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de articulações entre pesquisadores, insti- por isto a ênfase dada ao seu “pioneiris-
tuições e fontes de fomento que participam mo”, em função das técnicas utilizadas
da produção da obra (Cecult/Unicamp, de produção e análise de materiais (em
Petrobras, CNPq).No texto de abertu- arquivos e em campo), que só vieram
ra, “Memória por um fio: as gravações a ser efetivadas para a historiografia
históricas de Stanley Stein”, espécie de algumas décadas depois, como no caso
introdução geral, Pacheco refaz o caminho da micro-historiografia italiana – talvez
percorrido do encontro das gravações, ênfase excessiva, se posicionarmos o
sua digitalização e edição, até a reunião trabalho de Stein no campo mais amplo
dos pesquisadores que dariam conta do das ciências sociais, no contexto norte-
exercício geral da coletânea: “extrair”, das americano das décadas de 1930-1940.
gravações e da obra de Stein “o máximo No segundo texto da coletânea, “Uma
de informação possível” (:19). No caso, o viagem maravilhosa”, encontramos um
autor posiciona as gravações na história Stein memorialista tanto de si mesmo
do desenvolvimento de registros sonoros e como de uma geração de investigadores,
de seus usos, em particular, no registro de da qual ele dá conta ao retomar as preo-
expressões orais e musicalidades de gru- cupações, as intuições e os improvisos que
pos e subgrupos das sociedades humanas. levaram ao que é hoje metodologia consa-
Neste sentido, as gravações de Stein fazem grada para a História e para a Antropolo-
parte de um campo de investigações no gia. Logo no início, ele se pergunta sobre
qual encontraremos a família Lomax ou o o pequeno conjunto de gravações que
“folclorista” Benjamin Botkin (:20). Como realizou, já nos convidando a posicionar
recupera o autor, a preocupação geral que sua obra (:35): “Pensando bem, este ‘acon-
unia trabalhos como os da família Lomax e tecimento’ foi uma sorte de pesquisador
do antropólogo M. Herskovitz era a “coleta – ou teria sido algo além disso?”.
de memórias e tradições folclóricas de Apesar de a bibliografia de Vassouras
ex-escravos norte-americanos” (:20-21), ser basicamente de literatura brasileira,
sendo a música considerada como acesso aquela que Stein reconhece como sua
privilegiado a uma “cultura”, a uma “tra- segunda “corrente inspiradora” (:38),
dição”, a uma “cosmovisão”. sua matriz epistemológica fundamental,
No total, chegam a nós 60 cantigas é a apresentada no prefácio à edição
(pontos), em misto de português com ban- inglesa de 1985, neste artigo, um pouco
tu, cinco amostras de células rítmicas de mais detalhada: a de uma geração que
tambores, oito cantigas com acordeão, uma tinha os “estudos de comunidade” como
folia de reis, cinco batucadas de samba e um norte investigativo e a “sociedade-cultu-
samba cantado. Tanto no texto de Pacheco ra da plantation” como foco, ampliando
(:16-17) quanto no de Slenes (:113-115), o estatuto da “fonte” para os campos da
encontramos uma definição geral do jongo oralidade, da escrita, das práticas coti-
como: a) “dança”; b) “gênero poético-musi- dianas e até da arquitetura (:37). Neste
cal”. Ele está filiado ao conjunto mais amplo sentido, Stein filia-se à geração formada
das “danças afro-brasileiras”, com funções por Herskovitz, Redfield e Steward, da
e significados que atravessam as fronteiras qual sobressaem, além do seu próprio,
que vão do laico ao sagrado. também os trabalhos de Eric Wolf e
Em termos gerais, é através da história Sidney Mintz (:37). O “pioneirismo” da
como disciplina e fio articulador que a obra, portanto, deve ser relativizado, mas
obra é apresentada e analisada. Talvez não a sua importância.
resenhas 309
espiritual dos escravos”; b) a origem ban- descontinuidades (:15), este viés ficou para
tu dos negros envolvidos na plantation uma próxima publicação, uma vez que Me-
do café, o que Slenes classifica como mória do jongo pode ser posicionado como
“área cultural” (categorização já bastante um dos “pontos terminais” (nos termos de
discutida) e, em termos linguísticos, de Redfield) no grande campo de estudos de
“constelação kumba” (:142-143). O autor “comunidades afro-americanas”, que têm
segue as pistas deixadas por Stein no ca- personagens como Herskovitz como “fun-
pítulo de Vassouras voltado para “religião dadores” de metodologias e paradigmas.
e festividades”, no qual o autor norte-
americano enfatiza que, apesar de laico
em sua temática, estava “erigido a partir
de elementos religiosos africanos”. VEL
Para corroborar esse trânsito, Slenes
opera com a categoria/tipo “jongueiro
cumba”, à qual agrega não só conhe-
cimentos da ordem do laico e do sacro,
como também papel e algum poder políti-
co. Cruzando recorrências socioculturais
e linguísticas, vai construindo um amplo
universo de referências, convincente
pela quantidade de dados reunidos,
em que fica cada vez mais plausível
posicionar definitivamente o “jongo”.
Mas permanece a dúvida se o efeito de
unidade construída não é narrativo, uma
vez que alguns dos repertórios elencados
para apresentar a continuidade “África
central” – “sudeste brasileiro”, tais como
“espíritos territoriais” e “ancestrais”,
“cultos de aflição” [:124], vocabulários-
metáfora e “pressupostos cosmológicos”
[:128]), são amplamente generalizáveis
para outros grupos étnicos da África,
alguns até bem mais alhures.
Em que medida estaria Slenes par-
ticipando do que Kofi Agawu chamou,
para o caso da música, de “invenção da
rítmica africana”? Neste sentido, o inves-
timento preenche os espaços deixados
pelo “mestre”, dá-lhes assentamento, sem
que se altere, no entanto, a prescrição do
receituário que já estava traçado desde a
década de 1950, ligando o sudeste cafeeiro
à África central. Apesar de um dos campos
de ação investigativa – como proposto no
início da publicação – ser o das rupturas e