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A velha contrabandista

Stanislaw Ponte Preta

Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela
fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega
— tudo malandro velho — começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou
ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:
— Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás.
Que diabo a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela
adquirira no odontólogo, e respondeu:
— E areia!
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha
saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro
só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na
lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no
outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na
lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava
no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês
seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes o que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
— Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa
de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
— Mas no saco só tem areia! — insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o
fiscal propôs:
— Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não
conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está
passando por aqui todos os dias?
— O senhor promete que não “espáia”? — quis saber a velhinha.
—Juro — respondeu o fiscal.
É lambreta.

A estranha passageira
Stanislaw Ponte Preta

— O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de vôo
— e riu nervosinha, coitada.
Depois pediu que eu me sentasse ao seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria
fazer-lhe bem. Lá se ia a oportunidade de ler o romance policial que eu comprara no aero-
porto, para me distrair na viagem. Suspirei e fiz o bacano respondendo que estava às suas
ordens.
Madama entrou no avião sobraçando um monte de embrulhos, que segurava
desajeitadamente. Gorda como era, custou a se encaixar na poltrona e arrumar todos aqueles
pacotes. Depois não sabia como amarrar o cinto e eu tive que realizar essa operação em sua
farta cintura.
Afinal estava ali pronta para viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às
minhas custas, a zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me fazia aos
berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando ridícula:
— Para que esse saquinho aí? — foi a pergunta que fez, num tom de voz que parecia
que ela estava no Rio e eu em São Paulo.
— É para a senhora usar em caso de necessidade — respondi baixinho.
Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta, mas todos adivinharam qual foi,
porque ela arregalou os olhos e exclamou:
— Uai... as necessidades neste saquinho? No avião não tem banheiro?
Alguns passageiros riram, outros — por fineza — fingiram ignorar o lamentável
equívoco da incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era um azougue (embora com
tantas carnes parecesse mais um açougue) e não parava de badalar. Olhava para trás, olhava
para cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou
o encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos para todos os lados.
O comandante já esquentara os motores e a aeronave estava parada, esperando ordens
para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e lia
qualquer coisa. Logo veio a pergunta:
— Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só pra ela?
Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em
caso de necessidade, saía-se por ela.
Madama sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do
“show”. Mesmo os que mais se divertiam com ele resolveram abrir jornais, revistas ou se
acomodarem para tirar uma pestana durante a viagem.
Foi quando madama deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do
lado da janela para ver a paisagem) e gritou:
— Puxa vida!!!
Todos olharam para ela, inclusive eu. Madama apontou para a janela e disse:
— Olha lá embaixo.
Eu olhei. E ela acrescentou: — Como nós estamos voando alto, moço. Olha só... o
pessoal lá embaixo até parece formiga.
Suspirei e lasquei:
— Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou vôo.

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