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2010 A Noção Sujeito Na Clínica Analítica - A. G. Cabas PDF
2010 A Noção Sujeito Na Clínica Analítica - A. G. Cabas PDF
E NA CLINICA ANALITICA
Antonio Godino Cabas
Como sabemos, a noção de sujeito foi introduzida na psicanálise por Lacan. Isto
significa que –falando com propriedade- não é uma noção formulada por Freud. Contudo,
também sabemos que ao introduzí-la, Lacan sublinhou sua pertinência e necessidade. Por
isso, sua primeira preocupação foi de destacar no texto freudiano todos os elementos que
integram o problema e antecipam ao par que justificam a necessidade de introduzirmos
um termo novo no vocabulário analítico. Relembremos, pois, os antecentes freudianos…
I – EM FREUD
1
S FREUD – Múltiplo interés del psicoanálisis – Vol XIII, pag. 171
Amorortu Editores, Buenos Aires, 1975.
2
S FREUD – La resistencia contra el psicoanálisis – 1924 – Vol. XIX, pag 227
Amorortu Editores, Buenos Aires, 1975.
3
S FREUD – Nuevos caminos de la terapia psicoanalítica – 1919 – Vol XIX, pag. 151
1
Donde, se deduz que quando em 1895 ele abandona a hipnose não é pela ausência
de resultados terapeuticos mas por constatar que os mesmos eram passageiros por
dependerem da influência da sugestão. Neste sentido, o método analítico surgiu como
uma alternativa. Como um meio de fundar a cura na contramão da sugestão.
E de um modo tão definitivo que ao ratificar essa distinção, em 1919, ele o faz
com o objetivo de fixar o principio que os efeitos terapeuticos não bastam para fazer de
um tratamento uma psicanálise propriamente dita.
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analítica e finalmente o que ele designou como psicanálise em intensão ocupam um lugar
tão central no seu ensino. Com efeito, seu primeiro objetivo foi de relembrar que o ensino
da psicanálise depende do que uma análise ensina 5. Uma frase que parece tautológica
mas que prisa com clareza a premissa que rege sua doutrina.
2- Os fundamentos freudianos
Daí que a sua primeira providência tenha sido de extrair os fundamentos
freudianos do que é uma psicanálise propriamente dita.
1- O primeiro fundamento pode ser resumido pelo aforismo que diz que uma análise
aspira a ‘tornar consciente o inconsciênte’. Com a consequência que o
reconhecimento do inconsciente nos obriga a reconhecer a presença de um Eu
para além da consciencia. Um eu acéfalo se levarmos em conta que ele está
implícito e inmerso na série dos pensamentos inconscientes.
2- O segundo deriva da descoberta que o encadeiamento dos pensamentos
inconscientes supõe a presença do desejo. Com a consequência que a existência
do desejo supõe a presença de um querer ou uma vontade, subentendendo-se que
esta vontade prefigura um sujeito. Um sujeito de desejo, na contramão das
aspirações do ‘eu’ e dos ideais da consciencia.
3- O terceiro fundamento deriva da descoberta, para além do inconsciente, da pulsão.
Uma dimensão, cuja força de impulsão e cuja meta de satisfação é tão radical que
–não por acaso- evoca a noção de causa. Causa material. A consequência é que, a
descoberta da pulsão implica na correlativa assunção de uma causa do desejo e,
por extensão, do sujeito em questão.
4- O quarto é a descoberta que no fim do circuito pulsional há uma exigência de
satisfação –um imperativo de gozo- com a correlativa consequência que a
descoberta desta dimensão pressupõe a destituição subjetiva e a correlativa
assunção da causa em questão. O que representa uma subversão.
5- O quinto e último tem a arquitetura de um aforismo. Lacan o define como um
legado, o legado de Freud, cujo enunciado diz: Wo Es war, soll Ich werden.
“Onde Isso era, alí, deve o sujeito advir”. Tal a tradução. Que Lacan suscreve. O
que não impede uma série de exercicios destinados a interrogar seu sentido. Pois,
que pode isso querer dizer? Que o Eu deva substituir o Isso? Ou que é o sujeito do
inconsciente, que deve moldar-se para assumir as determinações do Isso pulsional
e o gozo correspondente?
No fundo, este recenseamento recolhe as linhas principais de uma elaboração cujo
centro reside na exigência freudiana que, para que uma análise possa ser definida como
tal é condição sine qua non que o paciente em trabalho de análise tenha assumido não
apenas a tarefa de vencer a resistência mas também se disposto a acolher, para sí, em
primeira pessoa, as consequências que se depreendem da existência do inconsciente.
Mesmo quando os dados desta elaboração se mostrem contrários as idéias que ele tem de
sí e do mundo. Esta admissão é o primeiro passo para essa transformação que a
psicanálise freudiana designa como cura.
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1- Lacan e os fundamentos
No mais, em 1954 a doutrina analítica dava sinais de estar à beira de um impasse.
A interpretação –inicialmente subordinada à associação livre e a isso que Freud designara
como Construções em psicanálise- parecia ter se desvencilhado destas amarras e
navegava, livre e solta, no meio analítico. Interpretar era coisa de analista e a única
exigência que se lhe fazia era que tivesse uma mínima ressonância teórica.
Lacan contesta este status quo e abre sua crítica com um sério questionamento
contra a tendência objetivante. Algo que ele resume de forma irónica quando adverte que
“…não se trata de explicar porque é que a moça é muda, mas… de fazé-la falar” 6. Por
sinal, uma sentença que admite paráfrases. A saber que…
- não se trata de explicar porque o inconsciente cala mas… de fazé-lo falar,
- não se trata de julgar porque a verdade é silenciosa, mas… de fazé-la se manifestar,
- não se trata de dizer porque a pulsão de morte é muda, mas… de fazé-la se revelar.
Para ele, a coisa é muito clara. Não é ao analista que incumbe falar pelo
inconsciente, manifestar-se em nome da verdade ou revelar a pulsão. O próprio do
analista é saber fazer e, aliás, de um modo tal que o inconsciente venha a falar, a verdade
venha a se dizer, a pulsão venha a revelar-se. Em nome próprio –se pudermos dizer. É por
isso e só para isso, que o analista está aí. Com o adendo que sua pericia se encerra no que
o paciente aceita acolher essa mensagem que lhe chega como se fosse de longe… e em
forma invertida. E tudo isto porque, a psicanálise não é uma Weltanschaaung. Tampouco
uma hermeneutica.
2- As primeiras pontuações
Assim, entende-se pois que desde o início ele tenha tomado uma posição
principista. De se contrapôr à tendência objetivante. De advogar pela dimensão subjetiva.
De invocar o sujeito. E aí, não há de surpreender ver as fórmulas se reiterarem, repetirem
e transformarem: “assunção subjetiva, subjetivação, realização do sujeito…”. Contudo, é
verdade que dada a intenção crítica face à tendência objetivante elas dão a impressão de
representarem uma alternativa; vide, uma opçåo moral. Como quem diz: “não convém
virar à direita; melhor à esquerda” querendo dizer: “é sempre preferível seguir pela
vereda subjetiva”.
Mas se tal fosse o caso, há que advertir. Que a estridência do debate não nos
ensurdeça ao ponto de esquecermos o ponto central. Porque, para além do calor da
polémica, o que está em pauta é a tese de Feud que define a cura como uma mudança.
Radical. Uma transformação na posição do sujeito.
3- O obstáculo na questão
É por isso que o seminário de 1956, consagrado ao tema das psicoses, tem uma
importância tão grande. Afinal, o que a psicose demonstra é a existência de uma
impossibilidade. A impossibilidade do psicótico em realizar a referida assunção
subjetiva. A não ser através de uma severa eclosão delirante. Ou seja, declarando um
surto. Para o psicótico o objetivo da cura é inexeqüivel. Simplesmente, porque não há, na
psicose, um correlato para a posição do sujeito.
6
J LACAN – Le seminaire, Livre I – Les ecrits techniques de Freud – Cap IV, pag 53
Editions du Seuil, Paris, 1975.
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O motivo é simples. Ao psicótico falta um significante. Um significante capaz de
representar sua posição na cadéia. Não é pois uma falta qualquer. É uma foraclusão.
Assim, falta-lhe o significante que Lacan designa como: do nome-do-pai. E, não havendo
significante para representar a posição do sujeito, esse lugar é ocupado (invadido -?-)
pelo Outro do delirio e pela injunção do gozo. Daí a pergunta que funda o seminário: um
tratamento possível?
A partir daquí o problema do estatuto do sujeito e, mais ainda, a questão de sua
definição clínica, formal e material se transformam, para Lacan, em um problema
epistémico de primeira magnitude e da maior preemência.
4- O sujeito em questão
Eis porque, de 1957 a 1965 –do Seminário IV ao Seminário XIII- Lacan vai
realizar uma tarefa titánica até concluir. Uma tarefa que –de acordo com o título de um
dos seus escritos- terminará pondo o sujeito em questão7.
Porque?
Em primeiro lugar, porque do ponto de vista clínico o Sujeito não é algo (uma
substância) e nem alguém (um ente). É uma função em estado de latência que o trabalho
da análise põe em marcha e opera como fundamento da cura 8. Portanto, uma função do
inconsciênte. Do saber inconsciente. E, por permanecer como uma suposição sempre
atrelada ao saber, o Sujeito é suposto ao saber. Ao saber do inconsciente.
Já do ponto de vista formal, ele só pode ser concebido em relação ao simbôlico.
Portanto, é ligado ao significante. O que não quer dizer que o Sujeito é um significante.
Pois, se for para dizé-lo nesses termos teriamos de concebê-lo como uma hiância. Como
o intervalo que separa um significante do Outro… significante. No mais, essa hiância
implica uma realidade pulsativa, o que nos leva ao ponto de vista material.
Do ponto de vista material o Sujeito é um corte. Pressupõe uma falta e, por essa
via, prefigura o fundamento do desejo. É a castração simbólica, sem a qual não há
pulsação nem desejo passível de ser assumido. Por lógica consequência, não há “quem”
em condições de ficar a postos para assumí-lo.
De resto, e para concluir, convém lembrar que –para Lacan- a cura analítica
pressupõe um passo a mais. A necessidade de realizar que o Sujeito não é causa de sí. Ele
é causado. Por um objeto que Lacan denota com a letra: “a”. E é nesse encontro do
sujeito com o objeto-causa, nesse encontro do corte com a falta, que sobrevêm um dos
desfechos da cura: a destituição subjetiva. A saber, a realização da sua inconsistência.
7
J LACAN – Du sujet enfin en question – In Ecrits, pag. 229. - Editions du Seuil, Paris, 1966.
8
A GODINO CABAS – O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan – pags 15/17
Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2009.