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cadernos
metrópole
políticas públicas e formas
de provisão da moradia
Cadernos Metrópole
v. 18, n. 35, pp. 1-312
abr 2016
hƩp://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3500
Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,
Semestral
ISSN 1517-2422 (versão impressa)
ISSN 2236-9996 (versão on-line)
A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22
CDD 300.5
Indexadores: SciELO, Redalyc, Latindex, Library of Congress – Washington
Cadernos Metrópole
Conselho Editorial
Anna Maria Marques Cintra (Presidente), José Rodolpho Perazzolo, Karen Ambra, Ladislau Dowbor,
Lucia Maria Machado Bógus, Mary Jane Paris Spink, Miguel Wady Chaia, Norval Baitello Junior,
Oswaldo Henrique Duek Marques, Rosa Maria B. B. de Andrade Nery
Coordenação Editorial
Sonia Montone
Revisão de português
Eveline Bouteiller
Revisão de inglês
Carolina Siqueira M. Ventura
Revisão de espanhol
Vivian Motta Pires
Projeto gráfico, editoração
Raquel Cerqueira
Capa
Waldir Alves
EDITORES
Lucia Bógus (PUC-SP)
Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ)
COMISSÃO EDITORIAL
Eustógio Wanderley Correia Dantas (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Luciana Teixeira Andrade (Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Orlando Alves dos Santos Júnior (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil)
Sérgio de Azevedo (Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/ Brasil) Suzana Pasternak (Universidade de São Paulo,
São Paulo/São Paulo/Brasil)
CONSELHO EDITORIAL
Adauto Lucio Cardoso (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Aldo Paviani (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/
Brasil) Alfonso Xavier Iracheta (El Colegio Mexiquense, Toluca/Estado del México/México) Ana Cristina Fernandes (Universidade Federal de Pernambuco, Recife/
Pernambuco/Brasil) Ana Fani Alessandri Carlos (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ana Lucia Nogueira de P. Britto (Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Ana Maria Fernandes (Universidade Federal da Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Andrea Claudia Catenazzi
(Universidad Nacional de General Sarmiento, Los Polvorines/Provincia de Buenos Aires/Argentina) Angélica Tanus Benatti Alvim (Universidade Presbiteriana Mackenzie,
São Paulo/São Paulo/Brasil) Arlete Moyses Rodrigues (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Brasilmar Ferreira Nunes (Universidade
Federal Fluminense, Niterói/Rio de Janeiro, Brasil) Carlos Antonio de Mattos (Pontificia Universidad Católica de Chile, Santiago/Chile) Carlos José Cândido G.
Fortuna (Universidade de Coimbra, Coimbra/Portugal) Claudino Ferreira (Universidade de Coimbra, Coimbra/Portugal) Cristina López Villanueva (Universitat de
Barcelona, Barcelona/Espanha) Edna Maria Ramos de Castro (Universidade Federal do Pará, Belém/Pará/Brasil) Eleanor Gomes da Silva Palhano (Universidade
Federal do Pará, Belém/Pará/Brasil) Erminia Teresinha M. Maricato (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Félix Ramon Ruiz Sánchez (Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Fernando Nunes da Silva (Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa/Portugal) Frederico Rosa Borges
de Holanda (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Geraldo Magela Costa (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/
Brasil) Gilda Collet Bruna (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Gustavo de Oliveira Coelho de Souza (Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heliana Comin Vargas (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heloísa Soares de Moura
Costa (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Jesus Leal (Universidad Complutense de Madrid, Madri/Espanha) José Alberto
Vieira Rio Fernandes (Universidade do Porto, Porto/Portugal) José Antônio F. Alonso (Fundação de Economia e Estatística, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil)
José Machado Pais (Universidade de Lisboa, Lisboa/Portugal) José Marcos Pinto da Cunha (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil)
José Maria Carvalho Ferreira (Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa/Portugal) José Tavares Correia Lira (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil)
Leila Christina Duarte Dias (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Luciana Corrêa do Lago (Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luís Antonio Machado da Silva (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/
Brasil) Luis Renato Bezerra Pequeno (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Márcio Moraes Valença (Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marco Aurélio A. de F. Gomes (Universidade Federal da Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Maria Cristina da Silva Leme
(Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria do Livramento M. Clementino (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do
Norte/Brasil) Marília Steinberger (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Marta Dominguéz Pérez (Universidad Complutense de Madrid, Madri/
Espanha) Nadia Somekh (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Nelson Baltrusis (Universidade Católica do Salvador, Salvador/Bahia/
Brasil) Norma Lacerda (Universidade Federal de Pernambuco, Recife/Pernambuco/Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos (Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Raquel Rolnik (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ricardo Toledo Silva (Universidade de São Paulo, São
Paulo/São Paulo/Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Rosa Maria Moura da
Silva (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, Curitiba/Paraná/Brasil) Rosana Baeninger (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São
Paulo/Brasil) Sarah Feldman (Universidade de São Paulo, São Carlos/São Paulo/Brasil) Vera Lucia Michalany Chaia (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo/São Paulo/Brasil) Wrana Maria Panizzi (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil)
9 Apresentação
The Brazilian land issue in the design 15 A questão fundiária brasileira no desenho
of the na onal housing policies: considera ons das polí cas nacionais de habitação:
from the beginning of the 21st century onwards considerações a par r do início do século XXI
Tomás Antonio Moreira
Joana Aparecida Z. M. T. Ribeiro
FGTS and the market of real estate-backed 33 O FGTS e o mercado de tulos de base imobiliária:
securi es: rela onships and trends relações e tendências
Luciana de Oliveira Royer
Squa er se lements in Brazil and in São Paulo: 75 Favelas no Brasil e em São Paulo: avanços
improvements in the analyzes from the 2010 nas análises a par r da Leitura Territorial
Census Territorial Reading do Censo de 2010
Suzana Pasternak
Camila D’O aviano
Slum upgrading in the ABC Region in the context 101 Urbanização de favelas na Região do ABC
of Programa de Aceleração do Crescimento- no âmbito do Programa de Aceleração
-Urbanização de Assentamentos Precários do Crescimento-Urbanização
de Assentamentos Precários
Rosana Denaldi
Ricardo More
Claudia Paiva
Fernando Nogueira
Juliana Petrarolli
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Housing policies and urban occupa ons: 145 As polí cas habitacionais e as ocupações urbanas:
dissent in the city dissenso na cidade
Denise Morado Nascimento
Why could the Minha Casa Minha Vida Program 165 Por que o Programa Minha Casa Minha Vida
only have happened in a government headed só poderia acontecer em um governo pe sta?
by the Labor Party? Danielle Klintowitz
Minha Casa Minha Vida Program in the 191 O Programa Minha Casa Minha Vida
Metropolitan Region of Fortaleza: na Região Metropolitana de Fortaleza-CE:
an analysis of ins tu onal arrangements análise dos arranjos ins tucionais
Renato Pequeno
Sara Vieira Rosa
Transforma on of the urban periphery and new 217 Transformações da periferia e novas formas
forms of inequality in Brazilian ci es: a view de desigualdades nas metrópoles brasileiras:
on the recent changes in housing produc on um olhar sobre as mudanças na produção
habitacional
Maria Beatriz Cruz Rufino
Between sta s cs and the city: enrolment 237 Entre as esta s cas e a cidade: o cadastramento
and produc on of social demand for apartments e a produção da demanda social por apartamentos
in the Minha Casa Minha Vida housing program no Programa Minha Casa Minha Vida
Marcella Carvalho de Araújo Silva
Social effec veness of the Minha Casa 283 Eficácia social do Programa Minha Casa
Minha Vida Program: conceptual discussion and Minha Vida: discussão conceitual e reflexões
reflec ons based on an empirical case a par r de um caso empírico
Aline Werneck Barbosa Carvalho
Italo Itamar Caixeiro Stephan
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(*) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional.
Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
adcard.cardoso@gmail.com
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Resumo Abstract
O Brasil evidenciou nas últimas décadas importantes Brazil has experienced significant changes in
transformações no campo da política urbana e ha- recent decades in the fi eld of urban and housing
bitacional. O contexto institucional criado sinalizou policy. The institutional context created signaled
uma perspectiva promissora para articular a questão a promising perspective to articulate the land
fundiária à política habitacional. Apesar de haver issue to housing policy. Although there is a
um consenso de que a terra urbana é componen- consensus that urban land is component and an
te e condição essencial para o êxito das ações que essential condition for the success of the actions
efetivam tal política, as práticas habitacionais em- that concretize such a policy, housing practices
preendidas raramente trataram desse componente undertaken rarely deal with this component
de maneira adequada. Este artigo analisa como a in the proper way. This paper examine how
questão fundiária é colocada no desenho das políti- the land issue is inser ted in the design of
cas nacionais de habitação. Analisa-se a abordagem national housing policies. The work analyzes
da questão fundiária na Política Nacional de Habita- the approach of land issue in National Housing
ção, seus pressupostos e as contradições geradas ao Policy, its purposes and the contradictions
tentar compatibilizar seu protagonismo com a acele- generated to match its role with the acceleration
ração do crescimento econômico do país. of economic growth.
Palavras-chave: política fundiária; política nacional Keywords: land policy, national housing policy,
de habitação; Programa Minha Casa Minha Vida. Program Minha Casa Minha Vida.
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federal, ao mesmo tempo em que permite al- a terra e à moradia por meio do mercado for-
cançar parcelas populacionais de menor renda, mal, para a população de baixa renda (MCida-
antes não atendidas, tem como foco ampliar a des, 2006).
participação da iniciativa privada nos proces- Preconizando a gestão participativa e
sos de produção. Ao inserir o protagonismo democrática, adotando-se o direito à moradia
da política de habitação em um viés de ace- como direito fundamental e a moradia digna
leração do crescimento econômico, passa-se como vetor de inclusão social, a articulação
a reproduzir um padrão de segregação socio- com a política urbana e a integração às ações
territorial e precariedade urbana e ambiental das demais políticas sociais e ambientais foram
que retoma os erros e contradições recorrentes estabelecidas como princípios fundamentais
na trajetória histórica da política habitacional da PNH (MCidades, 2006). A partir desses prin-
brasileira (Bonduki, 2008; Rolnik e Klink, 2011; cípios, a gestão e o controle social, o projeto
Shimbo, 2010). financeiro e a política fundiária urbana ficaram
Esse novo contexto sinalizou uma pers- conceitualmente definidos como eixos centrais
pectiva promissora para articular a questão de sua implantação (Bonduki, 2008).
fundiária à política habitacional. Apesar de ha- Para o eixo da política fundiária, a PNH
ver um consenso de que a terra urbana é com- estabeleceu como princípios a implementação
ponente e condição essencial para o êxito das dos instrumentos e das diretrizes gerais da po-
ações que efetivam tal política, acredita-se que lítica urbana dispostos pelo Estatuto da Cidade,
as práticas habitacionais empreendidas rara- visando garantir o cumprimento da função so-
mente trataram desse componente de maneira cial da cidade e da propriedade, bem como o
adequada e pouco se questionaram sobre qual melhor ordenamento e controle do uso do solo,
premissa se estruturariam. Busca-se, portanto, de forma a combater a retenção especulativa
analisar como a questão fundiária para a pro- da terra e viabilizar o seu acesso pela popula-
dução de moradias é tratada e embasada no ção de baixa renda (MCidades, 2006).
desenho das políticas nacionais de habitação. Para o projeto financeiro, concebeu-se a
estruturação do Sistema Nacional de Habita-
ção (SNHAB), que passou a definir as formas
de articulação entre os diferentes níveis de go-
Política Nacional de Habitação: verno e os demais agentes públicos e privados
pressupostos e contradições envolvidos no setor habitacional, bem como as
regras, os componentes e as linhas de atuação
A formulação da Política Nacional de Habita- que direcionariam recursos para a implementa-
ção (PNH) partiu da concepção de uma dívida ção da PNH.
social acumulada no país, fruto das desigual- O SNHAB se organizou em dois subsis-
dades sociais e da concentração de renda ca- temas: o Sistema Nacional de Habitação de
racterísticas da sociedade brasileira, expressa Interesse Social (SNHIS) e o Sistema Nacional
na segregação socioespacial vivida no espaço de Habitação de Mercado (SNHM). O SNHM
das cidades e na restrição histórica do acesso teve como objetivo garantir e sustentar a
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participação do setor privado na produção ha- à definição sobre a alocação e ao uso dos
bitacional, visando ampliar a oferta e facilitar recursos aportados para HIS.
o acesso ao financiamento da habitação pelos
A efetivação do SNHIS tocaria, nesse sen-
setores populares não atendidos anteriormente
tido, o eixo da gestão e do controle social da
pelo mercado. Por sua vez, o SNHIS, instituído
PNH, uma vez que permitiria um novo modelo
pela Lei Federal 11.124/2005, teve como ob-
de gestão de recursos – democrático, participa-
jetivos integrar os entes federativos e ampliar
tivo e descentralizado – bem como a definição
os recursos federais, estaduais e municipais,
de estratégias de enfrentamento da problemá-
visando incrementar os subsídios destinados
tica da habitação direcionadas às realidades
ao atendimento habitacional das faixas popu-
locais (MCidades, 2006).
lacionais de baixa renda, concentradoras da
A definição de estratégias específicas
maior parcela do deficit habitacional brasileiro
estaria expressa nos planos de habitação,
(Bonduki, 2009; MCidades, 2006).
documentos que passariam a representar as
A regulamentação do SNHIS se articulou
políticas habitacionais de cada nível de go-
à criação do Fundo Nacional de Habitação
verno. Os planos estariam alinhados à PNH a
de Interesse Social (FNHIS), que passou a ser
partir das diretrizes estabelecidas pelo Plano
gerido por um conselho correlato – o Conse-
Nacional de Habitação (PLANHAB), formulado
lho Gestor do FNHIS. Para a implantação do
pela Secretaria Nacional de Habitação (SNH)
Sistema e para acesso aos recursos do FNHIS,
em 2008.
Estados, municípios e Distrito Federal foram
O PLANHAB procurou estabelecer pro-
impelidos à sua adesão mediante três requi-
postas que considerassem a diversidade da
sitos: constituir fundo municipal de Habitação
problemática habitacional no país, as especifici-
de Interesse Social (HIS); instituir respectivo
dades regionais e municipais, bem como as di-
conselho gestor paritário e com representativi-
ferentes visões dos segmentos ligados ao setor
dade de movimentos sociais ligados à moradia;
da habitação (Bonduki, 2009). Como um instru-
e elaborar plano de habitação em seu nível de
mento da PNH, o PLANHAB teve como objeti-
gestão (Brasil, 2005). Para Cardoso e Aragão
vo desenhar estratégias, tanto públicas quanto
(2013, p. 32),
privadas, para o equacionamento das necessi-
a lógica da criação do Sistema Nacional dades habitacionais brasileiras, inseridas em
de Habitação de Interesse Social seria um horizonte temporal de quinze anos (2008-
fortalecer os órgãos públicos municipais
2023). Para que fosse possível alterar substan-
e estaduais para a implantação de polí-
ticas habitacionais. Os Fundos de HIS se- cialmente o quadro habitacional, essas estraté-
riam os mecanismos que permitiriam aos gias deveriam incorporar ações simultâneas de
Municípios alavancar recursos próprios e longo, médio e curto prazo, ponderando quatro
potencializar os recursos federais ou es- eixos principais: (1) financiamento e subsídios;
taduais que lhes fossem repassados. Ao
(2) arranjos e desenvolvimento institucional; (3)
mesmo tempo os Conselhos Gestores dos
Fundos locais promoveriam uma maior cadeira produtiva da construção civil; e (4) polí-
participação da sociedade civil em relação tica fundiária urbana (MCidades, 2010).
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municípios a instituir ou regulamentar instru- estratificadas em: famílias com renda de até
mentos previstos no Estatuto da Cidade, visan- três salários mínimos; famílias com renda entre
do o cumprimento do princípio da função social três e seis salários mínimos; e famílias com ren-
referenciado na Constituição – o que extrapola da entre seis a dez salários mínimos.
o âmbito do PLHIS. Como diretriz independen- Mesmo incluído no discurso de defesa da
te e restrita apenas à formulação do PLHIS, o moradia digna, o PMCMV teve claros objetivos
PLANHAB recomendou a tarefa de “dimensio- de impactar a economia por meio dos efeitos
nar a terra necessária para a produção de HIS” multiplicadores da indústria da construção civil
(MCidades, 2010, p. 120), procedimento técni- e de ampliar o mercado habitacional para famí-
co que se articula ao entendimento do concei- lias com renda mensal de até dez salários mí-
to de necessidades habitacionais incorporado nimos, mantendo o desenvolvimento do setor
pela PNH. imobiliário – que vinha experimentando uma
A viabilização das ações do PLANHAB profunda reestruturação desde 2006 – mas
se agrupou em linhas programáticas de aten- que começava a sentir impactos adiante da cri-
dimento que buscaram estruturar programas e se econômica internacional, ocorrida em 2008
subprogramas voltados a: (1) integração urba- (Cardoso e Aragão, 2013).
na de assentamentos precários informais; (2) O PMCMV permitiu um quadro favorável
apoio à melhoria da unidade habitacional; (3) ao desenvolvimento da política habitacional
produção de habitação; e (4) desenvolvimen- inserida no SNHM, bem como à ampliação do
to institucional. Cada linha concentrou fontes financiamento, passando a viabilizar linhas de
orçamentárias, estipulou demandas e regras crédito ao consumidor e ao produtor da habi-
de atendimento específicas. Em relação à linha tação. Seu lançamento, no entanto, suscitou
de produção de habitação, o Programa Minha críticas diferenciadas. Por parte dos defensores
Casa Minha Vida (PMCMV) ganhou prioridade e movimentos sociais envolvidos no processo
e destaque na temática habitacional, represen- de formulação da PNH, as avaliações iniciais
tando um forte mecanismo de implementação vieram em sentido relativamente positivo, que
e alcance das metas da PNH. apontavam como inédito o volume de subsídios
Lançado pelo governo federal e regula- a ser alocado na política, o que poderia gerar
mentado pela Lei Federal 11.977, em 2009, o um atendimento efetivo à população de mais
PMCMV buscou como meta a construção de baixa renda e a diminuição do deficit habita-
um milhão de casas em um ano, tendo conti- cional (ibid., 2013). As medidas previstas no
nuidade no período 2011-2014, com o objetivo PLANHAB para o eixo da cadeia produtiva da
expressivo de mais dois milhões de unidades construção civil, sobretudo a redução do custo
habitacionais. Em sua primeira fase, os recursos da habitação, também foram salientadas por
para sua concretização foram distribuídos seus impactos positivos no acesso à habitação
pelas unidades federativas de forma propor- de interesse social e de mercado por terem sido
cional ao deficit habitacional estimado pela incorporadas ao Programa (Bonduki, 2009).
Fundação João Pinheiro (FJP) para os estados Simultaneamente a tais avaliações, crí-
brasileiros, e de acordo com as faixas salariais, ticas mais negativas surgiram no sentido de
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que ao enfrentamento das demais dimensões os níveis de emprego no país – o que poderia
estratégicas da PNH. repercutir no “erro de equiparar crescimento
Tal orientação economicista teve impac- econômico a desenvolvimento social” (ibid.,
tos imediatos no SNHAB, tanto em relação à p. 150), deixando de lado os resultados nega-
adesão dos entes federados, quanto na elimi- tivos desse crescimento no espaço das cidades
nação dos repasses dos recursos do FNHIS para (Rolnik e Nakano, 2009).
ações de provisão habitacional e na limitação Os aspectos desses três eixos do
de sua atuação nas ações de urbanização de PLANHAB acabariam por divergir das suas
assentamentos precários e de desenvolvimento próprias estratégias traçadas para a política
institucional (MCidades, 2013; Cardoso e Ara- fundiá ria. O objetivo da estratégia urbano-
gão, 2013). -fundiária de garantir acesso a terra urbaniza-
O exposto evidencia desequilíbrios entre da, legalizada e bem localizada para a provi-
as ações programáticas e os pressupostos con- são de HIS, propõe diretrizes que consideram a
ceituais e estratégicos estabelecidos pela PNH. aplicação de instrumentos urbanísticos para o
Contudo, no que diz respeito à produção de HIS cumprimento do princípio da função social. Em
e sua relação com a questão fundiária urbana, sua relação com a política habitacional, a apli-
observa-se que os próprios eixos estratégicos cação desses instrumentos parte da premissa
do PLANHAB poderiam também incorrer em de se reservar e destinar áreas para o interes-
contradições. se social, retirando-as da disputa de capitais, o
Para Peixoto (2011), o eixo de financia- que contraria os pressupostos dos demais eixos
mento e subsídio, o eixo dos arranjos institu- que se pautam na estruturação capitalista da
cionais e o eixo da cadeia produtiva da cons- produção da moradia, na qual a terra é tida co-
trução civil, que se propõem, respectivamente, mo componente essencial dos lucros (Peixoto,
a resolver o problema da solvabilidade da 2011; Silva, 1997).
demanda, ampliar a participação da iniciativa Como salienta Peixoto (2011, p. 150), a
privada e reduzir os custos do produto casa, não superação das divergências e contradições
poderiam ser vistos como “metas que apostam suscitará ainda “o risco de se incorrer num au-
no equacionamento da questão habitacional toaniquilamento das proposições e de que as
por intermédio de estruturas de produção capi- iniciativas que começam a ser esboçadas caiam
talistas tradicionais” (Peixoto, 2011, p. 150). A no limbo dos planos que não saem do papel”.
otimização e o alargamento da produtividade A superação dessas divergências e contradições
com base na construção civil e na dinamiza- tem relação intrínseca com a dimensão fundiá-
ção do mercado imobiliário colocam-se como ria da política habitacional e, portanto, com as
uma medida política estratégica, inclusive já propostas de articulação aos instrumentos de
praticada na trajetória da política habitacional política urbana a serem estruturadas nos con-
do BNH nas décadas de 1960 e 1970, que traz teúdos estratégicos dos planos de habitação, no
como premissa elevar a atividade econômica e âmbito das diferentes esferas de governo.
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Diretor, uma vez que esse passou a ser o ins- de novas moradias exigidas pelo crescimento
trumento básico da política fundiária após a demográfico; e (3) a inadequação, representa-
promulgação do Estatuto da Cidade (Cardoso tiva da necessidade de melhoria de unidades
e Romeiro, 2008). habitacionais. No âmbito da inadequação habi-
Para que fosse possível a inclusão de tacional, colocam-se ainda como componentes:
informações e medidas conclusivas para en- a carência de infraestrutura, o adensamento
frentamento da questão fundiária, a formu- excessivo, a irregularidade da posse e da pro-
lação dos planos de habitação, como parte priedade fundiária, e os domicílios com alto
do processo de implantação da PNH, exigiu a grau de depreciação ou sem unidade sanitária
explicitação de alguns conceitos e a definição domiciliar exclusiva (MCidades, 2009).
de terminologias relativas às necessidades ha- As conceituações foram tratadas como
bitacionais e à precariedade da moradia, por questões essenciais a serem levantadas no
parte da SNH. Como princípio, buscou-se uma âmbito da elaboração dos planos de habita-
uniformização de conteúdos que permitisse a ção, em suas diversas escalas. O conhecimento
construção gradual de um sistema de informa- das diversas precariedades e necessidades ha-
ções e avaliação sobre a questão habitacional bitacionais, tanto as acumuladas ao longo do
em nível nacional (MCidades, 2009). tempo como as previstas para o futuro, seria
Em relação à precariedade da moradia, o conteúdo estratégico e fundamental para a for-
conceito adotado pela SNH – referenciado no mulação de políticas alinhadas à PNH. Contu-
PLANHAB – procurou delimitar quatro catego- do, o próprio PLANHAB salientou para a carên-
rias representativas do fenômeno nas áreas ur- cia de sistemas consistentes de informação e
banas: (1) cortiços, (2) conjuntos habitacionais monitoramento da problemática da habitação
produzidos pelo poder público em situação de nas diversas instâncias, as quais, em muitos
irregularidade ou de degradação, (3) loteamen- casos, assumiam parâmetros desarticulados e
tos irregulares de moradores de baixa renda e desordenados de quantificação e qualificação
(4) favelas. Essa delimitação serviria para apro- das necessidades habitacionais, tornando mais
fundar a caracterização da problemática da complexo o desafio de enfrentá-las (ibid., 2010;
moradia, o que poderia levar à formulação de Pulhez, 2012).
diretrizes e estratégias de ação e intervenção Com isso, como parte das iniciativas de
mais adequadas às características das necessi- apoio e capacitação ao desenvolvimento dos
dades habitacionais. planos, a SNH indicou uma série de fontes de
Em relação às necessidades habitacio- dados e informações, bem como métodos es-
nais, a SNH procurou incorporar os três tipos pecíficos que auxiliassem a abordagem das
de necessidades conceituadas pela Fundação necessidades habitacionais, uma vez que a in-
João Pinheiro (FJP): (1) o deficit – representa- consistência dos referenciais para dimensioná-
tivo da necessidade de reposição total do es- -las poderia se colocar como fator complicador
toque de moradias precárias e do atendimento para a definição de programas e estratégias de
da demanda reprimida; (2) a demanda futura – ação. A recomendação de diversas fontes de
entendida como a necessidade de construção dados – tais como a FJP, o Instituto Brasileiro
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exigências estabelecidas, a maioria dos muni- passam pela formulação dos Planos Diretores e
cípios acabou efetivando sua adesão na fase dos Planos Locais de Habitação – permitindo a
inicial de funciona mento do Sistema, entre adoção dos instrumentos urbanísticos do Esta-
2006 e 2008. Já a elaboração dos PLHIS(s), a tuto da Cidade, bem como a compatibilização
conclusão média do Brasil, entre 2007 e 2013 de estratégias de acesso e gestão social da ter-
havia abrangido mais de 2.900 cidades, o cor- ra –, as ações de produção habitacional priori-
respondente a 52,6% do total de municípios zadas em nível federal com o PMCMV passam
do país (MCidades, 2013). pela elevação dos financiamentos e subsídios
Mesmo diante do contexto paralelo do sem qualquer vinculação aos instrumentos de
PMCMV e das dificuldades na formulação dos planejamento municipal (Buonfiglio e Bastos,
PLHIS(s) e na implementação do SNHIS, a es- 2011). Há, nesse sentido, uma sobreposição
fera federal apostava que a elaboração dos conflitante entre as atuações das diferentes
planos de habitação serviria não apenas para esferas de governo diante das diretrizes e pres-
a viabilização da adesão ao Sistema Nacional, supostos da PNH, bem como as metas do refe-
como também para tornar as demais esferas rido Programa e, no que tange, em especial, a
de governo conscientes de suas problemá- questão fundiária.
ticas habitacionais e das capacidades insti-
tucionais existentes para seu enfrentamento
(ibid., 2009). Considerações finais
Embora a dimensão fundiária da PNH e
o marco regulatório urbanístico, representa- Com base na caracterização do marco de
do pela Constituição Federal e pelo Estatuto fundamentação da PNH, evidenciam-se dese-
da Cidade, não garantissem a efetividade no quilíbrios entre suas dimensões estratégicas
equacionamento das problemáticas habitacio- e ações programáticas, no que diz respeito à
nais – uma vez que os resultados efetivos de- relação entre a questão fundiária e a produ-
penderiam de ações conclusivas e de decisões ção habitacional.
políticas pautadas no princípio da função social A expressiva disponibilização de recursos
da terra –, a esfera federal apostava que, com como dimensão estratégica para financiamen-
a adesão ao SNHIS, ficariam estabelecidas, ao to, subsídio e otimização da cadeia produtiva
menos em tese, as condições normativas, ins- da construção civil em nível federal, ao mesmo
titucionais e os pressupostos conceituais que tempo em que permite alcançar parcelas po-
permitiriam avanços na questão habitacional pulacionais de menor renda, antes não atendi-
no país nas diferentes escalas territoriais. das, tem como foco ampliar a participação da
Diante do desenho das políticas, pro- iniciativa privada nos processos de produção.
gramas e planos destaca-se, no entanto, que Com isso, aposta no equacionamento da pro-
a problemática fundiária ainda foi pouco en- blemática habitacional por meio de estruturas
fatizada ou tratada de forma básica. Isso por- privadas de obtenção da terra para a política
que, enquanto as ações dos municípios sobre pública. Nessas estruturas, os lucros e os gastos
a questão fundiária da política habitacional fundiários têm peso significativo, o que coloca
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Abstract
The article describes the relationships between the
Resumo FGTS and real estate-backed securities. FGTS is the
O artigo pesquisa as relações entre o Fundo de Brazilian government’s Severance Indemnity Fund:
Garantia do Tempo de Serviço e os títulos credi- the employer deposits 8% of a worker’s salary
tícios de base imobiliária. As contratações efetua- into the fund and this is managed by the federal
das com recursos do FGTS a partir de 2008 para government. Since 2008, contracts undertaken with
compra de títulos de base imobiliária acabaram FGTS resources for the acquisition of real estate-
por alavancar o mercado desses títulos no país, backed securities have stimulated the real estate
constituindo-se em um mecanismo gerador de bonds and securities market in Brazil, constituting
uma liquidez mínima para seu funcionamento. A a mechanism that generates a minimum liquidity
lógica do investimento nesses fundos é a lógica for its own operation. The investment logic of real
da valorização e do retorno do investimento, sem estate funds is the logic of investment return and
que exista necessariamente foco em uma política gain, without necessarily focusing on a housing and
pública de habitação e desenvolvimento urbano urban development public policy geared towards
voltada à universalização de direitos. É discutida a the universalization of rights. The dispute over FGTS
disputa pelos recursos do fundo e seu papel como resources and its role as a player in this market
um player desse mercado, no contexto da inser- are discussed in the context of Brazil’s inclusion in
ção do Brasil no capitalismo financeirizado. financial capitalism.
Palavras-chave: financiamento habitacional; títulos Keywords: housing finance; real estate-backed
creditícios de base imobiliária; FGTS; financeirização. securities; FGTS; financialization.
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hƩp://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3502
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7
Percentual do PIB
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set/09
fev/10
jul/10
dez/10
maio/11
out/11
mar/12
ago/12
jan/13
jun/13
nov/13
abr/14
set/14
Título do eixo
Fonte: Elaboração própria. Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central do Brasil.
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e o BNH atuou diretamente nesse setor. O viés dessa forma essas instituições a operar em um
existente no BNH de uma política de incentivo sistema integrado de associações de poupan-
industrial, constituindo um fundo robusto para ças e empréstimos.
dar suporte à indústria da construção civil na- Os recursos iniciais destinados ao SFH e
cional, foi estudado por importantes autores previstos na lei de criação do BNH/SFH eram
(Maricato, 1987). oriundos de uma contribuição de 1% incidente
Em 1965, a presidência do Banco Nacio- sobre salários e também de subscrição compul-
nal de Habitação foi substituída por equipes sória de letras imobiliárias emitidas pelo BNH
ligadas ao Ministério da Fazenda e do Planeja- por locadores de imóveis com área superior a
mento, que aceleraram as medidas necessárias 160m², por institutos de previdência, SESC, Sesi,
para a implementação do modelo americano Caixas Econômicas e promotores da construção
de crédito imobiliário. A concepção financista de imóveis com valor entre 1.000 e 2.000 salá-
se tornou hegemônica, e a orientação a ser se- rios mínimos, além de recursos subscritos pela
guida no funcionamento do sistema, cada vez União. No entanto, mesmo depois de um ano
mais nítida. A Lei nº 4.864, de novembro de de instituído o SFH, os recursos ainda não ha-
1965, que criou “medidas de estímulo à cons- viam constituído um caixa significativo que pu-
3
trução civil”, é um exemplo do que o gover- desse dar um mínimo de escala na produção de
no pretendia com a instituição de um sistema unidades habitacionais e com isso fomentar a
financeiro destinado à habitação: incentivos indústria da construção civil, um dos objetivos
tributários como a isenção de IPI para “prepa- prioritários do sistema.
rações e blocos de concreto”, normatização de Foi de fato a constituição de um fundo
índices e outros instrumentos para a correção parafiscal como o FGTS, por meio da Lei no.
monetária de prestações e saldos devedores, 5.107, de 13 de setembro de 1966,4 que deu
independente se os financiamentos encontra- outro impulso aos recursos antes restritos com
vam-se ou não no âmbito do SFH, mudança nos os quais operava o Banco. O FGTS é um fundo
limitadores para aplicação dos recursos: 60% financeiro formado pela contribuição mensal
dos recursos aplicados em habitações de valor de empregadores aos seus empregados me-
unitário inferior a 300 salários mínimos (na Lei diante depósito de 8% das remunerações em
nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, que havia conta vinculada,5 de natureza privada e sob
instituído o BNH, esse limite era de 100 salá- gestão pública, conformando uma poupança
rios); 20% dos recursos aplicados em habita- compulsória do trabalhador que o empregador
ções de valor unitário superior a 400 salários recolhe na fonte. A magnitude dos recursos do
mínimos (na lei do BNH esse limite era 250 FGTS alçou o BNH à condição de segundo es-
salários). A Lei nº 4.864 permitiu também ao tabelecimento bancário do país de sua criação
Banco Central autorizar as sociedades de crédi- até o início dos anos 70 por conta da aplicação
to e financiamento a se transformar em socie- e liquidez de seus recursos.6
dades de crédito imobiliário ou a manter car- Essa mudança de perfil, portanto, se da-
teira especializada nas operações próprias das ria exclusivamente pela origem financeira do
sociedades de crédito imobiliário, incentivando dinheiro que comporia a base dos recursos a
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ser utilizado na execução da política, tal era a Com a extinção do BNH em 1986 e da
visão vigente à época do sistema, que preza- migração de sua carteira de financiamentos e
va pelo equilíbrio econômico-financeiro e pela do controle e operação do FGTS para a Caixa
constituição do sistema como um fim em si Econômica Federal, extinguiu-se também o
mesmo. Dessa forma, ao mudar a origem do Conselho Curador do FGTS. A hiperinflação e o
recurso que compunha o funding da política, cenário macroeconômico de fato impactaram
muda também seu caráter, o que, se por um la- no número de financiamentos feitos pelo fundo
do atenta para a necessidade de liquidez e sol- depois de 1986.
vabilidade dos recursos do sistema, por outro Um ponto de inflexão importante para
demonstra a preocupação em utilizar os fundos compreendermos as escolhas atuais de investi-
e seus recursos com quem tivesse capacidade mento do FGTS se deu na era pós-Collor. Ainda
financeira para isso, ou seja, financiar quem no governo Sarney, como nos conta Schvasberg
podia pagar. Recursos orçamentários não eram (1993), o Conselho Curador foi reestruturado,
utilizados para a execução dos programas, nem contando com a presença de representantes
a título de subsídio, o que ampliava o caráter dos trabalhadores, empresários e governo. Essa
regressivo da política. O BNH responderia a reestruturação levou para o Conselho Curador
essa dificuldade desenhando programas que as tensões do período, em especial quanto à
continham subsídios internos bem como pro- distribuição territorial dos recursos do Fundo.
gramas que tivessem juros mais altos, como os A retomada das operações com recursos
programas de cooperativas e mercado de hipo- do FGTS em 1990 e 1991, depois de quase três
tecas. Além disso, alguns programas contavam anos sem contratações de porte, caracteriza o
também com subsídios cruzados nos quais fa- governo Collor. Cerca de 95% do total de in-
mílias de renda um pouco mais alta subsidia- vestimentos em habitação popular nesses dois
vam famílias de renda menor. anos foram feitos através do FGTS. No entanto,
De fato, o desempenho do FGTS ao longo a maneira como foram efetuadas as liberações
do período de funcionamento do BNH assegu- de verba e as contratações acabou objeto de
rou excelentes resultados quantitativos, de- uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito,
monstrando que essa fonte de recursos era de destinada a apurar irregularidades. Foram con-
crucial importância tanto do ponto de vista do tratadas 526 mil unidades, 360 mil somente em
custo de captação do recurso para a execução 1991, volume que comprometeu o orçamento
de política habitacional para renda média e dos anos seguintes, impedindo a realização de
média baixa, quanto do fomento à indústria da novas operações. No final de 1996, contabiliza-
construção civil. Atualmente podemos verificar vam-se 75 empreendimentos, com 26.553 uni-
que esse desempenho voltou a apresentar nú- dades com características de empreendimen-
meros muito significativos: em 2014, somente tos-problema (Souza, 1998). Havia uma discre-
em habitação, o FGTS contratou 51,8 bilhões pância entre a baixa qualidade das habitações
de reais (financiamentos e subsídios) perfa- e a faixa de renda a quem se destinavam;
zendo mais de 374,5 mil unidades naquele ano muitas ficaram inacabadas e foram invadidas,
(dados Agente Operador FGTS). por exemplo. Outras foram abandonadas ou
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Ainda que não seja possível compará-lo Esses são os principais pontos levantados por
em nível de grandeza com outros mercados de analistas de mercado ao se depararem com um
títulos (como os da dívida pública, por exem- crescimento tão significativo desses títulos de
plo), o que chama atenção, em especial para o 2008 a 2012.8
propósito deste estudo, é o crescimento desse Já o volume negociado nos mostra o
mercado e o aumento significativo dos recursos crescimento do mercado secundário no Brasil
que estão sendo movimentados em uma série com títulos de base imobiliária. Consegue-se aí
histórica relativamente recente. identificar a importância crescente desse mer-
De fato, de um total de 14,7 bilhões de cado secundário e o papel destacado do CRI
reais em 2006, o estoque desses títulos foi para pela sua natureza jurídica.
mais de 150 bilhões de reais em 2012 (em va- O anuário da Uqbar, consultoria especia-
lores nominais). lizada em securitização imobiliária, apresenta o
A análise macroeconômica do aumen- ano de 2012 como o momento
to do interesse do investidor por títulos que
[...] mais profuso de nossa recente histó-
tenham isenção fiscal, características básicas
ria em oportunidades que vão surgindo
de um investimento em renda fixa, e retorno ao redor do mercado de títulos de securi-
condizente com a operação, pode ser aplicada tização imobiliária e de segmentos corre-
a quase todos os títulos de base imobiliária. A latos. Dando sustentação a este ambien-
queda da taxa básica de juros, também é apon- te construtivo, cresce com vigor o setor
imobiliário no Brasil e, de forma paralela,
tada como um fator que obriga investidores de
quase todas as suas fontes de financia-
todo o tipo e tamanho a buscarem a rentabili- mento que possibilitam esta expansão.
dade em outro tipo de papéis e investimentos. (Uqbar, 2012, p. 2)
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crédito imobiliário às companhias securitizado- Não é demais insistir ainda que o sucesso
ras de créditos imobiliários e que fossem vin- desses instrumentos contou com a legitimação,
culadas à emissão de CRI, poderiam utilizá-los ao menos no nível do discurso, do déficit ha-
para fins do cumprimento das exigibilidades de bitacional brasileiro. No entanto, a entrada do
manutenção de no mínimo 65% do montante que seriam “novas” fontes de recursos para
captado em deposito de poupança em opera- um setor “atrasado” ou ainda totalmente de-
ções de financiamento imobiliário. pendente da captação da poupança e do FGTS
parece contraditória, visto que são justamente
esses os recursos que se mostram fundamen-
tais para girar o ciclo dos investimentos e tor-
Títulos de base imobiliária nar atrativos os títulos para os investidores.
e o FGTS O desempenho do FGTS tem demons-
trado o quão relevante é este fundo para a
Ao que tudo indica, portanto, um “cliente” fun- produção de habitação de interesse social. De
damental para o crescimento do mercado de 2008 a 2014, 231,2 bilhões de reais foram des-
títulos de base imobiliária é o FGTS. Uma série tinados para o financiamento à construção e
de resoluções do CMN e do CCFGTS, editadas à aquisição de imóveis, conforme Tabela 3. Ou
praticamente ano a ano desde 1998, mostram seja, o Fundo tem hoje um papel fundamental
que os CRI e outros títulos de mesma natureza na provisão de habitação para renda média e
foram ganhando espaço no mercado de capi- baixa no país. Magalhães Eloy demonstra que
tais, ampliando sua participação na captação esse papel, no entanto, poderia ser ainda maior
de recursos do FGTS que seriam destinados já que o gasto ainda estaria aquém da capa-
inicialmente para o atendimento a empreendi- cidade de investimento do FGTS (Magalhães
mentos destinados à baixa renda. Eloy, 2015).
Valores
Execução do Orçamento FGTS
em R$ mil
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1/10/2013
1/1/2014
1/4/2014
1/7/2014
1/10/2014
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria.
14.000.000
12.000.000
10.000.000
8.000.000
6.000.000
4.000.000
2.000.000
0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Fonte: Agente Operador do FGTS. Valores atualizados para 2014 pelo IPCA. Elaboração própria.
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Notas
(1) Relatório de Economia Bancária e Crédito, publicação anual do Banco Central do Brasil (BCB). Até
o conclusão deste ar go, o Relatório de 2013 era o mais recente a ser disponibilizado.
(2) Depois da criação do FGTS em 1966, era facultado ao trabalhador escolher entre a poupança
voluntária ou o regime de estabilidade obrigatório após 10 anos de contrato de trabalho. Ao
empregador era obrigatório, após a opção do empregado, o recolhimento mensal de 8% do
salário do empregado. Depois da Cons tuição de 88, o FGTS consolidou-se como um direito
social e a estabilidade após de 10 anos de emprego foi ex nta.
(3) Lei nº 4.864, de 29 de novembro de 1965, que cria medidas de es mulo à Indústria de Construção
Civil. As citações entre aspas a seguir no texto são de excertos da referida lei.
(4) Atualmente o FGTS é regido pela Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, e regulamentado pelo
Decreto nº 99.684, de 8 de novembro de 1990. Dados ob dos nos relatórios de gestão do FGTS
disponíveis em www.caixa.gov.br/fgts.
(5) Constituem, ainda, recursos do Fundo: dotações orçamentárias específicas; resultados das
aplicações dos recursos do FGTS; multas, correção monetária e juros moratórios devidos;
receitas oriundas da Lei Complementar nº 110/01; demais receitas patrimoniais e financeiras.
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(6) Sobre o FGTS é importante ainda salientar que o objetivo do Fundo, expresso na lei que
atualmente o regulamenta é: (1) assegurar ao trabalhador optante a formação de um pecúlio
rela vo ao tempo de serviço em uma ou mais empresas, para ampará-lo em caso de demissão
e a seus dependentes em caso de falecimento; e (2) fomentar polí cas públicas por meio do
financiamento de programas de habitação popular, de saneamento básico e de infraestrutura
urbana. As normas e diretrizes do FGTS são estabelecidas por seu Conselho Curador, órgão
tripar te, composto atualmente por oito integrantes de órgãos e en dades do Governo Federal,
quatro representantes dos trabalhadores e quatro representantes dos empregadores. O agente
gestor do FGTS é o Ministério do Trabalho e Emprego, a gestão da aplicação dos recursos do
FGTS é efetuada pelo Ministério das Cidades, cabendo à Caixa Econômica Federal o papel de
Agente Operador. A Caixa Econômica Federal é também Agente Financeiro do FGTS, par lhando
essa função com outras ins tuições (bancos).
(7) Definição que consta de publicação da CVM destinada ao público em geral acessível em
http://www.portaldoinvestidor.gov.br/portaldoinvestidor/export/sites/portaldoinvestidor/
publicacao/serie_guias/CVM-Guia-01-FII.pdf
(9) Os “considerandos” são conhecidos por ser na técnica legisla va um resumo da exposição de
motivos de uma lei. Como se trata de uma resolução e não de uma lei, os “considerandos”
adquirem força explica va do mo vo da edição daquela resolução.
(10) Em valores de 2014 atualizados pelo IPCA, de acordo com a tabela apresentada. As agregações
apresentadas na sequência também são atualizadas para 2014 pelo IPCA.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 33-51, abr 2016 51
Resumen
La presente investigación tiene como propósito
analizar el modo en que la política habitacional de Abstract
incentivo a la demanda impulsada por PRO.CRE. This research aims to analyze the way in which
AR incide en los procesos de expansión urbana, the housing policy of incentive to the demand
analizando los rasgos principales de la integración stimulated by PRO.CRE.AR influences urban
urbana: aspectos urbanos, ambientales y normativos. expansion processes, examining the main features
Los avances del trabajo permitieron reconocer que of urban integration: urban, environmental and
uno de los factores que tiene peso significativo es regulatory issues. It was possible to notice that one
la localización del Programa en áreas no urbanas, of the most significant factors is the location of the
como también en aquellas áreas que siendo urbanas, Program in non-urban areas, as well as in urban
tienen grandes déficit de servicios y equipamientos areas that still have large deficits of public services
públicos. Ello da cuenta de la dificultad que tiene el and facilities. This accounts for the difficulty that
municipalidad para gestionar el acceso al suelo en the municipal government has in managing access
condiciones urbanas de calidad, en una ciudad que to land in quality urban conditions in a city that
se expande insustentablemente y donde el problema expands unsustainably and where the land problem
de la tierra es constante. is constant.
Palabras clave: política habitacional; integración Keywords: housing policy; urban integration;
urbana; expansión urbana; instrumentos; La Plata. urban sprawl; instruments; La Plata.
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hƩp://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3503
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(Clichevsky, 2003). Las posibilidades que Azuela (2007), donde propone reivindicar el
tiene la población de acceder a vivir en una valor social del suelo en las políticas en torno
determinada área urbana se relaciona con las al mercado de suelo urbano que reconozcan el
condiciones de pobreza y el funcionamiento valor estratégico de la tierra y las características
del mercado legal de tierras y vivienda. Según particulares del funcionamiento de sus
la autora el mercado legal del suelo resulta mercados, para impulsar un uso sostenible
inaccesible a la población de bajos ingresos; del suelo al incorporar objetivos sociales y
y las políticas estatales sobre regulación ambientales y beneficiar a los segmentos
del mercado privado del suelo han influido más vulnerables de la población urbana. Para
decisivamente en el acceso porque no ello es imprescindible que el Estado, tanto en
implicaron una intervención significativa en el ámbito municipal como el nacional, tenga
el mercado tendiente a favorecer el acceso a un rol activo en la promoción del desarrollo
la tierra de los sectores sociales de menores urbano a través de políticas e instrumentos
ingresos. integrados que puedan favorecer la integración
Por su parte, las políticas de Tierra y como objetivo de cualquier acción territorial.
Vivienda, mayormente generadas desde los Morales (2005), por su parte, sostiene
niveles de gobierno intermedio y superior, no que dejar la asignación del recurso suelo a los
han sido articuladas adecuadamente con los intereses particulares implica una distribución
gobiernos locales, considerado su incidencia en desigual de dicho recurso. La definición del
la conformación de áreas de expansión urbana, interés público del suelo urbano podría integrar
contribuyendo a la dispersión y fragmentación componentes que aseguren que la ciudad
espacial y social. Estas políticas, actuando con sea: equitativa, convivida, integrada al medio
objetivos sectoriales, impulsaron el crecimiento natural, y productiva. Por ello la importancia
hacia áreas no previstas, y presionaron sobre de la regulación del suelo a través de diversos
otros usos de la tierra de menor relevancia instrumentos.
económica, como pueden ser los espacios Distintos autores (Fernández Wagner,
verdes abiertos o los agropecuarios (Lancioni et 2006; Del Río, 2011) coinciden en que en
al., 2012). Argentina, durante las últimas décadas, los
principales instrumentos implementados por
la política habitacional, con las diferencias que
Morales (2005) realiza entre “las de oferta
Instrumentos de tierra de vivienda construida”, y “las de fomento
y vivienda en el contexto de la demanda”, intentaron dar respuesta a
de las políticas urbanas esta problemática, pero al no articularse con
políticas urbanas también favorecieron el
El crecimiento urbano extensivo requiere crecimiento extensivo de la ciudad.
un abordaje multidimensional acorde a la Fernández Wagner (2006) señala que
complejidad de la problemática. En este se ha centrado el foco en la construcción
sentido resulta útil la propuesta de Antonio masiva de viviendas, pero al no existir una
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Servicios básicos Con agua y cloaca Con agua Con cloaca Sin servicios
Equipamiento
A menos de 300 Entre 300 y 600 Entre 600 y 900 A más de 900
salud
Urbano Equipamiento
A menos de 600 Entre 600 y 900 Entre 900 y 1.200 A más de 1.200
educativo
Subcentralidades A menos de 2.200 Entre 2.000 e 3.000 Entre 3.000 y 4.000 A más de 4.000
Transporte público A menos de 300 Entre 300 y 600 Entre 600 y 900 A más de 900
Zonificación de
Regulatorio Urbana Complement. Rural Rural
usos de suelo
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programas y proyectos que en conjunto urbano para cada una de las periferias del
contribuyan a implementar un proyecto de Partido.
ciudad consensuado por los distintos actores Las tendencias que definen el perfil de
del Partido de La Plata (Rocca y Ríos, 2010). la periferia noroeste están vinculadas con una
El trabajo que realizaron Rocca y Ríos revalorización del suelo urbano que genera
sobre los procesos de expansión urbana expectativas por parte del sector inmobiliario,
en el Partido de La Plata permitió verificar particularmente en las áreas que han tenido
que la ciudad creció por extensión en todas mayor desarrollo económico y que verificaron
sus direcciones. Inicialmente en las áreas mejoras en las condiciones de accesibilidad
de borde y en distintos asentamientos y cualidades ambientales específicas,
ubicados sobre las principales vías de acceso, manteniendo en ese sentido su diferenciación
posteriormente la mancha urbana se extendió respecto a las restantes periferias. En cambio,
sobre corredores viales con bajas densidades las tendencias de dispersión en la periferia
uniendo los distintos asentamientos sureste (cercanía a Villa Garibaldi) y en la
originados en torno a espacios ferroviarios, sudoeste (inmediaciones de la R36) están
y presentando interrupciones básicamente asociadas a sectores de recursos medios que
por la presencia de planicies de inundación intentan acceder con menores costos a ámbitos
de arroyos, cavas, grandes equipamientos en contacto con la naturaleza.
y espacios destinados a la producción, y Si bien este fenómeno dio respuesta
terrenos vacíos expectantes. a nuevas demandas sociales de espacio,
Por otra parte, la materialización de particularmente de vivienda, tanto el desarrollo
infraestructuras viales ejecutadas en la económico sostenido, como la cohesión social y
década de los 90, pertenecientes al sistema la sustentabilidad ambiental, parecen constituir
de autopistas metropolitanas, dio lugar a condiciones difíciles de alcanzar en el marco de
nuevas vinculaciones con la ciudad de Buenos este proceso.
Aires, reforzando la inserción urbana de La Fi n a l m e n t e, l a s m o d a l i d a d e s d e
Plata en la Región Metropolitana de Buenos apropiación del suelo por parte de sectores de
Aires, y generando tensiones en el proceso escasos recursos expresadas en asentamientos
de expansión urbana. Nuevos frentes de informales y villas, vinculados a los cursos de
urbanización a nivel local en relación a la Auto agua y espacios ferroviarios, en mayor medida
vía Ruta 2, la Ruta 36 y la Autopista La Plata – se localizan en las periferias sureste y sudoeste,
Buenos Aires. pero a su vez resulta una tendencia que se
Se verifica que el crecimiento urbano incorpora al escenario actual de la periferia
extensivo ha modificado la configuración noroeste y alerta sobre nuevas condiciones de
de gran parte del territorio conformando riesgo hídrico sobre la población.
distintos sectores urbanos donde se identifican Esto, pone de manifiesto nuevas
claramente tres ejes de crecimiento: noroeste, tendencias de “la periferia dual, fragmentada
sudoeste y sureste; presentando características social y espacialmente”, en ámbitos pobres,
distintivas desde el punto de vista social y degradada, desestructurada; y con espacios
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conlleva a una gran dificultad en relación a la Zonas Industriales Mixtas; y Rurales Extensivas,
conectividad de las variables anteriormente perteneciente al área rural.
analizadas, ya que es en definitiva la que De los registros de la otra línea (Caso
permite que las familias accedan a servicios y 2), se puede observar que ninguno de ellos
equipamientos públicos en general. se encuentra dentro del Área Urbana. Como
c) Eje regulatorio anteriormente se explicó esta línea impulsó,
El cruce de los registros con la normativa en el P0artido de La Plata, la re-zonificación
dio como resultado que en el Caso 1 casi la de tierras, es decir, los cuatro registros que se
mitad se encuentra en zonas o sectores no encuentran en zona de reserva urbana (C/RU del
destinados al uso residencial. Entre ellos, Área Complementaria), los cinco registros que
las mayores tendencias de localización se están en la zona rural intensiva y el único registro
encuentran en el Área Urbana, no obstante que se localiza en zona rural extensiva (R/RI y
un gran porcentaje de estos (20% del total) se R/RE del Área Rural), mediante la sanción de la
encuentran en sectores de arroyos y bañados. Ordenanza n°11094/13 pasarán a renombrarse
Si bien se encuentran dentro del área urbana como zonas residenciales de promoción (U/R3
no deja de presentarse como una problemática del Área urbana), solamente por la condición de
debido a que se asientan en zonas de máximo rezonificación de dichas zonas.
riesgo de inundación. Si bien el código En conclusión, tanto los registros del
establece limitaciones al uso, parcelamiento Caso 1 que se localizan en área no urbanas,
y volumen edilicio, no impide que se pueda como aquellos registros que a partir de la
construir en dichos sectores. rezonificación serán considerados “dentro del
Ta m b i é n e x i s t e u n p o r c e n t a j e área urbana”, en su mayoría se encuentran
considerado (17%) localizados, dentro del Área desprovistos de buenas condiciones urbanas y
Rural, en Zonas Rurales Intensivas, desprovistas ambientales, ello significa registros localizados
en muchos casos de infraestructura de servicios en sectores con déficit de infraestructuras de
y equipamientos sociales pero, en general, servicios, con escasa conectividad, con déficit
cercanas a las principales vías de acceso que de equipamientos y cercanos a los sectores
vinculan el partido con la región. productivos, lo que implica contaminación de
Por otra parte, el 12% de los registros algunos recursos e incompatibilidad de usos;
se localizan, dentro del Área Complementaria, todo ello sólo por condición de no pertenecer
en Zonas de Reserva Urbana, que según la al área urbana.
normativa esta destinados al ensanche del La Foto 2 muestra el paisaje obtenido
Área Urbana: “El uso dominante de esta zona como resultado de la urbanización de suelos
es el Rural Intensivo compatible con el uso destinados al uso agropecuario:
residencial limitado, estando condicionadas El Cuadro 2 expresa los resultados
las intervenciones a la consolidación de obtenidos del análisis de la localización del
las zonas del Área Urbana adyacentes”; y Caso 1; por su parte, el Cuadro 3 muestra los
en menor medida, dentro de la misma área resultados obtenidos del Caso 2. En ambos
complementaria, en Corredores de Servicio y casos, los resultados están expresados en
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Servicios 0 0 0 100
Integración urbana
Equipamiento salud 0 10 20 70
Subcentralidade 30 0 40 30
Transporte 10 20 40 30
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conflictos, hoy en día se presenta como una Por último, el plano síntesis del Caso 2,
gran problemática porque el conjunto de estas muestra claramente que, a excepción de un
variables hacen a la calidad de vida de la solo registro localizado en la delegación de
población. Arturo Seguí, todos los registros restantes (9 de
• En el eje regulatorio las localizaciones del 10) tienen al menos 3 variables en la escala 3 y
Caso 1 no presenta muchos inconvenientes, 4 de la matriz, por cada registro. Esto significa
pero en el Caso 2 sí. El hecho de que haya que para esta operatoria, los sectores críticos
tanta diferencia entre las dos líneas evidencia son todos.
las dificultades que tiene el estado municipal
para abordar la gestión del suelo urbano.
La identificación de los sectores Conclusiones
más críticos del partido se realizó a partir
de la evaluación de las distintas variables Como resultado de la exploración, se pudo
i n t e r r e l a c i o n a d a s. C o m o s e e x p l i c ó ver, en primera instancia, que los procesos
anteriormente en la metodología, en este de expansión urbana han generado cambios
plano síntesis se espacializarán todas aquellas en la configuración territorial, acrecentando
localizaciones que cuenten con al menos tres los débiles límites entre lo urbano y lo rural.
variables en la escala de 3 y 4 de la matriz para Estos proceso, configuraron dos territorios
evaluar si el conjunto de las mismas definen bien diferenciados: por un lado el Casco
sectores dentro del partido. Urbano, sumado a algunos sectores acotados
El plano síntesis del Caso 1, muestra del eje noroeste y sudoeste, caracterizado por
claramente que se definen tres sectores tener un diseño más ordenado y por contar
bien críticos, la intensidad del color muestra con los servicios básicos para casi el total de
mayor cantidad de variables en la escala de 3 su población; y por otro lado, la periferia en
y 4 por cada localización. Estos tres sectores, donde la expansión se desarrolló sin normas
diferenciados del resto, corresponden dos a clara que regulen la producción del suelo. En
las periferias del ejes noroeste, precisamente este sentido, la normativa como instrumento
a las delegaciones de Arturo Seguí/Melchor de la política urbana, resultó insuficiente para
Romero, y Ringuelet/Gonnet, y sector restante gestionar el territorio.
corresponde al eje sureste ubicado en la La zonificación como instrumento debería
delegación de Villa Elvira. ser el claro reflejo del reconocimiento de las
Por otra parte, pero en menor medida, tendencias que se observan en el territorio,
se identifican conflictivos algunos sectores del dimensionadas y evaluadas integralmente en
eje sudoeste, localizado en el los barrios de San cuanto a sus repercusiones territoriales, desde
Carlos/Los Hornos, y otro en el eje noroeste, lo social, económico, ambiental, espacial y
ubicado en los barrios de Gorina/Hernandez. La funcional. Para reducir las marcadas diferencias
gran cantidad de registros en el plano muestra entre la población que puede llegar a acceder y
que la mayoría de ellos presentan variables en los que no lo logran. Las desigualdades sociales
condiciones problemáticas. que se han profundizado como producto de la
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falta de integración entre distintas políticas como para el desarrollo urbano y territorial
generan sectores diferenciales dentro de las municipal. Y en particular, reforzar la necesidad
ciudades. de que la política habitacional sea abordada
La implementación del PRO.CRE.AR de manera articulada con otras políticas
debería garantizar, paralelamente al acceso para brindar el acceso al suelo urbanizado,
a la tierra, una adecuada integración entre y conducir el crecimiento urbano de manera
calidad urbana y ambiental. Para ello el sustentable, asegurando la integración física,
municipio, en el marco de la Ley, cuenta espacial y social de la población.
con mecanismos de gestión que posibilitan Para finalizar, interesa destacar que el
al estado asumir el rol de promotor de la desarrollo del estudio permitió reconocer los
producción del suelo urbano y redistribuir los factores que afectan a la integración urbana
beneficios de la urbanización. de cada una de las operatorias analizadas, que
Ahora bien, pareciera necesario reforzar han permitido concluir que uno de los factores
la necesidad de que la política para la vivienda de peso significativo es la localización de los
se ajuste a la diversidad de territorios. Las mismos en áreas no urbanas, pero también
características y problemáticas de las ciudades aquellas áreas que, aun siendo urbanas, tienen
metropolitanas requieren un manejo específico grandes déficit de servicios y equipamientos.
en cuanto a escala de las demandas, a la Lo mencionado anteriormente evidencia las
provisión de suelo y los valores inmobiliarios. dificultades que tiene el Estado municipal para
Asimismo, reforzar la necesidad que gestionar el territorio en general, y brindar
la política, en general, sea coordinada entre el acceso a suelo en condiciones urbanas
los tres niveles del Estado, ya que una mala de calidad, en una ciudad que se expande
implementación local puede resultar negativa insustentablemente y donde el problema de la
tanto para el buen desarrollo de la iniciativa tierra es constante.
72 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 53-74, abr 2016
Notas
(1) Desarrollada en el marco de una Becas Interna de Entrenamiento en Inves gación de la FAU-
UNLP. Dirigida por la Arq. Licia Ríos y codirigida por el Arq. Alejandro Lancioni.
(3) Se considera equipamiento educa vo a todos aquellas ins tuciones de ges ón pública inicial,
primaria y secundaria.
(5) Para el análisis de la cobertura de transporte se ene en cuenta solo el recorrido del colec vo y
del ferrocarril, no las paradas y estaciones.
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74 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 53-74, abr 2016
Resumo
Pensando nas formas de acesso à moradia da po- Abstract
pulação de baixa renda no Brasil, este artigo pre- In light of the forms of access to housing for low-
tende analisar, especificamente, as condições de income population in Brazil, this paper analyzes,
moradia da população favelada, procurando, a specifically, the living conditions of slum dwellers
partir dos dados censitários disponíveis, identificar using available census data. It evaluates the
o que significa morar numa favela no Brasil na pri- meaning of living in a slum in Brazil during the
meira década do século XXI, a partir de algumas first decade of the 21st century according to some
questões principais: houve aumento da população key issues: was there an increase in the number of
favelada no Brasil? Onde esse aumento foi mais slum dwellers in Brazil? Where was this increase
expressivo? Como se deu esse aumento: a partir most significant? Was this increase produced by
do surgimento de novas favelas ou no aumento new slums or by the increase in slums’ population
das favelas existentes? Quais as características dos density? What are the characteristics of slum
domicílios favelados? Houve melhora nos indica- households? Was there any improvement in
dores relacionados à infraestrutura? É também um infrastructure-related indicators? The paper is
esforço inédito de análise da base de dados “Leitu- also an unprecedented effort to analyze the 2010
ra Territorial” dos domicílios favelados, base única Census "Territorial Reading", a single database
disponibilizada pelo Censo 2010. for slum households.
Palavras-chave: favelas; assentamentos precá- Keywords: squatter settlements, shanty towns,
rios; habitação popular; pobreza urbana; censo popular housing, urban poverty, demographic
demográfico. census
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 75-99, abr 2016
hƩp://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3504
Pensando nas formas de acesso à mo- a realidade das favelas cariocas: o Documen-
radia da população de baixa renda no Brasil, to Censitário intitulado “As favelas do Distri-
este artigo pretende analisar, especificamen- to Federal” (IBGE, 1953). Nesse momento, no
te, as condições de moradia da população entanto, os levantamentos quantitativos eram
favelada, procurando, a partir dos dados cen- muito desiguais do ponto de vista geográfico.
sitários disponíveis, identificar o que significa Nas publicações para São Paulo, por exemplo,
morar numa favela no Brasil na primeira dé- apenas em 1980 dados específicos sobre fave-
cada do século XXI. O trabalho insere-se nu- las apareceram.
ma linha de estudos que, ao reconhecer o que Num primeiro momento, a conceituação
vem sendo chamado de “heterogeneidade de favelas era dada por um grupo de moradias
da pobreza urbana”, destaca a importância que tivessem pelo menos duas das característi-
da análise e entendimento das característi- cas a seguir:
cas demográficas e também físico-territoriais ● proporções mínimas – agrupamentos pre-
dessa pobreza urbana. diais ou residenciais formados com número ge-
Historicamente, o acesso à moradia para ralmente superior a cinquenta;
a população de baixa renda no Brasil se deu, ● tipo de habitação – predominância de ca-
em geral, de forma precária e a partir de três sebres ou barracões de aspecto rústico, cons-
tipos básicos de moradia: os cortiços, as fave- truídos principalmente com folha de flandres,
las e os loteamentos periféricos, com moradia chapas zincadas ou materiais similares;
própria e autoconstrução. Falar de favela é fa- ● condição jurídica da ocupação – construções
lar das cidades grandes e médias no Brasil no sem licenciamento e sem fiscalização, em terre-
final do século XX e início do século XXI. Em- nos de terceiros ou de propriedade desconhecida;
bora tenha nascido como uma marca da cidade ● melhoramentos públicos – ausência, no to-
do Rio de Janeiro, já no início do século XX, do ou em parte, de rede sanitária, luz, telefone
nas últimas décadas do século, as favelas se e água encanada;
fizeram presentes na maior parte das grandes ● urbanização – área não urbanizada, com
cidades brasileiras e, desde 2000, também nas falta de arruamento, numeração ou emplaca-
cidades médias. mento. (Guimarães, 2000, p. 353)
Até meados do século passado, as fave- A partir do Censo de 1991, o IBGE pas-
las eram um fenômeno quase que exclusivo da sou a adotar o conceito de aglomerado subnor-
cidade do Rio de Janeiro. Assim, o primeiro le- mal.1 O conceito, bastante genérico, buscava
vantamento sobre favelas foi realizado apenas abarcar a diversidade dos assentamentos irre-
em 1948, e somente no Rio de Janeiro, capital gulares existentes no país. Aglomerado subnor-
federal. Em 1950, o IBGE (Instituto Brasileiro de mal abarca favelas, invasões, grotas, baixadas,
Geografia e Estatística) decidiu, pela primeira comunidades, vilas, ressacas, mocambos, pala-
vez, incluir a favela na contagem de popula- fitas, entre outros. Foi nesse Censo Demográfi-
ção, tendo como estudo de caso específico o co que os dados relativos às favelas foram le-
Distrito Federal. Em 1953, o próprio IBGE pu- vantados de forma homogênea por todo o país.
blica o primeiro documento de estudo sobre O último censo nacional, de 2010, foi o que
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trouxe a maior quantidade de avanços em re- inovou também ao criar uma nova categoria de
lação à identificação e levantamento de dados levantamento chamada de “Leitura Territorial”,
dos aglomerados subnormais, a partir de uma levantamento bastante completo das caracte-
pesquisa morfológica específica, com a iden- rísticas do entorno imediato dos domicílios.
tificação georeferenciada e visita de campo A questão das favelas assume hoje uma
preparatória nos aglomerados. Em função da dimensão histórica sem precedentes na história
antiga sub-enumeração e do avanço de 2010, a do Brasil. Dados do Censo de 2010 mostram
quantificação das favelas pelo Censo 2010 aca- que o número de brasileiros vivendo nessas
bou sendo muito mais confiável, gerando um condições passou de 6,5 milhões no ano 2000
grande crescimento numérico de favelas, em para 11,4 milhões em 2010, distribuídos em
especial na região Norte do país. 6.329 aglomerados subnormais situados em
De acordo com o Manual de Delimita- 323 municípios; 88% desses domicílios estão
ção dos Setores, o Censo 2010 classifica como concentrados em 20 grandes cidades.
aglomerado subnormal “cada conjunto consti- Não há ainda, em 2015, dados oficiais
tuído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais que indiquem que o número de favelas tenha
carentes, em sua maioria, de serviços públicos aumentado ou diminuído nos últimos anos.
essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até Para o município de São Paulo, o último levan-
período recente, terreno de propriedade alheia tamento foi o do Censo de 2010, que contou
(pública ou particular) e estando dispostas, em 1.643 comunidades. Urbanistas e sociólogos
geral, de forma desordenada e densa. A identi- concordam em dizer que o número deve ter
ficação atende aos seguintes critérios: aumentado. Reportagem do jornal Folha de
S.Paulo (2015b), de 25 de agosto de 2015, mos-
a) Ocupação ilegal da terra, ou seja, tra terrenos desocupados em maio de 2014,
construção em terrenos de propriedade
totalmente invadidos por unidades de moradia
alheia (pública ou particular) no momen-
to atual ou em período recente (obtenção em agosto de 2015, na zona leste do municí-
do título de propriedade do terreno há pio. Na Mooca, em menos de um mês, um ter-
dez anos ou menos); reno vazio, entre as pistas da Radial Leste, foi
b) Possuírem urbanização fora dos pa- ocupado por cerca de 50 famílias. Na avenida
drões vigentes (refletido por vias de
Tiquatira, um terreno da CDHU (Companhia de
circulação estreitas e de alinhamento irre-
gular, lotes de tamanhos e formas desi- Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Es-
guais e construções não regularizadas por tado de São Paulo), vazio em meados de 2014,
órgãos públicos) ou precariedade na ofer- tem hoje 2.500 casas de alvenaria, com merca-
ta de serviços públicos essenciais (abaste- dinho, lan house e uma igreja, ocupando uma
cimento de água, esgotamento sanitário,
área de 47 mil m2, a poucos metros da margi-
coleta de lixo e fornecimento de energia
elétrica). (IBGE, 2011) nal do Tietê. Além disso, segue o processo de
adensamento das favelas existentes. Em São
Além dos avanços relativos às enume- Paulo, temos também um outro fenômeno re-
ração e características específicas dos domicí- cente para o qual ainda existe classificação: a
lios favelados, o Censo Demográfico de 2010 construção de moradias irregulares dentro do
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Forma de abastecimento
Tipo de esgotamento sanitário – % Destino do lixo – % Existência de energia elétrica – %
de água – %
Grandes
Coletado De companhia
Regiões Não tinham distribuidora
Rede geral Rede geral Não existe
Fossa banheiro Em e com
de Outra de esgoto Outra Diretamente Outra Outra energia
séptica ou caçamba medidor de
distribuição ou pluvial por serviço elétrica
sanitário de serviço uso exclusivo
de limpeza
de limpeza do domicílio
Norte 59,91 40,09 18,42 26,96 52,20 2,41 84,85 8,79 6,36 68,09 31,34 0,57
Nordeste 89,81 10,19 49,07 13,57 35,64 1,73 72,63 19,87 7,50 82,99 16,60 0,41
Sudeste 94,59 5,41 72,00 4,15 23,63 0,22 74,21 23,21 2,58 69,21 30,63 0,15
Sul 96,62 3,38 63,36 13,14 22,37 1,13 92,80 5,88 1,31 63,24 36,43 0,33
Centro-Oeste 94,46 5,54 19,79 23,00 56,91 0,30 67,02 22,44 10,54 58,58 41,17 0,24
Brasil 88,34 11,66 56,33 10, 94 31,71 1,02 76,14 19,25 4,61 72,51 27,20 0,30
80 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 75-99, abr 2016
A Tabela 4 mostra os principais resulta- seus dejetos em valas e 11% o fazem em rios,
dos dos aspectos de infraestrutura nos domicí- lagos ou direto no mar.
lios favelados, por região brasileira, em 2010. Um indicador que apresenta melhora
A situação dos domicílios favelados no Brasil significativa, mostrando resultados dos esfor-
como um todo em relação ao abastecimento ços municipais, é o relativo à coleta de lixo.
de água não é alarmante, já que apenas 12% Para o Brasil como um todo, existe coleta do-
deles não são abastecidos por rede publica. Na miciliar em 76,4% dos domicílios, oscilando
região Norte, entretanto, esse indicador é preo- entre 67% no Centro Oeste e 85% no Norte.
cupante, já que 40% das unidades domiciliares Para quem conhece e visita as favelas com
não estão ligadas à rede pública de abasteci- frequência, esse dado espanta: o que mais
mento de água, e 38% se servem de poços e/ chama a atenção nesses assentamentos, em
ou nascentes. Para o Brasil como um todo a geral, é a existência de lixo nas ruas e espaços
proporção de domicílios em aglomerados sub- livres. Vale a pena lembrar que a afirmação
normais que utilizam poços ou nascentes al- censitária de que existe coleta domiciliar não
cança quase 10% das unidades habitacionais. indica sua frequência. Além disso, em 20,18%
Na região Nordeste, a situação ainda se revela dos domicílios a coleta dá-se por caçambas,
crítica, com quase 8% das casas utilizando po- ou seja, o lixo deve ser levado até um recipien-
ço ou nascente. te para que a coleta possa acontecer. Coleta
Em relação ao destino dos dejetos, a em caçamba, aliada a uma frequência irregu-
situação mostra-se ainda mais preocupante: lar de coleta e a altas densidades demográfi-
apenas 56% dos domicílios nas favelas bra- cas resultam sempre em acúmulo de detritos
sileiras estavam ligados à rede de esgota- sólidos, possibilitando a presença de baratas,
mento sanitário em 2010. Ou seja, 352 mil roedores e outros vetores indesejáveis. Mes-
unidades declararam-se conectadas a fossas mo no Sudeste, a coleta de lixo em caçambas
sépticas, o que em geral costuma dar proble- atinge 24% dos domicílios.
mas de manutenção e, consequentemente, de No Brasil como um todo, a densidade de-
contaminação do lençol freático, 513 mil uti- mográfica nos assentamentos subnormais atin-
lizam fossa rudimentar, 200 mil jogam seus giu 67,5 hab/ha, e no Sudeste essa média é de
dejetos diretamente às valas, rios, lagos. Os 99 hab/ha. A média mistura locais com assen-
valores são particularmente altos no Norte e tamentos densíssimos, onde a densidade média
no Nordeste, onde apenas 18,42% e 49,07% municipal atinge 326 hab/ha como em Itapevi,
respectivamente apresentavam ligação à re- na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP),
de pública de esgoto. Na região Sul só 63% 286 hab/ha em Osasco (RMSP) e 297 hab/ha
dos domicílios tinha ligação à rede pública, em São Paulo. Esses valores médios elevados
enquanto 20% tinham fossa e 15% jogavam indicam favelas com densidades altíssimas, on-
seus efluentes em valas, rios, lagos ou mar. de a coleta de lixo, para ser eficaz, deveria ser
Mesmo no Sudeste, onde a situação sanitária diária ou mesmo mais de uma vez ao dia.
apresenta indicadores melhores, 4,24% das O aspecto infraestrutural com maior su-
casas têm fossa rudimentar, 6,65% jogam cesso nas favelas brasileiras refere-se à energia
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 75-99, abr 2016 81
elétrica: 96,16% dos domicílios favelados a unidades em terrenos planos e/ou declives mo-
recebem, 72,51% deles com medidor de uso derados. Mas um total de 668 mil moradias em
exclusivo. As favelas do Nordeste são as que terrenos de forte declividade fornece um indi-
apresentam maior proporção de medidores ex- cador importante para projetos de urbanização:
clusivos, com 83% das suas unidades de mora- são 230 mil no Nordeste e 398 mil no Sudeste
dia os utilizando. No Sudeste, o uso de medidor que poderão necessitar de remoção ou traba-
exclusivo restringia-se a 69% dos domicílios, lhos de contenção de encostas.
no Sul a 63% e no Centro Oeste a 58%. Enfatizando outros aspectos do relevo, a
O Censo de 2010 permitiu, pela primeira Tabela 5 fornece informações importantes so-
vez, uma melhor leitura territorial dos assen- bre a localização dos domicílios: 19,20% dos
tamentos subnormais, através de verificação domicílios favelados brasileiros situam-se em
da topografia do local, declividade, densidade encosta; 17,63% em colinas suaves; e 40,20%
demográfica, ocupação, existência de espaça- em terrenos planos. Tal como informa a Tabela
mento entre domicílios, de arruamento, acessi- 6, é no Nordeste e no Sudeste que a locali-
bilidade e número de pavimentos de cada uni- zação em encostas aparece mais fortemente.
dade de moradia. Embora a proporção seja pequena, de apenas
Verifica-se que, para o Brasil como um 0,35%, o número absoluto de domicílios em
todo, 21% das favelas têm seus domicílios em terrenos contaminados não é desprezível: são
local de declividade acentuada. No Nordeste e mais de 11 mil para o Brasil, sendo mais de
o Sudeste, esses domicílios em aclive/declive 4 mil só no Sudeste. Em faixas de domínio de
forte são ¼ do total. Em princípio, podem ser rodovias, ferrovias, gasodutos e oleodutos, e
unidades sujeitas a deslizamento. Nas regiões transmissão de energia, localizam-se 113.921
Norte e Centro-Oeste, o percentual de moradias unidades domiciliares, que terão seguramente
em declives acentuados é baixo, dominando as que enfrentar algum tipo de remoção. Cerca
82 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 75-99, abr 2016
Unidade de conservação
gasodutos e oleodutos
Faixa de domínio de
Grandes
ou mar (palafitas)
Regiões
ou lagos/lagoas
Colina suave
Praia/ dunas
Manguezal
Encosta
Outras
Plano
Norte – 0,57 0,05 – 0,24 0,53 2,63 76,15 4,29 10,72 4,82 – – –
Nordeste 0,36 1,47 1,10 0,07 0,88 23,91 18,42 38,77 2,35 8,81 0,14 2,34 1,10 0,28
Sudeste 0,26 1,68 1,45 0,22 1,04 22,30 22,02 30,53 2,97 14,54 0,90 0,24 0,59 1,24
Sul 1,97 1,42 1,40 – 0,76 20,03 16,25 35,38 7,29 13,54 – 0,28 1,40 0,29
Centro-Oeste 0,43 0,85 – – 0,30 4,19 7,38 58,27 0,74 26,61 – – – 1,22
Brasil 0,35 1,43 1,12 0,13 0,85 19,20 17,63 40,20 3,17 12,51 1,18 0,81 0,69 0,74
de 27,5 mil estão sob linhas de alta tensão, A densidade média dos assentamen-
correndo forte perigo. No Sudeste, mais de tos subnormais é relativamente alta, quando
1% dos domicílios encontram-se nessa situa- comparada às densidades demográficas mé-
ção, assim como 1,45% em faixas de domínio dias dos municípios como um todo: 67,5 hab/
de ferrovias e 1,68% em faixas de domínio de ha. Esses assentamentos ocupam uma área de
rodovias. São espaços onde não deveria haver 169.170,3 hectares, superfície maior que a do
qualquer tipo de uso, especialmente residen- município de São Paulo, com 150.900 hecta-
cial, e que são aproveitados para ocupações. res e densidade média de quase 75 hab/ha em
Mais de 400 mil domicílios favelados locali- 2010. A densidade média das favelas no Sudes-
zam-se em margens de rios ou lagos, e 38 mil te ultrapassa a média paulistana. Lembrando
são palafitas (1,18% do total). Como seria es- que 64,57% dos domicílios favelados no Brasil
perado, as palafitas abundam no Norte (59% têm um só pavimento, esse indicador aponta a
do total de domicílios em palafitas estão na pouca área livre existente nesses assentamen-
região Norte). No Sudeste, quase 20 mil casas tos e a decorrente dificuldade de implementa-
localizam-se em unidades de conservação. ção de projetos de urbanização.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 75-99, abr 2016 83
Centro-Oeste 100,00 – –
Brasil 64,57 30,21 5,23
84 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 75-99, abr 2016
Embora a maioria das unidades residen- intensamente o espaço disponível, com 18%
ciais faveladas ainda seja horizontal, a pro- dos domicílios em setores totalmente ocupa-
porção de casas com dois pavimentos é alta: dos e 58% das unidades em setores muito
30,21% das unidades brasileiras. Na região ocupados (entre 60% e 95% de ocupação).
Sudeste, essa porcentagem chega a 44,52%, e E, embora a região Sudeste apresente a maior
8,10% têm 3 e mais pavimentos. No Nordeste densidade demográfica, é a que mostra a
também, a proporção de domicílios com mais maior proporção de domicílios em setores pou-
de um pavimento alcançou 29,12%. Já em lo- co ocupados (com 5% de índice de ocupação).
cais com mais área disponível, como no Cen- Assim, no Sudeste, há mais “espaço de respi-
tro-Oeste e no Norte, a quase totalidade é de ro”, que permitiria realocação de moradias, se
unidades com apenas um pavimento. preciso, assim como no Sul. No Nordeste, isso
Observando a ocupação do solo do setor também parece possível, mas a ocupação tem
censitário pelo parque domiciliar, para o país menos superfície livre disponível.
como um todo ainda há espaço vago nos seto- A Tabela 10 complementa as indicações
res censitários dos aglomerados favelados: em acima, evidenciando os espaçamentos entre
32%, a ocupação do solo do setor censitário os domicílios já existentes, sem contar setores
situa-se entre 5% e 40%. O índice de ocupa- mais vazios do assentamento. Para o Brasil
ção é menor no Centro Oeste, atingindo valor como um todo, em 73% dos domicílios fave-
mais alto nas favelas do Nordeste, onde 20% lados não há espaçamento nenhum, ou seja, a
dos setores mostravam ocupação entre 60% única possibilidade de expansão seria a verti-
e 95%, 20% acusavam índice de ocupação de cal. Só existe espaçamento grande em menos
metade do setor e 41% dos domicílios ocupa- de 25 mil casas, 0,76% do total de unidades
vam setores com 5% a 40% de ocupação. faveladas. No Nordeste, a proporção de uni-
As favelas da região Norte também utilizam dades de moradia sem nenhum espaçamento
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atingiu o máximo, com mais de 82% das uni- premente em termos de arruamento é no Su-
dades habitacionais sem espaço algum entre deste, onde apenas 14% dos domicílios estão
elas. No Sudeste, em 23% dos domicílios há em setores completamente arruados. E 11% em
espaçamento médio, o que significa que dá setores sem rua nenhuma. Percebe-se que na
para abrir passagens e também garantir ilumi- região Sudeste existe mais de 600 mil domicí-
nação e ventilação. lios sem acesso, o que vai se refletir na informa-
As três últimas tabelas da Leitura Terri- ção seguinte, nas Tabelas 12 e 13, onde se vê
torial procuram mostrar a existência de arrua- que no Sudeste só 40% dos domicílios são ser-
mento e a acessibilidade possível nas favelas vidos por rua, enquanto em 53% deles o acesso
brasileiras. A Tabela 11 mostra que apenas 21% se dá por beco ou travessa. Isso se reflete nas
dos domicílios em aglomerados subnormais si- 611.873 unidades no Sudeste só acessíveis a
tuam-se em setores censitários com arruamento pé ou por bicicleta e nas 24 mil que não são
completo; 28,9% localizam-se em setores com acessíveis por caminho ou trilha nenhuma. No
arruamento na maior parte do setor (entre 60 Nordeste, a presença de escadarias é marcante,
a 95% do setor). Quase 7,5% ficam em seto- com 9% dos domicílios acessíveis por escada, e,
res sem nenhum arruamento. A situação mais portanto, apenas a pé.
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Aterros sanitários,
Faixa de domínio
Faixa de domínio
Faixa de domínio
Faixa de domínio
RMSP
contaminadas
de gasodutos
lagos ou mar
de LT de alta
Colina suave
conservação
e oleodutos
de rodovias
Margem de
Unidade de
de ferrovia
(palafitas)
córregos,
Plano (1)
Encosta
tensão
Outras
RMSP 24,91 1,53 1,71 0,33 0,85 0,76 0,38 1,81 20,26 24,78 19,60 3,06
MSP 24,69 1,75 2,43 0,33 0,74 0,94 0,09 1,22 19,06 22,05 23,18 3,50
Outros 25,24 1,21 0,65 0,34 1,01 0,49 0,81 2,69 22,04 28,80 14,31 2,40
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População favelada
Anel
1991 1996 2000 2010
central 0,05 0,05 0,00 0,00
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central – – – – – – –
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se percebe que as densidades das áreas fave- É também no anel intermediário onde as casas
ladas nos anéis interior (913 hab/ha) e inter- com apenas um pavimento se apresentam com
mediário (507 hab/ha) são altíssimas. Mesmo menor proporção, apenas 9,20% das unidades,
no anel exterior (434 hab/ha), a densidade enquanto quase 90% têm dois pavimentos.
demográfica nas favelas é elevada. Apenas No anel exterior, tem-se a menor porcen-
no anel periférico ela é um pouco menor, de tagem de domicílios sem espaçamento, mas
253 hab/ha. uma proporção de unidades com três e mais
As altas densidades se refletem na exis- pavimentos elevada: 6,52%. Talvez a existência
tência de espaçamento entre unidades domi- de pouco menos de 20% das casas com algum
ciliares e no número de pavimentos das uni- espaçamento e a presença de maior verticali-
dades. Para o município como um todo, em zação está se refletindo na alta taxa de cres-
84,26% dos domicílios não há espaçamento, cimento dos domicílios favelados nesse anel
proporção semelhante à da Região Metro- entre 2000 e 2010, ainda mais alta que no anel
politana de São Paulo, onde em 85,21% das periférico. A topografia do anel exterior é um
unidades não havia espaçamento. No anel in- pouco mais adequada que a do anel periférico:
termediário é onde existe o maior adensamen- no exterior, 26% dos domicílios situam-se em
to, com quase 97% das unidades de moradia terrenos com declive acentuado, enquanto no
não apresentando nenhum espaço entre elas. periférico essa proporção sobe para 28%.
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Norte e no Nordeste. Por outro lado, o grande e em alguns segmentos espaciais do municí-
incremento de domicílios favelados observado pio de São Paulo alcança quase 1.000 hab/ha.
no últimos anos talvez esteja recriando fave- Densidades altas nesse tipo de tecido urbano
las precárias de madeira. Dados preliminares indicam problemas de insolação, ventilação e
indicam o aumento desse fenômeno na capi- circulação, ou seja, indicam unidades residen-
tal paulista: novos assentamentos ressurgem, ciais com condições precárias de salubridade
primeiro com barracas de lona, depois, de ma- e um tecido urbano denso pouco adequado à
deira e só posteriormente são substituídos por implantação de redes de infraestrutura urbana,
casas de alvenaria. como rede água ou esgotamento sanitário.
A análise da leitura territorial, realizada Na Região Metropolitana de São Paulo,
pela primeira vez no Censo de 2010, mostra o incremento anual da população favelada é
que quase 20% dos assentamentos favelados também superior ao da população total. En-
no Brasil situam-se em encostas, e no Nordeste tretanto, na década de 2000, percebe-se uma
e no Sudeste, a proporção atinge ¼ dos domi- inversão no crescimento das favelas: elas cres-
cílios, 12% alocam-se em margens de cursos cem mais no município da capital que nos ou-
d’água, e na Região Sudeste essa porcenta- tros municípios da metrópole, mesmo em uma
gem é de 14%. Assim, para se pensar numa década onde podem ser contabilizadas várias
estratégia intervenção em áreas de favela, é remoções de favela (como, por exemplo, no
preciso levar em conta que 32% dos domicílios perímetro da Operação Urbana Água Espraia-
favelados situam-se em locais com topografia da – ver Ferreira, 2014). A densidade demo-
complicada. O levantamento aponta que 89 mil gráfica das favelas na metrópole paulista é
moradias faveladas estão localizadas em sobre quatro vezes maior que a densidade média no
antigos aterros sanitários ou lindeiras a vias país, ou seja, atinge 245 hab/ha, num tecido
expressas, rodoviárias ou ferroviárias totalizam. urbano também sem espaçamento e com 62%
O dado é relevante, pois, nesses casos, a única dos domicílios com mais de um pavimento.
solução possível seria a de remoção. Tanto a população municipal como a fa-
Para que se efetue uma remoção dentro velada vinham crescendo mais intensamente
dos princípios que têm norteado a política de na periferia da cidade. Entre 2000 e 2010, a
intervenção em favelas, seria necessário realo- população total nos anéis centrais volta a cres-
car as moradias na mesma favela ou em local cer com taxas significativas, embora essas ta-
próximo. Os dados censitários indicam essa xas resultem em números absolutos irrisórios:
solução como problemática, já que em 72,6% um total de 216.296 habitantes, 26% do incre-
dos casos não há espaçamento entre os do- mento populacional na década. Já a população
micílios. A solução que tem sido encontrada favelada perdeu números absolutos nos anéis
é o adensamento e a verticalização: 30% dos centrais e ganhou nos anéis exterior (123 mil
domicílios favelados no Brasil já contam com pessoas) e periférico (239 mil favelados). Nota-
três pavimentos. A densidade demográfica nas -se, por outro lado, que a taxa de crescimento
favelas brasileiras ainda não é alta, de 67,5 dos favelados no chamado anel exterior ultra-
hab/ha, mas no Sudeste já chega a 99 hab/ha passa a taxa no anel periférico. As densidades
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demográficas municipais são altas: no anel in- mostrando o resultado da política de urbaniza-
terior chega a 913 habitantes por hectare. Mes- ção de favelas, tanto municipal como federal.
mo no anel periférico, onde ela é menor, alcan- Mas 30% das unidades não apresenta ainda
ça 254 hab/ha. Cerca de 90 mil unidades do- destino de dejetos adequado. Quase a totalida-
miciliares situam-se em encostas com declive de das casas faveladas do município usufruíam
acentuado, sobretudo nos anéis exterior e pe- da rede pública de água, assim como de ener-
riférico. E a verticalização das casas nas favelas gia elétrica, e em 67,15% dos domicílios o me-
do município é grande: 70% das moradias tem didor era individual. Assim, o espaço favelado
mais de um pavimento. Alguns distritos apre- tem certa especificidade urbanística, mas suas
sentam grande proporção de favelados. Entre unidades de moradia aproximam-se das unida-
os 96 distritos que compõem o município, há 10 des pobres de qualquer loteamento.
com mais de 20% da população em favelas. Os Mesmo não sendo objeto deste artigo,
dados ilustram o fato de que, entre as 355.756 um rápido passar de olhos em algumas infor-
unidades domiciliares em favela no município mações sobre os favelados na capital reitera
de São Paulo, em 2010, 24,70% alocam-se às dados importantes: os favelados paulistanos
margens de cursos de água, quase 2% são são mais jovens que a população do município
palafitas e 2,5% estão em unidades de con- como um todo: apenas 1,48% têm 65 anos e
servação. Isso soma cerca de 102 mil domicí- mais, contra 4,57% para o total, em 2010. E
lios, estimando-se em mais de 377 mil pessoas 22% do total dos paulistanos têm até 30 anos,
sujeitas e constantes riscos de alagamento ou enquanto entre os favelados essa proporção é
solapamento. A favela ocupa o espaço de for- de 28%. Os favelados são majoritariamente
ma específica: é precariamente arruado e mais pretos ou pardos (61%), enquanto no muni-
denso que o espaço formal, dois complicado- cípio como um todo, essa porcentagem era
res para serviços urbanos importantes, como 37%. E, reiterando que o favelado paulistano
o acesso de ambulância, polícia, bombeiros e não é migrante recente, 75% dos não natu-
coleta de lixo. Aliás, a presença de montes de rais de São Paulo moradores nas favelas estão
lixo e entulho, atraindo artrópodes, mosquitos no município há 10 anos e mais. O percurso
e ratos, é uma constante. Em relação à morfolo- dos favelados distancia-se do imaginário po-
gia, a casa favelada paulistana no ano de 2010 pular, que o tinha como sendo direto da zo-
era predominantemente de alvenaria (96,31%), na rural nordestina para a favela paulistana.
com uma média de 4,10 cômodos por domicílio Não raro, o favelado experimentou situação
e 2,24 pessoas por dormitório. Entre as unida- habitacional distinta no município, geralmen-
des construídas em alvenaria, 26% estão sem te casa alugada. A impossibilidade do paga-
revestimento. A aparência de um eterno can- mento de aluguel ou de permanência em casa
teiro de obras domina a favela. A precariedade de parente condicionaram a ida para a favela.
do esgotamento sanitário persiste: pelo Censo O favelado tende a ser negro ou pardo, mas
de 2000, 51% das casas faveladas paulistanas não é migrante recente nem teve na favela
estavam ligadas à rede pública de esgotos, sua primeira residência (ver Meirelles, 2014,
proporção que aumenta para 67,4% em 2010, e Valladares, 2005). O favelado é, antes de
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tudo, um trabalhador pobre: em 2010 o total A análise dos dados censitários, com
dos ocupados com mais de 10 anos somava especial destaque à “Leitura Territorial”, mos-
546.525, 42,25% do total populacional. Entre tram que a intervenção pública em áreas de
esses ocupados, mais de 85% eram emprega- favela ainda é uma necessidade premente, se-
dos, a maioria (65%) com carteira de traba- ja no que diz respeito à infraestrutura urbana
lho. A moradia favelada foi invadida por bens mas também em relação à melhoria das uni-
industrializados. Além dos básicos: fogão, dades habitacionais. Por outro, com o intenso
rádio e geladeira, a presença maciça da tele- crescimento das favelas durante a primeira
visão plana e em cores é praticamente univer- década do século XXI por todo o Brasil, seja
sal, assim como a do celular. Em 2010, mais de em números absolutos ou em densidade, faz
26% dos domicílios favelados no município ti- com que o desafio da intervenção em áreas
nham microcomputador com acesso à internet faveladas esteja cada vez mais complexo. Em
e 23,5% possuíam automóvel, porcentagem algumas áreas a intervenção sem remoção não
superior à de 2000, de 17,9%. As favelas não é uma possibilidade. Porém, essa não pode ser
são um mundo social à parte. A proximidade a justificativa para processos de remoção indis-
com distintos segmentos urbanos faz com que criminada, como temos observado em várias
espaços favelados apresentem diversos perfis cidades brasileiras (ver Viana, 2015; Nobre e
socioeconômicos. Bassani, 2015).
Suzana Pasternak
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de História. São
Paulo/SP, Brasil
suzanapasternak@gmail.com
Camila D'Ottaviano
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Tecnologia.
São Paulo/SP, Brasil
camila.dottaviano@gmail.com
Notas
(*) Versão preliminar deste ar go foi apresentada no XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais,
realizado em São Pedro, de 24 a 28 de novembro de 2014.
(1) Para efeito deste ar go, aglomerado subnormal é usado como proxy de favela.
(2) Divisão por anéis a par r de metodologia desenvolvida por Taschner (1990).
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Resumo Abstract
Este trabalho trata das intervenções em favelas This paper analyzes interventions in slums located
localizadas na Região do ABC e financiadas no in the ABC Region (State of São Paulo, Brazil) that
âmbito do Programa de Aceleração do Cresci- have been financed in the context of Programa
mento – Urbanização de Assentamentos Precá- de Aceleração do Crescimento – Urbanização de
rios (PAC-UAP).1 Esse programa canaliza recursos Assentamentos Precários (PAC-UAP). Through
para ações de urbanização de 49 assentamentos this program, financial resources aimed at the
precários do tipo favela ou loteamentos irregulares upgrading of 49 precarious settlements (slums)
nessa região. Observa-se que é baixa a execução are allocated to this region. The research shows
dos contratos de financiamento e repasse. A carac- evidence of low efficiency in the implementation
terização dos assentamentos e das intervenções of projects. Our characterization of the settlements
fornece um panorama geral da execução do pro- and interventions provides a general panorama of
grama e possibilita identificar seus entraves. Con- the program’s implementation and its bottlenecks.
clui-se que, para compreender os baixos índices de It is concluded that, to understand the lack of
execução das obras de urbanização de favelas será efficiency in slum upgrading, it is important to
importante entender a característica desses terri- understand the characteristics of these territories,
tórios, natureza das intervenções, regulamentação the nature of interventions, the regulation and
e operacionalização do programa e as limitações operationalization of the program, and the
institucionais dos governos municipais. institutional limitations of municipal governments.
Palavras-chave: favela; assentamentos precários; Keywords: slums; precarious settlements; slum
urbanização de favelas; região do ABC. upgrading; ABC Region.
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hƩp://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3505
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regulamentação para sua utilização, não per- Ministério das Cidades, em parceria com o Mi-
mitiu ampliar a escala de urbanização de fave- nistério do Planejamento, Orçamento e Ges-
3
las no Brasil. tão, apontam que os resultados projetados em
A partir de 2003, início do primeiro go- termos de número de obras concluídas, ou em
verno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, andamento, não foram alcançados. Segundo os
o setor habitacional foi reorganizado institucio- dados do 11° Balanço, até outubro de 2014,
nalmente e os investimentos na área de habita- apenas 12% das obras de urbanização da sele-
ção foram retomados. O investimento em habi- ção de 2007/2008 foram concluídas e nenhuma
tação no país cresceu no período compreendi- obra de urbanização de assentamentos precá-
do entre os anos de 2003 e 2010, revertendo a rios da seleção de 2011 foi finalizada.
estagnação presente no setor desde a extinção Segundo Caldas e Vale (2014), até 2014,
do BNH. Os dois principais programas habita- a média de execução das operações selecio-
cionais lançados pelo governo federal foram o nadas no âmbito da carteira do PAC1 (entre
PAC-UAP, em 2007 e o Programa Minha Casa 2007 e 2010) era de 65% e do PAC2 (a partir
Minha Vida (PMCMV), em 2009. de 2011) de 5%. Os autores também ressaltam
O PAC-UAP é voltado para urbanização que se deixou de utilizar cerca de 10% dos re-
de favelas e desenvolvido por meio de parce- cursos disponibilizados.
ria entre governos estaduais ou municipais,
Como vimos anteriormente, o PAC, desde
que são os agentes promotores da interven- 2007, selecionou o total de R$41,5 bi-
ção, e o governo federal. Financia obras de lhões em empreendimentos de urbaniza-
urbanização (infraestrutura, saneamento, ção de favelas. Desse total, 1.702 opera-
drenagem e contenção geotécnica), equipa- ções, no valor de R$4,3 bilhões, não che-
garam a ser contratadas, por deficiência
mentos sociais, produção de novas moradias,
técnica ou documental ou por desistência
requalificação habitacional, trabalho social e dos proponentes, ou ainda, tiveram seus
regularização fundiária. contratos cancelados por não iniciarem
Desde 2007, foram contratados R$33 bi- as obras nos prazos acordados e repeti-
lhões em urbanização de favelas, sendo R$20,8 damente prorrogados ou paralisarem as
mesmas por períodos acima dos tolerá-
bilhões na primeira fase do programa (PAC1),
veis. (Caldas e Vale, 2014)
distribuídos em 3.113 empreendimentos, e
R$12,7 bilhões na segunda fase do programa A baixa execução do programa não de-
(PAC2), correspondendo a 415 empreendi- veria representar, entretanto, sua extinção ou
mentos e 575 mil famílias beneficiadas (Brasil, diminuição de importância, uma tendência
2014, p. 192). que se observa diante da prioridade dada ao
Apesar do investimento significativo, há PMCMV, possivelmente em detrimento dos in-
indícios de que esse programa vem perden- vestimentos direcionados a outras modalida-
do importância na agenda federal. Um dos des de intervenção como a urbanização de fa-
motivos seria o baixo índice de execução dos velas. Grande parcela4 da população brasileira
projetos em todo território nacional. Os balan- vive em favelas e seus assemelhados, e portan-
ços nacionais dos resultados, produzidos pelo to, o tema da urbanização permanece central, e
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o programa federal a ele destinado precisa ser município como “urbanizadas”, 39% recebe-
mantido e aprimorado. ram algum tipo de melhoria (urbanização par-
Nesse contexto de aumento do inves- cial) e apenas 7% não receberam intervenções
timento federal em projetos de urbanização (Diadema, 2009). Em Santo André, também de
de favelas, baixa execução dos contratos e acordo com informações municipais, 32% dos
limitado conhecimento das possibilidades e assentamentos são considerados urbanizados
dificuldades para ampliar a escala e elevar a (Santo André, 2006) e em São Bernardo do
qualidade das intervenções em favela, torna- Campo, 37% (São Bernardo do Campo, 2011).
-se necessário implementar uma agenda de A maioria dos assentamentos precários
pesquisa sobre o tema que possa contribuir localiza-se em áreas com restrição ambien-
para o aprimoramento e valorização dessa po- tal. Observou-se que 56% dos assentamentos
lítica pública. encontram-se em Área de Preservação Perma-
nente (APP) e 27,82% em área de proteção e
recuperação de mananciais. Estudos revelam,
ainda, a existência de um percentual elevado
Favelas na Região do ABC: de domicílios em áreas de risco.5
dimensão do problema O ABC é uma das regiões pioneiras em
e intervenção matéria de urbanização de favelas. Diadema foi
uma das primeiras cidades brasileiras a esta-
A Região do ABC localiza-se no estado de São belecer, em 1983, uma política abrangente de
Paulo, mais precisamente na Região Metropo- urbanização de favelas e embora as interven-
litana de São Paulo. Segundo dados do Censo ções nem sempre tenham alcançado um pata-
Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto mar adequado de qualidade, inovou ao tratar
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a questão da urbanização de favelas não mais
residem nessa região 2,5 milhões de habitan- como mera intervenção pontual ou programa
tes, distribuídos em 865.145 domicílios. Des- alternativo. Os Municípios de São Bernardo do
ses domicílios, 115.270 estão localizados em Campo e Santo André também iniciaram a im-
“setores subnormais”. plementação de programas de urbanização de
Outras fontes de informação, contudo, favelas no final da década de 1980.
apresentam números diferentes. Os Planos Lo- Em São Bernardo do Campo, o primeiro
cais de Habitação de Interesse Social (PLHIS) programa de urbanização de favelas foi estru-
da região apontam a existência de 622 assen- turado em 1989, na primeira gestão do prefeito
tamentos do tipo favela, que abrigam em torno Maurício Soares. A intervenção em favelas, no
de 138 mil domicílios. âmbito de uma política municipal de habitação
Muitas favelas da região foram urbani- em Santo André também foi iniciada no mes-
zadas ou parcialmente urbanizadas nos pe- mo período. Em 1989, no primeiro governo do
ríodos anteriores, porém, nem sempre com a prefeito Celso Daniel, foi criado um programa
qualidade adequada de intervenção. Em Dia- de urbanização de favelas além de terem sido
dema, 54% das favelas são consideradas pelo instituídos importantes instrumentos, como
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39%). Observa-se que, em muitos dos assenta- construção de novas unidades habitacionais
mentos, há incidência de mais de um processo tanto no próprio assentamento (remanejamen-
geodinâmico gerador de riscos. to) como fora dele (reassentamento) e 22% do
Identificou-se que a maioria dos assenta- tipo urbanização com produção de novas mo-
mentos beneficiados pelo programa PAC-UAP radias fora do assentamento (reassentamento).
já recebeu algum tipo intervenção de urbani- A substituição total das moradias do assen-
zação em períodos anteriores. De acordo com tamento por unidades habitacionais13 (UHs)
informações municipais, dos 49 assentamentos novas foi registrada em apenas sete assenta-
que contam com recursos do PAC-UAP, 39 deles mentos (14%) e a remoção total do núcleo e
(80%) receberam intervenções realizadas com reassentamento da população em outro local
recursos de outras fontes nas últimas três dé- em apenas quatro assentamentos (8%).
cadas. A informação sobre a infraestrutura exis- Segundo informações municipais, muitos
tente antes da intervenção do PAC-UAP confir- assentamentos já haviam sido parcialmente
ma essa informação. Os municípios declararam “urbanizados”, ou seja, receberam algum ti-
que 92% dos assentamentos tinham redes de po de melhoria em períodos anteriores. Desse
água, integral ou parcial, antes da intervenção; conjunto de 49 assentamentos precários objeto
12
85% de esgoto e 90% de drenagem. de intervenção no âmbito do PAC-UAP, mais da
As intervenções foram classificadas em metade (53%) das intervenções representam
seis tipos como mostra a Tabela 1. Conclui-se complementação de urbanização. Quase meta-
que 27% das intervenções são do tipo urba- de (43%) tem por objetivo a urbanização com-
nização com construção de novas unidades pleta dos assentamentos precários e apenas 4%
habitacionais no próprio assentamento (rema- pretendem urbanizar apenas um setor do assen-
nejamento), 22% são do tipo urbanização com tamento. Destaca-se que, no caso de Diadema,
Nº de
Tipo de intervenção %
assentamentos
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* a estimativa prevista de investimento do PMCMV foi calculada a partir do número de UHs necessárias para conclusão
da urbanização, informada pelas prefeituras, multiplicada pelo valor do teto do programa na RMSP (R$96mil).
Fonte: MCidades e entrevista com técnicos das Prefeituras Municipais.
O custo total de investimento por família município, observam-se variações ainda maio-
no âmbito das contratações do PAC-UAP não res – de R$4 mil a R$90 mil,15 mas esses dados
representa o custo total (realizado ou neces- devem ser lidos com cautela.
sário) de investimento para concluir a inter- Em alguns casos, esse valor é baixo de-
venção de urbanização, incluindo as ações de vido ao fato de o investimento total do PAC-
produção de moradias para reassentamento. -UAP considerado corresponder a interven-
Como mencionado anteriormente, o recurso ções em apenas parte da área e o número de
captado no âmbito do programa, em muitos famílias corresponder ao total do assentamen-
casos, é insuficiente para concluir todas as to. Esse é o caso do Núcleo Nova Conquista,
obras de urbanização e viabilizar os reassen- em Diadema, que apresenta o menor valor de
tamentos. Além disso, a maioria dessas áreas investimento por família (R$ 4 mil): o núcleo
foi urbanizada parcialmente ou recebeu algum abriga 2.300 famílias, mas o setor atendido
tipo de melhoria em períodos anteriores. Essas pelo PAC-UAP corresponde apenas a um setor
melhorias foram executadas com recursos pró- conhecido como “Setor Krones”. O restante
prios do Estado e Municípios ou recursos fede- do assentamento foi urbanizado anteriormen-
rais captados no âmbito de programas, dentre te, com recursos provenientes de outras fon-
outros, como o “Habitar Brasil/BID”. tes. Caso semelhante pode ser verificado no
A média do investimento por família no Núcleo Sacadura Cabral, em Santo André, que
âmbito das contratações do PAC-UAP na região conta com investimento de aproximadamente
é de R$ 27mil, e essa varia de R$9 mil reais por R$ 4.600 por família, contudo, trata-se de um
família, no caso de Mauá, a R$44 mil por fa- pequeno setor da favela que já foi urbaniza-
14
mília, em São Bernardo do Campo. Quando da na década de 2000 com recursos munici-
a análise é feita por assentamento, e não por pais, federais e da União Europeia. No caso do
110 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 101-118, abr 2016
núcleo que conta com o maior valor de inves- Observando o panorama geral apresen-
timento por família (R$ 90 mil). No caso do tado, o primeiro ponto a ser destacado é que
Silvina Oleoduto (localizado em São Bernardo a característica física dos assentamentos loca-
do Campo), a presença de um oleoduto impõe lizados na Região do ABC são aquelas descri-
a remoção de grande parcela das famílias e tas para as regiões metropolitanas e indicam a
eleva o custo de intervenção. complexidade de intervenção nesses territórios.
Os referidos valores de investimento A maioria dos assentamentos está localizada
por família elevam-se quando somados aos em áreas com presença de gravames ambien-
recursos contratados e planejados (previsão) tais, relevo acidentado e situações de risco.
no âmbito do PMCMV. Considerando a viabi- Soma-se isso ao fato de os assentamentos en-
lização da captação de recursos para constru- contrarem-se consolidados, com alta densidade
ção das unidades habitacionais necessárias, o e setores urbanizados em períodos anteriores
investimento médio por família na região subi- com qualidade inadequada. Essa característica
rá para R$ 33.658, com variação por município indica a complexidade da intervenção física e
de R$18.265 por família, no caso de Mauá, e do trabalho social. Apontando, dessa forma,
R$ 48.865 por família, no caso de São Bernar- a necessidade de realização de diagnósticos
do do Campo. integrados, obtenção de autorização ou licen-
ciamento ambiental e execução de complexas
obras de saneamento, drenagem e consoli-
O que explicaria o baixo dação geotécnica. Isso, muitas vezes, implica
desempenho do programa? intervir na escala do entorno ou microbacia.
Além disso, quase sempre requer a remoção de
A análise das características dos assentamen- percentual significativo da população residente
tos e intervenções realizadas no âmbito do para viabilizar obras de infraestrutura e elimi-
PAC-UAP na região permite apontar um con- nação de situações de risco.
junto de fatores que explicariam o baixo de- Evidentemente, a intervenção numa
sempenho do programa na região. área desse tipo é mais complexa do que a
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 101-118, abr 2016 111
intervenção que se realiza numa área vazia período, alterem-se as condições de ocupação
(desocupada). Ainda que o município contasse e características do sítio. Mesmo contando com
com um projeto executivo completo e de bom um projeto de boa qualidade, muitas vezes, é
nível, – o que não tem sido observado, – seria necessário produzir revisões e complementa-
de difícil execução em curto prazo, tendo em ções que alteram o escopo original. A lógica
vista essa complexidade física e social. de projeto, financiamento e controle da exe-
Os projetos produzidos nem sempre es- cução das obras de urbanização de favelas se-
tão baseados em diagnósticos integrados, qua- gue aquela que é adotada na implantação de
se nunca estão completos e têm um grau insu- uma obra nova, em que o território ainda não
16
ficiente de detalhamento. Esse fato aumenta foi ocupado. Porém, tem-se na prática uma in-
a imprevisibilidade já existente em projetos tervenção que mais se assemelha a uma obra
dessa natureza e provoca a necessidade de pro- de reforma, onde a intervenção ocorre em uma
dução ou alteração de projetos e de revisão de situação já existente e em mutação. Considera-
planilhas (quantitativos e orçamento) durante -se importante e oportuno o debate sobre no-
a execução da obra, levando frequentemente vas formas de projetar, orçar e reembolsar as
a sua paralisação temporária. Vários autores17 obras de urbanização de assentamentos precá-
apontam que apenas na década de 1990 o pro- rios, considerando essa especificidade.
jeto de urbanização de favelas foi valorizado. Soma-se a essa combinação “comple-
Nesse período, foram formuladas diretrizes de xidade de intervenção, qualidade do projeto
intervenção que consideravam a necessidade e território em transformação”, a rigidez de
de integração do assentamento à cidade e fos- contratação e medição das obras de urbani-
sem definidos padrões específicos de execução zação de favelas apontadas pelos técnicos e
de obras. Ainda há limitado acúmulo no campo gestores municipais.18 A rigidez das normas de
da elaboração de projeto e obra para favela. contratação e medição não é compatível com a
Outro aspecto a ser considerado é que característica do projeto, território e complexi-
se trata de um território em permanente trans- dade de intervenção.
formação pela ação de seus moradores ou do Outro tema a ser explorado relaciona-se
meio físico. É comum que uma obra se inicie com a natureza da intervenção, custos de ur-
apenas dois anos depois de concluída a elabo- banização e desenho do PAC-UAP. As propostas
ração do projeto ou três anos após a conclusão para produção de novas moradias no âmbito
de seu diagnóstico integrado. Após a conclusão do PMCMV, atreladas às urbanizações desse
da elaboração do projeto, é preciso muitas conjunto de assentamentos estudados, com-
vezes obter a autorização ambiental para só provam o fato. Os municípios informaram que
então apresentá-lo para avaliação da Caixa estão sendo pleiteados recursos adicionais do
Econômica Federal (CEF), ou órgão financiador, PMCMV para concluir a urbanização de 22%
para depois formalizar a contratação e iniciar o dos assentamentos analisados, apontando a
processo de licitação. Esses procedimentos de necessidade de construção de no mínimo mais
licenciamento, avaliação, contratação e licita- 2.500 moradias, envolvendo recursos da ordem
ção são morosos. Também é comum que, nesse de R$230 milhões. Em alguns casos, como o
112 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 101-118, abr 2016
Jardim Oratório, em Mauá, faltam recursos tan- relaciona tanto com a inexistência de projetos
to para construção de novas moradias, como completos e de boa qualidade, portanto, com a
para resolver as situações mais complexas de limitada capacidade administrativa do municí-
risco e infraestrutura, como miolos de quadra e pio, como com as regras e limites de financia-
topos de morro. mento do programa.
Conclui-se que a urbanização de gran- Os custos de urbanização por família e
de parcela desses assentamentos foi iniciada limites de investimento por item do programa
em períodos anteriores e que o valor desti- também podem dificultar a execução de solu-
nado e contratado, embora expressivo, não ções adequadas e tornar ainda mais morosa a
será suficiente para concluir a intervenção. execução das obras de urbanização, principal-
Esse fato pode corroborar com a morosidade mente nos casos de intervenções executadas
da execução dos contratos, uma vez que pa- na primeira fase do programa. As característi-
ra realizar alguns tipos de serviços (tais como cas físicas e de ocupação dos assentamentos
abertura de viário, canalização e recuperação são muito distintas, e em muitos casos a in-
de córrego, recuperação de área de risco) é ne- tervenção é complexa, e pode custar mais que
cessária a provisão de moradias para viabilizar os limites de repasse por família estabelecidos
a remoção. Portanto, a ausência de projeto e pelo programa. Novamente, nesse caso muitas
financiamento integrado para todos os com- vezes o município faz uma conta de chegada e
ponentes da intervenção pode comprometer a não contrata a execução de todos os serviços
execução das obras contratadas. e obras necessários. A orientação operacional
Por fim, a lógica do projeto apresentado, nº 01/2011 do Ministério das Cidades, instituí-
o volume de recurso solicitado para o Ministé- do em 22 de fevereiro de 2011, exclui do en-
rio das Cidades e os limites de financiamento quadramento itens muito variáveis como obras
por componente do programa podem dificultar para eliminação de risco, o que significa que
ou impossibilitar a conclusão da urbanização. não são estabelecidos limites de investimento
Observa-se, como no caso do Jardim Oratório, para tais itens, além de possibilitar requisi-
o estudo de caso da segunda etapa dessa pes- ção de recurso adicional para construção de
quisa, que muitas vezes os municípios tentam unidades habitacionais executadas no âmbito
encaixar em “determinado valor captado” do PMCMV, entretanto, há indícios que, em
alguns serviços e obras necessárias, mas que alguns casos, ainda assim os limites estabele-
esse montante é insuficiente para conclusão cidos pelo programa não são suficientes para
da obra. Nos casos em que se observa a difi- executar a intervenção como um todo. Para
culdade ou impossibilidade de captação de re- “fechar a conta”, o município aumenta sua
cursos para produção habitacional, executa-se contrapartida ou exclui serviços. Muitas vezes
o que é possível sem a remoção da população a execução das obras fica comprometida por-
ou com a remoção parcial. Essa “conta de che- que o município não consegue cumprir a con-
gada” acaba comprometendo a qualidade da trapartida ou a exclusão dos serviços compro-
intervenção. Observa-se que essa prática se mete a execução de outros.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 101-118, abr 2016 113
114 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 101-118, abr 2016
uma análise de custos mais abrangente do que aumento está associado a um conjunto de fa-
a das obras de consolidação urbanística. A rede tores, entre os quais o aumento do percentual
de proteção e o capital social constituído em de famílias removidas para atendimento às
um núcleo de assentamento informal é difícil exigências de proteção ambiental, e a adoção
de ser computado, mas não pode ser ignorado. de estratégias de intervenção que demandam a
Porém, é importante reconhecer a tendência incorporação de diferentes componentes além
de aumento dos custos de urbanização de as- da execução de obras complexas que extrapo-
sentamentos informais nos últimos anos. Esse lam os limites da favela.
Rosana Denaldi
Universidade Federal do ABC, Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas. Santo
André/SP, Brasil.
denaldi.rosana@gmail.com
Ricardo Moretti
Universidade Federal do ABC, Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas. Santo
André/SP, Brasil.
ricardo.moretti@ufabc.edu.br
Claudia Paiva
Universidade Federal do ABC, Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas. Santo
André/SP, Brasil.
claudia.paiva@ufabc.edu.br
Fernando Nogueira
Universidade Federal do ABC, Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas. Santo
André/SP, Brasil.
fernandorochanogueira2808@gmail.com
Juliana Petrarolli
Universidade Federal do ABC, Programa de Pós Graduação em Planejamento e Gestão do Território.
Santo André/SP, Brasil.
ju.petrarolli@gmail.com
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 101-118, abr 2016 115
Notas
(1) Apresenta os resultados da pesquisa “Urbanização de assentamentos precários no âmbito
do Programa de Aceleração do Crescimento na Região do ABC”, produzida pelos autores e
financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) –
Chamada MCTI/CNPq/MCidades nº 11.
(2) U lizaremos a sigla “PAC-UAP” para tratar das operações de financiamento e repasse de recursos
do Governo Federal no âmbito do PAC, que tem como finalidade promover obras de urbanização
de assentamentos precários.
(3) Segundo balanço divulgado pelo governo federal, em 1999, o investimento realizado no
período de 1995 a 1999, foi de R$773 milhões no programa Pró-Moradia, de R$2,664
milhões no Pró-Saneamento, de R$695,1 milhões no Habitar Brasil e de R$803 milhões no
PASS (Brasil, 1999, apud Denaldi, 2003, p. 24).
(4) Segundo IBGE (1996), em 2010 existiam 11,4 milhões de pessoas vivendo em aglomerados
subnormais no Brasil. Maricato (1996) estima que de 40% a 50% da população das grandes
cidades brasileiras vive na informalidade, sendo 20% em favelas.
(5) Em mapeamentos realizados entre 2009 e 2013 em assentamentos precários de seis dos sete
municípios da região, foram identificadas mais de 24 mil moradias em situação de risco
associados a deslizamentos, solapamento de margens de córregos e inundações, das quais
9.374 estavam em risco alto ou muito alto.
(6) Sobre a evolução da polí ca de urbanização de favelas, ver Denaldi (2003) e Cardoso (2006).
(7) Principais premiações: “Prêmio Gestão Pública e Cidadania” concedido pelas Fundações Getúlio
Vargas e Ford, em 2000; eleita uma das 16 melhores prá cas do mundo, escolhidas para serem
relatadas na Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Istambul + 5 em
2001; Prêmio Internacional de Dubai de Melhores Prá cas, do Centro das Nações Unidas para
Assentamentos Humanos, o Habitat, em 2002. Ver Denaldi (2012).
(8) Na Região do ABC, no âmbito do PAC-UAP, o governo federal aporta cerca de R$873 milhões no
Programa, os municípios, R$360 milhões, e o governo estadual, R$70 milhões.
(9) Após a conclusão da primeira etapa da pesquisa, tomou-se conhecimento que o Núcleo Vila
Ferreira, localizado no Município de São Bernardo do Campo, também conta com recursos do
PAC-UAP. Esse relatório não incorpora as informações sobre esse assentamento.
(10) O PAC-UAP tem Subprogramas e Ações em que se categorizam as intervenções, são elas:
Projetos Prioritários de Inves mentos – Intervenções em Favelas (PPI-IF), Projetos Prioritários
de Inves mentos – Saneamento Integrado (PPI-SI), Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social (FNHIS), ProMoradia e PAC-Risco. Segundo pesquisa feita com os agentes promotores das
intervenções,15 TC estavam inseridos na Ação PPI-IF, nove no FNHIS, cinco no PPI-Saneamento
Integrado, três no ProMoradia, dois são do PAC-Risco e dois termos não temos informação a
esse respeito.
(11) Os dos Termos de Compromisso concluídos até setembro de 2013 inserem-se no município e São
Bernardo do Campo. São eles TC. 233.651-94/2007, para urbanização do Núcleo Vila Esperança
e o TC. 229.052-61/2009, que nha como objeto a construção do Conjunto Habitacional Três
Marias e a urbanização dos núcleos Sítio Bom Jesus/Alvarenga Peixoto, Divineia Pantanal e
Jardim Ipê.
116 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 101-118, abr 2016
(12) Em alguns casos, essas redes foram ou estão sendo refeitas em razão de haver interferência com
outras obras ou para melhorar a qualidade da prestação dos serviços.
(13) São muito peculiares as situações de subs tuição total de moradias existentes novas. Esse po
de intervenção foi observado apenas nos municípios de São Bernardo do Campo e em Diadema.
No caso dos assentamentos denominados Pau do Café em Diadema e Jardim Esmeralda em
São Bernardo do Campo, as habitações existentes eram muito precárias. No caso do núcleo
Jóquei, em Diadema, tratava-se de uma pequena área de risco localizada em um complexo
de favelas, e o recurso do PAC foi des nado apenas para remoção das famílias dessa área que
foram levadas para um conjunto habitacional localizado no complexo que teve a maior parte de
sua área consolidada. A situação mais singular talvez seja a do assentamento Silvina Oleoduto
no município de São Bernardo do Campo. A favela localizava-se entre a rodovia Anchieta e o
Oleoduto da Transpetro, configurando-se também como área de risco. A solução encontrada foi
remover as famílias para conjunto habitacional localizado no entorno.
(14) São aqui considerados o valor total de inves mento dos Termos de Compromisso do PAC-UAP no
ABC, dividido pelo número total de moradores dos assentamentos beneficiados pelo programa,
fornecidos pelas Prefeituras e CDHU.
(19) De acordo com o IBGE (2010), a Região do ABC tem cerca de 115 mil domicílios em assentamentos
precários (setores subnormais) e, de acordo com informações municipais registradas nos PLHIS,
211 mil domicílios, e cerca de 138 mil são assentamentos “irregulares e precários” e 73 mil
apenas “irregulares”.
(20) A informação produzida tem como fonte os PLHIS elaborados pelos municípios de São Bernardo
do Campo (2010), Santo André (2006; 2011), Mauá (2011) e Diadema (2009) elaborados em
diferentes períodos. O dado pode estar subes mado.
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118 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 101-118, abr 2016
Resumen
Este artículo presenta resultados preliminares de
un trabajo de investigación en curso sobre políticas Abstract
habitacionales y urbanas en San Carlos de Bariloche. This paper presents preliminary results of an
Reconstruye el proceso de regularización del barrio ongoing research on housing and urban policies in
popular de origen informal Virgen Misionera. Los San Carlos de Bariloche, Argentina. It reviews the
habitantes están arraigados en el lugar y el barrio regularization process of an informal settlement
está completamente consolidado, pero todavía called Virgen Misionera. The neighborhood and
persisten problemas y conflictos vinculados a its population are fully consolidated, but there
la titularidad de las tierras con los propietarios are still problems and conflicts related to the
originales y emergen conflictos vinculados a la ownership of land plots and, thus, conflicts related
consolidación del barrio. En un contexto donde los to the urban consolidation of the settlement
precios de los terrenos se dispararon en los últimos emerge. In a context where land prices soared
quince años, el artículo reflexiona sobre los límites in the last fifteen years, the article reflects on
de las estrategias de regularización utilizadas en the limits of the regularization strategies used in
nuestro país y plantea la necesidad de reformular Argentina and raises the need to reformulate the
el contenido y el alcance del derecho de propiedad. content and scope of property right.
Palabras clave: regularización; lote abandonado; Keywords : regularization; abandoned plot;
derecho de propiedad; asentamientos informales; property right; informal settlements; housing
políticas habitacionales. policies.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 119-144, abr 2016
hƩp://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3506
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conflictos que suscitan intentos de ocupación Social (IMTVHS) de San Carlos de Bariloche para
de espacios que cumplen una función la aplicación de la operatoria en la ciudad, que
comunitaria, como ocurrió con la cancha se puso en marcha en 2014 en algunos barrios,
de fútbol o la plaza; la oposición frente a Virgen Misionera entre ellos. Si bien existe una
la posibilidad de nuevas tomas de terrenos, enorme expectativa sobre la capacidad de esta
estigmatizando así los viejos ocupantes a los operatoria para saldar una histórica deuda
nuevos ocupantes; conflictos con comunidades con miles de habitantes de barrios populares
de pueblo originarios que demandan de origen informal de Bariloche, una mirada
restitución de tierras que le pertenecerían a sus más desapasionada muestra que existe una
comunidades, etc. proporción importante de estos terrenos que
La relativa abundancia de tierra de no podrán ser regularizados por esta vía, ya
expansión en la ciudad y el abandono por sea por la oposición legal de propietarios o
parte de los propietarios permitió durante años herederos, por la fecha de la ocupación de
que los procesos de regularización pudieran los mismos, o porque por sus características
avanzar de forma más o menos exitosa. No (tamaño, valuación fiscal, etc.) no pueden
obstante, en los últimos quince años, en un acogerse al mencionado régimen. Es previsible
contexto donde los precios de los terrenos entonces que la problemática persista y se
se dispararon, especialmente después de la hace necesario buscar otras alternativas de
devaluación de 2002, empezaron a aparecer resolución de conflictos.
nuevos conflictos vinculados a la voluntad El presente artículo reflexiona sobre los
de propietarios o herederos de recuperar la límites de las estrategias de regularización
posesión de sus terrenos, que ahora tienen un dominial utilizadas en nuestro país, a partir
extraordinario valor. El desfasaje de los precios del caso del barrio Virgen Misionera de San
de los terrenos con el ingreso promedio de Carlos de Bariloche, y plantea la necesidad
los sectores populares, incluso medios, vuelve de reformular el contenido y el alcance del
prácticamente imposible cualquier arreglo de derecho de propiedad, en vistas a poner de
tipo económico que posibilite la regularización relieve su función social, su carácter de bien de
de la posesión. uso antes que de cambio y el derecho humano
En este marco, en 2000, el Gobierno básico fundamental a su acceso.
Provincial adhirió a través de la Ley Provincial
3.396 al régimen de regularización de
ocupaciones establecido por la Ley Nacional
24.374. Lo mismo hizo la Municipalidad de San
El proceso de urbanización
Carlos de Bariloche, a través de la Ordenanza de Bariloche
1.283 de 2003. Pero recién a fines de 2013,
la autoridad de aplicación, el Instituto de El proceso de urbanización de la ciudad de San
Planeamiento y Promoción de la Vivienda de Río Carlos de Bariloche comparte algunos rasgos
Negro (IPPV), firmó un convenio con el Instituto con muchas otras ciudades de perfil turístico
Municipal de Tierras y Vivienda para el Hábitat en nuestro país.1 La expansión urbana de la
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 119-144, abr 2016 121
122 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 119-144, abr 2016
ciudad más poblada de la región patagónica. esta expansión. Pese a esto, la existencia
No obstante, gran parte de esta población de grandes emprendimientos turísticos a
se fue localizando en el eje de expansión sur, lo largo del eje oeste, en la costa del Lago
donde se localizaron los barrios populares. Nahuel Huapi -especialmente el Hotel Llao
Esta expansión tan acelerada y con un Llao en el km 24,5 de la Avenida Bustillo
gran componente especulativo en el mercado construido a fines de la década de 1930-
de suelo determinó muchos problemas en determinó que fuera del interés del Estado
términos de la consolidación de la trama la expansión de los servicios, favoreciendo
urbana. El primero de ellos, la dotación la consolidación progresiva la trama urbana
de servicios públicos. Rápidamente, la en espacios intersticiales. Como resultado,
extensión del ejido urbano aumento hasta la Municipalidad de San Carlos de Bariloche
convertirse en uno de los más grandes del tiene una limitación estructural para atender
país, con más de 27 mil hectáreas. Es sabido de forma cabal la totalidad del ejido urbano
que el costo de las infraestructuras de red bajo su jurisdicción. En algunas situaciones, lo
aumenta exponencialmente con la distancia. propietarios ni siquiera se hicieron cargo de sus
Asimismo, cuando la densidad es muy obligaciones fiscales, generando un problema
baja, se vuelve económicamente inviable presupuestario importante para el gobierno
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 119-144, abr 2016 123
124 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 119-144, abr 2016
importantes para entender los reclamos de como “ocupaciones negativas”, donde “se les
la población allí asentada para mantener su superpone una plantilla urbana” a la población
residencia en el lugar. Concretamente, una preexistente. 4 Este caso no fue privativo
parte de esta población ya vivía en la zona de Virgen Misionera, sino que situaciones
antes de que el loteo en cuestión se realizara, similares se vivieron en Villa Don Bosco, Alto
es decir, antes de que los lotes urbanos Campanario, Villa Llanquihue e incluso Melipal.
existieran legalmente como tales. De hecho, Las características del barrio, vinculadas
en muchos casos, ha sido posible reconstruir al origen popular de sus habitantes y la
a partir de testimonios que la subdivisión localización del mismo, cuestionaba el patrón
y venta de los lotes se hizo obviando que ya vigente de segregación socioeconómica
había población radicada en el mismo, cuestión que establecía que la zona oeste estuviera
que el propietario adquiriente del lote nunca destinada a sectores medios-altos y a las
conoció al momento de comprar la propiedad. actividades vinculadas al turismo, lo que
Esto fue caracterizado por un entrevistado generó rápidamente situaciones conflictivas.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 119-144, abr 2016 125
126 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 119-144, abr 2016
ahí asentadas y de familias que empezaban a (EPT) que jugó un rol muy relevante en la
llegar a la zona buscando donde asentarse. En ocupación concertada del barrio y en el impulso
la década de 1970, por ejemplo, fue importante a los procesos de regularización que se iniciaron
la migración de origen chilena, especialmente desde la década de 1980. Posteriormente,
después del golpe militar que derrocó a cuando se conforma en la década de 1980 la
Salvador Allende. También era importante la Fundación Gente Nueva, el EPT pasó a formar
llegada de población de comunidades rurales parte de la misma, como uno de sus principales
aledañas, expulsadas por la crisis sostenida ejes de acción, si bien mantuvo una relación
que atravesaba y sigue atravesando la que era estrecha con la Parroquia de Curulef.
la principal actividad económica, la ganadería Desde la creación de la Fundación Gente
ovina. Al calor de este proceso de poblamiento Nueva, el proceso de urbanización del barrio
se fueron conformando asambleas en las siguió su derrotero habitual de los barrios
escuelas como lugar de reunión, donde la populares de: a. expansión, en la medida
problemática del acceso al suelo era una que se iban ocupando los lotes vacantes; b.
cuestión acuciante. Conceptualizaba su trabajo consolidación, con el mejoramiento progresivo
en términos de propiciar el paso de “lo legítimo de las viviendas por parte de las familias,
a lo legal”, apostando a las ventajas positivas la concreción de las redes de servicios y
de encuadrar legalmente la tenencia de la tierra equipamiento colectivo; y c. densificación, con
de los habitantes del barrio. En el documento la temprana aparición de segundas, terceras
“La tierra, un bien de todos. Encuadre eclesial” y más viviendas en algunos lotes, tanto para
de Curulef (c. 1992), el párroco identifica responder a la demanda habitacional de
como una de las causas estructurales de la la propia familia, como estrategia para la
pobreza en América Latina la falta de acceso a obtención de una renta a través del alquiler
la tierra rural y urbana, heredada del modelo informal de las mismas (Di Virgilio, Arqueros
de explotación colonial. De hecho, se plantea y Guevara, 2011). Asimismo, la dotación
cabalmente que el acceso a la tierra es de servicios e infraestructura del barrio fue
“signo de liberación”. En el mismo sentido, extendiéndose y completándose a lo largo
señala el camino a transitar el desarrollo de de los años, con un fuerte componente de
intervenciones territoriales concretas por organización comunitaria, como sucedió en
parte de los grupos pastorales, a través de las gran parte de la ciudad. En la actualidad el
comunidades eclesiales de base, planteando barrio no cuenta todavía con la red de cloacas.
una iglesia “al servicio de las organizaciones En 2011, según un relevamiento realizado por
populares”, alineándose con las doctrina social el EPT, casi el 37% de los hogares identificaba
de la iglesia y con las orientaciones derivadas como la primera necesidad del barrio la
del Concilio Vaticano II (1962-1965) y de las extensión de la red de cloacas,9 seguida de las
reuniones de Medellín (1968) y Puebla (1979). tareas de mantenimiento y pavimentación de
A raíz de esta creciente demanda las arterias viales (30%).
ligada a la problemática de la tierra terminó En sus comienzos, el rol del EPT se
conformándose un Equipo Pastoral de Tierras limitó a organizar y viabilizar las ocupaciones
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y recursos (Di Virgilio, 2011) que facilitaran que permitió fortalecer la legitimidad en el
tanto la relación con las diferentes instancias barrio. Lo mismo sucedió con muchas otras
del poder ejecutivo, pero también del poder organizaciones que fueron naciendo al calor
judicial, acceso a escribanos, abogados, etc. del proceso de organización comunitaria que
La respuesta por parte de los propietarios tenía como una de sus referencias fuertes a
fueron muy variables. En algún caso, el EPT la parroquia, como el Club Social y Deportivo
llegó a conseguir la cesión sin cargo del lote Arco Iris o la radio comunitaria. La misma
por parte del propietario, cuando este percibía heterogeneidad puede encontrarse entre las
que la recuperación era inviable. En otros diferentes generaciones de ocupantes, llegando
casos, el EPT compraba lotes que después eran al extremo de que el EPT, según testimonios de
revendidos con facilidades a los ocupantes, sus miembros, reciba en la actualidad críticas
oficiando de intermediador. A veces, se limitaba de algunos habitantes de larga data por no
a servir de mediador en las negociaciones que haber reservado tierra para sus hijos y nietos y
se hacían entre privados. haberla cedido a gente de afuera del barrio, con
Las respuestas de los mismos vecinos del una mención particular para con los migrantes
barrio también fueron variables. Fue marcada chilenos recientes, mostrando algunos de los
la crítica y oposición de los vecinos “legales”, clivajes conflictos dentro del grupo social que
es decir, aquellos que contaban con los títulos conforma el barrio.
de propiedad en regla. Este sector estuvo No obstante este rol de mediador y
durante mucho tiempo nucleado alrededor organizador, la labor del EPT nunca descuidó la
de la Junta Vecinal Virgen Misionera y fue un interpelación a los diferentes niveles del Estado
activo opositor a la política de regularización y en numerosas oportunidades cuestionó
impulsada por el EPT. Durante años fue uno la orientación de las políticas públicas que
de los principales actores que propició la no daban cuenta de manera cabal de la
actuación legal de los propietarios en pos problemática acuciante del acceso al suelo.
del desalojo de ocupantes. Incluso llegaba al Tampoco partían de un diagnóstico inocente
extremo de ocuparse de contactarlos cuando de la problemática, sino que no dudaban en
vivían en otras localidades y ofrecerse a ser señalar el carácter estructural del problema
custodio de los mismos en su ausencia, según habitacional en la sociedad barilochense y
los testimonios. De hecho, una entrevistada que afectaba de manera predominante a los
relató concretamente cómo el Municipio sectores más vulnerables.
había impulsado durante la década de En la actualidad, de un total de alrededor
1990 la conformación de la Junta Vecinal de 570 lotes identificados catastralmente en
Virgen Misionera en oposición al proceso de el barrio, prácticamente la mitad de los lotes
organización de base del barrio, promoviendo (42%) han recibido algún tipo de intervención
su estigmatización y desalojo.10 En los últimos por parte del EPT (ver Tabla 1).11 De este total,
años, no obstante, ante un cambio en la sólo 25 han sido finalmente escriturados
conducción de la entidad, la Junta Vecinal jugó a nombre de sus actuales ocupantes. Este
un rol más positivo y favorable al proceso, porcentaje tan reducido de regularización
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 119-144, abr 2016 129
dominial definitiva, después de más de 25 años Dentro del universo de lotes ocupados,
de intervención por parte de la organización, había un conjunto de alrededor de 50 lotes
es un primer indicador que nos muestra de que eran propiedad de la firma El Sol S.A., cuyo
la complejidad y los obstáculos jurídico- principal accionista era Vinelli, un conocido
institucionales con los que se enfrente este loteador y agente inmobiliario del país, con
tipo proceso. gran actuación en la ciudad de Bariloche y en la
Existe un total de 125 lotes que han costa atlántica de Buenos Aires. Este conjunto
iniciado o podrían iniciar el trámite de de lotes requirió de una negociación especial,
regularización previsto por la Ley Pierri por la concentración de la propiedad en un
(mientras no se encuentren incompatibilidades sólo propietario, lo cual permitía solucionar el
adicionales), lo que representa un universo de problema de decenas de familias de una sola
180 hogares; mientras que 24 están excluidos vez. Esto permitió ordenar la negociación, pero
de la misma de entrada porque su ocupación no por ello la hizo más fácil, porque se trataba
data de una fecha posterior a 2006, una de de un experimentado agente inmobiliario. La
las restricciones que fija la Ley 3.396. Algo Ordenanza 1120-CM-2001 finalmente aprobó
más de 50 lotes están en condiciones de ser un convenio de compensación de deudas
escriturados, ya sea por tener boleto de compra municipales con la firma El Sol S.A. Por este
venta o por estar enmarcado en la operatoria convenio, el Municipio adquirió la propiedad de
prevista por la Ordenanza 1120-CM-2001. 51 lotes que fueron posteriormente vendidos
N %
130 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 119-144, abr 2016
en cuotas a los ocupantes mediante boleto Esta regularización era tanto dominial como
de compra-venta aprobado en la misma urbana, pero la falta de presupuesto la dejó
ordenanza. Algunos de estos lotes ya fueron limitada a lo dominial. México y Perú son
completamente pagados y están pendientes dos de los países pioneros en la materia, ya
de escrituración (8 lotes), otros tienen cuotas en la década de 1960 y 1970. Sin embargo,
pendientes (18 lotes, otros tienen problemas la dinamización de estas políticas se produce
de mensura y/o subdivisión, pero muy pocos durante la década de 1990, impulsadas por
han logrado escriturar definitivamente el organismos internacionales que, influidos
lote (4 lotes). La operatoria, a su vez, era por la tesis de Hernando de Soto (De Soto,
incorporada en la Ley Provincial 3.370 que Ghersi y Ghibellini, 1986), entendieron que la
establece una escrituración de bajo costo para regularización dominial tendría por sí misma
este tipo de situaciones. efectos beneficiosos en las condiciones de vida
de la población, al promover su inserción social,
movilizar capitales y facilitar la integración
en otras esferas tales como la laboral,
Políticas de regularización educativa, etc. No obstante, los procesos no
de barrios populares de origen necesariamente han llegado a buen puerto y
informal en Bariloche12 tampoco han provocado los efectos previstos.
En numerosas situaciones que lograron ser
Clichevsky (2003), distingue tres tipos de polí- regularizadas se desarrollaron nuevos procesos
ticas de regularización: 1) aquellas que tienen de informalización asociados a problemas de
por objetivo sanear la situación dominial; 2) sucesión, de subdivisión, de venta y/o alquiler
aquellas que tienen por objetivo sanear la si- en el mercado inmobiliario informal (Ward et
tuación urbano-ambiental y 3) las integrales al., 2011).
que articulan i. y ii. Según esta investigadora, En la década de 1990 la situación de
las experiencias de políticas de regularización la pobreza urbana con respecto al acceso
integral han sido escasas. Generalmente, las al suelo se agrava notablemente. En este
políticas de regularización se implementaron contex to, los procesos de reforma del
de manera desarticulada, siendo mucho más Estado y de reestructuración económica que
extendidas las políticas de tipo i. Ello se debió a caracterizaron a esta década impactaron
que este tipo de intervenciones es menos cos- fuertemente en el funcionamiento del mercado
toso, tiene mayor visibilidad en términos políti- de suelo urbano y generan cambios en las
cos y ha recibido una fuerte promoción de par- políticas de regularización implementadas.
te de algunos organismos internacionales por Desde entonces, el paradigma de políticas
sus supuestos efectos multiplicadores. habitacionales se traslada de las políticas
Las políticas de regularización surgieron de vivienda tradicional, a los lotes con
en la década de 1960 especialmente en aquellos servicio y posteriormente a la legalización
países donde la normativa urbana muy rígida y mejoramiento de barrios. Las políticas de
había generado situaciones de informalidad. regularización dominial han avanzado mucho
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más sobre tierras públicas, que sobre tierras nivel nacional, los pocos intentos de articular
privadas, donde el Estado debe primero una política integral y universal fracasaron
expropiar o ser mediador en una negociación. y se recayó una y otra vez en la sanción
En Argentina la regularización es un de normativa específica para cada caso,
proceso reciente a nivel nacional, aunque segmentando las soluciones y vulnerando
algunos municipios la han implementado el principio de igualdad ante la ley de los
desde hace más de 20 años. La reforma habitantes de las diferentes urbanizaciones
constitucional de 1994 no significó un avance informales. Esta situación expresa, en parte,
en términos de acceso al suelo, a diferencia un cierto consenso del sistema político acerca
de las últimas enmiendas en otros países de de no cuestionar las relaciones de propiedad y
la región, con excepción de algunos derechos el acceso a la tierra y a la vivienda, poniendo
vinculados a las problemáticas de los pueblos a la propiedad privada por encima de los
13
originarios y ambientales. La Constitución derechos sociales, económicos y culturales
de la República Argentina (CA) no establece de las familias de menores ingresos y no
la función social de la propiedad, sino que en reconociendo que existe una pugna entre dos
su artículo 17 establece la inviolabilidad de la derechos legítimos que debe ser procesada por
propiedad privada. No obstante, el artículo 14 instituciones adecuadas.
bis establece el derecho a una vivienda digna En el marco de la reforma del Estado y de
y el artículo 41 establece el derecho a un la aplicación de las medidas de corte neoliberal
ambiente sano. Esta conjunción de derechos, durante la década de 1990, se sancionaron
que muchas veces colisionan en realidad, debe a l g u n a s n o r m a t i va s q u e h a b i l i t a r o n
ser resuelta políticamente por las autoridades mecanismos de transferencia y regularización
competentes (tanto el legislativo como el de tierras para el hábitat de sectores populares:
ejecutivo) o en última instancia por el poder ● En 1989, la Ley de Emergencia Económica nº
judicial. El Código Civil regula todo lo atinente 23.697 habilitó la posibilidad de que el Estado
a la propiedad de la tierra y de la vivienda, Nacional transfiera a privados la propiedad
pero lo hace enmarcándose en los principios de tierras fiscales que previamente fueran
constitucionales de la inviolabilidad de la declaradas innecesarias para la gestión.
propiedad. Esto genera grandes obstáculos ● De manera similar, el Decreto 1.001 de
en materia de regularización dominial, 1990, habilitó la transferencia de las tierras
porque en general tiende a primar el derecho fiscales sobre las que se asentaban las villas
de propiedad irrestricto, por sobre otras de emergencia de la Ciudad de Buenos Aires.
consideraciones, como la función social de El Decreto 2.411 de 1990 extiende este mismo
la propiedad, que permitiría problematizar criterio para todas las villas del Gran Buenos
por qué un terreno apto para urbanizar está Aires.
siendo retenido por su dueño, por poner sólo ● Asimismo, la Ley 23.967 de 1991 transfiere
un ejemplo. tierras en propiedad del Estado Nacional que
En este marco, es notoria la ausencia se hallen ocupadas por viviendas permanentes
de una política de regularización unívoca a y que sean innecesarias para el cumplimiento
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perfil turístico, especialmente aquellas donde pueden ser encuadrados en el marco de dicha
el atractivo se basa en el medio ambiente ley. También emergieron nuevos conflictos
privilegiado, entre otros la fuerte incidencia vinculados a la consolidación y densificación
de la especulación inmobiliaria, la excesiva del barrio.
expansión suburbana resultante y la presencia La situación actual en Virgen Misionera
de un stock importante de propiedades podría caracterizarse como una “tensa calma”,
abandonadas por sus propietarios que fueron dado que la situación en general es de relativa
progresivamente ocupadas. estabilidad y seguridad en la tenencia de los
En este marco, se reconstruyó el proceso terrenos. La relativa abundancia de tierra de
de regularización del barrio popular de origen expansión en la ciudad y el abandono por
informal Virgen Misionera, ubicado a 7,5 parte de los propietarios permitió durante años
kilómetros del centro de la ciudad, sobre la que los procesos de regularización pudieran
ladera del cerro Otto. El poblamiento data avanzar de forma más o menos exitosa. No
de más de 60 años, por lo que los habitantes obstante, en un contexto donde los precios de
están arraigados en el lugar y el barrio está los terrenos se dispararon en los últimos quince
completamente consolidado, pero todavía años y se recrudecieron los conflictos por el
persisten problemas y conflictos vinculados a acceso a la tierra, el artículo reflexionó sobre
la titularidad de las tierras con los propietarios los límites de las estrategias de regularización
originales y emergen conflictos vinculados a la utilizadas en nuestro país que parecen ser
consolidación del barrio. insuficientes como muestra la experiencia
Desde mediados de la década de de Virgen Misionera. Asimismo, se planteó
1980, gracias al trabajo del cura Curulef y la la necesidad de reformular el contenido y el
Fundación Gente Nueva se impulsó un proceso alcance del derecho de propiedad para dar
de regularización progresiva, pero que todavía respuesta definitiva a las problemáticas del
hoy está inconcluso. Recientemente se está acceso y la tenencia segura, poniendo de
implementando la Ley 24.374 en la ciudad y en relieve la función social de la propiedad y las
el barrio, pero existen numerosos casos que no obligaciones de los propietarios.
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Notas
(1) La ciudad de Bariloche es una localidad fuertemente determinada por el sector turís co (Méndez,
2010), independientemente de contar un importante sector de administración pública y un
pujante sector de economía popular. En 2006, más de la mitad (51,3%) de su PBG fue generado
por el sector turístico y actividades conexas (Monasterio 2006), mientras que el “complejo
turís co” representaba en 2005 más del 45% de los empleos totales Abaleron (2007).
(2) Se encontraron numerosos tes monios de folletería espuria en estas subastas masivas, donde se
comercializaban localizaciones que no se correspondían con la ubicación real de los lotes.
(4) Entrevista con Gustavo Gennuso, miembro original del Equipo Pastoral de Tierras, realizada en
febrero de 2013.
(5) Una situación similar se puede encontrar con el Barrio Parque Villa Llanquihue o Don Bosco con la
Junta Vecinal Llao-Llao, por ejemplo.
(6) Al momento de empezar a escribir este ar culo se conoció la no cia del fallecimiento de Curulef,
después de una larga enfermedad.
(7) En el año 1982 se fundó la Escuela Virgen Misionera, en el año 1985 nace el Taller Mugica y
en 1987 se inaugura el Jardín Arco Iris, todo en el barrio. Asimismo, en el año 1989 nace el
Secundario Amuyén. La experiencia educa va lleva a la Fundación a trabajar más tarde en el
Barrio 2 de Abril (34 Hectáreas), donde en 1994 comienza a funcionar el Taller de Capacitación
Angelelli y un año después el Jardín Mundo Nuevo. En el 2000 se crea el secundario para adultos
Jaime de Nevares funcionando en dependencias del Colegio Amuyén y se inaugura también la
Escuela primaria Nuestra señora de la Vida. Finalmente, en 2008 empezó a funcionar la Escuela
Técnica Nehuen Peuman. La Fundación Gente Nueva es una de las organizaciones más grandes
del país en materia de ges ón social educa va.
(9) “Se trata de evangelizar a todo el hombre rionegrino y a todos los hombres rionegrinos. Vale decir
que la acción evangelizadora ha de llegar a la totalidad de cada una de las personas individuales
y a la totalidad del pueblo de nuestra provincia: al corazón de cada hombre y mujer, a la cultura
de nuestro pueblo y a sus estructuras y ambientes sociales.”
“2.2. Tengamos en cuenta, en primer lugar, a los dueños primi vos de nuestro suelo, a la "gente
de la erra", los mapuches, dominados, avasallados, despreciados y oprimidos por el "huinca",
el blanco cris ano. (…). Digamos lo mismo acerca de sus numerosos descendientes que pueblan
los barrios marginados de nuestras ciudades, desarraigados de su terruño y de sus costumbres.
“2.3. Una buena parte de la mano de obra en la Patagonia la cons tuyen desde hace empo
muchos hermanos chilenos, que siguen cruzando la frontera en número considerable,
apremiados por la realidad socio-económico-política del país. Tenemos para con ellos un
especial deber de fraternidad y de hospitalidad”.
“5.3. En consecuencia, la primera instancia en nuestra acción evangelizadora es reconocer
la pobreza-miseria concreta en Río Negro: el hambre y falta de vivienda de muchas familias;
la desocupación y marginación de muchos trabajadores; la opresión en que subsisten los
aborígenes, primeros dueños de esta tierra patagónica; los peones de chacras y campos
desprotegidos socialmente; los trabajadores golondrinas; los migrantes, especialmente chilenos;
los pobladores de barrios periféricos, centros suburbanos y zonas rurales.
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Los pobres no son una abstracción, tienen nombre y apellido y son víctimas de situaciones
y estructuras injustas que debemos superar. Con esos pobres, entonces tendremos que
identificamos para ser la Iglesia de Jesucristo, sin olvidar, por supuesto, a los enfermos y
moribundos, ancianos y presos, que sufren otra forma de pobreza.”
“5.5. En las propuestas de nuestro Sínodo aparece clara y reiteradamente la necesidad de la
presencia de la Iglesia en los barrios más pobres, en las zonas marginadas, la necesidad de
pensar la evangelización no desde el centro sino desde la periferia, la necesidad de estructurar
la Iglesia desde los valores de los pobres, compar endo sus problemas, alegrías y esperanzas,
lejos de paternalismos o beneficencias. Para más de uno de nosotros eso significará morir a
nosotros mismos, a nuestros esquemas "clasistas", para elevarnos a la dignidad humana de hijos
de Dios y capacitarnos, en todos los órdenes de la vida, como miembros ac vos de la Iglesia.”
“5.10. "Desde los pobres a todos" no es simplemente una estrategia pastoral. Es la dirección
existencial tomada por Jesucristo en su peregrinaje histórico. Para nosotros, es la única forma
en que podemos captar el plan de Dios y ser fieles a él. Puestos en oración sincera ante
Dios, personal y comunitariamente, decidiremos qué tenemos que hacer como individuos
o instituciones, en orden a una vida cristiana auténtica, con relación al uso o renuncia de
bienes materiales, y con relación a compromisos polí cos o búsqueda de alterna vas sociales
realmente evangélicas.
"Desde los pobres a todos" no es nada más ni nada menos que el camino para lograrnos como
Iglesia pobre, desprovista de medios de poder humano contando en forma ilimitada con la
fuerza de Jesús Resucitado; lugar de comunión visible, mediante verdadera par cipación de
bienes y personas; camino de gozo y esperanza de un mundo rionegrino más justo y fraterno,
para gloria de Dios bendito.”
“6.1. No hay vida cristiana sin comunidad. Sólo en comunidad podemos escuchar, acoger
y anunciar a Jesucristo. Ella nos permite lograr concretamente la comunión eclesial y
cons tuirnos así en un signo posi vo de que han germinado en el corazón humano los valores
del Reino: del Reino que Jesús anuncia luchando contra la opresión, la injus cia, la marginación
y discriminación de cualquier tipo, como testimonio de una real "comunión" con Dios y los
hombres.”
(9) La Junta Vecinal se encuentra recaudando fondos mensualmente para la realización de este
proyecto, para lo cual se hizo un presentación para pedir financiamiento a un organismo de
nivel nacional.
(10) Entrevista con integrante original del grupo pastoral de Curulef y miembro fundador de la
Fundación Gente Nueva, realizada en octubre de 2014.
(11) Estos datos surgen de la sistematización que se hizo de los archivos y documentos del EPT
en el marco de un proyecto de extensión co-financiado por la SPU y la UNRN, que dirige el
autor, tulado “Alterna vas de resolución de conflicto vinculado al hábitat: asocia vismo y
regularización”.
(14) Este número sale de es maciones informales, no hay datos oficiales, por parte de funcionarios
del Instituto Municipal de Tierras y Viviendas para el Hábitat Social en el año 2012, cuando
parecía inminente la puesta en marcha de la operatoria.
(15) En 2006 se había producido la toma masiva de más de 2.000 lotes que dio origen al actual barrio
de Nahuel Hue, en la zona denominada Pampa de Huenuleo.
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(17) Coherentes con su visión sobre el accionar de la anterior conducción de la Junta Vecinal Virgen
Misionera, algunos miembros del EPT achacan a los ex integrante de la comisión, el haberse
contactado con dueño an guos en virtud del inicio de la implementación de la operatoria de
regularización.
(18) Esta numeración se corresponde con el viejo Código Civil, que fue reemplazado recientemente,
pero con posterioridad a la elaboración de este ar culo, por un nuevo Código Civil y Comercial,
sin mayores novedades rela vas a los derechos reales. Pese al reclamo de diversos sectores, no
se incorporó al nuevo código la reglamentación de la función social de la propiedad incorporada
por tratados internacionales como el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y
Culturales. De esta manera, el vacío legal sobre cuáles son los alcances del derecho de propiedad
habrá de mantenerse en el empo, alentando la interpretación hegemónica sobre el alcance
ilimitada de este derecho y generando una innecesaria conflic vidad social en aras de mantener
una ficción jurídica inconducente.
(19) En estos días se está por sancionar en el Congreso de la Nación una nueva versión unificada
de los Códigos Civil y Comercial. Si bien exis eron numeroso pronunciamientos por parte de
organizaciones e ins tuciones por la incorporación explícita de la función social de la propiedad,
entre otras cuestiones relevantes relativas al hábitat, el pedido no encontró eco en los
legisladores.
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Resumo Abstract
O artigo trata do enfrentamento cotidiano no The article deals with the daily struggle for access to
acesso ao direito à moradia e à cidade. Como pa- the right to housing and the city. Aligned with the
no de fundo do debate teórico, têm-se as ocupa- theoretical debate, we have the urban occupations
ções urbanas em contraponto aos empreendimen- in contrast with the Minha Casa Minha Vida
tos do Programa Minha Casa Minha Vida em Belo Program in the city of Belo Horizonte (Southeastern
Horizonte, diante de uma crise urbana agravada Brazil), within an urban crisis aggravated by: (1) the
pela: (1) intensificação do padrão periférico das intensification of the peripheral pattern of cities;
cidades; (2) vinculação do capital imobiliário ao (2) the fact that the real estate capital is linked to
capital financeiro; (3) imobilidade política em se the financial capital; (3) the political immobility in
realizar a reforma urbana; (4) imposição da pro- carrying out the urban reform; (4) the imposition
priedade privada condominial; (5) ineficiência do of the private condominium property; (5) the
judiciário; (6) associação Estado-capital; (7) dis- inefficiency of the judiciary; (6) the State-capital
cursos estrategicamente construídos, em nada association; (7) strategically built discourses, which
propositivos. O objetivo é entrelaçar dimensões are not propositional. The goal is to intertwine
teóricas (Jacques Rancière, Aristóteles, Marx e theoretical dimensions (Jacques Rancière, Aristotle,
Chantal Mouffe) vinculadas às possibilidades de Marx and Chantal Mouffe) with the possibilities of
redistribuição dos processos de tomada de deci- redistribution of decision-making processes around
são em torno da cidade. the city.
Palavras-chave: ocupações urbanas; moradia; po- Keywords: urban occupations; housing; housing
líticas habitacionais; direito à moradia; Minha Casa policies; right to housing; Minha Casa Minha Vida
Minha Vida. Program.
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● na região Nordeste: 1.470 unidades no Jar- quanto em termos relativos no ano subsequen-
dim Vitória II (Bairro Jardim Vitória); 410 uni- te. Essa elevação pode ser atribuída ao aumen-
dades no Conjunto Habitacional Parque Real to no componente ônus excessivo com aluguel;
(Bairro Conjunto Paulo VI); 2) na produção estimada de unidades PMCMV/
● na região do Barreiro: 80 unidades no Resi- FAR para 2016, incluem-se cerca de 11.000
dencial Parque dos Diamantes (Bairro Diaman- unidades da região Granja Werneck (região
te); 150 unidades nos Residenciais Coqueiros I Norte), área-objeto tanto da Operação Urbana
e II (Bairro Tirol) Consorciada Izidoro (Ouci) quanto das ocupa-
● na região Norte: 135 unidades no Residen- ções urbanas Rosa Leão, Vitória e Esperança
cial Jaqueline (Bairro Jaqueline); com aproximadamente 4.000 famílias, em
● na região Leste: 240 unidades no Residen- atual processo de reintegração de posse, mas
cial Orgulho de Minas II (Bairro Vera Cruz); 220 com despejo suspenso pelo Superior Tribunal
unidades no Residencial Amazonas (Bairro Ve- de Justiça de Minas Gerais, ocupações essas
ra Cruz); detalhadas mais à frente.
e, estão em execução mais 1.974 unidades: Os mecanismos que permitem fazer “ro-
● na região Nordeste: 780 unidades no Con- dar” o PMCMV em Belo Horizonte induzem o
junto Habitacional Parque Real – Residenciais processo de planejamento da habitação social
Água Marinha e Granada (Bairro Conjunto voltado única e exclusivamente para a produ-
Paulo VI) ção quantitativa de unidades, em um processo
● na região do Barreiro: 580 unidades nos alienado da análise macro de dinâmica socio-
Residenciais Serras de Minas I e II (Bairro Ja- territorial própria de uma região metropolitana
tobá), 300 unidades no Residencial Pinheiros e da realidade social, física e política do municí-
(Bairro Diamante), 76 no Residencial Parque do pio. À cidade, são impostas políticas de produ-
Jatobá (Bairro Vale do Jatobá) ção massificada de condomínios privados sem
● na região Norte: 58 unidades no Residen- urbanidade e de higienização de territórios já
cial Colibris (Bairro V. Tabelião Ferraz) ocupados. Em razão dessa ineficiência da ges-
● na região Leste: 180 unidades no Residen- tão pública e da intensificação da carestia da
cial Manaus (Bairro Vera Cruz) vida urbana na RMBH, os movimentos sociais
Segundo a Urbel (2015), o PMCMV/FAR passam a se orientar pela maior efetivação e
apresenta potencial para construção, até 2016, legitimação das ocupações urbanas, objetivan-
de 23.973 unidades (incluindo-se as unidades do promover alternativa à provisão habitacio-
em execução), o que representaria cerca de nal para os pobres.8
34% do déficit habitacional de Belo Horizonte Dessa forma, o dissenso diante da luta
apontado pela FJP (2013). Destacamos, porém, sociopolítica pela moradia enfrentada pelos
duas questões: 1) das nove regiões metropoli- pobres na cidade e das premissas quantita-
tanas pesquisadas pela FJP (2014), cinco delas, tivas do PMCMV amplia-se: a posse da terra
Fortaleza, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São urbana por meio do parcelamento horizontal
Paulo e Curitiba, apresentaram aumento no de lotes individualizados junto com a casa
déficit habitacional tanto em termos absolutos autoconstruída passam a compor o único e o
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imediato caminho a ser percorrido. Vale des- fundamentais”, ressalta Leonardo Péricles
tacar que, em Belo Horizonte, as ocupações (Morado Nascimento, 2015, pp. 107-108).
urbanas de prédios vazios são vistas com
grandes reservas, geralmente entendidas pe-
los moradores como negação do seu modo
de viver, mas também impeditivas da posse
Pensamento prático,
individualizada do terreno. “Contradições
comunidade e comum
existem, essa aparente liberdade de construir,
de conquistar o lote e agora ‘construir minha No atual cenário de crise política, econômica
casinha’ tem muito de positivo, mas por ser e urbana, embebida pela produção de mo-
mais uma das ‘liberdades’ dentro de um siste- delos habitacionais favoráveis à associação
ma altamente desigual, isso [o individualismo] Estado-Capital, como agir? O que fazer diante
acaba sendo aparente em muitos casos”, in- das tragédias urbanas cotidianamente vividas
forma Leonardo Péricles (Morado Nascimento, pelos pobres nas grandes cidades? Que pos-
2015, pp. 107-108). Tal contradição – o caráter sibilidades os movimentos sociais agregam
individualista da autoconstrução – é parte de quando inseridos em uma rede de atores dis-
outro conflito interno; as disputas políticas tintos como, por exemplo, grupos de pesquisa
entre movimentos sociais, nem sempre re- das universidades?
lacionadas ao enfrentamento cotidiano com Em seu livro Metafísica, Aristóteles des-
o poder público. A autoconstrução de casas, velou a experiência do pensamento racional
essencialmente pela alvenaria de tijolos cerâ- em três dimensões: 1) a teorética, que trata
micos, “não é vista como uma ação política de explicar a realidade, a natureza e o mundo;
de formação dentro do contexto da ocupação o que é próprio da ciência e da filosofia; 2) a
urbana”, lembra Tiago Castelo Branco, mas é poiética, que trata de fazer, de confeccionar
símbolo de solidez imediatamente incentivada algo novo, belo ou útil, que é próprio da arte
e fomentada pelos movimentos sociais para e da técnica; e 3) a prática, que trata de agir
dificultar um eventual despejo (Morado Nas- para transformar uma realidade insatisfatória,
cimento, 2015, p. 112).9 próprio da ética e da política (Wolff, 2010).
Para além dos conflitos internos, as Acatando o que disse Aristóteles, exer-
ocupações urbanas naturalmente são afetadas cer o pensamento prático faz-se necessário pa-
também pelos conflitos da cidade: a violência ra agir sobre as coisas e interferir na realidade.
doméstica e a presença do tráfico. Contudo, “o Calçado pelos pensamentos ético e político,
resultado das ocupações e das forças sociais a prática completa-se por dois pensamentos:
que elas conseguem atrair para a disputa vai “de um lado, uma razão para agir: é o pensa-
muito além da conquista da casa; impõe na mento que diz que o mundo vai mal. Do outro,
sociedade, ou ao menos em uma parte dela, uma finalidade para a ação: é o pensamen-
a discussão de um modelo excludente, es- to que sabe o que é preciso fazer para que o
cancara a falta de compromisso do Poder Pú- mundo vá bem” (Wolff, 2010, p. 47). A trans-
blico com a vida e com os direitos humanos formação da realidade, assim, está assentada
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nas possibilidades de escolhas e de decisões razão da língua, história, mitos, crenças e sím-
livres da dominação tecnológica e científica bolos. Nesse sentido, Gemeinwesen reafirma-se
(no sentido da ciência) e da ordem política (no pelo aspecto essencialmente político alinhado
sentido do Estado). Se assim é, o homem não à ideia de autonomia que implica autodetermi-
se apropria do mundo, mas age no mundo e o nação e autogoverno.
ponto de partida da experiência do pensamen- Pogrebinschi (2009), contudo, explicita
to prático, então, é o dissenso diante do que que o termo Gemeinwesen tem sido usado co-
há no mundo. mo aproximação do termo commonwealth, mas
Marx (apud Pogrebinschi, 2009, p. 198) não pode corresponder ao termo commune.10
também vincula o político à experiência huma- A comunidade é identificada à Gemeinwesen
na: “só o sentimento próprio dos homens, sua no sentido de fazer oposição ao Estado e subs-
liberdade, pode fazer a sociedade novamente tituí-lo. Esse sentido político de Gemeinwesen
um dia se tornar uma comunidade em que os sustenta o conceito de comunidade como as-
homens possam realizar seus objetivos mais sociação do ser coletivo e do ser individual, do
elevados, uma pólis democrática”. Falar em todo e das partes, abrangendo “não apenas
liberdade ou liberdade na comunidade, assim indivíduos singular e empiricamente existen-
proposto por Marx, significa entender a comu- tes, mas a natureza humana como um todo”
nidade como associação dinâmica e constan- (Pogrebinschi, 2009, p. 194).
te de indivíduos independentes em torno de No capitalismo contemporâneo, o dis-
propósitos comuns (Assoziation), e não como senso sobre a cidade aflora a incapacidade
união estável ou isolada (verein). Interessa- de se manter o indivíduo como membro da
-nos, aqui, os conceitos de comunidade e de comunidade na medida em que os indivíduos
comum vindos de Marx como referências para se encontram separados de sua essência po-
experiência do pensamento prático nas ocupa- lítica (viver em um espaço organizado como
ções urbanas, explicitado mais à frente. Utiliza- Gemeinwesen) e social (ser constituídos como
remos as análises históricas sobre o trabalho Gemeinwesen). O conceito de comunidade em
de Marx realizadas por Pogrebinschi (2009). Marx permite emergir a “tensão que desde ali
Segundo a autora, Marx usa o vocábu- já se estabelece entre aquilo que consiste su-
lo francês commune para referir-se às comu- postamente na esfera das relações econômicas,
nidades arcaicas ( Gemeinschaft ) e o termo a sociedade civil, e o campo das relações políti-
Gemeinwesen para referir-se às comunida- cas, o Estado” (Pogrebinschi, 2009, p. 196).
des germânicas. Enquanto Marx usa o termo Em outras palavras, entendemos que a
Gemeinwesen como uma forma de organiza- separação histórica do indivíduo como membro
ção política que se apresenta alternativamente da comunidade, assim colocado por Marx, tem
a quaisquer formas particulares que o Estado reduzido nossa experiência do pensamento
porventura assuma, Gemeinschaft apresenta- prático, essencialmente na dimensão do pen-
-se mais como conceito sociológico na medida samento político. Contudo, voltando à Rancière
em que se refere a um agrupamento de pessoas (1996b, p. 371), entendemos que o retorno à
compartilhando um sentimento comum em comunidade ou ao mundo tornado comum se
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faz a partir da identificação primeira de um to- moradores, e à vinculação com distintos mo-
do pelo dissenso, não antagônico, mas como vimentos sociais, grupos das universidades e
“um desvio extraordinário, um acaso ou uma ativistas, apresentam características similares
violência em relação ao curso ordinário das coi- quanto ao processo de ocupação, ao padrão
sas, ao jogo normal da dominação”. construtivo e à realidade jurídica.
Entendemos que as ocupações urbanas No cenário de agravamento do acesso à
não são problemas (como uma doença da cida- cidade e à moradia descrito, surge, em fevereiro
de) que podem ser observados pelos seus sinto- de 2008, a primeira ocupação organizada pelo
mas (diagnóstico de conflitos), em que valores Fórum de Moradia do Barreiro, em um terreno
exclusivamente técnico-científico-políticos (da vazio no Barreiro, em Belo Horizonte. Em razão
arquitetura, do planejamento urbano, da ciên- da criação do Distrito Industrial do Vale do Jato-
cia ou do Estado) determinem soluções (por bá no Barreiro, nos anos 1980, vários terrenos
meio de tratamentos ou da eliminação do pro- destinados pelo planejamento urbano munici-
blema). Na esteira do pensamento de Rancière, pal para a construção de fábricas e indústrias
Marx e Aristóteles (a comunidade política, o permanecem ainda vazios.11 Alguns desses ter-
sentido político de Gemeinwesen e o agir po- renos foram repassados do poder público pa-
lítico) acatamos a proposta de Mouffe (2006): ra o setor privado por preços irrisórios, com a
a dimensão do político deve estar conectada obrigação contratual de se construir indústrias
às possibilidades das práticas e dos discursos e de se gerar empregos. Entretanto, inúmeros
(formas de participação) de adversários. O con- terrenos não cumpriram sua vocação original e
flito deve ser entendido não como uma forma transformaram-se em áreas abandonadas. Essa
de protesto ou de provocação, mas como uma primeira ocupação autodenominou-se Camilo
prática micropolítica através da qual os envol- Torres e constituiu-se da apropriação por cerca
vidos tornam-se agentes ativos no campo de de 140 famílias.
forças e de interesses (Mouffe, 2008). Péricles Em abril de 2009, surge a Ocupação
(Morado Nascimento, 2015, p. 108) amplia esse Dandara, no bairro Céu Azul, em terreno de
entendimento: “nossa aliança com os setores 40 hectares, originando 887 lotes de 128 m²,
progressistas da arquitetura, do direito e de organizada pelas Brigadas Populares. Essa
outras áreas do conhecimento, contribui pa- ocupa ção representa importante marco so-
ra potencializar ainda mais essa inserção das ciopolítico na cidade uma vez que contou
ocupações na arena política”. com aporte técnico de arquitetos voluntários,
trabalhando junto com os moradores na ela-
boração de um plano urbanístico interno. A
As ocupações urbanas no partir desse momento, as ocupações urbanas
Barreiro, Belo Horizonte associam-se a outros atores, em especial a
grupos de universidades como, por exemplo,
Apesar de as ocupações urbanas se distingui- Praxis (EA/UFMG), Serviço de Assistência
rem quanto ao número de famílias, ao local de Judiciária (PUC/Minas), Escritório de Integra-
inserção, à organização e à mobilização dos ção (PUC/Minas) e Polos Cidadania (Direito/
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 145-164, abr 2016 155
UFMG). Trataremos, mais à frente, da parceria dos conflitos ampliados e, por consequência,
12
do MLB/MG com o Praxis. da associação política de distintos atores so-
Um ano depois, em fevereiro de 2010, a ciais, conformando o movimento Resiste Izi-
Camilo Torres se expande sobre terreno contí- dora, a Cohab (2015) constituiu uma mesa
guo e também abandonado, autodenominan- de negociação em torno das quatro ações de
do-se Irmã Dorothy, com cerca de 135 famílias. reintegração de posse dessas áreas propos-
Na mesma região do Barreiro, a duas quadras tas pela PBH. A proposta acordada diz que a
dessas duas ocupações, surge a Eliana Silva, primeira etapa da fase 1 da Ouci prevê a de-
em 2012, com 300 famílias mobilizadas pelo socupação da Ocupação Vitória e o remaneja-
2 13
MLB/MG e organizadas por lotes de 63 m . A mento de seus ocupantes atuais para a área da
ocupação também teve seu projeto urbanísti- segunda etapa – Ocupação Esperança –, para
co elaborado por arquitetos voluntários. Mais que sejam edificadas no local 6.528 unidades
à frente, apresentaremos as práticas mediadas habitacionais por meio do PMCMV/FAR, dis-
especificamente entre moradores da Ocupação tribuídas em edifícios de oito pavimentos com
Eliana Silva e o grupo Praxis que se dão pelo elevadores e apartamentos de 2 e 3 quartos.
compartilhamento de informações para a pro- Na segunda etapa, serão construídas, na área
dução dos espaços coletivos e da moradia. da Ocupação Esperança, 2.388 unidades, totali-
A partir de 2013, ocorre um processo de zando 8.896 residências. A fase 2 da Ouci prevê
desencadeamento dessa provisão habitacional, a construção de mais 2.036 unidades por meio
a reboque do êxito das ocupações Dandara, do PMCMV/FAR.
Camilo Torres, Irmã Dorothy e Eliana Silva. Em Durante o Carnaval de 2014, dezenas
maio, antecedendo as manifestações de ju- de famílias ocuparam outro terreno abando-
nho de 2013, surge espontaneamente, sem a nado no Barreiro; a Ocupação Nelson Mande-
vinculação inicial a qualquer movimento social la surge sem organização prévia por parte de
organizado, a Ocupação Rosa Leão, na região algum movimento social, mas, posteriormente,
Norte de Belo Horizonte; em junho, ao lado da adquire apoio do MLB/MG, seguindo os mes-
Rosa Leão, surge a Ocupação Esperança e, em mos rumos políticos e urbanísticos das outras
julho, a Ocupação Vitória. Milhares de famílias ocupações. Hoje conta com 300 famílias auto-
começam a autoconstruir suas casas nessa construindo suas casas em alvenaria.
região urbana vazia, conhecida como Granja No início de 2015, surge a Ocupação
Werneck ou Izidora, com cerca de 3,5 milhões Paulo Freire, organizada pelo MLB/MG, hoje
de m2 e investimentos imobiliários projetados com 140 famílias (ainda não referenciada pelo
de 15 bilhões de reais, vinculados à Operação Google Earth). Temos nessas cinco ocupações
14
Urbana Consorciada Izidoro (Ouci). Em razão do Barreiro cerca de 1.015 famílias.
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Eliana Silva é casa que se transforma ao longo Por um lado, a comunicação entre todos
do tempo em razão das diversas necessidades funciona como a ponte entre todas as partes.
habitacionais (tamanho e uso dos espaços) de Por outro lado, acatando a proposta agonísti-
grupos distintos (diferenças culturais, econômi- ca de Mouffe (2008), o conflito gira em torno
cas e sociais bem como número de moradores), da moradia e da cidade que moradores e pes-
inserida na malha urbana que permite a fuga quisadores querem construir e que o Estado
do aluguel majorado pela dinâmica imobiliária quer remover.
metropolitana e da “fila” dos programas muni- Nesse sentido, o agir cotidiano comum,
cipais de habitação. É importante dizer que, ain- que tem o conflito como seu gerador (seja pe-
da que as dificuldades de acesso à moradia fo- la presença dos moradores e pesquisadores,
mentem o conflito e a disputa pela cidade, am- seja pela ausência do Estado), resgata a expe-
pliando e fortalecendo as ocupações urbanas, o riência do pensamento prático na medida em
sonho da casa própria está igualmente presente que se insere em uma comunidade política.
no imaginário dos moradores das ocupações ur- Considerando que a comunicação efetiva só é
banas, muitos deles desejando ser proprietários possível se, e somente se, as experiências e as
de apartamentos do PMCMV. vivências são livremente expressas (a liberda-
Desde outubro de 2012, pesquisadores do de de criação), o processo produtivo baseado
Praxis, coordenadores do MLB/MG e moradores na informação compartilhada permite a elabo-
da Ocupação Eliana Silva juntos desenvolvem ração de uma outra lógica da prática – o agir
atividades fundamentadas pelo compartilha- não se faz pela reunião de um grupo nem pelo
mento de informações e pelo processo coletivo indivíduo, mas a partir da informação que faz
de tomada de decisão, nomeado Diálogos, entre sentido a cada um na busca e na criação pela
todos os envolvidos nos processos produtivos identificação primeira do todo – a comunida-
dos espaços comuns e das moradias.16 de política.
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Agradecimentos
Fapemig, CNPq, Capes, ProEx/UFMG.
Notas
(1) Leonardo Péricles é coordenador do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB/MG) e
morador da Ocupação Eliana Silva; em post no Facebook, 7 de agosto de 2015.
(5) O FAR (Fundo de Arrendamento Residencial) recebe recursos transferidos do Orçamento Geral
da União (OGU) para viabilizar a construção de unidades habitacionais. Novas regras do PMCMV
foram anunciadas em 15/9/2015, devendo ainda ser oficialmente homologadas. O valor limite
da renda do PMCMV/FAR Faixa 1 deve ser alterado dos atuais R$1.600,00 para R$1.800,00. Para
famílias que recebem até R$800,00, a parcela será de R$80,00. Já quem recebe entre R$800,00
e R$1.200,00 pagará 10% da renda. Famílias com renda entre R$1.200,00 a R$1.600,00 terão
percentual de 15%; e para renda entre R$1.600,00 a R$1.800,00, será de 20%.
(6) Argumentos presentes nessa seção referem-se ao Relatório Final da pesquisa “Programa Minha
Casa Minha Vida: estudos avaliativos na Região Metropolitana de Belo Horizonte”, Edital
MTCI/CNPq/MCidades n. 11/2012, coordenado pela Profa. Dra. Denise Morado Nascimento.
Disponível em: h p://www.arq.ufmg.br/praxis/7_MCMV/index.html.
(7) Rede Cidade e Moradia: Adauto Lucio Cardoso – Ippur-UFRJ (Observatório das Metrópoles); Cibele
Saliba Rizek – IAU-USP (Leauc) e Peabiru; Denise Morado Nascimento – EA-UFMG (Praxis); José
Júlio Ferreira Lima – FAU-UFPA (Labcam); Lúcia Zanin Shimbo – IAU-USP (Habis); Luciana da Silva
Andrade – Prourb-UFRJ (CiHabE); Maria Dulce P. Bentes Sobrinha – DARQ-UFRN (Labhabitat);
Margareth Uemura – Ins tuto Pólis-SP; Raquel Rolnik – FAU-USP (LabCidade); Renato Pequeno
– DAU-UFC (Lehab); Rosangela Dias Oliveira da Paz – PUC-SP (Nmos/Cedepe).
(8) Em Belo Horizonte, as ocupações urbanas estão vinculadas principalmente ao Movimento de Luta
nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB/MG), Brigadas Populares, Comissão Pastoral da Terra; mas
também Fórum de Moradia do Barreiro e Movimento de Luta Pela Moradia (MLPM). Além disso,
as ocupações urbanas inserem-se em uma rede de atores dis ntos, desde a vistas até grupos
de pesquisa de universidades.
162 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 145-164, abr 2016
(9) Tiago Castelo Branco Lourenço é diretor dos Arquitetos Sem Fronteiras.
(10) No manuscrito original de CríƟca da Filosofia do Direito de Hegel, Marx usou a palavra Kommune,
vindo depois a rasurá-la e subs tuí-la por Gemeinwesen (Pogrebinschi, 2009, p. 195).
(11) À época, a grande maioria dos terrenos pertencia à Companhia de Distritos Industriais (CDI),
atual Companhia de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais (Codemig).
(12) O grupo de pesquisa Praxis (Prá cas sociais no espaço urbano) está sediado pelo Departamento
de Projetos e pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (NPGAU) da
Escola de Arquitetura da UFMG, coordenado pela Profa. Dra. Denise Morado Nascimento. Mais
informações: h p://www.arq.ufmg.br/praxis. Iniciamos parceria com a Ocupação Irmã Dorothy,
em 2009, e com a Ocupação Eliana Silva em outubro de 2012.
(13) A primeira Ocupação Eliana Silva se iniciou na madrugada do dia 21/4/2012, quando cerca de
200 famílias, organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), ocuparam
um terreno público na região do Barreiro, em Belo Horizonte. As famílias permaneceram no
terreno em barracos de lona por pouco menos de um mês. Nos dias 11 e 12 de maio, as então
300 famílias moradoras da ocupação foram removidas do terreno pela Polícia Militar. No dia 22
de agosto de 2012, com o apoio do MLB, as famílias que se man veram organizadas realizaram
uma nova ocupação, também em um terreno vazio, localizado a aproximadamente 1km do local
inicialmente ocupado.
(14) Segundo informação da Profa. Margarete [Leta] Silva, pesquisadora do Praxis, nos mapas de
Belo Horizonte, até pelos menos 1937, o ribeirão que deu nome à área conhecida como Granja
Werneck está grafado como Ribeirão da Izidora. Assim como o Ribeirão da Onça, ambos foram
masculinizados nos mapas seguintes. Há informações de que Izidora teria sido uma escrava (ou
uma mulher escravizada) alforriada que ali cons tuiu sua descendência. É possível que o nome
venha dela – Izidora da Costa. Assim, os movimentos sociais referem-se à região como Izidora e
a PBH como Izidoro.
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164 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 145-164, abr 2016
Danielle Klintowitz
Resumo
No período de gestão do Partido dos Trabalhado- Abstract
res (PT) no governo federal, configurou-se uma Since the Labor Party has been governing Brazil,
dupla agenda para a política habitacional: a pri- there has been a double agenda for the housing
meira ligada à plataforma de reforma urbana, com policy: the first one is linked to the urban reform
previsão de descentralização e gestão participati- platform, with a forecast of decentralization
va, e a segunda consubstanciada na premissa de and participatory management, and the second
reestruturação do setor imobiliário, estruturada is embodied in the premise of restructuring of
em uma política exclusiva de provisão habita- the real estate sector, structured in an exclusive
cional com promoção privada e financiamento housing policy with private promotion and public
público. Esse modelo de governança garantiu a funding. This governance model has ensured
distribuição de benefícios a ambas coalizões que the distribution of benefits to both coalitions
representavam essas agendas, além de ter legiti- representing these agendas, and has legitimized
mado a política habitacional na agenda pública. the housing policy within the public agenda.
No presente trabalho, analisou-se a trajetória do In this paper, we analyze the trajectory of the
principal programa habitacional desenvolvido na main housing program developed in this period
época (MCMV), discutindo suas implicações para (MCMV), discussing its implications to the right
o direito à moradia e o papel dos atores do setor to housing and the role of actors in the housing
habitacional neste contexto. sector within this context.
Palavras-chave: política habitacional; reforma ur- Keywords: housing policy; urban reform; real
bana; mercado imobiliário; Programa Minha Casa estate market; Minha Casa Minha Vida Program;
Minha Vida; coordenação de interesses. coordination of interests.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016
hƩp://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3508
166 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016 167
168 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016
* As faixas de renda do Programa MCMV não são as mesmas faixas estabelecidas pela metodologia da Fundação João Pinhei-
ro (FJP) para coleta dos dados. Enquanto o MCMV trabalha com a faixa 2 para famílias com rendimento entre 3 e 6 SM, a FJP
faz o cálculo do déficit para famílias com rendimento entre 3 e 5 SM. Optou-se por estabelecer esta relação como proxy, já
que estas são as únicas informações disponíveis. No entanto, as análises precisam considerar esta pequena distorção.
** com base no déficit habitacional 2000 (FJP, 2004).
***com base no déficit habitacional 2010 (FJP, 2013).
Fonte: Elaboração própria. FJP (2004 e 2013) e CEF (2013).
de lucro possível em seus projetos. Nesse con- voltado para as empresas que acessam direta-
texto, apesar do histórico patamar de recursos mente os recursos do FAR ou do FGTS,4 moda-
orçamentários destinados a subsídios para lidades com protagonismo do mercado privado
atender a população de mais baixa renda no (Brasil, 2014).
MCMV, os empreendimentos para essa faixa de Nestas modalidades do MCMV destina-
renda são fortemente marcados por uma lógica das a empresas (FAR – faixa 1, FGTS – faixa
de produção do mercado imobiliário privado, o 2 e FGTS – faixa 3), o fluxo de contratação e
que nem sempre dialoga com as necessidades produção desenhado garantem o protagonis-
relacionadas ao direto à moradia. mo direto das empreendedoras. A operaciona-
Apesar de existirem outras modalidades, lização se dá mediante o repasse de recursos
como o Programa Nacional de Habitação Ru- do governo federal para construtoras, que, por
ral (PNHR), Minha Casa Minha Vida Entidades sua vez, constroem os empreendimentos habi-
(MCMV-E), o Sub-50, destinado a municípios tacionais. Mesmo na modalidade faixa 1, que
com menos de 50 mil habitantes e uma mo- conta com expressivos subsídios, a produção se
dalidade para urbanização, analisando-se os dá por oferta privada ao poder público, isto é, a
montantes alocados nos diferentes fundos e as construtora define a cidade onde pretende fa-
unidades contratadas, observa-se que o núcleo zer o empreendimento, o terreno, o projeto e o
central do MCMV, desde o início, foi aquele número de unidades; aprova junto aos órgãos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016 169
modalidades
empresas – 88%
outras
modalidades–12%
Fonte: Brasil, Balanço PAC 2 – 4 anos de execução. Fonte: Brasil, Balanço PAC 2 – 4 anos de execução.
Dez 2014. Dez 2014.
competentes e vende integralmente o que pro- Um dos impactos mais imediatos so-
duzir para a CEF, sem gastos de incorporação bre os programas desenvolvidos no âmbito
imobiliária e comercialização e sem riscos de do Fundo Nacional de Habitação de Interes-
inadimplência dos compradores. se Social (FNHIS) diz respeito à eliminação
dos repas ses de recursos para as ações de
provisão habitacional para municípios e coo-
A implementação do MCMV, perativas habitacionais, o que implicou a re-
o enfraquecimento do SNHIS alização inte gral da provisão habitacional
nos termos das modalidades previstas pelo
e a desarticulação aos processos MCMV, e o FNHIS não pôde mais ter progra-
de planejamento urbano mas alternativos para essa modalidade. Vale
e habitacional destacar ainda que, a partir de 2010, priori-
zou-se a alocação de recursos desse fundo
Com esse desenho adotado para o programa, em obras complementares a projetos em an-
fortemente ancorado na promoção das ha- damento financiados com recursos do PAC,
bitações pelo setor privado, o MCMV entrou que inclui o MCMV, o que mostra um caráter
em choque com os princípios do SNHIS que subsidiário do FNHIS nas decisões de política
era pautado pelo papel estratégico do setor habitacional (Cardoso, Aragão, Araújo, 2011;
público e pela descentralização federativa, ig- Relatório de Gestão do Conselho Gestor do
norando em larga medida premissas e deba- FNHIS, 2013).
tes acumulados em torno do Plano Nacional Outra importante implicação para o
de Habitação de Interesse Social (PlanHab) FNHIS foi o esvaziamento de recursos desse
(Krause, Balbim e Lima Neto, 2013; Cardoso, fundo. Entre os anos de 2003 e 2010, rever-
Aragão e Araujo, 2011). tendo definitivamente a estagnação presente
170 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016
Fonte: Elaboração própria. SIGA Brasil - Acompanhamento da execução orçamentária da União, entre 2006 e 2014.
no setor habitacional desde a extinção do BNH que não integram o modelo desenhado para
em 1986, o investimento federal, incluindo os o funcionamento do SNHIS. É importante res-
investimentos com recursos onerosos do SBPE saltar, também, que os recursos destinados ao
e do FGTS, saltou de R$7,9 bilhões, em 2003, FNHIS não só são menores em termos absolu-
para R$101,5 bilhões em 2010 (Brasil, 2014). tos em relação aos outros fundings nesse pe-
No PPA de 2012 a 2015, dos 26% dos recursos ríodo, como percentualmente sua participação
do Orçamento Geral da União (OGU) alocados nos recursos destinados à habitação perde
para infraestrutura, 32,6% foram destinados importância, chegando a menos de 1% dos
à habitação, o que equivale ao montante de recursos totais orçamentários no final do pe-
R$389,7 bilhões dedicados ao setor em quatro ríodo estudado.
anos de planejamento orçamentário. Entretan- Com quase a integralidade dos recursos,
to, quando se observam os dados referentes à desenhou-se um programa – o MCMV – que
alocação de recursos, percebe-se claramente acabou se transformando de maneira hege-
que o FNHIS foi desprivilegiado, apresentando mônica no eixo central da política habitacional
um significativo declínio a partir 2010, quando no Brasil, fixando sua atuação apenas na pro-
se iniciam as contratações do MCMV. dução de novas moradias, atendendo plena-
Os recursos crescentes para o setor habi- mente aos interesses do mercado imobiliário e
tacional são alocados em outros fundings a fim da construção civil, mas relegando ao esqueci-
de financiar programas habitacionais – PAC mento outras modalidades de enfrentamento
Favelas e Minha Casa Minha Vida (MCMV) – às diferentes necessidades habitacionais.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016 171
172 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016 173
Unidades Unidades
contratadas contratadas Desempenho
Recorte Déficit urbano Total unidades
– famílias até – famílias até contratação
territorial – Faixa 1 contratadas
R$1.600 (OGU) R$1.600 (FGTS) sobre déficit
(área urbana) (área urbana)
> 100 mil 826.963 272.363 56.518 328.881 33 40
habitantes
RM de capitais
estaduais (sem a 725.090 179.459 78.268 257.727 26 36
capital)
174 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016
e Furtado (2015), em estudo que busca e sua localização, os autores ainda afirmam
desvendar as correlações entre a produção que a ênfase do MCMV1 e 2 foi de produção
dos empreendimentos do MCMV na faixa 1 e de casas, e o quesito de localização e inserção
o déficit habitacional, na dimensão intrame- na cidade resultado das forças e interesses co-
tropolitana, revelaram que a maior produção nhecidos e presentes na ordenação típica do
habitacional em municípios nas metrópoles es- urbano e não fez parte da formulação progra-
tudadas se dá nos municípios mais periféricos mática do MCMV.
e com menor participação na atividade econô- A identificação das necessidades habi-
mica metropolitana. Os autores demonstram, tacionais representada exclusivamente pelo
ainda, que a média da distância dos empreen- déficit habitacional, incorporado ao modelo
dimentos ao centro de cada RM aumentou no de política habitacional produzido pelo MCMV,
MCMV2, o que nos permite supor que o efeito traz resultados muito diversos dos sentidos do
de valorização imobiliária, decorrida do próprio “direito à cidade” defendidos pela plataforma
MCMV1, já apresenta impactos para a própria da reforma urbana, como se observa na série
produção dos novos empreendimentos do Pro- de estudos de caso que tem sido realizados a
grama. A partir de seus estudos sobre as corre- respeito da implementação do MCMV nas cida-
lações entre a produção dos empreendimentos des brasileiras.
Fonte: Elaboração própria. Pesquisa Rede Moradia Cidade (2014). Chamada MCTI/CNPq/MCIDADES n° 11/2012.
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A pesquisa realizada pela Rede Moradia duas (Estado e setor empresarial) como nos go-
7
Cidade, 2014, por exemplo, revelou que a loca- vernos anteriores.
lização das novas moradias produzidas no âm- As três pontas, no entanto, não são con-
bito do MCMV tem importantes impactos nos duzidas na busca de uma agenda comum. Para
beneficiários em relação ao acesso a serviços e não contrariar nenhum dos interesses, o gover-
equipamentos públicos. Apesar de no Estado de no opta por uma coordenação de interesses
São Paulo 43% das famílias pesquisadas terem com a constituição de duas agendas paralelas,
vindo de assentamentos precários e 56% de em que cada um dos interesses se vê contem-
áreas de risco, enquanto o acesso aos serviços plado (Klintowitz, 2015). A habitação passa a
básicos de infraestrutura melhorou em relação ter duas agendas paralelas para que convivam
à moradia anterior, as características classifi- no governo em uma estratégia de layering
cadas como de acesso à cidade (acesso ao co- (Mahoney, Thelen, 2010), que institui camadas
mércio, ao trabalho, a equipamentos e serviços incrementais, tanto sobre os aparatos institu-
públicos; policiamento, transporte público, à es- cionais herdados dos governos anteriores como
cola e aos correios) apresentaram significativa em um processo de combinação entre essas
piora em relação à moradia anterior. duas agendas em disputa.
A persistência do SNHIS ao longo do
tempo como o modelo de política habitacional
ideal que se busca alcançar e a realpolitik im-
A tríplice aliança plementada pelo MCMV que utiliza regras que
na coordenação de interesses em nada convergem para o modelo idealizado
em torno do MCMV pelo SNHIS, sem contudo eliminá-lo definiti-
vamente, podem ser explicadas pela ideia de
No Governo Lula, a necessidade de ampliação decoupling, trazida por Meyer e Rowan (1977),
das bases e alianças inaugura uma nova es- na qual há um respeito “ritualístico” às regras
trutura de relacionamento do governo com a originárias, isto é, apesar de não serem as re-
sociedade. Enquanto em governos anteriores gras que comandam as instituições, esses “mi-
o relacionamento Estado-sociedade no setor tos geradores” permanecem como uma espécie
habitacional esteve estritamente vinculado às de direção moral da política. Assim, o modelo
articulações do Estado com as coalizões do se- proposto pela plataforma da reforma urbana
tor produtivo, no governo Lula, desde sua ori- permanece como o modelo utópico – SNHIS –
gem, os movimentos sociais ligados à moradia que parece dar a “direção moral” à política,
são trazidos à arena de negociação sem que, enquanto o modelo que favorece ao setor em-
ao mesmo tempo, o Estado se furte a estruturar presarial – MCMV – é aplicado na prática como
uma relação estreita com o setor empresarial. a “política real”, inviabilizando a possibilidade
Cria-se o que se pode chamar de uma triple do SNHIS concretizar-se. Oliveira (2010) identi-
aliança, ou uma matriz de relacionamento que fica esse modelo descrito para a política habi-
passa a ter três pontas (Estado, setor empresa- tacional, como a prática geral desenvolvida nos
rial e movimentos sociais), e não mais apenas governos petistas, denominando esse processo
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arbitragem que busca contentar todos os planos sem mobilizações contrárias da socieda-
atores. O layering torna-se mais eficiente, pois de, como preconizava o lulismo (Singer, 2012).
as novas sistemáticas esvaziam as anteriores, Por sua vez, os movimentos de moradia,
trazendo amplos benefícios tanto ao Estado vislumbrando a possibilidade de vinculação de
como ao mercado privado sem, contudo, tra- grande volume de recursos para a política ha-
zer o ônus político de desmontar o ideário – o bitacional, também quiseram estabelecer uma
SNHIS – construído a partir da luta de um im- aliança com os empresários do setor produtivo
portante movimento social aliado do gover- em torno da PEC da Moradia Digna que pre-
no – o FNRU. Assim, sem que se desmonte cedeu a instalação do MCMV. E demonstrando
os “mitos geradores” (Meyer e Rowan, 1977) que a política tem a capacidade de reconfi-
constituídos pelas institucionalidades conquis- gurar os atores e as coalizões, principalmente
tadas pelos ativistas da reforma urbana, volta- quando envolvem importantes recursos ca-
-se a praticar políticas urbanas e habitacionais pazes de reconfigurar o curso da política pú-
semelhantes às realizadas em momentos an- blica como um todo (Couto e Abrucio, 2003;
teriores da história brasileira, que favorecem Sabatier e Weible, 2007; March, 2010), os
outros interesses, sem ajudar, contudo, na im- movimentos convictos de sua posição no jogo
plementação da reforma urbana. político, compuseram essa aliança apesar dos
Além da manutenção simbólica do conflitos ocasionados com os aliados históri-
SNHIS, a medida mais importante medida cos, companheiros de FNRU.
para a sustentação da hegemonia dessa polí- O governo, por sua vez, ao mesmo tempo
tica refere-se às alianças estabelecidas e ga- que reiterava os laços com os movimentos de
nhos obtidos pelos movimentos de moradia moradia nas interlocuções no ConCidades, mas
com o MCMV. principalmente no atendimento às demandas
Em um contexto de arbitragem, os em- nos processos de interlocução estabelecidos
presários do setor produtivo da construção nos gabinetes, estabelecia novos laços com o
civil e mercado imobiliário que já tinham empresariado do setor, tanto nas arenas públi-
interlocução estabelecida com o governo, ao cas criadas, como principalmente nos espaços
entender que o governo petista era conforma- de gabinetes.
do por um ambiente de coordenação de inte- Assim, o ConCidades se constitui, então,
resses em que seriam necessárias a convivência como espaço de encontro e articulação entre
entre as diferentes coalizões, e, se possível, a os vários atores. Mas as negociações eram fei-
construção de alianças entre elas, usaram o tas em outras arenas que eram não públicas,
ConCidades, antes mesmo da ideia da formu- dando mais liberdade e autonomia nas nego-
lação do MCMV, para articular sua interlocução ciações aos atores envolvidos.
com os movimentos de moradia em busca da No entanto, mesmo com a ampla coa-
criação de laços e alianças,8 como parte da es- lizão formada em torno da PEC da Moradia
tratégia para construir uma ampla coalizão em Digna, sua negociação não foi bem-sucedida;
favor das demandas do setor produtivo, de mo- já o núcleo estratégico do governo (Casa Ci-
do que o governo pudesse implementar seus vil, Ministério do Planejamento e Ministério da
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Fazenda) era contra sua aprovação pela cren- com o Governo anteriormente enxergavam no
ça de que a vinculação do orçamento engessa Programa a concretização de seus interesses
as possibilidades de ação política do governo. (Klintowitz, 2015).
Contudo, em 2008, com a crise internacional
adotou-se na prática, no MCMV, o cenário de
investimento proposto pela PEC da Moradia
Digna, alcançando um investimento aproxima-
O MCMV e os movimentos
do de 2% do Orçamento Geral da União (OGU)
de moradia
em subsídios habitacionais.
Com os objetivos alcançados, os laços Contudo, para os movimentos sociais de mora-
efêmeros entre os empresários da construção dia, mesmo defendendo o programa adiante da
civil e movimentos de moradia se afrouxaram plenária do ConCidades, o percurso do projeto
(Tarrow, 2009) e cada coalizão passa a cuidar da PEC da Moradia Digna ao Programa MCMV
de seu quinhão. Mesmo que de certa forma não foi tão direta quanto para o setor produ-
uma congregação de interesses em torno da tivo. Assim como o projeto da PEC, que não
manutenção do MCMV permaneça, a atua- havia incorporado a proposta da autogestão,
ção destas coalizões demonstra que a alian- ao ser anunciado o MCMV destinava-se ape-
ça entre elas se afroxou pela busca de seus nas para a promoção da moradia por empresas
próprios interesses. Como descrito por um privadas de construção civil. Um fato simbólico
empresário do setor da construção civil: “O que demonstra que inicialmente os movimen-
sucesso do programa Minha Casa Minha Vida tos de moradia não estavam contemplados
é o fracasso da articulação política do Mora- como atores que fariam parte dos beneficia-
dia Digna” (Klintowitz, 2015). No entanto, se dos com o MCMV foi a falta de representação
por um lado empresários e movimentos pas- desses movimentos na mesa de lançamento do
sam a não ter mais as mesmas sinergias do Programa em 25 de março de 2009. Os movi-
momento anterior, por outro, as alianças des- mentos precisaram reivindicar sua participação
sas coalizões com o governo se fortaleceram para serem chamados para o cerimonial.
enquanto o MCMV vigora com extraordinário Contudo, acreditando no apoio do Pre-
fonte de benefícios. sidente da República aos seus apelos, os mo-
Essa aliança se manifesta no ConCida- vimentos de moradia solicitaram audiências
des no qual apenas os conselheiros dos seg- especiais com o Presidente Lula e com a Mi-
mentos acadêmicos e profissionais, ONGs nistra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff,
e poder público municipal e estadual mani- para requerer sua parte no programa. Essas
festavam-se com críticas a respeito do des- reuniões privadas resultaram positivas e ape-
colamento do MCMV com o SNHIS e sobre a sar da estrutura do Programa já estar definida
necessidade de discussão mais profunda do nesse momento, foi criada uma nova modali-
MCMV nesse conselho, enquanto os repre- dade especial – o MCMV Entidades – voltada
sentantes de movimentos de moradia e do especificamente para promoção de moradia
setor empresarial que já haviam negociado por entidades sem fins lucrativos, incluindo as
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associações e cooperativas habitacionais au- próprios atores que passaram a atuar como
togestionárias. Kingdon (2011) argumenta que cooperantes do governo, ao invés de críticos
um bom empreendedor de política pública é e formuladores (Gohn, 2010). Contudo, se por
capaz de incorporar uma proposta para uma um lado os movimentos de moradia continua-
mudança no fluxo na política com a solução ram a não participar efetivamente dos pro-
de um problema existente que também precisa cessos decisórios da política habitacional e as
ser resolvido, articulando assim os problemas, arenas participativas foram desconsideradas,
a política pública e política. Assim, Lula, como por outro, fica claro que esse governo não
bom empreendedor de política, aproveitou a deixou mais de levá-los em consideração na
oportunidade trazida pelo MCMV para resolver lista de atores contemplados com a distribui-
também o problema dos movimentos de mo- ção dos benefícios dos investimentos na área,
radia, e ganhar a sua chancela para o MCMV. mesmo que de forma assimétrica se compara-
Utilizando-se da mesma lógica de arti- dos aos benefícios obtidos por outros atores.
culação do setor produtivo que conseguiu es- Garantiram-se, assim, recursos para financiar a
truturar o MCMV em audiências privadas nos produção social da moradia realizada de forma
ministérios, sem passar pelos foros públicos organizada, pelos futuros beneficiários e apoio
em que estavam inseridos, os movimentos de dos movimentos de moradia ao MCMV (Ferrei-
moradia também negociaram sua modalidade ra, 2014; Rodrigues, 2013).
com o governo em audiências privadas sem Embora o aporte de recursos na moda-
passar por arenas públicas. Apesar disso, parte lidade MCMV-E seja muito reduzido diante do
das lideranças, conforme comprovam as atas montante global do programa (apenas 2%)
das reuniões do ConCidades que discutiram o (Rodrigues, 2013), não se pode negar que sua
9
MCMV, parecia não se preocupar muito com existência foi uma vitória para essa coalizão e
as arenas em que se davam a decisão sobre a que está diretamente relacionada ao fato de
política, já que tal programa traria importante que tais movimentos passam a ter um novo
benefícios materiais para os movimentos de status de player no âmbito político (Rolnik,
moradia. Dessa forma, os próprios movimen- Klintowitz e Iacovini, 2014). Esse novo status
tos sociais de moradia, defensores históricos político trouxe o importante reconhecimento
dos espaços participativos de decisão sobre as aos movimentos sociais, e não apenas ao se-
políticas urbanas, retiram a negociação da are- tor privado da construção civil, como parceiros
na pública para a arena privada, conformando- do governo no processo de implementação da
-se em não fazer parte do processo decisório política de habitação de interesse social (Ta-
das macroestruturas da política habitacional, tagiba e Texeira, 2014), e, ao mesmo tempo,
desde que sejam atendidos por meio de nego- os reafirmou como apoiadores do governo, e
ciação nos gabinetes aos quais conquistaram principalmente, do MCMV. Um indicador fun-
o acesso. damental da importância dada pelo governo à
A estratégia de retirada da negociação concertação com os movimentos de moradia
das arenas públicas para pactuações indivi- foi a criação de uma assessoria da Presidência
duais com cada um dos atores enfraquece os da Caixa, especialmente para fazer o MCMV-E
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“rodar”, e que buscava informar para a má- autogestionária, foi significativa a participa-
quina, nas palavras do próprio presidente à ção dos movimentos na formação das listas
época da CEF – Jorge Hereda, que as Entida- de beneficiários das unidades produzidas pela
des e sua modalidade MCMV-E eram prioritá- promoção privada no âmbito do MCMV pa-
rias para o governo. ra a faixa 1 em diferentes municípios onde o
O MCMV-E passou a ser a principal for- poder público local, responsável pela indicação
ma pela qual os movimentos sociais de mora- da demanda, têm reservado um percentual
dia participam da implementação da política das unidades produzidas para o atendimento
pública (Ferreira, 2014). Em uma pesquisa (Ta- de famílias indicadas por movimentos sociais.
tagiba e Texeira, 2014), realizada no âmbito Em muitos municípios do Brasil, a indicação de
da avalição do MCMV-E, todas as lideranças um percentual de unidades pelos movimentos
entrevistadas afirmaram de forma categórica de moradia passou a se constituir como uma
o interesse em continuar atuando no MCMV-E, política municipal, ampliando muito os ganhos
apesar de demonstrarem muita clareza sobre dos movimentos de moradia com o MCMV. Na
os problemas e limites do programa. cidade de São Paulo, por exemplo, o Conselho
Conquistado em uma lógica estrutural de Habitação decidiu como critério para prio-
privatista que já estava assentada e que se des- rização da demanda que 25% das unidades
tinava ao protagonismo da promoção privada serão destinadas a benificiários indicados pelos
da moradia, o MCMV-E surgiu como uma espé- movimentos de moradia.10
cie de armadilha perversa. As entidades que de- É importante destacar que os ganhos de
sejam produzir com recursos do MCMV-E estão unidades com o MCMV, obtidos pelos movi-
aprisionadas às lógicas do mercado imobiliário mentos, são importantes para que as lideran-
privado e precisam disputar terrenos com as ças possam atender às suas bases, compostas
grandes construtoras do país. Apesar de parte principalmente por famílias em busca de uma
de os movimentos de moradia que defendem moradia, uma vez que nisso consistirá seu po-
historicamente a produção por autogestão, es- der de convocação junto a novos integrantes
pecialmente a UNMP, estarem tentando utilizar do movimento. Nessa conjuntura, a distribuição
os recursos do MCMV-E para concretizar pro- de serviços e benefícios sociais passa cada vez
jetos com esse viés, a inserção da modalidade mais a ocupar o lugar dos direitos e da cida-
para os movimentos de moradia em um arca- dania, constrangendo não somente a demanda
bouço institucional que já estava estruturado por direitos, como as próprias arenas públicas
para a lógica da produção privada, inviabiliza construídas para esse fim (Gohn, 2010), já que
de muitas maneiras a boa execução do MCMV- essa distribuição de benefícios depende apenas
-E (Rodrigues e Mineiro, 2012). da boa vontade e da competência de articula-
Nesse esquema que foi criado, mostrou- ção com os setores envolvidos. Nesse contexto,
-se mais lucrativo para muitas entidades indi- apesar de os ganhos serem reais, não potencia-
carem beneficiários do que produzir a mora- lizam mudanças estruturais.
dia. Assim, além do ganho de uma pequena Em governos de esquerda os movimen-
parte dos recursos do MCMV para a produção tos sociais tendem a valorizar a maior oferta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016 181
de participação estatal e a disputar nessas ins- conflito implícito dos cálculos de trade off en-
tâncias seus projetos e interesses. Contudo, ao tre as mudanças estruturais e o atendimento
mesmo tempo, tendem também a orientar sua imediato às bases.
ação por uma disposição menos conflituosa e
uma postura de maior conciliação, evitando a
pressão sobre os governos e diminuindo o uso
do protesto como forma de negociação, seja
A implicações do MCMV
para garantir suas demandas, seja para garan-
para o FNRU
tir a governabilidade a partir de uma agenda
de esquerda (Dagnino e Tatagiba, 2010). Nesse As diferentes naturezas dos segmentos que
cenário, a identidade desses movimentos passa compõem o FNRU sempre ocasionarma ten-
a se definir muito mais por sua relação com o sões internas a essa coalizão. No contexto do
Estado ou com os partidos do que a partir de MCMV, os movimentos de moradia defenderam
sua localização societária (Gohn, 2010) com a existência do MCMV, mesmo que com restri-
resultados perversos no que se refere à ques- ções a algumas de suas normativas, e não qui-
tão da autonomia. Ao mesmo tempo, ao serem seram cobrar do Governo mudanças internas
atendido dessa forma, de alguma maneira es- ao programa pelos canais institucionais ou em
tão dando uma chancela de qualidade da polí- mobilizações públicas muito conflituosas, ao
tica, como no caso do Programa MCMV. mesmo tempo, os outros segmentos constituin-
É importante considerar que os movi- tes do FNRU quiseram fazer críticas mais con-
mentos de moradia são um tipo peculiar de tundentes à estrutura do programa e promover
movimento social. Por um lado, lutam pela processos de pressão e enfrentamento público
mudança das estruturas da sociedade, sendo (Klintowitz, 2015).
justamente essa característica que os aliou ao A falta de consenso interno no FNRU fez
Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) na com que essa articulação tivesse um posicio-
luta pelo direito à cidade. Por outro lado, têm namento mais discreto em relação ao MCMV.
uma base a ser atendida com bens materiais Essa contradição, ao mesmo tempo, favoreceu
concretos – casas –, sendo justamente o que o Governo que não teve que enfrentar essa
os levou a estabelecer alianças com os empre- oposição, no entanto, fragmentou e enfraque-
sários do setor produtivo. Essa dupla caracte- ceu a coalizão da reforma urbana que não
rística implica, muitas vezes, escolhas prag- conseguiu resolver suas discrepâncias internas.
máticas que favorecem alianças que geram Enquanto esse afastamento ideológico entre os
ganhos imediatos, mas que podem, ao mesmo segmentos não pareceu afetar os movimentos
tempo, implicar o desvio do caminho que leva- de moradia, essa circunstância teve signifi-
rá à estagnação das mudanças estruturais que cativa importância para os outros segmentos
defendem. Essas características também os que, por não terem numerosas bases como os
diferencia de outros segmentos que compõem movimentos, ficam enfraquecidos como atores
o FNRU – ONGS, setores profissionais e aca- com poder de pressão, mobilização e negocia-
dêmicos – que não estão submergidos pelo o ção junto ao Governo. Os movimentos, por sua
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vez, usaram seus canais diretos de articulação também, uma parcela importante do eleitora-
para negociar suas demandas particulares, do que vive em assentamentos irregulares no
ligadas aos programas, mas não para bus- país. Assim, de forma surpreendente, por não
car articulações mais estruturais em torno da dialogar em nada com o MCMV, a mesma lei
plataforma da reforma urbana, o que também que o instituiu foi também responsável por es-
fragilizou o FNRU como coalizão e em sua ca- tabelecer uma normatização para a regulariza-
pacidade de advocacy. ção fundiária de assentamentos localizados em
Apesar de diminuir os canais de articula- áreas urbanas de interesse social, que há muito
ção direta e o empenho em busca do apoio ao se tentava, sem sucesso, aprovar no âmbito do
governo dos segmentos de ONGs e acadêmi- Congresso Nacional.
cos ligados ao FNRU, o Governo não os alijou
totalmente do processo de construção da no-
va política habitacional. Ao elaborar a Medida
Provisória (MP 459) que instituiria o MCMV, o
A coordenação federativa
presidente Lula concedeu aos defensores da
do MCMV
plataforma da reforma urbana um capítulo
inteiro sobre a regularização fundiária, sendo Paralelamente, em um governo que tinha um
responsável por levar à concretização de uma projeto de manutenção de poder relacionado à
matéria de suma importância para a questão articulação federativa, não se poderia desenhar
fundiária no Brasil, e que estava em tramitação uma política de habitação que não garantisse
há muitos anos no Congresso Nacional sem si- ganhos para os municípios e para seus pre-
nais de que teria um desfecho rápido. feitos. Sob o pressuposto de que a promoção
O capítulo sobre regularização fundiária habitacional pelos entes locais impedia que
da MP 459/2009 teve sua redação totalmente os programas “rodassem” no ritmo desejado
baseada em um texto que já havia sido pro- (Loureiro, Macário e Guerra, 2013; Klintowitz,
duzido na Câmara dos Deputados, no âmbito 2015), mas com o intuito de que os governos
do processo que discute, desde o ano 2000, a locais aderissem à nova política, o modelo do
futura Lei de Responsabilidade Territorial Urba- MCMV foi construído delegando aos municí-
na (LRTU) (PL 3 057/2000). O texto da MP foi pios basicamente o papel de organização da
retirado do substitutivo produzido pelo último demanda (por meio de cadastros encaminha-
relator, o Deputado Renato Amary (PMDB-SP) e dos à CEF para a seleção dos beneficiários) e,
que estava pronto para a votação em plenário, de modo facultativo, à criação de condições
mas que enfrentava muita oposição. O proces- para facilitar a produção, mediante a flexibili-
so já havia passado por três relatores sem su- zação da legislação urbanística e edilícia dos
cesso (Silva e Araújo, 2013). municípios e/ou da doação de terrenos. Nesse
Com esse ato, Lula vislumbrou a pos- modelo a necessidade de institucionalidade da
sibilidade de contentar – com um programa gestão é muito pequena, demandando ape-
(MCMV) que a princípio os descontentaria –, nas a existência de um cadastro, sendo esse
os outros atores ligados à reforma urbana, e, justamente o instrumento mais presente nos
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municípios brasileiros. Em 2009, ano de início tempo perceberam que os benefícios recebidos
do PMCMV, 81% dos municípios já o tinham seriam tantos ou maiores do que se fossem
(Arretche, 2012). os promotores dos empreendimentos, com a
Indicar a demanda significa, por um lado, vantagem de que não precisariam despender
um baixo investimento do ponto de vista finan- muitos esforços para isso. Diante desse quadro,
ceiro e institucional e, por outro, um grande é possível afirmar que políticos locais se bene-
recurso no sentido de angariar possíveis votos ficiam do programa, o que ajuda a entender
em pleitos municipais. A influência dos benefí- por que a maioria dos municípios concentrou
cios eleitorais proporcionados pela inaugura- seus esforços unicamente na viabilização de
ção de novos empreendimentos habitacionais, empreendimentos do MCMV em seu território,
produtos cujo significado vai além das conside- deixando de lado seus processos de planeja-
rações sobre o seu impacto econômico e social, mento ou criação de outras alternativas para
tem um importante potencial para gerar capital solução das necessidades habitacionais (Rol-
político. Os empreendimentos habitacionais nik, Klintowitz e Iacovini, 2014; Polis, 2014).
construídos no âmbito do MCMV são, assim, Trata-se de uma postura pragmática, que capta
“fatos políticos” de dimensão local, regional e o máximo de benefícios políticos com um míni-
nacional, conferindo legitimidade ao exercício mo de esforço institucional e financeiro. Nesse
do poder por sua elevada visibilidade no con- contexto, em muitos municípios, como é o caso
junto das realizações dos governos (Camargos, de São Paulo, foi retirado do orçamento munici-
1993). Cada unidade produzida vale para duas pal o recurso que antes se destinava à pasta da
contagens, ou seja, o capital político gerado habitação sob o argumento de que a política
serve tanto para o município quanto para o go- habitacional já tinha o recurso proveniente do
verno federal (Klintowitz e Iacovini, 2014; Rol- MCMV (Rolnik, Klintowitz e Iacovini, 2014).
nik, Klintowitz e Iacovini, 2014). Com a estrutura criada inicialmente
Vendo a possibilidade de ganhos de capi- para o MCMV, os únicos prejudicados seriam
tal político com o MCMV, muitos governos es- os municípios menores, que na MP 459 não
taduais também estão querendo “participar da estavam contemplados. Originalmente, não
festa”. Esses governos têm adicionado recursos parecia fazer sentido expandir a atuação para
aos disponibilizados pelo governo federal para esses municípios, já que não eram municípios
que se consiga implementar empreendimentos interessantes ao setor produtivo, principal-
nas capitais onde a terra é mais cara e, com is- mente na faixa 1, com empreendimentos de
so, têm aproveitado também do capital político grande escala para reduzir custos e ampliar os
gerado pelos empreendimentos produzidos. As- lucros (Shimbo, 2010). No entanto, ao serem
sim, um mesmo programa tem unido diferentes comunicados dos novos rumos da política ha-
esferas de governo, de diferentes partidos, em bitacional, esses municípios menores reivindi-
suas inaugurações. caram e negociaram no Congresso Nacional a
Se, inicialmente, os governos locais se in- inclusão de uma modalidade para municípios
comodaram com o formato do Programa que com menos de 50 mil habitantes. Criou-se,
tirava deles o protagonismo, com o passar do então, uma nova modalidade para o MCMV
184 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016
SUB 50 – a oferta pública – conhecida como geral de formulação do MCMV, foram sendo
“SUB-50”. Junto com o MCMV-E e o MCMV- criadas concertações no próprio programa para
-Rural, o SUB-50 representa as únicas exce- beneficiar o maior número de atores possíveis.
ções ao modelo de provisão habitacional com Esse modelo de concertação só pode-
promoção privada. ria ser estabelecido em um governo como o
Nessa modalidade, os munícipios têm de Lula, que já começou com o apoio de uma
um papel mais protagonista sendo responsá- grande base de movimentos sociais. A inova-
veis por acessar o recurso por meio de edital dora articulação da tríplice aliança que uniu
disponibilizado pelo MCidades. No entanto, empresários do setor produtivo e movimentos
essas três modalidades são marginais dentro de moradia, opositores históricos, em defesa
do Programa e representam apenas 11% do de uma política, e de seu governo de maneira
total de unidades previstas. Contudo, mesmo geral, não seria possível de ser construída em
não sendo pensado pelo executivo federal, a um governo que não chegasse ao poder com
inclusão desses municípios menores no bolo do a áurea da defesa dos direitos dos excluídos e
MCMV trouxe importantes apoios públicos da ao mesmo tempo com o pacto com o empresa-
CNM (Confederação Nacional dos Municípios) riado para a garantia do crescimento da econo-
e Frente Nacional do Prefeitos (FNP) para o go- mia do país e dos ganhos do capital nacional.
verno federal. As articulações para a coordenação de
interesses em torno da política habitacional
aqui demonstrada ocorreram no âmbito das
Considerações finais gestões do Presidente Lula. Embora o receituá-
rio tenha sido seguido na primeira gestão de
O que se percebe ao percorrer este caminho Dilma, percebe-se que falta a essa presidente
que desvela o arranjo institucional de coorde- o componente carismático de Lula e a vocação
nação de interesses em torno do MCMV criada para a coordenação de interesses intrínseca a
para sustentação desse programa que se trans- esse ex-presidente conforme constata Singer
formou na única política habitacional do Bra- (2012): “O sucesso de soluções intermediárias
sil por dois mandatos presidenciais é que esse arbitrais, depende em grande medida, da fi-
arranjo foi típico do lulismo, em que todos os gura providencial do líder que dá a cada um
atores têm seus interesses atendidos, mesmo o seu quinhão” (Singer, 2012, p. 201). O que
que de forma assimétrica, e de modo a garantir garantiu a estabilidade desta política foi jus-
a continuidade dos ganhos apoiam a política tamente a força da coordenação de interesses
estabelecida e o governo de forma mais ampla. que foi articulada de modo a criar um “regime
Enquanto se mantém viva a utopia do ca- de políticas públicas” (Couto e Abrucio, 2003)
minho preconizado pela plataforma da reforma quase hegemônico.
urbana que alimenta os atores ligados a essa No governo Dilma, no entanto, a política
plataforma; cada um dos atores envolvidos no e os arranjos institucionais e de atores per-
setor habitacional, inclusive esses próprios ato- maneceram praticamente os mesmos, porém
res, tem ganhos próprios já que, no contexto demonstraram esgarçamentos, mesmo antes
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da importante crise política que se deflagrou atores. Os poucos espaços de decisão acerca
já no começo de seu segundo mandato. E do MCMV-E, em que se modificam normati-
como esses arranjos, no setor habitacional e vas e se disputam recursos, foram ocupados
também em outras políticas públicas, foram pelos movimentos de moradia ligados ao
essenciais para as estratégias para a própria FNRU, mas com a possibilidade do lança-
manutenção do poder do governo, seu esgar- mento da terceira fase do MCMV, assistiu-se
çamento pode inviabilizar o projeto de manu- a uma clara disputa das novas lideranças de
tenção mais à frente. moradia que buscavam brechas para que seus
Outro fato curioso que surge a partir interesses também fossem atendidos de mo-
da instalação do regime da política pública do que passassem a fazer parte da coordena-
do MCMV, é a disputa pelo espaço entre os ção de interesses estabelecida.
Danielle Klintowitz
Instituto Pólis, Urbanismo. São Paulo/SP, Brasil.
daniklin@gmail.com
Notas
(1) Segundo dirigente da Secretaria Nacional de Habitação, na campanha eleitoral de 2014, as
pesquisas apontaram que o programa com maior recall, isto é, o que era mais lembrado pela
população quando pensavam nas polí cas federais, era o MCMV (Klintowitz, 2015).
(2) O FGTS e o SBPE foram criados e regulamentos em 1966 como para promover o respaldo
financeiro necessário à estrutura organizacional do BNH. O FGTS, tendo como fonte de recurso
a poupança compulsória de parte dos salários formais captada pelo Governo Federal, é até hoje
a principal fonte de recursos de financiamento do desenvolvimento urbano do país com juros
mais baixos do que os pra cados no mercado. Já no SBPE, cujo os recursos são provenientes
das cadernetas de poupança voluntárias é des nado para o financiamento habitacional dos
segmentos de mais alta renda com juros menos subsidiados.
(3) É importante notar que, para efeitos metodológicos, este cálculo da focalização do Programa
MCMV em relação ao déficit assume que todas as unidades produzidas no âmbito do programa
estão atingindo as famílias computadas como déficit e que não há nenhum vazamento. No
entanto, sabe-se que parte dos atendimentos não são des nados ao atendimento do déficit
calculado pela FJP. Além dos vazamentos pulverizados comuns em programas públicos, parte
do atendimento do MCMV está sendo u lizada para permi r o atendimento às famílias que
sofreram remoções forçadas para a implementação de novos empreendimentos, como no caso
das obras para a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016.
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(4) O PMCMV, em sua componente urbana, foi operacionalizado para a modalidade da faixa 1 a
par r da alocação de recursos orçamentários da União no Fundo de Arrendamento Residencial
(FAR) – inicialmente no montante de 14 bilhões de reais – e, em menor grau, ao Fundo de
Desenvolvimento Social (FDS) – inicialmente no montante de 500 milhões de reais –, ambos
gerenciados pela CEF. O FAR já vinha sendo u lizado na produção de unidades habitacionais para
famílias com renda entre três e seis SM, dentro do Programa de Arredamento Residencial (PAR),
recebendo recursos transferidos do Orçamento Geral da União (OGU) e do FGTS, e foi u lizado
no MCMV para viabilizar a modalidade que passa recursos orçamentários diretamente para
as empresas. Já o FDS é um fundo contábil de natureza financeira que funciona com recursos
provenientes do Orçamento Geral da União – OGU, com prazo indeterminado de existência,
sendo seus recursos des nados para o financiamento de projetos de inves mento de interesse
social, nas áreas de habitação popular exclusivamente para famílias com renda de até R$ 1600,
por meio da concessão de financiamentos a beneficiários organizados de forma associa va por
uma En dade Organizadora – EO (associações, coopera vas, sindicatos e outros), Organizadora
– EO.
(5) O PAC Favelas, voltado à urbanização de assentamentos precários, apesar de não dialogar
diretamente com o SNHIS e de passar por fora do FNHIS, é defendido por muitos atores ligados
à plataforma da reforma urbana à medida que promove uma atuação mais integrada entre as
polí cas urbanas (habitação, saneamento, mobilidade) do que a provisão de novas moradias
que atua de maneira exclusiva na construção de casas.
(6) Optou-se por realizar este exercício esta s co apenas nos dados de contratação da primeira
fase do MCMV, pois os dados do MCMV2, disponibilizados pela CEF, apresentavam muitas
inconsistências e não foi possível conseguir uma base mais adequada junto ao gestor do
programa até o final desta pesquisa.
(7) A Rede Moradia Cidade foi uma rede nacional de pesquisadores que se reuniram para realizar
uma avaliação no âmbito da chamada MCTI/CNPq/MCidades n° 11/2012 sobre a inserção
urbana dos conjuntos produzidos no âmbito do MCMV em seis estados brasileiros. A rede
foi formada por pesquisadores de 11 ins tuições (universidades federais do Ceará, Pará, Rio
Grande do Norte, Minas Gerais, Rio de Janeiro (Ippur e Prourb), universidades estaduais,
USP (IAU e FAU), Pon cia Universidade Católica de São Paulo, Peabiru e Ins tuto Pólis) que
construíram uma metodologia em conjunto para iden ficação de similaridades e diferenças da
implantação desses conjuntos no território nacional. Essa avaliação realizou uma pesquisa com
3.900 famílias com moradias de unidades habitacionais produzidas no âmbito do MCMV, faixa 1,
nas diferentes cidades estudadas.
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sociais, a gente nha visões muito diferentes em algumas coisas, mas conseguimos construir um
consenso” (Klintowitz, 2015).
(9) Ata da 20ª Reunião do Conselho Nacional das Cidades (MCidades, 2009, s/p).
(10) Valores de imóveis podem inviabilizar projetos habitacionais de São Paulo, Rede Brasil Atual.
Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/02/prestes-maia-esta-
no-grupo-dos-que-201ctalvez201d-nao-valham-a-pena-des nar-para-habitacao-social-afirma-
secretario-de-habitacao-4272.html>. Acesso em: 11 fev 2014.
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Resumo Abstract
Considerando o estado do Ceará, os resultados até Considering the State of Ceará (northeastern Brazil),
aqui obtidos revelam a concentração dos conjun- the results obtained so far reveal the concentration
tos habitacionais do programa Minha Casa Minha of the housing estates of the Minha Casa Minha
Vida em alguns municípios metropolitanos, assim Vida Program in some metropolitan cities, as well
como a sua baixa disseminação pelos centros re- as the low dissemination of the program across
gionais habilitados à obtenção de recursos do the regional centers authorized to obtain funding
Fundo de Arrendamento Residencial e do Fundo from Fundo de Arrendamento Residencial and from
de Garantia por Tempo de Serviços. Diante desse Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). In
quadro, buscou-se compreender as razões para a light of this panorama, we aimed to understand the
baixa efetividade do programa mediante a análise reasons for the low effectiveness of the program
compreensiva dos arranjos institucionais, conside- through a comprehensive analysis of institutional
rando o papel dos diferentes agentes envolvidos, arrangements, considering the role of the various
notadamente as práticas dos setores empresarial actors involved, in particular the practices of the
imobiliário e da construção civil, as ações do Esta- business, real estate and building sectors, the State's
do nas diferentes esferas de governo e os conteú- actions in the different spheres of government, and
dos dos instrumentos de planejamento e gestão do the contents of the instruments for planning and
solo urbano e habitacional. managing urban land and housing.
Palavras-chave: política habitacional; arranjos K e y w o r d s : housing policy; institutional
institucionais; construção civil; programa Minha arrangements; building sector; Minha Casa Minha
Casa Minha Vida. Vida Program.
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