Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Bell Hooks - O Amor Como A Prática Da Liberdade PDF
Bell Hooks - O Amor Como A Prática Da Liberdade PDF
bell hooks
*
hooks, bell. Love as the practice of freedom. In: Outlaw Culture. Resisting Representations.
Nova Iorque: Routledge, 2006, p. 243-250. Tradução para uso didático por wanderson flor do
nascimento.
1
transformação coletiva de sociedade, para um fim da política de dominações; mas
simplesmente para o fim do que sentimos que nos machuca. É por isso que
precisamos desesperadamente de uma ética do amor para intervir em nosso
desejo autocentrado por mudança. Fundamentalmente, se estamos
comprometidas/os apenas com a melhoria daquela política de dominação que
sentimos conduzir diretamente para nossa exploração ou opressão individual,
não apenas permanecemos ligados ao status quo, mas agimos em cumplicidade
com ele, nutrindo e conservando esses mesmos sistemas de dominação. Até
todas/os nós sermos capazes de aceitar a natureza interconectada e
interdependente dos sistemas de dominação e reconhecermos as formas
específicas de manutenção de cada sistema, continuaremos a agir de forma a
minar nossa busca individual por liberdade e nossa luta por libertação coletiva.
2
O movimento Black Power dos anos sessenta se afastou dessa ética do
amor. A ênfase agora estava mais no poder. E não é de surpreender que o sexismo
que sempre intensificou a luta de libertação negra, que uma abordagem misógina
em relação às mulheres se tornassem centrais como a equação entre liberdade e a
masculinidade patriarcal entre dirigentes políticos negros/as, quase todos
homens. Na verdade, a nova militância do poder negro masculinista equiparou
amor com fraqueza, anunciando que a expressão essencial da liberdade seria a
vontade de coagir, fazer violência, aterrorizar; de fato utilizar as armas de
dominação. Esta era a mais crua encarnação do credo corajoso de Malcolm X "por
qualquer meio necessário".
3
compartilhada, significou que ela foi mantida infiltrada, suprimindo a
possibilidade de que esse sofrimento coletivo fosse reconciliado em comunidade,
até mesmo como maneira de ir além de tal sofrimento e continuar vislumbrando
a luta de resistência. Sentindo como se “o mundo tivesse realmente chegado ao
fim”, no sentido de que uma esperança de que a justiça racial se tornasse a
norma, havia morrido, um risco de morte desesperador se apoderou da vida
negra. Nunca saberemos até que ponto o foco do machismo negro sobre a dureza
e a tenacidade serviu como barreira, continuamente impedindo o
reconhecimento público do enorme sofrimento e dor na vida negra. Em World as
Lover, World as Self Joanna Macy, no capítulo “Despair Work”, enfatiza que
4
iniciativa”. Embora muitas pessoas reconheçam e critiquem a comercialização do
amor, elas não veem alternativa. Não sabendo amar, ou mesmo o que é o amor,
muitas pessoas se sentem emocionalmente perdidas; outras buscam definições,
formas de sustentar uma ética do amor em uma cultura que nega valores
humanos e valorizam o material.
Peck oferece uma definição operacional para o amor que é útil para
aquelas/es de nós que gostariam de fazer de uma ética do amor o núcleo de toda
interação humana. Ele define o amor como “a vontade de estender-se para o
propósito de nutrir o crescimento espiritual de si mesmo ou de outrem”.
Comentando sobre as atitudes culturais predominantes sobre o amor, Peck
escreve:
5
círculos políticos progressistas, falar de amor é garantir que alguém seja
dispensado ou considerado ingênuo. Mas, fora desses círculos, há muitas pessoas
que reconhecem abertamente que são consumidas por sentimentos de auto-ódio,
que se sentem sem valor, querendo uma saída. Muitas vezes, elas estão presas
demais por um desespero paralisante para serem capazes de se engajar
efetivamente em qualquer movimento de mudança social. No entanto, se líderes
de tais movimentos se recusam a enfrentar a angústia e a dor de suas vidas, nunca
estarão motivadas/os a considerar a recuperação pessoal e política. Qualquer
movimento político que possa atender eficazmente a estas necessidades do
espírito, no contexto da luta pela libertação, terá sucesso.
6
amar. Para mim, é onde a educação para a consciência crítica deve entrar.
Quando eu olho para a minha vida, procurando por um plano que me ajudou no
processo de descolonização, de auto recuperação pessoal e política, sei que foi
aprendendo a verdade sobre como os sistemas de dominação operam que ajudou,
aprendendo a olhar para dentro e para fora, com um olhar crítico. A consciência é
central para o processo de amor como a prática da liberdade. Sempre que
aquelas/es de nós que são membros de grupos oprimidos se atrevem a interrogar
criticamente nossas posições, as identidades e lealdades que informam como
vivemos nossas vidas, iniciamos o processo de descolonização. Se descobrimos
em nós mesmas/os auto-ódio, baixa autoestima ou um pensamento branco
supremacista interiorizado e os enfrentamos, podemos começar a curar.
Reconhecer a verdade de nossa realidade, tanto individual como coletiva, é uma
etapa necessária para o crescimento pessoal e político. Este é geralmente o
estágio mais doloroso no processo de aprender a amar – o que muitas/os de nós
procuram evitar. Novamente, uma vez que escolhemos o amor, instintivamente
possuímos os recursos interiores para enfrentar essa dor. Movendo inteiramente
a dor para o outro lado, encontramos a alegria, a liberdade de espírito trazidas
por uma ética do amor.
7
com outra pessoa, ou com um grupo maior, somos capazes experimentar alegria
na luta. Essa alegria precisa ser documentada. Porque se nos concentrarmos
apenas na dor, as dificuldades, que certamente são reais em qualquer processo de
transformação, somente mostraremos uma imagem parcial.
8
comunhão com o mundo além do eu, da tribo, da raça, da nação, era um
constante convite para expansão pessoal e crescimento. Quando massas de
pessoas negras começam a pensar apenas em termos de “nós e eles”,
internalizando o sistema de valores do patriarcado capitalista da supremacia
branca, pontos cegos são desenvolvidos, a capacidade de empatia necessária para
a construção da comunidade fora diminuída. Para curar nosso corpo político
ferido, devemos reafirmar nosso compromisso com uma visão do que Luther King
mencionou no ensaio “Facing the Challenge of a New Age” como um genuíno
compromisso com “liberdade e justiça para todas/os”. Meu coração se eleva
quando leio o ensaio de Luther King; lembro-me de onde nos leva a verdadeira
libertação. Isso leva além da resistência à transformação. Luther King diz-nos que
“o fim é a reconciliação, a fim é a redenção, o fim é a criação da comunidade
amada”. Ao escolher amar, começamos a nos mover contra a dominação, contra a
opressão. No momento em que escolhemos amar, começamos a nos mover para
a liberdade, a agir de maneiras que libertem a nós mesmas/os e a outrem. Essa
ação é o testemunho do amor como a prática da liberdade.