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Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Escola Politécnica
Programa de pós-graduação em Engenharia Mecânica

Luciane Sopchenski Santos

TRIBOCORROSÃO DA LIGA CoCrMo EM IMPLANTES DE


QUADRIL

Curitiba
2014
Sumário
1 Introdução..........................................................................................................................................3
2 Problemática......................................................................................................................................4
3 Revisão..............................................................................................................................................5
3.1Implantes de quadril....................................................................................................................5
3.2Liga CoCrMo em Implantes.......................................................................................................6
3.3Tribocorrosão..............................................................................................................................6
3.3.1Métodos de avaliação..........................................................................................................7
3.3.2Prevenção/redução da taxa de desgaste e corrosão.............................................................9
4 Conclusão........................................................................................................................................11
5 Referências......................................................................................................................................12

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1 Introdução

A demanda por implantes de quadril vem crescendo, inclusive entre pacientes mais jovens,
em decorrência de traumas e fatores patológicos. A vida útil dos implantes depende de diversos
fatores, dentre eles a seleção e tratamento do material. A investigação do comportamento
tribocorrosivo dos implantes, mais especificamente da liga CoCrMo, é de fundamental importância
na investigação de métodos que previnam ou diminuam os íons e debris metálicos liberados no
organismo, e assim aumentem a durabilidade do implante.

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2 Problemática
Implantes de quadril metálicos estão sujeitos a tribocorrosão, já que são expostos a fluidos
corpóreos e que sofrem microabrasão em decorrência de seu design, da carga aplicada e da
frequência e amplitude de movimento requerida.

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3 Revisão
3.1 Implantes de quadril
A artroplastia de quadril é uma cirurgia realizada em pacientes cuja mobilidade da cabeça do
fêmur esteja reduzida, por acidentes ou fatores patológicos, buscando substituir a articulação do
quadril. O implante utilizado pode ser total ou parcial (de recapeamento) dependendo do quadro
clínico do paciente (Figura 1).

Figura 1: Implantes de quadril a)totais e


b)parciais

Ambos implantes possuem uma cabeça femoral esférica em contato com um acetábulo
côncavo, este conjunto é denominado “par tribológico”. O par tribológico pode ser constituído
unicamente de peças metálicas ou uma combinação de metal com polímero/cerâmica (Figura 2).

Figura 2:Possíveis combinações de materiais na constituição do par


tribológico

Implantes totais podem ser modulares ou não modulares. Os primeiros possuem uma peça
de conexão entre a cabeça e a haste femoral, comumente chamada de pescoço. Os segundos

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apresentam a cabeça femoral diretamente ligada a haste femoral (Figura 3).

Figura 3: Implantes de quadril a) não-modulares e b)


modulares.

3.2 Liga CoCrMo em Implantes


Segundo a ASTM F75 e F799, a liga CoCrMo utilizada em implantes possui entre 5 e 7 %
de Mo, entre 27 e 30% de Cr e o balanço em Co. A liga CoCrMo é utilizada na fabricação do
acetábulo, cabeça femoral e pescoço por possuir elevada resistência a fadiga e alta dureza em
comparação a outros biomateriais metálicos [1].
A liga CoCrMo é considerada resistente a corrosão por possuir uma camada óxida
passivante constituída principalmente por Cr2O3 [2]. Quando a camada óxida é rompida, os produtos
da corrosão da liga são íons Co 2+ e Cr2+ em ambientes ácidos e CoO e CrO em ambientes neutros
[3]apud [4].

3.3 Tribocorrosão
Os fluidos corpóreos, que entram em contato com o implante após a cirurgia, atuam como
um meio corrosivo, uma vez que possuem agentes oxidantes e as proteínas secretadas podem
acelerar a taxa de corrosão [5]. Na liga CoCrMo pode ocorrer a corrosão por pitting nos contornos
de grão, expondo o substrato metálico e liberando íons e debris metálicos para o tecido vivo
circundante, ocasionando reações locais e sistêmicas por sua alta toxicidade [6]. Quando as peças
do implante não são todas do mesmo biomaterial metálico pode ainda ocorrer corrosão galvânica e
por fretting.
A tribocorrosão pode ocorrer em dois pontos do implante de quadril:
1. No conjunto acetábulo-cabeça, resultante do movimento de rolamento e micro-abrasão entre

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as partes (Figura 4) [7].

Figura 4: Desgaste por abrasão em cabeças femorais a) metálica e b)


cerâmica [1].

2. Na junção cabeça/pescoço/haste no caso dos implantes modulares, pelo atrito resultante do


micromovimento entre as partes [8], [9].
Em ambos os casos os debris e íons liberados podem levar a perda óssea e as partículas
resultantes do processo atuam como terceiro corpo no processo tribocorrosivo [10]. A taxa de
corrosão e desgaste depende da seleção dos materiais (Tabela 1), da metalurgia dos mesmos, do
tempo de implantação e do meio biológico [1], [11].

Tabela 1: Combinação dos materiais vs. Taxa de desgaste in vivo. Adaptado de [11].
Acetábulo Cabeça Femoral Desgaste linear (mm/ano)
Polietileno Aço inoxidável 0,1-0,3 (Polietileno)
Polietileno Liga CoCrMo 0,1-0,3 (Polietileno)
Polietileno Cerâmica (Al2O3) 0,05-0,15 (Polietileno)
Liga CoCrMo Liga CoCrMo 0,003-0,01(CoCrMo)
Cerâmica (Al2O3) Cerâmica (Al2O3) 0,003-0,01(Al2O3)

A utilização da liga CoCrMo no acetábulo e na cabeça femoral diminui o desgaste linear em


comparação com a combinação Polietileno/CoCrMo, entretanto os debris metálicos de Co e Cr
apresentam elevada toxicidade.
A tribocorrosão na interface acetábulo/cabeça dá origem a uma camada denominada
tribolayer, composta de proteínas decompostas pelo aumento local de temperatura, modificação do
pH, processos mecânicos e desidratação pela presença de íons metálicos. A presença da tribolayer
modifica a cinética de corrosão, entretanto não há estudos conclusivos sobre sua influência na
promoção ou inibição da corrosão [12].

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3.3.1 Métodos de avaliação
A norma ABNT NBR ISO 5832-12 de 2008 especifica os métodos de ensaio para a liga
CoCrMo utilizada na fabricação de implantes [13].
Para a avaliação da tribocorrosão resultante do rolamento e microabrasão entre as peças,
alguns pesquisadores utilizam tribometros modificados de maneira que o eletrodo de trabalho
(CoCrMo) fique permanente imerso no eletrólito e em contato com uma esfera metálica rotativa
(Figura 5). Esta montagem experimental permite ainda a adição de SiC na interface de rolamento
simulando a presença de um terceiro corpo no processo tribocorrosivo [4].

Figura 5: Modelo esquemático da montagem experimental do teste


de tribocorrosão, retirado de [4].

Para a avaliação da corrosão de implantes modulares quando submetidos ao carregamento,


Kretzer et al utilizaram uma câmara simuladora em torno da interface pescoço/haste femoral
(Figura 6). Através de um reservatório, o eletrólito foi constantemente bombeado para a câmara
enquanto a carga foi aplicada durante 107 ciclos.

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Figura 6: Modelo esquemático da montagem experimental
do teste de corrosão, retirado de [4].
3.3.2 Prevenção/redução da taxa de desgaste e corrosão
Uma das abordagens para a diminuição da taxa de desgaste de peças em contato é a
aplicação periódica de lubrificantes buscando diminuir o atrito. No caso dos implantes, em contato
direto com fluidos corpóreos e sem a possibilidade de manutenção, essa abordagem não é adequada.
Alguns estudos sugerem a possibilidade da formação de uma camada lubrificante composta pela
associação dos debris metálicos e do meio fisiológico após algum tempo [14].
A troca do ambiente corrosivo, ou a utilização de inibidores, não se aplica aos implantes.
A diminuição do atrito pode também ser obtida através da utilização de revestimentos de
menor coeficiente de atrito e revestimentos de maior dureza, contanto que os materiais utilizados
sejam biocompatíveis e que suportem a alta carga aplicada.
Alguns autores investigaram o espessamento e modificação da camada óxida naturalmente
presente na liga CoCrMo através da oxidação térmica [15],
Yang, Ong e Tian, em 2003, pesquisaram dois recobrimentos de ZiO2 obtidos por plasma
spray sobre a liga CoCrMo. A dureza aumentou para ambos os recobrimentos e a força de adesão de
um dos recobrimentos foi > 67 MPa, porém não são encontrados na literatura análises da
tribocorrosão destes materiais [16].
A nitretação é uma técnica de para a obtenção de revestimentos de alta dureza. Quando
aplicado sobre a liga CoCrMo dá origem as fases CrN e Cr 2N aumentando a resistência ao desgaste
[17]. Zang et al investigaram a utilização de filmes de carbono tipo diamante (DLC) sobre ligas
CoCrMo nitretadas. Os resultados mostraram que a resistência a corrosão e a força de adesão foram
enfraquecidas após 30 dias de imersão em tampão fosfato salino (PBS) devido a corrosão da
camada de nitretada. Os autores sugerem cautela ao utilizar a nitretação para a obtenção de camadas

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intermediárias em revestimentos de implantes [18].
Chen et al desenvolveram um recobrimento de Ti/TiO sobre a liga CoCrMo obtido via
pulverização catódica. O recobrimento apresentou boa adesão e melhor resistência a corrosão que a
liga sem revestimento, porém sua dureza e coeficiente de atrito não foram avaliados [19].
Outra possibilidade para a redução da taxa de desgaste e corrosão é a troca do material. Yan
et. al. avaliaram a tribocorrosão de ligas de CoCrMo com alto e baixo teor de carbono e do aço
316L [20]. Os resultados mostraram que a liga CoCrMo com maior teor de carbono apresentou o
menor coeficiente de atrito e menor perda de material quando imerso em fluidos corpóreos
simulados. Doni et al investigaram a tribocorrosão de ligas CoCrMo prensadas a quente, em
comparação com a liga CoCrMo e Ti6Al4V utilizadas comercialmente para a fabricação de
implantes, e observaram uma taxa de desgaste três vezes menor para a liga prensada a quente [21].

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4 Conclusão
Com base nos artigos apresentados conclui-se que apesar da consolidada utilização da liga
CoCrMo ainda existem problemas a serem solucionados, como a liberação de íons de Co e Cr no
organismo e a baixa adesão dos revestimentos. As diferentes técnicas de avaliação da tribocorrosão,
a seleção de parâmetros dos testes, e as alternativas de revestimentos sugeridos pelas pesquisas não
permitem definir o revestimento ideal a ser utilizado já que não há padronização dos mesmos.

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5 Referências
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12
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[18] T. F. Zhang, B. Liu, B. J. Wu, J. Liu, H. Sun, Y. X. Leng, and N. Huang, “The stability of DLC
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[19] S. Chen, B. H. Wu, D. Xie, F. Jiang, J. Liu, H. L. Sun, S. Zhu, B. Bai, Y. X. Leng, N. Huang,
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vol. 252, pp. 8–14, Aug. 2014.
[20] Y. Yan, A. Neville, D. Dowson, and S. Williams, “Tribocorrosion in implants—assessing high
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Int., vol. 39, no. 12, pp. 1509–1517, Dec. 2006.
[21] Z. Doni, a. C. Alves, F. Toptan, J. R. Gomes, a. Ramalho, M. Buciumeanu, L. Palaghian, and F.
S. Silva, “Dry sliding and tribocorrosion behaviour of hot pressed CoCrMo biomedical alloy
as compared with the cast CoCrMo and Ti6Al4V alloys,” Mater. Des., vol. 52, pp. 47–57,
Dec. 2013.

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