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Parte I
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O facto jurídico é, normalmente, definido como um evento ao qual o Direito associe
determinados efeitos. Poder-se-ia dizer que o facto jurídico se apresenta como a
realidade apta a, integrando uma previsão normativa, desencadear a sua estatuição.
MENEZES CORDEIRO
• Factos humanos
o Voluntários
o Involuntários
• Factos naturais
• A origem do Facto, por exemplo, se tem origem numa acção humana estamos
perante um Facto Humano.
*1. Quando se reporta ao tipo de efeitos, falamos de eficácia jurídica, que corresponde a
determinadas consequências nas quais, através de critérios reconhecidos, ainda que
discutíveis, seja possível apontar as características da juridicidade, sendo estas
consequências juridicamente relevantes sempre respeitantes a pessoas. Assim sendo, a
eficácia jurídica reporta-se de modo necessário, a situações jurídicas. Estas situações,
por seu turno, resultam de uma decisão jurídica, ou seja, assumem-se como o acto e o
efeito de realizar o Direito, solucionando um caso concreto.
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Eficácia constitutiva – caso se constitua uma situação antes inexistente na ordem jurídica:
por exemplo, há eficácia constitutiva quando, nos termos do artigo 1263.º,a) alguém se
aposse duma coisa, fazendo surgir uma situação possessória;
Eficácia transmissiva – sempre que uma situação já existente, na ordem jurídica, transite
da esfera de uma pessoa para a de outra; por exemplo, celebrado um contrato de compra e
venda, a propriedade da coisa transmite-se do vendedor para o comprador, segundo o
artigo 879.º, alínea a);
A eficácia pode ainda classificar-se consoante a natureza das situações jurídicas a que se
reporte:
Não confundir transmissão com sucessão, nesta ocorre a substituição de uma pessoa
por outra, mantendo-se estática uma situação jurídica a qual, por isso, estando
inicialmente na esfera de uma pessoa, surge, depois da troca, na de outra.
• Actos jurídicos.
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contrato de seguro, uma extracção da lotaria, que confere direitos a determinados prémios,
é justamente, a presença de eficácia jurídica. No entanto o facto jurídico stricto sensu pode
redundar numa manifestação de vontade humana que, não releve, enquanto tal, em termos
de eficácia: o Direito trata-a como uma ocorrência, como sucede com a gestão de
negócios (arts.: 464.ºss do CC).
O passo seguinte foi dado pela teoria de acção final ou finalismo, desenvolvida na
Alemanha por HANS HENZEL e, entre nós, autonomamente, por MANUEL GOMES
DA SILVA.
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A acção humana não pode ser entendida como puramente causal, no sentido do agente
provocar, de forma mecânica, determinadas alterações no mundo exterior: a acção é final
porque o agente, consubstanciando previamente o fim que visa atingir põe, na prossecução
deste, as suas possibilidades.
O que distingue a acção humana de qualquer “outra” é a sua estrutura interna: a “acção”
não-humana traduz-se na sucessão mecânica de causa-fim, sendo este determinado por
aquela; na acção humana, há uma prefiguração do fim que determina o movimento para o
alcançar e os meios para tanto seleccionados: o próprio fim é a “causa”.
Julga-se, no entanto, que o finalismo deve ser levado até ao fim. O acto jurídico em
sentido estrito é sempre uma acção humana que, como tal, é considerada pelo Direito.
Quando este dispense a finalidade, deparamos já com um facto jurídico em sentido
estrito.
Segundo o professor Oliveira Ascensão, mover o dedo indicador sem qualquer fim,
reflexamente ou por sonambulismo, não é um acto nem uma acção: surge como um
simples facto; caso tenha consequências, elas não seriam no âmbito humano. Isto
porque, o Direito, por vezes, exige uma finalidade mais profunda do que outras. Mas
quando abdicasse totalmente de tal factor, haveria já apenas um facto jurídico e não um
verdadeiro acto em sentido próprio, isto é, uma actuação humana.
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3- Actos lícitos e ilícitos
Os actos lícitos são conformes à Ordem Jurídica e por ela consentidos. Não podemos dizer que o
acto ilícito seja sempre inválido. Um acto ilícito pode ser válido, embora produza os seus efeitos
sempre acompanhado de sanções. Da mesma feita, a invalidade não acarreta também a ilicitude do
acto. (Mota Pinto)
Os actos ilícitos, são contrários à Ordem Jurídica e por ela reprovados, importam uma sanção para o
seu autor (infractor de uma norma jurídica). (Mota Pinto)
• O critério de relevo da vontade das partes para a produção dos efeitos do acto;
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E, ainda segundo a Regente existe uma distinção gradual entre ambos, porque existem
actos que são praticamente negócios jurídicos, porque a liberdade de estipulação do autor
em alguns casos é maior.
As declarações são actos dirigidos a outros e que têm um conteúdo comunicativo. Têm
de ter um ou mais destinatários, determinados - declarações receptícias ou recipiendas –
ou indeterminados- declarações não receptícias ou não recipiendas. Além disso, têm de
ter uma função de comunicar um conteúdo e de ter um conteúdo a comunicar a esses
destinatários: são actos de comunicação.
Os actos reais ou operações são simples comportamentos voluntários de pessoas em
relação aos quais o Direito atende à voluntariedade da sua prática, mas que não têm
conteúdo comunicativo (PPV).
Esta classificação dos actos jurídicos em actos declarativos e actos reais não deve
confundir-se, porque não coincide, com a classificação dos actos jurídicos em negociais
e não negociais. Sobretudo não deve pensar-se que apenas os actos declarativos são
negociais. Há actos que são mais negociais e outros que o são menos. O acto pode ser
mais ou menos negocial. Não é possível e constitui factor de imprecisão dividir em
termos binários, todos os actos jurídicos em duas classes estanques: a classe dos actos
totalmente negociais e a classe dos actos nada negociais. É mais significativo distinguir,
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consoante a maior ou menos liberdade de celebração e a maior ou menor liberdade de
estipulação, os actos jurídicos em mais ou menos negociais (PPV).
Negócios jurídicos- São actos de autonomia privada que põem em vigor uma regulação
jurídica vinculante para os seus autores, com o conteúdo que estes lhe quiserem dar, dentro
dos limites jurídicos da autonomia privada (os efeitos dos negócios jurídicos produzem-se
ex voluntate) Ex: o testamento e os contrato ( artigo 405.º) (PPV).
Os negócios jurídicos são actos jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de
vontade, dirigidas à realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob
tutela do direito, determinando o ordenamento jurídico, a produção dos efeitos jurídicos
conformes à intenção manifestada pelo declarante ou declarantes.
Diferentemente do que sucede com os actos jurídicos simples e com os meros factos
jurídicos, no caso dos negócios jurídicos não é a Lei que determina unilateral e fixamente
as consequências jurídicas. O regime jurídico e as consequências jurídicas dos negócios
jurídicos são instituídas pelos próprios negócios. A causa eficiente é a autonomia privada e
não a Lei. Como actos de autonomia privada, os negócios não regem, em princípio, para
além das suas partes: não têm eficácia sobre terceiros, nem os vinculam (só vinculam os
seus autores) e, dentro do âmbito material da autonomia privada criam direito (PPV).
Teoria dos efeitos jurídicos - Para esta doutrina os efeitos jurídicos produzidos, tais como a
lei os determina, são perfeita e completamente correspondentes ao conteúdo da vontade das
partes. Haveria uma vontade das partes dirigida à produção de determinados e precisos
efeitos jurídicos.
Este ponto de vista não fornece o correcto diagnóstico ou o correcto critério para a
determinação da relação que intercede no negócio jurídico entre a vontade dos seus autores
e os efeitos jurídicos respectivos. Aliás, a ser esta doutrina correcta, só os juristas
completamente informados sobre o ordenamento podiam celebrar negócios jurídicos.
Teoria dos efeitos práticos - As partes manifestam apenas uma vontade de efeitos práticos
ou empíricos, normalmente económicos, sem carácter ilícito. A estes efeitos práticos ou
empíricos manifestados, faria a lei corresponder efeitos jurídicos concordantes.
Também esta concepção é inaceitável. Tal como define o negócio jurídico este não se
distingue dos compromissos ou convenções celebrados sob o império de outros
ordenamentos normativos (cortesia, moral, praxes sociais, etc.).
“Os negócios jurídicos são actos jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de
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vontade, dirigidas à realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob
tutela do direito, determinado o ordenamento jurídico produção dos efeitos jurídicos
conformes à intenção manifestada pelo declarante ou declarantes.
No negócio, tem de haver de acção, sem esta, o negócio é inexistente. O autor do acto
tem de querer um certo comportamento exterior por actos escritos ou por palavras. Tem de
ser de livre vontade, de outra maneira será inexistente (ex. coacção física), tem de haver
uma declaração (exteriorização da vontade do agente), constitui um elemento de natureza
subjectiva.
O comportamento não basta ser desejado em si mesmo, é necessário que ele seja
utilizado pelo declarante como meio apto a transmitir um certo conteúdo de
comportamento. (MOTA PINTO)”
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que nele intervém o princípio da autonomia privada, não deve ser tido como simples acto
jurídico não negocial (PPV).
Melhor critério parece ser aquele que se situa a diferença entre o acto jurídico simples e o
negócio jurídico em ser tributária da autonomia privada, ou apenas da lei, a modificação
consequentemente provocada na Ordem Jurídica. No negócio jurídico, a regulação que é
posta em vigor é tributária da autonomia provada; no acto jurídico simples, é tributária da
lei (critério adoptado por Oliveira Ascensão, por exemplo). A existência ou não de
liberdade de estipulação é mais um indício do carácter negocial, do que o seu critério. Mas
não é determinante. Assim, o casamento, por exemplo, é um negócio jurídico, embora os
nubentes não tenham, no que lhes respeita, liberdade de estipulção, porque a sua eficácia
jurídica é tributária da autonomia privada e não da lei. Também os contratos de conteúdo
rígido ou fixo, como, por exemplo, os contratos de compra e venda celebrados em massa no
comércio retalhista, não deixam de ter carácter negocial pelo simples facto de, na sua
celebração, não ter sido admitida a negociação do conteúdo. Na verdade, não é por haver
liberdade de estipulação que existe negócio jurídico, mas antes o inverso, é por haver
negócio jurídico que há liberdade de estipulação. A liberdade de estipulação é implicada
pela negocialidade e constitui, sem dúvida um seu indício, mas não deve ser tida como seu
único critério, nem mesmo como seu critério determinante (PPV).
As partes- Os negócios jurídicos pressupõem pessoas que os tenham celebrado e que sejam
partes deles. Os negócios jurídicos são celebrados por pessoas, por pessoas humanas ou por
pessoas colectivas, que são os seus autores. As partes podem fazer-se substituir por pessoas
a quem confiram poderes de representação, os menores e os interditos pelos respectivos
representantes legais e as pessoas colectivas pelos seus representantes orgânicos e por sua
vez por procuradores. A parte não é o mesmo que a pessoa e pode ser constituída por várias
pessoas. “Parte é o titular dos interesses” (Oliveira Ascensão). Cada parte corresponde, no
negócio, a um núcleo de interesses (PPV).
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celebrado por quem estiver afectado por uma incapacidade de exercício é, em princípio,
apenas anulável (PPV).
Objecto- (ver artº 280º) É útil distinguir com clareza, por exemplo, na compra e venda, de
um lado, a transmissão da propriedade da coisa mediante um preço e o que a esse propósito
foi estipulado, que seria o objecto imediato e que constitui o conteúdo do negócio, e, do
outro, a coisa comprada e vendida, cuja propriedade é transmitida pelo negócio, que seria
então o objecto stricto sensu ou mediato, que é o bem sobre o qual o negócio incide e
produz efeitos, o bem de cuja propriedade as partes dispõem na compra e venda.
Os simples actos jurídicos, são factos voluntários cujos efeitos se produzem, mesmo que
não tenham sido previstos ou queridos pelos seus autores, embora muitas vezes haja
concordância entre a vontade destes e os referidos efeitos. Os efeitos dos simples actos
jurídicos ou actos jurídicos “stricto sensu” produzem-se “ex. lege” e não “ex. voluntate”.
(Mota Pinto)
O acto jurídico traduz o exercício da autonomia privada marcado pela presença, apenas,
de liberdade de celebração.
O Direito associa, pois, efeitos jurídicos aos simples actos, por se tratar de
manifestações de vontade humana, quando não, estar-se-ia perante factos jurídicos em
sentido estrito; mas os efeitos em causa estão normativamente predeterminados, não
podendo as pessoas interferir na sua concreta formulação.
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Direito das obrigações, pelo contrário, dominam os negócios, como se depreende do
artigo 405.º.
• Puras actuações exteriores, por exemplo, os actos que integrem a ocupação de uma
coisa ou a perseguição e captura de animais;
• Actuações que impliquem ainda certas opções interiores, por exemplo, a escolha
de um domicilio ou de uma sede da pessoa colectiva;
• Actos quase negociais, equivalentes aos actos jurídicos em sentido estrito, que se
analisem numa pura manifestação de vontade, por exemplo, a perfilhação;
aplicação das regras jurídicas respeitantes ao negócio juridico (artº 808º CC)
Finalmente, o princípio geral do artigo 295.º pode ser aplicado a actuações humanas que,
por serem puramente funcionais, não possam considerar-se “actos”, marcados, pela
liberdade de celebração. Tão será o caso duma sentença judicial. Esta, por via do artigo
295.º do CC, deverá ser interpretada à luz do artigo 236.º.
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• As partes podem estabelecer o conteúdo de forma mais ampla ou mais restrita;
• Elementos essenciais;
• Elementos naturais;
• Elementos acidentais.
Os elementos naturais são os efeitos que, por sua natureza, os diversos negócios deveriam
produzir, mas que as partes podem, ao abrigo da sua autonomia privada, validamente
afastar. Correspondem a normas supletivas, isto é, a normas cuja aplicação fica na
disponibilidade das pessoas. Tais normas predominam no Direito das Obrigações, ao
contrário do que sucede nos restantes três sectores do Direito Civil.
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• Elementos necessários – são os que a lei exija para a validade de todo e qualquer
acto jurídico; subdividir-se-iam, ainda, em elementos essenciais, sem os quais não
haveria negócio, e em elementos habilitantes, requeridos para a sua total validade;
Elementos do negócio:
• Acidentais –
O negócio diz-se unilateral quando tenha uma única parte; é multilateral ou contrato
quando, pelo contrário, se assuma como produto de duas ou mais partes.
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A ideia de parte não equivale à de pessoa: num negócio, unilateral ou multilateral, várias
pessoas podem encontrar-se interligadas, de modo a constituir uma única parte. E,
portanto a ideia de parte corresponde à titularidade de determinado interesse,
consoante o número e diversidade de interesses presentes, não apenas à de número de
autores.
Nos negócios unilaterais – os efeitos não diferenciam as pessoas que, eventualmente neles
tenham intervindo; por isso, tende, neles, a haver uma única pessoa, uma única declaração
ou um único interesse; a inexistência de tratamentos diferenciados permite, em termos
formais, considerar no seu seio a presença de uma única parte: apenas se distingue a
situação desta da dos restantes, os terceiros. São exemplos de negócios unilaterais – o
testamento (artigo 2179.º/1); a renúncia (artigo 1476.º/1,e), ou a confirmação (artigo
288.º);
Negócios unilaterais – uma única declaração (ainda que feita por diversas pessoas);
distintas declarações podem dar azo a um mero negócio unilateral desde que se encontrem
ordenadas de modo paralelo.
Nos contratos – os efeitos diferenciam duas ou mais pessoas, isto é: fazem surgir, a cargo
de cada interveniente, regras próprias, que devem ser cumpridas e possam ser violadas
independentemente umas das outras; e em consequência, tendem a surgir varas declarações,
várias pessoas e vários interesses. São exemplos: a compra e venda (artigo 874.º), a
doação (artigo 940.º), a sociedade (artigo 980.º) ou o casamento (artigo 1577.º).
Negócios multilaterais ou contratos- declarações são várias; as declarações contratuais têm
de ser contrapostas para realmente existir um contrato.
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457.º, entende-se que apenas seria possível celebrar os negócios unilaterais expressamente
previstos na lei, não podendo, pois, compor-se tipos negociais novos, ao abrigo da
autonomia privada. Um melhor estudo das fontes revela, no entanto, que a tipicidade é, tão-
só, aparente: o legislador permitiu, através de vários esquemas que os interessados
engendrem, negócios não tipificados em leis. O nosso pensamento evoluiu, desde então,
para uma ideia de tipicidade imperfeita, na medida em que, são possíveis a celebração
de negócios não previstos directamente na lei.
Dentro dos negócios contratuais, importa, pelo seu relevo, referenciar as seguintes
subdistinções:
Promessa ao público
Nos artºs 459º a 462º, o CC contém a regulação típica das promessas públicas. São
negócios jurídicos unilaterais pelos quais os seus autores prometem publicamente
(feita a pessoa determinada ou feita ao público), uma prestação a quem se encontrar
numa certa situação ou praticar certo facto, positivo ou negativo. Ex: (quando
alguém oferece alvíssaras a quem encontrar um objecto perdido, ou um prémio a
quem executar uma obra literária, etc). A promessa ao público, como negócio
jurídico unilateral que é, vincula o promitente. Esta vinculação traduz-se na
constituição de uma obrigação na esfera jurídica do promitente e num direito
subjectivo na esfera jurídica do beneficiário da promessa. Como proposta contratual
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que é, deve satisfazer todos os requisitos de uma proposta: completude, firmeza e
suficiência formal.
Com a promessa pública não deve ser confundida a proposta pública (Oferta ao
público), a que o Código Civil se refere no artº 230º. A proposta pública é
também um negócio jurídico unilateral, mas com um conteúdo e uma eficácia
jurídica muito diferente da promessa pública (ver ponto da “Oferta ao
Público” dentro da alínea “Formação dos Contratos”) (PPV).
E, portanto, as partes ao abrigo da sua autonomia privada, podem estipular que os seus
negócios produzam efeitos com a morte de alguma delas. Não obstante, o negócio é inter
vivos por assentar num tipo de regulação primacial destinado a reger relações entre vivos.
Assim sucede com o contrato de seguro de vida, que produz efeitos com a morte do
segurado.
• São consensuais – os negócios que, por não caírem sob a estatuição de normas
cominadoras de forma especial, sejam susceptíveis de conclusão por simples
consenso. E, portanto negócios cuja forma corresponda ao que as partes
estabelecerem.
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• São formais – os negócios cuja conclusão a lei exija determinado ritual na
exteriorização da vontade. E, portanto, é o negócio cuja forma corresponda a
uma exigência legal.
Todos os negócios têm forma, mas revestem uma forma em especial, senão não
chegam a realizar-se, todavia essa forma é escolhida pelos autores.
São classificados como obrigacionais os negócios jurídicos dos quais resulte a vinculação
das partes, ou de alguma delas, à execução de prestações, isto é, a comportamentos devidos.
São obrigacionais, por exemplo, o mando e, de acordo com a doutrina tradicional, também
o arrendamento e o comodato.
Negócios jurídicos reais são, por um lado, os que têm efeitos de direitos reais – eficácia real
– e, por outro, os que se materializam com a entrega da coisa que constitui o seu objecto.
Como negócios jurídicos familiares são classificados aqueles que têm or conteúdo a
constituição, modificação ou extinção de situações ou relações jurídicas familiares.
Incluem-se nesta classe, por exemplo, o casamento, a convenção antenupcial, a adopção,
etc.
Mas isso não impede que a lei fixe o regime de verdadeiros negócios jurídicos; fá-lo,
porém, a título supletivo, disponibilizando figurinos que as partes poderão adoptar ou, pelo
contrário, abandonar ou adaptar como entenderem.
Os tipos legais são aqueles que constam na lei e que aí encontram uma disciplina,
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pelo menos tendencialmente completa e suficiente para a contratação por referência
(PPV).
Pode ainda suceder que as partes vertam, num determinado negócio que celebrem,
elementos típicos e atípicos, nesse sentido, fala-se de negócio misto – artigo 405º do CC.
O mesmo já não acontece com as uniões negociais (ou união de contratos), na qual dois
ou mais negócios foram colocados, pelas partes, numa situação de interdependência. Tal
interdependência ocasiona diversos efeitos jurídicos.
Alem dos tipos legais, podemos contar com tipos sociais. Desta feita, trata-se de negócios
jurídicos que, embora não previstos na lei, são de tal forma solicitados pela prática que
adoptam um exemplo comum, por todos conhecido. Desse modo, bastará uma simples
referência ao “tipo social” para, de imediato, as partes se reportarem a todo um conjunto de
regras bem conhecidas, na prática jurídico-social. Por exemplo: o contrato de concessão, a
prestação de serviços, etc.
Os tipos sociais são os modelos de contratos que existem e vigem na sociedade, na vida de
relação, na prática. Nem todos os tipos sociais são recolhidos pelo Legislador na lei e
existem na prática da contratação, nos usos e costumes do tráfego, onde são celebrados, de
acordo com o princípio da Autonomia Privada (PPV).
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Negócios onerosos e gratuitos
Um negócio é oneroso quando implique esforços económicos para ambas as partes, em
simultâneo e com vantagens correlativas; pelo contrário, ele é gratuito quando uma das
partes dele retire tão-só vantagens ou sacrifícios.
Pois, um negócio pode vir a revelar-se como imensamente lucrativo para uma das partes e
ruinoso para a outra; nem por isso haverá gratuitidade: se as partes o não tiverem querido
como tal, antes se verificando a presença de um negócio em desequilíbrio. No verdadeiro
negocio gratuito, a vontade livre do sacrificado determinou-se pela intenção de dar, o
animus donandi.
Tem importância ainda outros preceitos legais: 1159.º; 1446º; 1678º; 1922º; o e 1967º.
Em suma, o acto que só possa ser praticado pelo próprio, não é um acto de
administração. Para prevenir duvidas e em certos casos, a lei define exactamente
quais são os actos de administração: assim, na hipótese do artigo 1024.º/1, a locação
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constitui para o locador um acto de administração ordinária, excepto se estipulado
por um prazo superior a 6 anos.
Os actos de administração devem, por um lado manter a aptidão da coisa ou do bem para
a satisfação das necessidades e, por outro lado, promover a potencialidade e a utilidade
desse bem para a satisfação dessas necessidades e para a realização desses fins.
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Fala-se em causalidade ou abstracção dos negócios quando perante uma eficácia
negocial em si, por exemplo, Abel deve entregar 100euros a Bento, às tantas horas de certo
dia, e em determinado local, se pergunte pela fonte (= causa) da situação jurídica originada,
por exemplo, Abel pedira os 100euros emprestados, ou deve-os a título de preço.
Assim sendo, haveria negocio causal quando o dever de Abel adviesse de uma compra e
venda, artigo 879.º, c), ou da restituição implicada pelo mútuo, artigo 1142.º.Pelo contrario,
ele seria abstracto quando tal dever subsistisse sem necessidade de indagar a sua
proveniência.
Dentro dos negócios jurídicos reais existem por um lado os que têm efeitos de direitos reais
– eficácia real – e, por outro, os que se materializam com a entrega da coisa que constitui o
seu objecto.
Os primeiros, aqueles que têm eficácia real constituem uma subclasse: a dos negócios
jurídicos reais quoad effectum. São deles exemplo a compra e venda, que é um contrato
que opera a transmissão da propriedade em consequência da simples celebração do
contrato, e ainda que não haja entrega da coisa vendida.
Os segundos, aqueles contratos que se não fecham sem que ocorra a entrega da coisa,
constituem a subclasse dos negócios jurídicos reais quoad constitutionem, à qual
pertencem, por exemplo, o mútuo – artigo 1142.º; o depósito típicos – artigo 1185.º; o
penhor – artigo 669.º/1 e o comodato – artigo 1129.º. (PPV).
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II- Formação do negócio jurídico
1- As declarações negociais
1. A formação do negócio como um processo
A doutrina civil recuperou, com êxito, a ideia de processo, para explicar a formação do
negócio jurídico. Diz-se, em Direito, que há processo quando diversos actos jurídicos se
encadeiem de modo a proporcionar um objecto final.
Na mesma linha de pensamento, todas as normas jurídicas que intervenham num processo
devem ser interpretadas e aplicadas em consonância com o objectivo em vista na sequência
em causa.
Assim entendida, a ideia de processo aplica-se, com bons resultados, à formação do
negócio jurídico: os diversos actos que ela possa implicar conjugam-se, efectivamente, com
vista a esse resultado final.
Um processo ou sequência processual analisa-se em factos ou em actos, quando assente em
actuações humanas destinadas a prosseguir o objectivo final. A sequência deverá contudo
projectar, de modo dinâmico e, tanto quanto possível, fiel, a ordenação processual negocial
(PPV).
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prever novas fases. Tais fases até poderão ser típicas – p. ex: contratos preparatórios,
concurso para a conclusão do contrato ou aplicação de regras especiais. O processo,
enquanto tal, será atípico, até porque não há normas quanto à inserção, na sua sequência, de
tais elementos eventuais (PPV).
A declaração que, por erro, não corresponde à vontade real do autor é apenas anulável e
somente quando se conjuguem vários factores – artigo 247.º do CC; pode assim suceder
que sobreviva uma declaração, em termos legítimos, sem que ela corresponda à vontade do
declarante;
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A declaração feita com reserva mental é, em princípio, válida, apesar de ser contrária à
vontade real do declarante – artigo 244.º.
São declarações de ciência aquelas em que se comunica a outrem uma asserção sobre a
verdade ou falsidade de algo ou, mais correctamente, em que se exprime um juízo de
realidade (ex: depoimento duma testemunha) (PPV).
Todavia, não é assim. Uma comunicação escrita pode conter uma declaração expressa,
com o conteúdo que o seu autor lhe quis directamente imprimir, e também uma declaração
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tácita com um conteúdo que lhe está implícito. É o que sucede, por exemplo, quando o
vendedor, numa escritura pública de compra e venda de um prédio, declara querer vender
aquele prédio, sem dizer que é seu proprietário. A declaração é expressa no que respeita à
vontade negocial de vender e é tácita no que respeita à afirmação da propriedade do prédio
pelo vendedor.
Por outro lado, as declarações expressas não têm que ser necessariamente verbais e
podem ser simplesmente gestuais, como no caso de licitação em leilão, com um simples
aceno de cabeça, ou o caso da aceitação da proposta oral feita com um aperto de mão.
• A natureza formal de uma declaração não impede que ela seja tacitamente
emitida; como dispõe o artigo 217.º/2 do CC, requer-se, então, que a forma
prescrita tenha sido observada quanto aos factos de que se deduza a declaração em
causa.
O artigo 234.º do CC, embora se refira, na sua letra, a uma dispensa de declaração de
aceitação, deve ser interpretado no sentido de dispensar apenas uma declaração expressa de
aceitação. A aceitação a que se refere o artigo 234.º do CC é uma aceitação tácita, que se
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traduz, na letra do próprio artigo, numa conduta que mostre a intenção de aceitar a
proposta.
E, ainda, não deve, confundir-se declaração tácita com inacção ou com ausência de
declaração: a “declaração tácita” é, na verdade, uma “declaração indirecta”,
autonomizada, enquanto tal, numa classificação tradicional. (GALVAO
TELLES/DIAS MARQUES)
O silêncio
O silêncio não deve ser confundido com a declaração negocial tácita. Nesta ultima,
existe um comportamento negocial que tem um sentido que é juridicamente relevante. No
silêncio nada existe. O silêncio é a ausência de uma acção, e logo à inexistência de um fim
e de meios desencadeados para o prosseguir.
Segundo o artigo 218.º, o silencio vale como declaração negocial quando esse valor lhe
seja atribuído:
• Por lei;
• Por uso;
• Por convenção.
No caso da lei, o silêncio opera como um facto jurídico estrito que desencadeia, no entanto,
a aplicação de normas do tipo negocial. Exemplos, de casos em que a lei confere ao
silêncio o valor de declaração negocial são os dos artigos 923.º/2 e o 1163.º, relativos,
respectivamente, à “aceitação” da proposta de venda a contento e à “aprovação” da
execução ou inexecução do mandato.
Podem, também, as partes, por convenção, atribuir ao silêncio o significado que lhes
aprouver e, entre outros, um sentido negocial. Trata-se de um simples exercício da
autonomia privada.
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O silêncio valerá, como declaração negocial quando um uso, devidamente juspositivado
por uma lei, o determine.
No regime legal do arrendamento, por exemplo, o artigo 1054.º, n.º1, do Código Civil,
atribui ao silêncio das partes o efeito de renovação do seu prazo. Num qualquer
contrato pode convencionar-se que o silêncio tenha o valor de aceitação, ou de recusa,
de uma prestação como cumprimento.
Por definição, o silêncio envolve a ausência de qualquer declaração; não pode, por isso,
apresentar forma.
Acaso a própria lei atribua ao silêncio um determinado valor negocial, pode estar implícita
a dispensa de uma forma que, doutro modo, seria requerida.
Mas outro tanto não pode suceder com os usos ou com a simples convenção das partes:
através da concessão de eficácia ao silêncio, não é viável a dispensa das regras formais.
Seria de encarar uma alternativa: a de a própria convenção relativa ao silencia seguir a
forma legalmente prescrita e, depois, também de acordo com essa forma, se constatar a
ocorrência de silencia. Mas assim, tudo apontaria para um negócio tácito.
Na normalidade dos casos, as declarações que visem integrar um negócio contratual são
recipiendas, ao passo que as atinentes a negócios unilaterais, que se prendem, por definição,
a uma única vontade, operam por si. Mas há excepções: a oferta ao público não tem
qualquer destinatário, por definição e visa, justamente, integrar um conteúdo contratual.
As declarações recipiendas vêem a sua eficácia condicionada pela ligação particular que
visam estabelecer com o seu destinatário. O momento da sua eficácia, tem sido
equacionado com recurso a várias doutrinas, das quais cabe explicar três:
• Teoria da expedição – a declaração recipienda seria eficaz logo que enviada para o
destinatário;
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• Teoria da recepção – a eficácia ocorria quando ela chegasse ao podes do
destinatário;
No entanto, estas teorias dão lugar a dúvidas: a teoria da expedição não se justifica
perante uma declaração que, por qualquer razão, nunca chegue ao seu destino; a da
recepção claudica quando uma declaração chegue ao poder do destinatário em termos tais
que não possa ser entendida; a do conhecimento torna-se inexplicável quando a
declaração, tendo chegado ao destinatário em termos cognoscíveis, não seja, por este,
apreendida.
Ponderando todos estes valores em presença, o Código Civil português, apresenta no seu
artigo 224.º, algum entendimento que rodeia a eficácia das declarações negociais:
81
importante atender a que esta matéria se aplica tanto a declarações negociais como a
declarações não negociais, por força da remissão geral do artigo 295.º.
A questão da recepção não se coloca apenas em relação à simples recepção ou não recepção
da declaração, mas também em relação ao tempo em que ocorra. No n.º2 do artigo
224.º, fala-se expressamente da declaração que só por culpa do destinatário não foi por
ele oportunamente recebida. Segundo a letra da lei, a declaração torna-se eficaz
apesar de, só por culpa do declaratário, ter sido tardiamente recebida.
A proposta contratual, para o ser efectivamente, deve reunir três requisitos essenciais,
apontados nas diversas obras de doutrina:
82
o Deve ser completa;
Deve ser completa, no sentido de abranger todos os pontos a integrar no futuro contrato:
ficam incluídos quer os aspectos que devam, necessariamente, ser precisados pelos
contratantes, por exemplo, identidade das partes, objecto a vender, montante de preço, quer
os que, podendo ser supridos pela lei, através de normas supletivas, as partes entendam
moldar segundo a sua autonomia. Faltando algum elemento e ainda que a outra parte o
viesse a completar, não haveria, sobre ele, o consenso necessário.
Emitida uma proposta contratual e tornando-se esta eficaz, nos termos de algumas das
proposições do artigo 224.º, é importante verificar os termos dessa eficácia e por quanto
tempo deverá ela manter-se.
Esta situação jurídica deve distinguir-se de outras nas quais uma das partes, mercê de
esquemas preexistentes, negociais ou legais, tinha o direito potestativo de forçar outra à
conclusão dum contrato. Estas outras situações , a que Larenz/Wolf chamam genericamente
direitos de opção, surgem na sequência de contratos-promessas, de pactos de preferência ou
de direitos de opção ou de preceitos legais que os estabeleçam, tal como sucede na
preferência legal.
83
• Se, na proposta, for pedida resposta imediata, a vinculação do proponente mantém-
se durante o tempo que, em condições normais, demorem a proposta e a respectiva
aceitação a chegar aos respectivos destinatários;
• Se, na proposta, não for estipulado qualquer prazo, e esta for feita a pessoa ausente
ou feita por escrito a pessoa presente, a vinculação do proponente manter-se-á até
cinco dias após o tempo que, em condições normais, demorem a proposta e a
respectiva aceitação a chegar aos respectivos destinatários.
O Código Civil não avança quanto à determinação concreta do que seja esse tempo que,
em condições normais, a proposta e a sua aceitação demorem a chegar ao seu destino. E, no
entanto, esse período pode variar consoante o meio de comunicação utilizado (deve ser
determinado em abstracto). Será mínimo se for utilizado um meio de comunicação
rápido, por exemplo, o telegrama ou o fax, será maior se se recorrer ao correio, havendo
então que distinguir o tipo de correio (aéreo, terrestre ou marítimo) e a distância.
84
E, ainda, segundo o professor PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, a questão de
eficácia vinculativa da proposta deve ser apreciada em ligação com o dever de boa fé na
contratação, a que se refere o artigo 227.º do Código Civil. O proponente, depois de
formular e expedir a sua proposta, deve aguardar o tempo necessário para que o destinatário
da proposta a possa estudar e lhe possa dar uma resposta. Este tempo não podia ser
determinado com exactidão pela lei e não deve ser a Doutrina a fixá-lo em termos
rígidos.
• A revogação *;
*A proposta pode ser revogada. O proponente pode ter feito constar da proposta a sua
revogabilidade e o respectivo regime. Trata-se de matéria disponível onde rege a autonomia
85
privada. O n.º1 do artigo 230.º admite a estipulação pelo proponente do regime da
revogação da proposta, como resulta da expressão “salvo declaração em contrário”, com
que tem inicio.
A revogação da proposta é um acto unilateral, praticado pelo proponente, que tem por
conteúdo a extinção da proposta previamente emitida. Em qualquer caso, deve ter-se
presente que a revogação em causa só é possível enquanto não houver contrato;
passada tal marca, haveria já não uma mera revogação da proposta, mas a revogação do
próprio contrato, a qual só é possível, em principio, através de um acordo (distrate).
• Quando a revogação se dê em moldes tais que seja, pelo destinatário, recebida antes
da proposta, ou ao mesmo tempo com esta – 230.º/2.
Uma vez expedida a proposta, o proponente fica, em princípio, vinculado aos seus
termos. Mas, quando a proposta tenha um destinatário, não se justifica que o seu autor
fique vinculado antes ou independentemente de esse destinatário a ter recebido ou dela ter
tido conhecimento. E, portanto a diversidade rapidez dos meios de comunicação permite
que o proponente consiga, porventura, fazer chegar a revogação ao destinatário da
proposta antes mesmo de este a ter recebido ou ter dela tido conhecimento
(retractação), assim sendo, não chega a ser criada na esfera jurídica do destinatário, a
expectativa de contratação e não se justifica a vinculação do proponente.
Nota: no caso do proponente, sem se ter reservado a faculdade de revogar, vir declarar que
a sua proposta se manteria indefinidamente. Quando tal suceda, ele deveria ficar para
sempre sujeito a uma eventual aceitação, que poderia nunca surgir. Por certo que a proposta
feita em tais condições se submeteria à prescrição, no seu prazo ordinário de vinte anos –
artigos 300.º e ss; trata-se contudo, de um prazo ainda demasiado excessivo para que uma
pessoa o deva aguardar, a fim de se liberar de uma proposta que nunca mais obtenha
resposta, numa situação susceptível de bloquear, sem vantagens para ninguém, meios
financeiros, materiais e humanos. Propõe-se assim, a aplicação analógica do artigo 411.º
do Código Civil: o proponente pode solicitar ao tribunal a fixação de um prazo para
que o destinatário aceite ou rejeite; passado tal prazo, segue-se a caducidade da
proposta, nos termos gerais.
86
completamente determinado. É um acto finalisticamente orientado à abertura de um
negócio, não pode ser confundido com proposta contratual e promessa contratual.
No convite a contratar o seu autor mantém uma liberdade que não tem na proposta de
contrato. Pode modificar o conteúdo do projecto contratual inicialmente formulado e
pode a final desistir de contratar. Não tem, também, de ser formulado numa forma que
satisfaça as exigências formais do contrato tido em vista.
E por fim, não é vazio de conteúdo. Fixa, com maior ou menor determinação, o quadro
contratual cuja negociação se propõe. Pode ser dirigido ao publico ou a pessoas
concretamente identificadas, ou ainda a certas classes de pessoas ou a pessoas determinadas
segundo critérios gerais.
Oferta ao público
A oferta ao público é uma modalidade particular de proposta contratual,
caracterizada por ser dirigida a uma generalidade de pessoas.
Como qualquer proposta contratual, a oferta ao publico deve reunir os três requisitos
fundamentais, acima apontados: deve ser completa, deve compreender a intenção
inequívoca de contratar e deve apresentar-se na forma requerida para o contrato a
celebrar.
Há que distinguir a oferta ao publico de certas figuras que, por vezes, lhe parecem
próximas, assim:
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As cláusulas contratuais gerais: embora genéricas, não surgem necessariamente como
proposta e implicam uma rigidez que não enforma, de modo necessário, a oferta ao público.
A oferta ao público tem uma grande importância pratica no moderno tráfego negocial
de massas. Portanto, como proposta genérica, dirigida a todos os interessados, surge como
modo idóneo de proporcionar muitos contratos com um mínimo de esforço e de custos, por
parte dos celebrantes.
A oferta ao público pode ser formulada através de qualquer meio susceptível de demonstrar
uma intenção de contratar, completa e efectiva. Entre os meios mais frequentes contam-
se os impressos remetidos a pessoas indeterminadas, as tabuletas ou a simples
exposição dos bens em montras, acompanhada da indicação do respectivo preço.
O Código Civil não se ocupou, de modo expresso, da oferta ao público, excepto para
regular a sua extinção; segundo o artigo 230.º/3 do Código Civil, “ a revogação da
proposta, quando dirigida ao publico, é eficaz desde que seja feita na forma de oferta ou em
forma equivalente”. Trata-se de um preceito que, pela sua letra como pelo seu espírito, tem
aplicação, também, ao caso do anúncio público da declaração, feito nos termos do artigo
225.º do Código Civil, a proposta a pessoa desconhecida ou de paradeiro ignorado.
88
a proposta, fica constituído numa sujeição, à qual corresponde, na esfera jurídica
do destinatário da proposta, a um poder potestativo de aceitar a proposta. A
aceitação só é tempestiva se se tornar perfeita enquanto se mantiver a sujeição do
proponente. Passado esse tempo, cessa a sujeição do proponente e também o
poder potestativo do destinatário de aceitar a proposta.
A aceitação pode ser expressa ou tácita. O artigo 234.º do CC, sob a epigrafe, dispensa
da declaração de aceitação, prevê que a aceitação possa ser feita através de uma conduta
que mostre a intenção de aceitar a proposta. Este artigo exige expressamente que tenha
havido um comportamento do qual se deduza a aceitação. Este comportamento é uma
declaração tácita. É muitíssimo frequente, por exemplo, o fornecimento ou um serviço, em
vez de dizer expressamente que aceita faze-lo, dê logo execução à encomenda. A execução,
nestas circunstancias, constitui aceitação tácita da proposta.
Em suma: não chega, uma aceitação apenas sobre o “essencial” da proposta. Tem de haver
acordo sobre todos os problemas/pontos que qualquer das partes queira suscitar.
Sendo uma declaração recipienda, dirigida ao proponente, que se torna perfeita, nos termos
do artigo 224.º do CC, quando chega ao poder do proponente ou é por ele conhecida.
Operando nos termos desse preceito, pode suceder que a aceitação comece a produzir os
seus efeitos apenas quando a proposta já não tenha eficácia: haverá, nos termos do artigo
229.º, uma recepção tardia da aceitação.
Quando isso suceda não há, de imediato qualquer contrato. A conclusão de um negócio
contratual exige que a proposta e a aceitação se encontrem em plena eficácia.
• A aceitação foi expedida fora de tempo: o proponente nada tem a fazer, se quiser o
contrato; se pretender a sua celebração, terá de fazer nova proposta;
• A aceitação foi expedida em tempo útil: o proponente deve avisar o aceitante de que
não chegou a concluir-se qualquer contrato, sob pena de responder pelos prejuízos;
se pretender o contrato, basta-lhe considerar a aceitação tardia como eficaz.
89
informar o outro sobre tudo o que nas circunstâncias do caso se mostrar relevante para
evitar que sofra danos. A expressa menção do dever de informar, no artigo 229.º, torna
claro que esse dever existe no caso em que, ao contrário da expectativa do aceitante, o
contrato se não concluiu.
Uma vez emitida, a aceitação pode ser revogada, nos termos do artigo 235.º/2: a
declaração revogatória deve chegar ao poder do proponente, ou ser dele conhecida,
em simultâneo com a aceitação ou antes dela. Trata-se, como se vê, de um esquema similar
ao da revogação da proposta, artigo 230.º/2.
A concluir, registe-se que o contrato se tem por celebrado no momento em que a recepção
se torne eficaz e no lugar da recepção desta. Celebrado o contrato, desencadeiam-se os
efeitos nele previstos. E assim, o próprio contrato pode fixar o momento do inicio dos seus
efeitos.
Rejeição
Perante uma proposta contratual, o destinatário dispõe da alternativa de a rejeitar.
Contraproposta
O artigo 233.º, II parte, dispõe que “… se a modificação for suficientemente precisa,
equivale a nova proposta…”. Trata-se da contraproposta, ou proposta formulada pelo
destinatário de uma primeira proposta contratual.
A contraproposta é, para todos os efeitos, uma proposta contratual, que tem apenas
como particularidade o implicar a rejeição de uma primeira proposta, de sinal contrário.
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A lei exige, que ela seja “…suficientemente precisa…”. O requisito deve ser
complementado: a contraproposta deve ser completa, deve traduzir a intenção inequívoca
de contratar e deve assumir a forma requerida para o contrato de cuja celebração se
trate. Todas as demais regras atinentes à proposta, e já examinadas, têm aqui
aplicação directa.
Julga poder-se defender a proposta contratual como um negócio jurídico unilateral, pelo
menos sempre que o contrato visualizado pelo proponente tenha natureza negocial. Quando
tal não suceda, a proposta será um acto jurídico stricto sensu. Pelo que segue:
91
unilateral.
Ainda no campo dos actos preparatórios, podem surgir diversos contratos instrumentais, ou
seja, contratos que não visam regular de modo directo o conteúdo que integrará o convénio
definitivo. Entre os contratos preparatórios instrumentais expressamente previstos ou
pressupostos na lei, cabe referir:
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• A convenção das partes sobre o prazo de subsistência de eventuais propostas –
artigo 228.º/1, a);
Concurso unilateral – apenas o seu dono procede à competente abertura e aprova os seus
termos.
A existência de concurso para a celebração dum contrato pode visar razoes distintas
embora, com frequência inseparáveis. Assim:
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• A escolha do parceiro mais idóneo – dada a complexidade das sociedades
técnicas, a pessoa interessada em contratar não conhece, muitas vezes, os potenciais
parceiros;
• A procura da melhor gestão: por vezes, o dono do concurso não tem ideias
assentes quanto ao próprio contrato a celebrar; os interessados são levados a
concorrer apresentando propostas globais, por exemplo, para a recuperação duma
empresa; resulta, dai, uma busca de melhor gestão, que transcende o mero universo
contratual;
Seja qual for o seu objectivo, o concurso para a celebração dum contrato comporta
várias modalidades, em função de diversos critérios:
• Consoante o contrato em jogo e que poderá vir a ser celebrado, o concurso será
administrativo, civil ou comercial, para compra, para empreitada ou outro tipo
contratual ou, noutro prisma, para aquisição de moveis ou de imóveis ou para
obtenção de serviços.
• Em função dos destinatários, isto é, das pessoas que nele poderão participar, há
contraposições relevantes, pois, o concurso poderá ser internacional, europeu,
nacional, regional, local, concelhio, etc. Importante, também, é a clivagem entre
concursos indiferenciados e especializados: os primeiros dirigem-se a qualquer
interessado, enquanto os segundos visam, apenas, interessados com certas
habilitações.
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O concurso para a celebração do contrato, figura genericamente atípica, não deve
confundir-se com os concursos previstos no artigo 463.º. Na busca do regime aplicável
ao concurso para a celebração do contrato, há que proceder a considerações diversas.
• Basta ver que um contrato pode, em certos casos previstos na lei, não ser cumprido;
ora o cavalheiro honrará sempre a palavra dada, quaisquer que sejam as
circunstâncias e o preço. Mas não é Direito.
95
do cavalheirismo. Visto o disposto no artigo 809.º, as obrigações naturais só são possíveis
nos casos admitidos por lei.
• Alem disso funcionam numerosas outras regras, como a nulidade das obrigações
indetermináveis, artigo 280.º/1; a proibição de doas bens futuros, artigo 942.º/1 ou
a possibilidade de fixar prazos às obrigações, artigo 777.º/1. Assim:
• O acordo de cavalheiros – pelo qual alguém empresta uma quantia a outrem que
este pagará quando puder será cumprido nos termos do artigo 778.º;
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Segundo a teoria da oferta automática, comum até há pouco tempo, a simples presença
de um autómato pronto a funcionar, mediante adequada solicitação feita por um utente,
deve ser vista como uma oferta ao público: accionando o autómato, o utente aceitaria
a proposta genérica formulada pela entidade a quem fosse cometida a programação.
Um autómato pode ser programado para responder a solicitações distintas, por forma
adaptada a cada uma delas. Mas a situação complicar-se-ia quando a “oferta” fosse
ilimitada, podendo o autómato corresponder a inúmeras solicitações dos utentes: nesta
altura, a estes caberia a iniciativa, limitando-se o autómato a aceitar ou a recusar.
Parece então, melhor entender este processo de contratação como não sendo típico do
tipo proposta-contrataçao. É muito claro que quem coloca a máquina ao alcance do
publico está a oferecer ao publico os produtos ou serviços que o funcionamento da
máquina for capaz de possibilitar. Ao fazê-lo não está, pelo menos, na normalidade dos
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casos, a reservar-se a faculdade de contratar ou não, e muito menos a admitir a
possibilidade de contrapropostas. A objecção de que a máquina pode esgotar o seu
conteúdo e de que o seu funcionamento pode ser perturbado por uma avaria deixa de ter
importância se se entender, como deve, que a oferta está limitada às mercadorias
existentes na máquina e que é feita nos moldes do seu bom funcionamento.
Este tipo de contratação, tem sido enquadrado com recurso ao Direito vigente. Assim,
a declaração de vontade feita por computador ou por meios de comunicação electrónica
vale como tal. E naturalmente, terão aplicação as regras referentes ao erro e ao dolo, nas
declarações.
A contratação pela Internet conheceu uma evolução que cumpre referenciar, na medida em
que, o computador é programado de tal modo que, ele próprio, recebe a processa a
declaração do interessado, estando em condições de a aceitar. Temos uma declaração do
computador ou automatizada. O exemplo mais paradigmático é o das livrarias
electrónicas que, de modo automático, negoceiam livros. A declaração electrónica é
imputável à pessoa que programou ou mandou programar o computador.
Mas põe-se, essencialmente com esta questão da contratação pela Internet, o problema
da prova das declarações de vontade automáticas.
Consenso
O momento em que o contrato se conclui é de grande importância. É relevante para a
determinação do tempo e do conteúdo do contrato. A partir do momento da conclusão, as
partes ficam vinculadas nos seus termos e nada mais existe para negociar, para propor ou
contrapropor: o contrato está completo, o seu conteúdo está fixado.
O dissenso
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Se as partes em negociação não chegarem a acordo sobre uma que seja das questões sobre
as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo, o contrato não se conclui. Houve
dissenso entre as partes.
• O dissenso é patente sempre que as partes têm dele consciência. Seja enquanto as
negociações se mantêm, seja depois de se frustrarem, as partes sabem que não estão
ainda de acordo, ou que definitivamente esse acordo não será alcançado.
Exemplos:
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que uma das partes entende como francos franceses e a outra como francos suíços.
Ambas as partes pensam ter alcançado o consenso sem que assim tenha
verdadeiramente sucedido.
O dissenso oculto não se confunde com o erro. Não há falsa percepção da realidade,
porque as partes estão esclarecidas sobre o contrato, mas quiseram e disseram algo que era
diferente, embora disso se não tenham apercebido.
100
3- A forma das declarações negociais
1- Forma e formalidades; forma ad substantiam e ad
probationem
Os negócios jurídicos são acções juridicamente relevantes que assumem uma exterioridade
que vai para além de uma mera vontade ou intenção interior. E, portanto um negócio
jurídico, para além de toda a competente de vontade negocial, carece de ser manifestado,
de ser exteriorizado de modo a tornar-se reconhecível por outrem, para além do seu
autor.
Pode, assim, dizer-se que não há negócios jurídicos sem forma. Sem um mínimo de
forma, não haveria exteriorização do negócio, e ele não seria reconhecido.
Mas, pode acontecer, que a lei exija forma especial, estamos assim, perante um negócio
formal, este será não o que tenha uma certa forma, pois todos o têm, mas o que requeira
uma forma especial.
Forma legal – é aquela que é exigida por lei. A regra, segundo o artigo 219.º do CC, é a da
liberdade de forma. Todavia a lei exige com alguma frequência que os actos e negócios
jurídicos adoptem uma forma especial. As exigências legais de forma, são contrapostas à
regra do artigo 219.º, são geralmente consideradas excepções;
Forma qualificada – a lei não exige adopção de forma especial, mas exige no entanto,
certas menções;
101
• são concomitantes, por exemplo, na celebração de um contrato por escritura
publica, a verificação pelo notário da identidade dos outorgantes, a leitura em alta
voz do respectivo texto e a explicação do seu conteúdo;
As regras jurídicas sobre a forma não devem ser aplicadas, sem mais, às
formalidades. Na celebração, por exemplo, de um contrato promessa de compra e venda de
uma casa de habitação, o n.º3 do artigo 410.º do CC exige o reconhecimento presencial da
assinatura do promitente e a certificação pelo notário da existência da respectiva licença de
utilização ou construção. Tanto o reconhecimento da assinatura como a verificação da
licença, são meras formalidades que não devem ser confundidas com a forma do
contrato, que é a forma escrita.
Tal como a falta de forma, a preterição de formalidades exigidas por lei pode ter como
consequência a nulidade, não já por força do artigo 220.º do CC, mas antes do seu artigo
294.º. O negocio celebrado com preterição de formalidades injuntivamente exigidas por lei
é ilegal e, como tal, em principio, nulo.
Do artigo 364.º do CC resulta que a forma pode ser exigida por lei “apenas para prova
da declaração”. Nesse caso, a sua falta não é causa de nulidade, mas apenas de
dificuldade de prova. Sem a forma ad probationem, o negócio é válido mas não pode ser
provado, a não ser por um meio mais solene, com força probatória superior, ou por
confissão.
102
2- Liberdade de forma e justificação das exigências de forma
O Direito exige, para certos negócios, formas especiais, num desvio ao princípio básico da
consensualidade, inserido no artigo 219.º do CC. As exigências legais de forma são de
ordem publica e têm por função acautelar interesses relevantes.
• Razoes de solenidade;
• Razoes de reflexão;
• Razoes de prova.
A reflexão tem a ver com a gravidade que, para os contratantes, possam ter certos negócios
que eles celebrem ou venham a celebrar; tais negócios não devem, deste modo, ser
produzidos de ânimo ligeiro. A exigência de forma, facultaria essa reflexão.
• A reflexão pode ser propiciada pela forma de certos negócios; mas não necessária,
nem suficientemente;
• A prova, por fim, pouco ajuda. Os negócios vitimados por falta de forma são, por
vezes, de prova imediata. As dificuldades de prova põem em causa a própria
ocorrência do negócio; não a sua validade.
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A interpretação-aplicaçao das regras relativas à forma coloca particulares questões que
devem ser referenciadas:
• A manutenção, nos actuais quadros civis, da categoria dos negócios formais é uma
fonte de desconexões e de injustiças, em termos materiais.
• Segundo o artigo 293.º, torna-se possível converter um negocio nulo por falta
de forma num outro formalmente menos rigoroso, desde que verificado
determinado circunstancialismo.
Tal estado de coisas, acrescido ao facto de vigorar, com clareza, um princípio geral de
consensualismo permite concluir que, pelo menos, as regras que imponham formas
devem ser interpretadas sem extensões nem analogias, nos precisos termos impostos
pelas leis que as estabeleçam.
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podem seguir-se-lhe aplicações de outras regras que previnam danos, evitando
injustiças. Quem dê azo a uma nulidade formal e a alegue, perpetra um facto ilícito:
atenta contra a boa fé. Verificados os competentes requisitos, deve indemnizar, artigo
483.º/1, sendo certo que a indemnização será, em principio, natural ou especifica,
artigo 566.º/1. A titulo indemnizatório, o alegante de nulidades formais poderá ser
condenado a suprir o vicio, validando o negocio; quando inacatada, esta obrigação
poderia ser executada especificamente, pelo tribunal. No limite, poderá surgir uma
relação de confiança que consiga o efeito que o negocio formalmente inválido não
consiga concretizar. A solução aqui indicada só poderá funcionar em casos que
particularmente o justifiquem.
5- Assim, temos, o negócio que não apresente as regras de forma que se apliquem
é nulo, segundo o artigo 220.º; a nulidade, por seu turno, é invocável a todo o
tempo, por qualquer interessado, e pode ser declarada oficiosamente pelo
tribunal, nos termos do artigo 286.º.
4- A extensão da forma
• A forma legal, isto é, aquela que, por lei, seja exigida para determinada
declaração negocial – artigo 220.º;
• A forma voluntária, ou seja, a que não sendo embora exigida pela lei ou por
convenção, venha, no entanto, a ser adoptada, livremente, pelo declarante –
artigo 222.º;
105
Os problemas postos por estas três modalidades de forma são, por natureza,
diversos:
A forma voluntária representa, nas suas relações com a autonomia privada, uma
problemática sensivelmente idêntica. O artigo 222.º/1 e 2, prevê repetidamente a
hipótese de a lei sujeitar as estipulações acessórias a forma escrita; esta terá se ser
seguida, sob pena de nulidade – artigo 220.º, num simples aflorar das regras gerais;
cabe recorrer ao artigo 221.º para indagar se, de facto elas se sujeitam à forma
escrita.
Verifica-se que, perante uma forma voluntária da declaração principal, são válidas as
estipulações acessórias posteriores que a não observam e, ainda, as anteriores ou
concomitantes que também o não façam, mas então, apenas quando se mostre que
correspondem à vontade do declarante. Domina, pois, a autonomia privada.
A forma convencional implica um pacto prévio pelo qual as partes combinaram emitir
as suas declarações por certo modo. As partes podem, de comum acordo, não o
fazer: haverá então uma revogação (distrate) da prévia convençao de forma.
O artigo 223.º/1 não se desvia destas regras gerais; por razões de segurança
probatória, apenas estabelece a presunção de que, estipulada certa forma, as partes não
se quiserem vincular senão por ela. Pode tal presunção, nos termos gerais, ser
afastada por prova em contrário, artigo 350.º/2, demonstrando-se então a
revogação do pacto quanto à forma.
Pode acontecer, por fim, que a convenção quanto à forma surja apenas depois de
concluído o negocio ou no momento da sua conclusão; desde que haja
“fundamento para admitir que as partes se quiseram vincular desde logo”, o
artigo 223.º/2 presume que se teve em vista a consolidação do negócio – não a
revogação do negócio.
106
estipulações acessórias obrigam sempre que se mostre corresponderem à vontade das
partes. Ao contrário da forma legal, a forma convencional não assenta em razões
de ordem pública. Está-se, de novo, no domínio da autonomia privada.
5- Formas especiais
O Direito Civil português reconhece algumas formas especiais, para as declarações
de vontade, impondo-as, em certos casos.
A lei exige, para as declarações negociais sujeitas a uma forma intermédia, simplesmente a
forma escrita, o que dispensa o reconhecimento da assinatura ou a autenticação; assim, os
artigos, 410.º/2, 415.º, 1143.º, 1239.º, 1250.º ou 1763.º/1. A lei pode, no entanto, ir mais
longe e exigir, em termos expressos, o reconhecimento, nalgumas das suas modalidades –
artigo 410.º/3 do CC.
As diversas formas especiais das declarações devem ser hierarquizadas, nos termos
que resultam da enumeração acima efectuada.
De facto, quando a lei exija determinada forma, podem as partes adoptar uma forma
superior – artigo 364.º/1. Quanto à escritura pública, isto já não é possível.
107
(continuação do Resumo)
• Não havendo generalidade, assistir-se-ia a uma simples proposta feita por alguém
decidido a não aceitar contrapropostas enquanto, na falta de rigidez, se assistiria a
um comum exercício de liberdade negocial.
108
Alem das características apontadas, outra há que, não sendo necessárias, surgem,
contudo, com frequência nas cláusulas contratuais gerais; assim:
Regime
A LCCG visou uma aplicação de princípio a todas as cláusulas, artigo 1.º/1: o artigo 2.º
especifica que elas ficam abrangidas independentemente:
O recurso a CCG não deve fazer esquecer que elas questionam, na pratica, apenas a
liberdade de estipulação e não a liberdade de celebração.
A inclusão depende:
109
• De inexistência de cláusulas prevalentes – artigo 7.º.
E, portanto, para se verificar a inclusão, não basta a mera aceitação, exigida pelo Direito
comum: é necessária, ainda, a verificação destes requisitos acima referidos.
• A comunicação na integra – n.º1; deve entender-se que esta comunicação deve ser
feita a todos os interessados directos;
O artigo 5.º/3 dispõe sobre o melindroso ponto do ónus da prova: o utilizador que alegue
contratos celebrados na base de CCG deve provar, para além da adesão em si, o efectivo
cumprimento do encargo de comunicar, o artigo 342.º do CC. Trata-se dum simples
encargo: a sua inobservância, mesmo sem culpa, envolve as consequências legalmente
previstas.
Tanto o dispositivo do artigo 5.º como o do artigo 6.º correspondem a vectores presentes no
artigo 227.º/1, do CC. Mas são estruturalmente diferentes: traduzem meros encargos e não
deveres em sentido técnico. A sua inobservância não exige culpa, ao contrário dos deveres
e tem, como consequência, não a obrigação de indemnizar mas, “apenas”, a não-inclusao
prevista no artigo 8.º. tal não-inclusao pode, ainda, ser dobrada por um dever de
indemnizar, quando se verifiquem os (diferentes) pressupostos do artigo 227.º/1.
110
A presença, num contrato celebrado com recurso a CCG, de dispositivos que não tenham
sido devidamente comunicados ou informados não corresponde ao consenso real das partes:
ninguém pode dar o seu assentimento ao que, de facto, não conheça ou não entenda. Deve-
se, contudo, ter presente que, mesmo nessas situações de falha de vontade, há, em termos
formais, um assentimento. Pelo Direito comum, varias seriam as soluções a encarar: elas
iriam desde a mera indemnização, havendo culpa – artigo 227.º/1, ate à anulabilidade por
erro, havendo conhecimento da essencialidade do ponto a que respeite, artigos 247.º e
251.º, passando pela ausência de efeitos, por falta de consciência da declaração, artigo
246.º. segundo a LCCG, segue-se a solução mais fácil da pura e simples exclusão dos
contratos singulares atingidos, artigo 8.º, a) e b). As alíneas c) e d) penalizam, por seu
turno, as “clausulas-surpresa” e as que constem de formulários, depois da assinatura dos
contratantes: em ambos os casos se verifica um condicionalismo externo que inculca, de
novo, a ideia da inexistência de qualquer consenso.
A inserção, no contrato singular, das clausulas referenciadas no artigo 8.º da LCCG, põe o
problema da sua subsistência. O princípio em causa aflora nos artigos 9.º e 13.º
Artigo 9.º :
1 - Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na
parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de
integração dos negócios jurídicos.
2 - Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos
elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos
essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé.
O artigo 10.º da LCCG dispõe sobre a interpretação e a integração das cláusulas contratuais
gerais, remetendo implicitamente para os artigos 236.º e seguintes:
• Remete para uma interpretação que tenha em conta apenas o contrato singular.
Nulidade das cláusulas contratuais gerais (ver na Lei, ter atenção ao disposto que fala
sobre a redução)
111
Outro aspecto tecnicamente importante tem a ver com a estruturação da cláusulas
contratuais gerais proibidas e assenta numa contraposição entre clausulas absolutamente
proibidas e clausulas relativamente proibidas.
Acção inibitória
A nulidade das CCG mostra-se, insuficiente para garantir a posição dos consumidores
finais. A LCCG inseriu, por isso, um remédio mais eficaz: a acção inibitória que faculta,
quando proceda, a proibição judicial da utilização de certas cláusulas, independentemente
da sua inclusão em contratos singulares.
III
112
Do conteúdo deve distinguir-se o objecto; este tem a ver não com a regulação em si, mas
com o “quid” sobre que irá recair a relação negocial propriamente dito. Por exemplo,
celebrado um contrato de compra e venda, verifica-se que:
• As regras aplicáveis, por via dele, às partes, constituem o seu conteúdo; assim, a
transmissão da propriedade e as obrigações de entrega da coisa e do preço – artigo
879.º do CC;
Composição do conteúdo
E, ainda o negócio jurídico é composto por cláusulas. Podemos distinguir entre cláusulas
em sentido formal e cláusulas em sentido material: as primeiras correspondem a
proposições apresentadas vocabularmente como autónomas, sem regras numeradas pelas
próprias partes; as segundas equivalem a conjunções normativas que não podem ser
dividias sob pena de se perder o seu teor ontológico.
O tipo negocial em sentido próprio ou estrito equivale ao conjunto dos seus elementos
normativos e voluntários essenciais. Por outras palavras: não correspondem ao tipo
113
negocial os elementos que, legitimamente, afastem os factores normativos supletivos e os
elementos voluntários eventuais. Num sentido amplo, a expressão “tipo negocial” é
utilizada para traduzir qualquer negócio susceptível de designação global.
Do tipo negocial devem ser separadas as cláusulas típicas. Correspondem a dispositivos que
o Direito, por razoes de tradição ou pela sua frequência na vida civil, trata expressamente e
que, assim, ficam à disposição das partes que, para eles, queiram remeter; não formam,
porem, um todo coerente, antes se apresentando como instrumentos, em si desconectados:
quando efeitos, integram elementos voluntários eventuais.
Como exemplo de tipos negociais podem referir-se os contratos civis, inseridos nos
artigos 874.º e seguintes; cláusulas típicas são, também a título de exemplo, a condição
– artigos 270.º e seguintes, o termo – artigos 278.º e 279.º, ou o sinal – artigos 440.º e
seguintes.
Ao lado do tipo legal, temos ainda a considerar o tipo social. São negócios não
regulados na lei, mas que todos conhecem nos seus aspectos habituais. Têm regimes
estabilizados, dados pelos usos, pelo costume ou por cláusulas contratuais gerais. Sem
prejuízo do controlo que deva ser feito através da boa fé, o tipo social apresenta também os
aspectos práticos e valorativos acima indicados.
1. Possibilidade e determinabilidade
Num sistema dominado pela autonomia privada, boa parte do conteúdo dos negócios
jurídicos é determinada pelas pela negativa, isto é, através da aposição de limites. Desses
limites, os mais característicos são expressos através de requisitos, portanto de qualidade
que os negócios, para serem válidos, devam assumir nos seus conteúdos.
Dispõe, nesse domínio, o artigo 280.º/1 do CC: embora sob a designação particular
“objecto negocial”, ele estatui, na realidade, também sobre o seu conteúdo,
114
opere somente perante os sujeitos concretamente considerados. Em rigor, apenas a absoluta
é verdadeira impossibilidade: o sujeito concretamente impedido de actuar certo negócio
poderá, não obstante, celebrá-lo, desde que se possa, depois, fazer substituir na execução.
Esta distinção explica a possibilidade de negocias coisas futuras, na hipótese de estas
existirem, mas fora da esfera do disponente – artigos 211.º e 401.º/2.
A determinabilidade
O negócio jurídico, para poder ser executado, deve dar azo a condutas cognoscíveis pelas
partes. Pode suceder que, no momento da celebração, as partes não tenham, ainda, fixado o
seu conteúdo preciso: não obstante, elas terão de prever um esquema que faculte essa
determinação. É, pois, viável um negócio cujo objecto, embora indeterminado, seja
determinável; a lei prevê, para tal hipótese, esquemas para a determinação, artigo 400.º.
115
A indeterminação pode envolver um conjunto de hipóteses possíveis. Nessa eventualidade,
alem das regras do artigo 400.º, poderão ter aplicação os regimes atinentes às obrigações
genéricas, artigos 539.º e seguintes, e às obrigações especificas, artigos 543.º e seguintes.
O objecto do negócio será indeterminável quando, nem com recurso a nenhuma das
referidas regras, seja possível proceder à determinação.
De licitude pode ser utilizada uma acepção ampla e uma acepção restrita. Em sentido
amplo, o negócio diz-se licito quando tenha surgido no espaço deixado pelo Direito à
autonomia privada. A licitude tenderia, então, a absorver todos os demais requisitos
negociais. Em sentido restrito, o negócio é ilícito sempre que implique, para as partes, o
desenvolvimento de actuações contrárias a normas jurídicas imperativas.
A fraude à lei torna-se possível sempre que o Legislador, ao redigir o texto legal, intenta
impedir um resultado que considera indesejável, ou promover um resultado que considera
desejável, através da proibição ou da imposição das condutas tidas como causais desses
resultados desejáveis ou indesejáveis. Trata-se de casos em que a prossecução de uma
determinada finalidade legal é feita, não directamente, mas indirectamente através de uma
116
actuação legal sobre as causas ou os comportamentos que se pensa serem causais daqueles
objectivos legais.
Na fraude à lei, o conteúdo negocial não agride directamente a lei defraudada, mas antes
colide com a intencionalidade normativa que lhe está subjacente e que justifica a sua
imperatividade. Essa intencionalidade normativa subjacente à imperatividade da lei é a
Ordem Publica, como portadora dos critérios ordenantes do sistema. O juízo de fraude à lei,
coloca-se, assim, no domínio da Ordem Publica. O negócio jurídico fraudulento é ilícito.
(PPV)
Segundo o artigo 280.º/2, é nulo o negócio jurídico contrário à ordem pública ou ofensiva
dos bons costumes. Surgem, na lei civil, diversas formulações desse tipo. Assim: artigo
271.º/1; artigo 281.º; artigo 334.º; artigo 340.º/2; artigo 465.º; artigo 967.º; artigo
1422.º/2; artigo 2186.º; artigo 2230.º/2; artigo 2245.º.
Os bons costumes e a ordem pública constituem noções distintas. Alem disso, os bons
costumes permitem uma sindicância de todos os negócios jurídicos. Trata-se dum conceito
indeterminado, isto é: ele não faculta uma imediata apreensão quanto ao seu conteúdo
normativo.
Assim, considera-se ofensivo aos bons costumes, o negocio destinado a pagar favores
íntimos. Mas com uma precisão importante: o relacionamento amoroso, a ser motivo de
negócio, não prejudica: o atentado aos bons costumes surge, sim, se ele for o fim do
negócio em jogo. O progresso científico tem sido lento, mas mantêm-se.
A ordem pública
117
onde, mercê dos valores em presença, a autonomia privada surge limitada. Nesse sentido, é
paradigmática a proibição do artigo 81.º/1 do CC.
São, assim, contrários à ordem pública, contratos que exijam esforços desmesurados ao
devedor ou que restrinjam demasiado a sua liberdade pessoal ou económica. Também são
contrários à ordem publica negócios que atinjam valores constitucionais importantes, por
exemplo, uma obrigação de não trabalhar, ou dados estruturantes do sistema.
1. A condição
A condição é uma cláusula contratual típica que vem subordinar a eficácia duma declaração
de vontade a um evento futuro e incerto. O Código Civil, que dá esta noção, distingue –
artigo 270.º:
Em concreto, saber se estamos perante uma ou perante a outra dessas duas modalidades
constitui questão de interpretação.
A condição casual – pode, ainda, depender dum facto natural, como chover ou na chover
num certo dia, dum acto de terceiro, como a concessão duma fiança ou dum acto social ou
administrativo, como a autorização para construir;
118
contrário, com essa necessidade; a condição exercitável pode ser aproximada dum
misto entre a condição casual e a potestativa, uma vez que, para além do evento,
requer uma vontade do agente.
Ao lado das condições, a doutrina distingue certas figuras que, embora apresentadas em
termos formalmente condicionais, não são verdadeiras condições. São as chamadas
condições impróprias. Estas surgem por faltar algum dos requisitos das verdadeiras
condições e, designadamente: ou a natureza futura do evento, ou a sua incerteza ou a
voluntariedade da própria cláusula em si. Assim, são impróprias:
• As condições impossíveis – isto é, aquelas que, por razoes físicas (si digito coelum
tetigeris – se tocares no céu com o dedo, ou si mares ebiberis – se beberes o mar,
em exemplos que vem dos ramanos ) ou por razoes juridicas (se venderes a um cão)
nunca poderá ocorrer; neste ultimo caso ainda se poderia distinguir entre
impossibilidade legal e impossibilidade moral, consoante a verificação da condição
seja vedada por lei ou por princípios gerais ou cláusulas indeterminadas, maxime
pela boa fé ou pelos bons costumes;
No tocante às condições impróprias, há que fazer uma verificação ponto por ponto
para determinar a aplicabilidade das regras próprias da condição.
119
• A condição distingue-se de múltiplas figuras próximas. Desde logo do termo,
abaixo analisado: o termo traduz um evento futuro e certo, quanto à sua ocorrência.
Natureza e invalidades
A condição aparece, em termos formais, como algo de autónomo, isto é, como um aditivo
introduzido num determinado conteúdo negocial, e está sujeita à mesma forma do contrato
em que se insira.
Não há, pois, uma vontade de certo efeito e, depois, nova vontade de a subordinar a
determinado evento; há, antes uma vontade única, mas condicional. Resulta daí que todo o
conteúdo do negócio condicionado fica, por igual, tocado pela condição, com claros
reflexos no regime. E designadamente: a invalidade duma condição acarreta a invalidade de
todo o negócio.
Alem disso, as condições não podem ser inseridas em negócios que o Direito pretenda
firmes e como fórmula de os precarizar. Assim, o arrendamento não poderia ser
condicionado resolutivamente, sob pena de se frustrar o princípio vinculistico da
renovação automática.
120
• Por a própria condição ser, em si, contrária à lei, por exemplo, dói se ele cometer
um crime;
• Por ela implicar uma relação com o negócio que repugne ao Direito: por exemplo,
dou se ele castigar os filhos;
• Por ela conduzir a resultados indesejáveis ou que o Direito queria livres: por
exemplo, dou se ele desistir do exame ou se romper o noivado.
O Código Civil distingue, neste ponto, o tipo de regra atingida: assim refere a
condição contrária à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, artigos 271.º/1 e
2230.º/2.
Sempre que seja aposta uma condição num negócio incondicionável ou que a condição seja,
em si, ilícita, o negócio é, no seu todo, nulo, regra essa que se alarga às condições
impossíveis: é a norma do artigo 271.º, correspondente à natureza global do negócio
condicionado e da vontade condicional, acima referidos.
Esta regra tem excepções: em certos casos, o Direito, em vez de cominar a nulidade de
todo o negócio, determina a nulidade, apenas, da condição.
Basta ver que, tomada à letra, esta ideia da (mera) nulidade de certas condições teria efeitos
deste tipo: caso contigo quando fizeres 80 anos (se fizeres): a condição tem-se por não
escrita, segundo o artigo 1618.º/2, pelo que o casamento seria válido e (imediatamente)
eficaz. Ou, num exemplo de CASTRO MENDES: dou-te quando as galinhas tiverem
dentes: a condição é impossível, pelo que se tem por não escrita (artigos 967.º e 2230.º/1),
sendo a doação válida e (imediatamente) eficaz. Não pode ser: em ambos os casos, o
declarante manifesta a vontade de não praticar o acto.
Por isso, em todas as hipóteses de mera nulidade da condição, por expressa injunção legal
há que ponderar se as partes terão mesmo querido o negocio sem a condição. Quando for
patente a negativa, o facto de a condição se ter “como não escrita” acarreta a nulidade do
conjunto. E há, por isso, alem da natureza das coisas, uma base legal: segundo o artigo
2230.º/1 do CC, “ a condição física ou legalmente impossível considera-se não escrita e não
prejudica o herdeiro ou legatário, salvo declaração do testador em contrário”. Ora, a
121
“declaração em contrário” pode ser tácita, nos termos gerais, resultando da declaração
negocial, no seu conjunto.
Regime
O regime da condição procura um equilíbrio: por um lado, ela deve ser respeitada,
envolvendo todo o negócio jurídico; por outro, ela não pode paralisar o comércio jurídico,
na expectativa de que ocorra.
A conjunção destas proposições opostas pode ser concretizada com o auxílio de três
vectores habituais:
• A autonomia privada – a condição é imposta pelas partes e, nessa medida, deve ser
respeitada; as partes, alias, podem estipular os seus efeitos, compondo soluções
diversas das legais, sempre que o Direito as não proíba;
Desde o momento em que seja celebrado o negócio condicionado e até à altura em que se
verifique a condição ou haja a certeza de que ela se não poderá mais verificar, ela está
pendente.
A pendência da condição gera uma situação particular de conflito de direitos: aquele que
aliene um direito sob condição suspensiva mantêm-se seu titular, mas deixará de o ser com
a verificação dela; o que, por seu turno, adquira um direito sob condição resolutiva,
passa a ser seu titular, mas deixara de o ser com a verificação da mesma. Em ambos os
casos, o titular é, de algum modo, precário; ora, se lhe fosse permitido agir como titular
pleno, ele poderia por em perigo o direito da outra parte. Mas por outro lado, ele é, ainda,
titular: alguma vantagem há-de retirar desse facto.
Em princípio, a condição deve seguir o seu curso natural. Se for, contra a boa fé, impedida
por aquele que prejudica, tem-se por verificada; se for, também contra a boa fé, provocada
por aquele a quem beneficia, considera-se não verificada.
122
Verificada a condição, os seus efeitos retrotraem-se à data da conclusão do negocio. Quer
isso dizer que, sendo resolutiva, o negocio tornar-se-ia como que não celebrado e, sendo
suspensiva, como que plenamente celebrado, artigo 276.º do CC.
Do regime da condição importa agora considerar, com maior atenção, o problema da sua
pendência, segundo o artigo 275.º do CC.
Esta disposição tem sido entendida como uma concretização do artigo 272.º do mesmo CC,
aqui deparamo-nos com uma manifestação de boa fé objectiva. Como vimos, esta exprime
a necessidade de, em cada situação jurídica, se observarem os vectores fundamentais da
ordem jurídica. Tal necessidade implica a observância de dois grandes subprincipios:
A tutela da confiança - implica que, na pendência da condição, as partes não possam agir
contra o que, pelas suas opções contratuais ou pela ordem natural das coisas, iria, em
principio, suceder, em termos que provocaram a crença legitima da outra parte.
Põe-se o problema: num contrato bilateral, a condição, seja ela qual for, vai sempre, em
simultâneo, beneficiar e prejudicar ambas as partes. Por exemplo, a condição resolutiva
prejudica o adquirente, que perde a coisa, mas beneficia-o, liberando-o do pagamento do
preço. E, portanto cabe entender-se que qualquer das partes que impeça uma condição deve
considerar-se prejudicada por ela; de igual modo, qualquer das partes que provoque uma
condição deve considerar-se como aproveitando dessa ocorrência.
123
Noutros termos: nunca nenhuma das partes pode, contra a boa fé, impedir ou provocar
condições. Resta acrescentar que a condição é um “cláusula típica” frequente, com
larga documentação jurisprudencial.
2. Termo
Diz-se termo a cláusula pela qual as partes subordinam a eficácia de certo negócio jurídico
à verificação de certo evento futuro e certo.
Nos diversos idiomas “termo” tanto designa a cláusula acima referida como o evento futuro
e certo que ela tem em vista. Na linguagem corrente, ele anda muitas vezes misturado com
a locução “prazo”: ora o prazo designa o lapso de tempo que vai desde a celebração do
negócio ate ao evento futuro e certo que corporize o termo. Resulta daí que o termo possa
ser traduzido através dum prazo, pelo menos quando seja certo.
• Casos em que existe certeza do evento e certeza da data em que irá ocorrer
(dies certus na certus quando) – no dia 8 de Abril de 2005 (eclipse total do Sol nos
Galápagos); há um termo certo;
• Casos em que existe certeza do evento, mas incerteza quanto à data em que
virá a acontecer (dies certus na incertus quando) – na data das próximas eleições;
sabe-se que vão ocorrer, mas a data exacta não está fixada; há um termo incerto;
124
• Dies incertus na certus quando – quando fizer 21 anos; sabes-se que, caso isso
ocorra, será em tal data; há, na realidade, uma condição;
• Dies incertus na incertos quando – quando casares; não se sabe se disso vai,
ocorrer, nem quando: há condição.
Quanto ao modo de exprimir o termo, pode este ser expresso ou tácito. É expresso
quando resulte da vontade assumida das partes; é tácito quando derive de circunstâncias
que, com toda a probabilidade, revelem ser essa a vontade das partes.
Quanto à fonte. Aqui, o termo pode ser convencional, se estipulado pelas partes e legal, se
imposto por lei, por exemplo, o artigo 1443.º, no tocante ao usufruto. O chamado termo
legal é, na realidade, um termo impróprio, uma vez que não deriva da vontade das partes.
Finalmente, o termo pode ser essencial ou não essencial. É essencial sempre que o seu
desrespeito envolva a impossibilidade da prestação (por exemplo, servir a ceia da passagem
do ano ate às 24.00h do dia 31 de Dezembro); é não essencial quando tal desrespeito
apenas implique uma mora do devedor (por exemplo, o automóvel ficara reparado dentro
de uma semana).
Regime
O termo, tal como a condição, depende da vontade das partes. Por isso, estas podem
recorrer a ele, apondo-o em todos os negócios que a lei não declare inaprazáveis.
A aposição de termo quando a lei o proíba envolve a nulidade de todo o negócio jurídico.
Esta mesma regra é aplicável quando haja um termo impossível (por exemplo: no dia 32 de
Julho) ou inviável (por exemplo: até ontem), a menos que, pela interpretação, se consiga
apurar que houve mero lapso material ou que as partes tinham outra qualquer vontade em
vista.
A contrario, poderia parecer que os artigos 274.º, 275.º, 276.º e 277.º não teriam
aplicação ao termo. Não é assim.
De facto, apesar do termo, pode a parte que abrirá mão do direito praticar actos dispositivos
e de administração, havendo, então, que recorrer aos artigos 274.º e 277.º /2 e 3.
125
Também se pode verificar que um termo, apesar de certo por definição, se venha a
impossibilitar por modificação superveniente: por exemplo: paga quando o automóvel se
transformar em sucata; ora pode o automóvel perecer de tal modo que nem sucata fique: o
artigo 275.º/1 terá, então, a maior utilidade.
Igualmente é fácil de imaginar que alguém impeça, contra a boa fé, a verificação de um
termo ou, também contra a boa fé, a provoque: a certeza do termo não equivale à sua
intangibilidade. O artigo 272.º/2 é aplicável.
Preconiza-se, pois, um entendimento lato da remissão feita no artigo 278.º: todo o regime
da condição é aplicável ao termo, cabendo depois, caso a caso e preceito a preceito,
ponderar até onde vai essa aplicabilidade. Se necessário, podemos invocar a analogia,
Cômputo
A doutrina inclui muitas vezes, junto da condição e do termo, o modo, também como
cláusula típica. Ao contrário das duas anteriores, ela não é, contudo, comum a todos os
negócios jurídicos: apenas pode ser aposta nos negócios gratuitos. Assim, aparece prevista
na doação, artigos 963.º a 967.º e no testamento, artigos 2244.º a 2248.º podendo, no
entanto, ser alargada a outros tipos negociais gratuitos, como o comodato.
126
pavilhão (ao que ficará obrigado). Tudo depende da vontade das partes ou da parte e os
efeitos no regime são evidentes: pode-se exigir o cumprimento do modo, mas não o da
condição.
Se a obrigação modal não for cumprida, a doação subjacente não pode ser resolvida, salvo
cláusula em contrário (artigo 966.º); no testamento, a resolução é possível, nos termos do
artigo 2248.º.
O sinal
O sinal é uma cláusula típica, própria dos contratos onerosos e que consiste,
sumariamente, no seguinte dispositivo: aquando da celebração de um contrato, uma das
partes entrega, à outra, uma coisa ou uma quantia; se o contrato for cumprido, a coisa ou
quantia entregue é imputada no cumprimento ou, não sendo a imputação possível, é
restituída; se houver incumprimento, cabe distinguir: sendo o incumprimento provocado
por quem recebe o sinal, deve este restitui-lo em dobro; sendo, pelo contrário, causado por
quem dá o sinal, fica este perdido.
O sinal vem previsto nos artigos 440.º e seguintes do CC. Tem grande eficácia no
domínio do contrato-promessa. Surge, ainda, como clausula muito habitual: em torno dela
há vastíssima jurisprudência, constituindo matéria a examinar no Direito das obrigações.
127
penitencial. No primeiro caso, as partes pretenderam ressarcir danos; no segundo, elas
procuraram reservar-se a faculdade do recesso. No primeiro, há indemnização; no segundo,
um preço.
A cláusula penal
De acordo com o artigo 809.º, ninguém pode renunciar previamente aos direitos que lhe
assistam, mercê do incumprimento da outra parte. Trata-se dum afloramento da regra
segundo a qual não se pode dispor de bens futuros, patente no artigo 942.º/1. Deste modo,
só são possíveis as obrigações naturais previstas na lei.
Todavia, os artigos 810.º e seguintes admitem que as partes fixem elas próprias, por
convenção, as consequências do incumprimento.
A cláusula penal está sujeita à forma e às formalidades exigidas para a obrigação principal,
artigo 810.º/2; alem disso, e de acordo com as regras gerais, reforçadas por se tratar duma
cláusula acessória, ela é nula quando nula seja essa mesma obrigação, segundo o
referido preceito.
Em relação ao usurário, a lei actual exige que ele “explore” determinada situação de
vulnerabilidade da vítima. Trata-se duma fórmula que equivale, na prática, ao
“aproveitamento consciente” exigido pelo artigo 282.º. Mas não totalmente: a
“exploração” pode ser objectiva, isto é, pode não implicar o conhecimento da fraqueza da
contraparte.
128
suficientemente literário, com relevo para a ignorância ou para a concreta falta de
informação, pode consubstanciar este elemento.
A análise acima efectuada dos diversos elementos da usura não deve fazer esquecer a
natureza unitária do instituto. As proposições do artigo 282.º devem ser interpeladas e
aplicadas em conjunto, dentro da maçanica de um sistema móvel: quando a lesão seja muito
grande, a “exploração” e a fraqueza do prejudicado poderão estar menos caracterizadas. E
quando a dependência do prejudicado seja escandalosa, por exemplo, não será de exigir um
tão grande desequilíbrio.
Apesar de todos os alargamentos que se têm tentado, a usura mantém uma frágil
capacidade de concretização.
Pouco invocada pelos interessados, em juízo, dadas as dificuldades de prova que acarreta,
ela encontra escassa receptividade nos tribunais. Assim, havendo uma doação mista,
portanto: uma venda por baixo preço, de modo a beneficiar os compradores, o tribunal não
vê usura, por não se caracterizar suficientemente a fragilidade do vendedor e por, tendo os
compradores assumido o compromisso de cuidarem do comprador até ao fim dos seus dias,
o beneficio parecer justificado.
Outras casos que têm encontrado decisão no foro português: trabalhadores são levados a
renunciar a um suplemento de reforma: não há usura por não se ter provado uma situação
de necessidade ou de dependência, por parte deles; o cliente dum banco, aconselhado por
este a fazer um certo negócio ruinoso, não tem protecção por via da usura por esta não
proteger os incautos e os imprevidentes.
O artigo 283.º - neste caso, a equidade exige simplesmente que o usurário entregue o
benefício excessivo ou injustificado, ao lesado.
Finalmente, o artigo 284.º altera o prazo de caducidade do direito de anulação. Esse prazo
é genericamente fixado num ano, pelo artigo 287.º; perante a usura e quando ela seja
crime, o prazo não termina enquanto o crime não prescrever.
129
1- Interpretação do negócio jurídico
Noções gerais
As regras que presidem à interpretação dos negócios jurídicos têm sido objecto de várias
doutrinas. Tais doutrinas oscilam entre um subjectivismo extremo, pelo qual haveria de
indagar a verdadeira intenção do declarante e um objectivismo radical, sensível ao sentido
da própria declaração, tomada em si. Estes pólos exprimem dois valores ou dois princípios
aparentemente contrapostos e de cuja combinação resulta o regime negocial: a autonomia
privada e a tutela da confiança.
130
A autonomia privada tem, assim, de ser temperada com o princípio da tutela da confiança:
o Direito atribui-lhe determinados efeitos na medida em que ela se combine com esta.
Ao contrário, no entanto, das construções conceptuais, entende-se hoje que a confiança não
se opõe à autonomia privada, delimitando-a: ambos os princípios se articulam entre si para,
mutuamente, se tornarem aplicáveis. A autonomia das pessoas torna-se eficaz porque
visível e constatável, nas suas manifestações; a confiança, por seu turno, adstringe certas
pessoas por lhe ser imputável e na medida em que o seja. Não há, pois, oposição, mas antes
complementação interpenetrada.
De todo o modo, entendemos que a interpretação do negócio deve ser assumida como uma
operação concreta, integrada em diversas coordenadas. Embora virada para as declarações
concretas, ela deve ter em conta o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi
celebrado e vai ser executado, as regras supletivas que ele veio afastar e o regime que dele
decorra. Podemos distinguir, para efeitos interpretativos, uma integração veritucal e uma
integração horizontal. Em termos verticais, há que ter em conta:
- a prática contratual anterior entre as partes, seja para confirmar que ela se mantém, seja
para apurar que elas decidiram modificá-la;
- as negociações preliminares e todos os actos que tenham ocorrido nesse âmbito;
- o próprio teor das declarações negociais, as circunstâncias em que sejam emitidas e as
condições da sua recepção;
- o modo por que o contrato seja executado;
- os actos subsequentes à sua execução.
A lei civil portuguesa vigente mantém uma circunspecção aparente, no tocante às regras de
interpetação. Há, no entanto, ligações patentes entre eles: a própria intepretação não pode
deixar de atender à boa fé.
131
contrato, à totalidade do comportamento das partes- anterior ou posterior ao contrato -, à
particularização das expressões verbais, ao princípio da conservação dos actos – o favor
negotii – e, à primazia do fim do contrato. O declaratário normal, figura normativamente
fixada, atenderá a todos estes vectores. Algumas decisões jurisprudenciais referem que: se
deve atender a “todos os elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente
e sagazm na posição do declaratário efectivo, terá tomado em conta”; referindo o
declaratário normal como “...alguém medianamente instruído e diligente, capaz de se
esclarecer das circunstâncias em que as declarações foram produzidas”.
132
possibilitem encontrar, nelas, uma justeza constituinte e uma legitimidade controlável.
Designadamente, não pode a interpretação negocial conduzir a resultados que afrontem
normas jurídicas imperativas ou que venham pôr em questão princípios básicos do
ordenamento: no limite, o próprio negócio será afectado, na sua subsistência.
Pode suceder que as regras da interpretação, mesmo quando doutrinariamente enriquecidas,
nos termos acima apontados, deixem margem para dúvidas. O Direito poderia, em tal
eventualidade, invalidar os negócios por indeterminabilidade. Dá, todavia, uma última
oportunidade de aproveitamento do negócio, estabelecendo pontos de contacto com o
sistema.
O CC exprimiu esta problemática no artº 237º ( “casos duvidosos”): este preceito deve ser
entendido com alguma cautela. Na verdade, a lei não quer, a todo o custo, um equilíbrio de
prestações que, assim, se apresentaria como regra limitativa da autonomia privada.
Quando, porém, as partes não prescrevam, através de declarações aprontadas em termos de
suficiência jurídica, uma particular distribuição de vantagens, apresentam-se actuantes os
valores mais profundos do Direito, entre os quais a justiça comutativa.
O equilíbrio das prestações impõe-se como regra de bom senso, mas muito significativa em
termos jurídicos. Naquilo que a margem interpretativa deixe em aberta – ou, se se quiser,
sempre que as partes tenham disposto doutra forma – há que validar a intepretação negocial
mais justa, ou seja, para o caso: a solução que, tudo visto, surja mais equilibrad, sem infligir
danos despropositados a uma das partes, em proveito da outra.
O equilíbrio das prestações, como expressão directa da justiça comutativa, é a última regra
supletiva a que, nos negócios onerosos, se pode recorrer para fixar o sentido juridicamente
relevanete. Já nos gratuitos, a mesmo preocupação de justiça comutativa leva a que signre a
solução menos onerosa para o disponente.
Finalmente e mau grado o silêncio da lei, cremos que seve prevalecer, também na dúvida, o
sentido mais consentâneo com o objectivo do contrato. A interpretação é, hoje, dominada
pelo factor teleológico (tal como nos contratos assim será).
Regras especias
A regra do nº1 do artº 238º surge no artº 9º/2, a respeito da interpretação da lei e no artº
2187º/2, a propósito dos testamentos.
A falsa demonstratio non nocet coloca um problema complicado, nos negócios formais. Se
as partes se põem de acordo usando um código não habitual de comunicação, podem agir à
margem das prescrições legais da forma. Estas têm, implícita, a determinação do uso da
linguagem oficial: de outro modo nem faria sentido uma determinação de forma.
Donde a exigência de “...um mínimo de correspondência no texto do respectivo
documento...” do artº 238º/1.
Pode suceder que o apelo à vontade real comum das partes – portanto: à margem do
133
oficialmente declarado – opere em áreas circundantes que escaapem às exigências da
forma. Nessa altura, nenhuma razão haverá para impossibilitar a interpretação que não
tenha o mínimo de correspondência com o texto do documento. A lei exprimiu esta
circunstância referindo “...as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a
essa validade”.
Quando a lei determine uma natureza formal para certo tipo de negócio, “...as razões
determinantes...” são existenciais. O artº 238º/2 implica, pois, que, pela interpretação
(legal) se determine o preciso âmbito da exigência de forma: dentro dele, a falsa
demonstratio não é possível ou equivaleria ao afastamento consensual de regras formais;
fora dele impõe-se a consesualidade, com o possível uso de códigos específicos de
comunicação.
As partes podem pretender deixar alguma área fora de qualquer regulação. Porém, sucede
por vezes que a área lacunosa tenha de ser preenchido para permitir a execução global do
negócio: seja por razões de pura ordem prática – sem as regras em falta, o negócio torna-se
inexequível – seja por razões de justiça – sem elas, ele torna-se injusto. Nessas
eventualidades, teremos de entender, me nome das boas regras de interpretação – artºs
236º/1 e 237º - que não foi inteção normativamente relevante das partes deixar a área em
jogo por regular.
As partes podem deixar a matéra às normas legais supletivas. Não há, aí, qualquer lacuna
do contrato. Mesmo na hipótese de a lei supletiva se mostrar lacunosa, apenas teríamos
encontrado uma lacuna legal, a integrar de acordo com as regras do artº 10º: nada de
134
especificamente negocial.
Finalmente, pode suceder que o negócio mereça, em bloco, não um juízo de lacunosidade,
mas um de incompleitude insuprível. Nessa altura impõe-se a nulidade, nos termos do artº
280º/1, se a situação for inicial, ou a cessação por impossibilidade superveniente, segundo
os artºs 790º/1 e 801º, se for ulterior.
A lacuna negocial deve ser delimitada perante diversas figuras próximas. Assim: da
interpretação negocial, onde se lida com efectivas declarações de vontade; da redução, pela
qual um negócio parcialmente inválido subsiste no remanescente – artº 292º; da conversão
que permite a um negócio invalidade valer enquanto negócio diverso – artº 293º; do
funcionamento da boa fé que impõe deveres acessórios de base legal, em nome do sistema
– artº 762º/2; da alteração das circunstâncias que se manifesta quando um contrato
completo venha a revelar insuficiências, perante modificações circundantes imprevisíveis –
artº 437º/1.
A integração da lacuna negocial efectiva – portanto da lacuna no negócio que revele uma
falha de elementos determináveis apenas pela autonomia privada – pauta-se pelo artº 239º.
Este preceito remete para a vontade hipotética das partes e para a boa fá, em termos a que
haverá a oportunidade de regressar.
Impõem-se algumas considerações prévias: elas são determinadas pela natureza das coisas
e pela Ciência do Direito, escapando, assim, ao arbítrio directo do legislador. Na verdade, a
integração negocial é, qualitativamente, algo de muito diferente da integração de lacunas
legais. Em bom rigor, ela não deveria chamar-se “integração”.
Reside aqui a chave da integração negocial, ela é, na realidade, uma interpretação
complementadora ou integrativa. Trata-se de prolongar, através de regras que apelem ainda
à interpretação das parcelas existente, seja a declaração insuficiente, seja a própria vontade
lacunosamente manifestada.
Segundo LARENZ, enquanto a interpretação comum visa a vontade juridicamente
relevantes das partes, a interpretação complementadora tem a ver com a regulação
objectiva do contrato.
O primeiro critério legal da integração apela para a “vontade que as partes teriam tido”.
Está, de facto e logo pela leitura do preceito, em jogo algo mais do que uma mera
interpretação. É a chamada vontade hipotética das partes.
A vontade hipotética das partes não se confunde com a vontade real, que aflora no artº
135
236º/2. Na sua determinação, há acordo em que não se trata da vontade naturalística, a
indagar por meios psicológicos; não tendo havido uma exteriorização cabal aquando da
conclusão do contrato, qualquer vontade que se procure apenas poderá ser reconstruída.
De pé ficam ainda duas possiblidades:
Como foi referido, o critério último da integração resulta, segundo o artº 239º,da boa fé.
Esta, interpretada em conjunto com a vontade hipotética formalmente apresentada como
primeiro critério, conduz, nos termos preconziados, à vontade hipotétia objectiva.
136
- na declaração.
a) ausência de vontade:
b) vontade deficiente:
a) intencionais:
b) não intencionais
As soluções que o Direito faz corresponder a estes vícios são norteadas por dois princípios
fundamentais: a autonomia privada e a tutela da confiança.
137
A autonomia privada exige que a vontade juridicamente relevante corresponda à vontade
real, livre e esclarecida, do declarante.
A tutela da confiança requer a protecção da pessoa que tenha dado crédito À declaração de
outrem, mesmo quando esta não reúna todos os requisitos que um puro esquema de
autonomia privado exigiria.
O Código Civil, lado a lado com a coacção física, colocou a falta de consciência da
declaração – artº 246º: o declarante emitiu, na verdade, a declaração negocial, mas não
sabia que o estava a fazer.
Na verdade, existe uma polémica antiga quanto a saber se, para a presença de uma
declaração de vontade neogical, é necessária a consciência da declaração, isto é, a
consciência de emitir uma declaração negocial ou se, pelo contrário, basta a possibilidade
de tomar o sentido do comportamento como o de uma declaração de vontade, com uma
papel decisório, pois, à intepretação normativa.
Tudo visto, propõe-se uma interpetação restritiva do artº 246º/1, na parte relativa à falta de
consciência da declaração.
O declarante que emita uma proposta ou outra declaração, em boa e devida forma, sem ter
consciência do que faça, incorre, à partida, nos canais da eficácia jurídica. A declaração
vai-lhe ser imputada com o sentido que lhe daria o declaratário normal; apenas na
conjuntura do erro ele a poderia impugnar.
Só assim não será quando a falta de consciência seja de tal modo aparente que, perante o
declaratário normal, ela não lhe possa ser imputada. Nessa altura – e porque não se pode
admitir a inexistência – o acto será nulo. Ainda então, se a falta de consciêcia puder ser
censurada ao declarante – portanto, se ele fez a declaração violando os deveres de lealdade
ou de informação ou se se colocar voluntariamente na situação de o fazer – ele fica
obrigado a indemnizar o declaratário – artº 246º. Necessário será – nos termos gerais – que
se mostrem reunidos os diversos pressupostos da responsabilidade civil.
A aparência que assim for criada pode vir a causar dano a alguém que a interprete como
uma verdadeira declaração negocial. Caso o comportamento do autor seja culposo, isto é, se
138
ele tiver culpa na falta de consciência e na criação dessa aparência de declaração negocial,
incorrerá em responsabilidade civil e deverá indemnizar os danos que assim causar (PPV).
Compreensivelmente, a jurisprudência tem evitado aplicar esta figura. Assim, em Rev 25-
Jan.-1996 veio entender-se que a falta de consicência da declaração só opera perante
capazes, enquanto em RCb 14-Mai.-1996 se estabeleceu que tal falta só releva quando seja
total: atingindo apenas parte do negócio, caberia recorrer ao erro.
Incapacidade acidental
Desde logo, este preceito parece sobrepor-se ao artº 246º e às figuras nele contempladas da
coacção física e da falta de consciência da declaração: em qualquer destas duas hipóteses, o
declarante ou está acidentalmente incapacitado de entender o sentido da declaração ou não
tem o livre exercício da sua vontade. Por fim, ele fixe um regime dissonante: a (mera)
anulabilidade, contra a nulidade.
Um campo de especial aplicação será hoje em dia, os negócios celebrados sob influência de
psicotrópricos ou de estupefacientes (e também o estar notoriamente embriagado, por
exemplo).
Ficam, na verdade, abrangidas todas as situações nas quais o declarante não tenha a
intenção de formular uma verdadeira declaração negocial, esperando que o
“declaratário” disso se aperceba e tenha consiciência. Nessa linha, a doutrina portuguesa
139
abrange, nas declarações não sérias, as jocosas (jocandi causa), as didácticas, as cénicas , as
jactanciosas e as publicitárias.
E se o não for? Nessa eventualidade, cairíamos na reserva mental – artº 244º/1. Uma
declaração não séria, feita de tal modo que não-seriedade não seja cognoscível tem
(objectivamente) o intuito de enganar o declaratário. A “sanção” será, nessa altura, a
validade da declaração – artº 244º/2.
Como ponto de suplementar a dificuldade, o artº 245º/2 consagra, aparentemente, uma
regra para a declaração não séria que passe por verdadeira.
Tomando à letra esta previsão, a declaração não séria, justificadamente aceite como boa, e a
reserva mental ficariam indistinguíveis. O quadro – em nome duma interpretação
sistemática – terá de ser o seguinte:
Quem emite declarações não sérias tem de ter a cautela de não criar noutras pessoas a
convicção errónea da seriedade da declaração. Por isso, se a declaração não séria for
emitida em circunstâncias tais que “induzam o declaratário a aceitar justificadamente a sua
seriedade”, o declarante incorre em responsabilidade civil e terá de indemnizar os danos
que causar com a sua prática (PPV).
140
3- Coacção
Coacção física
Na coacção física, alguém é levado, pela força, a emitir uma declaração, sem ter
qualquer vontade de o fazer. Em rigor não há, pois, na coacção física, qualquer
manifestação de vontade, mas tão-só uma aparência. Sabe-se, porém, que o jogo
inseparável dos princípios da autonomia privada e da confiança não permite a sua
irradicação do universo negocial: a declaração sem vontade é, ainda uma declaração.
A coacção física pode ser confundida com a coacção moral, naqueles casos em que esta
última é feita com o concurso de meios físicos. Não se trata, neste caso, de uma ameaça
ou de uma coacção que, feita por meios físicos, conduza a sua vítima a emitir uma
declaração negocial que doutro modo não emitiria.
Exemplo: O caso em que alguém seja espancado ou ameaçado com uma arma até
assinar um contrato que não queria, não é de coacção física, mas sim de coacção moral
por meio físico.
A diferença entre a coacção absoluta e a coacção moral com ameaça física é clara:
enquanto na coacção moral existe vontade negocial, embora essa vontade tenha sido
pressionada, influenciada, viciada pelo medo causado pela ameaça, na coacção absoluta
não existe qualquer vontade negocial, nem sequer viciada.
A doutrina tradicional adopta como exemplo de escola o caso em que “um indivíduo,
dominando outro pela força, lhe segura a mão e o compele desse movdo a subscrever
uma declaração negocial”. Outros exemplos são dados em que o coactor, por exemplo,
força o coacto a levantar a mão num leilão ou numa votação. Os casos de coacção física
ou absoluta, são mais fáceis de conceber e de suceder em declarações omissivas, como
por exemplo, no silêncio quando este tenha valor de declaração negocial. É fácil de
conceber o caso em que o coactor força o coacto à abstenção, ao silêncio, à omissão
(PPV).
A regra deverá ser a seguinte: qualquer situação de coacção implica, à partida, o regime
da coacção moral: recordamos o brocardo voluntas coacta, voluntas est (a vontade
coagida é vontade). Todavia, quando a situação seja de tal modo significativa que não
possa falar-se de voluntas, por o coagido não ter, em termos de normalidade, margem de
escolha (por exemplo: uma ameacça de morte totalmente verosímil), caímos na coacção
53
física.
Havendo coacção moral, o negócio assim concluído é anulável – artº 256º; o coagido
poderá invocar o vício mas não, em princípio, qualquer terceiro; deste modo,
supervenientemente, tornando-se, afinal, o negócio favorável, o coagido pode escolher
mantê-lo. Porém, perante a coacção física – artº 246º - o vício seria o da nulidade ou,
quiçá, o da inexistência. O coagido, mesmo a querer conservar o negócio por,
subsequentemente, se ter tornado favorável, já não o poderá fazer.
Coacção moral
A concisão dos textos legais não impediu a doutrina de, em obediência à tradição
românica, distinguir múltiplas situações. Assim, a coacção poderá ser principal ou
apenas incidental, consoante, atinja o essencial do negócio ou, tão-só, aspectos
acessórios; poderá ser dirigida ao próprio ou ao terceiro, conforme a pessoa ameacçada;
poderá visar a pessoas, a honra ou o bens do próprio ou dos terceiros; poderá provir do
declaratário ou de terceiros.
Para ser tida em conta pela Direito, a coacção terá de apresentar várias características.
Retemos a enumeração apresentada por MANUEL DE ANDRADE, no âmbito do
Código de SEABRA:
Estado de necessidade
4- Erro
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O erro consiste numa falsa percepção da realidade. Pode ser espontâneo ou provocado
(dolo), e pode incidir sobre as pessoas ou o objecto do negócio, sobre os motivos e
sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio (PPV).
Na verdade, dada a natureza falível da actuação humana, o grande óbice que sempre
pode surgir em qualquer negócio reside no engano de quem o celebre. O erro implica
uma avaliação falsa da realidade: seja por carência de elementos, seja por má apreciação
destes e, num caso e noutro, por actuação própria ou por intervenção, maldosa ou
inocente, da contraparte ou de terceiros.
O erro suscita ainda um problema complexo, por via da contraposição de valores que
coloca. Por um lado, a autonomia privada mandaria que, detectado o erro, a declaração
fosse corrigida; mas por outro, a confiança suscitada no declaratário obriga à
manutenção do que foi dito.
O CC trata, hoje, o erro nos seus artºs 247º e a 252º. O legislador parte do erro na
declaração, onde fixa o regime geral – 247º. Admite a validação do negócio – 248º - e
regula o simples erro de escrita – 249º - e o de transmissão da declaração. Passa ao erro-
vício sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio – 251º - ao erro sobre outros motivos
determinantes – 251º/1 – e conclui com o erro sobre a base do negócio – 252º/2.
O artº 251º estatui acerca do erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio e remete
o seu regime para o do artº 247º, concernente ao erro na declaração.
É o verdadeiro erro: o que vicia a própria formação da vontade. Fala-se, a tal propósito,
em erro-vício ou, simplesmente, erro da vontade.
Quanto ao erro na declaração, o legislador não formulou restrições de âmbito: apenas
releva a essencialidade, para o declaratário, do elemento atingido e o conhecimento (ou
dever de conhecer), pela contraparte, dessa mesma essencialidade.
O erro relativo ao objecto tem sido prudente e correctamente alargado pela doutrina e
pela jurisprudência. Não está em causa, apenas, a identidade do objecto, mas as suas
qualidades e, particularmente, o seu valor. Relevam, também, as qualidades jurídicas do
objecto. Além disso e numa interpretação correcta e da maior importância, o “objecto”
abrange, também o conteúdo do negócio.
55
A jurisprudência tem oscilado quanto a saber se o erro pode abranger as representações
sobre a evolução futura do objecto. Em rigor, o erro sobre o futuro do objecto seguirá o
regime do artº 252º - e não o do 251º. Assim não será quando fiquem envolvidas as
qualidades (actuais) da coisa e, designadamente, o seu valor (actual). De todo o modo, o
interessado terá de provar que as evoluções desfavoráveis, capazes de, no presente,
traduzir o erro, que têm a ver com o próprio objecto em jogo.
Para que o negócio seja anulável é necessário que se verifiquem dois pressupostos que
constam do artº 247º, por remissão do artº 251º: a essencialidade e a cognoscibilidade
(PPV).
O erro da vontade sobre a pessoa ou sobre o objecto pode advir da falsa representação
de regras jurídicas: a compra dum terreno por se pensar que é sempre permitido
construir ou a contratação dum solicitador por se julgar que os solicitadores podem
advogar são – verificados os requisitos do artº 247º - anuláveis por erro,
respectivamente, no objecto e na pessoa: e no entanto, em ambos os casos há erros de
Direito. A anulação por erro da vontade tem a ver com a má conformação desta; ele não
dispensa ninguém de observar a lei, a pretexto do seu desconhecimento. Não está, pois,
em causa o artº 6º do CC.
As pessoas podem formular declarações pelos motivos mais variados e que nada tenham
56
a ver com o objecto do negócio ou com o declaratário. Nessa altura, o facto de o
destinatário conhecer – ou dever conhecer – a essencialidade do motivo não justifica a
supressão do negócio: não se tratando dum elemento nuclear, ele não tem nada com
isso. Assim, se uma declarante experimenta e compra um vestido de noiva, é patente
que o motivo da compra é o seu próprio casamento; não pode invocar erro nesse ponto
(pensara, por hipótese, que todas as convidadas para um casamento devem vir vestidas
de noiva) para anular o negócio. Com uma ressalva: a de ambas as partes terem
reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo. (Assim, não haverá erro sobre os
motivos se alguém comprar um terreno agrícola pensando que nele podia construir, o
que verificou não ser o caso).
O acordo exigido para a relevância dos motivos pode ser tácito. O Supremo fala num
“recíproco reconhecimento”: ambas as partes associam a sua vontade à essencialidade
do motivo, identificando-o minimamente na sua configuração e no seu papel.
Havendo um acordo deste tipo, pode perguntar-se se não estaremos perante uma
condição resolutiva. Não estamos. A condição resolutiva implica uma vontade
condicional – por exemplo: vendo, mas a venda desaparece se não houver casamento; a
relevância, por acordo, dos motivos traduz uma vontade pura, apenas negocialmente
justificada – por exemplo: vendo sabendo que tu só compras porque vais casar. Os
regime são diferentes: a condição opera automaticamente, enquanto a anulabilidade por
eventual erro sobre os motivos tem de ser potestativamente exercida; a supressão da
condição exige mútuo acordo, enquanto a sua mera anulabilidade pode ser confirmada,
segundo o artº 288; na pendência da condição o adquirente tem de conformar-se com
uma actuação circunspecta – artºs 272º a 274º -, enquanto o mero conhecimento da
relevância do motivo deixa o adquirente livre para agir como entender.
Uma vez celebrado, o contrato deve ser cumprido. Todavia, pode suceder que um
contrato, uma vez celebrado, venha a cair nas malhas de alterações circunstanciais de tal
modo que ganhe um sentido e uma dimensão totalmente fora do encarado pelas partes,
aquando da sua conclusão. A situação será, então, tanto mais injusta quanto maior for o
prejuízo que, por essa via, uma das partes possa sofrer, em benefício da outra. Mas onde
fazer passar as fronteiras das flutuações admissíveis? Contratar é arriscado. O lucro de
um será o prejuízo do outro: os negócio tornam-se, assim, apetecíveis. Suprimir o risco
57
é bloquear qualquer sociedade aberta, assente, para mais, na iniciativa privada e na livre
concorrência. No Direito civil actual, a locução “alteração das circunstâncias” exprime
o instituto jurídico destinado a solucionar o problema acima retratado e, ainda, o próprio
problema em si.
A base do negócio será, então, uma representação duma das partes, conhecida pela outra
e relativa a certa circunstância basilar atinente ao próprio contrato e que foi essencial
para a decisão de contratar.
Como pressupostos da relevância do erro sobre a base do negócio deve retirar-se do artº
437º que o erro, como falsa representação da realidade, tem de assumir três
características:
- traduzir-se num desvio “anormal” em relação às circunstâncias necessárias ao
equilíbrio económico do negócio e à prossecução do seu fim, isto é, às circunstâncias
exigidas pela justiça interna do negócio;
- que este desvio perturbe a justiça interna do negócio ou fruste o seu fim, de tal modo
que a sua manutenção em vigor e a exigência da sua execução e cumprimento, tal como
está, se tornem contrárias à boa fé;
- e ainda que o desvio e a perturbação da justiça interna, bem como a frustração do fim
do negócio, não estejam cobertos pelos riscos próprios do contrato (PPV).
A lei manda apicar o regime da alteração das circunstâncias. Pois bem: integram a “base
do negócio” os elementos essenciais para a formação da vontade do declarante e
conhecidos pela outra parte, os quais, por não corresponderem à realidade, tornam a
exigência do cumprimento do negócio concluído gravemente contrário aos princípios da
boa fé.
Impõe-se, ainda, uma interpretação restritiva quanto à remissão, feito pelo artº 252º/2,
para a alteração das circunstâncias. Esta, sendo superveniente, faculta a resolução do
contrato ou a sua modificação segundo juízos de equidade – artº 437º/1.
No erro sobre a base do negócio, porém, há que aplicar o regime comum do erro: a
anulabilidade.
Dolo
Disposto no artº 253º/1. O nº2 do artº 253º contém uma regra muito importante que
traduz a velha distinção entre o dolus bonus e o dolus malus.
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A relevância do dolo depende, segundo a sistematização geralmente acolhida, na
doutrina como na jurisprudência, de três factores:
É importante atentar na diferença que existe entre o erro simples e o erro qualificado por
dolo. Sendo o erro simples, o negócio só é anulável se ele recair sobre elemento
essencial e se o declaratário conhecer ou dever conhecer essa essencialidade; sendo o
erro qualificado por dolo, essa anulabilidade surge se for determinante da vontade: não
tem de ser essencial, pois bastará que, por qualquer razão (mesmo periférica) tenha dado
lugar à vontade e não se põe o problema do conhecimento uma vez que, neste caso, le
foi pura e simplesmente causado pelo declaratário.
A anulação por dolo pode ser cumulado com a indemnização dos danos causados.
Designadamente pode fazer-se, em simultâneo, apelo às regras da culpa in contrahendo.
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A essencialidade permite excluir o erro indiferente e o erro incidental: no primeiro
caso, o declarante concluiria o negócio tal como resultou, no final; no segundo, concluí-
lo-ia igualmente, aina que com algumas modificações.
O erro na declaração exige uma efectiva declaração: não chega uma ambiência de
ordem geral. As regras a ele atinentes aplicam-se a negócios diversos, como às partilhas
ou à assinatura de títulos de crédito.
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tanto pode suceder em casos de mandato com representação, quando o representante se
desviar das instruções recebidas. Caso, pois, o destinatário conheça a essencialidade,
para o mandante, do elemento deturpado na transmissão ou não deva ignorá-lo, o
negócio é anulável.
O nº2 do artº 250º ocupa-se do caso particular do dolo do intermediário, isto é: dos
casos em que este altere propositadamente a declaração. Aí, no conflito entre autonomia
privada e a tutela da confiança, a lei entender dar a primazia à primeira: a declaração é
sempre anulável. O dolo deve ser provado por quem o invoque, havendo, contra o autor
do feito e verificados os pressupostos legais, um direito à indemnização, a favor de
todos os lesados.
Neste caso (artº 250º/2), a declaração é anulável mesmo que se não verifiquem os
requisitos de essencialidade e de cognoscibilidade exigidos pelos artº 247º (PPV).
Validação do negócio
- artº 236º/2: falsa demonstratio non nocet: o declaratário conhece a vontade real do
declarante e concorda com ela: o contrato forma-se, imediatamente, modelado segundo
essa vontade;
- artº 248º: validação do negócio: o declarante comete erro na declaração; o declaratário,
ao conhecer a vontade real do declarante, pode aceitar o negócio com o conteúdo dela
resultante: o contrato forma-se apenas nessa ocasião;
- artºs 292º e 293º: consumada a anulação por erro, negócio pode reduzir-se ou
converter-se, se a vontade hipotética das partes o facultar: temos um (re)aproveitamento
do negócio que é ulterior e não segue, particularmente, nenhuma vontade real.
Uma modalidade muito vincada de erro na declaração, que dispõe de regime próprio, é a
do erro de cálculo ou de escrita. Está disposto no artº 249º.
Trata-se dum preceito que cobre as hipóteses de lapsus calami (lapso de pena) ou de
lapsus linguae (lapso de língua). O erro é de tal modo ostensivo, que resulta do próprio
contexto do documento ou das circunstâncias da declaração (por exemplo se se enganou
nas contas ou porque errou uma operação de cálculo). Em rigor, nem há erro, uma vez
que a declaração deve ser globalmente interpretada. Não se verificando a imediata
aparência do erro, haverá que aplicar o regime geral do artº 247º ou outro qualquer,
previsto por lei específica. Estas mesmas regras têm aplicação na hipótese de erro
61
informático.
O maior campo de aplicação prática do artº 249º reside precisamente nos actos de
processo não dotados de normas especiais: aflora, nesse preceito, uma regra geral
aplicável a todos os actos jurídicos.
Reserva mental
“É difícil conceber que existe alguém tão falho de senso jurídico que suponha que, peo
simples facto de não querer os efeitos jurídicos correspondentes à sua declaração, isto
baste para invalidar o respectivo negócio”.
Esse autor põe todavia a hipótese de alguém concluir um negócio que não queira, mas
pensando ser o mesmo nulo por um vício que, na realidade, não se verifique. Nessa
eventualidade tem, todavia, aplicação o regime do erro: não o da reserva mental: os
motivos determinantes da vontade, relativos ao objecto (ou conteúdo) – artº 251º -
assentaram num error iuris.
Simulação
62
Na simulação, as partes acordam em emitir declarações não
correspondentes à vontade real, para enganar terceiros. Trata-se duma
operação complexa, que postula três acordos: um acordo simulatório, um
acordo dissimulado e um acordo simulado. O acordo simulatório visa a
montagem da operação e dá corpo à intenção de enganar terceiros. O
acordo dissimulado exprime a vontade real de ambas as partes e visa: ou o
negócio verdadeiramente pretendido por elas ou um puro e simples retirar
de efeitos ao negócio simulado. Finalmente, o acordo simulado traduz uma
aparência de contrato, destinado a enganar a comunidade jurídica. Estas
distinções são analíticas e procuram o estudo da figura. Na realidade, as
partes têm uma única vontade, a vontade simulada, a qual, por definição,
implica a dissimulada e a simulatória.
63
disposto nos artigos 242.º e 243.º, ela não pode, contra o artigo 286.º, ser
invocada por qualquer interessado nem, a fortiori, ser declarada
oficiosamente pelo tribunal. Fica, todavia, a ideia de que o negocio simulado
não produz efeitos entre as partes e perante terceiros que conheçam ou
devessem conhecer a simulação: os terceiros de “má fé”, em termos abaixo
explicitados.
64
dar prévia conta, ao preferente, do conteúdo exacto do negócio projectado,
para que este eventualmente prefira, pode o preferente, através da acção
prevista no artigo 1410.º do CC, a acção de preferência, fazer seu o negócio
preferível.
Uma das simulações mais frequentes era, na prática, a venda por um preço
declarado inferior ao real, para defraudar o fisco: vendia-se por 500.000
euros mas, para não pagar sisa, então existente, declarava-se, na escritura,
apenas o preço de 50.000 euros. Nessa altura, se tiver sido preterido um
preferente legal, este pode mover uma acção de preferência, pagando os
50.000 euros, apenas; e se os simuladores explicarem, e provarem, que o
preço fora, na realidade, o de 500.000 euros, poderá o preferente escudar-
se com o artigo 243.º/1: os simuladores não podem arguir a simulação
contra terceiros de boa fé. O preferente teria um enriquecimento
escandaloso.
A prova da simulação
65
O artigo 394.º/2, do CC, parece proibir a prova testemunhal do acordo
simulatório e do negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
Ainda hoje, ela vem sendo justificada com o objectivo de esconjurar os
“perigos” que a prova testemunhal poderia provocar: qualquer acto poderia
ser contraditado.
66
o Na ineficácia em sentido estrito, o negócio, em si, não tem vícios;
apenas se verifica uma conjunção com factores extrínsecos que
conduz à referida não-produçao.
o Invalidade:
o Nulidade;
o Anulabilidade;
o Invalidades mistas;
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o Os negócios destinados a modificar os prazos legais de prescrição ou
a facilitá-la ou dificultá-la por outra forma – artigo 300.º. Entre
outros (ver página 859)
O facto de a nulidade ser invocável a todo o tempo não significa que não
possam subsistir efeitos semelhantes aos que o negócio jurídico propiciaria,
quando fosse valido: assim sucederá quando actue outra causa constitutiva
como, por exemplo, a usucapião.
68
Por razoes diversas, a lei tem vindo a criar hipóteses de invalidades que não
se podem reconduzir aos modelos puros da nulidade e da anulabilidade.
Trata-se das chamadas invalidades mistas ou atípicas. Assim sucede com a
hipótese da invalidade por simulação: ela não pode ser invocada por
qualquer interessado.
O problema da inexistência
69
quaisquer efeitos. O casamento declarado nulo o anulado produz efeitos
entre os cônjuges de boa fé e os próprios terceiros – casamento putativo,
artigo 1647.º: aquele que acredita na aparência dum casamento não deve
ser prejudicado pela ineficácia dele. Isso não sucederia com o casamento
inexistente; a própria lei o afirma, artigo 1630.º/1. Porem, os vícios que
conduzem à inexistência, artigo 1628.º, não são de molde a questionar a
aparência do casamento: a pessoa que, de boa fé, acredito nele, merece
tanta tutela quanto a concedida a quem creia num casamento declarado
nulo ou anulado.
O negócio nulo, como será referido mais detidamente, pode produzir alguns
efeitos. Por exemplo, a pessoa que, na base dum negócio nulo, receba o
controlo duma coisa, pode, em certos casos, beneficiar duma posse que se
presume de boa fé – artigos 1259.º/1 e 1260.º/2; o possuidor de boa fé, por
seu turno, faz seus os frutos da coisa – artigo 1270.º/1, até que seja
informado da nulidade. A ter consciência, a inexistência jurídica não
propiciaria nenhum desses efeitos.
As ineficácias deste tipo só surgem nos casos específicos previstos pela lei.
O negócio jurídico sem vícios produz os seus efeitos: apenas razoes muito
particulares e expressamente predispostas poderão levar a que assim não
seja. Alguns exemplos de ineficácia podem ser apontados em leis
processuais e comerciais e na própria lei civil.
70
A irregularidade
Regime jurídico
71
extinguem, então, por compensação tudo funcionando, afinal, como se não
houvesse eficácia retroactiva, nestes casos.
Não será assim quando, mau grado a invalidação, ocorra uma outra causa
de atribuição patrimonial. O próprio artigo 289.º/3 manda aplicar,
directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º e seguintes e,
portanto: o regime da posse, incluindo as regras sobre a perda ou
deterioração da coisa, sobre os frutos, sobre os encargos e sovre as
benfeitorias. Caso a caso será necessário indagar a boa ou má fé do
obrigado à restituição. Para alem das regras sobre a posse, outras poderão
inflectir, num ou noutro sentido, o dever de restituição; assim sucederá, por
exemplo, com as regras da acessão, da usucapião ou, até, com a
interferência de direitos fundamentais: pense-se na restituição dum pace-
maker, que ponha em perigo o direito à vida.
A tutela de terceiros
No caso de bens imóveis, o terceiro que haja adquirido, de boa fé, o bem a
um comerciante que negoceie em coisa do mesmo ou semelhante género,
72
tem o direito à restituição do preço pago, a efectuar pelo beneficiário da
restituição, artigo 1301.º. Como resulta deste preceito, o terceiro só é
tutelado se tiver comprado a coisa, isto é: adquirido a título oneroso. É o
investimento de confiança.
No campo dos imóveis sujeitos a registo, vale o artigo 291.º: não são
prejudicados os direitos de terceiros, adquiridos de boa fé e a título oneroso
e que registem antes de inscrita qualquer acção de nulidade ou de anulação
ou qualquer acordo quanto à invalidade do negócio, n.º1; todavia, esse
regime só opera passados três anos sobre a conclusão do negócio.
Atentem-se bem nos requisitos:
A redução
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O segundo requisito tem a ver com a vontade das partes no tocante ao
ponto de redução: esta não opera quando se mostre que o negócio não teria
sido concluído sem a parte viciada. Bastará provar, pelas circunstâncias
objectivas ou pela vontade real duma das partes, conhecida pela outra,
artigo 236.º ou pela sua vontade hipotética e pela boa fé, artigo 239.º, que,
sem a parte viciada, aquele concreto negocio não teria visto a luz.
A conversão
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requisitos essenciais terão de ser imputáveis à vontade comum das partes,
antes e depois da conversão, enquanto a forma deve ser aferida de acordo
com as suas razoes determinantes.
A confirmação
PARTE II
EXERCÍCIO JURÍDICO
§ 1º - Noções gerais
1. Noções gerais
75
Atendendo à posição activa em causa, podemos distinguir:
- o exercício de direitos e o cumprimento de obrigações;
- o exercício de liberdades gerais;
- o exercício de outras posições.
A legitimidade
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respeitem ou que, para tanto, disponham de especial habilitação jurídica:
apenas esses sujeitos detêm a necessária legitimidade.
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- legitimidade negocial, obrigacional, real, familiar ou sucessória: joga o
âmbito em que a qualidade em jogo se ponha ou seja solicitada; podemos,
nesta base, estabelecer “legitimidades” fora do campo civil (comercial,
laboral ou ambiental) ou, até, do Direito privado (administratica, fiscal ou
penal):
78
CARVALHO FERNANDES, seguindo um tanto CASTRO MENDES, apresenta a
legitimidade como a “susceptibilidade de uma pessoa exercer um direito ou
cumprir uma vinculação resultante de uma relação existente entre essa
pessoa ou a vinculação em causa”.
O artº 892º é claro. Ou seja: pode o vendeor não ser titular da coisa (e
faltando pois, a relação pessoa/coisa) mas, todavida, ter legitimidade para a
venda. Nessa eventualidade, a legitimidade em causa poderia decorrer de
uma procuração, de uma autorização ad hoc ou atípica mas com efeitos
representativos ou se subsequente ratificação. Ou seja: de relações entre o
próprio sujeito e o titular e não entre ele e a coisa.
§ 2º - A representação
79
causa, a dimensão jurídica dessa actividade. Trata-se, além disso,
de uma actividade humana, logo livre: requer autonomia e margens
de decisão por parte do representante.
- a representação legal
- a representação orgânica
- a representação voluntária, em sentido próprio ou directa: a que tenha na
sua base a concessão, pelo representado e aos representante, de poderes
de representação. (artºs 258º e ss.).
80
eventualmente com uma declaração negocial por conteúdo; ao contrário do
representante, o núncio não tem margem de decisão: limita-se a comunicar
o que tenha recebido; finalmente, o erro do núncio na transmissão conduz
ao regime específico do artº 250º;
Nelas ora a falta a contemplatio domini, ora a actuação por conta, ora o
poder de representação. Na hipótese do núncio falta mesmo a autonomia,
por parte do representante.
3. Teorias da representação
81
- seja por exigência do sistema, expressa na necessidade de acatar o
princípio da boa fé.
A representação orgânica
A representação legal
82
jovens seres humanos ou de certos deficientes.
Segundo Menezes Cordeiro, não nega que os artºs 258º a 261º possam ser
úteis nas “representações” legal e orgânica: trata-se, porém, de matéria
viradas para a representação voluntária.
4. O mandato
No art 1154º sobre o mandato, “por conta de outra” significa que os actos a
praticar pelo mandatário se destinam à esfera do mandante. Segundo
Menezes Cordeiro, por conta de significa no interesse de alguém; aqui: do
mandante.
Pelas regras gerais, qualquer dos dois madatos sempre abrangeria, além do
dever de prestar principal, a execução de todas as tarefas acessórias
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necessárias (762º/2). Mais esclarecido ficou pois esse ponto, quanto ao
mandato especial, tanto mais que podem estar aqui em jogo pontos
delicados: obtenção de registo, pagamentos de impostos, notificaçãoes para
preferência e outros. Também nos parece que, pela sua letra como pelo seu
espírito, esta norma prmite ao mandatário “especial” celebrar todos os
actos preparatórios, incluindo o contrato-promessa correspondente ao
instrumento visado.
A posição do mandatário
- à execução do mandato;
- à sua (eventual) não-execução;
- às razões desta última.
84
comunicar, é possível acrescentar, por via do artº 1162º, as circunstâncias
que surjam e que possam interferir com a execução ou com as instruções
recebidas: quando possem ser comunicadas em tempo útil.
A posição do mandante
85
mandato (gratuito) não é um contrato “bilateral” nem estão aqui em causa
prestações recíprocas. Além disso, a mora do artº 1168º é o ex re: dispensa
interpelações.
A cessação do mandato
86
em condições de providenciar – 1176º.
Caracterização do mandato:
5. O regime da representação
87
Após a entrada em vigor do CC de 1966, mantiveram-se algumas situações
de confusão entre mandatários e procuradores: o chamado mandato judicial
envolve sempre poderes de representação enquanto, por exemplo, os
“mandatários” referidos no artº 1253º c), são necessariamente, os que
actuem no âmbito dum mandato com representação.
88
Dispondo de poderes de representação, o representante poderia ser levado
a usá-los num contrato em que, ele próprio, fosse a outra parte. Nessa
eventualidade surge claro um conflito de interesses, que explica a
restritividade da lei.
A procuração
89
entenda cairia na indeterminação.
90
A ratificação está sujeita à forma requerida para a própria procuração,
artigo 268.º/2, e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de
terceiros. Se for negada, o negócio ficara sem quaisquer efeitos, salvo se
outra coisa se inferir do seu próprio teor.
O abuso de representação
A jurisprudência tem feito aplicação deste preceito, por exemplo, nos casos
de venda por um preço inferior ao do valor de mercado. Efectivamente, ai,
não só se mostra defraudada a função em que o representante havia sido
investido como também se gera uma situação objectiva que o terceiro
adquirente conhecia ou devia conhecer.
91
pratica duma actividade genérica, em nome e por conta do representado; a
segunda destina-se à prática de actos específicos.
92
• Se o representado o permitir;
A cessação da procuração
• A renúncia do procurador;
• A cessação do negocio-base;
Ver artigo 267.º - destinada a evitar que terceiros possam ser enganados
quanto à manutenção de poderes de representação.
93
Em qualquer caso, sobrevindo a cessação da procuração, o representante
deve restituir, ao representado, o documento de onde constem os seus
poderes. Trata-se de uma norma resultante do artigo 267.º, destinada a
evitar que terceiros possam ser enganados quanto à manutenção de
poderes de representação.
A tutela de terceiros
94
culturais vigentes e visto a sua inserção orgânica, seja tranquila a existência
de poderes de representação.
• A prescrição – 298.º/1;
• A caducidade – 298.º/2;
• O não uso – 298.º/3, a lei começa por isentar certos direitos reais de
gozo da prescrição, submetendo-os, depois, ao não uso, “… nos casos
especialmente previstos na lei…”.
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• Todavia, a lei nova não atinge a suspensão ou interrupção da
prescrição, ocorridas pela lei velha.
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O Direito português proíbe a renúncia antecipada aos direitos do credor:
artigo 809.º. Proíbe, ainda, a doação de bens futuros, artigo 942.º/1,
enquanto a doação de móveis não acompanhada pela tradição da coisa
deve ser feita por escrito, 947.º/2. A doação e a remissão têm natureza
contratual, 949.º/1 e 863.º/1, respectivamente.
A prescrição não pode, ser dificultada ou excluída, nem mesmo por acordo
das partes. Depois de ter decorrido o seu prazo e de, portanto, se ter
constituído o direito potestativo de a invocar, o artigo 302.º/1 admite a
renúncia.
A lei é clara: não pode haver negócios que dificultem, para o futuro, a
prescrição, artigo 300.º. A renúncia é possível mas apenas após o decurso
do respectivo prazo – 302.º/1: nela, o devedor despoja-se do direito de
invocar uma certa prescrição, já consumada: não de futuras prescrições.
Verificada a renuncia, pode iniciar-se nova prescrição, se o direito continuar
a não ser exercido. Nessa linha, o Supremo tirou assento: A renuncia à
prescrição permitida pelo artigo 302.º do CC só produz efeitos em relação
ao prazo prescricional decorrido até ao acto de renuncia, não podendo
impedir os efeitos de ulterior decurso de novo prazo.
Beneficiários e invocação
97
O preceito parece evidente, dado o princípio da igualdade perante a lei.
Todavia, apresenta alguma utilidade: a prescrição tem na origem a
inactividade (também) do devedor, que poderá não pagar conscientemente.
Se for incapaz, desaparece essa dimensão pretendida e calculada. Pois
bem: a lei explica que o incapaz não é prejudicado.
Inicio do prazo
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direito puder ser exercido…” deve ser corrigida em função dos artigos 296.º
e 279.º, b): o próprio dia não se conta.
Accessio temporis
Noutros termos: o novo credor pode ver invocado, contra ele, o tempo de
prescrição já decorrido contra o seu antecessor; o novo devedor pode somar
ao seu o tempo processado a favor do seu antecessor. Trata-se da accessio
temporis.
Efeitos
A prestação “prescrita” mas cuja prescrição não tenha sido invocada é uma
prestação comum. Sendo cumprida, não há que falar em prescrição, uma
vez que o tribunal não a pode aplicar de oficio. Há duas sub-hipoteses:
99
• Ou não foi invocada porque o devedor não sabia da prescrição: nessa
altura, a lei não permite invalidar o cumprimento, repetindo a
prestação.
Em qualquer destes casos, a prescrição não surtiu quais efeitos por não ter
sido invocada. A ignorância não permite uma invocação posterior ao
cumprimento.
Prazos da prescrição
100
O primeiro bloco que nos aparece é o da prescrição de 5 anos, prevista no
artigo 310.º, em sete alíneas.
Prescrições presuntivas
O credor, contra o que resultaria das regras gerais das presunções iuris
tantum, artigo 350.º/2, não pode ilidir a presunção provando que, afinal, o
devedor nada pagou. Apenas o próprio devedor, caindo em si, o poderá
fazer: por confissão: artigo 313.º.
Suspensão da prescrição
Podemos distinguir:
101
- causas bilaterais;
- causas subjectivas;
- causa objectivas.
Interrupção da prescrição
102
A partir dela, começará a contar-se nova prescrição, sujeita ao prazo
primitivo – artº 326º - salvo a hipótese de prescrições de curta duração:
estas passam ao prazo ordinário, quando os respectivos direitos sejam
reconhecidos por sentença transitada ou caso sobrevenha um título
executivo – artº 311º.
Podemos proceder a uma distribuição dos vários casos por dois grandes
grupos:
- o da caducidade simples;
- o da caducidade punitiva.
Regime da caducidade
103
prazos: a segurança jurídica.
Tipos de caducidade
Início e suspensão
104
A caducidade tem prazos em regra curtos (são frequentes hipóteses de dez
ou quinze dias), ao contrário da prescrição, cujo horizonte é constituído pelo
prazo ordinário de vinte anos (309º). Mesmo as prescrições presuntivas
ficam pelos seis meses de prazo (316º).
Na prescrição, a lei prevê, com desenvolvimento, os casos de suspensão
(318º e ss.) e de interrupção (323º e ss.). Já na caducidade isso, em
princípio, não sucede (328º): exige-se, para tanto, uma previsão específica,
mau grado uma aplicação supletiva da suspensão às caducidades
convencionais (330º/2).
O não uso
- tem uma aplicação taxativa aos direitos enumerados no artº 298º/3: todos
eles direitos reais de gozo;
- ainda então exigindo uma nova e “especial” previsão.
O abuso do direito
Contrariedade à boa fé
105
necessário. O credor, por exemplo, exerce o seu direito perante o devedor.
Nos direitos absolutos, o exercício do direito não exige o contacto social,
mas ele pode suceder e sucede frequentemente. Assim, o exercício do
direito à honra pode exercer-se solitariamente e o mesmo acontece com o
gozo de uma coisa própria. Mas a defesa dos direitos absolutos contra
ameaças ou agressões supõe alguém de quem sejam defendidos ou contra
quem sejam exercidos. O exercício do direito subjectivo não exige, pois,
sempre o contacto social mas envolve-o natural e frequentemente.
Os bons costumes não são estanques em relação à boa fé. Existe contacto
estrito entre ambos, de tal modo que frequentemente se encontrarão casos
de contrariedade à boa fé que sejam também contrários aos bons costumes.
106
legalmente estruturados, e por isso com fronteiras e limites imprecisos,
fluidos e difusos. Assim sendo, temos:
Exceptio doli
Inalegabilidades formais
Supressio e surrectio
Tu quoque
107
dever de honeste agere que é eticamente inaceitável para o Direito e que
pode, com êxito, ser contrariado pelo exceptio doli.
Exercício em desequilíbrio
Atenção:
A colisão de direitos
108
1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os
titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam
igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das
partes.
109
conflituantes. Será o exemplo do uso da coisa comum (1406.º/1): podem
ambos os comproprietários querer usar a coisa em simultâneo surgindo,
nestes direitos de uso, o conflito.
Direitos diferentes
110
em concreto, poderá ser “superior” o de propriedade: pense-se numa
unidade fabril licenciada e há muito em laboração, que o recém-
instalado construtor de uma casa pretenda fazer parar, invocando o
direito ao repouso.
111
consequências. Resta acrescentar que “lucro”não é, aqui, apenas
facturação; releva, antes, uma dimensão social ampla.
Não sendo possível, também por esta via, fazer uma destrinça
concreta, teremos de concluir que, apesar de diferentes, os dois
direitos acabam empatados. Será , então de recorrer ao critério previsto
para os “direitos iguais ou da mesma espécie” (335.º/1): devem os titulares
ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu
efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. Evidentemente:
essa cedência mútua postula que, no concreto, se trate de direitos que
comportam exercícios parcelares. É o critério do igual sacrifício.
Direitos iguais
112
A consequência da cedência mútua postula que os direitos sejam, por
natureza, susceptíveis de exercícios parcelares. Alem disso, a cedência
mutua parte ainda do principio de que e possível uma repartição, por igual,
das vantagens do direito e, ainda, uma igualização de “detrimentos”. E se o
não for?
Tendências gerais
113
Do contacto das pessoas umas com as outras e com as coisas, nas
circunstancias da vida, podem resultar dificuldade que suscitam problemas
no exercício dos direitos subjectivos. O Código Civil trata destes problemas
nos artigos 336.º a 341.º, a propósito da acção directa (336.º e 338.º);
da legítima defesa (337.º e 338.º); o estado de necessidade (340.º).
E, obedecendo a uma lógica aparentemente diferente, temos ainda
o artigo 341.º, sobre o consentimento do lesado. As primeiras três
situações acima referidas, correspondem a formas gerais de
exercício de direitos. Podem ocorrer ou não ocorrer em cenários de
responsabilidade civil ou, até, de relevância penal.
114
heterotutela. A partir da queixa, o Estado poderá chamar a si a tutela dos
direitos em perigo. A dimensão privada residirá, apenas, na iniciativa da
queixa.
Na generalidade dos casos, apenas por via judicial se torna possível deter
uma violação de direitos, iminente ou em curso ou, depois de consumada,
obter as competentes medidas reparadoras.
A legítima defesa
O artigo 337.º/1, faculta uma noção de legítima defesa. Diz esse preceito:
115
Finalmente, a conduta agressiva poderá ser uma acção ou uma omissão.
Assim, será legítima defesa coagir um medico que se recuse a tratar um
paciente em perigo ou um motorista que não queira transportar o ferido
grave para o hospital.
116
o Meios públicos – consistem no recurso às autoridades de
segurança e, designadamente, às forças policiais. Mais
remotamente: no apelo aos tribunais, quando a natureza da
agressao seja compatível com alguma demora;
117
Há excesso de legitima defesa quando a acção do defendendo se alongue
para alem do que seria necessário para deter eficazmente a agressao.
Podemos distinguir:
o A perturbação;
Pelas regras gerias, tanto a perturbação como o medo terão de ser “não
culposos”: o agente não pode beneficiar de circunstancias que, ele próprio e
censuravelmente tenha criado.
118
Assim sendo, a legítima defesa é encarada como uma permissão genérica: a
de repelir, quando necessário e pela força, qualquer agressão ilícita contra
valores juridicamente protegidos.
O estado de necessidade
119
fundamental, o artigo 339.º/1 dá abrigo à natural ajuda mútua entre os
seres humanos, capazes de sacrificar o imediato, para salvaguardar o
essencial.
A acção directa
Os pressupostos:
120
O consentimento do lesado
Pressupostos:
121