, nada os
separa...
Um lacaio em libré clara com galões de prata abriu a porta. No momento de
franquear o limiar logo após sua tia, Walther se voltou. Marísia tomava então o atalho com
Heinrich e Gisela. Um frêmito percorreu o rosto do conde, cuja fronte se crispou com uma
profunda ruga. Mas já Walther havia retomado a sua expressão de calma altivez quando
entrou no vestíbulo, decorado de pinturas mitológicas e de flores de cores ardentes.
No atalho, Marísia e Heinrich conversaram em termos admirativos sobre a bela
cônega. Mas Gisela disse subitamente, sacudindo os cachos dourados:
Sim, ela é lindíssima, mas não me parece muito amável e tive a impressão de
que não lhe agradei... não o percebeu, Marísia?
Ela talvez não goste muito de crianças, minha querida... Senhor Heinrich não é
seu pai que vejo ali embaixo, nessa clareira?
Sim é ele, com efeito. Vá depressa lhe dizer bom dia, Gisela, porque você ainda
não o viu esta manhã.
Alguns instantes depois, Conrado Duntz, deixando os guardas florestais aos quais
dava ordens, chegava ao atalho e estendia a mão a Marísia com esse franco sorriso que
iluminava tão bem a sua grave fisionomia.
Que passeio matinal, senhorita! Foi à Nunsthel?
Não, fui somente ver a velha Muller que encontrei em seus dias de divagação.
Falou-me de Runsdorf, de Heintz, do conde Arnulf, mas tudo com frases cortadas, não
oferecendo nenhum senso preciso.
Sim, são sempre as lembranças de Runsdorf que a fazem delirar. Parece que o
seu espírito ficou particularmente abalado durante a estadia que fez lá.
Papai, há pouco vimos a tia do conde de Lendau disse Gisela que havia
tomado a mão do pai.
A velha princesa do Chalé de quem você tinha tanto medo ainda no último ano?
Não, aquela que chamam a cônega.. o que quer dizer, cônega?
O rosto do administrador, um pouco animado pelo passeio a cavalo que acabava
de fazer na floresta, foi percorrido por um frêmito, as pálpebras se bateram e se
abaixaram por um instante.
Sim, acabamos de encontrar junto do Chalé o conde e sua tia conversando com
a senhorita Marísia, disse Heinrich. E fomos apresentados a ela muito amavelmente.
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Que maravilhosa beleza! Mas que frieza e orgulho! Entretanto, disse-me que nunca
esqueceu o que o senhor fez por ela e que eu poderia me orgulhar de ser seu filho.
Um riso sardônico saiu dos lábios de Conrado Duntz. Voltando-se para a clareira
murmurou:
Eu também nunca o esqueci! Certos acontecimentos contam dobrado em nossa
existência...
E em voz alta chamou:
Wolster, quer trazer o meu cavalo, faz favor?
Um guarda florestal adiantou-se, tendo o belo baio marron que rinchava
alegremente. Conrado Duntz curvou-se para a filha e beijou-a na fronte.
Até à noite, somente, pequena Gisela... Heinrich, previna Laura que almoço no
pavilhão de caça com o archiduque. Wolster veio me trazer o convite imperioso, de sua
Alteza. Lembranças ao meu amigo Adriano, senhorita Lienkwicz, e até domingo.
Pôs o pé no estribo; mas a pequenina mão de Gisela, se pousou sobre a sua
manga.
Papai, o senhor não me respondeu. O que é uma cônega?
Agora não tenho tempo para lhe explicar, minha filha. Pergunte à Heinrich.
Saltou para a sela e se afastou, como cavaleiro, tão jovem na aparência que mais
parecia o irmão mais velho do filho.
Marísia despediu-se de Heinrich e de Gisela e encaminhou-se rapidamente para
Runsdorf. Todos esses encontros tinham-na retardado e só lhe restava tempo para chegar
na hora justa da lição de inglês de Bianca.
Ah! viu minha tia, disse a jovem condessa, a quem ela falou de seu passeio.
Não lhe pergunto como a achou, porque a resposta é sempre a mesma. Sua beleza é
daquelas, raríssimas, que não se discutem. Mas o que vale mais é a sua bondade... ela
nos ama muito... Quanto ao seu espírito, ao mesmo tempo cintilante e delicado pouco o
demonstra, principalmente fora da família. Às vezes, mesmo, ela se mostra singularmente
taciturna...
E meneando a cabeça, Bianca acrescentou tristemente:
... Dir-se-ia que existe nela algum profundo sofrimento moral...
Marísia, lembrando-se da cena noturna, pensou, sem ousar dizê-lo, que Bianca,
provavelmente tinha razão...
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estendiam em profusão, mais belas do que em nenhum lugar da floresta. E Marísia não
pode resistir à tentação de se deter ali para colher um bouquet da sua flor favorita.
Um ruído ligeiro fê-la voltar a cabeça; no princípio do atalho aparecia a senhora do
manto preto, que era de fato a cônega. Ela teve primeiro um movimento de surpresa,
quase de recuo, e depois se adiantou para a jovem.
Não tem medo de passear sozinha nestes caminhos desertos? perguntou ela
estendendo-lhe a mão.
Nenhum, minha senhora. Aliás, disseram-me que a segurança é completa na
floresta.
Em tempos comuns, sim. Mas, ontem, contaram ao meu sobrinho que um
indivíduo de má cara anda rondando os arredores do Chalé e de Runsdorf. Será, pois, em
todo o caso, mais prudente, não deixar a estrada larga. Aliás os atalhos estão muito
molhados... ela mostrava a barra de sua saia guarnecida de uma orla de lama. ... Se
está de volta para o castelo, faremos juntas o caminho, quando tiver terminado a sua
colheita.
Oh! já colhi bastante, disse Marísia.
Enquanto se dirigiam para a estrada, um homem surgiu detrás de um enorme
bloco de pedra que havia na entrada da pedreira. Era um indivíduo de alta estatura,
hirsuto, vestido de farrapos. Seus olhos brilhavam com uma febre selvagem, seus lábios
se crispavam num rictus feroz. Deslisou-se atrás das duas mulheres... mas um gesto de
furor lhe escapou subitamente.
Desgraça! Eis aí alguém! murmurou ele.
Um galope de cavalo se fazia ouvir. No momento em que a cônega e Marísia
chegavam à beira da estrada, um cavaleiro apareceu. Elas reconheceram o conde
Walther. Ele parou sua montaria e tirou o chapéu.
Como passeando pela floresta minha tia?
A cônega respondeu brevemente:
Uma fantasia... Acabo de encontrar a senhorita Lienkwicz e voltávamos juntas...
Um grito de Marísia interrompeu-a. Detrás delas surgia repentinamente o homem
que se atirava para a frente um punhal na mão.
Para você a minha vingança, conde de Lendau! exclamou ele com voz rouca.
Com um movimento mais rápido do que o pensamento Marísia se achou defronte
do homem e a lâmina dirigida para Walther afundou-se na mão que ela instintivamente
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vestido...
O seu vestido, de uma fazenda clara, estava todo manchado de sangue.
Seja, a senhora talvez tenha razão. O doutor Berdech, que eu mandarei chamar
para este homem, também lhe dará os seus cuidados... A senhora a acompanhará, minha
tia?
A cônega teve uma hesitação que Marísia notou, mas logo respondeu
afirmativamente. Enquanto o conde, a cavalo, se dirigia para Nunsthel, as duas mulheres
tomaram lentamente a mesma direção. Andavam em silêncio, bastante emocionadas para
poderem comentar o dramático acontecimento. Alguns minutos mais tarde viram o conde
reaparecer, seguido de vários picadores a cavalo. Acabava de encontrá-los, tendo
enviado um à casa do doutor Berdech, levava os outros para transportarem o ferido.
Logo Nunsthel apareceu aos olhos da cônega e de Marísia. A primeira parou,
dizendo com um acento que a sua companheira julgou singularmente altaneiro:
Deixo-a aqui... já não tem mais necessidade da minha companhia.
O que? Não quer entrar, minha senhora? Laura ficaria tão contente...
Não, obrigada, respondeu ela brevemente. Essa cena me impressionou
muito... tenho necessidade de ficar só... Até logo, minha querida filha... irei esta tarde
saber notícias dessa corajosa mãozinha.
Abraçou Marísia e se afastou, com uma certa pressa. Marísia dirigiu-se para a
moradia do administrador.
Laura que passava no pátio lançou um grito de susto, vendo o vestido da amiga
todo manchado de sangue e a mão presa numa atadura. Marísia tranquilizou-a logo con
algumas palavras, seguindo-a para o quarto, onde lhe narrou a agressão da qual teria
sido vítima o conde de Lendau.
É extraordinário! Nunca aconteceu isto em nossa floresta! Essa vingança deve
ser particular...
As palavras desse homem bem o indicavam...
Vejamos, vou procurar em meu guarda-roupa o que lhe poderá servir... é que
não tenho o seu belo corpo!... Ah! mas, lembro-me agora que a nossa costureira acabou
de fazer o arranjo do seu vestido branco... só lhe emprestarei um casaco para voltar para
Runsdorf.
Pouco tempo depois, Marísia, trazendo o seu lindo vestido branco, descia, seguida
pela amiga. Quando chegavam no fim da escada, a porta se abriu e o conde de Lendau
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entrou acompanhado pelos picadores que traziam o ferido sobre uma padiola
improvisada.
Walther parou um instante, como fascinado pela aparição, na penumbra do
vestíbulo, daquela linda joven vestida de branco.
E esse homem continua no mesmo estado? perguntou Marísia.
Ainda, senhorinha... Peço-lhe desculpas de invadir assim o seu domicílio,
senhorita Duntz...
É uma coisa muito natural, senhor conde. Vou mandar levar esse homem para
um quarto que temos reservado para os pobres vagabundos, doentes ou mortos de fome
que os guardas costumam trazer para aqui.
Poucos minutos depois o homem estava estendido sobre uma cama, num cômodo
afastado. A pequena farmácia do administrador forneceu à Walther o necessário para os
primeiros curativos. Quando ele já estava pronto, repousando nos travesseiros, o jovem
conde declarou:
Agora só nos resta esperar por Berdech. Este homem deve ter sofrido muito.
Vejam como está magro... decerto quando conseguiu matar a fome, já estava, com o
estômago às costas há bem tempo...
Marísia que aparecia nesse momento no limiar da porta, perguntou:
Porque pretendeu ele atentar contra o senhor particularmente? Conhece-o?
Absolutamente! Quererá me dar licença agora, que já cumpri o meu dever para
com esse assassino, de agradecer aquela que tão corajosamente me preservou, e me
autorizar a fazer um exame nesse ferimento?
Ela sorriu para esconder a sua emoção diante da calorosa doçura desses olhos
castanhos que a fixavam.
Uma e outra são inúteis. Laura pensou o meu ferimento ainda há pouco...
Sim, mas mostre a sua mão ao conde, Marísia. Ele verá melhor do que eu se
algum nervo foi lesado.
Receia a minha inexperiência, senhorita Lienkwicz? perguntou Walther com
uma ligeira entonação de amargura.
Ela estendeu a mão ferida.
Nem por isso! Se por acaso eu tivesse duvidado de sua competência e de sua
ciência, os cuidados que prestou a esse homem me teriam convencido.
Marísia estava, com efeito, muito impressionada pela doçura e atenção do jovem
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conde à respeito dessa criatura sórdida. Se, em lugar de um criminoso, ele tivesse tido
entre as mãos um dos seus iguais, não teria podido lhe dar melhores cuidados.
Examinada a mão da jovem, o conde declarou que felizmente a lâmina não
atingira nenhum nervo e que a cura seria rápida. Em seguida ofereceu-se para dar os
pontos na ferida se ela não quisesse esperar pelo doutor Berdech.
Não, não, pode fazer o que for preciso... respondeu ela. Tenho toda a
confiança em si.
Durante essa pequena operação, Marísia não pode conter alguns
estremecimentos de dor. Walther, num dado momento, disse à meia voz, num tom
fremente:
Estou desolado por ver que está sofrendo isto por minha causa.
Ela sorriu alegremente.
Ora nem me fale nisso! Então o senhor gostaria mais que esse homem
conseguisse o que desejava?
Terminada a sua tarefa de cirurgião, o conde recusou sentar-se, embora Laura o
convidasse a fazer.
Minha presença aqui agora se torna inútil porque o doutor vai chegar já. Vou me
reunir à caçada, que deixei por um momento.
Espere aqui os caçadores, senhor conde, disse Laura. A caçada decerto já
terminou...
Uma criada apareceu na porta e disse precipitadamente:
Senhorita Laura, o senhor Duntz vem chegando com Sua Alteza e outros
senhores...
Eu já o suspeitava... O nosso bom arquiduque gosta de passar uns instantes em
casa de meu pai quando volta da caça. Deixo-os para ir mandar preparar uma merenda.
Walther tomou o seu chapéu que havia posto sobre um móvel e voltou-se para
Marísia.
Deseja que eu previna o professor e Alexy, senhorinha? Assim eles ficarão
menos emocionados quando a senhora chegar.
Oh! eu não desejaria coisa melhor... e lhe agradeço...
Interrompeu-se. O ferido começava a se queixar, com uns gemidos dolorosos.
Julga que o seu estado seja grave? perguntou a jovem.
Não o julgo, não. Mas será preciso, sem dúvida, uma pequena operação, o que
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O passado, as tradições, que sei eu! Todos nós carregamos essa carga... e
como a achamos pesada! Mamãe nos infiltrou desde pequeninos essa idéia de que
pertencíamos a uma raça a parte. Vimo-la sempre, pobre mãe, dispor de tudo sem medir
sacrifícios para poder respeitar as tradições de nossa casa e há longos anos acreditamos
que a honra do nosso nome nos obriga a esta farsa, a esta existência inútil... Pois um dia
compreendi que não podia ser assim e perguntei a mim mesmo se minha mãe não se
enganava sem o querer. Lutei para afastar esses pensamentos e me persuadi que de fato
era esse o único caminho que tínhamos a seguir... mas isso até o dia em que a senhora
pronunciou aquelas palavras na clareira... lembra-se, D. Marísia?
Ela fez um sinal afirmativo, enrubescendo-se ligeiramente.
... Eram todas as minhas dúvidas de outrora que a senhora exprimia assim e
desde então elas voltaram com mais força. Ser um inútil, um infeliz sem nenhuma espécie
de futuro, torturado pelo pesar de uma vida vazia, ou me tornar alguém na sociedade dos
pensadores e dos homens de bem, entregar-me à carreira que eu sempre amei e que
amarei cada vez mais apaixonadamente... tal é a alternativa...
Marísia voltou um pouco a cabeça e olhava para o jardim, onde o outono
começava a desfolhar as árvores. Seus dedos se apertaram sobre a cadeira que lhe
ficava ao lado, seus lábios se cerraram como para comprimir as palavras prestes a saírem
de sua boca.
Em sua opinião, não há nenhuma dúvida sobre o partido a tomar, não é
senhorita? disse ele depois de um curto silêncio, durante o qual sem dúvida esperava
uma réplica.
Não posso me pronunciar sobre isso, senhor conde, respondeu a jovem com
uma aparente tranquilidade. Essas são considerações fora da minha competência como
o senhor já me fez compreender um dia...
Por sua vez as faces do conde se cobriram de rubor.
O que? A senhora guardou rancor por uma palavra dita no primeiro momento de
irritação? exclamou ele com uma alteração na voz.
Rancor? Oh! não! Apenas reconheci que o havia ferido com a minha franqueza,
aliás, involuntariamente. Pela sua atitude, o senhor me fez compreender que eu havia
passado os limites e que nunca me perdoaria essas palavras inconsideradas. O senhor
tinha razão sob o seu ponto de vista... Mas também eu estava magoada... Sim, é bem
verdade que não posso compreendê-lo, acrescentou Marísia, meneando a cabeça.
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Ah! a senhora não calcula que preconceitos eu teria que destruir à minha volta...
e mesmo em mim! O espírito novo me mostra um trilho de labor, de devotamento... de
felicidade talvez... Mas ele é combatido pelo princípio aristocrático, pelo velho espírito dos
meus antepassados, esses Lendau tão imbuídos pela paixão do seu brazão intacto, ao
qual eles tem sacrificado os seres mais queridos, para conservar toda a sua integridade...
Tal é a luta que se trava em mim... e da qual, sem dúvida, dependerá a minha felicidade...
Dizendo estas palavras, Walther se voltou e foi até o ferido. Como este estivesse
gemendo, o jovem conde tentou introduzir algumas gotas de um calmante entre os seus
dentes cerrados.
Minha única mão lhe poderá ser útil? perguntou Marísia?
Ela sustentou a cabeça do homem enquanto Walther o fazia engolir o líquido.
Quando Marísia repousava a cabeça do ferido no travesseiro, percebeu pela abertura da
porta o barão de Holberg, o pai da linda Wilhelmina. Duas vezes ela tivera ocasião de o
encontrar no apartamento da cônega, muito contra a seu gosto, porque esse personagem
flexível, insinuante, lhe era particularmente antipático. Nesse momento o seu olhar tinha
uma expressão malévola que ofendeu a jovem.
Walther, que também se virava para a porta, viu o recém-chegado e perguntou
friamente:
Que desejava, barão?
O interpelado adiantou-se, cumprimentando Marísia muito ligeiramente.
Venho ver se poderá receber umas visitas, conde de Lendau. O senhor Duntz
falou diante do arquiduque de uma agressão da qual o senhor acaba de ser objeto e Sua
Alteza manifestou desejos de ver o que aconteceu a esse abominável assassino. Ao
mesmo tempo anuncio-lhe a chegada do doutor Berdech... Eis um acelerado que poderá
se vangloriar de ter sido magnificamente cuidado e visitado! O senhor é admirável, conde,
por haver tratado dessa criatura!... E presumo que ele jamais sonhou em ter uma tão
elegante enfermeira!
Ele designava, com o olhar, bem claramente, o vestido branco da senhorita
Lienkwicz. Entretanto, esse vestido era bem simples e a faceira Wilhelmina decerto o teria
afastado com desdém. Mas muito pouca coisa era suficiente para realçar a beleza, a
elegância natural de Marísia e esse encanto delicado que era o seu maior atrativo.
Alguma surpresa apareceu no semblante da jovem à essa observação do barão
que levava aos olhos de Walther um relâmpago de irritação.
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disse ele com um risinho alegre. Nada tenho do que me inquietar, o trabalho foi
perfeito... vejamos agora este pobre diabo...
O arquiduque e o barão de Holberg se aproximaram do leito. Conrado Duntz fez
Marísia recuar um pouco até a janela a fim de examinar bem a sua fisionomia.
Ficou bem impressionada, minha pobre filha! Laura não lhe deu um cordial?
Sim, sim, tudo o que me era preciso, senhor Duntz. Tenho os nervos um pouco
abalados, naturalmente, mas logo eles se acalmarão novamente.
Eles são felizmente bem equilibrados, observou Walther. A senhorita Marísia
não é nada covarde ela o provou lançando-se generosamente na frente do golpe que me
era dirigido, e muitos homens poderiam lhe invejar a coragem, a firmeza de alma... Mas
tenho que me desculpar junto de si, senhor Duntz. Tomei a liberdade de trazer para aqui
esse homem a fim de evitar um grande trajeto que poderia lhe fazer mal.
Mas isso é uma coisa simplíssima! Era esse o único partido a tomar. Nada tenho
que desculpar e assim também tive ocasião de receber sob o meu teto o conde de
Lendau, do qual meu filho fala tanto.
O tom era cortês, mas de uma frieza que Marísia julgou quase glacial.
Sim seu filho e eu somos amigos, replicou Walther sorrindo. Ele já lhe disse,
senhor Duntz, o quanto eu desejava vê-lo acompanhar os seus filhos à Runsdorf?
Isso é impossível, conde, impossível. Tenho numerosas ocupações...
Ora, uma vez de tempos em tempos, não poderia ser? Outrora as relações entre
Runsdorf e Nunsthel eram frequentes e nós não podemos esquecer a dívida que a nossa
família contraiu consigo...
Um estalido interrompeu-o. Conrado Duntz acabava de apoiar a mão sobre uma
pequena mesa que se partiu.
E então? Que é isso? perguntou o arquiduque, virando-se para ele.
O administrador respondeu calmamente:
Esta mesa decerto estava rachada pelo lado de baixo; foi bastante tocá-la um
pouco bruscamente para se partir de uma vez.
Mal terminou a frase, empurrou os destroços para um ângulo do quarto, e Marísia
viu que uma profunda ruga franzia sua testa.
Temos apenas uma pequena fratura do crânio, disse o doutor Berdech que
continuava o seu exame. Com cuidados, porém, salvaremos este interessante
personagem, contanto que nada, em seu estado geral, nos venha atrapalhar. Digo
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salvaremos, porque julgo, senhor conde, que o senhor me ajudará a levar a bom termo
esta cura.
Estou inteiramente ao seu dispor, meu bom Berdech.
Ah! meu caro conde, só lhe resta adquirir os necessários diplomas! disse
sorrindo o arquiduque. Mas decerto nem pensa nisso, não é?
Não, Alteza, as tradições de minha família se opõem...
Como isso é admirável! disse a voz um pouco lenta e melíflua do barão de
Holberg. Que estima devemos ter por esses corajosos que conservam intactas as
tradições dos seus ancestrais, a nobreza pura de sua linhagem... que dizem altivamente
para as idéias novas: "Nunca as utilizarei!" Sim, honro esses homens de coração, esses
baluartes das grandes idéias, em via de desaparecer...
Walther lançou-lhe um olhar de glacial ironia, emquanto o arquiduque dizia, com
um pequeno sinal ao seu conselheiro:
Sim, o senhor não saberia elogiar o conde de Lendau, o quanto ele merece, meu
caro barão, porque ele é um grande exemplo...
Um lamento do ferido o interrompeu. Vendo que a atenção geral se fixava nele,
Marísia aproveitou esse momento para fugir dali. Apressadamente tomou por uma porta
de serviço, a fim de não atravessar o pátio onde vira um grupo de amazonas e cavaleiros
e logo se achou sobre o caminho da floresta.
Como o seu coração ia agitado pelas recentes comoções!...
Em seu cérebro tumultuavam mil pensamentos. "O que resolveria o conde? Essa
alma tão bem dotada continuaria a se submeter a tão absurdas tradições de família?..."
"Marísia" nos dirá...
Fim
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