Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Os Bufões - O Mistérios, o Grotesco e o Fantástico - Jacques Lecoq
Os Bufões - O Mistérios, o Grotesco e o Fantástico - Jacques Lecoq
Eles falam como Jó que interroga o céu, como Dante na Divina Comédia. Os bufões
ingleses habitam ao lado de Shakespeare. Nós fizemos os bufões dizerem grandes textos
dos maiores poetas. Quem melhor que um bufão pode dizer um texto de Antonin Artaud?
Paradoxalmente ele será mais bem compreendido sob esta forma do que de qualquer outra
forma dita poética. Os maiores loucos são os poetas!
Os grotescos estão próximos da caricatura. Eles se aproximam dos personagens da
nossa vida cotidiana, como alguns desenhos humorísticos podem representar. Eles não
colocam em causa os sentimentos ou a psicologia, mas sempre a função social. No
repertório teatral, um personagem como Ubu de Jarry pertence a esse mundo.
Os fantásticos se apóiam notadamente na eletrônica, no científico, mas também na
imaginação mais desenfreada. Nós vimos personagens de várias cabeças, homens-animais,
bufões com a cabeça na barriga. Todas as loucuras são aqui possíveis: elas constituem a
liberdade do ator e sua beleza.
O tema bufão cobre hoje um território extremamente vasto do qual não se pode
limitar os contornos de forma definitiva.
Um mesmo bufão não pode pertencer ao mesmo tempo aos três registros, mas
algumas misturas são possíveis nos bandos.
Em seus rituais os bufões não invocam o céu, eles cospem nele. Chamam as forças
da terra. Eles estão do lado do diabo. Saindo da terra, eles tomam a forma humana.
Inventam ritos que pertencem a eles próprios, totalmente incompreensíveis para os profanos
que nós somos. Eles executam estranhas procissões, cerimônias particulares, desfiles com
tambores. Um bando de bufões pode bater o pé, dançar, cantar, proferir elucubrações,
sempre de maneira ritual, muito organizada. Nesse caso nem os atores sabem o que fazem,
mas fazem. Esses ritos não dão lugar a nenhum conflito, pois não existe rivalidade entre os
bufões. Nunca um entre eles ficará com raiva do outro. Eles se situam numa hierarquia
muito organizada e aceita por todos. Tem aqueles que batem e aqueles que apanham. E está
tudo bem assim. Os que devem apanhar pedem mais, eles amam isso. Cada um ocupa um
lugar aceito na sociedade dos bufões, que é para eles a sociedade ideal. A bem entender,
essa sociedade é a nossa.
Os bufões vêm sempre diante do público para representar a sociedade. A partir
disso, todos os temas são possíveis: a guerra, a televisão, o conselho dos ministros e todos
os fatos da atualidade, fonte de inspiração e de jogo inesgotável. Às vezes eles de disfarçam
de personagens da nossa sociedade: colocam um quepe, um hábito religioso e começam a
brincar com esses personagens. Mas eles o fazem à sua maneira, voltando sempre ao bufão
de origem que se diverte às custas do personagem que ele representa. Se eles resolvem
representar o sindicalismo, eles não entrarão nunca na psicologia de tal ou tal personagem
conhecido, eles brincarão de militante. Farão uma passeata, os mesmos passando
alternativamente para o lado dos manifestantes depois dos policiais, só pelo prazer.
O trabalho dos bufões depende de um espírito de jogo adaptável a diferentes
situações. Tudo aqui está na maneira de fazer, na escrita proposta, no nível do jogo. Os
atores escrevem seus textos numa outra lógica. Se eles abordam uma situação, os bufões
vão deformá-la, torcê-la, colocá-la em jogo de uma maneira não habitual. Sobre um texto,
eles poderão repetir dez vezes a mesma palavra, voltar para trás, apenas pelo prazer. Eles
"bufonerão" a situação. Estamos no puro reinado da loucura organizada.
Na conclusão desta exploração, algumas questões ficam, ainda hoje, suspensas: Os
bufões podem ser suficientes? Eles podem sozinhos, constituir um espetáculo? Ou eles
estão paralelos à tragédia? Podem eles intervir na tragédia, ou inversamente, até que ponto
a tragédia pode interferir no território dos bufões?
Traduzido por Luciana Viacava sem intenções lingüísticas para fins meramente
pedagógicos e elucidativos.
Agosto de 2001.