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PRINCESAS AFRICANAS
LEITURASCOMPARTILHADAS
REVISTA DE (IN)FORMAÇÃO PARA AGENTES DE LEITURA | ANO 9 | FASCÍCULO 19 | PRINCESAS AFRICANAS | WWW.LEIABRASIL.ORG.BR | DISTRIBUIÇÃO DIRIGIDA
Leituras Compartilhadas
Março/2009
Princesas
Diretor Responsável: Jason Prado
Editor: Ana Claudia Maia
Conselho Editorial: Ana Lúcia Silva Souza e Sueli de Oliveira Rocha
Africanas
Direção de Arte e Produção Gráfica: Suzana Lustosa da Fonseca
Ilustrações: Taisa Borges
Outras Ilustrações:
Montagens feitas por Suzana Lustosa da Fonseca a partir de ilustrações
de Taisa Borges (págs. 18, 19, 38, 39, 56, 57, 66, 71).
Banco de Imagens: Fotolia
Todos os direitos foram cedidos pelos autores para os fins aqui descritos.
Quaisquer reproduções (parciais ou integrais) deverão ser autorizadas previamente.
Os artigos assinados refletem o pensamento de seus autores.
Leia Brasil e Leituras Compartilhadas são marcas registradas.
Impresso na Ediouro.
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Princesas africanas
D
Jason Prado
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pela sobrevivência diária, frágeis diante da todas as mulheres que remontam à mais
ilustre e desconhecida de todas as prince- cesas são a matéria-prima de nossa organi- frustra nossas expectativas e subverte a civi- preconceituoso e o preconceito é rasteiro,
sas: Lucy3, a africana que todos temos no zação social. lidade, nos pilhamos dizendo: “isso é coisa imprevisível, dissimulado e elitista. E quan-
sangue. Em meados do século XVI, surgiu na de preto”? do falo em elite, caio mais uma vez na pan-
Durante os meses necessários para que Inglaterra uma expressão que se atribui a Isso posto, toquemos num ponto nevrál- tanosa questão das classes sociais, dos
os artigos e textos fossem encomendados e um jurista inglês5, e que se tornou a base gico: a questão africana. dominantes e dominados, dos príncipes e
escritos, para que essas belíssimas ilustra- da Bill of Rights, expressivo nome de um Partindo de Lucy, somos todos afro-des- mendigos...
ções fossem produzidas e a edição come- capítulo da Constituição norte-americana: cendentes. Uns mais, outros menos. E o Voltando ao preconceito, o problema é
çasse a ganhar forma, muitas foram as a man’s home is his castle – a casa de um que é mais importante ainda, estamos jun- que ele dói, mas nem é crime. Embora a
dúvidas que, pouco a pouco, se materializa- homem é o seu castelo6. tos na humanidade. manifestação do preconceito seja crime
ram como bolhas que levantam da fervura. Tudo bem que essa frase tenha servido Por que é tão difícil que a descendência (tipificado pela Lei nº 7.716, de 05/01/89),
A mais inquietante delas, talvez, seja relati- para assegurar a inviolabilidade do lar, mas negra ganhe cidadania no Brasil, a ponto de seu sentimento não pode ser criminalizado.
va à questão Princesa. Dúvidas não pro- não caberia perguntar: quem mora em cas- ser necessária a criação de um movimento Ninguém pode ser punido por associar um
priamente quanto às funções tribais da filha telos? E por que pessoas de todas as classes pela consciência negra e a promulgação de negro, numa rua deserta, à noite, a uma
do chefe, mas quanto a esse conceito que sociais – inclusive nas sociedades de castas uma lei que obrigue as escolas a ensinar a situação de iminente perigo. Mas deve
permeia nossa vida e nos faz chamar nossas – se referem assim às suas herdeiras? História e a Cultura Africana7? doer (e revoltar) a qualquer jovem negro
filhas de princesas, que permite às mulheres Será demais remeter o conteúdo ideoló- Mais uma vez, volto a particularizar assistir a um estranho desviando de seu
se atribuírem esse título, sempre tão impreg- gico das princesas (e toda a sua entourage) minha fala e recorro aos significados. caminho.
nado de bondade. às questões da família, da propriedade e do Embora não tenha autoridade para falar a Do outro lado desse comportamento
No romance Peixe dourado4, um belíssi- estado? Será puro maniqueísmo? esse respeito, vou me permitir ser opiniáti- está, por exemplo, a clara leitura que
mo livro sobre princesas africanas, Jean- Por outro lado, por que valorizamos co: não creio que o movimento tenha se podemos fazer da miséria a que as elites
Marie Clézio (Prêmio Nobel de Literatura tanto esse negócio de realeza, nobreza e constituído apenas em decorrência da dor condenaram os negros no Brasil. Miseráveis
de 2008) usa o termo princesa centenas de outras iniqüidades coroadas? ainda viva de nossos avós amarrados no famintos – como os escravos “libertos”
vezes, a maior parte delas para se referir às Há 16 anos – em 1993, na reta final do pelourinho, muito menos pela imoralidade pela Lei Áurea, sem teto e sem perspectivas
moças de um prostíbulo marroquino, bus- século XX – nosso Congresso promoveu, a do tráfico, que aniquilou milhões e, pela – são marginais potenciais. Mas essa lógica
cando assim suavizar o caráter do ganha- um custo financeiro exorbitante, um plebis- escravidão, transformou outro tanto em nunca ocupou espaços na sociedade, que é
pão dessas mulheres. cito (referendo popular) sobre a forma de mortos-vivos. preconceituosa (de certa forma, o senti-
Que mágica tem essa palavra? De onde governo no Brasil. Nada menos que 6,8 Embora sejam recentes, esses fatos mento do preconceito exime e protege de
vem sua força? milhões de brasileiros votaram a favor da remontam ao já longínquo século XIX. É culpa as pessoas). O preconceito só se des-
Deixando de lado as razões teosóficas monarquia, pensando seriamente em entre- preciso falar deles porque somos um país monta com educação, com a lógica. E essa
(ou o pseudo “direito divino” de alguém ser gar a coroa (e nós, as caras) aos portugueses decorre de um pensamento arejado, da
melhor que os outros e, a partir dessa lógi- que exportaram nossas riquezas e importa- compreensão de cada componente
ca, praticar todas as vilanias possíveis con- ram da África, como mercadoria, seres do todo.
tra a humanidade), em que pensamos quan- humanos. Com essas considera-
do empregamos essa palavra? Por que, mesmo sabendo disso (da ções, retomo o propó-
Em primeira e última instância, prince- vergonha e sofrimento que nos cau- sito desta edição
sas são as herdeiras do rei. São elas que sam os que se julgam acima do bem de Leituras
viabilizam a constituição de novos reinados e do mal; da podridão que alicerça a Compartilhadas:
(famílias), garantindo a transição entre um aristocracia), quando alguém tem uma criada para ajudar
antigo e um novo regime. Se é verdade que atitude digna, elogiável, quase beata, dize- os professores a reconhecer e positivar as
as histórias tecem o terreno por onde cons- mos que foi um “gesto nobre”? E por que, diferenças, combater o racismo e o precon-
truímos nossas noções de mundo, as prin- no extremo oposto, quando algo inesperado ceito étnico-racial, ela não pode se propor
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a oferecer respostas, mas a ajudar a instalar
perguntas que desconstruam comportamen-
tos e pré-julgamentos.
Sendo assim, com o excepcional conteúdo
que se segue e que é oferecido às futuras
gerações de brasileiros, deixo no ar uma
Princesas
homenagem a todas as princesas negras
(e africanas) que nunca estiveram em nosso
imaginário e às outras tantas que não pude-
ram comparecer a esta edição.
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Africanas
Notas:
1 Ana Lúcia Silva Souza (Analu) é socióloga, dou-
toranda em Lingüística Aplicada (Unicamp - Instituto
de Estudos da Linguagem), mestre em Ciências Sociais
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Parti-
cipa desta edição de Leituras Compartilhadas como
articulista e conselheira editorial.
2 Conan, o destruidor, de 1984.
3 Lucy Dinqines (que significa você é maravilhosa) –
nome do esqueleto da fêmea hominídea de 3,2 milhões
de anos encontrado na Etiópia; é a mais antiga ances-
tral da humanidade.
LEITURASCOMPARTILHADAS | ANO 9 | FASCÍCULO 19
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Índice
• Uma princesa em São Tomé e Príncipe - Ana Lúcia Silva Souza . . . . . . . . . . . . . . .43
• Princesa de África, o filme - Uma entrevista com Juan Laguna . . . . . . . . . . . . . . . .47
• Iya Ibeji, a mãe dos gêmeos - A leitura dos símbolos nagô - Marco Aurélio Luz . . . . . .51
• A lenda da princesa negra que incendiou o mar - Geraldo Maia . . . . . . . . . . . . . . .55
Taisa Borges tem formação em artes plásticas e estilis- • Nas malhas das imagens e nas trilhas da resistência: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
heroínas negras de ontem e de hoje - Andréia Lisboa de Sousa . . . . . . . . . . . . . . .59
mo. Ilustrou para a Folha de S. Paulo, Vogue, entre outros.
• Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .83
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O sonho de ser princesa...
Andréa Bastos Tigre - Rossely Peres
Q
Princesa Desalento
Pise macio porque você está pisando nos impotência frente aos mais fortes, da solidão
meus sonhos.1 e do isolamento, dos segredos e sobressaltos
W. B. Yeats de se ter um corpo. São legados que nos
Vive do riso duma boca fria! infantil. viver nele? Quem sou eu?
Minh'alma é a Princesa Desalento... A linguagem fantástica - a da poesia, do As histórias e os contos tomam a angús-
conto, das fábulas, com seus ritmos e ima- tia do existir a sério, dirigem-se a ela, à
Altas horas da noite ela vagueia... gens - permite à criança “viver outras vidas” escura incerteza do que vai acontecer.
E ao luar suavíssimo, que anseia, e, assim, construir um arcabouço imaginá- Endereçam-se ao futuro guiando a criança
Põe-se a falar de tanta coisa morta! rio necessário e fundamental para “viver a através de caminhos que ela pode aceitar e
LEITURASCOMPARTILHADAS | ANO 9 | FASCÍCULO 19
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do quem sou e quem serei, da raiva e da rir, acariciar, girar, ir e retornar. Lá não há
As princesas nos contos de fadas
N
uso ridículo ou absurdo da linguagem, o de sugerir o desconhecido, o imprevisível,
Sonia Rodrigues
desbloqueio do imaginário recria a fascina- implicando o ouvinte-leitor no trabalho de
ção da palavra e permite: “eu sou princesa”. preencher lacunas, absorver o intuído, asso-
A vida não pára de se escrever; e a histó- ciar som, imagem, textura, ritmo e cor. Se é
ria, em sua letra, se conserva através do uma trama proposta por um autor-narrador,
tempo. É a permanência do texto que sus- cabe a cada ouvinte-leitor torná-la sua.
tenta a imortalidade das obras, e, entre elas, Longa vida aos contos de príncipes e
os contos maravilhosos que comuns a toda humanidade e fornecem a
a de princesas que, nórdicas, africanas, asiá- princesas!
aparecem na cultura ocidental, as princesas base das religiões, dos mitos e dos contos
ticas ou indígenas permitem à criança olhar
costumam ocupar dois papéis: o do prêmio, maravilhosos.
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ligados a imagens primordiais ou símbolos “antagonista”.
Aplicando os conceitos de Propp, consi- histórias que defendem a moral e os bons Propp enumera os papéis distribuídos e. Percurso do herói até sua desti-
dero que um personagem é sempre um per- costumes, histórias nas quais o mal é puni- entre as personagens concretas dos con- nação, vitória do herói. Aqui pode
sonagem, mas os papéis variam segundo a do e o bem triunfa, histórias, enfim, que tos maravilhosos como: o herói, o antago- ocorrer um desdobramento que pro-
interação do personagem com a trama. Uma enganariam seus pequenos leitores levan- nista (ou agressor), o doador, o auxiliar, a longue a narrativa: perseguição ao
princesa pode ser afilhada de fadas, como do-os a acreditar em um mundo irreal. princesa ou seu pai, o mandante e o falso herói, aparecimento do falso herói,
em A Bela Adormecida ou Pele de Asno. O Contos de fadas são contos épicos, con- herói. retorno do herói;
papel a ser desempenhado dependerá de tos que tratam da jornada do herói, na qual Os contos poderiam ser chamados tam- f. A seqüência f, é lógico, depende
como o enredo se articula. este repara a perda ou dano ocorrido no bém de “contos dos sete personagens”, ape- do prolongamento da narrativa. O
No conto A Bela Adormecida, a princesa início da narrativa. Esta reparação é que sar de nem todos aparecerem em todos os herói chega incógnito, encontra as
se limita a furar o dedo – inadvertidamente, distingue o conto de fadas da tragédia, na contos, claro. Porque existem contos mais pretensões infundadas do falso herói,
estimulada por uma fada rancorosa – numa qual o herói é levado, por suas próprias simples, como o da Menina da Capinha é submetido a uma tarefa difícil para
roca. Em seguida, ela dorme – graças à características, a cometer uma falha irreme- Vermelha, e mais extensos, como o Veado ser distinguido do falso herói, realiza a
intervenção de uma fada boa – junto com diável que o faz ultrapassar a medida e ser encantado. tarefa, é reconhecido e desmascara o
todo o reino, até que um príncipe a salve. arrastado para uma situação sem saída. A trama dos contos de fadas, de uma outro, que é castigado. O herói casa ou
Em Pele de Asno, a princesa é desejada No conto de fadas, o final é feliz porque maneira geral, é enxuta, utilizando o míni- é entronizado.
pelo pai enlouquecido, resiste ao incestuoso aquela ou aquele que está envolvido na mo de idas e vindas, ao contrário de narra- É interessante notar que o estudo de
pedido de casamento e, com o auxílio da reparação da perda (a princesa, em muitos tivas como a Odisséia. Propp se refere ao herói como aquele que
fada madrinha, foge para uma trajetória de exemplos) se submete, temporariamente, às Os enredos dos contos, ainda segundo repara o dano. Nos exemplos citados por
agruras até conquistar o coração de um intempéries. Em Os três cães, ela, por medo Propp, não fogem muito da seguinte dispo- ele, o herói é um rapaz de origem simples
príncipe. de morrer, aceita dizer ao rei, seu pai, que sição dos acontecimentos: ou príncipe, e a princesa é, quase sempre,
No primeiro, o protagonista é o príncipe foi o cocheiro desonesto que a salvou do a. Situação inicial, que define espa- prêmio. Quando a figura feminina ocupa
e, no segundo, a princesa é herói, e o prín- dragão. Aceita ser prometida em casamento ço, tempo, personagens principais um papel mais ativo, ela costuma não ser da
cipe, prêmio. ao impostor. O que ela faz é estabelecer (fora o antagonista), seus atributos e realeza ou é da realeza, mas está disfarçada.
No conto maravilhoso, nem sempre apa- uma resistência passiva, pela tristeza, para antecedentes; É filha de mercador, em A Bela e a Fera,
rece o elemento mágico, mesmo quando adiar o casamento durante três anos. b. Parte preparatória, onde aparece órfã pobre em O Veado Encantado, de ori-
estão articulados princesa, prêmio e recom- Tempo suficiente para o verdadeiro salva- algum tipo de proibição e a transgres- gem desconhecida e beleza estonteante em
pensas variadas. É o caso de A princesa e o dor voltar, com seus cães mágicos, para des- são da proibição, o dano ou carência e A Moura Torta ou uma princesa em trajes
grão de ervilha, no qual não existe magia e, mascarar o falso pretendente. E casar com a o antagonista com seus embustes. Em pobres, como em A princesa e o grão de ervilha.
sim, reconhecimento da princesa como princesa, claro. Rapunzel fica muito claro este par de Apesar das críticas da boneca Emília,
herói de si mesma, porque ela, apesar dos Pelo parentesco com a epopéia e não elementos: proibição e transgressão. nos contos folclóricos narrados por Tia
farrapos, é uma princesa real cuja pele se por moralismo ou irrealidade, o conto Em A Moura Torta, o dano ou carência Nastácia, aparecem várias princesas em
ressente de um grão de ervilha sob 12 col- maravilhoso termina na reparação da perda, está no feitiço colocado pela usurpa- papel de herói ou auxiliar de herói. É o
chões. culmina no triunfo do herói. Odisséia, de dora. caso do Bicho Manjaléu. Aparecem também
A articulação entre os papéis de herói e Homero, é a matriz ocidental (ou o mais c. O nó da intriga: uma personagem princesas no papel de adversário, como no
prêmio está presente nos contos de fadas abrangente exemplo da cultura ocidental) se revela como herói ao reagir à ação conto A Princesa Ladrona.
em que a princesa faz parte do conjunto de desse triunfo. Na Odisséia, a princesa (rainha) do antagonista que provocou o dano. A princesa como adversário do herói
personagens que assumem o papel de está no papel de prêmio. Penélope faz a d. Aparece(m) o(s) auxiliar(es) do também aparece em A Pequena Sereia, de
representar o Bem. Vale a pena pensar um mesma coisa que a princesa sem nome do herói, com todas as particularidades Andersen, conto no qual a princesa é a
pouco sobre o significado de “Bem”, por- conto Os três cães. Protela a escolha de um dele(s) e do(s) objeto(s) mágico(s), usurpadora, inventa que salvou o príncipe
que, às vezes, acontece dos contos de fadas pretendente usurpador até o retorno de incluindo aí as provas necessárias ao para casar com ele e derrota, assim, a
serem lidos como histórias de final feliz, Ulisses. herói; pequena sereia.
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São outras as nossas princesas
S
Não conheço, no entanto, nenhuma lei- CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1988.
Conrad. 2000. lescência. Têm uma vida tranqüila e feliz, Américas. No mapa da diáspora africana1,
redor da fogueira, dias e dias numa biblio- JUNG, Carl G. et alli. O homem e seus símbolos. Rio até que, em determinado momento, passam o Brasil figura no primeiro lugar do mundo.
teca, muito tempo frente a um computador de Janeiro: Nova Fronteira, s/d. por provas e provações, mas são salvas por Nosso país tem a maior população de ori-
ouvindo, lendo, pensando e recriando a LOBATO, Monteiro. A barca de Gleyre. São Paulo: jovens príncipes, belos, educados e ricos, gem africana fora da África, ou seja, tem
partir das princesas dos contos de fadas. Brasiliense, s/d. Histórias de Tia Nastácia.
que por elas arriscam a própria vida e com 85.783.143 afrodescendentes. Esse número
Porque a princesa é a jovem mulher PROPP, Vladimir I. Morfologia do conto maravilhoso. os quais elas se casam, sendo, então, “feli- representa 44,7%2 da nossa população. Ou
convivendo com o mundo, com o inevitável, Trad. Jasna Paravich Sarhan. Org. Boris Schnaider-
zes para sempre”. Pertencem aos contos de seja, quase metade da população brasileira
com o transcendente. Lidando, portanto, man. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984.
fadas, são européias e suas histórias aconte- é formada por descendentes dos negros
com a vida e com todos nós.
ceram há muito e muitos anos. africanos que para cá vieram e trabalharam
Sonia Rodrigues, doutora em literatura e Mas nem todas as princesas são as dos sob péssimas condições, formando a mão-
Bibliografia: autora da Coleção Reconstruir, Formato Edito- contos de fadas da Europa, a bela, gloriosa de-obra escrava nos engenhos de açúcar e
BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de rial. Para mais informações sobre a autora, e deslumbrante irmã. A África, por exemplo, nas minas de ouro, durante o período que
fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. consulte: www.autoria.com.br deu ao mundo princesas famosas, como foi de 1530 a 1888. É aqui, portanto, em
LEITURASCOMPARTILHADAS | ANO 9 | FASCÍCULO 19
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No período em que durou o tráfico negreiro mais atenta.
Desde 2005, o Censo Escolar vem incluin- e, para que fossem impedidos de fugir, No Brasil: 10.661.197 = 51,2% Notas:
do em seu questionário o quesito cor/raça3. eram acorrentados. Nas reminiscências Na Educação Infantil: 1.900.436 = 49,6% 1 Publicado em 1990, de autoria de Joseph Harris,
Em 2007, na modalidade ensino regular, o dessas humilhações pode estar embutido No Ensino Fundamental: 6.108.266 = 50,9% um historiador norte-americano.
Censo Escolar revelou os seguintes núme- o desconforto do adolescente do Ensino No Ensino Médio: 1.278.241 = 47,6% 2 Esse número aumenta quando os critérios são as
ros de alunos, para esse quesito: Médio, que prefere não declarar a própria Ou seja, no total do ensino regular da pesquisas genéticas, segundo as quais 86% dos brasilei-
ros têm algum grau de ascendência africana. De acordo
Educação Básica Brasileira, a distribuição
com esses estudos, os genes africanos variam de 10 a
NÚMERO DE ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL, POR RAÇA/COR EM 30/5/2007 cor/raça está equilibrada entre a branca, 100% de ancestralidade no brasileiro, que pode ou não
com 46,9%, e a negra/parda, com 51,2%. apresentar traços de fisionomia negra, devido ao alto
ENSINO REGULAR A maioria dos alunos brasileiros é de des- grau de miscigenação ocorrida em nosso país.
Total da Educação Total do Ensino Total do Ensino cendência africana e se declara de cor/raça 3 As variáveis branca, preta, parda, amarela e indíge-
Total do Brasil
Infantil Fundamental Médio negra ou parda. Nesse contingente estão as na, para aferir o quesito cor/raça, foram definidas pelo
A
Maria Clara Cavalcanti de Albuquerque
24 25
uma fada humanizada, com características É inimiga agressiva,
A donzela, o sapo e o filho do chefe
H
É serpente que ali está! Nesta revista, temos uma excelente opor-
26 27
não mexeu o tuwo, nem moeu o fura, nem outro de ouro, e disse:
– Tome. Vista-se e vá ao Festival. Mas Buscaram então a moça. Assim que o do chefe, diga-lhe: “Viver na cabana do mil cowries para comprar flores de tabaco.
preste atenção. Quando a dança estiver filho do rei a viu, correu em direção a ela, chefe é muito difícil, porque eles medem o Depois dava a cada uma de nós uma cabaça
quase no fim e os dançarinos já estiverem calçou o sapato de ouro em seu pé e levou- milho com uma concha de Bambara4”. de nozes, cinco mil cowries para comprar flo-
se dispersando, deixe seu sapato de ouro lá a com ele para sua cabana. Um dia, a madrasta foi com a filha visitar a res de tabaco, e um saco cheio de milho para
e volte para casa. Assim que ela partiu, o sapo chamou menina e perguntou-lhe como era a sua vida. fazer tuwo. Agora ela grita “Bah!” e nos cospe.
A menina vestiu as lindas roupas, enfei- todos os outros sapos, tanto os grandes Lembrando-se dos conselhos do sapo, – Vê - disse ele. Antes, quando ia vê-la,
tou-se com as lindas jóias que o sapo lhe quanto os pequenos, e lhes disse: ela respondeu: eu sempre a encontrava ajoelhada e ela
dera e correu para o Festival. – Minha filha está se casando. Quero – Oh! É muito difícil. Eles usam uma se deitava comigo na cama de ouro, agora
Quando o filho do chefe a viu chegando, que cada um de vocês dê a ela um presente. concha de Bambara para medir o milho. ela grita comigo. Acho que trocaram a
– Aí está uma donzela para mim. Não cobertores coloridos, tapetes, esteiras, teci- me cumprimentar, eu respondo com um O filho do chefe, então, chamou seus
me interessa de que casa ela vem. Tragam- dos, vasilhas, e o sapo velho, depois de ”BAH!” de desprezo. Se as concubinas vêm guerreiros. Eles entraram na cabana da
na aqui! muito esforço, vomitou uma cama de prata, me cumprimentar, eu cuspo nelas. E quan- moça e a cortaram em pedacinhos.
Então os servos levaram a menina até uma cama de cobre e uma cama de ferro. do meu marido chega na cabana, eu grito Depois, foram à casa da madrasta e lá
onde ele estava e juntos eles passaram a Na manhã seguinte, quando a menina com ele. encontraram a pobre órfã deitada nas cin-
noite toda conversando. Mas quando os bai- acordou, viu na soleira da porta o velho A madrasta, na mesma hora, colocou a zas da fogueira. Na mesma hora a levaram
larinos começaram a se dispersar, ela se amigo e os presentes. Ela ajoelhou-se res- própria filha na cabana e obrigou a órfã a de volta para o marido.
levantou e, antes que o filho do chefe peitosamente e ele lhe disse: voltar para casa com ela. Na manhã seguinte, ela contou ao mari-
pudesse impedi-la, saiu correndo, deixando – Isto tudo é para você. Mas preste aten- Na manhã seguinte quando as mulheres do como o sapo a havia ajudado e pediu
o sapato de ouro para trás. ção. Quando seu coração estiver triste, vieram cumprimentá-la, a filha da madrasta que ele mandasse construir um poço próxi-
Na beira do poço, já esperando por ela, deite-se na cama de bronze. Quando seu gritou-lhes: “BAH!”. Quando as concubinas mo à sua cabana para que o velho sapo e
estava o sapo. Mais do que depressa, eles coração estiver tranqüilo, deite-se vieram visitá-la, ela cuspiu nelas. E quando todos outros sapos, grandes ou pequenos,
LEITURASCOMPARTILHADAS | ANO 9 | FASCÍCULO 19
A
Conta a lenda que dormia Luiz Geraldo Silva
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada. história africana e a história do Seu longo reinado durou até 1663, e tanto
A Princesa Adormecida,
do antigo reino do Congo, em outubro de 1641 uma ordem do
Verde, uma grinalda de hera. Luanda, cidade que sediava a reiterando que a ela, e só a ela,
administração portuguesa em “assistia o direito e a justiça” em
Longe o Infante, esforçado, Angola. Ela se apresentou em Ndongo.
Sem saber que intuito tem, Luanda como uma espécie de Ao longo de seu reinado,
Rompe o caminho fadado. embaixadora de Ndongo, reino Jinga enfrentou várias guerras
Ele dela é ignorado.
LEITURASCOMPARTILHADAS | ANO 9 | FASCÍCULO 19
A cabeça, em maresia,
rioso. Jinga retirou-se com seu povo para seus principais inimigos em sucessivas
30 31
so de Jinga, que passou a governar Ndongo. – que governara o Rio de Janeiro entre
As princesas africanas
R
1637 e 1642 – firmaram a paz, bem como presa. Tereza perdera, assim, dois antebra-
Braulio Tavares
acordos comerciais. Naquela ocasião, ços, amputados antes que gangrena a con-
Salvador de Sá afirmara a Jinga que era sumisse. “Vi a pobre Tereza neste lamentá-
“maior honra poder cooperar pelo aumen- vel estado”, diz Tollenare em dezembro de
to de sua grandeza, que ser servido por 1816. “Hoje não pode mais trabalhar”,
todos os escravos não da Matamba, mas de continua o francês; “empregaram-na,
toda a África”. Em 1656, aos 75 anos de porém, utilmente para vigiar as compa-
ainhas e princesas da África são Reza a lenda, no entanto, que os dois
idade, Jinga permitiu a entrada de capu- nheiras, e sabe fazer-se temer e obedecer”.
uma fonte de mitos e de fantasias para a cultura foram amantes. A rainha teria pedido ao
chinhos em seu território, casou-se pelo Uma vez rainha, sempre rainha.
ocidental. Elas reúnem poder e exotismo, atra- rei, quando este a hospedou no palácio,
A Rainha de Sabá
mento. Salomão acedeu, pedindo apenas
parte da política de alianças com os portu- çados. Uma favoreceu enormemente o trá-
que ela não se apoderasse, sem o consenti-
gueses. Esses, graças a ela e aos acordos fico de escravos, o que permitiu a outra ter
Talvez a soberana africana cuja lenda é a mento dele, de nenhuma riqueza que visse
comerciais antes firmados, incrementaram vindo parar deste lado do Atlântico, e no
mais remota seja a Rainha de Sabá. Sua à sua volta. Tendo assim combinado, os
o tráfico de escravos a partir da África cativeiro. Uma realizou um governo longo
visita ao rei Salomão é descrita no I Livro dois foram jantar e o rei deu instruções
Centro-Ocidental, o qual atingiu volume e bem sucedido, marcado por guerras e
dos Reis, no Antigo Testamento. Além de veladas aos criados para que servissem
sem precedente. Em troca, Jinga controla- crises, mas também por acordos de paz. A
bela e riquíssima, era uma mulher de gran- comida com muito sal e tempero. Durante
va na década de 1660 “o mais importante outra também guerreou a princípio contra
de sabedoria. A Bíblia não indica que tenha a noite, a rainha acordou com sede e levan-
espaço econômico da África Central Oci- seu senhor, mas acabou se submetendo a
ocorrido nenhum caso amoroso entre os tou-se para beber água. Salomão surgiu
dental alguma vez submetido a uma só ele, ao mesmo tempo em que viu seu
dois, mas dá a entender que eles travaram diante dela e disse que a maior riqueza do
autoridade”, como afirma o africanista poder reconhecido no engenho onde vivia.
um desafio de inteligência e de adivinha- povo de Israel era a água; se ela quebrasse
português Adriano Parreira. São histórias de mulheres que ligam a
ções. Propor enigmas durante festas era um a palavra dada, ele se sentiria no direito de
Ayesha
passeando por Jerusalém, ela teria se recu- Trinta costumava afirmar que Hollywood Sua formosura, assim nos disseram,
sado um dia a atravessar uma ponte de distorceu a verdade histórica ao escalar a não era de modo algum incomparável,
madeira, sem dizer no entanto a razão. A branquíssima (e de olhos violeta) Elizabeth nem de molde a impressionar os que a Na literatura, há uma princesa africana
lenda explica dizendo que ela percebeu, Taylor para o papel da rainha egípcia, pois, viam. Mas sua conversação tinha um que reúne em si toda a mística de Cleópatra
com sua clarividência, que da madeira segundo ele, “ela era uma neguinha”, como encanto irresistível, e sua presença, combi- e da Rainha de Sabá, numa obra-prima
daquela ponte seria feita a cruz em que a maioria dos egípcios de sua época. nada com o tom persuasivo de sua fala, e obscura escrita pelo mesmo autor de As
Cleópatra
macedônio (descendente de Alexandre, o relacionamento com os demais, tinha algo (Editora Record), um romance de 1887 em
Grande) que governou o Egito por várias de estimulante. Também havia uma doçu- que um grupo de exploradores encontra
Cleópatra é a rainha africana mais famo- dinastias e, se não era alva como Liz Taylor, ra no seu tom de voz, e sua língua, como num recanto perdido da África um reino
sa. Sendo uma governante poderosa, e que também não seria propriamente uma núbia. um instrumento com muitas cordas, se negro governado por uma rainha branca
se envolveu numa relação política e amoro- Celebrada pela literatura, pela poesia, pelo amoldava a qualquer idioma da forma que se diz ter mil anos de idade. Sua beleza
sa com dois generais romanos, ela passou cinema e teatro e, principalmente, pela tra- que melhor lhe convinha. é tal que ela precisa aparecer velada diante
para a História como uma típica mulher dição oral, Cleópatra entrou para a cultura dos seus súditos, para que não enlouque-
fatal, aquela pela qual os homens estão dis- de massas como a mulher mais bela do Cleópatra tinha cerca de vinte anos quan- çam de paixão. Seu nome é Ayesha; seu
postos a sacrificar um império inteiro. mundo em sua época. Plutarco, em sua bio- do conheceu Júlio César, que tinha mais de povo a chama “Aquela-que-deve-ser-obede-
Olavo Bilac, num soneto famoso, disse que grafia de Marco Antônio, nos dá um retrato cinqüenta. Era provavelmente de pequena cida”. Ayesha julga reencontrar no explora-
estatura, a julgar pelo episódio de seu pri- dor inglês a reencarnação do seu amor per-
meiro encontro com César, em que ela se fez dido, que ela esperava há séculos.
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A
Celso Sisto
beleza andava de mãos dadas Nem é preciso dizer que Abena encan-
com a princesa Abena, pois tinha reunido tou-se logo com os modos de seu primeiro
numa só pessoa um harmonioso pescoço pretendente. O olhar molhado, o corpo
36 37
nunca antes vista! Chuva, mostrou-se em trajes suntuosos e,
com finíssimos modos, apregoou seu O Rei veio recebê-los, e, sem rodeios, faziam vibrar a pele do antílope negro que O Fogo que avançava destemido apagou-
poder: disse que já havia decidido a data para o recobria cada tambor, os chifres e as trom- se a poucos metros da linha de chegada. E
- Meu Rei, veja por si mesmo. Daqui até casamento com sua filha. betas espalhavam no ar seus sons, ora esti- a Chuva enfim foi declarada vencedora!
as savanas de Burkina Fasso, até as areias - O meu casamento com ela? – pergun- mulando as torcidas, ora impulsionando os A princesa Abena, mais feliz do que
do Golfo da Guiné, até as plantações do taram o Fogo e a Chuva ao mesmo tempo! concorrentes. Tudo ao redor nunca, atirou-se de braços abertos sob a
Togo, até as florestas da Costa do Marfim, Só então se deram conta de que alguma parecia cantar: água celeste e bailou como nunca ninguém
não haverá ninguém com maior vigor que o coisa estava errada. Mas o Rei apressou-se “Quero ouvir os tam- vira. Seu corpo inteiro comemorava a vitó-
Fogo. Minhas chamas mantêm os animais em dizer: bores a tocar. ria da Chuva, inclusive seus olhos. O ritmo
perigosos ao longe, cozinham a comida dia- - A princesa Abena se casará Quero sentir os pés dos tantãs, que então batiam mais forte,
escuras e aquecem o corpo durante a rigo- organizei para o dia do casamento! Quero sentir os tambo- dança, que se estendeu por incontáveis
rosa estação do frio. Que mais alguém A notícia espalhou-se res a tocar. noites.
poderia oferecer à sua bela filha? Consinta como chuva miúda. A notícia Quero ouvir os pés dos Daquele dia em diante, o Fogo e a
que eu me case com ela! correu como um rastro de fogo. que dançam...” Chuva tornaram-se inimigos mortais. Só
O Rei ficou tão impressionado com tal Em toda a África Ocidental não O Fogo estava ganhando. Havia no uma coisa não teve mais jeito: toda vez que
pretendente, e casar a filha durante a se falava em outra coisa a não ser na tal ar um vento que o ajudava a multipli- chove forte, as pessoas param o que estão
colheita do cacau era decisão tão antiga, disputa pela mão da princesa! Havia os car as chamas e a alastrar-se rapida- fazendo e põem-se a bailar debaixo da água
que acabou por aceitar a proposta! Disse que apostavam no mente. Por mais esforço que fizesse a que cai do Céu, tudo, tudo ainda para
que ia comunicar o trato à princesa e man- Fogo. Era grande o Chuva, suas gotas eram insuficientes comemorar o casamento da princesa.
dou que o Fogo voltasse no dia seguinte, número dos que para colocá-la na frente. Ao contrá-
para acertarem os detalhes. torciam pela Chuva. rio, quanto mais vertia água, mais Notas:
Mais tarde o Rei chamou a filha e comu- Só a princesa pesada ficava, e mais terreno perdia! 1 Conto popular de Gana e países da África Oci-
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O
Márcio Vassallo
nome dela era Marinela. se ouvindo eram maiores que todas as sel-
Ninguém acreditava que eu namorava vas da África.
Versos de Orgulho
uma princesa africana. Eu passava o dia escrevendo para ela,
Algumas pessoas nem sabiam que existia mesmo quando nem me sentava para escre-
princesa na África. ver, mesmo quando escrevia só na minha
Porque trago no olhar os vastos céus, Na realidade, a gente só tinha se visto cartas, todos endereçados para a mesma
E os oiros e os clarões são todos meus! uma vez na vida e todos os dias esperava dona.
Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém! pelo dia de se ver de novo. E se me desse naquela hora uma vonta-
Enquanto esse dia não chegava, a Mari- de de dizer para a Marinela a mesma coisa
O mundo! O que é o mundo, ó meu amor?! nela me telefonava todas as noites e nós que eu dizia sempre, mas de uma forma
O jardim dos meus versos todo em flor,
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40 41
se ouvindo. E as horas que a gente passava Depois, a gente continuou a se olhar
Uma princesa em São Tomé e Príncipe
E
com olho de primeira vez, durante uma durante tanto tempo, assim, por carta e
e Príncipe, um dos muitos países do cados e uma postura esguia, que sustenta
mundo já ligaram para alguém na vida. última carta, e comentando a estranheza
imenso continente africano. Inde- o corpo de uma linda mulher. Essa é
Bem, um dia, a Marinela me telefonou, com uma velha amiga, nem tão velha, nem
pendente de Portugal desde 1975, Iraiurdes!
mas não foi para falar de amor, não. tão amiga. E tudo isso com aquele sotaque.
é formado por duas ilhas, tem A televisão está ligada, olhos na
Ela me ligou para me dizer que precisá- Ai que cena bonita, ai que cena bonita!
pouco mais de 200 mil habitantes tela e no que podemos jantar em
vamos terminar de namorar, porque havia
e apresenta expectativa de vida breve - é hora do noticiário e muito
lonjura demais entre nós, para sustentar
que se aproxima dos 70 anos de idade. nos interessa saber dos assuntos políticos
tanto sentimento. Márcio Vassallo nasceu no Rio de Janeiro,
Lá, o cotidiano começa seu agito por e econômicos, assuntos que colam no
A gente não sabia que a lonjura era jus- em 1967. Jornalista e escritor, há mais de dez
volta de cinco horas da manhã. Chama cotidiano do país. Intervalo na programa-
tamente o que sempre tinha sustentado anos realiza palestras e oficinas sobre a impor-
a atenção a grande quantidade ção. Uma jovem aparece na TV,
aquela paixão toda. tância do encantamento na vida da gente.
de crianças e adolescentes dizendo: “Proteja-se contra a
- Sei que eu devo estar fazendo a maior Escreveu textos para “O Globo”, “Folha de S.
que se deslocam na ida e SIDA”. A voz é melodiosa,
bobagem da minha vida - ela me disse, cho- Paulo”, “O Estado de S. Paulo” e “Jornal do
vinda para a escola e as os gestos são delicados e a
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que sim, podíamos voltar no final do expe- por isso mais brandos ou menos violentos. projeto de cooperação técnica “Alfabetização Solidária raciais e práticas juvenis de uso social da lingua-
em São Tomé e Príncipe”, produto de uma parceria
diente que ela contaria mais coisas. E nós Os fios tanto tecem e destecem que aca- gem. Investiga práticas de letramento no movi-
entre o governo desse país e o Ministério das Relações
voltamos com sede por ouvir um pouco bam por levar a angolana para outros paí- Exteriores do Brasil, por meio da Agência Brasileira de mento cultural hip-hop. Integra a Associação
mais de toda aquela história, a de Iraiurdes ses. A guerra de ontem em Luanda ainda é Cooperação (ABC). Desenvolvido desde 2001, o projeto Brasileira dos Pesquisadores Negros - ABPN.
da sala de jantar e da tela da televisão. A parte de sua vida, mas o que se vê em seus
voz é melodiosa, os gestos são delicados, a olhos é sorriso que carrega força, muita
postura esguia sustenta o corpo de força! Estuda, é apaixonada por comunica-
uma guerreira mulher, Iraiurdes. ção e gostaria de fazer carreira nessa área.
Era uma vez uma menina que Não dá, ainda não dá. Tem de sobreviver,
morava em Luanda, Angola, em fazendo outros trabalhos, como agora
tempos de uma guerra que durou no hotel. Quando na televisão
anos e envolveu todas as etnias do diz “Proteja-se contra a SIDA”,
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P
Uma entrevista com Juan Laguna
que logo quis saber mais sobre alguém que, muito mais que os ocidentais, por mais que
em outro continente, tinha se debruçado tentem estudar, podem chegar a compreen-
sobre os mesmos interesses que eu. Assim, der, mesmo que sejam detalhes muito pre-
cheguei ao diretor Juan Laguna. sentes na sociedade africana até hoje.
Em seu primeiro filme, Laguna procura Nesse sentido, através da música, da poe-
fugir de todos os estereótipos sobre gêneros sia, da dança, o griot nos aponta uma infor-
cinematográficos: mulheres, arte e, princi- mação muito interessante do legado familiar,
palmente, a África e choques culturais. Ele do que se passava há seis ou sete gerações.
penetra no universo dos griots do Senegal, Pois bem, sempre quem tem a informação
artistas detentores da tradição milenar de tem também o poder de manipulá-la. Assim
seu povo, o que lhes confere um poder e é que devemos estar sempre atentos ao que
uma responsabilidade de verdadeiros reis. contam os griots.
Misturando o real e a animação, o filme Durante os quase quatro anos que levei
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África mudou, após “Princesa de África”? de uma menina de 12 anos em uma atraente
mulher de 15. Além disso, eu não tinha o O choque cultural existe, faz parte do Os meios de comunicação tentam fazer que geralmente a África é contada sob o ponto
direito de colocar um ponto final na história mundo de hoje. No filme, quisemos fazer que acreditemos que esses imigrantes vêm de vista da devastação e do subdesenvolvimento.
de Sonia e de Pap (já que é uma história real com que as pessoas não vissem as grandes porque nosso país é melhor, e o seu, uma Por que o seu título “Princesa de África”?
que persiste e não uma ficção). Mas Maren é ações dos políticos, nem dos formadores de m. Está tudo dirigido: fazem-nos acreditar Quem é, ou são, as princesas de África?
uma visão do futuro, é a mudança da socie- opinião, que vivem a vários quilômetros da superiores ao negro que arrisca a vida para Coincidimos em muitas coisas. A prince-
dade africana na figura de uma mulher, a realidade. Trazemos uma pequena história, chegar à Europa em uma embarcação, inte- sa, para mim, representa também falar da
mistura da tradição com a modernidade. Ela cada vez mais comum, que por um lado fala ressa-lhes que o tratamento não seja de fantasia, do imaginário, dos sonhos. E fugir
é uma personagem com a qual o público de coisas lindas, mas por outro, mostra a pessoa a pessoa, mas de superior a inferior, do real, o que, nos dias de hoje, já não sei
tem empatia, pois ela não toma parte das dureza e a dificuldade da mistura. Histori- como tem sido sempre. muito bem o que é.
decisões dos mais velhos. Só observa a reali- camente o ser humano tem se mesclado, Supunha falar da mulher, que é o futuro
dade adulta, mas até o fim do filme não par- primeiro pela força e depois por vontade LC. Li que você não gosta que classifiquem da África; e o passado, que sustentou esse
ticipa dela. própria. A mescla não é fácil. Quando duas seu filme como documentário. E ele se utiliza de continente. Era mostrar uma imagem da
culturas são muito diferentes, tem que lindíssimas imagens de animação, além das África que fugia da visão ocidental, mistura
LC. Pesquisando a origem da palavra griot, haver muita paciência para chegar a um gravações “reais”. Mas a ficção também não é de pobreza, exotismo e caos. Na África exis-
descobri que ela vem do francês, por sua vez ponto comum. uma maneira de se mostrar e pensar a realidade? te isso, mas a África é muito grande, muito
originado do português “criado”, serviçal. Mas Sou “cético”, não creio que seja possível a Creio que se deve chamar simplesmente diversa e muito rica em outras coisas. Que-
parece que a figura do griot dentro da socieda- formação de um filme ou filme documentário, porque ria falar de duas personagens que se encon-
de senegalesa é quase real. Uma realeza dada terceiro mesmo que as personagens sejam reais, o tram em realidades diferentes. Maren, sene-
não pelo poder divino, mas pelo conheci- espaço. A objetivo da história não é documentar, é galesa, 14 anos, sonhando ir para a Europa
mento da tradição. É assim mesmo? fusão em arte emocionar. Muitas vezes a pessoa sai do (como quase todos seus compatriotas) e ser
Sim, é isso, possivelmente no pode acontecer, cinema e me pergunta incrédula: é bailarina. Sonia, 34 anos, espanhola, baila-
momento da colonização os franceses mas verdade? São reais? Não parece rina, atraída pela magia da África. Em
utilizaram os griots como animadores, como de um documentário! As defini- comum, Pap Ndiaye, percussionista,
bufões (como muitas vezes ainda hoje se pessoa a pessoa sempre ções que utilizamos no cinema senegalês, pai de Maren e marido de
tratam os músicos e artistas em nossa socie- haverá alguém que vai como gênero estão obsoletas. Sonia.
dade). Na África, os griots são os portadores renegar parte de suas raízes. Porém, claro, as pessoas necessi- A Europa não é como Maren sonha.
da tradição. É muito difícil que dois mun- tam delas. Também tem pobreza, as pessoas não
dos reneguem parte de sua dançam nas ruas, é muito difícil para um
LC. Seu filme trata de choque cultural tam- identidade. Isso acontece com LC. Existe a previsão da estréia de africano.
bém. Não por uma perspectiva política ou eco- Sonia e Pap, os prota- “Princesa de África” no Brasil? E Sonia tem que aceitar que na África,
nômica, mas pela perspectiva dos laços de gonistas, por isso eles Espero poder lançá-lo no Brasil. Pap Ndiaye, seu marido, tenha mais duas
família e dos sentimentos, mas que também tem me parecem tão especiais em sua história. Os Gostaria muito. Farei todo o possí- mulheres, Fama e Kine.
suas relações de poder estabelecidas. Na verda- que tratam ou vivem esses temas são seres vel para lançá-lo antes de um ano. Logo os sonhos são os motores de nos-
de, você fala de dois mundos paralelos que se marginalizados e diferentes. Logo, não creio Mas hoje não temos nenhum distri- sos atos, mas quando se fazem realidade
tocam. Mas eles têm a possibilidade de se fun- que a sociedade tenha vontade de assimilar a buidor no Brasil. nunca são como havíamos pensado.
dir? É possível a criação de um terceiro espaço? mistura. As costas espanholas estão invadidas Mas, pelo menos, nos fazem viver
Quando pergunto isso, não posso deixar de por alemães e ingleses, que são diferentes de LC. Nossa revista se chama “Princesas Afri- coisas que ninguém viveu. Vale
pensar na bela animação que cria um beijo nós e a quem não entendemos, mas aceita- canas” porque queríamos, através da imagem a pena? Eu creio que sim.
entre os dois continentes, mas também na ques- mos e potenciamos. Por outro lado, não acei- que a princesa tem dentro do imaginário das
tão da imigração que acontece atualmente na tamos que venham africanos, que não dão culturas eurocentristas, mostrar a África como Entrevista: Ana Claudia Maia
Europa. dinheiro, vêm trabalhar. É tudo estúpido! espaço de uma importante cultura e tradição, já Tradução: Maurício Rúbio
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Iya Ibeji, a mãe dos gêmeos - A leitura dos símbolos nagô
A
Marco Aurélio Luz
50 51
Por exemplo, quando nas relações hierár-
Esculturas alaafin, o senhor do palácio, o rei, patrono uma à direita, outra à esquerda. Seus bra- A audição do som ritmado das águas
Já houve quem aludisse à cultura tradi- das dinastias, da realeza de Oyó, capital ços se estendem às crianças em atitude de correntes indica que Oxun é a entidade
cional africana como “floresta dos símbo- política da tradição, que protege as comuni- apoio. As crianças, por sua vez — uma patrona da música. O ijexá é seu ritmo por
los”. A própria noção de floresta, ibo, se dades e garante sua expansão, com muitos com a mão direita, outra com a mão excelência. Uma célebre história narra a
refere a um espaço sagrado onde habitam filhos em sucessivas gerações. esquerda — seguram os seios pronun- competição entre Oxun e Obá pala predile-
espíritos, inclusive ancestrais, e onde ocor- Convém dizer ainda da importância do ciados, representação da propriedade ção de Xangô, envolvendo a orelha
rem diversos ritos iniciáticos. grupo de escultores. Alguns são de famílias do poder feminino de transformar como símbolo de feminilidade, aqui
As esculturas obedecem às delimitações dedicadas a essa atividade por várias gera- seu corpo em alimento e alento combinada com a culinária. Na
dos valores estéticos da arte, isto é, elas ções e, portanto, muito respeitados nas aos recém-nascidos. Com a escultura, brincos pendentes nas
noções ou conceitos da tradição cultural. e estética adquirida ao longo dos anos, mas um abebe, emblema em forma Na parte de trás da escultura,
Elas estão presentes na decoração de palá- também pelo conhecimento da simbologia. ovalada, parecendo um leque destaca-se a figura de dois pássa-
poder feminino
giosas. Nesse caso elas têm uma dimensão vaidade feminina, mas que pássaros, assim como os pei-
transcendente, pois se destacam do plano expressa, sobretudo, o xes, fazem parte da simbolo-
material para atuar no espiritual. As escul- Os poderes e princípios femininos na poder de fertilidade gia das Iya-mi, nossas mães
turas podem estar presentes nos altares, tradição cultural nagô só se realizam pelo feminina, útero, ventre ancestrais. Penas ou esca-
ojubo, ou como parte dos paramentos que processo de interação e complementação fecundado. mas representam filhos
compõem as entidades nos festivais rituais. com os princípios masculinos. Devemos Outro abebe se desta- descendentes desprendi-
A leitura dos símbolos se caracteriza acrescentar que o inverso também ocorre. ca também na imagem dos do corpo do pássaro
por vários planos. O primeiro, que já sig- O mistério da continuidade ininterrupta esculpida de um ovo- mítico.
nifica, diz respeito à qualidade da matéria, da vida nesse mundo se processa pela con- ventre fecundado, Uma história conta
LEITURASCOMPARTILHADAS | ANO 9 | FASCÍCULO 19
M
Geraldo Maia
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E seu povo negociado nos mercados É o sonho em sua plena possibilidade
A batalha se faz ouvir na voz do povo Contra a opressão dos invasores Tomar Itaparica outra vez Tocou “avançar cavalaria degolando”
Com suas cores e vestes destroçadas De saia rodada, bata, torço e chinela Depois de a terem desdenhado Estava consolidada a independência do
Mas decidido a deixar “nossa pátria A princesa negra que tocou fogo no mar O plano era abastecer homens e naus Brasil
hoje livre dos tiranos não será” Auxiliada por um grupo de mulheres E rumar fortalecidos sobre o recôncavo A força do grito tornou necessária a luta
Espoca a independência encarniçada negras Onde esperavam manter a opressão O povo é o responsável pela vitória
Incendiou quarenta e dois navios do Brasil em terra de todos nós
E as lutas travadas em terra e mar portugueses Mas na fazenda trinta e sete Maria Felipa
Pelas mãos heróicas do povo Na lendária Batalha de Itaparica Costumava ficar bem lá no alto “Cresce, oh filho de minh´alma
Garantem que “nunca mais o despotismo Vigiando os barcos que chegavam Para a pátria defender
Regerá nossas ações, com tiranos Ocorrida na praia do convento E à noite em romaria pela praia O Brasil já tem jurado
não combinam brasileiros corações” Em sete de janeiro de mil oitocentos Com seu grupo de mulheres guerreiras Independência ou morrer”
e vinte e três
E lá na praia do convento em Itaparica Na Ilha de Itaparica que fica na baía Invadia os navios com suas tochas Terra da princesa africana Maria Felipa
surge Felipa a princesa negra e sua de Kirimurê Para atear fogo no mar de Kirimurê A guerreira que tocou fogo nos navios
coragem A baía de todos os santos na Bahia Essa é a história da coragem Para garantir a independência do país
Em seu coração o sangue de liberdade Onde o povo negro, índio, caboclo e e da força de uma princesa negra E contribuir decisivamente
luta feito vulcão quando perde a paciência sertanejo Uma mulher guerreira vitoriosa Na luta pela liberdade do seu povo
É Maria Felipa e sua força guerreira
Lutou para garantir a vitória da inde- Uma linda princesa negra Iabá baiana Geraldo Maia é poeta.
“Nasce o sol a 2 de julho pendência Heroína das lutas da independência Contribuem: Hino ao “Dois de Julho”, de
Brilha mais que no primeiro “havemos de comer/marotos com pão/ Impôs aos invasores cruel derrota Ladislau dos Santos Titara e José dos Santos
É sinal que neste dia dar-lhe uma surra/de bem cansanção/ Seus navios incendiados e afundados Barreto, e uma canção de domínio público.
Até o sol é brasileiro” fazendo as marotas/morrer de paixão/ Como os corpos negros jogados ao mar
português, bicho danado/arrenegado,
Seu nome para que todos saibam arrenegado” Pela força da cobiça e da usura
É Maria Felipa de Oliveira Agora ardiam os navios da exploração
A heroína negra da independência da E o mar foi incendiado com vitórias E o povo triunfante inicia sua marcha
Bahia O povo negro, índio, caboclo, sertanejo Desde Santo Amaro, Cachoeira, Pirajá
A heroína negra da independência do Chamou para si a luta nas ruas Onde o corneteiro ao invés de recuar
Brasil Onde se fez vitorioso e obrigou
Negra alta forte e desaforada A fuga dos portugueses que pensaram
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Nas malhas das imagens e nas trilhas da resistência:
V
heroínas negras de ontem e de hoje - Andréia Lisboa de Sousa
ocê saberia dizer quais princesas dominantes e que povoam as mídias e tam-
negras brasileiras ou africanas você conhe- bém o imaginário brasileiro são as das
ceu? Com quantas brincou ou, até mesmo, famosas heroínas européias. Não é novida-
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relembrar que as imagens ainda hoje pre- anti-sexista no Brasil e na diáspora.
Outra figura que merece destaque é a Almeida Gonzalez, Maria Beatriz Nascimen- força vital e a palavra formam um elemento É hora de abrir as cabaças da existência,
escritora negra Maria Firmina dos Reis, que to e, mais recentemente, Neusa Santos primordial imprescindível para a composi- deixar as palavras negrejadas virarem
escreveu a obra Úrsula (1859), num momen- Souza? ção das relações individuais e grupais. Os verbo e atitude, incrustando em nossa
to em que nem escritoras brancas tinham Lélia foi antropóloga, militante negra e legados de inúmeras civilizações africanas memória, contando velhas, novas e outras
espaço para isso. A obra é considerada o feminista do Nzinga Coletivo de Mulheres estão presentes no jeito de ser e de viver experiências Afro-Diaspóricas.
primeiro romance de autoria feminina no Negras (RJ) e do Movimento Negro Unifica- brasileiro, por meio da história das popula-
Brasil. Quantos cursos de Letras analisam do (MNU), dentre outras instituições. Voz ções africanas escravizadas, que, como Notas:
obras como essa ou como as de Carolina dissonante no branco segmento acadêmico sábias guardiãs, mantiveram a tradição oral 1 Termo utilizado quando um grupo, povo ou
Maria de Jesus? Quantas Carolinas das fave- brasileiro, tornou-se referência dentro e e recriaram novas rotas e alternativas de nação vê e interage com o outro, o diferente (o negro,
las atuais têm sua voz e experiência periféri- fora do país. Beatriz, outra pensadora da vida após a colonização. Mulheres, heroínas indígena ou o não-branco), a partir do ponto de vista
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infantis e juvenis propriamente dita: quais da/na comunidade. Vivenciar e enfrentar as cheias de encantos, trancadas nos fios de uma retrospectiva sobre mulheres negras na sociedade
brasileira desde o período colonial até a atualidade.
imagens negras a literatura infanto-juvenil adversidades de um cotidiano de discrimi- contas, nas tramas e nas malhas do cotidiano.
No entanto, com a obra é notório ver a ausência da
tem valorizado? Podemos afirmar que nações, preconceitos, sexismos e desigual- mulher negra na esfera de política, nos espaços de
houve um crescimento de obras narrando dades já é um ato heróico em si mesmo. decisão de poder, fruto da herança patriarcal e sexista
fatos e feitos da tradição oral africana. Da Inúmeras mulheres negras sejam em ONG’s (entenda-se branca) da sociedade brasileira.
U
Julio Emilio Braz
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nacionalidade tantas vezes ignorada, tantas preensões, na precariedade das favelas
Princesa, não. Mas...
P
onde a violência arranca filhos dos braços vezes inúteis dribles. Orgulho de saber que
Marina Colasanti
mas obriga a ser forte para criar e defender o que realmente importa é a epopéia do
outros filhos. Sempre à beira da grandeza e caminho trilhado e não o destino. Que a ver-
a dois passos do fracasso e da desilusão. dadeira felicidade é persegui-la e muitas
Nossa, chorei emocionado, ao vê-la no vezes não alcançá-la. Que vencedor não é
meio de tanto entusiasmo, serena e orgu- quem ganha, mas antes, quem acredita sem-
lhosa em seu anonimato. À celebração de pre que é possível ganhar, que pode ganhar.
rincesa não sou. Africana, sem Festas, encontros, caçadas, a vida na
outras respondia com aquele longo olhar “Ave Form¥ca!”
dúvida. colônia que o fascismo queria transformar
dos que sabem o que fizeram e indepen- Os que vão te ver, ainda por muito
Dorme num baú, de onde o tiro em oca- em capital do novo império escorria com
siões especiais, o albornoz de lã preta bor- prazer temperado de exotismo. Meus pais
outros. Ela foi. Ela é. Ela será. Se não para
dado de seda que meu pai jogava sobre os me contariam mais tarde das luxuosas fes-
todos, pelo menos para mim. Naquele dia Notas:
ombros por cima do smoking, para ir às tas do Governador, que aconteciam por
de calor sufocante e de grandes expectativas 1 Formiga é Miraildes Maciel Mota, meio-campista
festas da colônia. O da minha mãe, de lã vezes debaixo de tendas, com o chão todo
num campo de futebol na China, durante da seleção brasileira de futebol feminino, que conquis-
branca bordada com fios de prata, a envol- coberto de tapetes, as luzes pendentes,
as Olimpíadas de 2008, depois de um aca- tou medalha de prata nas Olimpíadas de 2008. Ela
nasceu em Salvador, BA, e desde 1995 faz parte da
veu como um casulo quando se foi para tochas do lado de fora. E os “ascari”, vigi-
chapante 4 a 1 nas imbatíveis alemãs. Dri-
Seleção. É uma lutadora fora de campo também e uma sempre de toda e qualquer festa. lantes, ao redor. Ascari eram os soldados
blando o pouco caso e montanhas de difi- de suas batalhas é melhorar as condições do futebol Setembro de 1937. Ao entardecer do dia nativos que formavam parte do exército
culdades. Naquele dia eu não vi a jogadora feminino no Brasil.
26, em Asmara, meu pai vai assistir a uma colonial italiano, não só na Eritréia, mas
cansada que fazia jus ao ape-
luta de boxe. Em casa, minha mãe entra em também na Líbia e na Somália. Usavam
lido – Formiga1. Vi uma ver-
trabalho de parto, amigos a levam ao hospi- uniforme branco, uma faixa vermelha na
dadeira guerreira. Uma prin-
tal. Meu pai só ficaria sabendo à noite, ter- cintura. Guardo até hoje uma dessas faixas
cesa africana a sós com a
minada a luta - o celular ainda demoraria e, quando a lã macia me envolve em suas
LEITURASCOMPARTILHADAS | ANO 9 | FASCÍCULO 19
junto a um bebedouro, havia feito barulho, encostado no muro, e um cachorro que não
de propósito, para espantar as gazelas. Eu chegava perto do cacto, e um poço. Tudo
era criança, queria ouvir de ações heróicas isso eu lembro, embora não tivesse ainda
com leões ou leopardos, mas essas gazelas quatro anos.
em fuga e salvas nunca mais esqueci. Mas da cidade além do muro, daquela
Fugiu também um macaco curioso, em Trípoli absolutamente mediterrânea, cheia
outra ocasião, mas não conseguiu salvar-se. de arcadas brancas e palmeiras, que vejo
No jardim vazio, onde me haviam deixado atrás da minha mãe na foto tirada em maio
no berço para tomar sol, o macaco aproxi- de 1940 quando já a Itália havia entrado na
mou-se atraído. Do alto da janela meu pai Segunda Grande Guerra, a única imagem
o viu subir no berço, estender a pata, talvez que levaria comigo seria a da partida.
para pegar alguma coisa que eu comia, tal- Deixamos a África de hidroavião, moder-
LEITURASCOMPARTILHADAS | ANO 9 | FASCÍCULO 19
vez para me tocar. Não sei se meu pai gritou nos até nisso. Eu o conservo em minha
primeiro para espantá-lo, sei que atirou de memória, anguloso e escuro como um inse-
onde estava e o atingiu no peito. De certa to pousado sobre a água. E conservo o
forma, meu pai também se atingiu, porque medo que cristalizou aquele embarque,
todas as vezes que me contou essa história para sempre sentada no bote de madeira
imitou com tristeza o gesto do macaco que nos levaria até ele, e que meu irmão
levando a mão ao peito, e dobrou-se como balançava propositadamente, para que meu
se sentisse dor. medo visível encobrisse aquele, secreto, que
Você falava africano?, sempre me per- ele escondia no peito.
guntam, como se houvesse africano. Da lín- A África, para onde meus pais haviam se
gua que se falava fora da minha casa só transferido cheios de projetos e de entu-
guardei uma palavra, Zemba. siasmo, dispostos a viver uma nova vida e
Zemba foi o nome dado por meu pai ao começar a minha, já nada lhes oferecia, a
nosso galgo italiano, pequeno e magérrimo, não ser perigo. Nunca mais voltariam a ela.
trêmulo como se sempre com frio. A Mas uma parte de mim nunca a deixou.
magreza e sua alma gentil custaram-lhe a
vida. Um amigo da família criava um leão
no jardim, não solto, evidentemente, mas
na jaula. E uma tarde, durante uma visita
66 67
Os três cocos
H
Maria Clara Cavalcanti de Albuquerque
avia uma mulher que tinha uma Volte, menina - disse Iwin - somente
filha e uma enteada. A mulher não gostava fadas entram nesta floresta.
nem um pouquinho da enteada e a fazia Mas a menina repetiu: Irei aonde você
68 69
chegaram a uma floresta muito escura. ela mesma e dar-lhe as frutas.
Agora me dê de beber - continuou Iwin. Ah! Na mesma hora, a madrasta, sem
Colha aquelas laranjas, chupe-as e dê-me o dar ouvidos às reclamações da filha, obri-
bagaço. gou-a a ir ao mercado vender azeite.
Mas a menina novamente fez o contrá- Aconteceu tudo igualzinho como acon-
rio. Deu o caldo da laranja para a fada e tecera à irmã. A fada comprou-lhe o azeite
contentou-se com o bagaço. e pagou-lhe com dez conchas, sendo uma
Agora cate meus cabelos – ordenou a fada. quebrada. A menina pôs-se a segui-la. Pas-
Os cabelos de Iwin estavam cheios de saram pela floresta quente e úmida e a Menina, vá até aquela árvore e cate três
alfinetes que feriam seus dedos, mas a menina seguiu-a reclamando aos gritos que cocos. Mas cuidado, não colha aqueles que
menina os tirou um a um sem soltar um não agüentava tanto calor. Subiram a mon-
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subiu no coqueiro, colheu três que nada fadas, Iwin falou: Ao avistar sua casa, a menina abriu o
diziam e levou-os com ela. Dê-me de comer. Pegue aquelas bana- segundo e de lá saíram centenas de animais
No meio do caminho, abriu o primeiro. De nas, coma-as e me dê as cascas. peçonhentos: sapos, lagartos, escorpiões,
dentro dele saiu um cavalo negro como a E o que você pensou que eu faria? - res- baratas e ratos, que invadiram o quintal.
noite que se abaixou para que ela o montasse. pondeu a menina com maus modos. Acha, E quando a mãe correu ao seu encontro,
Quando avistou ao longe sua casa, abriu por acaso, que comeria as cascas para você ela abriu o terceiro coco. De lá saíram
o segundo, e de lá saíram ovelhas, cabras e ficar com as bananas? tigres e leopardos que correram atrás delas
vacas que encheram os estábulos e o quin- A fada pegou as cascas e disse: e as devoraram.
tal. E quando ela entrou em casa e abriu o Agora me dê de beber. Colha aquelas
terceiro coco, a casa ficou cheia de conchas laranjas, chupa-as e dê-me o bagaço. Adaptação de Maria Clara Cavalcanti de
e de pedras preciosas que transbordavam A menina chupou todas as laranjas e ati- um conto oriundo da Costa dos Escravos, do
pela porta e pelas janelas. rou os bagaços para a fada dizendo: livro “Os africanos no Brasil”, de Nina Rodri-
A madrasta, vendo tanta riqueza, ficou – Tome a sua parte. gues, publicado pela Editora UnB, p.236. No
morta de inveja, e fez com que a menina Agora cate meus cabelos - disse a fada. mesmo livro, à página 239, existe uma variante
contasse onde conseguira tudo aquilo para E você acha que eu vou ferir meus desse conto, contada pelos escravos de origem
que sua filha tivesse a mesma sorte. dedos em seus cabelos, sua bruxa? - per- Nagô na Bahia. Esse conto pode ser considera-
A menina contou tudo à madrasta: como guntou a menina, assim que viu os alfinetes do uma variante africana do conto “As Fadas”,
encontrara Iwin, a rainha das fadas, no na cabeça de Iwin. compilado por Perrault. Encontramos, também,
mercado, como a seguira etc., etc. A fada olhou-a com desprezo e falou:
70 71
nele, elementos da “Moura Torta”.
Uma princesa afrodescendente
N
Sueli de Oliveira Rocha
asci princesa. Certamente antes morena Rosa, com essa rosa no cabelo e
disso vivi embalada nos sonhos de meus esse andar de moça prosa1”. Para mim,
pais, que tanto queriam uma filha mulher. Rosa Luanda, a sua “Princesinha de Angola”,
72
“Morena de Angola3”, música que ela me
73
homenageada: “Rosa, Morena, aonde vais
fazia dançar, rodando e requebrando, Uma noite, sem avisar, a Bisa foi para o num momento em que, de cansaço, Vovó tante da turma. Passei a pedir a Vovó que
enquanto ela cantava, batendo palmas. céu de Angola. Papai pediu a mim que tenha cochilado sobre suas costuras. penteasse meu cabelo esticando-o bem e
A África também me chegava, dia após não chorasse. “A Bisa foi embora feliz. Eu não conhecia ninguém em minha prendendo-o num rabo-de-cavalo que ter-
dia, pelas histórias de minha bisavó. Dandalunda a levou para conhecer nova escola. Os alunos estavam juntos minava em uma trança única, num desejo
Quando todos saíam para trabalhar, era Luanda e a ilha de Mussulo com suas desde o começo do ano, eram amigos uns inconfessado de conter a rebeldia dos
ela quem cuidava de mim. E me conta- areias douradas”, - contou meu pai, me dos outros. Eu me percebia uma estranha grossos fios. Ficava distante a princesa de
va histórias lindas. A lenda da galinha consolando. naquele espaço. A cada dia eu me encolhia Angola, o carinhoso apelido de família.
d’angola era a minha preferida: A verdade é que sem a Bisa em mais, longe da proteção do meu castelo. O nome Rosa Luanda também esteve per-
aquela kerere, gritando “tô casa, eu me tornei um proble- As crianças também me estranhavam. dido naquela escola. Quando aprendi a
fraco, tô fraco” porque se ma, pois ninguém podia lar- Eram perversas em suas brincadeiras, escrever, passei a assinar Rosa L. Raras
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achava feia, e sendo ajudada gar o emprego para ficar feriam-me, ironizando meu nome. Erra- pessoas perguntavam o que esse L. abre-
por Dandalunda para se tor- comigo. Resolveram, então, ram seu nome, Rosa Luanda? Era Rosa viava. Estavam me ensinando a me defen-
nar bonita, me dizia que sem- que eu iria para uma escola Luana que você ia se chamar? Eu tinha von- der da exclusão, de uma forma perversa,
pre era possível mudar algu- que ficava perto de onde tade de gritar que eu me chamava Rosa negando minha origem africana.
ma coisa que não ia bem. A Vovó trabalhava. Ficaria nela Luanda sim, Rosa Luanda, princesa de Quando Vovó se aposentou, senti o alí-
Bisa me contava histórias que o dia inteiro, até completar o Angola. Queria gritar que Luanda existia, vio de poder deixar aquele lugar e voltar
vinham de muito tempo e de pouco tempo que faltava para que ficava na África, que era a capital de para minha antiga escola. Dandalunda,
muito longe, contadas e reconta- Vovó se aposentar. Ela traba- Angola, a terra dos antepassados do meu sorrindo, soprou em meus ouvidos que
das por gerações, ligando-me lhava numa oficina de cos- pai. Mas eu não falava nada. O olho ardia, sempre era possível mudar o que não ia
a uma África de lendas e tura, onde o trabalho era o nó na garganta me impedia de dizer bem. Rosa Luanda renascia, consciente de
griots com um elo tão tênue tanto que ela trazia serviço alguma coisa e eu me calava, sofrida. sua afrodescendência e de sua brasilidade.
como nuvens de algodão. para terminar em casa, à Nessa hora, essa África que marcava terri- Princesa de Angola e do Brasil.
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Essas histórias já eram afro- noite. Lembro das muitas tório em meu nome e em minha pele me
brasileiras, pois a Bisa preen- vezes em que, após a partida sufocava com correntes tão fortes como as Notas:
chia com fatos lidos nos jornais da Bisa, eu acordava com o que prendiam os pés e o pescoço dos 1Rosa Morena (1960): composição de Dorival
as lacunas que a memória ia furtivamente renc-renc-renc da velha máquina de meus antepassados escravizados. Sentia o Caymmi.
construindo. E ela dava um jeito de me costura. Vovó então me dizia que peso da cor da minha pele. Queria fugir 2 Mestre-sala dos Mares (1975): composição de
fazer entrar nas aventuras que contava. dormisse, que ela ficaria acordada daquele lugar, onde, nas festas, as prince- João Bosco e Aldir Blanc.
Eu era, então, Rosa Luanda, princesa tomando conta do meu sono. Dizia- sas que cantavam e dançavam eram outras, 3 Morena de Angola (1980): composição de Chico
de Angola. De uma Angola que a Bisa me também que sossegasse, que tudo lindas e loiras. Eu me sentia feia, desajei- Buarque de Hollanda.
só conheceu pelas histórias daria certo na nova escola. tada e sem graça. Pensava em Dandalun-
contadas pelos parentes mais Ela percebia o meu medo do da. Por que ela não vinha me ajudar?
velhos que ela, mas da qual escuro misturando-se ao meu Naquela escola, a África era apenas um
ela sentia imensa saudade. medo de enfrentar a nova celeiro de negros e embrutecidos escravos. Sueli de Oliveira Rocha é coordenadora, na
Banzo - brincava meu pai, situação, e procurava me acal- Em nada se parecia com a África das his- Baixada Santista, do Programa de Leitura da
quando a via triste - Isso é mar. Nada lhe escapava, ela tórias da Bisa. Aquela África ia ficando Petrobras-RPBC pela Leia Brasil, ONG de pro-
banzo! E em seguida, ele dis- estava em todos os lugares, cada vez mais distante. Para não me sentir moção da leitura. É também membro da equipe
sertava sobre o tempo em que sempre cuidando para que tudo excluída do grupo, aos poucos fui encon- pedagógica do Gruhbas Projetos Educacionais
os negros escravizados no estivesse bem. Imagino que a trando meios de anular a minha descen- e Culturais e do conselho editorial dos jornais
Brasil morriam de saudade da Bisa deva ter aproveitado para dência africana. Defendia-me do isola- “Bolando Aula”, “Bolando Aula de História” e
África. escapulir para o céu de Angola mento buscando identificar-me com o res- “Subsídio”.
74 75
Princesa descombinada
Janaína Michalski
A
Oloxum, Ynaê santos, minha mãe, aquela menina, fez uma
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de português de Portugal. combina com nada!”, gargalharam minhas
Princesas africanas e algumas histórias
colegas da escola de normalistas no Rio de tempo. Àquela confusão empacotada de
H
Yansã virou rainha da coroa de Xangô Mediterrâneo Oriental. Ela era egípcia de
Mas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar nascimento, mas de dinastia macedônica.
E com um enorme pacote de tudo o que ondas do mesmo mar que a trouxe para o
Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar Sua família estabelecera-se no Egito em 305
eu tinha sido e achava que não era mais ou Brasil, ouvi de minha mãe que eu era sua
A Deusa dos Orixás (Romildo/Toninho), a.C., quando o general macedônio Ptolomeu
do que eu ainda era e achava ser um com- promessa cumprida: sua Janaína, sua brasi-
intérprete: Clara Nunes. tomou o título de rei. Filha do rei Ptolomeu
pleto absurdo, bati à porta de minha mãe. lidade, sua raiz aqui. E que isso era mesmo
XII Auleta e da rainha Cleópatra V, ela che-
Reclamei da descombinância do nome, da muito difícil de explicar. Mas que se eu
gou ao poder do trono egípcio quando o pai,
incoerência das escolhas, das múltiplas mesma ou outro alguém insistisse em que-
á séculos, rainhas e reis, prínci- antes de falecer, nomeou-a e ao irmão como
cidades, do singular sincretismo de reli- rer saber, era para eu simplificar dizendo
pes e princesas da grande mãe África marca- os novos soberanos do Egito. Mulher de uma
giões, da falta de centro no meu interior. que ela veio do Egito, na África. E que sou
ram presença na história de seus países e inteligência incomparável, teve a vida trans-
Com uma calma de maré baixa, a douto- Janaína, uma princesa africana.
mesmo na de outros, seja trazidos(as) acor- formada em história que foi contada por
ra em Ciências da Linguagem me disse que
rentados(as) em grandes navios negreiros, diversos escritores e apresentada ao público
eu era apenas Janaína, uma princesa. E Janaína Michalski é jornalista e escritora. É
seja marcando seus espaços de direito nas sob vários formatos, de livros a filmes. A con-
princesas não precisam ser de lugar nenhum autora de “Onde o Sol não Alcança”, livro que
terras que sempre lhe pertenceram. vite de César e a contragosto dos romanos,
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pantanosa onde ficava o baixo império na e mais 120 negros. Nesse navio negreiro
estava outra figura importante de nossa his- antropólogos que buscavam a compreensão fugiu para um quilombo e foi viver junto nina de caráter religioso, existente nas socie-
tória: um negro que ficou conhecido como daquele momento histórico que caracterizou das pessoas que não aceitavam a escravidão dades tradicionais yorubás. Expressam o
Chico Rei no Ciclo do Ouro da Região de a destreza política e de armas dessa rainha e lutavam contra aquela opressão e sofri- poder feminino sobre a fertilidade da terra,
Ouro Preto. Delmira foi arrematada por 1000 africana que lutou a favor da resistência à mento. No quilombo que tinha seu nome, a procriação e o bem-estar da comunidade.
réis. Foi violentada por um homem branco, ocupação dos portugueses do território ango- todos e todas a queriam bem. Além de ser Essas mulheres fazem um papel importantís-
assim que desceu do navio. Desse ato de vio- lano e contra o tráfico de escravos. Contem- uma grande guerreira que defendia o qui- simo na sociedade em que vivem.
lência foi que nasceu Anastácia, em Pompeu, porânea de Zumbi dos Palmares, este outro lombo e ajudava na fuga e libertação de Na atualidade, há também as histórias que
Minas Gerais. Com olhos azuis e muito bela, herói afro-brasileiro (?-1695), ambos parecem escravos, Alafiá era uma grande contadora são contadas ou cantadas pelos nossos artis-
Anastácia resistiu como pôde às insistências compartilhar de um tempo e de um espaço de histórias. Sempre que podia, ela reunia tas populares, nas quais as princesas são cita-
do senhor da fazenda em que era escrava, comum de resistência: o quilombo. Na as crianças do quilombo para contar histó- das de forma muito interessante, como foi o
mas acabou sendo violentada pelos filhos mesma época em que Nzinga lutava no terri- rias da sua terra, Daomé, e da criação do caso da Escola de Samba Salgueiro (Rio de
dele. Devido ao ciúme das mulheres e filhas tório angolano por seu país, Zumbi lutava no mundo através das histórias dos Orixás. Janeiro) e de outra escola no Espírito Santo.
do senhor da fazenda, recebeu no rosto uma território brasileiro pela liberdade dos negros Outro momento interessante relacionan- E como não poderia deixar de citar, há
máscara de ferro, cuja manutenção era feita escravizados. A Rainha Nzinga já foi tema do do a história de princesas africanas e nossa também as rappers, guerreiras da cultura
por suas opressoras, que só permitiam a reti- Carnaval do Bloco Afro Ilú Obá de Min, de diversidade cultural é o das princesas mar- Hip Hop que, em suas composições, con-
rada da máscara para que ela se alimentasse. São Paulo, formado somente por mulheres roquinas, mulheres e concubinas de Muley templam variados assuntos ligados à Mãe
Muito debilitada, vítima das feridas causadas percussionistas. Abdessalam, príncipe herdeiro do trono do África. Auto-intituladas rainhas e princesas
pela máscara e pela coleira que carregara por Além de Anastácia, tivemos no Brasil a Marrocos. Muley era o quinto filho de negras, algumas nem são negras na pele,
anos, Anastácia faleceu no Rio de Janeiro. princesa Alafiá, que veio para nosso país em Mohamed III, que reinou de 1757 a 1790 e mas em seus antecedentes familiares a pre-
Devido à sua resistência contra o povo bran- um navio negreiro junto com sua família e tomou Mazagão, uma possessão portuguesa sença do negro é muito forte. Hoje em dia,
co que a sacrificava, Anastácia é considerada muitos irmãos negros, seqüestrados do reino no norte da África. Por contingências de são essas mulheres que evocam em seus tra-
santa e mártir pela população. de Daomé, um reino africano situado onde uma viagem por mar, a comitiva do príncipe balhos - dança, grafite ou produção musical
Como estamos falando de princesas, agora é o Benin. Naquela época, ela tinha Muley Abdessalan formada por 221 pessoas, - a ancestralidade do povo africano e dos
peço licença para citar uma grande persona- apenas doze anos de idade. No Brasil, foi entre elas a esposa - a princesa Laila Amina -, antepassados, dando continuidade à histó-
lidade africana, figura que marcou vários paí- viver numa fazenda, onde foi mucama de príncipes e princesas filhos do casal, escra- ria, mantendo-a viva e sempre presente.
ses na sua época: Nzinga Mbandi Ngola, rai- uma sinhazinha. Sempre quando conseguia, vos, eunucos etc. aportou em Portugal.
nha de Matamba e Angola nos séculos XVI- Alafiá ia à senzala ver se algum de seus Padre Frei João de Sousa relata de forma Notas:
XVII (1587-1663), foi uma das mulheres e irmãos negros necessitava ajuda, mas a liber- detalhada várias situações passadas pela Outras rainhas que não tiveram seu histórico cita-
heroínas africanas cuja memória mais tem dade era tudo o que seu povo mais queria comitiva do príncipe em terras portuguesas. do, mas que podem ser pesquisadas pelos leitores(as):
desafiado o processo diluidor da amnésia, (Isso não nos faz lembrar de “A Escrava Isaura”, Essas princesas, que se tornaram rainhas • Rainha Hatshepsut, que governou o Egito, viven-
dando origem a um imaginário cultural não o romance de Bernardo Guimarães que virou de seu povo, fazem parte de um espaço do no século XV a.C.;
só na diáspora, mas também no folclore bra- telenovela?). Alafiá vivia na casa grande, mas existente em nossa história onde desfilam • Rainha Makeba Oubsheba de Axum, Etiópia, 960 a.C.;
sileiro, com o nome de Ginga. Nzinga é cul- não se achava melhor que os escravizados muitas personalidades reais, não somente na • Rainha Candace, do Sudão, que enfrentou o
tuada pelos modernos movimentos naciona- que ficavam na senzala; ela também sabia atualidade, mas nos tempos passados, quan- exército de Augusto César.
listas de Angola como a heroína angolana que era uma escrava e o fato de estar na casa do tiveram grande força e atuação. Na reli-
das primeiras resistências. Despertou um grande, comendo e dormindo melhor, não a gião, por exemplo, existe a Gelede, original- Tiely Queen (Atiely Santos) é atriz, arte-edu-
crescente interesse dos historiadores e tornava diferente. Ao completar 19 anos, mente uma forma de sociedade secreta femi- cadora e desenvolve atividades na cultura Hip
Hop. Coordena o Projeto “Mulheres do Hip Hop
cantam as realidades” e o Setor de Audiovisual
da CUFA/SP (Central Única das Favelas, com
sede no Rio de Janeiro). www.hiphopmulher.com.br
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Bibliografia
A
África e princesas: livros e filmes
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desde a chegada ao Brasil, durante a escravidão, e
83
é que não é.
convida o leitor a adentrar na cultura desses ELEGUÁ, de Carolina Cunha, editora SM. descobre que seu pêlo, antes amarelo com pinti- muitos anos. Algumas delas podem ser encon-
povos tão importantes para a formação da identi- O mais poderoso orixá entre a Terra e o Céu é o nhas, está preto como a noite, e fica apavorado. tradas em outras partes do mundo, em diferen-
dade do nosso país. O livro expõe singularidades menor de todos os heróis iorubás. Mesmo sendo tes versões. Gcina Mhlophe é uma das mais
como: por que os negros eram obrigados a dar criança, é o primeiro da família a ser saudado, o A GÊNESE AFRICANA – CONTOS, MITOS populares contadoras de história da África do Sul.
voltas ao redor de árvores antes de deixar o con- primeiro que recebe oferendas. Essa história E LENDAS, de Leo Frobenius e Douglas C.
tinente africano rumo à escravidão no Brasil? conta por que sua fama corre tão Fox, editora Landy. A origem do IFÁ – O ADIVINHO/ XANGÔ, O TROVÃO/
longe. homem, à maneira como os primei- OXUMARÉ, O ARCO-ÍRIS, de Reginaldo Pran-
BICHOS DA ÁFRICA, de Rogério de Andra- ros africanos a conceberam. As pin- di, editora Companhia das Letras. Embora
de Barbosa, editora Melhoramentos. São quatro A ENXADA E A LANÇA - A turas rupestres da África pré-histó- fazendo parte de uma trilogia, esses livros são
volumes que trazem lendas sobre diversos ani- ÁFRICA ANTES DOS PORTU- rica integram os mitos, lendas e independentes e contam os principais mitos dos
editora Nova Fronteira. O autor apóia-se em ponta na expressividade de seus traços e de Exu, Ogum, Oxóssi, Erinlé, Logum Edé,
BOM DIA, CAMARADAS, de Ondjaki, edi- vastíssimo material arqueológico, antropológico seus conteúdos. Essas pinturas também escre- Ossaim, Nanã, Omulu, Oxumarê, Eua, Iroco,
tora Agir. Um menino, filho de um alto funcio- e histórico desconhecido no Brasil e em sua pró- vem as histórias que as lendas contam. Xangô, Obá, Iansã, Oxum, Iemanjá, Ibejis, Ajalá,
nário do governo angolano, tem uma vida privi- pria vivência pessoal, pois trabalhara durante Ifá, Odudua, Oxaguiã e Oxalá. Histórias que o
legiada e tem contato com as idéias do povo, por muitos anos na África, como diplomata. O livro GOSTO DE ÁFRICA – HISTÓRIAS Brasil herdou da África e que hoje fazem parte
intermédio de seu pajem, “o camarada Antonio”. trata de povos que deixaram poucos documentos DAQUI E DE LÁ, de Joel Rufino dos Santos, de nosso patrimônio cultural.
escritos; trata também de territórios imensos, editora Global. Histórias daqui e da África con-
O CHAMADO DE SOSU, de Meshack quase não pesquisados. tam mitos, lendas e tradições negras. Com um LENDAS DA ÁFRICA, de Julio Emilio Braz,
Asare, editora SM. Sosu percebe que sua aldeia olhar crítico e afetuoso, o autor fala também editora Bertrand Brasil. Com adaptação de várias
corre perigo com a chegada de uma grande tem- FILHOS DA PÁTRIA, de João de de personagens da história do Brasil histórias do “tempo em que os animais ainda
pestade. Sem poder andar, ele utiliza seu tambor Melo, editora Record. Uma reflexão e de um tempo de escravidão, luta e falavam”, o livro é uma mistura de aventura com
para dar o importante aviso. profunda e cuidada sobre os filhos liberdade, ajudando-nos a com- humor e traz as lições de sabedoria característi-
do território angolano e seus com- preender melhor nossa cultura. cas desse folclore.
OS CHIFRES DA HIENA E OUTRAS HIS- plexos destinos é o ponto central de
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muita influência na cultura brasileira. nou um símbolo da África em sua luta para ANA E ANA, de Celia Godoy, editora DCL. amiguinhas da grande aldeia chamada Terra se
manter a integridade cultural de seus povos. Ana Carolina e Ana Beatriz eram gêmeas idênti- afeiçoaram a Conquém, na beleza de sua pele
NAÇÃO CRIOULA, de Jose Eduardo Agualu- Diz-se que dele se colhem histórias. cas... mas eram iguais só por fora! Esta história escura pintada de pequenas bolas brancas.
sa, editora Gryphus. Nos finais do século XIX, a encanta pela delicadeza com que aborda a
misteriosa ligação entre o aventureiro português TERRA SONÂMBULA, de Mia Couto, editora “igualdade” e as diferenças entre gêmeos idênti- CARMEN / AÍDA, de Adèle Geras, editora
Carlos Fradique Mendes, cuja correspondência Companhia das Letras. Um ônibus incendiado em cos e os sentimentos que acabam esquecidos. Salamandra. A ópera Aída narra a história de
Eça de Queirós recolheu, e Ana Olímpia Vaz de uma estrada poeirenta serve de abrigo ao velho uma princesa etíope feita escrava pelos egípcios.
Caminha, que, tendo nascido escrava, foi uma das Tuahir e ao menino Muidinga, em fuga da guerra UM ANO NOVO DANADO DE BOM, de Ninguém sabe sua identidade, mas mesmo
pessoas mais ricas e poderosas de Angola. civil devastadora que grassa por toda parte em Angela Lago, editora Moderna. Quatro assim ela desperta o amor de um valoroso guer-
Moçambique. O veículo está cheio de irmãs, princesas africanas, são feitas reiro. Essa série traz o libreto em linguagem
UM RIO CHAMADO TEMPO, UMA CASA corpos carbonizados. Mas há também escravas. Em uma noite, três delas acessível às crianças. A edição traz também a
CHAMADA TERRA, de Mia Couto, editora um outro corpo à beira da estrada, escapam, mas deixam para trás a ópera Carmen.
Companhia das Letras. O estudante universitá- junto a uma mala que abriga os mais nova, ainda um bebê. O
rio Marianinho volta à ilha de Luar-do-Chão “cadernos de Kindzu”, o longo diário remorso das mais velhas com o CHICA QUE MANDA, de Agripa Vasconce-
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TAS, de Helena Carolina, editora Saraiva. Um DADE, de Aroldo Macedo e Oswaldo Faustino, recursos ficcionais, as autoras narram a vida diversidade de cores e até tem uma predileta,
olhar poético sobre os pequenos e grandes editora FTD. Desta vez Luana nos mostra que de Chica da Silva, uma das mulheres mais que vê apenas quando fecha os olhos. Para não
momentos, sobre as tristezas e alegrias, pois mais que uma dança, mais que uma luta, a conhecidas na história do Brasil. O livro perder de vista seu tom de cor preferido, ela
quem tem arte e amor no coração enxerga, num capoeira é uma expressão de liberdade. reconstitui os eventos históricos da época, as desceu as escadarias do castelo, atravessou
olhar pela janela, mais do que ruas, carros e legislações, as formas de escravização, o tráfico muralhas e portões de ferro para alcançá-la.
pessoas. Enxerga amores e desamores, alegrias, MENINA BONITA DO LAÇO DE FITA, de de escravos e o trabalho negro nas minas. Agora Anastácia quer misturá-la no mundo
fantasias, poemas e versos. Ana Maria Machado, editora Ática. Este livro já todo!
é um clássico. É irresistível o coelhinho branco PEIXE DOURADO, de Jean-Marie Gustave
ELA / AYESHA, A VOLTA DE ELA, de que quer se tornar negro como a menina Le Clezio, editora Cia. das Letras. A vida de PRINCESA ARABELA, MIMADA QUE SÓ
Henry Rider Haggard, ed. Record. O autor de linda do laço de fita. Laila, raptada aos seis anos de ELA, de Mylo Freeman, editora Ática. O que
As Minas do Rei Salomão narra a busca de dois idade e vendida no Marrocos a dar de presente para uma princesinha mimada
exploradores ingleses pela misteriosa e imortal NA TERRA DOS GORILAS, Lalla Asma, velha judia de origem que tem muito mais do que precisa? A rainha
rainha branca africana em dois livros que se de Rogério de Andrade Barbosa, espanhola. A compradora se torna pergunta a Arabela o que ela quer ganhar de
tornaram clássicos da literatura de aventura. editora Melhoramentos. Helena para ela, ao mesmo tempo, sua aniversário. Ora, simplesmente um elefante de
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as mulheres mais velhas de sua aldeia. Mas, costumes, religiões, línguas e histórias contri- meio da qual, chocada, fica sabendo que sua MESTRE BIMBA, CORPO DE MANDINGA,
como ainda é criança, tem de se contentar com buíram para a formação do povo do nosso país. irmã falecera, deixando um filho, Sérgio, que de Muniz Sodré, editora Manati. Segundo o autor,
os birotes. está abandonado, vivendo nas ruas. A mãe de semiólogo e pensador, mas também capoeirista e
DOM OBÁ II D’ÁFRICA, O PRÍNCIPE DO Leo viaja para Salvador e de lá traz o sobrinho, amigo de Bimba, “Mestre Bimba e sua capoeira
VALENTINA, de Márcio Vassalo, editora POVO, de Eduardo Silva, editora Cia das Letras. que deverá ser incorporado à família como foram, no conjunto, uma expressão da ironia obje-
Global. “Valentina morava num castelo, na beira Original, divertido e erudito, este livro narra a “irmão” de Leo. Sérgio é negro e a convivência tiva do negro na Bahia, do negro no Brasil”.
do longe, lá depois do bem alto.” Assim começa saga verídica de Cândido da Fonseca Galvão, se mostra difícil: o menino é faminto e calado.
a encantadora história dessa princesa bem dife- filho de africano forro, aclamado pelos morado- Assusta-se com facilidade. Desconhece vida de O MULATO, de Aluísio Azevedo (várias edi-
rente daquelas dos contos de fadas, mas igual a res da “África Pequena” - os populosos bair- classe média. É discriminado pelos amigos toras). O amor entre o jovem Raimundo e sua
milhões de princesinhas brasileiras. ros negros do Rio de Janeiro - como de Leo e sofre preconceito quando prima Ana Rosa é impedido pela origem do
“A revolta da cachaça”, “O tesouro de Chica da hoje exerce grande influência em nossa zar e aplicar uma consulta em escolas públicas do negro como personagem social pouco mobi-
Silva” e “Pedro Mico”, o teatro negro de Anto- sociedade. que pudesse assinalar as possibilidades e os lizado e excluído dos processos de participação
nio Callado. desafios para a implatanção da referida Lei. política. Esse livro, ao contrário, apresenta
DICIONÁRIO LITERÁRIO AFRO-BRASI- várias organizações negras que propuseram
ZUMBI, de Joel Rufino dos Santos, editora LEIRO, de Nei Lopes, editora Pallas, 2007. A IMAGINÁRIO, COTIDIANO E PODER, de políticas públicas e inserção institucional, dia-
Global. Neste livro, Joel Rufino nos oferece, obra trata de elementos vários vinculados à pre- Vagner Gonçalves da Silva (Org.). Coleção logaram com setores da elite e com visões de
mais do que a biografia de um personagem que sença do negro na arte literária do Brasil. Não Memória Afro-brasileira. Vol. III, São Paulo: cidadania e nação nas primeiras décadas do
lutou pela liberdade dos negros no Brasil escra- constitui, entretanto, […] “um dicionário de Summus /Selo Negro, 2007. Terceiro livro da século XX.
vocrata, uma verdadeira radiografia do mundo Literatura brasileira”. Vai além. Relaciona e coleção Memória Afro-brasileira, a obra traz
ocidental. Ao analisar a estrutura dessa socieda- identifica, em função dela, autores, artigos com a história de figuras len- UM OLHAR NEGRO SOBRE O BRASIL,
de, examinando o núcleo familiar, a hierarquia obras, manifestações paraliterárias, dárias que deram importante contri- de Edson França, José Carlos Ruy, Manoel
de classes e a noção de riqueza então vigente, instituições, figuras e fatos históri- buição para a formação da identida- Julião Vieira. Editora Anita Garibaldi, 2007. O
desvenda para o leitor a ideologia que criou e cos, personagens marcantes, ismos de das comunidades afro-brasileiras. racismo brasileiro tem singularidades próprias,
fundamentou, durante séculos, o mais cruel sis- e estudiosos de questões ligadas à Entre as histórias está a de Gabriel decorrentes da formação histórica do país e do
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denadamente navegaram até a costa de Con- mina Encardideira, tornando-se o primeiro negra por crianças negras, levando em consi- tornou um poderoso traficante de drogas do Rio
necticut. Os africanos são inicialmente julgados negro proprietário. Ele associa-se a uma deração os programas infantis. de Janeiro, para lhe propor um projeto social
pelo assassinato da tripulação, mas o caso toma irmandade para ajudar outros negros a com- nas favelas. Apesar de suas origens diferentes,
vulto e o presidente americano, que sonha ser prarem sua liberdade. KIRIKU E A FEITICEIRA (Kirikou et la sor- eles se tornaram amigos nos anos 50, pois o pai
reeleito, tenta a condenação dos escravos. Os cière), direção de Michel Ocelot, (Franca/Bélgica/ de Miguel tinha paixão pela cultura negra e o pai
abolicionistas vencem, no entanto o governo UM GRITO DE LIBERDADE (Cry Freedom), Luxemburgo), 1998. Kiriku, um menino que de Jorge era compositor de sambas. Nos anos 70,
apela e a causa chega à suprema corte america- direção de Richard Attenborough, Inglaterra, nasceu para lutar e combater o mal, enfrenta o eles se encontram novamente, na prisão de Ilha
na. Este quadro faz o ex-presidente John Quin- 1987. A história real de Steve Biko, jovem líder poder da Karabá, a feiticeira maldosa e seus Grande. Ali as diferenças raciais eram mais evi-
cy Adams, um abolicionista não-assumido, sair negro em luta contra o apartheid na África guardiões. Kiriku aprende em sua luta que a dentes: enquanto a maior parte dos prisioneiros
da sua aposentadoria voluntária, para defender do Sul. A história é contada sob a origem de tanta maldade é o sofri- brancos estava lá por motivos políticos, a maioria
os africanos. ótica de um jornalista branco que mento e só a verdade, o amor, a dos prisioneiros negros era de criminosos comuns.
aos poucos se conscientiza da generosidade e a tolerância, aliados
ANTÔNIA – O FILME, direção de Tata situação e também é perseguido. à inteligência, são capazes de vencer QUILOMBO, direção de Cacá Diegues, 1984.
Amaral, 2006. Originado de uma minissérie Drama biográfico e épico grandilo- a dor e as diferenças. Em torno de 1650, um grupo de escravos se
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