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Coleta de Dados:

estratégias para abrir olhos vedados

Pa u l D . Tr i p p 1

O Salmo 36.2-4 retrata poderosamente a ver com cegueira, ou seja, o fato de não
a realidade da cegueira espiritual e seu efeito ver o que precisa ser visto para que eu possa
na maneira de viver de uma pessoa: viver como Deus me chamou para viver. O
Porque a transgressão o lisonjeia a pecador é ao mesmo tempo intencionalmente
seus olhos e lhe diz que a sua ini- cego e cegamente intencionado. Sendo assim,
quidade não há de ser descoberta nós conselheiros estamos sempre lidando
nem detestada. As palavras de sua com a cegueira espiritual no nosso aconse-
boca são malícia e dolo; abjurou o lhamento, quer o percebamos ou não.
discernimento e a prática do bem. O Salmo 36 tem muito a nos ensinar a
No seu leito maquina a perversida- este respeito. Primeiro, dá-nos uma noção de
de, detém-se em caminho que não é como a cegueira espiritual funciona: “Porque
bom, não se desapega do mal. a transgressão o lisonjeia a seus próprios
Esta realidade do coração humano olhos e lhe diz que a sua iniquidade não há
leva o conselheiro bíblico a ver o processo de ser descoberta”. O indivíduo espiritu-
de coleta de dados não apenas como meio almente cego “pensa de si mesmo além do
de conhecer o aconselhado, mas também que deveria pensar”, e sua justiça própria faz
de ajudar o aconselhado para que comece com que fique cego ao pecado em sua vida.
a ver a si mesmo com uma clareza bíblica Ele não odeia o seu pecado porque não se
nova. O pecado não é apenas intencional, ou considera capaz de praticar tais coisas. Em
seja, um passo consciente além dos limites vez disso, defende-se, desculpa-se, racionali-
traçados por Deus. O pecado também tem za, reformula e justifica seu pecado. Alguém
espiritualmente cego não tem sensibilidade
bíblica ou aversão ao pecado.
1
Tradução e adaptação de Strategies for Opening O Salmo 36 também mostra que se eu
Blind Eyes: Data Gathering Part3.
Publicado em The Journal of Biblical Counseling não for sensível a meu pecado, odiando-o
v. 15, n.l, Fall 1996, p. 42-51. e abandonando-o, persistirei nele cada vez

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mais. A cegueira espiritual nos deixa sem ne- espiritual daqueles que aconselho. Falando
nhum sistema interno de restrição do peca- sobre seus alvos ministeriais, Paulo diz:
do. Em minha cegueira, continuarei a mentir Porque, embora andando na carne,
e enganar. Viverei na insensatez e não farei não militamos segundo a carne.
bem algum. Mesmo nos meus momentos Porque as armas da nossa milícia
de meditação na Palavra, meus pensamentos não são carnais, e, sim, poderosas
serão dirigidos para coisas que escapam à em Deus, para destruir fortalezas;
vontade de Deus para mim. O resumo do anulando sofismas e toda altivez que
salmista é: a pessoa espiritualmente cega se levante contra o conhecimento de
não rejeitará o que é errado. Isto é verdade Deus, levando cativo todo pensa-
para todos os pecadores. Todos nós lutamos mento à obediência de Cristo.
com áreas de cegueira espiritual, na qual não Meu propósito não é fazer uma exe-
vemos, não odiamos nem rejeitamos nosso gese profunda deste texto, que tem sido
próprio pecado. muitas vezes aplicado à batalha espiritual e
É esta realidade espiritual significativa apologética, mas observar implicações im-
que temos considerado nos dois artigos portantes para aquilo que pensamos sobre
anteriores. O primeiro artigo propôs que cegueira espiritual e estratégias práticas para
a cegueira espiritual é enganosa porque se mudança.
esconde atrás de máscaras. Pessoas cegas
espiritualmente são cegas à sua cegueira! Isto Localize as fortalezas
exige que o conselheiro bíblico conheça as Em primeiro lugar, a metáfora de
máscaras características da cegueira espiritual uma fortaleza é muito útil. Uma fortaleza
para poder ser usado por Deus no expor a é um lugar fortificado contra ataques. Ela
cegueira e abrir os olhos do aconselhado. foi construída com solidez e é defendida
O segundo artigo considerou nossa ativamente, sendo particularmente difícil
constante necessidade do ministério mútuo destruí-la. Quero dar um exemplo de como
para que possamos viver com os olhos aber- isto se manifesta na vida do aconselhado.
tos biblicamente. Se nos submetermos à luz Susana não via a si mesma como pe-
perscrutadora das Escrituras e ao ministério cadora, mas como uma pessoa necessitada,
fiel e diário de irmãos e irmãs em Cristo, cujas necessidades eram constantemente
vamos trazer para a interação com nossos insatisfeitas. A idéia de ser uma pessoa neces-
aconselhados os frutos desse ministério. Isto sitada constituía a sua fortaleza, provendo-
nos capacitará a ajudá-los a ultrapassar sua lhe a segurança de não ter que enfrentar as
cegueira espiritual. responsabilidades características de uma
Este artigo descreve algumas das estra- vida nos moldes bíblicos, dando-lhe uma
tégias que o conselheiro bíblico pode usar desculpa para seu estilo de vida e permitindo
para atingir esse alvo. que Susana constantemente transferisse a
culpa para outras pessoas. Era nesta fortale-
Três estratégias na za bem construída que Susana se escondia
coleta de dados habitualmente.
2Coríntios 10.3-5 fornece a estrutura Algo mais precisa ser dito aqui. Susana
para o uso que faço do processo de coleta não somente se escondia atrás da idéia de
de dados como meio de expor a cegueira ser uma pessoa necessitada, mas a defendia

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ativamente, ficando irada e defensiva sempre mentira, fico incapacitado para saber aquilo
que era levada a crer que eu estivesse “atacan- que preciso saber, e como Deus quer que eu
do” sua perspectiva de vida. Ela se defendia saiba. Meu mundo passa a ser moldado por
acusando-me de falta de amor e cuidado, mentiras, e não pelo conhecimento de Deus
e de reagir como todos os outros homens que dá vida, liberdade e sabedoria. Paulo zela
insensíveis que ela conhecia. Sua noção de por colocar um fim ao domínio e reino da
necessitada era uma fortaleza fortificada falsidade na vida daqueles a quem escreve.
e defendida ativamente, que precisava ser Ele também é zeloso em expor e demolir a
derrubada. Ao defendê-la, Susana estava incredulidade e a fé falsa.
sendo intencionalmente cega. Todo pecador No aconselhamento, lidamos constan-
tem fortalezas de cegueira espiritual, lugares temente com sofismas - coisas que parecem
onde a cegueira é fortificada, lugares que ser verdades, mas, de fato, são fundamental-
providenciam um esconderijo e são ativa- mente falsas. As necessidades de Susana eram
mente defendidos. Nestes lugares, a cegueira um sofisma. Tinham a aparência de verdade
estrutura toda a maneira de pensar e agir validada por uma experiência de vida em
daquela pessoa. que outros pecavam contra ela, e pareciam
A primeira coisa que quero fazer na razoáveis também pelo reforço da cultura
minha coleta de dados é localizar tais for- “psicologizada” que a cercava. Mas crendo
talezas. Onde esta pessoa está deixando de de maneira não bíblica que o seu problema
ver o que Deus quer que ela veja? Qual o mais básico era a sua noção de necessitada
efeito que isto tem sobre como ela lida com e não o seu pecado original, Susana estava
Deus, consigo mesma, com outros e com as cegamente intencionada.
circunstâncias? As fortalezas de cegueira, assim como a
justiça própria e a atitude defensiva que ro-
Destrua os sofismas deiam estas fortalezas, têm seu fundamento
Em segundo lugar, Paulo diz que ele nas mentiras plausíveis e enganosas que se
procura “destruir fortalezas; anulando so- levantam contra a verdade. Esta é a razão
fismas e toda altivez que se levante contra por que a segunda estratégia que deve ser
o conhecimento de Deus”. O que é um usada na coleta de dados é expor e demolir
sofisma? É uma alegação plausível, algo que esses sofismas. Trabalhamos para descobrir
parece ser verdadeiro, mas que na realidade e destruir as mentiras.
é falso. A cegueira espiritual envolve acre-
ditar no que é falso como se, de fato, fosse Traga todo pensamento cativo
verdadeiro. A cegueira espiritual significa Em terceiro lugar, Paulo diz que seu
crer em mentiras. alvo é “trazer todo pensamento cativo a
Paulo diz que estes sofismas se levantam Cristo”. Esta frase retrata o aspecto instrutivo
contra a verdade de Deus. Quando acredito e corretivo da coleta de dados. Nosso alvo
em uma mentira, não estou mais aberto à não é apenas ajudar as pessoas a reconhece-
verdade. A mentira no Jardim do Éden não rem que estão cegas, mas também ajudá-las
foi apenas uma opinião alternativa; ela se le- a ter visão bíblica. A coleta de dados pode
vantou contra a verdade que Deus havia fala- ser maravilhosa e relevantemente corretiva à
do para Adão e Eva. Mentiras posicionam-se medida que a pessoa ouve nossas perguntas,
sempre contra a verdade. Quando aceito uma aprende a fazer perguntas certas a si mesma,

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e aprende a pensar biblicamente a respeito da 3. Ele vê as dificuldades em sua vida como
vida. Somos chamados a libertar pessoas das provações, e não como consequências
fortalezas e sofismas da cegueira espiritual de suas escolhas e comportamento.
para que possamos capturá-las para Cristo, 4. Ele vê os problemas de sua vida como
e ter cada um de seus pensamentos submisso resultado direto de ser alguém neces-
a Ele e à verdade dEle. sitado.
A mente de Susana, antes contro- 5. Ele pensa que é sábio e que recebeu
lada pelas mentiras que ela defendia muito conselho sábio.
ativamente, tornou-se cada vez mais 6. Ele analisou sua vida e crê que tem
controlada pela verdade de Cristo. Ela discernimento sobre o que está acon-
se tornou mais e mais sensível a sofis- tecendo e o porquê.
mas sutis, à atitude defensiva e à justiça 7. Ele pensa que tem uma noção clara do
própria. A coleta de dados foi usada que é valioso e importante.
por Deus para capturar e transformar a 8. Ele vê a si mesmo como alguém com
mente e o coração de Susana. Todos os conhecimento maduro das Escrituras
pecadores precisam deste ministério. e da teologia.
Em resumo, são três as coisas que faço na 9. Ele vê a si mesmo como santo; isto é,
coleta de dados para conhecer o aconselhado alguém que quer e faz aquilo que é
e abrir seus olhos para que ele conheça a si certo.
mesmo. 10. Ele já vê a si mesmo como arrepen-
1. Localizo as fortalezas funcionais de dido.
cegueira espiritual e identifico como Em cada caso, o aconselhado crê que
elas costumam ser defendidas. sua avaliação é verdadeira quando, na rea-
2. Exponho as mentiras (sofismas) e iden- lidade, não é. Entretanto, poucos aconselha-
tifico como elas parecem plausíveis ao dos terão todas essas fortalezas de cegueira
aconselhado. espiritual presentes em sua vida ao mesmo
3. Ajudo o aconselhado a estabelecer uma tempo.
perspectiva de vida cativa a Cristo, e Como, então, localizar estas áreas em
reconheço a necessidade que tenho que a cegueira espiritual é particularmente
de ser modelo para o aconselhado e forte e influente no comportamento da pes-
ensiná-lo a pensar biblicamente. soa, e também muito bem defendida? Presto
As estratégias específicas que uso para atenção a várias coisas.
alcançar estes alvos serão tratadas no decorrer
deste artigo. Presto atenção àqueles assuntos
que fazem o aconselhado ficar
Como localizar as fortalezas irado ou defensivo durante a
No primeiro artigo desta série, listei coleta de dados.
as dez máscaras características da cegueira Em que momento o aconselhado sente-
espiritual que afeta o aconselhado: se acusado por uma pergunta que, na verda-
1. O aconselhado acredita que tem uma de, é aberta e requer que ele seja transparente,
noção exata de si mesmo. mas não traz uma acusação implícita? Pode
2. Ele vê o fato de ser vítima do pecado de ser que o aconselhado se sinta “apontado” ou
outros como o seu principal problema. acusado porque a pergunta tocou em uma

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fortaleza da qual ele não quer se desfazer, de raiva ou atitude defensiva e mostrá-los
mesmo que ele não esteja ciente de sua ao aconselhado para que possamos ajudar a
atitude defensiva. Considero esses momen- desembrulhá-los. Às vezes, os momentos tensos
tos cruciais. São ocasiões em que Deus está e desconfortáveis no aconselhamento são os
trabalhando para revelar o coração enganoso. melhores para mudança. Eles tendem a ser os
Não me apresso com a coleta de dados; paro, momentos em que Deus está colocando sobre
e procuro ajudar o aconselhado a perceber a mesa as questões do coração, para que possam
sua ira ou atitude defensiva. Procuro ajudá-lo ser vistas. Não são momentos que devem ser
a descobrir o que está querendo proteger e evitados, mas oportunidades transformadoras
como isso se encaixa na sua vida. que devem ser usadas criativamente.
Susana ficava aflita quando eu lhe fazia
perguntas sobre seu passado. Logo no início, Segundo, fico atento aos
ela disse: “Por que eu haveria de esperar que momentos em que a pessoa está
você fosse diferente dos demais conselheiros fechada ou protegendo a si mes-
que tive? Ninguém leva a sério o que acon- ma durante a coleta de dados.
teceu comigo”. A esta altura, eu nada tinha Note as perguntas para as quais você
comentado sobre seu passado e, com certeza, esperaria uma resposta pronta do aconse-
também não tinha feito nenhuma acusação. lhado, mas que ele luta para responder,
Eu entendi, entretanto, que a afirmação dela ficando em silêncio, falando que não sabe
revelava alguma coisa muito importante. o que dizer, ou dando uma resposta que
Parei, e alertei Susana para o fato de não esclarece nada a respeito de si mesmo
que eu não havia feito nenhuma acusação. ou da situação.
À medida que fiz mais perguntas sobre sua Preste atenção, também, em como a
reação defensiva, questões importantes pessoa conta sua história. Uma das maneiras
para o aconselhamento começaram a sur- mais sutis de autoproteção é como as pes-
gir - coisas que eu precisava saber e Susana soas contam o que lhes aconteceu. Tenho
precisava ver. Ela compreendia a si mesma observado que as pessoas geralmente estão
como uma pessoa que era forçada a viver ausentes da própria história de suas vidas! O
com necessidades muito significativas não que quero dizer é que sua narrativa contém
satisfeitas. Esta perspectiva fazia uma coisa muito do comportamento de outros e das
muito importante por ela: isentava-a da dificuldades da situação, mas não descortina
responsabilidade pelas coisas erradas que muito sobre seus próprios pensamentos,
fazia e pelas consequências que provocava desejos, escolhas e ações.
na vida de outras pessoas. E por ser algo tão Para esclarecer este fato aos aconse-
importante em sua vida, Susana defendia- lhados, costumo fazer a seguinte analogia:
se ativamente quando desafiada por quem “Estamos assistindo ao filme da sua história,
quer que fosse, e acusava a pessoa de falta de e notei uma coisa interessante: você não
amor e compreensão. Mas agora, na coleta está nela! A câmera fixa-se nos outros e na
de dados, Deus começou a mostrar-lhe a situação difícil, mas nunca em você. Eu
realidade desta fortaleza. gostaria de voltar e falar sobre os mesmos
Como conselheiros, precisamos ser bons relacionamentos e situações, só que desta
ouvintes e bons observadores enquanto fazemos vez eu quero fixar a câmera em você. Que-
perguntas. Precisamos perceber os momentos ro focalizar o que você estava pensando,

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querendo e fazendo enquanto essas coisas isso, o conselheiro está procurando maneiras
estavam acontecendo”. de tirar a pessoa da “trincheira” da auto-
Tenho aprendido que é importante proteção.
eu não preencher os silêncios quando as
pessoas estão lutando para responder. Deixo Terceiro, procuro identificar
que saibam que estou disposto a esperar, ocasiões em que o aconselhado
e que é importante que elas respondam. culpa outros pelo próprio com-
Paro, e as ajudo a entender o porquê da sua portamento.
dificuldade. Deus usa estes momentos para Uma das fortalezas mais poderosas da
expor dados. cegueira espiritual é a da culpa. Todos nós
Também tenho aprendido a não ficar encontramos maneiras criativas de culpar
satisfeito com respostas vagas. Em amor, digo outros pelo que fizemos - da criança que ao
às pessoas que suas respostas não me disse- ser corrigida diz “Ele fez primeiro!” ao ho-
ram nada. Então reformulo as perguntas e as mem que diz ter cometido adultério porque
faço novamente, pois meu alvo é expor o co- sua esposa não lhe dava a atenção devida.
ração que se esconde atrás da autoproteção. Nós pecadores tendemos a nos esconder na
Geralmente faço duas coisas quando uma fortaleza do pecado alheio. Também justifi-
pessoa não é transparente ao falar sobre sua camos com todo vigor nosso próprio pecado,
vida. Primeiro, costumo usar um estudo de alegando os maus-tratos recebidos.
caso. Traço, em linhas gerais, uma situação Nessas ocasiões, eu paro para pergun-
problemática ou um relacionamento difícil tar: “Você está realmente dizendo que ...?”
e pergunto o que o aconselhado pensaria se Quero que a pessoa encare as implicações de
fosse a pessoa em questão. Pergunto quais suas palavras. Pergunto ao homem adúltero:
seriam os seus alvos e o que faria para os “Você está dizendo que há uma conexão di-
alcançar. Então tento estabelecer conexões reta entre a negligência da sua esposa e a sua
entre as respostas ao estudo de caso e a infidelidade?” Ou peço-lhe: “Explique-me a
vida diária do aconselhado. Este exercício ligação que você vê entre o seu adultério e
costuma ser extremamente útil para expor a atitude da sua esposa para com você”. Ou
o coração. ainda: “Quais são as outras respostas que
Em seguida, dou uma tarefa destinada você poderia ter dado à conduta ofensiva de
a revelar para mim e para o aconselhado as sua esposa?”. Quero que meu aconselhado
motivações do coração. (No final do artigo, pare de se esconder atrás do pecado de outros
dou uma amostra para você adaptar aos seus para que possa começar a ter ações e atitudes
aconselhados.) Peço ao aconselhado que leia construtivas.
os textos bíblicos, responda às perguntas, e
traga as respostas por escrito no encontro Quarto, presto atenção a quan-
seguinte. Quando nos vemos novamente, do o aconselhado ergue clara-
pergunto à pessoa o que ela aprendeu sobre mente uma defesa lógica do seu
si mesma. Há temas que apareceram vez ponto de vista e ações.
após vez? Conversamos, então, sobre estes As pessoas que procuram aconselha-
temas que surgiram das respostas dadas na mento nem sempre estão prontas a submeter
tarefa. Isto é muito útil para abrir os olhos suas atitudes e ações a uma avaliação bíblica.
do conselheiro e do aconselhado. Em tudo Com frequência, elas vêm pedir ajuda sem

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realmente querer ajuda, e buscam conselhos Um esclarecimento importante precisa
aos quais viram as costas, rejeitando. Muitas ser feito aqui. Paulo não nos diz para destruir
são como o fariseu que estava no templo a pessoa a quem fomos chamados por Deus
orando a Deus e dizendo-Lhe que, na reali- para ministrar, mas o sistema de mentiras que
dade, não precisava dEle. a escraviza. Expor as mentiras plausíveis não
Ouço com atenção quando uma pessoa deve ser um exercício sonoro, duro ou insensí-
revela seus pensamentos ou ações não com a vel. Devemos sempre falar a verdade em amor.
intenção de compreendê-los, mas apresentando Ao mesmo tempo, devemos odiar fortemente
argumentos para defendê-los e discutindo ativa- a falsidade e a safra de destruição que ela traz
mente quando questionada. Com frequência, à vida das pessoas que acreditam nela.
as pessoas vêm ao aconselhamento armadas de A mentira plausível tende a distorcer a
defesas bem ensaiadas. Elas podem argumentar perspectiva que um indivíduo tem da vida
com base em experiências passadas, citar uma (sua teologia funcional) em três pontos
passagem ou uma história bíblica, citar um livro chaves: a visão de si mesmo, de Deus e da
ou artigo, fazer referência ao que ouviram de situação. Se o aconselhado acreditou em uma
um especialista ou argumentar simplesmente mentira em qualquer destas três áreas, isso
que já pensaram muito a respeito do assunto e afetará radicalmente sua reação à situação
estão convencidas de que estão certas. na qual Deus o colocou soberanamente.
Tento alcançar três coisas com a minha Procuro identificar evidências de falta de fé
resposta. Primeiro, procuro ajudar a pessoa a funcional, incredulidade ou falsidade em
perceber que argumentar não é uma atitude cada uma dessas três áreas. À medida que uso
própria de quem busca ajuda, mas uma a coleta de dados para localizar as áreas em
maneira de defender o que já fez. Segundo, que a pessoa está cegamente rebelde, procedo
incentivo a pessoa para que se disponha da seguinte forma:
a expor todas as áreas de sua vida a um
exame bíblico. Deus usará isso como meio Procuro descobrir evidências de
de bênção, e não de condenação. Terceiro, uma visão de ­
faço perguntas para ajudá-la a examinar si mesmo distorcida.
seus pensamentos e ações de acordo com a Pecadores tendem a não ter uma visão
perspectiva das Escrituras. acurada acerca de quem são. Sua tendência
é pensar de si mesmos além do que são na
Como expor e destruir sofismas realidade. O orgulho é muito mais endêmico
Paulo usou uma linguagem forte em que a aversão a si mesmo. Portanto, procuro
2Coríntios 10.3-5 porque ele entendia o identificar aquelas áreas nas quais a visão que
poder da mentira plausível. Para muitos pe- o aconselhado tem de si mesmo simples-
cadores, é uma parte significativa do sistema mente não coincide com as atitudes que ele
de incredulidade. Todos nós já acreditamos expressa nem com as suas ações.
em mentiras, e a maioria delas parece ter
um halo de verdade. A falsidade é sedutora Procuro expor essas distorções de
simplesmente porque se veste de verdade. duas maneiras primárias.
Afinal, o inimigo de nossas almas é chamado Primeiro, descobri que um diário
de “pai da mentira”, e seu trabalho básico é com foco dirigido pode ser usado por Deus
seduzir-nos com mentiras disfarçadas. para abrir os olhos da pessoa que tem uma

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visão distorcida de si mesma. Não peço ao porque havia trabalhado no mesmo empre-
aconselhado que anote tudo quanto está go, com os mesmos colegas, por 12 anos.
acontecendo. Para muitos, isto intimidaria Mas tinha rusgas regulares com seu chefe e
de tal forma que a tarefa nunca seria feita. relacionamentos marcados pela irritação com
Estabeleço um foco para o diário, ou seja, a maioria dos seus colegas de trabalho.
peço aos aconselhados que registrem somen- A visão que Raquel tinha de si mesma
te determinadas situações importantes e que não incluía ira, de modo que havia vários
respondam a cinco perguntas específicas: aspectos de sua vida que ela não havia enca-
1. O que estava acontecendo naquela rado. O diário foi penetrante para Raquel.
situação? Depois de três semanas, eu o li. Na ocasião,
2. O que você estava pensando e sentin- eu não tinha em mãos um marcador de
do? texto. Tinha uma caneta vermelha, com que
3. O que você fez em resposta? sublinhei cada ocorrência de ira e amargura
4. O que você queria ou o que procurava no diário de Raquel. As páginas ficaram
conseguir com o que fez? literalmente vermelhas de ira. No encontro
5. Qual foi o resultado? seguinte com Raquel, pedi que ela lesse o
Peço ao aconselhado que mantenha o seu diário, explicando o que eu havia feito.
diário por duas ou três semanas e, então, eu Depois de completar cerca de metade da
o leio atentamente procurando identificar leitura, Raquel começou a chorar. Ela olhou
temas e padrões de comportamento. Em para cima e disse: “Eu sou uma mulher irada
seguida, pego um marcador de texto e iden- - muito mais irada do que jamais pensei!”.
tifico onde estes temas aparecem. Durante A mentira plausível da visão imprecisa que
um encontro com o aconselhado, devolvo tinha de si mesma havia sido exposta.
o diário e peço-lhe que leia, naquele mo- Aquilo que chamo de “momento
mento, prestando atenção aos pontos que real” na coleta de dados também pode
foram destacados. Finalmente, pergunto ao expor a visão imprecisa que o aconselhado
aconselhado o que aprendeu a respeito de si tem de si mesmo. Na sessão de acon-
mesmo enquanto relia seu diário. Deus tem selhamento, chego a conhecer a pessoa
usado muito este exercício para abrir olhos como ela de fato é. A pessoa controladora
vedados. Parece ser particularmente efetivo tenderá a controlar no aconselhamento.
porque o aconselhado não está reagindo A pessoa irada tenderá a expressar sua ira
às minhas opiniões, mas às suas próprias a certa altura. A pessoa que tem justiça
palavras! própria tenderá a ser defensiva e não
Raquel era uma mulher muito irada ensinável. A pessoa medrosa lutará para
que estava completamente cega à sua ira. ter confiança. Descobri que é muito im-
Ela acreditava ser essencialmente bondosa, portante fazer o aconselhado examinar a
paciente, e compreensiva. Vivia com sua dinâmica de seu relacionamento comigo.
avó idosa, de quem cuidava; portanto, via Durante o encontro comigo, é mais difícil
a si mesma como uma serva amável. Mas que consigam se esconder, pois eu estou
Raquel estava muito amarga por essa tarefa participando daquele momento com
ter sido colocada sobre seus ombros. Acusava eles. Peço-lhes que sejam bem honestos a
seus irmãos, que nunca lhe ofereciam ajuda. respeito de suas lutas no relacionamento
Ela se considerava paciente e compreensiva comigo, e eu sou muito honesto sobre

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minha experiência no relacionamento problema tem sido levantado por muitos dos
com eles. Enquanto desembrulhamos a meus aconselhados.) Esta pergunta baseia-se
dinâmica do nosso relacionamento e os em uma pressuposição não bíblica: Deus,
temas despontam, as mentiras plausíveis por alguma razão, abandona alguns de Seus
em que a pessoa acreditava sobre si mesma filhos. Ela não contribui para que aquele
são expostas. que a faz adquira um melhor entendimento
da situação ou uma fé bíblica mais robusta
Procuro descobrir as distorções e prática.
funcionais na perspectiva que o Minha estratégia foi a seguinte: à me-
aconselhado tem de Deus. dida que Joel fazia perguntas a respeito de
As pessoas desenvolvem uma teologia Deus, eu o ajudei a ver as pressuposições fal-
com base na experiência, que lhes parece sas em que estas perguntas estavam baseadas.
plausível porque vem de sua interpretação Aqui estão algumas delas: os sentimentos são
dos fatos da vida. Quanto mais esta in- um indicador confiável da presença de Deus;
terpretação - e não as Escrituras - molda a o sofrimento é um sinal de punição divina;
perspectiva que elas têm de Deus, maior é se eu não vejo evidência da mão de Deus
a distância entre a teologia que confessam operando em minha vida, isto significa que
(oficial) e a sua teologia funcional (do dia- Ele não está respondendo às minhas orações;
a-dia). Ainda assim, a sua teologia funcional Deus está distante de mim, e não próximo.
parecerá ter um halo de lógica e verdade Ajudei Joel a perceber a natureza não bíblica
porque se encaixa em sua visão da vida. de suas perguntas fazendo as mesmas per-
Por exemplo, o Deus de Joel mantinha- guntas, mas reformulando-as com pressupo-
se distante, sem envolvimento em sua vida. sições bíblicas. Por exemplo: “Deus declara
Joel disse que nos seus momentos de maior que Ele está presente, Joel; por que Ele lhe
depressão, quando mais ele precisava de parece estar tão distante?” ou “Joel, Deus
Deus, ele nunca sentia que Deus estava está operando em sua vida; o que o impede
próximo. Ele disse que sabia que Deus de ver isto?” ou ainda “Joel, vamos dar uma
operava milagres, mas lutava com a falta de olhada nas coisas pelas quais você orou e ver
respostas de Deus às suas orações. Joel via como Deus respondeu”. Cada uma destas
Deus como um juiz duro, pronto a aplicar perguntas lida com a preocupação de Joel,
doses de consequências a todos quantos mas cada uma delas foi reformulada com
“fazem bobagens na vida”. Mesmo assim, base em pressuposições bíblicas, expondo as
Joel dizia-se crente. mentiras plausíveis acerca de Deus nas quais
Como eu cheguei a conhecer o con- Joel acreditava e destacando, em seu lugar, a
teúdo da teologia funcional de Joel e como verdadeira fé bíblica.
eu o ajudei a ficar ciente da distância entre Escute aquilo que seus aconselhados
o que ele dizia acreditar e aquilo em que ele falam a respeito de Deus. Escute as pergun-
realmente acreditava? Prestei atenção a como tas que fazem a respeito da Pessoa de Deus
Joel fazia perguntas a respeito de Deus, e o e de Sua obra. Procure identificar mentiras
ajudei a entender o impacto destas perguntas teológicas plausíveis. Poucos rejeitarão re-
na sua maneira de viver. Por exemplo, Joel pentinamente o Deus das Escrituras para se
costumava dizer: “Eu não entendo. Por que tornarem ateus declarados. Todavia, muitos
Deus não opera em minha vida’?” (Este caem em um cinismo teológico frio e dis-

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tante à medida que o Deus da sua teologia 4. Declaração: “Ele proverá livramento,
funcional não mais é digno de adoração e de sorte que você possa suportar a
respeito. tentação”.
Procuro evidências de que a pessoa Pergunta: Quando você foi tentado
tenha deixado de lado os meios de graça a se sentir preso em uma armadilha,
e crescimento cristão como, por exemplo, sem nenhum recurso possível para lidar
tempo devocional diário, participação nas com a situação?
ocasiões em que o corpo de Cristo está reu- Esta é uma tarefa orientada para revelar
nido, amizade e comunhão cristãs, ensino ao conselheiro e ao aconselhado as mentiras
da Palavra e adoração em conjunto com o sobre a Pessoa e a obra do Senhor, nas quais
corpo. Procuro compreender por que ela se o aconselhado acredita.
afastou, esperando expor e entender as men-
tiras que têm levado a um enfraquecimento Procuro descobrir distorções
da fé em Deus e à perda da motivação para naquilo que a pessoa pensa a
buscar uma comunhão mais profunda com respeito da situação.
Ele e Seu povo. À medida que você prossegue na coleta
1Coríntios 10.13 pode ser a base para de dados, tenha em mente que a pessoa não
uma tarefa prática útil para expor as menti- está fazendo uma recitação mecânica e ob-
ras que o aconselhado abraçou a respeito de jetiva de sua situação. Ela não está relatando
Deus e Sua obra. Por meio de quatro decla- meros “eventos, lugares e pessoas”. Visto
rações a respeito de Deus e Sua obra, Paulo que cada ser humano é um intérprete, cada
parece tratar de quatro mentiras plausíveis a aconselhado procurou compreender aquilo
respeito de Deus, nas quais somos tentados que aconteceu em sua vida. Cada um tem
a acreditar. Costumo montar a tarefa da uma visão própria a respeito da vida e das
seguinte maneira: circunstâncias em que está envolvido, inde-
1. Declaração: “Não lhe sobreveio tenta- pendentemente de estar ou não ciente disso.
ção que não fosse comum” Na verdade, é impossível a alguém contar
Pergunta: Em que circunstância você com isenção uma história ou dar um resu-
foi tentado a pensar que a sua situação mo do que está acontecendo no momento.
é única e que você foi separado para Sempre haverá uma visão personalizada dos
sofrer de modo especial? fatos. Portanto, preciso saber o que devo
2. Declaração: “Deus é fiel” ouvir. A seguir, dou alguns dos indicadores
Pergunta: Em que momento você foi mais comuns de uma perspectiva distorcida
tentado a crer que Deus está sendo (mais uma vez, as mentiras plausíveis).
infiel nas promessas feitas a você? Procuro identificar interpretações —
3. Declaração: “Ele não permitirá que os momentos em que o aconselhado diz: “Eu
você seja tentado além das suas for- acho que isso significa tal coisa”. Nenhum
ças” aconselhado interrompe o que está falando
Pergunta: Em que momento você para dizer: “Bom, Dr. Tripp, eu agora vou
pensou que estivesse passando por algo compartilhar com o senhor a noção que
maior do que aquilo com que pode li- formei a respeito deste acontecimento”. As
dar ou que as fortes pressões da situação interpretações vêm em meio à conversa, e
fossem a causa de você pecar? numa variedade infinita. Você precisa estar

Coletânea de Aconselhamento Bíblico  Volume 2 55


alerta e de ouvidos atentos. Por exemplo, cisamos perguntar o que ele estava tentando
se alguém diz: “Eu pensei a esse respeito alcançar com aquele comportamento. Peça
e decidi que devo...”, esta pessoa está lhe ao aconselhado que identifique quais são os
dando uma interpretação. Pare, investigue e seus “tesouros” e como estes tesouros mol-
procure entender. Alguém pode dizer: “Eu dam a sua maneira de responder. Faça per-
sei exatamente por que isso aconteceu comi- guntas que exijam que o aconselhado pense
go...” Mais uma vez, não estamos recebendo em motivações e responda de coração.
fatos puros, mas uma interpretação que pode Procuro identificar doutrina ou teo-
revelar distorções naquilo que a pessoa pensa logia. Não quero dizer com isso que veri-
a respeito da vida. fico se a pessoa leu recentemente a Teologia
Também procuro identificar avalia- Sistemática de Berkhof. Procuro identificar
ções em todos os julgamentos de bom e declarações formais e informais que revelam
ruim, certo ou errado, verdadeiro ou falso, aquilo que ela crê. Procuro identificar a
importante ou sem importância, bem- teologia funcional do aconselhado. Ouço
sucedido ou mal-sucedido, possível ou com muito cuidado cada vez que ele cita
impossível. Faço constantemente perguntas um texto bíblico. (Como ele usa o texto?
que procuram extrair as avaliações do acon- Que sentido dá ao texto?). Ouço com
selhado. Posso perguntar: “O que você acha muito cuidado cada vez que ele se refere a
que seria certo fazer em tal situação?” ou uma questão de doutrina. (Como ele está
“O que você considerou mais importante entendendo esta verdade bíblica, e como a
quando tal coisa aconteceu?” ou “O que você está aplicando à sua situação?) Ouço com
identificou como verdadeiro ou mentiroso muito cuidado cada vez que o aconselhado
naquilo que lhe disseram?” ou ainda “O faz alusão a uma história bíblica. (Como ele
que o levou a pensar que tal situação fosse está se identificando na narrativa bíblica?
impossível?”. Cada uma destas perguntas Que ligação está estabelecendo com a sua
investiga as avaliações que são base para as situação?) Ouço com muito cuidado quando
decisões e ações do aconselhado. Estas per- ele cita um pregador, um professor ou autor
guntas têm a intenção de revelar o coração cristão. (O que ele extraiu dali que o ajudou
que está por trás das reações às diferentes a compreender a própria vida?)
situações enfrentadas. Todos dão interpretações teológicas
Em seguida, procuro identificar pro- às suas situações de vida, embora a maioria
pósitos e objetivos. O que a pessoa quer das pessoas não esteja ciente do que faz! E a
conseguir em meio a esta situação ou por maioria dos aconselhados não fará observa-
meio dela? Qual o alvo que ela tem? Procure ções teológicas diretas. Estas virão em meio
identificar o propósito. Procure identificar às histórias contadas e, portanto, precisamos
os objetivos. Procure afirmações que lhe ouvir com cuidado e fazer perguntas que
digam o que o aconselhado está procurando extraiam este material.
alcançar - todos estão vivendo em função de Procuro identificar emoções. É impor-
alguma coisa. Faça perguntas que cheguem tante notar os sentimentos expressos quando
aos objetivos do aconselhado na situação. Ve- o aconselhado fala sobre a situação. Alegria,
rifique se são de fato os objetivos de Deus. ira, medo, esperança, desânimo, frustração,
Por exemplo, quando o aconselhado tristeza, gratidão, amargura, desespero e
nos conta o que ele fez ou como reagiu, pre- contentamento são janelas que permitem ver

56 Coletânea de Aconselhamento Bíblico  Volume 2


o coração. Todas precisam ser abertas, pois se mento à obediência de Cristo”. Este deve ser
relacionam a como o indivíduo interage com o alvo de tudo quanto nós também fazemos
aquilo que Deus coloca em sua vida. Tenho o no ministério. Quando fazemos boas per-
hábito de parar e comentar a respeito de uma guntas que procedem de uma perspectiva
emoção assim que o aconselhado a expressa. de vida distintamente bíblica, exigimos
Em seguida, com o aconselhado, eu a “tiro da que nossos aconselhados pensem sobre si
embalagem” para que eu possa entendê-la e mesmos como nunca pensaram antes. Ao
ele possa ver como aquela emoção relaciona- fazermos as perguntas que eles não haviam
se à sua maneira de ver a vida. feito e de uma maneira que eles não haviam
À medida que procuro identificar feito, Deus pode nos usar para quebrar os
emoções, pergunto a mim mesmo se elas muros da cegueira espiritual e promover
são apropriadas. Ou seja, estas emoções entendimento bíblico.
procedem de uma maneira de pensar bíblica Lembro-me de uma mulher que, após
a respeito da situação? Por exemplo, quan- responder a uma série de perguntas, disse:
do os israelitas murmuraram a respeito do “Estou aprendendo muito a respeito de mim
maná providenciado por Deus e olharam mesma, de Deus e das escolhas que tenho
para trás ansiando pela comida do Egito, feito!”. Eu não tinha usado minha Bíblia para
suas emoções não eram apropriadas. Elas instruí-la formalmente. Seu aprendizado re-
não procediam de fé e confiança em Deus sultou da coleta de dados. O processo havia
nem de uma perspectiva da vida moldada confrontado sua cegueira espiritual, e foi o
pela Sua Palavra. Uma das maneiras mais ponto de partida para levar seus pensamentos
fáceis de expor as mentiras plausíveis que cativos a Cristo.
um indivíduo abraçou é prestar atenção às A cegueira espiritual tenta enxergar sem
suas emoções e fazer perguntas que revelem Cristo, o que é tão impossível quanto tentar
os seus sentimentos. enxergar fisicamente sem os olhos. Paulo diz
Nós pecadores somos indivíduos ce- em Colossenses 2.8: “Cuidado que ninguém
gamente intencionados. Nossa tendência vos venha a enredar com sua filosofia e vãs
é crer em mentiras plausíveis. Há sofismas sutilezas, conforme a tradição dos homens,
encravados na vida de cada um de nós que conforme os rudimentos do mundo e não
precisam ser descobertos e destruídos. Este segundo Cristo”. Se os meus pensamen-
era um dos alvos centrais do ministério de tos acerca de mim mesmo, de outros, de
Paulo, e deve ser um dos nossos alvos tam- minha situação e de Deus não são levados
bém. À medida que procuramos conhecer cativos a Cristo, eles estão cativos à filosofia
o aconselhado por meio da coleta de dados, vã e enganosa do mundo. Quando os seus
também devemos nos envolver na missão de aconselhados perceberem esta verdade e
trazer à luz todas as mentiras sutis do inimigo virem padrões de pensamento específicos
que seduzem as pessoas para que se afastem que precisam ser renovados, eles serão mais
do caminho de Deus. receptivos ao seu ensino e confrontação. Eles
entenderão como as soluções bíblicas são
Como levar cada pensamento realmente apropriadas para os problemas
cativo a Cristo que eles enfrentam.
Este é o resumo final que Paulo faz de Perceba como Paulo descreve a filosofia
seu ministério: “levamos cativo todo pensa- do mundo: “vã e enganosa”. Ela é enganosa.

Coletânea de Aconselhamento Bíblico  Volume 2 57


Ela parece certa. Ela parece atraente, com sabemos que aqueles que aconselhamos
bons argumentos e lógica rigorosa. Ela parece pensam que vêem, mas são cegos, pensam
ter base firmada em anos de estudo e pesquisa. que entendem, mas suas percepções são vãs
Ainda assim, é vã. Ela não tem substância. e enganosas.
Ela não oferece respostas reais. Ela não leva a Por esta razão é que procuramos expor
uma percepção verdadeira. Ela não dá aquilo e destruir as fortalezas da cegueira espiritual.
que oferece. Ela é vazia. Por quê? Porque ela bem fortificadas e ativamente defendidas
não está submissa a Cristo. Tudo quanto ela Procuramos revelar e demolir os sofismas.
pode oferecer é aquilo que indivíduos vêem aquelas mentiras plausíveis que iludem todo
- indivíduos que são pecadores e lutam com pecador. E feito isto, ainda não acabamos
a cegueira espiritual - e esta é a razão por que Nosso alvo principal é levar o intencional-
ela sempre estará aquém. No fim, ela sempre mente cego e o cegamente intencionado
se mostrará deficiente. cativos a Cristo, para que possam ver com
No aconselhamento, reconhecemos claridade bíblica e viver em obediência por
que “todos os tesouros da sabedoria e do gratidão a Ele. Quando dependemos dEle.
conhecimento estão ocultos em Cristo” e Deus pode usar nossas perguntas para expor
procuramos levar todo pensamento cativo e invadir a escuridão espiritual, capturando
a Ele. Reconhecemos que toda a visão ver- os pensamentos dos nossos aconselhados
dadeira começa com Jesus, mas também para que possam obedecer a Cristo.

58 Coletânea de Aconselhamento Bíblico  Volume 2


“Como águas profundas são os propósitos do coração do homem,
mas o homem de inteligência sabe descobri-los” (Pv 20.5).

Como ajudar os aconselhados a ficarem


cientes das inclinações que orientam sua vida
(Descobrindo os propósitos do coração)

Perguntas que revelam o coração (em busca de temas comuns e padrões de comportamento)

As Escrituras nos ajudam a ganhar entendimento sobre o coração e aquilo que controla o
seu funcionamento. Damos aqui alguns exemplos. Estas perguntas têm o propósito de ajudar
os aconselhados a examinar os temas comuns em seus pensamentos, motivações e desejos para
que comecem a reconhecer o(s) verdadeiro(s) tesouro(s) de seu coração e como esses tesouros
moldam a maneira de reagir a Deus, outras pessoas e situações da vida.

1. Quais as ocasiões em que o aconse- 8. Em que circunstâncias e quando o AC


lhado (AC) costuma ter medo ou tende a duvidar das verdades da Palavra
lutar com preocupação e ansiedade (Rm 1.25)?
(Mt 6.19-34)?
9. Qual é o propósito real do AC com relacão
2. Em que circunstâncias o AC luta com a outras pessoas? Como ele define um
desapontamento (Pv 13.12,19)? bom relacionamento? Quais as suas ex-
pectativas com relação aos outros? Quais
3. Quais as situações em que o AC luta exigências ele coloca silenciosamente so-
com ira (Tg 4.1,2; Pv 11.23)? bre as pessoas ao seu redor (Tg 4.1,2)?
4. Em que situações de relacionamen- 10. Em que áreas da vida o AC luta com
to o AC enfrenta problemas amargura (Ef 4.31; Pv 18.19)?
(Tg 4.1-10)?
11. Em que situações o AC luta com re-
5. Que situações da vida o AC consi- morso, sendo tentado a dizer “Se ao
dera particularmente difíceis menos...”?
(1Co 10.13, 14)? 12. Quais experiências do passado o AC
6. O que o AC tem o costume de pro- reluta em deixar para trás?
curar evitar? Quais os seus hábitos 13. Quando o AC tende a ter problemas em
neste sentido? sua vida de oração e adoração pessoal a
Deus (Tg 4.3,4)?
7. Em que circunstâncias o AC experi-
menta com regularidade problemas 14. Em que situações o AC tende a lutar
em sua vida espiritual ou em seu com inveja? O que ele costuma desejar
relacionamento com Deus (Sl 73)? ardentemente (Pv 14.30)?

Coletânea de Aconselhamento Bíblico  Volume 2 59

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