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Resumo Teoria Geral do Direito Civil II

Turma B DIA - 2010/2011


Regente: Professora Maria Palma Ramalho
por Filipe Mimoso e Patrícia Ganhão

Parte I

I- FACTOS JURÍDICOS E NEGÓCIO JURÍDICO

1. Factos jurídicos: classificações

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O facto jurídico é, normalmente, definido como um evento ao qual o Direito associe
determinados efeitos. Poder-se-ia dizer que o facto jurídico se apresenta como a
realidade apta a, integrando uma previsão normativa, desencadear a sua estatuição.
MENEZES CORDEIRO

O facto jurídico é um acontecimento com relevância jurídica, uma ocorrência a que o


Direito atribui consequências jurídicas. Um relâmpago que destrói uma casa, o nascimento
de uma pessoa, a sua morte, o próprio decurso do tempo, são simples factos jurídicos. O
Direito atribui-lhes consequências por si mesmos. O facto jurídico, ao corresponder à
previsão da norma, é integrado com a norma e dá lugar à consequência jurídica (PPV).

Factos jurídicos subdividem-se em:

• Factos humanos

o Voluntários

o Involuntários

• Factos naturais

Critérios de classificação de factos jurídicos:

• A origem do Facto, por exemplo, se tem origem numa acção humana estamos
perante um Facto Humano.

• O tipo de efeitos que ele produz – reporta-se portanto à eficácia jurídica*1;

• A natureza das situações jurídicas a que se reporta o facto.

o E, portanto Facto jurídico pessoal, Obrigacional, Real e sucessório.

*1. Quando se reporta ao tipo de efeitos, falamos de eficácia jurídica, que corresponde a
determinadas consequências nas quais, através de critérios reconhecidos, ainda que
discutíveis, seja possível apontar as características da juridicidade, sendo estas
consequências juridicamente relevantes sempre respeitantes a pessoas. Assim sendo, a
eficácia jurídica reporta-se de modo necessário, a situações jurídicas. Estas situações,
por seu turno, resultam de uma decisão jurídica, ou seja, assumem-se como o acto e o
efeito de realizar o Direito, solucionando um caso concreto.

Da eficácia pode falar-se em:

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Eficácia constitutiva – caso se constitua uma situação antes inexistente na ordem jurídica:
por exemplo, há eficácia constitutiva quando, nos termos do artigo 1263.º,a) alguém se
aposse duma coisa, fazendo surgir uma situação possessória;

Eficácia transmissiva – sempre que uma situação já existente, na ordem jurídica, transite
da esfera de uma pessoa para a de outra; por exemplo, celebrado um contrato de compra e
venda, a propriedade da coisa transmite-se do vendedor para o comprador, segundo o
artigo 879.º, alínea a);

Eficácia modificativa – na hipótese de uma situação centrada numa determinada pessoa ai


se conservar com alterações no seu conteúdo; o negócio anulável que, nos termos do artigo
288.º, seja confirmado, altera-se, por ter sido sanado;

Eficácia extintiva – na eventualidade de se dar o desaparecimento, da ordem jurídica, de


uma situação antes existente: cumprida uma obrigação, esta extingue-se.

A eficácia pode ainda classificar-se consoante a natureza das situações jurídicas a que se
reporte:

Eficácia pessoal – quando a situação jurídica que se constitua, transmita, modifique ou


extingue não tenha natureza patrimonial.

Eficácia obrigacional – sempre que alguma dessas quatro vicissitudes se reporte a


situações obrigacionais e real quando tal ocorra perante situações próprias de coisas
corpóreas.

Estas classificações de eficácia, o mesmo se aplicam aos factos, constitutivos,


modificativos, etc.

Não confundir transmissão com sucessão, nesta ocorre a substituição de uma pessoa
por outra, mantendo-se estática uma situação jurídica a qual, por isso, estando
inicialmente na esfera de uma pessoa, surge, depois da troca, na de outra.

Os factos jurídicos são susceptíveis de múltiplas classificações:

A mais simples distingue, nos factos jurídicos em geral ou lato sensu*:

• Factos jurídicos em sentido estrito (stricto sensu);

• Actos jurídicos.

Os factos jurídicos stricto sensu (para efeitos de eficácia considerados como


manifestações da vontade humana) abrangem eventos da mais diversa natureza. Assim, o
que pode haver de comum entre uma inundação, que acciona os mecanismos de um

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contrato de seguro, uma extracção da lotaria, que confere direitos a determinados prémios,
é justamente, a presença de eficácia jurídica. No entanto o facto jurídico stricto sensu pode
redundar numa manifestação de vontade humana que, não releve, enquanto tal, em termos
de eficácia: o Direito trata-a como uma ocorrência, como sucede com a gestão de
negócios (arts.: 464.ºss do CC).

(para efeitos de eficácia são considerados como eventos naturais)

Os actos jurídicos podem processar-se no espaço conferido às pessoas pela autonomia


privada.

Quando tal ocorra, eles comportam a classificação de:

• actos jurídicos em sentido estrito – Implicam liberdade de celebração, mas uma


vez estabelecida, os efeitos produzem-se independentemente da vontade do agente;

• negócios jurídicos – Há vontade de praticar o acto (Liberdade de celebração) e


vontade de estipular o respectivo conteúdo para produzir determinados efeitos que o
direito considera legítimos (Liberdade de Estipulação).

Na base destes fenómenos, encontra-se a acção humana.

2. Acção Humana – é igual ao acto mas em que o fim é relevante.


A acção humana traduz o essencial da eficácia jurídica. O conceito de acção sofreu uma
evolução histórica marcada. Ela começou por ser entendida em sentido naturalístico: seria
uma modificação do mundo exterior, causalmente ligada à vontade. Mas por esta via, a
acção humana mal se distinguiria de uma “actuação” desenvolvida por um animal, por
exemplo, pois tudo se passaria dentro de comuns relações de causa-efeito, explicáveis pela
causalidade, no seu sentido mais mecanicista.

Intentou-se, então, introduzir um sentido normativista da acção. Este, adaptado ao Direito


Civil, uma vez que foi elaborado tendo em conta as necessidades do penalismo, dirá que, na
acção, se assiste a uma afirmação ou negação de valores. Mas no entanto, existem alguns
óbices respeitantes a esta concepção. Pergunta-se, no fundamental, se a particular aptidão
da acção humana para afirmar ou negar valores, lhe advém, apenas, da identidade do
agente, isto é, do facto de ele ser uma pessoa humana, ou se a acção humana, porque
humana, é estruturalmente diferente de quaisquer outras “acções”. No fundo, a concepção
normativista não ultrapassava, ainda, o estático do naturalismo.

O passo seguinte foi dado pela teoria de acção final ou finalismo, desenvolvida na
Alemanha por HANS HENZEL e, entre nós, autonomamente, por MANUEL GOMES
DA SILVA.

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A acção humana não pode ser entendida como puramente causal, no sentido do agente
provocar, de forma mecânica, determinadas alterações no mundo exterior: a acção é final
porque o agente, consubstanciando previamente o fim que visa atingir põe, na prossecução
deste, as suas possibilidades.

O que distingue a acção humana de qualquer “outra” é a sua estrutura interna: a “acção”
não-humana traduz-se na sucessão mecânica de causa-fim, sendo este determinado por
aquela; na acção humana, há uma prefiguração do fim que determina o movimento para o
alcançar e os meios para tanto seleccionados: o próprio fim é a “causa”.

Assim se compreende que actuações humanas naturalisticamente idênticas possam ter


conteudos e efeitos muito diferentes, consoante os fins que as animem e justifiquem.
Num exemplo clássico, a pessoa que se levanta, num recinto, pode expressar que vai saudar
um amigo, pode traduzir traduzir um deputado, no decurso de uma votação no Parlamento.

Julga-se, no entanto, que o finalismo deve ser levado até ao fim. O acto jurídico em
sentido estrito é sempre uma acção humana que, como tal, é considerada pelo Direito.
Quando este dispense a finalidade, deparamos já com um facto jurídico em sentido
estrito.

No exemplo da ocupação, artigo 1318º, alguém adquire, de facto, a propriedade de uma


coisa apenas por se apossar dela, isto é, por a colocar na sua esfera exclusiva de actuação,
independentemente de pretender ser seu proprietário. A lei admite, alias, a ocupação por
parte de quem nem tenha uso da razão (art. 1266º que admite tal asserção): há, no entanto, a
finalidade de captar a coisa e é a tal acção que o Direito, depois, atribui a eficácia
constitutiva da propriedade. A pessoa que, contra a sua vontade, fique pegada a uma coisa
móvel sem dono, não se torna proprietária.

Segundo o professor Oliveira Ascensão, mover o dedo indicador sem qualquer fim,
reflexamente ou por sonambulismo, não é um acto nem uma acção: surge como um
simples facto; caso tenha consequências, elas não seriam no âmbito humano. Isto
porque, o Direito, por vezes, exige uma finalidade mais profunda do que outras. Mas
quando abdicasse totalmente de tal factor, haveria já apenas um facto jurídico e não um
verdadeiro acto em sentido próprio, isto é, uma actuação humana.

A acção é mais do que um simples comportamento exterior. O que caracteriza a acção é a


síntese do comportamento com a sua intencionalidade e o seu fim, num todo incindível,
numa unidade que exprime o agir humano. A acção humana só é compreensível na sua
integralidade. Desconsideradas a intencionalidade e finalidade, o simples comportamento
externo só pode ser relevante como facto, e não como acto jurídico, como simples
acontecimento ou ocorrência a que o Direito atribui consequências. A acção é o ser do agir
humano e, como tal, o objecto por excelência do Direito. Só as acções, e não os simples
comportamentos, podem ser julgados lícitos ou ilícitos (PPV).

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3- Actos lícitos e ilícitos

O critério de distinção é o de conformidade com a lei, projectando-se esta distinção igualmente no


regime dos efeitos jurídicos do acto, é uma distinção privativa dos actos jurídicos. (Mota Pinto)

O acto é lícito quando se processe ao abrigo de uma permissão especifica, de uma


permissão genérica ou, simplesmente, quando seja irrelevante para o Direito. Os actos
lícitos são, muitas vezes, actos jurídicos pois, alem de não desconformes com o sistema, o
Direito ainda lhes associa determinados efeitos.

Os actos lícitos são conformes à Ordem Jurídica e por ela consentidos. Não podemos dizer que o
acto ilícito seja sempre inválido. Um acto ilícito pode ser válido, embora produza os seus efeitos
sempre acompanhado de sanções. Da mesma feita, a invalidade não acarreta também a ilicitude do
acto. (Mota Pinto)

Os actos ilícitos correspondem a comportamentos humanos desconformes com o


Direito, por implicarem actuações proibidas ou por redundarem no não acatamento de
atitudes prescritas.

Os actos ilícitos, são contrários à Ordem Jurídica e por ela reprovados, importam uma sanção para o
seu autor (infractor de uma norma jurídica). (Mota Pinto)

A ilicitude pode provocar um regime jurídico de censura: a culpa.

3. Actos jurídicos e negócios jurídicos


Como referido anteriormente, aquando do estudo do instituto da autonomia privada,
os actos jurídicos em sentido amplo repartem-se em actos jurídicos em sentido
estrito (stricto sensu) – artigo 295.º do CC e em negócios jurídicos – 217 e
seguintes, consoante postulem mera liberdade de celebração ou, mais longe, assentem
na liberdade de celebração e na liberdade de estipulação.

Segundo a concepção da Regente, existem dois critérios fundamentais na distinção de


actos jurídicos e negócios jurídicos:

• O critério de relevo da vontade das partes para a produção dos efeitos do acto;

• Critério do grau de liberdade do sujeito. Ou seja, o sujeito pratica o acto, tem


portanto liberdade de estipulação, mas está predominantemente sujeito aos efeitos
da lei.

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E, ainda segundo a Regente existe uma distinção gradual entre ambos, porque existem
actos que são praticamente negócios jurídicos, porque a liberdade de estipulação do autor
em alguns casos é maior.

Os actos jurídicos são comportamentos voluntários juridicamente relevantes. São


comportamentos de pessoas, de pessoas humanas ou colectivas, aos quais o Direito
reconhece relevância como comportamentos voluntários e livres. Diferentemente dos
simples factos jurídicos, não são ocorrências juridicamente relevantes, mas sim actos
voluntários, da autoria de pessoas, humanas ou colectivas, que o Direito valora como
tais, isto é, como actos voluntários. Em relação aos simples factos jurídicos, têm como
características, o serem voluntários e o serem da autoria de pessoas e a elas imputáveis.
Os actos jurídicos têm algo de comum com os factos jurídicos e algo de comum com os
negócios jurídicos. De comum com os factos jurídicos têm o ser objecto de valoração
jurídica; de comum com os negócios jurídicos têm a relevância da voluntariedade. Tal
como os simples factos jurídicos, os actos jurídicos têm um papel quase passivo na
determinação da consequência jurídica. Embora o Direito exija que sejam voluntários, a
intencionalidade e afinalidade com que sejam praticados não é relevante para a
determinação da consequência jurídica.
Isto significa que, no domínio do acto jurídico, o papel da autonomia privada é
acentuadamente reduzido (PPV).

Os actos jurídicos podem classificar-se em actos declarativos ou declarações e actos


reais ou operações (PPV).

As declarações são actos dirigidos a outros e que têm um conteúdo comunicativo. Têm
de ter um ou mais destinatários, determinados - declarações receptícias ou recipiendas –
ou indeterminados- declarações não receptícias ou não recipiendas. Além disso, têm de
ter uma função de comunicar um conteúdo e de ter um conteúdo a comunicar a esses
destinatários: são actos de comunicação.
Os actos reais ou operações são simples comportamentos voluntários de pessoas em
relação aos quais o Direito atende à voluntariedade da sua prática, mas que não têm
conteúdo comunicativo (PPV).

Esta classificação dos actos jurídicos em actos declarativos e actos reais não deve
confundir-se, porque não coincide, com a classificação dos actos jurídicos em negociais
e não negociais. Sobretudo não deve pensar-se que apenas os actos declarativos são
negociais. Há actos que são mais negociais e outros que o são menos. O acto pode ser
mais ou menos negocial. Não é possível e constitui factor de imprecisão dividir em
termos binários, todos os actos jurídicos em duas classes estanques: a classe dos actos
totalmente negociais e a classe dos actos nada negociais. É mais significativo distinguir,

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consoante a maior ou menos liberdade de celebração e a maior ou menor liberdade de
estipulação, os actos jurídicos em mais ou menos negociais (PPV).

Negócios jurídicos- São actos de autonomia privada que põem em vigor uma regulação
jurídica vinculante para os seus autores, com o conteúdo que estes lhe quiserem dar, dentro
dos limites jurídicos da autonomia privada (os efeitos dos negócios jurídicos produzem-se
ex voluntate) Ex: o testamento e os contrato ( artigo 405.º) (PPV).

Os negócios jurídicos são actos jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de
vontade, dirigidas à realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob
tutela do direito, determinando o ordenamento jurídico, a produção dos efeitos jurídicos
conformes à intenção manifestada pelo declarante ou declarantes.

Diferentemente do que sucede com os actos jurídicos simples e com os meros factos
jurídicos, no caso dos negócios jurídicos não é a Lei que determina unilateral e fixamente
as consequências jurídicas. O regime jurídico e as consequências jurídicas dos negócios
jurídicos são instituídas pelos próprios negócios. A causa eficiente é a autonomia privada e
não a Lei. Como actos de autonomia privada, os negócios não regem, em princípio, para
além das suas partes: não têm eficácia sobre terceiros, nem os vinculam (só vinculam os
seus autores) e, dentro do âmbito material da autonomia privada criam direito (PPV).

Teoria dos efeitos jurídicos - Para esta doutrina os efeitos jurídicos produzidos, tais como a
lei os determina, são perfeita e completamente correspondentes ao conteúdo da vontade das
partes. Haveria uma vontade das partes dirigida à produção de determinados e precisos
efeitos jurídicos.
Este ponto de vista não fornece o correcto diagnóstico ou o correcto critério para a
determinação da relação que intercede no negócio jurídico entre a vontade dos seus autores
e os efeitos jurídicos respectivos. Aliás, a ser esta doutrina correcta, só os juristas
completamente informados sobre o ordenamento podiam celebrar negócios jurídicos.

Teoria dos efeitos práticos - As partes manifestam apenas uma vontade de efeitos práticos
ou empíricos, normalmente económicos, sem carácter ilícito. A estes efeitos práticos ou
empíricos manifestados, faria a lei corresponder efeitos jurídicos concordantes.
Também esta concepção é inaceitável. Tal como define o negócio jurídico este não se
distingue dos compromissos ou convenções celebrados sob o império de outros
ordenamentos normativos (cortesia, moral, praxes sociais, etc.).

Teoria dos efeitos práticos-jurídicos - é o ponto de vista correcto. Os autores dos


negócios jurídicos visam certos resultados práticos ou materiais e querem realizá-los por
via jurídica. Tem, pois, também uma vontade de efeitos jurídicos.

“Os negócios jurídicos são actos jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de

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vontade, dirigidas à realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob
tutela do direito, determinado o ordenamento jurídico produção dos efeitos jurídicos
conformes à intenção manifestada pelo declarante ou declarantes.

A importância do negócio jurídico manifesta-se na circunstância de esta figura ser um


meio de auto ordenação das relações jurídicas de cada sujeito de direito. Está-se perante o
instrumento principal de realização do princípio da autonomia da vontade ou autonomia
privada.

O negócio jurídico enquadra-se nos actos intencionais e caracteriza-se sempre pela


liberdade de estipulação. No que toca à sua estrutura, o negócio jurídico autonomiza-se
como acto voluntário intencional e por isso acto finalista.

No negócio, tem de haver de acção, sem esta, o negócio é inexistente. O autor do acto
tem de querer um certo comportamento exterior por actos escritos ou por palavras. Tem de
ser de livre vontade, de outra maneira será inexistente (ex. coacção física), tem de haver
uma declaração (exteriorização da vontade do agente), constitui um elemento de natureza
subjectiva.

O comportamento não basta ser desejado em si mesmo, é necessário que ele seja
utilizado pelo declarante como meio apto a transmitir um certo conteúdo de
comportamento. (MOTA PINTO)”

Associadas ao negócio jurídico estão a liberdade de celebração de a liberdade de


estipulação:
A liberdade de celebração postula uma livre decisão por parte do autor de celebrar ou de
não celebrar negócio, bem como a liberdade de determinar o conteúdo do negócio jurídico.
O autor tem também o poder de determinar em que termos se quiser vincular, qual o
conteúdo da regulação que com o negócio vai pôr em vigor, quais os moldes em que o seu
negócio vai produzir modificações na sua esfera jurídica.
PAULO CUNHA, seguido por MENEZES CORDEIRO, assenta a diferença entre acto
jurídico e negócio jurídico na distinção entre liberdade de celebração e liberdade de
estipulação. No acto jurídico, o autor teria apenas a liberdade de celebração, não lhe
assistindo liberdade de estipulação; no negócio jurídico, diferentemente, o autor teria
liberdade de celebração e de estipulação (PPV).

Ao assumir como critério da negocialidade a liberdade de estipulação, esta perspectiva


desconsidera negócios jurídicos de crucial importância como, por exemplo, o casamento,
em que não existe liberdade de estipulação, e que seriam assim despromovidos à categoria
de simples actos jurídicos. Ora, o casamento, tanto no regime que a lei lhe dá – em especial
na particular relevância e regime dos vícios da vontade – como na especial intensidade com

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que nele intervém o princípio da autonomia privada, não deve ser tido como simples acto
jurídico não negocial (PPV).

Melhor critério parece ser aquele que se situa a diferença entre o acto jurídico simples e o
negócio jurídico em ser tributária da autonomia privada, ou apenas da lei, a modificação
consequentemente provocada na Ordem Jurídica. No negócio jurídico, a regulação que é
posta em vigor é tributária da autonomia provada; no acto jurídico simples, é tributária da
lei (critério adoptado por Oliveira Ascensão, por exemplo). A existência ou não de
liberdade de estipulação é mais um indício do carácter negocial, do que o seu critério. Mas
não é determinante. Assim, o casamento, por exemplo, é um negócio jurídico, embora os
nubentes não tenham, no que lhes respeita, liberdade de estipulção, porque a sua eficácia
jurídica é tributária da autonomia privada e não da lei. Também os contratos de conteúdo
rígido ou fixo, como, por exemplo, os contratos de compra e venda celebrados em massa no
comércio retalhista, não deixam de ter carácter negocial pelo simples facto de, na sua
celebração, não ter sido admitida a negociação do conteúdo. Na verdade, não é por haver
liberdade de estipulação que existe negócio jurídico, mas antes o inverso, é por haver
negócio jurídico que há liberdade de estipulação. A liberdade de estipulação é implicada
pela negocialidade e constitui, sem dúvida um seu indício, mas não deve ser tida como seu
único critério, nem mesmo como seu critério determinante (PPV).

A invalidade do negócio jurídico traduz-se na sua não vigência no âmbito do Direito. Em


princípio, as promessas e compromissos de pessoas, ou os acordos entre si celebrados, não
alcançam vigor jurídico se forem ilícitos (PPV).

Pressupostos dos negócios jurídicos:

As partes- Os negócios jurídicos pressupõem pessoas que os tenham celebrado e que sejam
partes deles. Os negócios jurídicos são celebrados por pessoas, por pessoas humanas ou por
pessoas colectivas, que são os seus autores. As partes podem fazer-se substituir por pessoas
a quem confiram poderes de representação, os menores e os interditos pelos respectivos
representantes legais e as pessoas colectivas pelos seus representantes orgânicos e por sua
vez por procuradores. A parte não é o mesmo que a pessoa e pode ser constituída por várias
pessoas. “Parte é o titular dos interesses” (Oliveira Ascensão). Cada parte corresponde, no
negócio, a um núcleo de interesses (PPV).

Capacidade- A incapacidade tem como consequência a invalidade do negócio jurídico. Há,


contudo, que distinguir consoante a falta de incapacidade se traduz em incapacidade de
gozo, em incapacidade de exercício ou em incapacidade acidental. A falta de capacidade de
gozo tem como consequência, em princípio, a nulidade do negócio. A nulidade do negócio
jurídico celebrado com incapacidade de gozo decorre do artº 294º CC. O negócio jurídico

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celebrado por quem estiver afectado por uma incapacidade de exercício é, em princípio,
apenas anulável (PPV).

Legitimidade- A legitimidade é a particular posição da pessoa perante concretos bens,


interesses ou situações jurídicas que lhe permite agir sobre eles. A legitimidade é um dos
pressupostos do negócio jurídico, no sentido de que o seu autor só pode, através do
negócio, agir sobre e em relação a bens, interesses ou situações jurídicas desde que para
tanto tenha legitimidade. A falta de legitimidade tem como consequência em princípio a
ineficácia, que se traduz na falta de produção, total ou parcial e absoluta ou relativa, dos
efeitos típicos do acto (ex: artº 268º CC) (PPV).

Objecto- (ver artº 280º) É útil distinguir com clareza, por exemplo, na compra e venda, de
um lado, a transmissão da propriedade da coisa mediante um preço e o que a esse propósito
foi estipulado, que seria o objecto imediato e que constitui o conteúdo do negócio, e, do
outro, a coisa comprada e vendida, cuja propriedade é transmitida pelo negócio, que seria
então o objecto stricto sensu ou mediato, que é o bem sobre o qual o negócio incide e
produz efeitos, o bem de cuja propriedade as partes dispõem na compra e venda.

5- Actos jurídicos em sentido estrito

Os simples actos jurídicos, são factos voluntários cujos efeitos se produzem, mesmo que
não tenham sido previstos ou queridos pelos seus autores, embora muitas vezes haja
concordância entre a vontade destes e os referidos efeitos. Os efeitos dos simples actos
jurídicos ou actos jurídicos “stricto sensu” produzem-se “ex. lege” e não “ex. voluntate”.
(Mota Pinto)

O acto jurídico traduz o exercício da autonomia privada marcado pela presença, apenas,
de liberdade de celebração.

O Direito associa, pois, efeitos jurídicos aos simples actos, por se tratar de
manifestações de vontade humana, quando não, estar-se-ia perante factos jurídicos em
sentido estrito; mas os efeitos em causa estão normativamente predeterminados, não
podendo as pessoas interferir na sua concreta formulação.

Os actos jurídicos em sentido estrito correspondem a uma forma menos elevada do


exercício da autonomia privada. Assim se compreende que eles se documentem,
sobretudo, no domínio do Direito das coisas (o apossamento, artigo 1263.º alínea a), a
ocupação, artigo 1318.º ou a especificação, artigo 1338º); no Direito da família, por
exemplo, o contrato de casamento (artigo 1577.º), ou a perfilhação (artigo 1849.º). No

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Direito das obrigações, pelo contrário, dominam os negócios, como se depreende do
artigo 405.º.

MANICK estabeleceu uma classificação de actos jurídicos em sentido estrito,


bastante divulgada, mais tarde por KLEIN. Embora essencialmente descritiva, é
importante ter em atenção alguns aspectos:

• Puras actuações exteriores, por exemplo, os actos que integrem a ocupação de uma
coisa ou a perseguição e captura de animais;

• Actuações que impliquem ainda certas opções interiores, por exemplo, a escolha
de um domicilio ou de uma sede da pessoa colectiva;

• Actuações que traduzam matéria já prefixada, por exemplo, o acto de perfilhar;

• Comunicações, sejam elas de conhecimentos ou de vontade.

Todos estes actos têm em comum a ausência de liberdade de estipulação; no seu


conjunto eles dão uma ideia da realidade que se lhes obriga.

Importa considerar distinções especificas dos actos jurídicos em sentido estrito:

• Actos quase negociais, equivalentes aos actos jurídicos em sentido estrito, que se
analisem numa pura manifestação de vontade, por exemplo, a perfilhação;
aplicação das regras jurídicas respeitantes ao negócio juridico (artº 808º CC)

• Actos materiais, correspondentes aos actos jurídicos em sentido estrito, que


resultem de actuações materiais voluntárias, por exemplo, um apossamento.

Aos actos jurídicos em sentido estrito aplicam-se, na medida do possível, as regras


respeitantes do negócio jurídico; tal o regime defendido pela doutrina e consagrado no
artigo 295.º

Finalmente, o princípio geral do artigo 295.º pode ser aplicado a actuações humanas que,
por serem puramente funcionais, não possam considerar-se “actos”, marcados, pela
liberdade de celebração. Tão será o caso duma sentença judicial. Esta, por via do artigo
295.º do CC, deverá ser interpretada à luz do artigo 236.º.

4. Estrutura do negócio jurídico


• Envolve uma ou mais partes (unilateral ou bilateral) – as partes devem estar aptas a
celebrar o negócio jurídico;

• O bem jurídico deve ser idóneo para esse efeito;

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• As partes podem estabelecer o conteúdo de forma mais ampla ou mais restrita;

• Está na disponibilidade das partes para que estas configurem determinados


elementos essenciais. No entanto, a Liberdade das partes não é total, está sujeita a
determinados limites estabelecidos pela Lei.

A doutrina tradicional, desenvolvida no Direito comum e adoptada, por exemplo, por


MANUEL DE ANDRADE, distinguia, com referência ao negócio jurídico, três tipos de
elementos dos negócios jurídicos:

• Elementos essenciais;

• Elementos naturais;

• Elementos acidentais.

Os elementos essenciais, necessariamente presentes em cada negócio jurídico,


abrangiam elementos gerais e específicos:

• Elementos gerais – deveriam surgir em todos os negócios. E seriam elementos


essenciais gerais a capacidade das partes, a declaração ou declarações de vontade e
o objecto possível: qualquer negócio jurídico deveria, para existir em termos de
validade, reunir estes elementos.

• Elementos específicos – seriam os elementos imprescindíveis para caracterizar


determinado tipo negocial, distinguindo-o dos demais. Variariam consoante o
tipo negocial considerado; por exemplo, na compra e venda, o preço seria essencial
para que se pudesse, ter em conta, a presença desses especifico contrato.

Os elementos naturais são os efeitos que, por sua natureza, os diversos negócios deveriam
produzir, mas que as partes podem, ao abrigo da sua autonomia privada, validamente
afastar. Correspondem a normas supletivas, isto é, a normas cuja aplicação fica na
disponibilidade das pessoas. Tais normas predominam no Direito das Obrigações, ao
contrário do que sucede nos restantes três sectores do Direito Civil.

Os elementos acidentais correspondem a estipulações que não sejam necessárias para a


consistência de um negócio e que o Direito não preconiza, ainda que a título supletivo,
para o tipo negocial considerado. As partes podem, contudo, ao abrigo da sua autonomia
privada, inclui-las nos negócios que celebrem.

Doutrina do Professor Paulo Cunha

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• Elementos necessários – são os que a lei exija para a validade de todo e qualquer
acto jurídico; subdividir-se-iam, ainda, em elementos essenciais, sem os quais não
haveria negócio, e em elementos habilitantes, requeridos para a sua total validade;

• Elementos específicos – correspondem aos requeridos para cada tipo de acto; o


preço, na compra e venda, a renda, no arrendamento, etc…;

• Elementos naturais – derivam da lei: ela estabelece-os para, supletivamente,


servirem dos diversos tipos negociais, de acordo com a sua natureza;

• Elementos acidentais – abrangem os introduzidos, em cada caso, pela vontade das


partes; poderiam ainda ser típicos, quando já se encontrem conceitualizados pela lei,
por exemplo, o prazo ou a condição, ou variáveis, quando derivem da vontade das
partes.

Doutrina do Professora Castro Mendes e também defendida pela regente, Prof.ª


Doutora Maria do Rosário Palma Ramalho:

Defende a existência de Pressupostos e Elementos do negócio.

Pressupostos – condições externas ao negócio, mas que determinam a sua validade e


invalidade. Estes podem ser divididos entre:

• Subjectivos – condições externas de validade do negócio atinentes aos sujeitos (v.g.


capacidade dos contraentes celebrarem o negócio);

• Objectivos – condições externas de validade do negócio, atinentes ao objecto, e


portanto ao fim do mesmo. O fim do negocio deve ser de acordo com a lei.

Elementos do negócio:

• Essenciais – aquelas clausulas do negócio sem as quais ele se descaracteriza;

• Acidentais –

5. Classificações dos negócios juridicos

• Negócios unilaterais e multilaterais ou contratos

O negócio diz-se unilateral quando tenha uma única parte; é multilateral ou contrato
quando, pelo contrário, se assuma como produto de duas ou mais partes.

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A ideia de parte não equivale à de pessoa: num negócio, unilateral ou multilateral, várias
pessoas podem encontrar-se interligadas, de modo a constituir uma única parte. E,
portanto a ideia de parte corresponde à titularidade de determinado interesse,
consoante o número e diversidade de interesses presentes, não apenas à de número de
autores.

A distinção entre negócios unilaterais e contratos não pode repousar em apregoadas


diferenças genéticas, número de pessoas, de declarações ou de interesses, mas sim nos
efeitos que venham a ser desencadeados:

Nos negócios unilaterais – os efeitos não diferenciam as pessoas que, eventualmente neles
tenham intervindo; por isso, tende, neles, a haver uma única pessoa, uma única declaração
ou um único interesse; a inexistência de tratamentos diferenciados permite, em termos
formais, considerar no seu seio a presença de uma única parte: apenas se distingue a
situação desta da dos restantes, os terceiros. São exemplos de negócios unilaterais – o
testamento (artigo 2179.º/1); a renúncia (artigo 1476.º/1,e), ou a confirmação (artigo
288.º);
Negócios unilaterais – uma única declaração (ainda que feita por diversas pessoas);
distintas declarações podem dar azo a um mero negócio unilateral desde que se encontrem
ordenadas de modo paralelo.

De referir que os negócios jurídicos unilaterais põem em vigor uma consequência ou


regulação jurídicas, independentemente da concordância ou do consenso de uma outra
parte. O autor do negócio unilateral pode vincular-se a si próprio, mas não pode vincular
outrem sem o seu consentimento. Este poder de rejeitar decorre da Autonomia Privada:
todas as pessoas têm o direito de proteger a sua esfera jurídica contra intromissões alheias
não desejadas e não consentidas, e são livres de querer ou não querer adquirir um direito
que outrem lhes queira atribuir. Os limites à Autonomia Privada e ao conteúdo dos
negócios jurídicos unilaterais são os mesmos que se põem, em geral, aos contratos: são os
limites da Lei, da Moral e da Natureza (artº 280º).

Nos contratos – os efeitos diferenciam duas ou mais pessoas, isto é: fazem surgir, a cargo
de cada interveniente, regras próprias, que devem ser cumpridas e possam ser violadas
independentemente umas das outras; e em consequência, tendem a surgir varas declarações,
várias pessoas e vários interesses. São exemplos: a compra e venda (artigo 874.º), a
doação (artigo 940.º), a sociedade (artigo 980.º) ou o casamento (artigo 1577.º).
Negócios multilaterais ou contratos- declarações são várias; as declarações contratuais têm
de ser contrapostas para realmente existir um contrato.

Os negócios unilaterais completam-se, por definição, com a declaração que os


consubstancie; dispensa-se qualquer anuência de outros intervenientes. Com especificidade,
a doutrina apresenta a sua sujeição a um principio da tipicidade, com base no artigo

67
457.º, entende-se que apenas seria possível celebrar os negócios unilaterais expressamente
previstos na lei, não podendo, pois, compor-se tipos negociais novos, ao abrigo da
autonomia privada. Um melhor estudo das fontes revela, no entanto, que a tipicidade é, tão-
só, aparente: o legislador permitiu, através de vários esquemas que os interessados
engendrem, negócios não tipificados em leis. O nosso pensamento evoluiu, desde então,
para uma ideia de tipicidade imperfeita, na medida em que, são possíveis a celebração
de negócios não previstos directamente na lei.

Os contratos resultam do encontro de duas vontades, através de uma proposta e de


uma aceitação.

O principio geral dos contratos – É o principio da atipicidade (artigo 405.º do CC),


podem ser celebrados os contratos que as partes pretenderem estabelecer, desde que dentro
dos limites da lei.

Dentro dos negócios contratuais, importa, pelo seu relevo, referenciar as seguintes
subdistinções:

• Contratos sinalagmáticos e não sinalagmáticos – consoante dêem lugar a


obrigações recíprocas, ficando as partes, em simultâneo, na situação de credores
e devedores ou, pelo contrário, apenas facultem uma prestação; alguma doutrina
chama ainda, aos contratos sinalagmáticos, respectivamente bilaterais.

• Contratos monovinculantes e bivinculantes – conforme apenas uma das partes


fique vinculada ou ambas sejam colocadas nessa situação; esta classificação não
se confunde com a anterior: um contrato pode ser sinalagmático, isto é, implicar
prestações correlativas e não obstante, apenas uma das partes se encontrar vinculada
à sua efectivação; assim, no contrato-promessa “unilateral” (artigo 411º) – há
sinalagma uma vez que a sua concretização, através do contrato-definitivo, exige
declarações de ambas as partes: mas apenas uma das partes deve prestar, se a outra
quiser e esta presta quando quiser e caso queira que a outra preste.

Promessa ao público
Nos artºs 459º a 462º, o CC contém a regulação típica das promessas públicas. São
negócios jurídicos unilaterais pelos quais os seus autores prometem publicamente
(feita a pessoa determinada ou feita ao público), uma prestação a quem se encontrar
numa certa situação ou praticar certo facto, positivo ou negativo. Ex: (quando
alguém oferece alvíssaras a quem encontrar um objecto perdido, ou um prémio a
quem executar uma obra literária, etc). A promessa ao público, como negócio
jurídico unilateral que é, vincula o promitente. Esta vinculação traduz-se na
constituição de uma obrigação na esfera jurídica do promitente e num direito
subjectivo na esfera jurídica do beneficiário da promessa. Como proposta contratual

68
que é, deve satisfazer todos os requisitos de uma proposta: completude, firmeza e
suficiência formal.
Com a promessa pública não deve ser confundida a proposta pública (Oferta ao
público), a que o Código Civil se refere no artº 230º. A proposta pública é
também um negócio jurídico unilateral, mas com um conteúdo e uma eficácia
jurídica muito diferente da promessa pública (ver ponto da “Oferta ao
Público” dentro da alínea “Formação dos Contratos”) (PPV).

Negócios inter vivos e mortis causa


• Os negócios inter vivos – destinam-se a produzir efeitos em vida dos seus
celebrantes.

• Os negócios mortis causa – é intrinsecamente concebido pelo Direito para reger


situações jurídicas desencadeadas com a morte de uma pessoa. Em termos práticos,
ele é regulado pelo Direito das sucessões. Como exemplos de negócios mortis causa
ocorrem o testamento (artigo 2179.º) e os pactos sucessórios (artigos 1700.º e
seguintes). A generalidade dos negócios é inter vivos. E, ainda, este tipo de
negócios não tem preocupações de equilíbrio, uma vez que surge como liberalidade,
e assenta no valor fundamental da vontade do falecido – o de cuius. Implica, assim
regras próprias de interpretação e de aplicação.

E, portanto, as partes ao abrigo da sua autonomia privada, podem estipular que os seus
negócios produzam efeitos com a morte de alguma delas. Não obstante, o negócio é inter
vivos por assentar num tipo de regulação primacial destinado a reger relações entre vivos.
Assim sucede com o contrato de seguro de vida, que produz efeitos com a morte do
segurado.

Negócios formais e consensuais

O Direito português, tem vindo a evoluir, considerando o consensualismo negocial,


segundo o artigo 219.º do Código Civil, os negócios só requerem uma forma especial
quando a lei o exigir.

Nestes termos, compreende-se a contraposição entre negócios formais e consensuais.

• São consensuais – os negócios que, por não caírem sob a estatuição de normas
cominadoras de forma especial, sejam susceptíveis de conclusão por simples
consenso. E, portanto negócios cuja forma corresponda ao que as partes
estabelecerem.

69
• São formais – os negócios cuja conclusão a lei exija determinado ritual na
exteriorização da vontade. E, portanto, é o negócio cuja forma corresponda a
uma exigência legal.

Todos os negócios têm forma, mas revestem uma forma em especial, senão não
chegam a realizar-se, todavia essa forma é escolhida pelos autores.

Negócios obrigacionais, reais, familiares e sucessórios

São classificados como obrigacionais os negócios jurídicos dos quais resulte a vinculação
das partes, ou de alguma delas, à execução de prestações, isto é, a comportamentos devidos.
São obrigacionais, por exemplo, o mando e, de acordo com a doutrina tradicional, também
o arrendamento e o comodato.

Negócios jurídicos reais são, por um lado, os que têm efeitos de direitos reais – eficácia real
– e, por outro, os que se materializam com a entrega da coisa que constitui o seu objecto.

Como negócios jurídicos familiares são classificados aqueles que têm or conteúdo a
constituição, modificação ou extinção de situações ou relações jurídicas familiares.
Incluem-se nesta classe, por exemplo, o casamento, a convenção antenupcial, a adopção,
etc.

Como negócios jurídicos sucessórios classificam-se os que têm por conteúdo a


constituição, modificação e extinção de situações e relações jurídicas sucessórias. São
exemplos, o testamento, a aceitação, o repúdio, e a alienação da herança ou a sua partilha.
(PPV).

Negócios típicos e atípicos


O negócio jurídico é o produto da autonomia privada no seu mais elevado nível: implica
liberdade de celebração e de estipulação.

Mas isso não impede que a lei fixe o regime de verdadeiros negócios jurídicos; fá-lo,
porém, a título supletivo, disponibilizando figurinos que as partes poderão adoptar ou, pelo
contrário, abandonar ou adaptar como entenderem.

• O negócio é típico – quando a sua regulação conste da lei;

• O negócio é atípico – quando tenha sido estatuída pelas partes.

Os tipos legais são aqueles que constam na lei e que aí encontram uma disciplina,

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pelo menos tendencialmente completa e suficiente para a contratação por referência
(PPV).

Pode ainda suceder que as partes vertam, num determinado negócio que celebrem,
elementos típicos e atípicos, nesse sentido, fala-se de negócio misto – artigo 405º do CC.

O mesmo já não acontece com as uniões negociais (ou união de contratos), na qual dois
ou mais negócios foram colocados, pelas partes, numa situação de interdependência. Tal
interdependência ocasiona diversos efeitos jurídicos.

Alem dos tipos legais, podemos contar com tipos sociais. Desta feita, trata-se de negócios
jurídicos que, embora não previstos na lei, são de tal forma solicitados pela prática que
adoptam um exemplo comum, por todos conhecido. Desse modo, bastará uma simples
referência ao “tipo social” para, de imediato, as partes se reportarem a todo um conjunto de
regras bem conhecidas, na prática jurídico-social. Por exemplo: o contrato de concessão, a
prestação de serviços, etc.

Os tipos sociais são os modelos de contratos que existem e vigem na sociedade, na vida de
relação, na prática. Nem todos os tipos sociais são recolhidos pelo Legislador na lei e
existem na prática da contratação, nos usos e costumes do tráfego, onde são celebrados, de
acordo com o princípio da Autonomia Privada (PPV).

Os contratos distinguem-se entre típicos e atípicos.


Se corresponderem a um tipo legal, são legalmente típicos, se corresponderem a um tipo
social, são socialmente típicos. Ex: (O trespasse é um contrato legalmente nominado, mas
não legalmente típico, embora seja, sem dúvida, socialmente típico).
São contratos atípicos podem ser puros e mistos. São contratos atípicos puros aqueles que,
além de não corresponderem a qualquer tipo contratual, sejam construídos sem o recurso à
modificação ou à combinação de um ou mais tipos contratuais. Os contratos atípicos mistos
são aqueles que são construídos através da modificação ou mistura de tipos contratuais,
embora não correspondam a qualquer deles (PPV).

Negócios nominados e inominados


O negócio típico é, em princípio, nominado: a lei designa-o pelo seu nome – nomen
iuris. Por exemplo, a compra e venda, a doação e a sociedade são típicas e nominadas.
Pode, porém, assistir-se a uma dissociação entre as duas características, como demonstrou
PESSOA JORGE: um negócio que tenha regulação supletica legal mas não seja apelidado
senão pela doutrina será típico e inominado; aquele que merecer referencia legal pelo seu
nome mas que não surja regulado, é nominado e atípico; assim sucede com os contratos de
transporte e de hospedagem referidos no artigo 755.º, a) e b), mas sem tratamento explícito
no Código.

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Negócios onerosos e gratuitos
Um negócio é oneroso quando implique esforços económicos para ambas as partes, em
simultâneo e com vantagens correlativas; pelo contrário, ele é gratuito quando uma das
partes dele retire tão-só vantagens ou sacrifícios.

Exemplos claros de onerosidade e de gratuitidade são constituídos, respectivamente,


pela compra e venda (artigos 874.º e seguintes) e pela doação (artigos 940.º e
seguintes). Registe-se, contudo, que certos negócios podem surgir como onerosos ou
gratuitos consoante o que seja estipulado pelas partes, respectivamente, o artigo 1158.º/1.

Da natureza onerosa ou gratuita dos negócios deriva a aplicação de múltiplas regras


diferenciadas; para além das que se prendam com os respectivos tipos, registam-se
clivagens no que toca aos pressupostos – artigo 951.º/2, à interpretação – artigo 237.º, e
aos casos de impugnação – artigo 612.º/1.

Nos contratos gratuitos, o empobrecimento do património de uma das partes corresponde,


em regra, ao enriquecimento do património da outra. Pode, todavia, não ser sempre assim:
por exemplo, nas chamadas doações onerosas, artigo 963.º, o próprio donatário suporta,
também, sacrifícios. O negócio surge, então, oneroso para uma das partes, o donatário e
gratuito para a outra, o doador.

Pois, um negócio pode vir a revelar-se como imensamente lucrativo para uma das partes e
ruinoso para a outra; nem por isso haverá gratuitidade: se as partes o não tiverem querido
como tal, antes se verificando a presença de um negócio em desequilíbrio. No verdadeiro
negocio gratuito, a vontade livre do sacrificado determinou-se pela intenção de dar, o
animus donandi.

Negócios de administração e de disposição


Os negócios de administração não atingem em profundidade, uma esfera jurídica,
enquanto, pelo contrário, os de disposição o fazem. Em princípio, os actos de disposição
só podem ser livremente praticados pelo próprio titular da esfera jurídica afectada e tendo
ele capacidade para o fazer; quando um acto de disposição deva ser praticado por outrem, o
Direito determina particulares precauções, como sejam a autorização judicial (artigo 91.º/3,
ou do Ministério Público, por exemplo, artigo 1938.º). Pode ainda suceder que o próprio
titular da esfera atingida, por ser incapaz, não possa praticar actos de disposição, a não ser
através de particulares esquemas de cautela; por exemplo, os artigos 153.º e 154.º.

Tem importância ainda outros preceitos legais: 1159.º; 1446º; 1678º; 1922º; o e 1967º.

Em suma, o acto que só possa ser praticado pelo próprio, não é um acto de
administração. Para prevenir duvidas e em certos casos, a lei define exactamente
quais são os actos de administração: assim, na hipótese do artigo 1024.º/1, a locação

72
constitui para o locador um acto de administração ordinária, excepto se estipulado
por um prazo superior a 6 anos.

Os actos de administração devem, por um lado manter a aptidão da coisa ou do bem para
a satisfação das necessidades e, por outro lado, promover a potencialidade e a utilidade
desse bem para a satisfação dessas necessidades e para a realização desses fins.

• Estes podem ser de administração ordinária e extraordinária.

A administração ordinária corresponde a gestão normal, normalmente são dados


como exemplo de administração ordinária os actos que, não alterando a substancia da coisa,
se destinam à sua frutificação ou conservação.

Os actos de disposição - são aqueles que afectam a substancia da coisa ou do bem.


Alteração mais profunda, em comparação com os actos de administração.

Negócios parciários, de organização, de distribuição e aleatórios.


Um negócio diz-se parciário quando implique a participação dos celebrantes em
determinados resultados. Tal sucede no contrato de parceria pecuária – artigo 1121.º, e
na sociedade – artigo 980.º;

O negócio de organização – visa montar uma estrutura que faculte a cooperação


permanente, em certo quadro, de pessoas, por exemplo, o contrato de sociedade;

Os negócios de distribuição podem contrapor-se aos de consumo. Na distribuição, visa-se


percorrer o circuito económico na parte que liga a produção ao vendedor final. O negócio
de consumo equivale à aquisição de bens pelo destinatário final: o consumidor.

Um negócio é aleatório quando, no momento da sua celebração, sejam desconhecidas as


vantagens patrimoniais que dele derivem para as partes. Esse desconhecimento, deve ser da
própria natureza do contrato, em moldes tais que ele não faça sentido de outra forma. Por
exemplo, um contrato de seguro é aleatório: ele pressupõe o desconhecimento da
ocorrência e do montante do dano que a seguradora seja, eventualmente a suportar. Típicos
negócios aleatórios, são, os contratos de jogo ou de aposta, artigo 1245.º.

Negócios causais e abstractos


O negócio é causal – quando a sua fonte tenha de ser explicitada para que a sua eficácia se
manifeste e subsista.

O negócio é abstracto – quando essa eficácia se produz e conserve independentemente da


concreta configuração que o haja originado.

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Fala-se em causalidade ou abstracção dos negócios quando perante uma eficácia
negocial em si, por exemplo, Abel deve entregar 100euros a Bento, às tantas horas de certo
dia, e em determinado local, se pergunte pela fonte (= causa) da situação jurídica originada,
por exemplo, Abel pedira os 100euros emprestados, ou deve-os a título de preço.

Assim sendo, haveria negocio causal quando o dever de Abel adviesse de uma compra e
venda, artigo 879.º, c), ou da restituição implicada pelo mútuo, artigo 1142.º.Pelo contrario,
ele seria abstracto quando tal dever subsistisse sem necessidade de indagar a sua
proveniência.

No direito civil português, os negócios são, em princípio, sempre causais. A eficácia


negocial tornar-se-ia, efectivamente, incompreensível quando desligada da fonte que lhe
dera lugar: sendo totalmente abstracta ela só se torna perceptível quando comunicada
através da fonte.

• Dos negócios abstractos, há que distinguir os negócios presuntivos de causa –


artigo 458º/1 do CC. Ou seja, perante uma promessa de cumprimento ou de
reconhecimento de divida, não e necessário demonstrar a fonte do débito. Mas
nem por isso se pode falar de uma situação abstracta: a questão torna-se causal
desde o momento em que se prove o contrário do que resulta da declaração de
cumprimento ou de reconhecimento.

A classificação que distingue negócios causais e abstractos, é uma classificação que


opera a nível de eficácia, que contrapõe situações.

Negócios reais quoad effectum e quoad constitutionem; negócios sujeitos a


registo constitutivo

Dentro dos negócios jurídicos reais existem por um lado os que têm efeitos de direitos reais
– eficácia real – e, por outro, os que se materializam com a entrega da coisa que constitui o
seu objecto.

Os primeiros, aqueles que têm eficácia real constituem uma subclasse: a dos negócios
jurídicos reais quoad effectum. São deles exemplo a compra e venda, que é um contrato
que opera a transmissão da propriedade em consequência da simples celebração do
contrato, e ainda que não haja entrega da coisa vendida.

Os segundos, aqueles contratos que se não fecham sem que ocorra a entrega da coisa,
constituem a subclasse dos negócios jurídicos reais quoad constitutionem, à qual
pertencem, por exemplo, o mútuo – artigo 1142.º; o depósito típicos – artigo 1185.º; o
penhor – artigo 669.º/1 e o comodato – artigo 1129.º. (PPV).

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II- Formação do negócio jurídico

1- As declarações negociais
1. A formação do negócio como um processo

A categoria do negócio jurídico opera num nível de acentuada abstracção. A


sua formação implica actividades de complexidade muito variável: em concreto, um
negócio pode ocorrer de imediato, através de um simples assentimento ou, pelo
contrário, implicar complexas actividades preparatórias, a tanto dirigidas.

A doutrina civil recuperou, com êxito, a ideia de processo, para explicar a formação do
negócio jurídico. Diz-se, em Direito, que há processo quando diversos actos jurídicos se
encadeiem de modo a proporcionar um objecto final.
Na mesma linha de pensamento, todas as normas jurídicas que intervenham num processo
devem ser interpretadas e aplicadas em consonância com o objectivo em vista na sequência
em causa.
Assim entendida, a ideia de processo aplica-se, com bons resultados, à formação do
negócio jurídico: os diversos actos que ela possa implicar conjugam-se, efectivamente, com
vista a esse resultado final.
Um processo ou sequência processual analisa-se em factos ou em actos, quando assente em
actuações humanas destinadas a prosseguir o objectivo final. A sequência deverá contudo
projectar, de modo dinâmico e, tanto quanto possível, fiel, a ordenação processual negocial
(PPV).

Aquando da preparação de um contrato, as partes podem seguir os caminhos que lhes


aprouverem, adoptando as mais diversas metodologias. A lei limita-se a prever o esquema
mais geral – o da proposta e da aceitação, tendo em vista os ausentes e que abaixo
estudaremos. A partir daí, será possível encontrar resposta aos mais diversos problemas.
Todavia, na prática da contratação, deparamos, em regra, com um procedimento diversos:
as partes negoceiam e apuram o texto do contrato, de tal modo que tudo se passa entre
presentes. Não é possível, no fim, apontar um “proponente” e um “destinatário da
proposta”, já que ambas assumem as duas qualidades.
Somos levados a distinguir, na contratação, os processos típicos e os atípicos. São típicos os
procedimentos com sede legal e, ainda, aqueles que são habitualmente adoptados pelas
partes interessadas (tipicidade social). São atípicos todos os demais.
Os processos atípicos podem prescindir de alguma das fases acima apontadas ou podem

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prever novas fases. Tais fases até poderão ser típicas – p. ex: contratos preparatórios,
concurso para a conclusão do contrato ou aplicação de regras especiais. O processo,
enquanto tal, será atípico, até porque não há normas quanto à inserção, na sua sequência, de
tais elementos eventuais (PPV).

2- Declarações de vontade ou negociais e declarações de ciência


A declaração é o elemento central no processo de formação do negócio jurídico. O Código
Civil, estrutura toda a matéria do negócio jurídico em função da declaração negocial,
artigos 217º e seguintes. Não apresentando qualquer definição de declaração negocial.

No entanto, a declaração apresenta três elementos fundamentais a reter:

• A declaração negocial é uma acção humana voluntária – pressupõe portanto,


uma actuação ou omissão controladas ou controláveis pela vontade; A ideia de
declaração mantém-se, em princípio e em primeiro plano, uma acção – logo
voluntária. Os eventos que, ligados embora à pessoa humana, não se possam
considerar acções – por exemplo, afirmações feitas durante o sono, em estado de
transe, sob hipnose ou na influência de psicotrópicos – são, em rigor, simples factos.

• A declaração negocial é um acto de comunicação, isto é, uma acção que releva


por dela se depreender uma opção interior do declarante, opção essa que, assim, se
vai exteriorizar;

• E, por fim, a declaração é ainda um acto de validade: ao fazê-la, o declarante não


emite uma comunicação de ciência ou uma informação opinativa: ele manifesta uma
adstriçao da própria vontade, que a origina, a um padrão de comportamento
determinado, pré-indiciado por ela própria.

Alguma doutrina, representada entre nós por MANUEL ANDRADE/MOTA PINTO,


intenta, da declaração, dar noções mais “objectivadas”, no sentido de menos ligadas à
vontade do declarante.

A declaração que, por erro, não corresponde à vontade real do autor é apenas anulável e
somente quando se conjuguem vários factores – artigo 247.º do CC; pode assim suceder
que sobreviva uma declaração, em termos legítimos, sem que ela corresponda à vontade do
declarante;

A declaração feita por quem, por qualquer causa, se encontrava acidentalmente


incapacitado de entender o sentido dela é apenas anulável e, ainda ai “ desde que o facto
seja notório ou conhecido do declaratário” – artigo 257.º/1;

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A declaração feita com reserva mental é, em princípio, válida, apesar de ser contrária à
vontade real do declarante – artigo 244.º.

No campo negocial, não se trata, apenas, de dar expressão à vontade do declarante;


há, também, que tutelar a confiança das pessoas em certas exteriorizações, mesmo
quando apenas na aparência se mostrem negociais.

Na verdade, a confiança legitima deve ser tutelada, aplicando-se-lhe mesmo, em certa


medida, directamente ou por analogia, as regras sobre negócios jurídicos. Mas ela não deve
ser confundida com as declarações negociais. Pelo que se segue:

O negócio jurídico apresenta-se como uma manifestação da autonomia privada;


nessa medida, ele deve corresponder à vontade autónoma das pessoas: o Direito,
sendo como é uma Ciência, não pode assentar em equívocos ou ficções;

O “negócio jurídico” que se mantenha sem vontade real não é já um verdadeiro


negócio mas, antes, uma manifestação de confiança tutelada.

Deve-se portanto salvaguardar a ideia de declaração como efectiva exteriorização da


vontade humana. E portanto, que seja sempre entendida como uma acção voluntária
que se traduz numa manifestação de vontade com conteúdo negocial.

As declarações podem classificar-se ainda em declarações de vontade e declarações de


ciência, consoante o conteúdo comunicado.
São declarações de vontade aquelas em que se exprime uma intenção. São exemplo de
declarações de vontade, entre outras, a proposta de contrato, a sua aceitação ou repúdio, etc.

São declarações de ciência aquelas em que se comunica a outrem uma asserção sobre a
verdade ou falsidade de algo ou, mais correctamente, em que se exprime um juízo de
realidade (ex: depoimento duma testemunha) (PPV).

3- Tipos de declarações negociais


Declarações expressas e tácitas:

O artigo 217.º do Código Civil distingue as declarações negociais em expressas e tácitas.


A declaração negocial é expressa, na letra da lei, quando é feita por palavras, escrito ou
outro meio directo de manifestação da vontade; é tácita quando se deduz de factos que,
com toda a probabilidade, a revelam.

Todavia, não é assim. Uma comunicação escrita pode conter uma declaração expressa,
com o conteúdo que o seu autor lhe quis directamente imprimir, e também uma declaração

77
tácita com um conteúdo que lhe está implícito. É o que sucede, por exemplo, quando o
vendedor, numa escritura pública de compra e venda de um prédio, declara querer vender
aquele prédio, sem dizer que é seu proprietário. A declaração é expressa no que respeita à
vontade negocial de vender e é tácita no que respeita à afirmação da propriedade do prédio
pelo vendedor.

Por outro lado, as declarações expressas não têm que ser necessariamente verbais e
podem ser simplesmente gestuais, como no caso de licitação em leilão, com um simples
aceno de cabeça, ou o caso da aceitação da proposta oral feita com um aperto de mão.

De uma declaração expressa, que é finalisticamente dirigida à expressão de um certo


conteúdo, pode resultar ainda implicitamente uma outra declaração, esta agora tácita, desde
que, segundo o n.º1 do artigo 217.º, dela se deduza com toda a probabilidade.

A possibilidade, reconhecida por lei, de se formarem negócios jurídicos na base de


declarações tácitas obriga a chamar a atenção para dois factores:

• A natureza formal de uma declaração não impede que ela seja tacitamente
emitida; como dispõe o artigo 217.º/2 do CC, requer-se, então, que a forma
prescrita tenha sido observada quanto aos factos de que se deduza a declaração em
causa.

• A presença, sempre viável, de declarações tácitas não deve conduzir a uma


hipertrofia da vontade: só é legitimo descobrir declarações negociais, ainda que
tácitas, quando haja verdadeira vontade, dirigida aos efeitos e minimamente
exteriorizada, ainda que de modo indirecto.

Segundo o Prof. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS , a classificação dicotómica da


declaração negocial em expressa e tácita pelo Código Civil, não é a mais correcta. Na
verdade a palavra tácito tem o sentido etimológico de silencioso e induz muitas vezes a
confusão entre declaração tácita e o silêncio.

As declarações tácitas correspondem, na realidade, à compreensão do sentido que está


implícito num qualquer comportamento, em termos tais que dele se deduz com toda a
probabilidade. Assim, sempre que aquele a quem foi feita a proposta contratual, sem
que tenha declarado expressamente aceitá-la, dê inicio à execução do contrato proposto,
deduz-se desse comportamento, com toda a probabilidade, que aceitou a proposta. Houve,
portanto, aceitação tácita.

O artigo 234.º do CC, embora se refira, na sua letra, a uma dispensa de declaração de
aceitação, deve ser interpretado no sentido de dispensar apenas uma declaração expressa de
aceitação. A aceitação a que se refere o artigo 234.º do CC é uma aceitação tácita, que se

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traduz, na letra do próprio artigo, numa conduta que mostre a intenção de aceitar a
proposta.

As declarações expressas e tácitas têm em princípio o mesmo valor. Só nos casos em


que a lei o exija é que a declaração tem de ser expressa. Tal sucede, por exemplo, no caso
do casamento ou no caso previsto no artigo 957.º do CC, que exige a declaração
expressa para que o doador se responsabilize pelos vícios da coisa. Quando a lei nada
diga em contrário, as declarações negociais tanto podem ser feitas expressa como
tacitamente.

E, ainda, não deve, confundir-se declaração tácita com inacção ou com ausência de
declaração: a “declaração tácita” é, na verdade, uma “declaração indirecta”,
autonomizada, enquanto tal, numa classificação tradicional. (GALVAO
TELLES/DIAS MARQUES)

O silêncio
O silêncio não deve ser confundido com a declaração negocial tácita. Nesta ultima,
existe um comportamento negocial que tem um sentido que é juridicamente relevante. No
silêncio nada existe. O silêncio é a ausência de uma acção, e logo à inexistência de um fim
e de meios desencadeados para o prosseguir.

Segundo o artigo 218.º, o silencio vale como declaração negocial quando esse valor lhe
seja atribuído:

• Por lei;

• Por uso;

• Por convenção.

No caso da lei, o silêncio opera como um facto jurídico estrito que desencadeia, no entanto,
a aplicação de normas do tipo negocial. Exemplos, de casos em que a lei confere ao
silêncio o valor de declaração negocial são os dos artigos 923.º/2 e o 1163.º, relativos,
respectivamente, à “aceitação” da proposta de venda a contento e à “aprovação” da
execução ou inexecução do mandato.

Podem, também, as partes, por convenção, atribuir ao silêncio o significado que lhes
aprouver e, entre outros, um sentido negocial. Trata-se de um simples exercício da
autonomia privada.

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O silêncio valerá, como declaração negocial quando um uso, devidamente juspositivado
por uma lei, o determine.

No regime legal do arrendamento, por exemplo, o artigo 1054.º, n.º1, do Código Civil,
atribui ao silêncio das partes o efeito de renovação do seu prazo. Num qualquer
contrato pode convencionar-se que o silêncio tenha o valor de aceitação, ou de recusa,
de uma prestação como cumprimento.

Por definição, o silêncio envolve a ausência de qualquer declaração; não pode, por isso,
apresentar forma.

Acaso a própria lei atribua ao silêncio um determinado valor negocial, pode estar implícita
a dispensa de uma forma que, doutro modo, seria requerida.

Mas outro tanto não pode suceder com os usos ou com a simples convenção das partes:
através da concessão de eficácia ao silêncio, não é viável a dispensa das regras formais.
Seria de encarar uma alternativa: a de a própria convenção relativa ao silencia seguir a
forma legalmente prescrita e, depois, também de acordo com essa forma, se constatar a
ocorrência de silencia. Mas assim, tudo apontaria para um negócio tácito.

4- A eficácia da declaração negocial: declarações receptícias e não


receptícias:
A declaração negocial, como declaração de vontade, tem um conteúdo que é dirigido a
outrem: ao declaratário. A declaração negocial pode ter um declaratário específico a quem
é dirigida, ou ser dirigida a uma ou mais pessoas indeterminadas. Quanto tenha um
destinatário especifico chama-se declaração negocial recipienda ou receptícia; quando
não tenha, quando seja feita a uma ou mais pessoas indeterminadas, chama-se
declaração negocial não recipienda ou não receptícia.

Na normalidade dos casos, as declarações que visem integrar um negócio contratual são
recipiendas, ao passo que as atinentes a negócios unilaterais, que se prendem, por definição,
a uma única vontade, operam por si. Mas há excepções: a oferta ao público não tem
qualquer destinatário, por definição e visa, justamente, integrar um conteúdo contratual.

As declarações recipiendas vêem a sua eficácia condicionada pela ligação particular que
visam estabelecer com o seu destinatário. O momento da sua eficácia, tem sido
equacionado com recurso a várias doutrinas, das quais cabe explicar três:

• Teoria da expedição – a declaração recipienda seria eficaz logo que enviada para o
destinatário;

80
• Teoria da recepção – a eficácia ocorria quando ela chegasse ao podes do
destinatário;

• Teoria do conhecimento – exigir-se-ia, para a produção de efeitos, a efectiva


apreensão, pelo destinatário, da declaração que lhe fosse dirigida.

No entanto, estas teorias dão lugar a dúvidas: a teoria da expedição não se justifica
perante uma declaração que, por qualquer razão, nunca chegue ao seu destino; a da
recepção claudica quando uma declaração chegue ao poder do destinatário em termos tais
que não possa ser entendida; a do conhecimento torna-se inexplicável quando a
declaração, tendo chegado ao destinatário em termos cognoscíveis, não seja, por este,
apreendida.

Ponderando todos estes valores em presença, o Código Civil português, apresenta no seu
artigo 224.º, algum entendimento que rodeia a eficácia das declarações negociais:

• A declaração não recipienda torna-se eficaz logo que a vontade do declarante se


manifeste na forma adequada – artigo 224.º/1;

• A declaração recipienda é eficaz:

o Quando chegue ao poder do destinatário (teoria da recepção) ou dele seja


conhecida (teoria do conhecimento) – artigo 224.º/1, primeira parte;

o Quando seja remetida e só por culpa do destinatário não tenha sido


oportunamente recebida (teoria da expedição) – artigo 224.º/1;

o Em qualquer caso, a declaração é ineficaz quando seja recebida pelo


destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida
(relevância negativa da teoria do conhecimento) – artigo 224.º/3.

A doutrina actual explica ainda que “a recepção” implica a chegada da declaração ao


âmbito do poder ou da actuação do destinatário, de modo a que ele possa conhece-la.

Segundo o professor PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, há uma ligação forte entre a


teoria da recepção e do conhecimento, que todavia, não é completa. Chegada ao poder do
declaratário, a declaração é legalmente tida por conhecida. É irrelevante que o declaratário,
que tem em seu poder a declaração, a não leia ou dela não tome conhecimento. Se o não
fizer, a declaração torna-se perfeita e plenamente eficaz.

No n.º2 do artigo 224.º - a declaração torna-se também perfeita e eficaz, quando a


declaração recipienda que só por culpa do declaratário não foi por ele oportunamente
recebida. Esta pratica é vulgar no que respeita a cartas registadas que os seus destinatários
se recusem a receber e acabam por ser devolvidas aos respectivos remetentes. E

81
importante atender a que esta matéria se aplica tanto a declarações negociais como a
declarações não negociais, por força da remissão geral do artigo 295.º.

A questão da recepção não se coloca apenas em relação à simples recepção ou não recepção
da declaração, mas também em relação ao tempo em que ocorra. No n.º2 do artigo
224.º, fala-se expressamente da declaração que só por culpa do destinatário não foi por
ele oportunamente recebida. Segundo a letra da lei, a declaração torna-se eficaz
apesar de, só por culpa do declaratário, ter sido tardiamente recebida.

Temos assim, que ter em atenção duas situações:

o Se a declaração foi enviada, por exemplo, por carta registada, e o destinatário se


recusou a recebe-la e a levanta-la no correio, tendo a mesma sido devolvida ao
remetente, deve entender-se que se tornou eficaz no momento em que deveria ter
sido recebida se não tivesse ocorrido a conduta culposa do destinatário.

o Mas, se a conduta culposa do declaratário não impediu a recepção, mas determinou


o seu atraso, não há razão para adoptar um diferente critério: a declaração deve ser
tida como eficaz, não na data em que veio a ser efectivamente recebida, mas
antes naquele em que o deveria ter sido.

2- A formação dos contratos


Os contratos celebrados entre presentes e entre ausentes
Os contratos entre presentes, não há entre as declarações de vontade das partes, um
intervalo de tempo juridicamente relevante; pelo contrário, nos contratos entre ausentes,
as diversas declarações são separadas por intervalo de tempo donde emergem
consequências jurídicas. O critério é, pois, de ordem jurídica e não geográfica: o
contrato celebrado por telefone entre duas pessoas muito distantes é um contrato
entre presentes, enquanto o concluído presencialmente por celebrantes que, em
momentos diferentes, tenham feito as suas declarações, é entre ausentes.

1- Proposta negocial e convite a contratar


A proposta, em termos formais, pode ser definida como a declaração feita por uma das
partes e que, uma vez aceite pela outra ou pelas outras, dá lugar ao aparecimento de um
contrato.

A proposta contratual, para o ser efectivamente, deve reunir três requisitos essenciais,
apontados nas diversas obras de doutrina:

82
o Deve ser completa;

o Deve revelar uma intenção inequívoca de contratar;

o Deve revestir a forma requerida para o negócio em causa. ( Formalmente


suficiente/adequada).

Deve ser completa, no sentido de abranger todos os pontos a integrar no futuro contrato:
ficam incluídos quer os aspectos que devam, necessariamente, ser precisados pelos
contratantes, por exemplo, identidade das partes, objecto a vender, montante de preço, quer
os que, podendo ser supridos pela lei, através de normas supletivas, as partes entendam
moldar segundo a sua autonomia. Faltando algum elemento e ainda que a outra parte o
viesse a completar, não haveria, sobre ele, o consenso necessário.

Deve revelar uma intenção inequívoca de contratar: não há proposta quando a


declaração do “proponente” seja feita em termos dubitativos ou hipotéticos: a proposta deve
ser firme, uma vez que a sua simples aceitação dá lugar ao aparecimento do contrato, sem
que ao declarante seja dada nova oportunidade de exteriorizar a vontade.

Deve revestir a forma requerida para o negócio em causa: segundo LARENZ, a


proposta deve surgir de tal modo que uma simples declaração de concordância do seu
destinatário faça, dela, um contrato. Ou seja, deve revestir uma forma que satisfaça a
exigência formal do contrato proposto.

Emitida uma proposta contratual e tornando-se esta eficaz, nos termos de algumas das
proposições do artigo 224.º, é importante verificar os termos dessa eficácia e por quanto
tempo deverá ela manter-se.

A eficácia da proposta contratual consiste essencialmente em fazer surgir, na esfera do


destinatário, o direito potestativo de, pela aceitação, fazer nascer o contrato proposto,
constituindo no proponente uma correspondente sujeição.

Esta situação jurídica deve distinguir-se de outras nas quais uma das partes, mercê de
esquemas preexistentes, negociais ou legais, tinha o direito potestativo de forçar outra à
conclusão dum contrato. Estas outras situações , a que Larenz/Wolf chamam genericamente
direitos de opção, surgem na sequência de contratos-promessas, de pactos de preferência ou
de direitos de opção ou de preceitos legais que os estabeleçam, tal como sucede na
preferência legal.

A duração da eficácia da proposta pauta-se pelo dispositivo do artigo 228.º/1 do


Código Civil, nos termos seguintes:

• Se, na proposta, for estipulado um prazo para a aceitação, o proponente fica


vinculado até ao termo desse prazo;

83
• Se, na proposta, for pedida resposta imediata, a vinculação do proponente mantém-
se durante o tempo que, em condições normais, demorem a proposta e a respectiva
aceitação a chegar aos respectivos destinatários;

• Se, na proposta, não for estipulado qualquer prazo, e esta for feita a pessoa ausente
ou feita por escrito a pessoa presente, a vinculação do proponente manter-se-á até
cinco dias após o tempo que, em condições normais, demorem a proposta e a
respectiva aceitação a chegar aos respectivos destinatários.

O Código Civil não avança quanto à determinação concreta do que seja esse tempo que,
em condições normais, a proposta e a sua aceitação demorem a chegar ao seu destino. E, no
entanto, esse período pode variar consoante o meio de comunicação utilizado (deve ser
determinado em abstracto). Será mínimo se for utilizado um meio de comunicação
rápido, por exemplo, o telegrama ou o fax, será maior se se recorrer ao correio, havendo
então que distinguir o tipo de correio (aéreo, terrestre ou marítimo) e a distância.

• Se o proponente nada estipular quanto ao meio de comunicação a utilizar na


resposta, deverá sujeitar-se à demora normal de um meio de comunicação normal, e
não poderá sequer supor que tenha sido utilizado o mais expedito. (PEDRO PAES
DE VASCONCELOS).

MENEZES CORDEIRO recorre, para a determinação do tempo de demora normal da


comunicação da proposta e da aceitação, ao sistema das notificações postais judiciais
dirigidas a advogados, instituído pelo Decreto-Lei n.º 121/76 de 11 de Fevereiro, hoje
contido no artigo do Código de Processo Civil. Segundo este sistema, a recepção presume-
se ocorrida no terceiro dia posterior ao do registo da carta, ou no primeiro dia útil seguinte,
quando aquele seja um domingo ou feriado. Esta presunção pode ser ilidida pelo receptor,
se a recepção ocorrer em data posterior, mas não o pode ser pelo expedidor se ocorrer em
data anterior. Esse mesmo prazo pode ser transposto para as propostas contratuais
remetidas pelo correio: quando o proponente utilizar essa via e pela resposta imediata, uma
eventual aceitação deverá chegar nos seis dias subsequentes, passando o prazo a onze,
quando ele nada diga; em qualquer caso, o prazo que termine em domingo ou feriado
transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

Segundo o Prof. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, este sistema assenta em


circunstâncias e pressupostos que nem sempre se verificam na contratação. Na medida em
que este sistema só poderia ser aplicável, por exemplo, às declarações expedidas por
correio registado que, “condições normais”, é menos demorado do que o correio não
registado. (Ver página 471 do Professor Vasconcelos). “Só no caso, de comunicações
entre comerciantes, transmitidas por correio registado, este sistema poderia ser adequado;
porem, sem suporte legal, não cremos que seja justo impô-lo a pessoas que não podem
razoavelmente prevê-los e contar com ele”.

84
E, ainda, segundo o professor PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, a questão de
eficácia vinculativa da proposta deve ser apreciada em ligação com o dever de boa fé na
contratação, a que se refere o artigo 227.º do Código Civil. O proponente, depois de
formular e expedir a sua proposta, deve aguardar o tempo necessário para que o destinatário
da proposta a possa estudar e lhe possa dar uma resposta. Este tempo não podia ser
determinado com exactidão pela lei e não deve ser a Doutrina a fixá-lo em termos
rígidos.

• O proponente, se quiser beneficiar de certeza e segurança quanto à duração


concreta do tempo da sua vinculação, pode estipular, na proposta, em que termos
e durante quanto tempo se quer manter vinculado ao que propôs. Se não o fizer, não
poderá deixar, em boa fé, de esperar pelas respostas que lhe possam chegar dentro
de uma demora normal, não poderá deixar de se manter fiel à proposta que
formulou durante o tempo que, em termos de normalidade e de boa fé, seja ainda
possível receber uma aceitação.

A duração da eficácia da proposta contratual fica melhor explicitada se se atenuar nos


modos que possam conduzir à sua extinção. Assim, cabe considerar:

• O decurso do prazo - extingue, por caducidade, a proposta atingida. Os prazos


comuns aplicáveis resultam do artigo 228.º/1 e foram, acima, considerados.

• A revogação *;

• A aceitação – faz desaparecer a proposta, promovendo a sua integração no contrato;

• A rejeição – conduz ao mesmo resultado da aceitação, desta feita por renúncia, do


destinatário, ao direito potestativo de aceitar a proposta em jogo;

• Morte ou incapacidade do proponente – havendo fundamento para presumir ser


essa a sua vontade – artigo 231.º/1, ou se tal resultar da própria declaração –
226.º/1;

• Morte ou incapacidade do destinatário – determina a sua caducidade - artigo


231.º/2. Se o proponente quiser, sempre poderá emitir nova proposta, de igual
teor dirigida aos herdeiros do destinatário;

• Por ilegitimidade superveniente do proponente – desde que anterior à recepção


da proposta – 226.º/2.

*A proposta pode ser revogada. O proponente pode ter feito constar da proposta a sua
revogabilidade e o respectivo regime. Trata-se de matéria disponível onde rege a autonomia

85
privada. O n.º1 do artigo 230.º admite a estipulação pelo proponente do regime da
revogação da proposta, como resulta da expressão “salvo declaração em contrário”, com
que tem inicio.

A revogação da proposta é um acto unilateral, praticado pelo proponente, que tem por
conteúdo a extinção da proposta previamente emitida. Em qualquer caso, deve ter-se
presente que a revogação em causa só é possível enquanto não houver contrato;
passada tal marca, haveria já não uma mera revogação da proposta, mas a revogação do
próprio contrato, a qual só é possível, em principio, através de um acordo (distrate).

Segundo o artigo 230.º, a revogação é viável em duas hipóteses:

• Quando o proponente se tenha reservado a faculdade de revogar – artigo 230.º/1;

• Quando a revogação se dê em moldes tais que seja, pelo destinatário, recebida antes
da proposta, ou ao mesmo tempo com esta – 230.º/2.

Uma vez expedida a proposta, o proponente fica, em princípio, vinculado aos seus
termos. Mas, quando a proposta tenha um destinatário, não se justifica que o seu autor
fique vinculado antes ou independentemente de esse destinatário a ter recebido ou dela ter
tido conhecimento. E, portanto a diversidade rapidez dos meios de comunicação permite
que o proponente consiga, porventura, fazer chegar a revogação ao destinatário da
proposta antes mesmo de este a ter recebido ou ter dela tido conhecimento
(retractação), assim sendo, não chega a ser criada na esfera jurídica do destinatário, a
expectativa de contratação e não se justifica a vinculação do proponente.

Nota: no caso do proponente, sem se ter reservado a faculdade de revogar, vir declarar que
a sua proposta se manteria indefinidamente. Quando tal suceda, ele deveria ficar para
sempre sujeito a uma eventual aceitação, que poderia nunca surgir. Por certo que a proposta
feita em tais condições se submeteria à prescrição, no seu prazo ordinário de vinte anos –
artigos 300.º e ss; trata-se contudo, de um prazo ainda demasiado excessivo para que uma
pessoa o deva aguardar, a fim de se liberar de uma proposta que nunca mais obtenha
resposta, numa situação susceptível de bloquear, sem vantagens para ninguém, meios
financeiros, materiais e humanos. Propõe-se assim, a aplicação analógica do artigo 411.º
do Código Civil: o proponente pode solicitar ao tribunal a fixação de um prazo para
que o destinatário aceite ou rejeite; passado tal prazo, segue-se a caducidade da
proposta, nos termos gerais.

O convite a contratar - PEDRO PAIS DE VASCONCELOS


O convite a contratar é uma declaração pela qual uma pessoa se manifesta disposta a
iniciar um processo de negociação com vista à futura eventual conclusão de um
contrato, mas sem se vincular, nem à sua conclusão, nem a um seu conteúdo já

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completamente determinado. É um acto finalisticamente orientado à abertura de um
negócio, não pode ser confundido com proposta contratual e promessa contratual.

No convite a contratar o seu autor mantém uma liberdade que não tem na proposta de
contrato. Pode modificar o conteúdo do projecto contratual inicialmente formulado e
pode a final desistir de contratar. Não tem, também, de ser formulado numa forma que
satisfaça as exigências formais do contrato tido em vista.

A aceitação de um convite a contratar tem como consequência apenas o iniciar de uma


negociação com vista à celebração de um contrato, e vincula as pessoas envolvidas
apenas ao dever de boa fé, nos moldes do artigo 227.º do Código Civil, mas não é
obrigado a contratar. O convite a contratar não constitui portanto, o seu autor numa
sujeição, nem investe a pessoa a quem for dirigido num poder potestativo de aceitar,
provocando a conclusão de um contrato.

E por fim, não é vazio de conteúdo. Fixa, com maior ou menor determinação, o quadro
contratual cuja negociação se propõe. Pode ser dirigido ao publico ou a pessoas
concretamente identificadas, ou ainda a certas classes de pessoas ou a pessoas determinadas
segundo critérios gerais.

Oferta ao público
A oferta ao público é uma modalidade particular de proposta contratual,
caracterizada por ser dirigida a uma generalidade de pessoas.

Como qualquer proposta contratual, a oferta ao publico deve reunir os três requisitos
fundamentais, acima apontados: deve ser completa, deve compreender a intenção
inequívoca de contratar e deve apresentar-se na forma requerida para o contrato a
celebrar.

Há que distinguir a oferta ao publico de certas figuras que, por vezes, lhe parecem
próximas, assim:

O convite a contratar: através de vários meios, as entidades interessadas podem incitar


pessoas indeterminadas a contratar; aí assenta a importante actividade de publicidade; não
há, porém, oferta ao público quando o “convite” não compreenda todos os elementos para
que, da sua simples aceitação, surja o contrato; em regra, o simples convite publicitário
pressupõe negociações ulteriores, das quais poderá resultar uma verdadeira proposta;

A proposta feita a uma pessoa desconhecida ou de paradeiro ignorado: trata-se de uma


proposta comum, com destinatário especifico, por oposição a genérico desconhecendo-se,
porém, a identidade ou o paradeiro deste, há que proceder a um anuncio publico, nos
termos do artigo 225.º;

87
As cláusulas contratuais gerais: embora genéricas, não surgem necessariamente como
proposta e implicam uma rigidez que não enforma, de modo necessário, a oferta ao público.

A oferta ao público tem uma grande importância pratica no moderno tráfego negocial
de massas. Portanto, como proposta genérica, dirigida a todos os interessados, surge como
modo idóneo de proporcionar muitos contratos com um mínimo de esforço e de custos, por
parte dos celebrantes.

A oferta ao público pode ser formulada através de qualquer meio susceptível de demonstrar
uma intenção de contratar, completa e efectiva. Entre os meios mais frequentes contam-
se os impressos remetidos a pessoas indeterminadas, as tabuletas ou a simples
exposição dos bens em montras, acompanhada da indicação do respectivo preço.

O Código Civil não se ocupou, de modo expresso, da oferta ao público, excepto para
regular a sua extinção; segundo o artigo 230.º/3 do Código Civil, “ a revogação da
proposta, quando dirigida ao publico, é eficaz desde que seja feita na forma de oferta ou em
forma equivalente”. Trata-se de um preceito que, pela sua letra como pelo seu espírito, tem
aplicação, também, ao caso do anúncio público da declaração, feito nos termos do artigo
225.º do Código Civil, a proposta a pessoa desconhecida ou de paradeiro ignorado.

Aceitação, rejeição e contraproposta


A aceitação é uma declaração recipienda, formulada pelo destinatário da proposta
negocial ou por qualquer interessado, quando haja uma oferta ao público, cujo conteúdo
exprima uma total concordância com o teor da declaração do proponente.

A aceitação deve assumir duas características fundamentais:


- traduzir uma concordância total e inequívoca;
- revestir a forma exigida para o contrato.

Segundo o Prof. PEDRO PAES DE VASCONCELOS, A aceitação deve obedecer a


três requisitos:

• Conformidade – significa a adesão total e completa à proposta. Uma aceitação


com reservas, limitações ou com modificações não opera a conclusão do contrato,
porque não envolver o acordo negocial. A aceitação deve exprimir uma
concordância pura e simples, um claro sim, uma resposta afirmativa à interrogativa
em que a proposta se traduz.

• Tempestividade – é uma consequência da limitação do tempo da vinculação do


proponente. O proponente pode estipular, ou não, na proposta, qual é o tempo pelo
qual se pretende vincular. A aceitação deve tornar-se perfeita, como declaração,
antes de ter cessado a vinculação do proponente. O proponente, ao vincular-se com

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a proposta, fica constituído numa sujeição, à qual corresponde, na esfera jurídica
do destinatário da proposta, a um poder potestativo de aceitar a proposta. A
aceitação só é tempestiva se se tornar perfeita enquanto se mantiver a sujeição do
proponente. Passado esse tempo, cessa a sujeição do proponente e também o
poder potestativo do destinatário de aceitar a proposta.

• Suficiência formal – se o negócio projectado estiver sujeito a uma exigência


especial de forma, por lei ou por estipulação, a aceitação terá de revestir uma
forma que seja, pelo menos, suficiente para o contrato se poder concluir.

A aceitação pode ser expressa ou tácita. O artigo 234.º do CC, sob a epigrafe, dispensa
da declaração de aceitação, prevê que a aceitação possa ser feita através de uma conduta
que mostre a intenção de aceitar a proposta. Este artigo exige expressamente que tenha
havido um comportamento do qual se deduza a aceitação. Este comportamento é uma
declaração tácita. É muitíssimo frequente, por exemplo, o fornecimento ou um serviço, em
vez de dizer expressamente que aceita faze-lo, dê logo execução à encomenda. A execução,
nestas circunstancias, constitui aceitação tácita da proposta.

Em suma: não chega, uma aceitação apenas sobre o “essencial” da proposta. Tem de haver
acordo sobre todos os problemas/pontos que qualquer das partes queira suscitar.

Sendo uma declaração recipienda, dirigida ao proponente, que se torna perfeita, nos termos
do artigo 224.º do CC, quando chega ao poder do proponente ou é por ele conhecida.
Operando nos termos desse preceito, pode suceder que a aceitação comece a produzir os
seus efeitos apenas quando a proposta já não tenha eficácia: haverá, nos termos do artigo
229.º, uma recepção tardia da aceitação.

Quando isso suceda não há, de imediato qualquer contrato. A conclusão de um negócio
contratual exige que a proposta e a aceitação se encontrem em plena eficácia.

Assente este ponto, determina o artigo 229.º, a distinção que segue:

• A aceitação foi expedida fora de tempo: o proponente nada tem a fazer, se quiser o
contrato; se pretender a sua celebração, terá de fazer nova proposta;

• A aceitação foi expedida em tempo útil: o proponente deve avisar o aceitante de que
não chegou a concluir-se qualquer contrato, sob pena de responder pelos prejuízos;
se pretender o contrato, basta-lhe considerar a aceitação tardia como eficaz.

O artigo 229.º só prevê expressamente o dever de informação no caso em que o


contrato se não concluiu em consequência da recepção tardia da aceitação.

O dever de informação resulta, em termos gerais, do dever de boa fé na contratação que


está expressamente previsto no artigo 227.º. cada interveniente na contratação deve

89
informar o outro sobre tudo o que nas circunstâncias do caso se mostrar relevante para
evitar que sofra danos. A expressa menção do dever de informar, no artigo 229.º, torna
claro que esse dever existe no caso em que, ao contrário da expectativa do aceitante, o
contrato se não concluiu.

Uma vez emitida, a aceitação pode ser revogada, nos termos do artigo 235.º/2: a
declaração revogatória deve chegar ao poder do proponente, ou ser dele conhecida,
em simultâneo com a aceitação ou antes dela. Trata-se, como se vê, de um esquema similar
ao da revogação da proposta, artigo 230.º/2.

A concluir, registe-se que o contrato se tem por celebrado no momento em que a recepção
se torne eficaz e no lugar da recepção desta. Celebrado o contrato, desencadeiam-se os
efeitos nele previstos. E assim, o próprio contrato pode fixar o momento do inicio dos seus
efeitos.

Ver também a “aceitação parcial”, presente no ponto da “Contraproposta”

Rejeição
Perante uma proposta contratual, o destinatário dispõe da alternativa de a rejeitar.

A rejeição é um acto unilateral recipiendo pelo qual o destinatário recusa a proposta


contratual, renunciando ao direito a que dera lugar. Nos termos gerais, a rejeição pode ser
expressa ou tácita; assim que ela se torne eficaz, extingue-se a proposta contratual. Tal
como a proposta e a aceitação, a rejeição pode ser revogada, sendo, por consequência,
substituída pela aceitação, desde que a competente declaração chegue ao poder do
proponente, ou dele seja conhecida, ao mesmo tempo que a rejeição, artigo 235.º/1, do CC.

A aceitação da proposta com “… aditamentos, limitações ou outras modificações…implica


a sua rejeição” – artigo 233.º, I parte. De facto, a aceitação deve traduzir uma total
aquiescência quanto à proposta; qualquer alteração introduzida nesta pelo destinatário
bloqueia a imediata formação do contrato: trata-se de um ponto sobre o qual não houve
o consenso de ambas as partes.

Contraproposta
O artigo 233.º, II parte, dispõe que “… se a modificação for suficientemente precisa,
equivale a nova proposta…”. Trata-se da contraproposta, ou proposta formulada pelo
destinatário de uma primeira proposta contratual.

A contraproposta é, para todos os efeitos, uma proposta contratual, que tem apenas
como particularidade o implicar a rejeição de uma primeira proposta, de sinal contrário.

90
A lei exige, que ela seja “…suficientemente precisa…”. O requisito deve ser
complementado: a contraproposta deve ser completa, deve traduzir a intenção inequívoca
de contratar e deve assumir a forma requerida para o contrato de cuja celebração se
trate. Todas as demais regras atinentes à proposta, e já examinadas, têm aqui
aplicação directa.

A aceitação parcial não dá azo nem ao contrato nem a uma contraproposta.


Efectivamente, o contrato só se considera celebrado quando as partes cheguem a acordo
sobre todas as cláusulas ou matérias que alguma delas tenha suscitado. Uma aceitação
“parcial” diz-nos: que não há acordo sobre toda a matéria da proposta e que, no
remanescente, nada de concreto é contraposto.

Natureza das declarações contratuais


Segundo MENEZES CORDEIRO, o tema da natureza das declarações contratuais tem
dado azo a viva discussão nas diversas doutrinas.

Julga poder-se defender a proposta contratual como um negócio jurídico unilateral, pelo
menos sempre que o contrato visualizado pelo proponente tenha natureza negocial. Quando
tal não suceda, a proposta será um acto jurídico stricto sensu. Pelo que segue:

• A proposta é eficaz: produz efeitos de direito e, designadamente, faz surgir, na


esfera do destinatário, o direito potestativo à aceitação: é um facto jurídico lato
sensu;

• A proposta é livre: o proponente formula-a se quiser, actuando ao abrigo da sua


autonomia privada; há liberdade de celebração, pelo que a proposta se articula como
um acto jurídico lato sensu;

• O conteúdo da proposta é, igualmente, livre: o proponente pode inserir na


proposta as clausulas que entender; há liberdade de celebração, surgindo, límpido,
um negócio jurídico. Segundo a posição da Regente, esta perspectiva de
MENEZES CORDEIRO leva ao seu extremo mais longínquo, na medida em
que, não se pode tutelar apenas uma das partes, ambas tem que ter Liberdade de
Celebração, senão estaríamos perante uma declaração não negocial.

Perante uma proposta o destinatário apenas poderia aceitá-la ou rejeitá-la: a sua


liberdade restringir-se-ia à celebração.
Deve, no entanto, atentar-se em que a aceitação/não aceitação não esgota as opções
do destinatário da proposta. Este pode rejeitar, nada fazer ou contrapropor.
Conserva pois, intacta, a liberdade de estipulação.

A aceitação é, assim, em conjunto com a rejeição e a (contra)proposta, um negócio

91
unilateral.

Actos preparatórios na contratação


Os actos preparatórios, podem definir-se como todos aqueles que, inserindo-se pelo seu
objectivo no processo de formação do contrato, não possam reconduzir-se à proposta, à
aceitação ou à rejeição.

Os actos preparatórios podem ser:

• Materiais – consoante se analisem em simples modificações do mundo material,


por exemplo, é preparatório o acto que se traduza na aprontar duma sala de reunião.
Entre os actos preparatórios materiais incluem-se, como categoria
autonomizável, os contratos preliminares: neles, as partes procuram conhecer-se e
indagar a possível negociação dos seus interesses.

• Jurídicos – implicam actividades de puro significado jurídico, por exemplo, a


celebração de um pacto quanto à forma do futuro e eventual contrato. E, ainda,
os actos preparatórios jurídicos dizem-se vinculativos ou não-vinculativos
conforme obriguem, ou não, as partes a práticas ulteriores. Por exemplo, é
vinculativo o contrato-promessa, enquanto a proposta de qualquer pacto
preparatório não adstringe, por si, as partes, a qualquer conduta.

É importante, no tocante aos actos preparatórios ter em conta dois princípios:

• Liberdade contratual – liberdade de escolha dos parceiros com quem queiram


celebrar o negocio. Mantêm-se durante toda a fase do contrato.

• Necessidade de comportamento segundo o princípio da boa fé – artigo 227.º do


CC.

Ainda no campo dos actos preparatórios, podem surgir diversos contratos instrumentais, ou
seja, contratos que não visam regular de modo directo o conteúdo que integrará o convénio
definitivo. Entre os contratos preparatórios instrumentais expressamente previstos ou
pressupostos na lei, cabe referir:

• A convenção das partes sobre a forma do futuro e eventual contrato – artigo


223.º;

• A convenção das partes sobre o valor do silencio – artigo 218.º;

92
• A convenção das partes sobre o prazo de subsistência de eventuais propostas –
artigo 228.º/1, a);

• O contrato-promessa ou contrato pelo qual as partes se obrigam a celebrar o


contrato definitivo – artigos 410.º e seguintes;

• O pacto de preferência ou contrato pelo qual umas das partes se obriga a,


quando contratar, fazê-lo preferencialmente com a outra, desde que esta
acompanhe a oferta de um terceiro – artigos 414.º e seguintes.

A matéria do contrato-promessa e do pacto de preferência é tratada em Direito das


Obrigações.

Existem outros contratos preparatórios, de tipo instrumental, que embora não


consagrados expressamente na lei civil, têm um relevo prático marcado. Tal ocorre
com o contrato de opção, pelo qual uma pessoa, querendo, pode provocar o aparecimento
dum contrato predeterminado. Neste sentido, a opção não se confunde com a preferência,
onde o contrato a celebrar depende da proposta feita pelo terceiro.

E assim sucede, também, com o concurso para a celebração um contrato.

O concurso para a celebração dum contrato


O concurso para a celebração dum contrato corresponde a um ou mais actos jurídicos
destinados a promover o aparecimento de uma pluralidade de interessados na conclusão
dum contrato e, depois, a facultar, por escolha, a selecção dum deles, para a celebração em
causa. São, pois, elementos essenciais deste acto preparatório a existência de pluralidade
de interessados e, depois, a escolha.

Os concursos podem classificar-se como:

Abertos ou fechados – consoante se podem concorrer ou não todas as partes interessadas


em fazer parte do concurso;

Concurso de natureza contratual – todos os envolvidos num processo contratual,


directamente ou a titulo de potenciais interessados, acordam previamente os termos a seguir
na contratação, fixando as regras para encontrar os contratantes definitivos.

Concurso unilateral – apenas o seu dono procede à competente abertura e aprova os seus
termos.

A existência de concurso para a celebração dum contrato pode visar razoes distintas
embora, com frequência inseparáveis. Assim:

93
• A escolha do parceiro mais idóneo – dada a complexidade das sociedades
técnicas, a pessoa interessada em contratar não conhece, muitas vezes, os potenciais
parceiros;

• O aproveitamento dos mecanismos da concorrência – ao abrir um concurso, o


interessado dirige-se aos potenciais contratantes; estes, para arrematar o lugar, vão
oferecer melhores condições, procurando ultrapassar-se uns aos outros;

• A procura da melhor gestão: por vezes, o dono do concurso não tem ideias
assentes quanto ao próprio contrato a celebrar; os interessados são levados a
concorrer apresentando propostas globais, por exemplo, para a recuperação duma
empresa; resulta, dai, uma busca de melhor gestão, que transcende o mero universo
contratual;

• A legitimação da escolha – para a celebração dum contrato, a legitimidade material


advém da autonomia privada; pode-se, porém, ir mais longe: se a celebração dum
contrato for precedida dum concurso, ficará a ideia, na comunidade jurídica, não só
de que havia o direito de celebrar tal contrato mas, também, de que foi, para
contratante, escolhido o melhor.

Seja qual for o seu objectivo, o concurso para a celebração dum contrato comporta
várias modalidades, em função de diversos critérios:

• Consoante o contrato em jogo e que poderá vir a ser celebrado, o concurso será
administrativo, civil ou comercial, para compra, para empreitada ou outro tipo
contratual ou, noutro prisma, para aquisição de moveis ou de imóveis ou para
obtenção de serviços.

• Em função dos destinatários, isto é, das pessoas que nele poderão participar, há
contraposições relevantes, pois, o concurso poderá ser internacional, europeu,
nacional, regional, local, concelhio, etc. Importante, também, é a clivagem entre
concursos indiferenciados e especializados: os primeiros dirigem-se a qualquer
interessado, enquanto os segundos visam, apenas, interessados com certas
habilitações.

E, ainda, surge a contraposição entre o concurso público e o concurso limitado: ao


concurso público podem apresentar-se quaisquer interessados que reúnam as condições
genericamente referidas no próprio termo de abertura do concurso; ao concurso limitado
apenas se podem apresentar as entidades especialmente convidadas, pelo autor do concurso,
a fazê-lo.

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O concurso para a celebração do contrato, figura genericamente atípica, não deve
confundir-se com os concursos previstos no artigo 463.º. Na busca do regime aplicável
ao concurso para a celebração do contrato, há que proceder a considerações diversas.

Assim sendo, o regime do concurso comporta varias hipóteses:

• O concurso pode ser indicativo ou vinculativo, de acordo com a sua finalidade: a


de construir, apenas, uma fonte de informações para o autor do concurso ou, pelo
contrario, o de se integrar com efectividade num processo tendente à formação dum
contrato;

• O concurso pode assumir-se, desde logo, como proposta ou como solicitação


conforme, dos seus termos, resulte o aparecimento do contrato logo que algum
interessado preencha certas condições ou, pelo contrário, os interessados se limitem
a apresentar propostas, que o autor do concurso deverá, depois, aceitar um certo
condicionalismo.

Acordos de cortesia e acordos de cavalheiros


Acordo de cortesia – corresponde ao convénio relativo a matéria não patrimonial e que
releve do mero trato social. Ele poderá recair sobre a hora e o local dum encontro, sobre
questões protocolares ou sobre outros ajustes convenientes para um convívio agradável,
dentro e fora da contratação jurídica.

• O acordo de cortesia não se distingue do contrato (apenas) por as partes o terem


colocado fora do Direito: ele recai, antes, sobre uma matéria que, não tendo
conteúdo patrimonial, não releva para o Direito.

O acordo de cavalheiros - é um convénio que as partes pretenderam colocar fora do


campo do Direito. Pode, teoricamente, recair sobre quaisquer assuntos, patrimoniais e
pessoais: tem apenas a particularidade de assentar na palavra dada e na honra de quem a dê.

O acordo de cavalheiros, desde que, naturalmente, se trate mesmo de cavalheiros (ou de


senhoras: a expressão “cavalheiro” não tem qualquer conteúdo sexista), é mais
adstringente do que qualquer vínculo jurídico.

• Basta ver que um contrato pode, em certos casos previstos na lei, não ser cumprido;
ora o cavalheiro honrará sempre a palavra dada, quaisquer que sejam as
circunstâncias e o preço. Mas não é Direito.

Põe-se o problema se saber se, ao concluir um acordo de cavalheiros, as partes podem


abdicar, desde logo, de qualquer protecção jurídica. Não podem, a não ser no plano

95
do cavalheirismo. Visto o disposto no artigo 809.º, as obrigações naturais só são possíveis
nos casos admitidos por lei.

• Alem disso funcionam numerosas outras regras, como a nulidade das obrigações
indetermináveis, artigo 280.º/1; a proibição de doas bens futuros, artigo 942.º/1 ou
a possibilidade de fixar prazos às obrigações, artigo 777.º/1. Assim:

• O acordo de cavalheiros – pelo qual alguém compra um automóvel pagando ao


vendedor o preço que entender justo ou é nulo – artigo 280.º/1 – ou encontrará um
preço fixado nos termos do artigo 883.º/1;

• O acordo de cavalheiros – pelo qual alguém empresta uma quantia a outrem que
este pagará quando puder será cumprido nos termos do artigo 778.º;

• O acordo de cavalheiros - pelo qual as partes irão celebrar certo contrato: ou


satisfaz os requisitos de forma e de substância do contrato-promessa e vale como
tal, ou não existe.

Questão diferente da juridicidade do “acordo de cavalheiros” é o facto de a grande


maioria dos contratos se cumprida numa base de “cavalheirismo” e não de
juridicidade. No dia-a-dia, as pessoas realizam inúmeros actos jurídicos, assumindo as
correspondentes obrigações. Nessa tarefa, elas executam-se simplesmente porque deram
a sua palavra e querem honrá-la. Se fosse necessário recorrer à justiça do Estado para
pôr em prática tais obrigações, o sistema entrava em colapso, porque muitas da
obrigações em jogo, embora jurídicas, são indemonstráveis: não há escritos e não há
testemunhas.

Em suma: o acordo de cavalheiros deixará de o ser se os interessados não se


comportarem como tal.

5- Processos de contratação; em especial a contratação por meios


informáticos

A contratação através de autómato ou de computador


Desde o princípio do século XX têm vindo a desenvolver-se dispositivos automáticos que,
mediante a introdução de dinheiro, distribuem determinados bens aos seus utentes.

Duas teorias degladiam-se, neste momento, quanto à “actividade jurídicas” dos


autómatos:

• A teoria da oferta automática;

• A teoria da aceitação automática.

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Segundo a teoria da oferta automática, comum até há pouco tempo, a simples presença
de um autómato pronto a funcionar, mediante adequada solicitação feita por um utente,
deve ser vista como uma oferta ao público: accionando o autómato, o utente aceitaria
a proposta genérica formulada pela entidade a quem fosse cometida a programação.

A teoria da aceitação automática, preconizada por MEDICUS, coloca o problema em


termos inversos. Explica esse Autor que o simples accionar do autómato, por exemplo,
através da introdução de uma moeda, não provoca necessariamente a conclusão do
contrato; tal só sucederá se o autómato não estiver vazio, isto, se se encontrar em
condições de fornecer o bem solicitado. Por consequência, o contrato só se concluiria
através do funcionamento do autómato, cabendo ao utente a formulação da proposta. A
instalação prévia do autómato representaria, tão-só, uma actividade preparatória.

Perante estes princípios clássicos de automação, a presença de um autómato


constituiria uma autêntica oferta ao público. A pessoa responsável pelo autómato
disfrutaria, ao programá-lo, de liberdade de estipulação, podendo propor o que entender;
pelo contrário, o utente apenas poderia aceitar ou recusar a “proposta” automática,
colocando-se numa posição semelhante à de aceitante. Acresce ainda que o autómato não
tem liberdade de decisão para aceitar ou recusar uma proposta: as opções competentes
foram feitas pelo programador e só por este podem ser alteradas. A última palavra seria só
utente, num paralelo claro com a aceitação.

Mas segundo MENEZES CORDEIRO, esta orientação, constitui, tão-só, um ponto de


partida.

Um autómato pode ser programado para responder a solicitações distintas, por forma
adaptada a cada uma delas. Mas a situação complicar-se-ia quando a “oferta” fosse
ilimitada, podendo o autómato corresponder a inúmeras solicitações dos utentes: nesta
altura, a estes caberia a iniciativa, limitando-se o autómato a aceitar ou a recusar.

No limite, o autómato é programável para tomar decisões, sendo ainda perfeitamente


concebível um negócio “celebrado” entre autómatos, entre computadores, devidamente
programados para o efeito.

Assim sendo, o autómato reproduz a vontade do seu programador ou da pessoa a quem as


actuações deste sejam imputáveis. Nessa medida, a declaração feita através do autómato
pode ser proposta ou aceitação ou, mais genericamente, pode ser de qualquer tipo,
consoante a vontade dos programadores.

Parece então, melhor entender este processo de contratação como não sendo típico do
tipo proposta-contrataçao. É muito claro que quem coloca a máquina ao alcance do
publico está a oferecer ao publico os produtos ou serviços que o funcionamento da
máquina for capaz de possibilitar. Ao fazê-lo não está, pelo menos, na normalidade dos

97
casos, a reservar-se a faculdade de contratar ou não, e muito menos a admitir a
possibilidade de contrapropostas. A objecção de que a máquina pode esgotar o seu
conteúdo e de que o seu funcionamento pode ser perturbado por uma avaria deixa de ter
importância se se entender, como deve, que a oferta está limitada às mercadorias
existentes na máquina e que é feita nos moldes do seu bom funcionamento.

A contratação por meios electrónicos ou por Internet


A contratação por meios electrónicos ou através da Internet não se confunde, em si,
com a efectuada através de autómato ou de computador, embora, por vezes, lhe seja
associada.

Este tipo de contratação, tem sido enquadrado com recurso ao Direito vigente. Assim,
a declaração de vontade feita por computador ou por meios de comunicação electrónica
vale como tal. E naturalmente, terão aplicação as regras referentes ao erro e ao dolo, nas
declarações.

A contratação pela Internet conheceu uma evolução que cumpre referenciar, na medida em
que, o computador é programado de tal modo que, ele próprio, recebe a processa a
declaração do interessado, estando em condições de a aceitar. Temos uma declaração do
computador ou automatizada. O exemplo mais paradigmático é o das livrarias
electrónicas que, de modo automático, negoceiam livros. A declaração electrónica é
imputável à pessoa que programou ou mandou programar o computador.

Mas põe-se, essencialmente com esta questão da contratação pela Internet, o problema
da prova das declarações de vontade automáticas.

(Ver página 586 E 587 do MENEZES CORDEIRO, sobre o Decreto –Lei


n.º 413/2001. De 26 de Abril)… sobre a contratação por via Internet.

Consenso
O momento em que o contrato se conclui é de grande importância. É relevante para a
determinação do tempo e do conteúdo do contrato. A partir do momento da conclusão, as
partes ficam vinculadas nos seus termos e nada mais existe para negociar, para propor ou
contrapropor: o contrato está completo, o seu conteúdo está fixado.

O contrato conclui-se, segundo a regra do artigo 232.º do Código Civil, no momento em


que as partes chegarem a acordo acerca de cada uma das questões que qualquer uma delas
tenha suscitado e sobre as quais tenha considerado necessário o consenso.

O dissenso

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Se as partes em negociação não chegarem a acordo sobre uma que seja das questões sobre
as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo, o contrato não se conclui. Houve
dissenso entre as partes.

O dissenso é o contrário ou a ausência de consenso. Enquanto subsistir algum dissenso


não há consenso nem se dá a conclusão do contrato.

Há que distinguir consoante o dissenso é definitivo ou não.

• Enquanto a negociação se mantém, existe dissenso, mas ele é entendido pelas


partes como provisório e como destinado a ser removido. A negociação pode,
todavia, frustrar-se definitivamente, quando as partes cheguem à conclusão de que
não chegarão a acordo e interrompem definitivamente as negociações. Neste caso o
dissenso é definitivo e corresponde à desistência das partes em relação à
conclusão do contrato. Quando assim suceda, cessa a relação de negociação entre
as partes e os correspondentes deveres de boa fé pré-negocial.

Há que distinguir ainda consoante o dissenso é patente ou oculto.

• O dissenso é patente sempre que as partes têm dele consciência. Seja enquanto as
negociações se mantêm, seja depois de se frustrarem, as partes sabem que não estão
ainda de acordo, ou que definitivamente esse acordo não será alcançado.

• O dissenso é oculto quando as partes estão falsamente convencidas de terem


alcançado o acordo sobre o contrato sem que todavia assim tenha sucedido.

o O dissenso oculto resulta normalmente de três circunstâncias: do


deficiente entendimento de expressões ditas na contratação oral, da
utilização de expressões equivocas no contrato, ou da desconformidade ou
não correspondência entre as declarações das partes.

Exemplos:

• O deficiente entendimento de expressões ditas na contratação oral – por


exemplo, pode suceder que uma das partes não tenha ouvido, ou tenha ouvido mal,
uma ou mais palavras da outra e tenha dado o seu acordo a uma proposta ou a uma
contraproposta sem que com ela estivesse verdadeiramente de acordo. O mesmo
pode suceder sempre que uma declaração correctamente expedida, seja
deficientemente recebida pelo destinatário em termos tais que ele a tenha
entendido com um sentido diferente. Tal pode suceder em comunicações
electrónicas ou cifradas.

• A utilização de expressões equívocas no contrato – é o caso por exemplo, de um


contrato celebrado entre um francês e um suíço com o preço estipulado em francos,

99
que uma das partes entende como francos franceses e a outra como francos suíços.
Ambas as partes pensam ter alcançado o consenso sem que assim tenha
verdadeiramente sucedido.

• A desconformidade ou não correspondência entre as declarações das partes -


Um caso como este sucede quando ambas as partes interessadas no fornecimento de
certa mercadoria chegam a acordo sobre o preço, sem dizerem se querem comprar
ou vender, e ficam ambas convencidas de que venderam a mercadoria. Não houve
efectivamente consenso, proque ambas queriam vender e nenhuma delas
comprar.

O dissenso oculto não se confunde com o erro. Não há falsa percepção da realidade,
porque as partes estão esclarecidas sobre o contrato, mas quiseram e disseram algo que era
diferente, embora disso se não tenham apercebido.

E finalmente, o regime aplicável não é o da invalidade, que seria o consequente do


erro, mas sim o da inexistência do contrato.

100
3- A forma das declarações negociais
1- Forma e formalidades; forma ad substantiam e ad
probationem
Os negócios jurídicos são acções juridicamente relevantes que assumem uma exterioridade
que vai para além de uma mera vontade ou intenção interior. E, portanto um negócio
jurídico, para além de toda a competente de vontade negocial, carece de ser manifestado,
de ser exteriorizado de modo a tornar-se reconhecível por outrem, para além do seu
autor.

A forma é, assim, o modo de exteriorização do acto ou do negócio jurídico, o modo como


ele se torna aparente e reconhecível pelas pessoas perante quem se destina a vigorar.

Pode, assim, dizer-se que não há negócios jurídicos sem forma. Sem um mínimo de
forma, não haveria exteriorização do negócio, e ele não seria reconhecido.

O princípio geral aqui presente, é o princípio de liberdade de forma, também designado


regra da consensualidade: os negócios consubstanciam-se logo que a vontade seja
exteriorizada em termos bastantes e se torne eficaz, independentemente da forma por que
tal sucede, este é o conteúdo do artigo 219.º do CC.

Mas, pode acontecer, que a lei exija forma especial, estamos assim, perante um negócio
formal, este será não o que tenha uma certa forma, pois todos o têm, mas o que requeira
uma forma especial.

Da forma há que distinguir:

Forma legal – é aquela que é exigida por lei. A regra, segundo o artigo 219.º do CC, é a da
liberdade de forma. Todavia a lei exige com alguma frequência que os actos e negócios
jurídicos adoptem uma forma especial. As exigências legais de forma, são contrapostas à
regra do artigo 219.º, são geralmente consideradas excepções;

Forma qualificada – a lei não exige adopção de forma especial, mas exige no entanto,
certas menções;

Formalidade do negócio – as formalidades, são actos ou factos complementares cuja


satisfação ou verificação são exigidas para a prática do acto ou para a celebração do
negócio, mas que dele não fazem parte. Estas formalidades podem ser anteriores,
concomitantes ou posteriores à celebração do negócio:

• São anteriores, por exemplo, as publicações prévias à celebração do casamento,


exigidas nos artigos 1610.º e seguintes do CC;

101
• são concomitantes, por exemplo, na celebração de um contrato por escritura
publica, a verificação pelo notário da identidade dos outorgantes, a leitura em alta
voz do respectivo texto e a explicação do seu conteúdo;

• são formalidades posteriores, por exemplo, a aprovação do testamento cerrado,


nos termos do artigo 108.º do Código do Notariado.

No entanto estas formalidades, não exprimem a vontade negocial em si.

As regras jurídicas sobre a forma não devem ser aplicadas, sem mais, às
formalidades. Na celebração, por exemplo, de um contrato promessa de compra e venda de
uma casa de habitação, o n.º3 do artigo 410.º do CC exige o reconhecimento presencial da
assinatura do promitente e a certificação pelo notário da existência da respectiva licença de
utilização ou construção. Tanto o reconhecimento da assinatura como a verificação da
licença, são meras formalidades que não devem ser confundidas com a forma do
contrato, que é a forma escrita.

Tal como a falta de forma, a preterição de formalidades exigidas por lei pode ter como
consequência a nulidade, não já por força do artigo 220.º do CC, mas antes do seu artigo
294.º. O negocio celebrado com preterição de formalidades injuntivamente exigidas por lei
é ilegal e, como tal, em principio, nulo.

E, finalmente a tradição jurídica distingue entre forma ad substantiam e ad


probationem

O critério de classificação encontra-se na consequência da sua falta ou do seu


desrespeito.

• A falta de forma, ad substantiam, acarreta a nulidade do negócio, é a forma exigida


pelo Direito;

• A falta de forma ad probationem, acarreta como consequência a impossibilidade de


prova: o acto só pode ser provado com aquela forma ou revestido de uma forma
mais solene. Requerer-se, então, para demonstrar a existência do negocio.

Em regra, as exigências legais de forma são ad substantiam. Esta conclusão retira-se do


artigo 220.º do Código Civil que comina, em princípio, com nulidade o desrespeito pela
forma exigida por lei. Admite, porem, que outro regime seja fixado em preceito especial.

Do artigo 364.º do CC resulta que a forma pode ser exigida por lei “apenas para prova
da declaração”. Nesse caso, a sua falta não é causa de nulidade, mas apenas de
dificuldade de prova. Sem a forma ad probationem, o negócio é válido mas não pode ser
provado, a não ser por um meio mais solene, com força probatória superior, ou por
confissão.

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2- Liberdade de forma e justificação das exigências de forma
O Direito exige, para certos negócios, formas especiais, num desvio ao princípio básico da
consensualidade, inserido no artigo 219.º do CC. As exigências legais de forma são de
ordem publica e têm por função acautelar interesses relevantes.

E, fundam-se principalmente em:

• Razoes de solenidade;

• Razoes de reflexão;

• Razoes de prova.

A solenidade prende-se com a publicidade de determinados actos, isto é, com o acto e o


efeito de os dar a conhecer ao publico.

A reflexão tem a ver com a gravidade que, para os contratantes, possam ter certos negócios
que eles celebrem ou venham a celebrar; tais negócios não devem, deste modo, ser
produzidos de ânimo ligeiro. A exigência de forma, facultaria essa reflexão.

A prova liga-se à demonstração da ocorrência dos factos.

No entanto, MENEZES CORDEIRO, considera estas justificações duvidosas:

• A publicidade jurídica é, hoje em dia, assegurada por institutos próprios,


especializados, a tanto dirigidos; em termos espontâneos, ela opera através da posse;
de modo racionalizado, ela manifesta-se pelo registo ou por determinadas
publicações obrigatórias.

• A reflexão pode ser propiciada pela forma de certos negócios; mas não necessária,
nem suficientemente;

• A prova, por fim, pouco ajuda. Os negócios vitimados por falta de forma são, por
vezes, de prova imediata. As dificuldades de prova põem em causa a própria
ocorrência do negócio; não a sua validade.

Portanto segundo o Prof. MENEZES CORDEIRO, não se pode, em definitivo, abdicar


de “razoes justificativas de forma especial”, uma vez que a própria lei para elas remete, por
exemplo, artigos 221.º/2 e 238.º/2, ambos do Código Civil. Mas tais razões não podem ser
entendidas em termos efectivos e racionais: antes, tão-só, em termos tendenciais e
históricos.

3- A interpretação das regras relativas à forma; inalegabilidades


formais

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A interpretação-aplicaçao das regras relativas à forma coloca particulares questões que
devem ser referenciadas:

• O Direito aplica, à inobservância da forma legalmente prescrita, a sanção máxima


da nulidade – artigo 220.º;

• A manutenção, nos actuais quadros civis, da categoria dos negócios formais é uma
fonte de desconexões e de injustiças, em termos materiais.

Torna-se possível detectar, no Direito vigente, vários esquemas tendentes a


amenizar as regras formais, em nome das injustiças a que elas podem conduzir,
desde modo:

• Segundo o artigo 221.º/1 e 2, em várias hipóteses podem surgir, válidas,


cláusulas acessórias que não assumam a forma legalmente exigida para o
negócio; o próprio CC intenta, assim, restringir o âmbito de aplicação das regras
formais;

• Segundo o artigo 238.º/1 e 2, é possível retirar, de um negócio formal, um


sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo
documento, ainda que imperfeitamente expresso ou, em certas condições, um
sentido que nem com esse mínimo coincida; de novo as regras formais perdem,
por expressa injunção legal, em área de aplicação;

• Segundo o artigo 293.º, torna-se possível converter um negocio nulo por falta
de forma num outro formalmente menos rigoroso, desde que verificado
determinado circunstancialismo.

Também importante no que toca ao levantamento de valorizações legais que


restrinjam o formalismo negocial é o esquema da execução específica do contrato-
promessa, artigo 830.º; através dele, verifica-se que, da simples celebração de um
contrato-promessa que, geralmente, tem regras formais mais leves do que as do
competente contrato-definitivo, pode resultar uma solução final em tudo semelhante à
propiciada por um negócio formal, sem que a competente forma tenha sido observada.

Tal estado de coisas, acrescido ao facto de vigorar, com clareza, um princípio geral de
consensualismo permite concluir que, pelo menos, as regras que imponham formas
devem ser interpretadas sem extensões nem analogias, nos precisos termos impostos
pelas leis que as estabeleçam.

A doutrina nacional tem sido sensível à hipótese de deter certas alegações de


nulidades formais com recurso ao abuso do direito. Na verdade, a aplicação das
regras relativas à forma não pode, de modo directo, ser bloqueada. Mas havendo abuso,

104
podem seguir-se-lhe aplicações de outras regras que previnam danos, evitando
injustiças. Quem dê azo a uma nulidade formal e a alegue, perpetra um facto ilícito:
atenta contra a boa fé. Verificados os competentes requisitos, deve indemnizar, artigo
483.º/1, sendo certo que a indemnização será, em principio, natural ou especifica,
artigo 566.º/1. A titulo indemnizatório, o alegante de nulidades formais poderá ser
condenado a suprir o vicio, validando o negocio; quando inacatada, esta obrigação
poderia ser executada especificamente, pelo tribunal. No limite, poderá surgir uma
relação de confiança que consiga o efeito que o negocio formalmente inválido não
consiga concretizar. A solução aqui indicada só poderá funcionar em casos que
particularmente o justifiquem.

5- Assim, temos, o negócio que não apresente as regras de forma que se apliquem
é nulo, segundo o artigo 220.º; a nulidade, por seu turno, é invocável a todo o
tempo, por qualquer interessado, e pode ser declarada oficiosamente pelo
tribunal, nos termos do artigo 286.º.

4- A extensão da forma

As declarações de vontade e os negócios jurídicos delas derivados alargam-se, por


vezes, abrangendo diversos aspectos, de natureza variada. O cerne do negocio pode,
assim, ser complementado por cláusulas acessórias, isto é, por dispositivos que, não
constituído embora o essencial pretendido pelas partes venham, no entanto,
coadjuvá-lo num ou noutro sentido.

Por isso pergunta-se, até onde vão as exigências de forma e, designadamente, em


que medida se devem aplicar, às cláusulas acessórias, as regras dirigidas ao núcleo
negocial.

Regulando o assunto, distingue o Código Civil:

• A forma legal, isto é, aquela que, por lei, seja exigida para determinada
declaração negocial – artigo 220.º;

• A forma voluntária, ou seja, a que não sendo embora exigida pela lei ou por
convenção, venha, no entanto, a ser adoptada, livremente, pelo declarante –
artigo 222.º;

• A forma convencional, correspondente à que as partes tenham pactuado


adoptar – artigo 223.º, as partes podem estipular uma forma
convencional.Esta forma não poderá, contudo, ser de solenidade inferior à
forma legal, uma vez que a convenção das partes não poderá valer contra
preceito injuntivo da lei.

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Os problemas postos por estas três modalidades de forma são, por natureza,
diversos:

A forma legal opera, apenas perante o cerne negocial: as estipulações acessórias só se


lhes sujeitam quando a “razão determinante da forma” lhes seja aplicável – artigo
221.º/1 e 2. Acontece, contudo, que as estipulações acessórias podem ser anteriores à
própria declaração principal, ou delas contemporâneas. Põe-se, então, a questão
suplementar da sua efectiva correspondência com a autonomia privada, quando
assumam uma forma menos solene do que a exigida para o cerne negocial. Por isso,
segundo o artigo 221.º/1, as estipulações em causa só valem se se provar que
correspondem à vontade do autor da declaração.

A forma voluntária representa, nas suas relações com a autonomia privada, uma
problemática sensivelmente idêntica. O artigo 222.º/1 e 2, prevê repetidamente a
hipótese de a lei sujeitar as estipulações acessórias a forma escrita; esta terá se ser
seguida, sob pena de nulidade – artigo 220.º, num simples aflorar das regras gerais;
cabe recorrer ao artigo 221.º para indagar se, de facto elas se sujeitam à forma
escrita.

Verifica-se que, perante uma forma voluntária da declaração principal, são válidas as
estipulações acessórias posteriores que a não observam e, ainda, as anteriores ou
concomitantes que também o não façam, mas então, apenas quando se mostre que
correspondem à vontade do declarante. Domina, pois, a autonomia privada.

A forma convencional implica um pacto prévio pelo qual as partes combinaram emitir
as suas declarações por certo modo. As partes podem, de comum acordo, não o
fazer: haverá então uma revogação (distrate) da prévia convençao de forma.

O artigo 223.º/1 não se desvia destas regras gerais; por razões de segurança
probatória, apenas estabelece a presunção de que, estipulada certa forma, as partes não
se quiserem vincular senão por ela. Pode tal presunção, nos termos gerais, ser
afastada por prova em contrário, artigo 350.º/2, demonstrando-se então a
revogação do pacto quanto à forma.

Pode acontecer, por fim, que a convenção quanto à forma surja apenas depois de
concluído o negocio ou no momento da sua conclusão; desde que haja
“fundamento para admitir que as partes se quiseram vincular desde logo”, o
artigo 223.º/2 presume que se teve em vista a consolidação do negócio – não a
revogação do negócio.

No domínio da forma convencional, não distingue o Código Civil a temática das


estipulações acessórias. Mas a não distinção efectuada na matéria pelo artigo 223.º/1,
permite, no entanto, concluir que, quando não assumam a forma convencional, as

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estipulações acessórias obrigam sempre que se mostre corresponderem à vontade das
partes. Ao contrário da forma legal, a forma convencional não assenta em razões
de ordem pública. Está-se, de novo, no domínio da autonomia privada.

5- Formas especiais
O Direito Civil português reconhece algumas formas especiais, para as declarações
de vontade, impondo-as, em certos casos.

A declaração de vontade por constar, ou não, de documento: no segundo caso, ela é


produzida de tal modo que, verificada a comunicação, tudo desaparece, excepto a sua
recordação no espírito de quem a haja presenciado; no primeiro, a declaração fica
reproduzida ou representada em qualquer objecto elaborado pelo homem.

Assim, as declarações verbais, gestuais ou orais, telefónicas, ou através de variados


esquemas de sinais, não dão lugar a documentos.

O Código Civil permite distinguir os seguintes documentos escritos:

• Documentos autênticos – artigo 363.º/2 do CC, o documento autêntico mais


relevante, é a escritura pública;

• Documentos particulares – são os restantes, portanto, os não autênticos, artigo


363.º/3 do CC. São, feitos pelos interessados com a exigência mínima de
assinatura.

Segundo o artigo 363.º/2, os documentos particulares, podem-se, ainda,


subdistinguir:

• Documentos reconhecidos – sempre que se verifique o reconhecimento notarial


da sua letra e assinatura ou apenas da assinatura.

A lei exige, para as declarações negociais sujeitas a uma forma intermédia, simplesmente a
forma escrita, o que dispensa o reconhecimento da assinatura ou a autenticação; assim, os
artigos, 410.º/2, 415.º, 1143.º, 1239.º, 1250.º ou 1763.º/1. A lei pode, no entanto, ir mais
longe e exigir, em termos expressos, o reconhecimento, nalgumas das suas modalidades –
artigo 410.º/3 do CC.

As diversas formas especiais das declarações devem ser hierarquizadas, nos termos
que resultam da enumeração acima efectuada.

De facto, quando a lei exija determinada forma, podem as partes adoptar uma forma
superior – artigo 364.º/1. Quanto à escritura pública, isto já não é possível.

107
(continuação do Resumo)

5.º A formação dos contratos através de cláusulas contratuais gerais

Comportamentos concludentes – operam na base de cláusulas contratuais gerais; colocam


problemas melindrosos no tocante à sua exacta qualificação jurídica e às dimensões que
possam assumir na vida em sociedade. Torna-se ficcioso pretender, neles, ver declarações,
ainda que encapotadas, de vontade. O verdadeiro comportamento concludente não exprime
qualquer vontade: apenas uma rotina ou um comportamento-padrao. É, antes de mais, uma
conduta humana, logo, um comportamento permitido: o Direito faculta-o, admitindo que as
pessoas optem por esse tipo de actuação, por outro ou por nenhum.

Conceito das CCG

As cláusulas contratuais gerais são proposições pré-elaboradas que proponentes ou


destinatários indeterminados se limitam a propor ou a aceitar.

A noção básica pode ser decomposta em vários elementos esclarecedores. Assim:

• A generalidade – as cláusulas contratuais gerais destinam-se ou a ser propostas a


destinatários indeterminados ou a ser subscritas por proponentes indeterminados; no
primeiro caso, certos utilizadores propõem a uma generalidade de pessoas certos
negócios, mediante a simples adesão às cláusulas contratuais gerais; no segundo,
certos utilizadores declaram aceitar apenas propostas que lhes sejam dirigidas nos
moldes das cláusulas contratuais pré-elaboradas; podem, naturalmente, todos os
intervenientes ser indeterminados, sobretudo quando as clausulas sejam
recomendadas por terceiros;

• A rigidez – as cláusulas contratuais gerais são elaboradas sem previa negociação


individual, de tal modo que sejam recebidas em bloco por quem as subscreva ou
aceite; os intervenientes não têm possibilidade de modelar o seu conteúdo,
introduzindo, nelas, alterações.

• Não havendo generalidade, assistir-se-ia a uma simples proposta feita por alguém
decidido a não aceitar contrapropostas enquanto, na falta de rigidez, se assistiria a
um comum exercício de liberdade negocial.

108
Alem das características apontadas, outra há que, não sendo necessárias, surgem,
contudo, com frequência nas cláusulas contratuais gerais; assim:

• A desigualdade entre as partes: o utilizador das cláusulas contratuais gerais,


portanto a pessoa que só faça propostas nos seus termos ou que só as aceite quando
elas as acompanhem, goza, em regra, de larga superioridade económica e cientifica
em relação ao aderente;

• A complexidade: as cláusulas contratuais gerais alargam-se por um grande número


de pontos; por vezes, elas cobrem com minúcia todos os aspectos contratuais,
incluindo a nacionalidade da lei aplicável e o foro competente para dirimir eventuais
litígios;

• A natureza formularia – as cláusulas constam com frequência de documentos


escritos extensos onde o aderente se limita a especificar elementos de identificação.

Regime

O Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, aprovou o regime das cláusulas contratuais


gerais.

A LCCG visou uma aplicação de princípio a todas as cláusulas, artigo 1.º/1: o artigo 2.º
especifica que elas ficam abrangidas independentemente:

• Da forma da sua comunicação ao público; tanto se visam os formulários como, por


exemplo, uma tabuleta de aviso ao público;

• Da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se


destinem;

• Conteúdo que as informe, isto é, da matéria que venham regular;

• De terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros.

A inclusão de CCG nos negócios singulares

O recurso a CCG não deve fazer esquecer que elas questionam, na pratica, apenas a
liberdade de estipulação e não a liberdade de celebração.

A inclusão depende:

• De uma efectiva comunicação – artigo 5.º;

• De uma efectiva informação – artigo 6.º;

109
• De inexistência de cláusulas prevalentes – artigo 7.º.

E, portanto, para se verificar a inclusão, não basta a mera aceitação, exigida pelo Direito
comum: é necessária, ainda, a verificação destes requisitos acima referidos.

A exigência da comunicação vem especificada no artigo 5.º, que referencia:

• A comunicação na integra – n.º1; deve entender-se que esta comunicação deve ser
feita a todos os interessados directos;

• A comunicação adequada e atempada, de acordo com bitolas a apreciar segundo as


circunstancias – n.º2.

Em casos-limites não haverá duvidas: a remissão para tabuletas inexistentes ou afixadas em


local invisível não corresponde a uma comunicação completa; a rápida passagem das
cláusulas num visor não equivale à comunicação adequada; a exibição de várias páginas de
um formulário, em letra pequena e num idioma estrangeiro, seguida da exigência de
imediata assinatura, não integra uma comunicação atempada.

O artigo 5.º/3 dispõe sobre o melindroso ponto do ónus da prova: o utilizador que alegue
contratos celebrados na base de CCG deve provar, para além da adesão em si, o efectivo
cumprimento do encargo de comunicar, o artigo 342.º do CC. Trata-se dum simples
encargo: a sua inobservância, mesmo sem culpa, envolve as consequências legalmente
previstas.

A conclusão esclarecida do contrato, base de uma efectiva autodeterminação, não se


contenta com a comunicação das cláusulas; estas devem ser efectivamente entendidas; para
o efeito, a LCCG prevê um dever de informação: o utilizador das CCG deve conceder a
informação necessária ao aderido, prestando-lhe todos os esclarecimentos solicitados, desde
que razoáveis.

Tanto o dispositivo do artigo 5.º como o do artigo 6.º correspondem a vectores presentes no
artigo 227.º/1, do CC. Mas são estruturalmente diferentes: traduzem meros encargos e não
deveres em sentido técnico. A sua inobservância não exige culpa, ao contrário dos deveres
e tem, como consequência, não a obrigação de indemnizar mas, “apenas”, a não-inclusao
prevista no artigo 8.º. tal não-inclusao pode, ainda, ser dobrada por um dever de
indemnizar, quando se verifiquem os (diferentes) pressupostos do artigo 227.º/1.

As partes que subscrevam clausulas gerais podem, em simultâneo, acordar, lateralmente,


noutras clausulas especificas. O artigo 7.º determina: “As cláusulas especificamente
acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo
quando constantes de formulários assinados pelas partes”.

110
A presença, num contrato celebrado com recurso a CCG, de dispositivos que não tenham
sido devidamente comunicados ou informados não corresponde ao consenso real das partes:
ninguém pode dar o seu assentimento ao que, de facto, não conheça ou não entenda. Deve-
se, contudo, ter presente que, mesmo nessas situações de falha de vontade, há, em termos
formais, um assentimento. Pelo Direito comum, varias seriam as soluções a encarar: elas
iriam desde a mera indemnização, havendo culpa – artigo 227.º/1, ate à anulabilidade por
erro, havendo conhecimento da essencialidade do ponto a que respeite, artigos 247.º e
251.º, passando pela ausência de efeitos, por falta de consciência da declaração, artigo
246.º. segundo a LCCG, segue-se a solução mais fácil da pura e simples exclusão dos
contratos singulares atingidos, artigo 8.º, a) e b). As alíneas c) e d) penalizam, por seu
turno, as “clausulas-surpresa” e as que constem de formulários, depois da assinatura dos
contratantes: em ambos os casos se verifica um condicionalismo externo que inculca, de
novo, a ideia da inexistência de qualquer consenso.

A inserção, no contrato singular, das clausulas referenciadas no artigo 8.º da LCCG, põe o
problema da sua subsistência. O princípio em causa aflora nos artigos 9.º e 13.º

Artigo 9.º :
1 - Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na
parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de
integração dos negócios jurídicos.
2 - Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos
elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos
essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé.

Interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais

O artigo 10.º da LCCG dispõe sobre a interpretação e a integração das cláusulas contratuais
gerais, remetendo implicitamente para os artigos 236.º e seguintes:

Esse preceito releva a dois níveis:

• Impede as próprias cláusulas contratuais gerais de engendrarem outras regras de


interpretação;

• Remete para uma interpretação que tenha em conta apenas o contrato singular.

Nulidade das cláusulas contratuais gerais (ver na Lei, ter atenção ao disposto que fala
sobre a redução)

Cláusulas contratuais gerais proibidas (artigos 15.º; 16.º;17.º;20.º.)

111
Outro aspecto tecnicamente importante tem a ver com a estruturação da cláusulas
contratuais gerais proibidas e assenta numa contraposição entre clausulas absolutamente
proibidas e clausulas relativamente proibidas.

• As cláusulas absolutamente proibidas – não podem, a qualquer título, ser


incluídas em contratos através dos mecanismos de adesão, artigos 18.º e 21.º;

• As cláusulas relativamente proibidas – não podem ser incluídas em tais contratos


desde que, sobre elas, incida um juízo de valor suplementar que a tanto conduza; tal
juízo deve ser formulado pela entidade aplicadora, no caso concreto, dentro do
espaço para tanto indiciado pelo preceito legal em causa, artigos 19.º e 22.º.

Acção inibitória

A nulidade das CCG mostra-se, insuficiente para garantir a posição dos consumidores
finais. A LCCG inseriu, por isso, um remédio mais eficaz: a acção inibitória que faculta,
quando proceda, a proibição judicial da utilização de certas cláusulas, independentemente
da sua inclusão em contratos singulares.

A matéria é desenvolvida nos artigos 25.º e seguintes da LCCG:

“As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando


contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º e 22.º podem ser proibidas
por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos
singulares”.
No essencial, eles permitem que as entidades referidas no artigo 26.º, possam pedir
judicialmente a proibição do recurso a certas clausulas, independentemente de, em
concreto, elas serem utilizadas. O artigo 26.º/2 não tem preocupações doutrinárias: visa,
sim, regular a extensão do caso julgado.

Ver artigos seguintes da Lei.

III

CONTEÚDO DO NEGÓCIO JURIDICO

1.º Noções gerais

1. Conteúdo e objecto do negócio jurídico

O conteúdo do negócio corresponde à regulação por ele desencadeada: ao conjunto de


regras que, por ele ter sido celebrado, tenham aplicação ao espaço que as partes tenham
entendido reger.

112
Do conteúdo deve distinguir-se o objecto; este tem a ver não com a regulação em si, mas
com o “quid” sobre que irá recair a relação negocial propriamente dito. Por exemplo,
celebrado um contrato de compra e venda, verifica-se que:

• As regras aplicáveis, por via dele, às partes, constituem o seu conteúdo; assim, a
transmissão da propriedade e as obrigações de entrega da coisa e do preço – artigo
879.º do CC;

• A coisa ou o direito transmitidos formam o seu objecto.

Composição do conteúdo

O conteúdo do negocio analisa-se, essencialmente, em:

• Elementos normativos – correspondem às regras aplicáveis “ex lege”, isto é,


àquelas que o Direito associe à celebração dos negócios, independentemente de uma
expressa vontade negocial nesse sentido. Estes elementos podem ainda se de uma de
duas espécies:

o Elementos injuntivos – sempre que eles não fiquem na disponibilidade das


partes nem possam, por isso, ser por elas afastados;

o Elementos supletivos – quando a sua aplicação se destine a suprir o


silêncio ou a insuficiência do clausulado negocial.

• Elementos normativos – têm a ver com as regras aprontadas e fixadas pelas


próprias partes. Subdividem-se em:

o Necessárias – eles correspondem a factores que, embora na disponibilidade


das partes, tenham, por elas, de ser fixados sob pena de incompletude do
negócio, por exemplo, o preço, na compra e venda;

o Eventuais – eles integram elementos que as partes poderão incluir no


negócio se entenderem, por exemplo, a condição.

E, ainda o negócio jurídico é composto por cláusulas. Podemos distinguir entre cláusulas
em sentido formal e cláusulas em sentido material: as primeiras correspondem a
proposições apresentadas vocabularmente como autónomas, sem regras numeradas pelas
próprias partes; as segundas equivalem a conjunções normativas que não podem ser
dividias sob pena de se perder o seu teor ontológico.

2. Tipicidade negocial e cláusulas negociais típicas

O tipo negocial em sentido próprio ou estrito equivale ao conjunto dos seus elementos
normativos e voluntários essenciais. Por outras palavras: não correspondem ao tipo

113
negocial os elementos que, legitimamente, afastem os factores normativos supletivos e os
elementos voluntários eventuais. Num sentido amplo, a expressão “tipo negocial” é
utilizada para traduzir qualquer negócio susceptível de designação global.

Do tipo negocial devem ser separadas as cláusulas típicas. Correspondem a dispositivos que
o Direito, por razoes de tradição ou pela sua frequência na vida civil, trata expressamente e
que, assim, ficam à disposição das partes que, para eles, queiram remeter; não formam,
porem, um todo coerente, antes se apresentando como instrumentos, em si desconectados:
quando efeitos, integram elementos voluntários eventuais.

Como exemplo de tipos negociais podem referir-se os contratos civis, inseridos nos
artigos 874.º e seguintes; cláusulas típicas são, também a título de exemplo, a condição
– artigos 270.º e seguintes, o termo – artigos 278.º e 279.º, ou o sinal – artigos 440.º e
seguintes.

Ao lado do tipo legal, temos ainda a considerar o tipo social. São negócios não
regulados na lei, mas que todos conhecem nos seus aspectos habituais. Têm regimes
estabilizados, dados pelos usos, pelo costume ou por cláusulas contratuais gerais. Sem
prejuízo do controlo que deva ser feito através da boa fé, o tipo social apresenta também os
aspectos práticos e valorativos acima indicados.

2.º Requisitos objectivos do negócio

1. Possibilidade e determinabilidade

Num sistema dominado pela autonomia privada, boa parte do conteúdo dos negócios
jurídicos é determinada pelas pela negativa, isto é, através da aposição de limites. Desses
limites, os mais característicos são expressos através de requisitos, portanto de qualidade
que os negócios, para serem válidos, devam assumir nos seus conteúdos.

Dispõe, nesse domínio, o artigo 280.º/1 do CC: embora sob a designação particular
“objecto negocial”, ele estatui, na realidade, também sobre o seu conteúdo,

O primeiro requisito é o da possibilidade: o conteúdo do negócio jurídico deve articular


soluções possíveis, quer num prisma físico, quer num prisma jurídico. Em termos físicos,
haverá impossibilidade quando o negócio se reporte a uma coisa inexistente ou inalcançável
pelas partes. É admissível a prestação de coisa futura, artigos 211.º e 399.º, quando a lei
o não proíba, o que sucede, por exemplo, no tocante a doações, artigo 942.º/1 do CC.
Há, ainda impossibilidade quando o negócio se reporte a uma actuação humana que não
possa, objectiva e absolutamente, ser levada a cabo. Em termos jurídicos, a impossibilidade
ocorre quando o objecto se analise num efeito jurídico não permitido.

A possibilidade é absoluta ou relativa, também dita objectiva ou subjectiva, conforme


atinja o objecto do negócio, sejam quais forem as pessoas envolvidas ou, pelo contrário,

114
opere somente perante os sujeitos concretamente considerados. Em rigor, apenas a absoluta
é verdadeira impossibilidade: o sujeito concretamente impedido de actuar certo negócio
poderá, não obstante, celebrá-lo, desde que se possa, depois, fazer substituir na execução.
Esta distinção explica a possibilidade de negocias coisas futuras, na hipótese de estas
existirem, mas fora da esfera do disponente – artigos 211.º e 401.º/2.

A possibilidade é temporária ou definitiva em função da sua extensão temporal e em


termos de previsibilidade: no primeiro caso, é previsível que ela cesse, ao contrario do que
sucede no segundo. Enquanto requisito negativo, releva a impossibilidade definitiva; sendo
ela meramente temporária, o negocio poderá ser viável, dentro das regras das coisas futuras.

Distingue-se ainda a impossibilidade efectiva da impossibilidade meramente


económica. No primeiro caso, o objecto do negócio é ontologicamente inviável. No
segundo, ele é pensável, mas surge economicamente tão pesado que se torna injusto.

Temos, por fim, a impossibilidade inicial e a superveniente: a primeira opera logo no


momento da celebração vindo a segunda a manifestar-se apenas mais tarde. A
impossibilidade inicial conduz à aplicação do artigo 280.º/1: implica a nulidade do
negocio. A impossibilidade superveniente também atinge os requisitos do negocio.
Todavia, a consequência reside na extinção da obrigação, quando a impossibilidade ocorra
por causa não imputável ao devedor, artigo 790.º/1, ou na sua extinção com aplicação das
regras do incumprimento, quando o próprio devedor ocasione a responsabilidade, artigo
801.º/1.

Uma interessante modalidade, introduzida por PAULO CUNHA, é a da


impossibilidade moral. Desta feita, o objecto seria inviável por contrariar uma conjunção
de normas ou de princípios jurídicos.

Pretende equacionar-se um negocio jurídico cujo objecto, em si possível, física e


juridicamente, exija, no seu cumprimento, a violação de regras. A possibilidade deve ser
aferida in concreto. Assim, podemos admitir a “impossibilidade moral” como modalidade
de impossibilidade jurídica, quando estejam em causa valores fundamentais do sistema
jurídico, expressos pela ideia de “boa fé”.

A determinabilidade

O artigo 280.º/1, refere um requisito de certo modo ligado à possibilidade: a


determinabilidade.

O negócio jurídico, para poder ser executado, deve dar azo a condutas cognoscíveis pelas
partes. Pode suceder que, no momento da celebração, as partes não tenham, ainda, fixado o
seu conteúdo preciso: não obstante, elas terão de prever um esquema que faculte essa
determinação. É, pois, viável um negócio cujo objecto, embora indeterminado, seja
determinável; a lei prevê, para tal hipótese, esquemas para a determinação, artigo 400.º.

115
A indeterminação pode envolver um conjunto de hipóteses possíveis. Nessa eventualidade,
alem das regras do artigo 400.º, poderão ter aplicação os regimes atinentes às obrigações
genéricas, artigos 539.º e seguintes, e às obrigações especificas, artigos 543.º e seguintes.

O objecto do negócio será indeterminável quando, nem com recurso a nenhuma das
referidas regras, seja possível proceder à determinação.

2. Licitude do objecto e do fim

De licitude pode ser utilizada uma acepção ampla e uma acepção restrita. Em sentido
amplo, o negócio diz-se licito quando tenha surgido no espaço deixado pelo Direito à
autonomia privada. A licitude tenderia, então, a absorver todos os demais requisitos
negociais. Em sentido restrito, o negócio é ilícito sempre que implique, para as partes, o
desenvolvimento de actuações contrárias a normas jurídicas imperativas.

A proibição de negócios ilícitos, que constituiria, desde logo, um corolário da própria


existência de limites à autonomia privada, deriva dos artigos 280.º/1 e 294.

O fim do negócio é susceptível, ainda, de entendimentos subjectivizantes: compreende-se,


que cada uma das partes possa ter o seu fim, dispõe, então, o artigo 281.º: se “apenas” o fim
for contrário à lei, o negocio só é nulo quando for comum a ambas as partes.

O negócio diz-se indirecto quando traduza a utilização de um tipo contratual para


prosseguir os efeitos práticos de um tipo diverso. O exemplo, mais característico é o da
venda por um preço simbólico: ela atinge os efeitos da doação. O problema dos negócios
indirectos tem a ver com a formação e exteriorização da vontade das partes, uma vez que,
no fundo, obriga a pesquisar qual a sua vontade juridicamente relevante. É ainda possível
um problema de “fraude à lei”. De todo o modo, o negócio indirecto não é, só por isso,
contrário à lei. Mas pode colocar uma questão de licitude, dado o desvio perpetrado: trata-
se de saber em que medida são admissíveis tais derivações. A solução reside, em princípio,
na primazia das conjunções substanciais: o negócio indirecto, uma vez demonstrada a real
vontade das partes, é lícito na medida em que o seja o negócio encoberto. Depõe, nesse
sentido, o regime da simulação. Artigo 240.º, e a lógica do sistema.

Negócios em fraude à lei.

A propósito da licitude coloca-se o problema do chamado negócio em fraude à lei, sendo


uma forma de ilicitude, envolve, por si, a nulidade do negócio.

A fraude à lei torna-se possível sempre que o Legislador, ao redigir o texto legal, intenta
impedir um resultado que considera indesejável, ou promover um resultado que considera
desejável, através da proibição ou da imposição das condutas tidas como causais desses
resultados desejáveis ou indesejáveis. Trata-se de casos em que a prossecução de uma
determinada finalidade legal é feita, não directamente, mas indirectamente através de uma

116
actuação legal sobre as causas ou os comportamentos que se pensa serem causais daqueles
objectivos legais.

Na fraude à lei, o conteúdo negocial não agride directamente a lei defraudada, mas antes
colide com a intencionalidade normativa que lhe está subjacente e que justifica a sua
imperatividade. Essa intencionalidade normativa subjacente à imperatividade da lei é a
Ordem Publica, como portadora dos critérios ordenantes do sistema. O juízo de fraude à lei,
coloca-se, assim, no domínio da Ordem Publica. O negócio jurídico fraudulento é ilícito.
(PPV)

Bons Costumes e a Ordem Publica

Segundo o artigo 280.º/2, é nulo o negócio jurídico contrário à ordem pública ou ofensiva
dos bons costumes. Surgem, na lei civil, diversas formulações desse tipo. Assim: artigo
271.º/1; artigo 281.º; artigo 334.º; artigo 340.º/2; artigo 465.º; artigo 967.º; artigo
1422.º/2; artigo 2186.º; artigo 2230.º/2; artigo 2245.º.

Os bons costumes e a ordem pública constituem noções distintas. Alem disso, os bons
costumes permitem uma sindicância de todos os negócios jurídicos. Trata-se dum conceito
indeterminado, isto é: ele não faculta uma imediata apreensão quanto ao seu conteúdo
normativo.

Os bons costumes não apelam aos valores fundamentais do ordenamento,


concretizados pelos princípios mediantes da tutela da confiança e da primazia da
materialidade subjacente. Antes têm a ver com regras circunscritas e acolhidas, do exterior,
pelo sistema. Envolvem, códigos de conduta sexual e familiar e códigos deontológicos, que
a lei não explicita, mas que são de fácil reconhecimento objectivo, em cada momento
social.

Assim, considera-se ofensivo aos bons costumes, o negocio destinado a pagar favores
íntimos. Mas com uma precisão importante: o relacionamento amoroso, a ser motivo de
negócio, não prejudica: o atentado aos bons costumes surge, sim, se ele for o fim do
negócio em jogo. O progresso científico tem sido lento, mas mantêm-se.

A ordem pública

Ao contrário dos bons costumes, a ordem pública constitui um factor sistemático de


limitação da autonomia privada. Podemos alcançá-la através de considerações muito
simples. A autonomia privada é limitada por normas jurídicas imperativas. Todavia, o
sistema não inclui apenas normas, a retirar das fontes, pela interpretação: ele abrange,
antes, também princípios, a construir pela Ciência jurídica. Tais princípios correspondem a
vectores não expressamente legislados, mas de funcionamento importante. Eles podem ser
injuntivos. Muitas vezes, eles prendem-se com bens de personalidade: justamente uma área

117
onde, mercê dos valores em presença, a autonomia privada surge limitada. Nesse sentido, é
paradigmática a proibição do artigo 81.º/1 do CC.

São, assim, contrários à ordem pública, contratos que exijam esforços desmesurados ao
devedor ou que restrinjam demasiado a sua liberdade pessoal ou económica. Também são
contrários à ordem publica negócios que atinjam valores constitucionais importantes, por
exemplo, uma obrigação de não trabalhar, ou dados estruturantes do sistema.

3.º Cláusulas negociais típicas

1. A condição

A condição é uma cláusula contratual típica que vem subordinar a eficácia duma declaração
de vontade a um evento futuro e incerto. O Código Civil, que dá esta noção, distingue –
artigo 270.º:

• A condição suspensiva – quando o negocio só produza efeitos após a eventual


verificação da ocorrência;

• A condição resolutiva – sempre que o negocio deixe de produzir efeitos após a


eventual verificação da ocorrência em causa.

Em concreto, saber se estamos perante uma ou perante a outra dessas duas modalidades
constitui questão de interpretação.

Para além da classificação legal, acima referida, das condições em suspensivas e


resolutivas, outras ocorrem na doutrina. Assim:

• Condições casuais e condições potestativas – conforme o evento incerto de que


dependam se traduza num facto alheio aos participantes ou, pelo contrário, emerja
da vontade de um deles; neste ultimo caso, o participante em causa recebe o direito
potestativo de deter ou de desencadear a eficácia do negócio, consoante seja
resolutiva ou suspensiva;

A condição casual – pode, ainda, depender dum facto natural, como chover ou na chover
num certo dia, dum acto de terceiro, como a concessão duma fiança ou dum acto social ou
administrativo, como a autorização para construir;

• Condições de momento certo e condições de momento incerto – consoante


ocorram numa ocasião prefixada, ainda que incerta, por exemplo, “quando o
beneficiário fizer trinta anos”, o que poderá suceder ou não, consoante ele sobreviva
até essa idade, ou numa ocasião indeterminada, por exemplo, “quando ele casar”;

• Condições automáticas e condições exercitáveis – de acordo com a


desnecessidade, para a sua eficácia, de qualquer manifestação de vontade ou, pelo

118
contrário, com essa necessidade; a condição exercitável pode ser aproximada dum
misto entre a condição casual e a potestativa, uma vez que, para além do evento,
requer uma vontade do agente.

Condições impróprias e figuras semelhantes

Ao lado das condições, a doutrina distingue certas figuras que, embora apresentadas em
termos formalmente condicionais, não são verdadeiras condições. São as chamadas
condições impróprias. Estas surgem por faltar algum dos requisitos das verdadeiras
condições e, designadamente: ou a natureza futura do evento, ou a sua incerteza ou a
voluntariedade da própria cláusula em si. Assim, são impróprias:

• As condições presentes ou passadas: a eficácia fica dependente de algo que,


existindo já, ou não, aquando da celebração, não deixa, afinal, margem de
pendência para o negócio; deve no entanto considerar-se que há condição quando as
partes se reportem não ao facto em si, mas ao conhecimento dele: produz-se tal
efeito quando chegar ao nosso conhecimento (se chegar) que ocorreu tal facto;

• As condições impossíveis – isto é, aquelas que, por razoes físicas (si digito coelum
tetigeris – se tocares no céu com o dedo, ou si mares ebiberis – se beberes o mar,
em exemplos que vem dos ramanos ) ou por razoes juridicas (se venderes a um cão)
nunca poderá ocorrer; neste ultimo caso ainda se poderia distinguir entre
impossibilidade legal e impossibilidade moral, consoante a verificação da condição
seja vedada por lei ou por princípios gerais ou cláusulas indeterminadas, maxime
pela boa fé ou pelos bons costumes;

• As condições necessárias – ou seja, aquelas que, também por razoes naturais ou


legais, irão de certeza ocorrer, mesmo que em momento incerto; por exemplo, a
“condição” se (quando) alguém morrer ou se (quando) alguém deixar o Governo ou
a Assembleia; a condição necessária é, na realidade, um termo incerto;

• As condições legais – no sentido de abranger os factos eventuais e futuros a que a


própria lei, e não as partes, subordine certa eficácia; por exemplo, as convenções
antenupciais produzem efeito depois do (se houver) casamento; entre as condições
legais aparece a chamada condição resolutiva tácita, isto é, a possibilidade de
alguém resolver o contrato por incumprimento da contraparte (se a outra parte não
cumprir, artigo 801.º/2 do CC); desta figura é possível aproximar a “condição”
resolutiva consistente na impossibilidade superveniente, física ou legal, de certa
prestação.

No tocante às condições impróprias, há que fazer uma verificação ponto por ponto
para determinar a aplicabilidade das regras próprias da condição.

119
• A condição distingue-se de múltiplas figuras próximas. Desde logo do termo,
abaixo analisado: o termo traduz um evento futuro e certo, quanto à sua ocorrência.

• A condição distingue-se do modo, próprio dos negócios gratuitos e que postula


uma actuação de beneficiário.

• A condição distingue-se, por fim, de outros institutos que, dependentes embora de


factos futuros e incertos, disponham de regimes típicos consolidados. Tal o caso da
reversão da coisa doada, artigos 960.º e seguintes.

Natureza e invalidades

A condição aparece, em termos formais, como algo de autónomo, isto é, como um aditivo
introduzido num determinado conteúdo negocial, e está sujeita à mesma forma do contrato
em que se insira.

Não há, pois, uma vontade de certo efeito e, depois, nova vontade de a subordinar a
determinado evento; há, antes uma vontade única, mas condicional. Resulta daí que todo o
conteúdo do negócio condicionado fica, por igual, tocado pela condição, com claros
reflexos no regime. E designadamente: a invalidade duma condição acarreta a invalidade de
todo o negócio.

O primeiro ponto do regime da condição diz respeito à sua aponibilidade: em que


negocios podem ser apostas condições?

A regra geral, emergente do artigo 405.º/1 do CC – a liberdade contratual, é a da livre


aponibilidade de condições: quem +e livre de estipular, pode condicionar. Deduz-se, daí,
que os actos em sentido estrito não são condicionáveis, por exemplo, o apossamento, a
ocupação, o achamento, a acessão, etc., ou já terão outra natureza.

A lei, em várias definições específicas, proíbe, em certos casos, a aposição de condições;


assim sucede com a compensação, artigo 848.º/2, com o casamento, artigo 1618.º/2, com
a perfilhação, artigo 1852.º/1 ou com a aceitação ou o repúdio da herança, artigos
2054.º/1 e 2064.º/1. Numa evidencia que tem escapado à doutrina: em todos estes casos há
um acto em sentido estrito, por ausência de liberdade de estipulação.

Alem disso, as condições não podem ser inseridas em negócios que o Direito pretenda
firmes e como fórmula de os precarizar. Assim, o arrendamento não poderia ser
condicionado resolutivamente, sob pena de se frustrar o princípio vinculistico da
renovação automática.

Diferente da aponibilidade é a licitude da condição. Desta feita, não há que atentar no


negocio a condicionar, mas no teor da própria condição. Esta, dadas as suas relações com o
negocio, pode conduzir ou implicar resultados proibidos pelo Direito. Tal pode suceder:

120
• Por a própria condição ser, em si, contrária à lei, por exemplo, dói se ele cometer
um crime;

• Por ela implicar uma relação com o negócio que repugne ao Direito: por exemplo,
dou se ele castigar os filhos;

• Por ela conduzir a resultados indesejáveis ou que o Direito queria livres: por
exemplo, dou se ele desistir do exame ou se romper o noivado.

O Código Civil distingue, neste ponto, o tipo de regra atingida: assim refere a
condição contrária à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, artigos 271.º/1 e
2230.º/2.

Sempre que seja aposta uma condição num negócio incondicionável ou que a condição seja,
em si, ilícita, o negócio é, no seu todo, nulo, regra essa que se alarga às condições
impossíveis: é a norma do artigo 271.º, correspondente à natureza global do negócio
condicionado e da vontade condicional, acima referidos.

Esta regra tem excepções: em certos casos, o Direito, em vez de cominar a nulidade de
todo o negócio, determina a nulidade, apenas, da condição.

Assim sucede com os actos pessoais e familiares no domínio do casamento (1618.º/2) e da


perfilhação (1852.º/2). E assim, sucede, também no domínio de actos gratuitos (2230.º/1,
quanto ao testamento, aplicável à doação nos termos do artigo 967.º). Mas estas regras,
justificadas apenas por respeitável tradição, vão contra a autonomia privada e devem ser
aplicadas com muita parcimónia e em termos restritivos, por força dos elementos
sistemático e teleológico de interpretação.

Basta ver que, tomada à letra, esta ideia da (mera) nulidade de certas condições teria efeitos
deste tipo: caso contigo quando fizeres 80 anos (se fizeres): a condição tem-se por não
escrita, segundo o artigo 1618.º/2, pelo que o casamento seria válido e (imediatamente)
eficaz. Ou, num exemplo de CASTRO MENDES: dou-te quando as galinhas tiverem
dentes: a condição é impossível, pelo que se tem por não escrita (artigos 967.º e 2230.º/1),
sendo a doação válida e (imediatamente) eficaz. Não pode ser: em ambos os casos, o
declarante manifesta a vontade de não praticar o acto.

Por isso, em todas as hipóteses de mera nulidade da condição, por expressa injunção legal
há que ponderar se as partes terão mesmo querido o negocio sem a condição. Quando for
patente a negativa, o facto de a condição se ter “como não escrita” acarreta a nulidade do
conjunto. E há, por isso, alem da natureza das coisas, uma base legal: segundo o artigo
2230.º/1 do CC, “ a condição física ou legalmente impossível considera-se não escrita e não
prejudica o herdeiro ou legatário, salvo declaração do testador em contrário”. Ora, a

121
“declaração em contrário” pode ser tácita, nos termos gerais, resultando da declaração
negocial, no seu conjunto.

Regime

O regime da condição procura um equilíbrio: por um lado, ela deve ser respeitada,
envolvendo todo o negócio jurídico; por outro, ela não pode paralisar o comércio jurídico,
na expectativa de que ocorra.

A conjunção destas proposições opostas pode ser concretizada com o auxílio de três
vectores habituais:

• A autonomia privada – a condição é imposta pelas partes e, nessa medida, deve ser
respeitada; as partes, alias, podem estipular os seus efeitos, compondo soluções
diversas das legais, sempre que o Direito as não proíba;

• A boa fé – nas suas duas vertentes da tutela de confiança e da primazia da


materialidade subjacente, a boa fé deve ser acatada pelas partes, de modo a não
falsear o seu objectivo e a não se provocarem danos desnecessários;

• A distribuição de riscos – uma situação condicionada é, por definição, uma


situação instável; as partes, ou alguma delas, podem daí, retirar danos: trata-se,
porem, de um risco que correm e que livremente assumiram, pelo que deve ser
suportado, de acordo com a ordem natural das coisas.

Desde o momento em que seja celebrado o negócio condicionado e até à altura em que se
verifique a condição ou haja a certeza de que ela se não poderá mais verificar, ela está
pendente.

A pendência da condição gera uma situação particular de conflito de direitos: aquele que
aliene um direito sob condição suspensiva mantêm-se seu titular, mas deixará de o ser com
a verificação dela; o que, por seu turno, adquira um direito sob condição resolutiva,
passa a ser seu titular, mas deixara de o ser com a verificação da mesma. Em ambos os
casos, o titular é, de algum modo, precário; ora, se lhe fosse permitido agir como titular
pleno, ele poderia por em perigo o direito da outra parte. Mas por outro lado, ele é, ainda,
titular: alguma vantagem há-de retirar desse facto.

A pendência cessa pela verificação da condição, ou pela não-verificaçao, consoante ela


se manifeste pela positiva ou pela negativa. A certeza de que ela não se pode verificar
equivale à não-verificaçao, como aliás manda o artigo 275.º/1.

Em princípio, a condição deve seguir o seu curso natural. Se for, contra a boa fé, impedida
por aquele que prejudica, tem-se por verificada; se for, também contra a boa fé, provocada
por aquele a quem beneficia, considera-se não verificada.

122
Verificada a condição, os seus efeitos retrotraem-se à data da conclusão do negocio. Quer
isso dizer que, sendo resolutiva, o negocio tornar-se-ia como que não celebrado e, sendo
suspensiva, como que plenamente celebrado, artigo 276.º do CC.

Em especial: pendência da condição e boa fé

Do regime da condição importa agora considerar, com maior atenção, o problema da sua
pendência, segundo o artigo 275.º do CC.

Esta disposição tem sido entendida como uma concretização do artigo 272.º do mesmo CC,
aqui deparamo-nos com uma manifestação de boa fé objectiva. Como vimos, esta exprime
a necessidade de, em cada situação jurídica, se observarem os vectores fundamentais da
ordem jurídica. Tal necessidade implica a observância de dois grandes subprincipios:

A tutela da confiança - implica que, na pendência da condição, as partes não possam agir
contra o que, pelas suas opções contratuais ou pela ordem natural das coisas, iria, em
principio, suceder, em termos que provocaram a crença legitima da outra parte.

A primazia da materialidade subjacente – obriga a que a condição não possa


transformar-se num jogo formal de proposições: ela deve exprimir, no seu funcionamento, a
vontade condicional das partes, isto é, a sua subordinação ao facto futuro incerto que escapa
à vontade de qualquer delas.

Tais princípios dão corpo à boa fé aplicável na pendência da condição.

Deve sublinhar-se que os deveres oriundos da boa fé e que funcionam na pendência da


condição são deveres acessórios, de tipo contratual, que decorrem do negócio mesmo antes
da verificação da condição.

O Código Civil, quando sanciona, no artigo 275.º/2, as interferências contrárias à boa


fé na verificação da condição distingue:

• A condição impedida por aquele a quem prejudica;

• A condição provocada por aquele a quem aproveita.

Põe-se o problema: num contrato bilateral, a condição, seja ela qual for, vai sempre, em
simultâneo, beneficiar e prejudicar ambas as partes. Por exemplo, a condição resolutiva
prejudica o adquirente, que perde a coisa, mas beneficia-o, liberando-o do pagamento do
preço. E, portanto cabe entender-se que qualquer das partes que impeça uma condição deve
considerar-se prejudicada por ela; de igual modo, qualquer das partes que provoque uma
condição deve considerar-se como aproveitando dessa ocorrência.

123
Noutros termos: nunca nenhuma das partes pode, contra a boa fé, impedir ou provocar
condições. Resta acrescentar que a condição é um “cláusula típica” frequente, com
larga documentação jurisprudencial.

2. Termo

Diz-se termo a cláusula pela qual as partes subordinam a eficácia de certo negócio jurídico
à verificação de certo evento futuro e certo.

Ao contrario da condição, que remete para um acontecimento eventual cuja verificação


não é segura, o facto é futuro e incerto, já o termo não implica tal incerteza: ele surge
apenas como uma efectiva limitação temporal a determinada eficácia.

Nos diversos idiomas “termo” tanto designa a cláusula acima referida como o evento futuro
e certo que ela tem em vista. Na linguagem corrente, ele anda muitas vezes misturado com
a locução “prazo”: ora o prazo designa o lapso de tempo que vai desde a celebração do
negócio ate ao evento futuro e certo que corporize o termo. Resulta daí que o termo possa
ser traduzido através dum prazo, pelo menos quando seja certo.

O termo é susceptível de várias e esclarecedoras classificações. Assim, ele pode ser:

• Inicial, suspensivo ou dilatário - quando a eficácia negocial principie, apenas,


após a sua verificação; fala-se, entao, em dies a quo;

• Final, resolutivo ou peremptório – sempre que a eficácias em questão termine


com a verificação do evento; há, entao, dies ad quem.

Quanto ao momento da verificação do evento, o termo é certo ou incerto: certo quando,


está estipulado de tal modo que se pode saber de antemão qual a sua duração e quando
terminará, é também designado por prazo; e incerto nas restantes hipóteses, ou seja, está
estipulado de tal forma que não se saiba antecipadamente quando termina. Tal sucede
quando se estipula um termo certo a contar de data incerta, por exemplo, cinco dias a contar
a interpelação, ou quando, havendo certeza de que virá a acontecer, se não sabe de antemão
quando tal irá suceder, por exemplo, quando cair a primeira chuva depois das vindimas.
Tradicionalmente, são feitas as seguintes contraposições:

• Casos em que existe certeza do evento e certeza da data em que irá ocorrer
(dies certus na certus quando) – no dia 8 de Abril de 2005 (eclipse total do Sol nos
Galápagos); há um termo certo;

• Casos em que existe certeza do evento, mas incerteza quanto à data em que
virá a acontecer (dies certus na incertus quando) – na data das próximas eleições;
sabe-se que vão ocorrer, mas a data exacta não está fixada; há um termo incerto;

124
• Dies incertus na certus quando – quando fizer 21 anos; sabes-se que, caso isso
ocorra, será em tal data; há, na realidade, uma condição;

• Dies incertus na incertos quando – quando casares; não se sabe se disso vai,
ocorrer, nem quando: há condição.

Quanto ao modo de exprimir o termo, pode este ser expresso ou tácito. É expresso
quando resulte da vontade assumida das partes; é tácito quando derive de circunstâncias
que, com toda a probabilidade, revelem ser essa a vontade das partes.

Quanto à fonte. Aqui, o termo pode ser convencional, se estipulado pelas partes e legal, se
imposto por lei, por exemplo, o artigo 1443.º, no tocante ao usufruto. O chamado termo
legal é, na realidade, um termo impróprio, uma vez que não deriva da vontade das partes.

Finalmente, o termo pode ser essencial ou não essencial. É essencial sempre que o seu
desrespeito envolva a impossibilidade da prestação (por exemplo, servir a ceia da passagem
do ano ate às 24.00h do dia 31 de Dezembro); é não essencial quando tal desrespeito
apenas implique uma mora do devedor (por exemplo, o automóvel ficara reparado dentro
de uma semana).

Regime

O termo, tal como a condição, depende da vontade das partes. Por isso, estas podem
recorrer a ele, apondo-o em todos os negócios que a lei não declare inaprazáveis.

A aposição de termo quando a lei o proíba envolve a nulidade de todo o negócio jurídico.
Esta mesma regra é aplicável quando haja um termo impossível (por exemplo: no dia 32 de
Julho) ou inviável (por exemplo: até ontem), a menos que, pela interpretação, se consiga
apurar que houve mero lapso material ou que as partes tinham outra qualquer vontade em
vista.

Desde o momento da estipulação e até à verificação do termo, este diz-se pendente. Na


pendência do termo, há um conflito de direitos entre o actual detentor do direito e aquele
que o receberá, quando ele ocorrer. Os problemas suscitados são muito semelhantes aos da
condição. Por isso se compreende a remissão do artigo 278.º, que manda aplicar ao termo
os artigos 272.º, pendência da condição e dever de actuar de boa fé, e 273.º, actos
conservatórios, acima analisados.

A contrario, poderia parecer que os artigos 274.º, 275.º, 276.º e 277.º não teriam
aplicação ao termo. Não é assim.

De facto, apesar do termo, pode a parte que abrirá mão do direito praticar actos dispositivos
e de administração, havendo, então, que recorrer aos artigos 274.º e 277.º /2 e 3.

125
Também se pode verificar que um termo, apesar de certo por definição, se venha a
impossibilitar por modificação superveniente: por exemplo: paga quando o automóvel se
transformar em sucata; ora pode o automóvel perecer de tal modo que nem sucata fique: o
artigo 275.º/1 terá, então, a maior utilidade.

Igualmente é fácil de imaginar que alguém impeça, contra a boa fé, a verificação de um
termo ou, também contra a boa fé, a provoque: a certeza do termo não equivale à sua
intangibilidade. O artigo 272.º/2 é aplicável.

Também a retroactividade do termo poderá operar ou não, consoante a vontade das


partes e as circunstancias. Os artigos 276.º e 277.º/1 têm, então, também utilidade.

Preconiza-se, pois, um entendimento lato da remissão feita no artigo 278.º: todo o regime
da condição é aplicável ao termo, cabendo depois, caso a caso e preceito a preceito,
ponderar até onde vai essa aplicabilidade. Se necessário, podemos invocar a analogia,

Cômputo

O cômputo do termo provoca tradicionais dificuldade práticas. Na verdade, as partes


podem, para ele, fixar um momento claro e preciso: por exemplo, no dia 15 de Agosto. Mas
podem, antes, optar por uma designação mais vaga: dentro de quinze dias ou no fim do
mês. Descobrir, então, a data exacta pode levantar duvidas. O Código Civil enfrentou-as,
no artigo 279.º. Estas regras são auxiliares de interpretação. As partes podem, pois, ter
feito opções diferentes as quais, a demonstrarem-se, prevalecem.

3. Outras cláusulas típicas: o modo, o sinal, a cláusula penal

A doutrina inclui muitas vezes, junto da condição e do termo, o modo, também como
cláusula típica. Ao contrário das duas anteriores, ela não é, contudo, comum a todos os
negócios jurídicos: apenas pode ser aposta nos negócios gratuitos. Assim, aparece prevista
na doação, artigos 963.º a 967.º e no testamento, artigos 2244.º a 2248.º podendo, no
entanto, ser alargada a outros tipos negociais gratuitos, como o comodato.

O modo ou encargo traduz uma obrigação a cargo do beneficiário da liberalidade. Um


acórdão do Pleno do Supremo veio explicitar que ficam abrangidos todos os casos em que
é imposto ao donatário o dever de efectuar uma prestação, quer pelas forças do bem doado,
quer pelos restantes bens da herança.

Há algumas dificuldades práticas na distinção entre o modo e a condição. Quando se


trate de condição suspensiva, a diferença reside em que esta suspende o negócio, mas não
obriga, enquanto o modo não suspende, mas adstringe. Por exemplo: deixo este terreno à
Liga dos Amigos contra o Cancro desde que, nele, ela construa um pavilhão oncológico:
será condição, quando ela só adquira o terreno se construir o pavilhão (o que fará se
quiser): mas será modo quando ela adquira logo o terreno e deva, depois, construir o

126
pavilhão (ao que ficará obrigado). Tudo depende da vontade das partes ou da parte e os
efeitos no regime são evidentes: pode-se exigir o cumprimento do modo, mas não o da
condição.

Na condição resolutiva, e de acordo com OLIVEIRA ASCENSAO, a distinção é a


seguinte: no modo, o autor da liberalidade pretende beneficiar o destinatário e aproveita
para prosseguir um efeito secundário; na condição resolutiva, ele pretende o tal efeito
lateral e apenas utiliza o negócio como via para o conseguir. Também aqui os efeitos no
regime são claros: a condição bloqueia o negócio, enquanto o modo o deixa seguir, mas
obrigando o beneficiário.

Se a obrigação modal não for cumprida, a doação subjacente não pode ser resolvida, salvo
cláusula em contrário (artigo 966.º); no testamento, a resolução é possível, nos termos do
artigo 2248.º.

O sinal

O sinal é uma cláusula típica, própria dos contratos onerosos e que consiste,
sumariamente, no seguinte dispositivo: aquando da celebração de um contrato, uma das
partes entrega, à outra, uma coisa ou uma quantia; se o contrato for cumprido, a coisa ou
quantia entregue é imputada no cumprimento ou, não sendo a imputação possível, é
restituída; se houver incumprimento, cabe distinguir: sendo o incumprimento provocado
por quem recebe o sinal, deve este restitui-lo em dobro; sendo, pelo contrário, causado por
quem dá o sinal, fica este perdido.

O sinal vem previsto nos artigos 440.º e seguintes do CC. Tem grande eficácia no
domínio do contrato-promessa. Surge, ainda, como clausula muito habitual: em torno dela
há vastíssima jurisprudência, constituindo matéria a examinar no Direito das obrigações.

No Direito português, o sinal:

• Tem uma dimensão confirmatório-penal, na medida em que dá consistência ao


contrato e funciona como indemnização;

• Tem uma dimensão penitencial quando funcione como “preço do arrependimento”,


permitindo ao interessado resolver o contrato, mediante o pagamento do que resulte
do próprio sinal.

No âmbito do contrato-promessa, poder-se-á dizer que, quando as partes afastem a


execução específica, o sinal é penitencial; na hipótese inversa, ele é confirmatório-penal,
uma vez que não há “direito ao arrependimento”.

Neste cenário e em geral, dependerá da interpretação da vontade das partes o saber se um


concreto sinal estipulado tem predominância confirmatório-penal ou predominância

127
penitencial. No primeiro caso, as partes pretenderam ressarcir danos; no segundo, elas
procuraram reservar-se a faculdade do recesso. No primeiro, há indemnização; no segundo,
um preço.

A cláusula penal

Uma cláusula típica bastante frequente – designadamente através de cláusulas


contratuais gerais, é a pena convencional ou cláusula penal. Nela as partes fixam, num
momento prévio, as consequências do eventual incumprimento do negócio jurídico.

De acordo com o artigo 809.º, ninguém pode renunciar previamente aos direitos que lhe
assistam, mercê do incumprimento da outra parte. Trata-se dum afloramento da regra
segundo a qual não se pode dispor de bens futuros, patente no artigo 942.º/1. Deste modo,
só são possíveis as obrigações naturais previstas na lei.

Todavia, os artigos 810.º e seguintes admitem que as partes fixem elas próprias, por
convenção, as consequências do incumprimento.

A cláusula penal está sujeita à forma e às formalidades exigidas para a obrigação principal,
artigo 810.º/2; alem disso, e de acordo com as regras gerais, reforçadas por se tratar duma
cláusula acessória, ela é nula quando nula seja essa mesma obrigação, segundo o
referido preceito.

Ver o artigo 811.º e 812.º do CC (o 812.º permite a redução equitativa da clausula


penal: quando seja “manifestamente excessiva” e por decisão do tribunal.

4.º - A lesão e a usura

O artigo 282.º apresenta alguma complexidade, sendo desejável analisá-lo em vários


elementos. Temos, assim, elementos reportados aos sujeitos e, dentro destes, relativos ao
usurário e à vítima da lesão e elementos atinentes ao negócio.

Em relação ao usurário, a lei actual exige que ele “explore” determinada situação de
vulnerabilidade da vítima. Trata-se duma fórmula que equivale, na prática, ao
“aproveitamento consciente” exigido pelo artigo 282.º. Mas não totalmente: a
“exploração” pode ser objectiva, isto é, pode não implicar o conhecimento da fraqueza da
contraparte.

Quanto à vítima, a lei actual exige uma “…situação de necessidade, inexperiência,


ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter…”. Temos situações
exteriores que podem atingir qualquer um (a necessidade ou a dependência), situações de
formação incompleta (a inexperiência) ou deficiente (a ligeireza) e situações de fundo,
sejam elas transitórias (estado mental) ou permanentes (fraquezas de carácter). O elenco é

128
suficientemente literário, com relevo para a ignorância ou para a concreta falta de
informação, pode consubstanciar este elemento.

A análise acima efectuada dos diversos elementos da usura não deve fazer esquecer a
natureza unitária do instituto. As proposições do artigo 282.º devem ser interpeladas e
aplicadas em conjunto, dentro da maçanica de um sistema móvel: quando a lesão seja muito
grande, a “exploração” e a fraqueza do prejudicado poderão estar menos caracterizadas. E
quando a dependência do prejudicado seja escandalosa, por exemplo, não será de exigir um
tão grande desequilíbrio.

Apesar de todos os alargamentos que se têm tentado, a usura mantém uma frágil
capacidade de concretização.

Pouco invocada pelos interessados, em juízo, dadas as dificuldades de prova que acarreta,
ela encontra escassa receptividade nos tribunais. Assim, havendo uma doação mista,
portanto: uma venda por baixo preço, de modo a beneficiar os compradores, o tribunal não
vê usura, por não se caracterizar suficientemente a fragilidade do vendedor e por, tendo os
compradores assumido o compromisso de cuidarem do comprador até ao fim dos seus dias,
o beneficio parecer justificado.

Outras casos que têm encontrado decisão no foro português: trabalhadores são levados a
renunciar a um suplemento de reforma: não há usura por não se ter provado uma situação
de necessidade ou de dependência, por parte deles; o cliente dum banco, aconselhado por
este a fazer um certo negócio ruinoso, não tem protecção por via da usura por esta não
proteger os incautos e os imprevidentes.

O artigo 282.º estabelece a solução da anulabilidade, para o negócio usurário.

O artigo 283.º - neste caso, a equidade exige simplesmente que o usurário entregue o
benefício excessivo ou injustificado, ao lesado.

Finalmente, o artigo 284.º altera o prazo de caducidade do direito de anulação. Esse prazo
é genericamente fixado num ano, pelo artigo 287.º; perante a usura e quando ela seja
crime, o prazo não termina enquanto o crime não prescrever.

IV- INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO NEGÓCIO


JURÍDICO

129
1- Interpretação do negócio jurídico
Noções gerais

A interpretação do negócio visa determinar o seu sentido juridicamente relevante. Assim


entendida, ela é necessária, mesmo quando permita tão-só concluir pela mera existência ou
inexistência de certo acto, como sucede nas declarações que se reduzam a actos jurídicos
em sentido estrito.
A interpretração dos negócios suscita, desde logo, o problema do seu objecto: deve
procurar atingir-se a vontade do declarante, a declaração em si ou o conjunto da situação
considerada?
A interpretação negocial tem valores próprios que ditam e justificam um regime particular.
Não obstante, ela não pode deixar de se integrar nos vectores mais vastos da Ciência do
Direito.
Nesta base, a interpretação negocial desvia-se, logo, da interpretação própria de outras
exteriorizações humanas – por exemplo, da interpretação de um carta com significado
histórico, onde se procura, primordialmente, fixar o sentido que, na sua corrente de
consciência, o seu autor lhe pretendeu imprimir: lida-se, nela, com fenómenos jurídicos.
Mas também não se deve reconduzir a interpretação negocial à legal, esgotando-a nas
dimensões próprias desta: a declaração, sendo recipienda, ganha uma proporção centrada
em duas pessoas, enquanto a lei tem destinatários indefinidos: haverá assim, como que uma
colaboração entre dois pólos.
Estas particularidade não devem fazer esquecer que a interpretação do negócio se integra
no todo mais vasto da realização do Direito, quando operada em concretização de negócios
jurídicos. A sua autonomização torna-se necessária para efeitos de análise; ela funciona,
porém, num conjunto incidível constituído pela própria interpretação-aplicação das normas
legais envolvidas, pela integração e pela “aplicação” do próprio NJ.

As regras que presidem à interpretação dos negócios jurídicos têm sido objecto de várias
doutrinas. Tais doutrinas oscilam entre um subjectivismo extremo, pelo qual haveria de
indagar a verdadeira intenção do declarante e um objectivismo radical, sensível ao sentido
da própria declaração, tomada em si. Estes pólos exprimem dois valores ou dois princípios
aparentemente contrapostos e de cuja combinação resulta o regime negocial: a autonomia
privada e a tutela da confiança.

A doutrina actual encara a interpretação do negócio jurídico como algo de essencialmente


objectivo; o seu ponto de incidência não é a vontade interior: ela recai antes sobre um
comportamento significativo.

Jogando-se a autonomia privada, o sentido da declaração terá de ser o que corresponda à


vontade do próprio declarante; de outra forma, tudo será um logro, nada restando da sua
autodeterminação. Mas nesses termos, a autonomia privada, torna-se impraticável: ninguém
poderá, de antemão, saber com o que contar, uma vez que a verdadeira vontade das pessoas
nunca é, directa e imediatamente, cognoscível. E em boa hora: de outro modo, a liberdade
individual, no seu sentido mais puro de livre arbítrio, ficaria seriamente ameaçada.

130
A autonomia privada tem, assim, de ser temperada com o princípio da tutela da confiança:
o Direito atribui-lhe determinados efeitos na medida em que ela se combine com esta.
Ao contrário, no entanto, das construções conceptuais, entende-se hoje que a confiança não
se opõe à autonomia privada, delimitando-a: ambos os princípios se articulam entre si para,
mutuamente, se tornarem aplicáveis. A autonomia das pessoas torna-se eficaz porque
visível e constatável, nas suas manifestações; a confiança, por seu turno, adstringe certas
pessoas por lhe ser imputável e na medida em que o seja. Não há, pois, oposição, mas antes
complementação interpenetrada.
De todo o modo, entendemos que a interpretação do negócio deve ser assumida como uma
operação concreta, integrada em diversas coordenadas. Embora virada para as declarações
concretas, ela deve ter em conta o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi
celebrado e vai ser executado, as regras supletivas que ele veio afastar e o regime que dele
decorra. Podemos distinguir, para efeitos interpretativos, uma integração veritucal e uma
integração horizontal. Em termos verticais, há que ter em conta:

- a prática contratual anterior entre as partes, seja para confirmar que ela se mantém, seja
para apurar que elas decidiram modificá-la;
- as negociações preliminares e todos os actos que tenham ocorrido nesse âmbito;
- o próprio teor das declarações negociais, as circunstâncias em que sejam emitidas e as
condições da sua recepção;
- o modo por que o contrato seja executado;
- os actos subsequentes à sua execução.

Num plano horizontal, temos:

- o conjunto em que se insira a cláusula a interpretar;


- o tipo contratual em jogo;
- a inserção do negócio no todo mais vasto a que porventura pertença;
- a execuação de contratos similares concluídos entre ambas as partes.

Directrizes interpretativas do negócio jurídico

A lei civil portuguesa vigente mantém uma circunspecção aparente, no tocante às regras de
interpetação. Há, no entanto, ligações patentes entre eles: a própria intepretação não pode
deixar de atender à boa fé.

A primeira directriz legal apela para a denominada impressão do declaratário: a


declaração vale “...com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real
declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante...” – artº 236º/1. Trata-se da
orientação preconizada por MANUEL DE ANDRADE, ainda que um pouco mais
objectivada. Na base deste preceito, a jurisprudência apela a uma “...interpretação objectiva
ou normativa..”, que não se apegue somente à literalidade do texto, compartilhada por todos
mas capaz de ter em conta particularidades concretas. Por esta vida, podem ser recuperadas
regras não explicítas na nossa lei tais como a necessidade de atender à globalidade do

131
contrato, à totalidade do comportamento das partes- anterior ou posterior ao contrato -, à
particularização das expressões verbais, ao princípio da conservação dos actos – o favor
negotii – e, à primazia do fim do contrato. O declaratário normal, figura normativamente
fixada, atenderá a todos estes vectores. Algumas decisões jurisprudenciais referem que: se
deve atender a “todos os elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente
e sagazm na posição do declaratário efectivo, terá tomado em conta”; referindo o
declaratário normal como “...alguém medianamente instruído e diligente, capaz de se
esclarecer das circunstâncias em que as declarações foram produzidas”.

A segunda directriz legal parece exceptuar, do horizonte da impressão do destinatário, o


que lhe não possa ser imputado: “...salvo de este não puder razoavelmente contar com ele”-
artº 236º/1.
Mantemos, pois, que o final do artº 236º/1 só não é contraditório com o seu início se for
entendido como uma ressalva destinada a resolver, por via interpretativa, o erro evidente ou
a incapacidade acidental ou falta de consciência da declaração patentes; de outro modo,
apenas o regime dessas figuras poderá valer ao declarante.

A terceira directriz legal é a que resulta do artº 236º/2.


Esta proposição consagra, formalmente e entre nós, a regra falsa demonstatio non nocet:
quando uma parte utilize fórmulas significativas erradas e a outra tenha conhecimento do
sentido pretendido e com ele concorde, a qualificação errada não prejudica. O artº 236º/2
do CC não deve ser entendido à letra: uma pessoa pode conhecer a vontade real de outra e,
no entanto, não pretender aceitá-la; ao dar o seu assentimento a uma declaração que saiba
não corresponder à vontade real de quem a emita, ela poderá abrir as portas ao regime do
erro e do dolo: mas não dá o seu assentimento ao que não tenha sido expresso.
Nessa altura, a regra básica – normativa e objectiva – do destinatário normal mantém-se,
apenas com a particularidade de, entre as partes, funcionar uma fórmula específica de
transmitir a vontade.
Segundo uma solução jurisprudencial: “onde se diz que a regra da falsa demonstratio non
nocet é destinada a dar satisfação à vontade real concordante das partes, às quais, tendo
usado nas suas declarações uma expressão que objectivamente não significa o que
pretendiam, se assegura o respeito do sentido por elas atribuído a essa expressão”. O
acórdão é claro: não basta um conhecimento da vontade real: exige-se uma vontade real
concordante.

O Direito português consagra assim, no essencial, uma doutrina objectivista da


interpretação, baseada na impressão do declaratário e mitigada, em termos negativos, pela
possibilidade de imputar a declaração a interpretar a quem a tenha feito e pela regra falsa
demonstratio non nocet.

Quando, em nome da vontade do declarante, se vá para além da declaração, - ou se fique


aquém dela – tal como a entenderia o destinatário normal, temos, em rigor, manifestações
da tutela da confiança. A estas aplica-se, como foi referido, o regime dos negócios assentes
na autonomia privada: pelo menos até onde a natureza das coisas o permitia.

A interpretação negocial não visa, apenas, determinar exteriorizações contratuais relevante.


Trata-se, no essencial, de fixar soluções jurídicas para problemas concretos, em termos que

132
possibilitem encontrar, nelas, uma justeza constituinte e uma legitimidade controlável.
Designadamente, não pode a interpretação negocial conduzir a resultados que afrontem
normas jurídicas imperativas ou que venham pôr em questão princípios básicos do
ordenamento: no limite, o próprio negócio será afectado, na sua subsistência.
Pode suceder que as regras da interpretação, mesmo quando doutrinariamente enriquecidas,
nos termos acima apontados, deixem margem para dúvidas. O Direito poderia, em tal
eventualidade, invalidar os negócios por indeterminabilidade. Dá, todavia, uma última
oportunidade de aproveitamento do negócio, estabelecendo pontos de contacto com o
sistema.

O CC exprimiu esta problemática no artº 237º ( “casos duvidosos”): este preceito deve ser
entendido com alguma cautela. Na verdade, a lei não quer, a todo o custo, um equilíbrio de
prestações que, assim, se apresentaria como regra limitativa da autonomia privada.
Quando, porém, as partes não prescrevam, através de declarações aprontadas em termos de
suficiência jurídica, uma particular distribuição de vantagens, apresentam-se actuantes os
valores mais profundos do Direito, entre os quais a justiça comutativa.
O equilíbrio das prestações impõe-se como regra de bom senso, mas muito significativa em
termos jurídicos. Naquilo que a margem interpretativa deixe em aberta – ou, se se quiser,
sempre que as partes tenham disposto doutra forma – há que validar a intepretação negocial
mais justa, ou seja, para o caso: a solução que, tudo visto, surja mais equilibrad, sem infligir
danos despropositados a uma das partes, em proveito da outra.
O equilíbrio das prestações, como expressão directa da justiça comutativa, é a última regra
supletiva a que, nos negócios onerosos, se pode recorrer para fixar o sentido juridicamente
relevanete. Já nos gratuitos, a mesmo preocupação de justiça comutativa leva a que signre a
solução menos onerosa para o disponente.

Finalmente e mau grado o silêncio da lei, cremos que seve prevalecer, também na dúvida, o
sentido mais consentâneo com o objectivo do contrato. A interpretação é, hoje, dominada
pelo factor teleológico (tal como nos contratos assim será).

Regras especias

As regras relativas à intepretação dos NJ’s aplicam-se a declarações recipiendas. Mas –


ambora com adaptações – elas funcionam também em manifestações de vontade normativa
que não tenham um destinatário: de certo modo, releva, então, toda a comunidade jurídica.

A regra do nº1 do artº 238º surge no artº 9º/2, a respeito da interpretação da lei e no artº
2187º/2, a propósito dos testamentos.

A falsa demonstratio non nocet coloca um problema complicado, nos negócios formais. Se
as partes se põem de acordo usando um código não habitual de comunicação, podem agir à
margem das prescrições legais da forma. Estas têm, implícita, a determinação do uso da
linguagem oficial: de outro modo nem faria sentido uma determinação de forma.
Donde a exigência de “...um mínimo de correspondência no texto do respectivo
documento...” do artº 238º/1.
Pode suceder que o apelo à vontade real comum das partes – portanto: à margem do

133
oficialmente declarado – opere em áreas circundantes que escaapem às exigências da
forma. Nessa altura, nenhuma razão haverá para impossibilitar a interpretação que não
tenha o mínimo de correspondência com o texto do documento. A lei exprimiu esta
circunstância referindo “...as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a
essa validade”.
Quando a lei determine uma natureza formal para certo tipo de negócio, “...as razões
determinantes...” são existenciais. O artº 238º/2 implica, pois, que, pela interpretação
(legal) se determine o preciso âmbito da exigência de forma: dentro dele, a falsa
demonstratio não é possível ou equivaleria ao afastamento consensual de regras formais;
fora dele impõe-se a consesualidade, com o possível uso de códigos específicos de
comunicação.

No tocante a testamento, o artº 2187º/1 faz prevalecer a vontade do testador. Trata-se da


vontade real, naturalística, pelo menos até ao limite do mínimo de correspondência com o
contexto – nº2: o testamento é um negócio formal. Admite-se, assim, uma prova
complementar, tendente a precisar a efectiva vontade do testador.

Finalmente, há regras especiais de interpretação no domínio das cláusulas contratuais gerais


– artº 11º da LCCG -ou da defesa do consumidor – artºs 7º/5 e 9º/2 da LDC.

2 - Integração do negócio jurídico

Delimitação das lacunas

Cabe, todavia, uma questão prévia: haverá verdadeiras lacunas negociais?


À partida, a lacuna negocial pressuporiaum ponto no qual, pela lógica global do
negócio,deveria haver uma regulação que, no entanto, falte. Caberia tirar uma de 3
conclusões:
- ou as partes nada disseram por pretenderem que o ponto omisso ficasse fora de qualquer
regulação jurídica;
- ou as partes deixaram a matéria para as normas supletivas, às quais compete preencher o
ponto;
- ou o negócio foi mal conformado aplicando-se, no limite, a regra da nulidade por
indeterminabilidade do conteúdo.

As partes podem pretender deixar alguma área fora de qualquer regulação. Porém, sucede
por vezes que a área lacunosa tenha de ser preenchido para permitir a execução global do
negócio: seja por razões de pura ordem prática – sem as regras em falta, o negócio torna-se
inexequível – seja por razões de justiça – sem elas, ele torna-se injusto. Nessas
eventualidades, teremos de entender, me nome das boas regras de interpretação – artºs
236º/1 e 237º - que não foi inteção normativamente relevante das partes deixar a área em
jogo por regular.
As partes podem deixar a matéra às normas legais supletivas. Não há, aí, qualquer lacuna
do contrato. Mesmo na hipótese de a lei supletiva se mostrar lacunosa, apenas teríamos
encontrado uma lacuna legal, a integrar de acordo com as regras do artº 10º: nada de

134
especificamente negocial.
Finalmente, pode suceder que o negócio mereça, em bloco, não um juízo de lacunosidade,
mas um de incompleitude insuprível. Nessa altura impõe-se a nulidade, nos termos do artº
280º/1, se a situação for inicial, ou a cessação por impossibilidade superveniente, segundo
os artºs 790º/1 e 801º, se for ulterior.

A verdadeira lacuna negocial terá, assim, de apresentar os seguintes requisitos:


- representar um ponto que, pela interpretação, devesse ser regulado pelo contrato;
- sendo inaplicáveis regras supletivas, existentes ou a encontrar nos termos do artº 10º;
- e mantendo-se, não obstante, válido o negócio.

A lacuna negocial deve ser delimitada perante diversas figuras próximas. Assim: da
interpretação negocial, onde se lida com efectivas declarações de vontade; da redução, pela
qual um negócio parcialmente inválido subsiste no remanescente – artº 292º; da conversão
que permite a um negócio invalidade valer enquanto negócio diverso – artº 293º; do
funcionamento da boa fé que impõe deveres acessórios de base legal, em nome do sistema
– artº 762º/2; da alteração das circunstâncias que se manifesta quando um contrato
completo venha a revelar insuficiências, perante modificações circundantes imprevisíveis –
artº 437º/1.

Integração das lacunas

A integração da lacuna negocial efectiva – portanto da lacuna no negócio que revele uma
falha de elementos determináveis apenas pela autonomia privada – pauta-se pelo artº 239º.
Este preceito remete para a vontade hipotética das partes e para a boa fá, em termos a que
haverá a oportunidade de regressar.
Impõem-se algumas considerações prévias: elas são determinadas pela natureza das coisas
e pela Ciência do Direito, escapando, assim, ao arbítrio directo do legislador. Na verdade, a
integração negocial é, qualitativamente, algo de muito diferente da integração de lacunas
legais. Em bom rigor, ela não deveria chamar-se “integração”.
Reside aqui a chave da integração negocial, ela é, na realidade, uma interpretação
complementadora ou integrativa. Trata-se de prolongar, através de regras que apelem ainda
à interpretação das parcelas existente, seja a declaração insuficiente, seja a própria vontade
lacunosamente manifestada.
Segundo LARENZ, enquanto a interpretação comum visa a vontade juridicamente
relevantes das partes, a interpretação complementadora tem a ver com a regulação
objectiva do contrato.

O artº 239º manda proceder à integração negocial segundo 2 critérios:


- de acordo com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso;
- em função dos ditames da boa fá, quando outra seja a solução por eles imposta.

O primeiro critério legal da integração apela para a “vontade que as partes teriam tido”.
Está, de facto e logo pela leitura do preceito, em jogo algo mais do que uma mera
interpretação. É a chamada vontade hipotética das partes.
A vontade hipotética das partes não se confunde com a vontade real, que aflora no artº

135
236º/2. Na sua determinação, há acordo em que não se trata da vontade naturalística, a
indagar por meios psicológicos; não tendo havido uma exteriorização cabal aquando da
conclusão do contrato, qualquer vontade que se procure apenas poderá ser reconstruída.
De pé ficam ainda duas possiblidades:

- a vontade hipotética individual ou subjectiva: procura indagar-se, perante os dados


concretos existentes, qual teria sido, em termos de probabilidade razoável, a vontade das
partes se tivessem previsto o ponto omisso;
- a vontade hipotética objectiva: efectua-se, perante a realidade e os valores em presença. a
reconstrução da vontade justa das partes se, com razoabilidade, tivessem previsto o ponto
omisso.
Assim sendo, uma conjunção entre a vontade das partes e a boa fé, mas com predomínio da
segunda, conduz à vontade hipotética objectiva, isto é, a uma ponderação objectiva das
situações existentes, tendo em conta as declarações de base que as fundamentaram. Por
uma via menos recta, o artº 239º vem, deste modo, a desembocar no grande oceano da
interpretação complementadora, tal como a entende a Ciência jurídica actual.
A ideia unitária da interpretação complementadora, ligada à vontade hipotética objectiva
das partes, emerge de uma síntese entre o contrato, projectado das declarações de vontade
individuais, e a boa fé, entendida como regra de ponderação objectiva, equilibrada e
equitativa – mas não de equidade! – das situações em presença.

Como foi referido, o critério último da integração resulta, segundo o artº 239º,da boa fé.
Esta, interpretada em conjunto com a vontade hipotética formalmente apresentada como
primeiro critério, conduz, nos termos preconziados, à vontade hipotétia objectiva.

A boa fé logo manda atender à confiança que as partes tenham depositado no


funcionamento e na adequação do contrato.
Trata-se, naturalmente e de acordo com as regras gerais, de uma confiança efectiva e
legítima, que tenha ocasionado um investimento de confiança e que seja imputável Às
partes. A confiançaem causa terá de alicerçar-se no próprio contrato e não em factores a e
ele estranhos.
A confiança assim tutelada resulta do conjunto das declarações contratuais, uma vez
interpretadas. Temos, deste modo, um prolongamento natural do contrato.

V- VÍCIOS DA VONTADE E DA DECLARAÇÃO

1- Enunciado e classificação dos vícios do negócio jurídico

O negócio jurídico vale, perante o Direito, enquanto manifestação da autonomia privada.


Nessa medida, ele releva por corresponder a uma determinada vontade, isto é, a uma
decisão assumida na sequeência de toda uma ponderação imputável a um sujeito. A
decisão, como se viu, de ser exteriorizada, para produzir os seus efeitos. Estamos, todavia,
em face de uma obra humana. Vários vícios podem interferir em todo esse processo.
Tais vícios incidem em 2 planos:
- na própria vontade em si;

136
- na declaração.

No primeiro caso, o processo que leva à tomada de decisão do sujeito autónomo é


perturbado: há um vício na formação da vontade. Tal vício pode ir desde a pura e simples
falta de vontade até à ausência de liberdade ou à liberdade que, por assentar em elementos
inexactos, não seja verdadeiramente autónoma.
No segundo caso, a vontade, em si, formou-se devidamente; no entanto, algo interfere
aquando da sua exteriorização, de tal modo que a declaração não corresponda à vontade
real do sujeito: há divergência entre a vontade e a declaração (os vícios da declaração).
Ainda aqui, a divergência pode assumir várias feições e, designadamente, ser intencional –
surgindo, portanto, porque o declarante a quis – ou não-intencional – derivando, então de
lapsos ou dificuldades ocorridas na exteriorização.

Na base destas considerações, pode estabelecer-se o seguinte quadro relativo a vícios da


vontade e da declaração:

A- vício (na formação) da vontade:

a) ausência de vontade:

- coacção física (artº 246º);


- falta de consicência da declaração (artº 246º);
- incapacidade acidental (artº 257º, em parte).

b) vontade deficiente:

- por falta de liberdade (coacção moral, artºs 258º e ss.);


- por falta de conhecimentos (erro-vício, atºs 251º e 252º e dolo, artºs 253º e 254º);
- por ambos (incapacidade acidental, artº 257º, em parte).

B- divergências entre a vontade a declaração:

a) intencionais:

- simulação (artºs 240º e ss.);


- reserva mental (artº 244º);
- declarações não sérias (artº 245º).

b) não intencionais

- erro-obstáculo (artº 247º);


- erro de cálculo ou de escrita (artº 249º);
- erro na transmissão (artº 250º).

As soluções que o Direito faz corresponder a estes vícios são norteadas por dois princípios
fundamentais: a autonomia privada e a tutela da confiança.

137
A autonomia privada exige que a vontade juridicamente relevante corresponda à vontade
real, livre e esclarecida, do declarante.
A tutela da confiança requer a protecção da pessoa que tenha dado crédito À declaração de
outrem, mesmo quando esta não reúna todos os requisitos que um puro esquema de
autonomia privado exigiria.

2- Ausência de vontade negocial


Falta de consciência da declaração

O Código Civil, lado a lado com a coacção física, colocou a falta de consciência da
declaração – artº 246º: o declarante emitiu, na verdade, a declaração negocial, mas não
sabia que o estava a fazer.

Exemplo: O tema da falta de consciência da declaração documenta-se com um velho


exemplo de escola: o do “leilão de vinhos de Trier”: um forasteiro penetra distraidamente
numa adega onde decorria precisamente um leilão de vinhos; de acordo com o uso local,
levantar a mão tinha, aí, o sentido de um lance; o forasteiro vê, entre os presentes, um
conhecido e saúda-o, levantando a mão; o pregoeiro interpreta o gesto como uma oferta e
adjudica-lhe o lote em leilão.

Na verdade, existe uma polémica antiga quanto a saber se, para a presença de uma
declaração de vontade neogical, é necessária a consciência da declaração, isto é, a
consciência de emitir uma declaração negocial ou se, pelo contrário, basta a possibilidade
de tomar o sentido do comportamento como o de uma declaração de vontade, com uma
papel decisório, pois, à intepretação normativa.

Tudo visto, propõe-se uma interpetação restritiva do artº 246º/1, na parte relativa à falta de
consciência da declaração.

O declarante que emita uma proposta ou outra declaração, em boa e devida forma, sem ter
consciência do que faça, incorre, à partida, nos canais da eficácia jurídica. A declaração
vai-lhe ser imputada com o sentido que lhe daria o declaratário normal; apenas na
conjuntura do erro ele a poderia impugnar.
Só assim não será quando a falta de consciência seja de tal modo aparente que, perante o
declaratário normal, ela não lhe possa ser imputada. Nessa altura – e porque não se pode
admitir a inexistência – o acto será nulo. Ainda então, se a falta de consciêcia puder ser
censurada ao declarante – portanto, se ele fez a declaração violando os deveres de lealdade
ou de informação ou se se colocar voluntariamente na situação de o fazer – ele fica
obrigado a indemnizar o declaratário – artº 246º. Necessário será – nos termos gerais – que
se mostrem reunidos os diversos pressupostos da responsabilidade civil.
A aparência que assim for criada pode vir a causar dano a alguém que a interprete como
uma verdadeira declaração negocial. Caso o comportamento do autor seja culposo, isto é, se

138
ele tiver culpa na falta de consciência e na criação dessa aparência de declaração negocial,
incorrerá em responsabilidade civil e deverá indemnizar os danos que assim causar (PPV).

Compreensivelmente, a jurisprudência tem evitado aplicar esta figura. Assim, em Rev 25-
Jan.-1996 veio entender-se que a falta de consicência da declaração só opera perante
capazes, enquanto em RCb 14-Mai.-1996 se estabeleceu que tal falta só releva quando seja
total: atingindo apenas parte do negócio, caberia recorrer ao erro.

Incapacidade acidental

O artº 257º do CC contém a denominada incapacidade acidental.

Desde logo, este preceito parece sobrepor-se ao artº 246º e às figuras nele contempladas da
coacção física e da falta de consciência da declaração: em qualquer destas duas hipóteses, o
declarante ou está acidentalmente incapacitado de entender o sentido da declaração ou não
tem o livre exercício da sua vontade. Por fim, ele fixe um regime dissonante: a (mera)
anulabilidade, contra a nulidade.

Segundo um acórdão do Supremo de 3-Mai.-1971 – o primeiro que se ocupou da figura – a


anulação por via do artº 257º obedeceria a três requisitos:

- condições psíquicas de não entender e querer;


- no momento da prática do acto;
- e sendo isso facto notório ou do conhecimento do declaratário.

A incapacidade acidental corresponde, assim , a um tipo particular de falta de vontade na


declaração, desenvolvido à margem da teoria do NJ. Com requisitos estreitos de
funcionamento e um regime benevolente – a mera anulabilidade.

Um campo de especial aplicação será hoje em dia, os negócios celebrados sob influência de
psicotrópricos ou de estupefacientes (e também o estar notoriamente embriagado, por
exemplo).

De comum com os vícios da vontade tem a deficiência de discernimento ou de liber dade


negocial, mas faltam-lhe os demais requisitos do erro, do dolo e da coacção (PPV).

Declarações não sérias

Está disposto no artº 245º.

A doutrina tem observado que o termo “falta de seriedade” é demasiado estrito.

Ficam, na verdade, abrangidas todas as situações nas quais o declarante não tenha a
intenção de formular uma verdadeira declaração negocial, esperando que o
“declaratário” disso se aperceba e tenha consiciência. Nessa linha, a doutrina portuguesa

139
abrange, nas declarações não sérias, as jocosas (jocandi causa), as didácticas, as cénicas , as
jactanciosas e as publicitárias.

Diferentemente da coacção absoluta e da falta de consciência da declaração, há neste casos


a intenção da emissão daquelas declarações e a intenção de criar uma aparência, mas há
também a convicção de que a falsidade da aparência é conhecida e de que a aparência assim
criada é inocente e não irá lesar ninguém (PPV).

A declaração não séria distingue-sa da falta de consciência da declaração pela “expectativa


de que a falta de seriedade não seja deconhecida”: é evidente que, em bom rigor, em ambas
as situações há falta de consciência da declaração.
Devemos, pois, objectivar a figura, sob pena de ela ser inaplicável: a “expectativa” exigida
no artº 245º/1 terá de ser objectivamente cognoscível, aquando da sua emissão e isso
segundo critérios de normalidade e razoabilidade sociais.

E se o não for? Nessa eventualidade, cairíamos na reserva mental – artº 244º/1. Uma
declaração não séria, feita de tal modo que não-seriedade não seja cognoscível tem
(objectivamente) o intuito de enganar o declaratário. A “sanção” será, nessa altura, a
validade da declaração – artº 244º/2.
Como ponto de suplementar a dificuldade, o artº 245º/2 consagra, aparentemente, uma
regra para a declaração não séria que passe por verdadeira.
Tomando à letra esta previsão, a declaração não séria, justificadamente aceite como boa, e a
reserva mental ficariam indistinguíveis. O quadro – em nome duma interpretação
sistemática – terá de ser o seguinte:

- declaração patentemente não séria: aplica-se o artº 245º/1;


- declaração patentemente não séria, mas que, por particulares condicionalismos, enganou o
declaratário: aplica-se o artº 245º/2;
- declaração secretamente não séria: aplica-se o regime da reserva mental.

Quem emite declarações não sérias tem de ter a cautela de não criar noutras pessoas a
convicção errónea da seriedade da declaração. Por isso, se a declaração não séria for
emitida em circunstâncias tais que “induzam o declaratário a aceitar justificadamente a sua
seriedade”, o declarante incorre em responsabilidade civil e terá de indemnizar os danos
que causar com a sua prática (PPV).

140
3- Coacção

Examinadas as hipóteses radicais da ausência de vontade, cabe passar àquelas em que


esta surge deformada pela falta de liberdade.

Coacção física

Na coacção física, alguém é levado, pela força, a emitir uma declaração, sem ter
qualquer vontade de o fazer. Em rigor não há, pois, na coacção física, qualquer
manifestação de vontade, mas tão-só uma aparência. Sabe-se, porém, que o jogo
inseparável dos princípios da autonomia privada e da confiança não permite a sua
irradicação do universo negocial: a declaração sem vontade é, ainda uma declaração.

A coacção física pode ser confundida com a coacção moral, naqueles casos em que esta
última é feita com o concurso de meios físicos. Não se trata, neste caso, de uma ameaça
ou de uma coacção que, feita por meios físicos, conduza a sua vítima a emitir uma
declaração negocial que doutro modo não emitiria.
Exemplo: O caso em que alguém seja espancado ou ameaçado com uma arma até
assinar um contrato que não queria, não é de coacção física, mas sim de coacção moral
por meio físico.

A diferença entre a coacção absoluta e a coacção moral com ameaça física é clara:
enquanto na coacção moral existe vontade negocial, embora essa vontade tenha sido
pressionada, influenciada, viciada pelo medo causado pela ameaça, na coacção absoluta
não existe qualquer vontade negocial, nem sequer viciada.
A doutrina tradicional adopta como exemplo de escola o caso em que “um indivíduo,
dominando outro pela força, lhe segura a mão e o compele desse movdo a subscrever
uma declaração negocial”. Outros exemplos são dados em que o coactor, por exemplo,
força o coacto a levantar a mão num leilão ou numa votação. Os casos de coacção física
ou absoluta, são mais fáceis de conceber e de suceder em declarações omissivas, como
por exemplo, no silêncio quando este tenha valor de declaração negocial. É fácil de
conceber o caso em que o coactor força o coacto à abstenção, ao silêncio, à omissão
(PPV).

O artº 246º do CC autonomiza a figura da coacção física, proclamando que a declaração


negocial por ela originada não produz quaisquer efeitos. Apesar deste aceno à
inexistência, desde já se adianta que a consequência da coacção física é a nulidade: não
há nenhuma inexistência como vício autónomo.

A discussão tem relevância porque o pandectismo tradicional, firme no dogma da


vontade, poderia descobrir na coacção física uma falta de declaração, pelo que não
haveria quaisquer efeitos e na coacção moral uma verdadeira declaração, ainda que
deformada. Esta última conduziria à mera invalidade.

A regra deverá ser a seguinte: qualquer situação de coacção implica, à partida, o regime
da coacção moral: recordamos o brocardo voluntas coacta, voluntas est (a vontade
coagida é vontade). Todavia, quando a situação seja de tal modo significativa que não
possa falar-se de voluntas, por o coagido não ter, em termos de normalidade, margem de
escolha (por exemplo: uma ameacça de morte totalmente verosímil), caímos na coacção

53
física.

Havendo coacção moral, o negócio assim concluído é anulável – artº 256º; o coagido
poderá invocar o vício mas não, em princípio, qualquer terceiro; deste modo,
supervenientemente, tornando-se, afinal, o negócio favorável, o coagido pode escolher
mantê-lo. Porém, perante a coacção física – artº 246º - o vício seria o da nulidade ou,
quiçá, o da inexistência. O coagido, mesmo a querer conservar o negócio por,
subsequentemente, se ter tornado favorável, já não o poderá fazer.

Coacção moral

Vem disposta no artº 255º.

A coacção moral distingue-se assim, com facilidade, da chamada coacção física, a


coacção absoluta, porque no caso da coacção moral existe vontade negocial, embora
viciada pelo medo (coacta voluntas sed voluntas), enquando na coacção absoluta,
simplesmente não há vontade negocial. O negócio viciado por coacção é anulável. A
decisão negocial que é determinada ou extorquida por medo está viciada por falta de
liberdade suficiente (PPV).

A concisão dos textos legais não impediu a doutrina de, em obediência à tradição
românica, distinguir múltiplas situações. Assim, a coacção poderá ser principal ou
apenas incidental, consoante, atinja o essencial do negócio ou, tão-só, aspectos
acessórios; poderá ser dirigida ao próprio ou ao terceiro, conforme a pessoa ameacçada;
poderá visar a pessoas, a honra ou o bens do próprio ou dos terceiros; poderá provir do
declaratário ou de terceiros.

Para ser tida em conta pela Direito, a coacção terá de apresentar várias características.
Retemos a enumeração apresentada por MANUEL DE ANDRADE, no âmbito do
Código de SEABRA:

a) Essencialidade: a coacção deverá determinar o núcleo da declaração;


b) Intenção de coagir: não lidamos, aqui, com o estado de necessidade; o declaratário
terá, assim, de ser vítima duma efectiva acção humana destinada a extorquir-lhe a
declaração pretendida;
c) Gravidade do mal: variável embora, segundo as circunstâncias, o mal prefigurado
pela ameaça deve ter peso bastante;
d) Gravidade da ameaça: indepentemente do mal em si, há que ponderar a probabilidade
da sua consumação e a sua seriedade;
e) Injustiça ou ilicitude da cominação: a “ameaça” do exercício dum direito (vou para
Tribunal se não pagares) não é coacção.

À coacção moral corresponde a sanção da anulabilidade – artº 256º. Assim se distingue


da coacção física, que nos leva à nulidade artº 246º.

Estado de necessidade

4- Erro

54
O erro consiste numa falsa percepção da realidade. Pode ser espontâneo ou provocado
(dolo), e pode incidir sobre as pessoas ou o objecto do negócio, sobre os motivos e
sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio (PPV).

Na verdade, dada a natureza falível da actuação humana, o grande óbice que sempre
pode surgir em qualquer negócio reside no engano de quem o celebre. O erro implica
uma avaliação falsa da realidade: seja por carência de elementos, seja por má apreciação
destes e, num caso e noutro, por actuação própria ou por intervenção, maldosa ou
inocente, da contraparte ou de terceiros.
O erro suscita ainda um problema complexo, por via da contraposição de valores que
coloca. Por um lado, a autonomia privada mandaria que, detectado o erro, a declaração
fosse corrigida; mas por outro, a confiança suscitada no declaratário obriga à
manutenção do que foi dito.

O CC trata, hoje, o erro nos seus artºs 247º e a 252º. O legislador parte do erro na
declaração, onde fixa o regime geral – 247º. Admite a validação do negócio – 248º - e
regula o simples erro de escrita – 249º - e o de transmissão da declaração. Passa ao erro-
vício sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio – 251º - ao erro sobre outros motivos
determinantes – 251º/1 – e conclui com o erro sobre a base do negócio – 252º/2.

Erro na vontade ou erro-vício


(sobre a pessoa ou sobre o objecto)

O artº 251º estatui acerca do erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio e remete
o seu regime para o do artº 247º, concernente ao erro na declaração.

O erro sobre a pessoa resulta de uma desconformidade entre o conhecimento ou a


percepção que a parte tem da pessoa da outra parte ou das suas qualidade e a verdade
(PPV).

É o verdadeiro erro: o que vicia a própria formação da vontade. Fala-se, a tal propósito,
em erro-vício ou, simplesmente, erro da vontade.
Quanto ao erro na declaração, o legislador não formulou restrições de âmbito: apenas
releva a essencialidade, para o declaratário, do elemento atingido e o conhecimento (ou
dever de conhecer), pela contraparte, dessa mesma essencialidade.

No tocante à pessoa do declaratário, o erro pode reportar-se à sua identidade ou às suas


qualidades. Em qualquer dos casos, ele só será relevante quando atinja um elemento
concretamente essencial, sendo – ou devendo ser – essa essencialidade conhecida pelo
declaratário, pela aplicação do artº 247º.
Bem se compreende: quem contrate com um oftalmologista para tratar dos dentes
comete um erro seja quanto à identidade da pessoa, seja quanto às suas qualidades.

O erro relativo ao objecto tem sido prudente e correctamente alargado pela doutrina e
pela jurisprudência. Não está em causa, apenas, a identidade do objecto, mas as suas
qualidades e, particularmente, o seu valor. Relevam, também, as qualidades jurídicas do
objecto. Além disso e numa interpretação correcta e da maior importância, o “objecto”
abrange, também o conteúdo do negócio.

55
A jurisprudência tem oscilado quanto a saber se o erro pode abranger as representações
sobre a evolução futura do objecto. Em rigor, o erro sobre o futuro do objecto seguirá o
regime do artº 252º - e não o do 251º. Assim não será quando fiquem envolvidas as
qualidades (actuais) da coisa e, designadamente, o seu valor (actual). De todo o modo, o
interessado terá de provar que as evoluções desfavoráveis, capazes de, no presente,
traduzir o erro, que têm a ver com o próprio objecto em jogo.

Para que o negócio seja anulável é necessário que se verifiquem dois pressupostos que
constam do artº 247º, por remissão do artº 251º: a essencialidade e a cognoscibilidade
(PPV).

O erro na vontade, quando relativo à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio,


segue o regime do artº 247º. Damos por reproduzido o que se disse quanto à
essencialidade do elemento sobre que recaia e quanto ao conhecimento
(cognoscibilidade) – ou dever de conhecer – dessa essencialidade, pelo destinatário.
O “dever de conhecer” introduz um factor de objectivação que dá consistência ao
sistema, tutelando a confiança: quem compra uma mercadoria pensando que é a mais
barata do mercado poderá fazer, disso, um factor essencial; mas das muitas motivações
possíveis, nenhum vendedor tem o dever de conhecer esse elemento: qualquer
interessado compra por precisar na altura, por lhe ter ocorrido, por ser mais prático ou
por ser, em qualquer caso, suficientemente barato para permitir a decisão de compra.

O erro da vontade sobre a pessoa ou sobre o objecto pode advir da falsa representação
de regras jurídicas: a compra dum terreno por se pensar que é sempre permitido
construir ou a contratação dum solicitador por se julgar que os solicitadores podem
advogar são – verificados os requisitos do artº 247º - anuláveis por erro,
respectivamente, no objecto e na pessoa: e no entanto, em ambos os casos há erros de
Direito. A anulação por erro da vontade tem a ver com a má conformação desta; ele não
dispensa ninguém de observar a lei, a pretexto do seu desconhecimento. Não está, pois,
em causa o artº 6º do CC.

A desconformidade que caracteriza o erro entre a percepção do autor e a realidade, tanto


pode ter a ver com o quid sobre o qual incide o negócio, como sobre o seu conteúdo,
isto é, sobre o seu regime jurídico.
Utilizando como exemplo o arrendamento para habitação, o erro sobre a pessoa pode
consistir num engano quanto a características pessoais do inquilino, quando ele seja, por
exemplo, um traficante de droga em vez duma pessoa de bem; o erro sobre o objecto
pode consistir na falsa convicção por parte do inquilino de que a casa tem um certo
número de divisões, tem vista para o mar, ou tem aquecimento central (erro sobre as
características do objecto stricto sensu); assim como pode consistir na falsa convicção
do carácter vinculístico do arrendamento, como arrendamento por tempo limitado (erro
sobre o conteúdo). O chamado erro de direito reconduz-se, na maior parte das vezes, ao
erro sobre o conteúdo do negócio (PPV).

Erro sobre os motivos

“Erro sobre os motivos” reporta-se à figura prevista no artº 252º/1 do CC.


O erro sobre os motivos provém do erro de facto acerca da causa.

As pessoas podem formular declarações pelos motivos mais variados e que nada tenham

56
a ver com o objecto do negócio ou com o declaratário. Nessa altura, o facto de o
destinatário conhecer – ou dever conhecer – a essencialidade do motivo não justifica a
supressão do negócio: não se tratando dum elemento nuclear, ele não tem nada com
isso. Assim, se uma declarante experimenta e compra um vestido de noiva, é patente
que o motivo da compra é o seu próprio casamento; não pode invocar erro nesse ponto
(pensara, por hipótese, que todas as convidadas para um casamento devem vir vestidas
de noiva) para anular o negócio. Com uma ressalva: a de ambas as partes terem
reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo. (Assim, não haverá erro sobre os
motivos se alguém comprar um terreno agrícola pensando que nele podia construir, o
que verificou não ser o caso).

Os requisitos de relevância anulatória do erro sobre os motivos são diferentes: é


necessária a essencialidade do erro, como no erro sobre a pessoa ou o objecto mas, em
vez da simples cognoscibilidade pela parte contrária, a lei exige neste caso o acordo das
partes sobre a essencialidade.
Não é raro que as partes, no contrato, façam constar as circunstâncias em que contratam,
os fins que as levam a contrartar e os motivos que são essenciais à sua decisão. O
acordo sobre os motivos que constituem a base negocial subjectiva e sobre a sua
essencialidade pode ser expresso ou tácito e determina-se por interpretação negocial. A
parte que invoque o erro sobre os motivos tem o ónus de alegar e provar a
essencialidade do erro e o acordo quanto a essa essencialidade. A consequência jurídica
do erro sobre os motivos, previsto no artº 252º/1 é também a anulabilidade do negócio,
tal como no caso do erro sobre a pessoa ou o objecto do negócio (PPV).

O acordo exigido para a relevância dos motivos pode ser tácito. O Supremo fala num
“recíproco reconhecimento”: ambas as partes associam a sua vontade à essencialidade
do motivo, identificando-o minimamente na sua configuração e no seu papel.
Havendo um acordo deste tipo, pode perguntar-se se não estaremos perante uma
condição resolutiva. Não estamos. A condição resolutiva implica uma vontade
condicional – por exemplo: vendo, mas a venda desaparece se não houver casamento; a
relevância, por acordo, dos motivos traduz uma vontade pura, apenas negocialmente
justificada – por exemplo: vendo sabendo que tu só compras porque vais casar. Os
regime são diferentes: a condição opera automaticamente, enquanto a anulabilidade por
eventual erro sobre os motivos tem de ser potestativamente exercida; a supressão da
condição exige mútuo acordo, enquanto a sua mera anulabilidade pode ser confirmada,
segundo o artº 288; na pendência da condição o adquirente tem de conformar-se com
uma actuação circunspecta – artºs 272º a 274º -, enquanto o mero conhecimento da
relevância do motivo deixa o adquirente livre para agir como entender.

Erro sobre a base do negócio

O artº 252º/2 dispõe sobre este preceito.

Uma vez celebrado, o contrato deve ser cumprido. Todavia, pode suceder que um
contrato, uma vez celebrado, venha a cair nas malhas de alterações circunstanciais de tal
modo que ganhe um sentido e uma dimensão totalmente fora do encarado pelas partes,
aquando da sua conclusão. A situação será, então, tanto mais injusta quanto maior for o
prejuízo que, por essa via, uma das partes possa sofrer, em benefício da outra. Mas onde
fazer passar as fronteiras das flutuações admissíveis? Contratar é arriscado. O lucro de
um será o prejuízo do outro: os negócio tornam-se, assim, apetecíveis. Suprimir o risco

57
é bloquear qualquer sociedade aberta, assente, para mais, na iniciativa privada e na livre
concorrência. No Direito civil actual, a locução “alteração das circunstâncias” exprime
o instituto jurídico destinado a solucionar o problema acima retratado e, ainda, o próprio
problema em si.
A base do negócio será, então, uma representação duma das partes, conhecida pela outra
e relativa a certa circunstância basilar atinente ao próprio contrato e que foi essencial
para a decisão de contratar.

A referência a circunstâncias leva a concluir que se trata de algo de exterior ao negócio


que constitui o seu ambiente circunstancial envolvente, a realidade em que se insere, o
status quo existente ao tempo da sua celebração, cuja existência ou subsistência tenha
influência determinante na decisão negocial e seja necessário para o seu equilíbrio
económico e a prossecução do seu fim, isto é, para a sua justiça interna (PPV).

Como pressupostos da relevância do erro sobre a base do negócio deve retirar-se do artº
437º que o erro, como falsa representação da realidade, tem de assumir três
características:
- traduzir-se num desvio “anormal” em relação às circunstâncias necessárias ao
equilíbrio económico do negócio e à prossecução do seu fim, isto é, às circunstâncias
exigidas pela justiça interna do negócio;
- que este desvio perturbe a justiça interna do negócio ou fruste o seu fim, de tal modo
que a sua manutenção em vigor e a exigência da sua execução e cumprimento, tal como
está, se tornem contrárias à boa fé;
- e ainda que o desvio e a perturbação da justiça interna, bem como a frustração do fim
do negócio, não estejam cobertos pelos riscos próprios do contrato (PPV).

Os nosso tribunais superiores – e bem – procedem à interpretação do artº 252º/2 na


sequência do 252º/1: a lei admite a relevância do erro da vontade quando recaia sobre a
pessoa do destinatário ou sobre o objecto do negócio; reportando-se a outro elemento,
terá de haver acordo quanto à essencialidade; referindo-se, todavia, à base do negócio,
tal acordo é dispensado, bastando o conhecimento das partes.

A lei manda apicar o regime da alteração das circunstâncias. Pois bem: integram a “base
do negócio” os elementos essenciais para a formação da vontade do declarante e
conhecidos pela outra parte, os quais, por não corresponderem à realidade, tornam a
exigência do cumprimento do negócio concluído gravemente contrário aos princípios da
boa fé.

Impõe-se, ainda, uma interpretação restritiva quanto à remissão, feito pelo artº 252º/2,
para a alteração das circunstâncias. Esta, sendo superveniente, faculta a resolução do
contrato ou a sua modificação segundo juízos de equidade – artº 437º/1.
No erro sobre a base do negócio, porém, há que aplicar o regime comum do erro: a
anulabilidade.

Dolo

Disposto no artº 253º/1. O nº2 do artº 253º contém uma regra muito importante que
traduz a velha distinção entre o dolus bonus e o dolus malus.

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A relevância do dolo depende, segundo a sistematização geralmente acolhida, na
doutrina como na jurisprudência, de três factores:

- que o declarante esteja em erro;


- que o erro tenha sido causado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro;
- que o declaratário ou terceiro haja recorrido a qualquer artifício, sugestão ou embuste.

É importante atentar na diferença que existe entre o erro simples e o erro qualificado por
dolo. Sendo o erro simples, o negócio só é anulável se ele recair sobre elemento
essencial e se o declaratário conhecer ou dever conhecer essa essencialidade; sendo o
erro qualificado por dolo, essa anulabilidade surge se for determinante da vontade: não
tem de ser essencial, pois bastará que, por qualquer razão (mesmo periférica) tenha dado
lugar à vontade e não se põe o problema do conhecimento uma vez que, neste caso, le
foi pura e simplesmente causado pelo declaratário.

A anulação por dolo pode ser cumulado com a indemnização dos danos causados.
Designadamente pode fazer-se, em simultâneo, apelo às regras da culpa in contrahendo.

Erro na declaração ou erro-obstáculo

Disposto no artº 247º.

Este preceito figura o erro na declaração ou erro-obstáculo: a vontade formou-se


correctamente; porém, aquando da exteriorização, houve uma falha, de tal modo que a
declaração não retrata a vontade. A lei não delimita os elementos sobre que pode recair
o erro na declaração, para este ser relevante.
Podem, pois, ser quaisquer uns, desde que essenciais para o declaratário e portanto:

- elementos nucleares do contrato: o objecto, o conteúdo ou outros aspectos principais;


- elementos circundantes: características acessórias do objecto, cláusulas acidentais ou
factores periféricos diversos;
- factres relativos às partes, incluindo a identidade, a qualidade, a função ou as mais
variadas características.

A divergência entre a vontade e a declaração pode ser intencional ou não intencional.


Podem as partes, ou uma delas, exteriorizar a sua declaração com um conteúdo diferente
daquele que era o seu projecto negocial e fazê-lo intencionalmente, com consciência de
que aquilo que declara é diferente daquilo que é o seu projecto negocial (exemplos:
simulação, artigos 240º a 243º; reserva mental, artº 244º).
Pode também suceder que as partes, ou uma delas, sem disso ter consciência e intenção ,
exprimam ou exteriorizem deficientemente o seu projecto negocial, de tal modo que a
declaração seja diferente daquilo que queriam (exemplos: erro na declaração, artºs 247º
e 248º; erros de cálculo ou de escrita, artº 249º; e erro na transmissão da declaração, artº
250º ) (PPV).

Para a relevância do erro na declaração, a lei portuguesa apenas exige:

- a essencialidade, para o declarante, do elementos sobre que recaiu o erro;


- o conhecimento dessa essencialidade, pelo declaratário ou o dever de a conhecer
(cognoscibilidade).

59
A essencialidade permite excluir o erro indiferente e o erro incidental: no primeiro
caso, o declarante concluiria o negócio tal como resultou, no final; no segundo, concluí-
lo-ia igualmente, aina que com algumas modificações.

A declaração afectada por erro-obstáculo, segundo o artº 247º é anulável.

O conhecimento da essencialidade do elemento, por parte do declaratário é, também um


dado subjectivo: ou conhece ou não conhece. Em regra, o conhecimento derivará duma
comunicação expressa, nesse sentido: todavia, ele poderá advir do conjunto das
circunstâncias que rodeiem o negócio.
Já o dever de conhecer a essencialidade é objectivo: tem natureza normativa. Por
princípio, não há qualquer dever de indagar, na contratação, as razões que levam a otra
parte a fazê-lo.
A essencialidade e o conhecimento – ou as circunstâncias que originem o dever de
conhcer – devem ser invocadas e provadas pelo interessado em anular o negócio.

O erro na declaração exige uma efectiva declaração: não chega uma ambiência de
ordem geral. As regras a ele atinentes aplicam-se a negócios diversos, como às partilhas
ou à assinatura de títulos de crédito.

A anulação do contrato, por erro na declaração, pode provocar danos ao declaratário.


Existe um dever elementar, imposto pela boa fé e pela tutela de confiança, de fazer
corresponder as declarações de vontade realizadas ao que, efectivamente, se pretenda.
Assim, o declarante poderá responder por culpa in contrahendo: verificados os
requisitos, ele deverá indemnizar o declaratário de todos os danos.

Uma modalidade particular de erro na declaração é o dissenso.


Este ocorre quando as partes formulem declarações não coincidentes, convencidas de
que concluíam um contrato: A diz que vende um automóvel e B aceita que ele pinte um
muro. Nessa eventualidade, não há contrato. Qualquer das partes que se aperceba do qui
pro quo tem o dever de prevenir a outra de que nada se conluiu: não foi formulada
nenhuma proposta que obtivesse aceitação. Independentemente disso, temos duas
declarações de vontade distintas que, eventualmente, poderão estar viciadas por erro, na
declaração ou a própria formação da vontade. Verificados os requisitos, elas poderão ser
anuladas, caso, para tanto, haja interesse. Repare-se que o dissenso nem sequer envolve
a rejeição, pelo que a proposta – ou propostas – permanece válida e eficaz até que
caduque, seja rejeitada ou seja aceite.

No erro-vício, a pessoa erra ao decidir; no erro-obstáculo a pessoa erra ao declarar.


Exemplificando, há erro-vício quando a pessoa decide comprar um quadro a óleo que é
uma cópia pensando que se trata de um original; há erro-obstáculo quando a mesma
pessoa, ao tratar da compra do quadro, indica por engano o nome ou número de um
quadro diferente daquele que realmente queria comprar (PPV).

Erro na transmissão da declaração

O artº 250º/1 autonomiza o erro na transmissão da declaração. Determina a palicação


do regime do erro na própria declaração. Assim sucederá nos casos clássicos do
intermediário ou núncio que não transmita fielmente a vontade do mandante. Outro

60
tanto pode suceder em casos de mandato com representação, quando o representante se
desviar das instruções recebidas. Caso, pois, o destinatário conheça a essencialidade,
para o mandante, do elemento deturpado na transmissão ou não deva ignorá-lo, o
negócio é anulável.

O nº2 do artº 250º ocupa-se do caso particular do dolo do intermediário, isto é: dos
casos em que este altere propositadamente a declaração. Aí, no conflito entre autonomia
privada e a tutela da confiança, a lei entender dar a primazia à primeira: a declaração é
sempre anulável. O dolo deve ser provado por quem o invoque, havendo, contra o autor
do feito e verificados os pressupostos legais, um direito à indemnização, a favor de
todos os lesados.

Neste caso (artº 250º/2), a declaração é anulável mesmo que se não verifiquem os
requisitos de essencialidade e de cognoscibilidade exigidos pelos artº 247º (PPV).

Validação do negócio

Segundo o artº 248º, a anulabilidade fundada em erro na declaração não procede se o


declaratário aceitar o negócio como o declarante o queria.
Esta validação pressupõe, desde logo, que haja uma declaração. Verificada a aceitação,
prevaleceria, então, a vontade real do declarante, numa figura que já foi judicialmente
entendida como uma manifestação prática do princípio da redução dos negócios,
prevista no artº 292º.

Na sua aparente simplicidade, este preceitos coloca problemas diversos de redução


dogmática. Ele atribui um direito específico, de natureza potestativa, ao declaratário,
que se distingue da falsa demonstratio non nocet e da redução/conversão. Assim:

- artº 236º/2: falsa demonstratio non nocet: o declaratário conhece a vontade real do
declarante e concorda com ela: o contrato forma-se, imediatamente, modelado segundo
essa vontade;
- artº 248º: validação do negócio: o declarante comete erro na declaração; o declaratário,
ao conhecer a vontade real do declarante, pode aceitar o negócio com o conteúdo dela
resultante: o contrato forma-se apenas nessa ocasião;
- artºs 292º e 293º: consumada a anulação por erro, negócio pode reduzir-se ou
converter-se, se a vontade hipotética das partes o facultar: temos um (re)aproveitamento
do negócio que é ulterior e não segue, particularmente, nenhuma vontade real.

Erro de cálculo ou de escrita

Uma modalidade muito vincada de erro na declaração, que dispõe de regime próprio, é a
do erro de cálculo ou de escrita. Está disposto no artº 249º.

Trata-se dum preceito que cobre as hipóteses de lapsus calami (lapso de pena) ou de
lapsus linguae (lapso de língua). O erro é de tal modo ostensivo, que resulta do próprio
contexto do documento ou das circunstâncias da declaração (por exemplo se se enganou
nas contas ou porque errou uma operação de cálculo). Em rigor, nem há erro, uma vez
que a declaração deve ser globalmente interpretada. Não se verificando a imediata
aparência do erro, haverá que aplicar o regime geral do artº 247º ou outro qualquer,
previsto por lei específica. Estas mesmas regras têm aplicação na hipótese de erro

61
informático.
O maior campo de aplicação prática do artº 249º reside precisamente nos actos de
processo não dotados de normas especiais: aflora, nesse preceito, uma regra geral
aplicável a todos os actos jurídicos.

5- Simulação e reserva mental


Simulação

Reserva mental

Disposto no artº 244º.

A noção parece clara: há declaração com um mero intuito interior de enganar o


declaratário, não pretendendo o declarante aquilo que declara querer. Pode distinguir-se
a reserva absoluta da relativa, consoante o declarante não pretenda nenhum negócio ou
antes queira um negócio diferente do declarado. A reserva diz-se inocente ou
fraudulenta conforme não vise prejudicar ninguém ou, pelo contrário, assuma animus
nocendi.

Na reserva mental, o declarante mente e tenta enganar: declara contrar e afirma


vincular-se, promete cumprir; mas tem a intenção, já pré-ordenada, de não repeitar o
negócio que celebra, de frustrar a promessa feita, de não cumprir o contrato que fechou
(PPV).

A reserva mental sendo, como é, puramente interior, não prejudica a validade da


declaração. Trata-se duma evidência: como explica MANUEL DE ANDRADE:

“É difícil conceber que existe alguém tão falho de senso jurídico que suponha que, peo
simples facto de não querer os efeitos jurídicos correspondentes à sua declaração, isto
baste para invalidar o respectivo negócio”.

Esse autor põe todavia a hipótese de alguém concluir um negócio que não queira, mas
pensando ser o mesmo nulo por um vício que, na realidade, não se verifique. Nessa
eventualidade tem, todavia, aplicação o regime do erro: não o da reserva mental: os
motivos determinantes da vontade, relativos ao objecto (ou conteúdo) – artº 251º -
assentaram num error iuris.

Em compensação, não há nenhuma evidência no final do artigo 244º/2: manda aplicar o


regime da simulação quando o declaratário conheça a reserva. De facto, a simulação
pressupoões um acordo entre o declarante e o declaratário e o intuito de enganar
terceiros – artº 24º/1. Ora, na reserva conhecida pelo declaratário, não há tal acordo
nem, logicamente, o comum intuito de enganar terceiros.

Caso o declaratário conheça e avontade real – portanto: a reserva do declarante e com


ela concorde -, funciona o regime da falsa demonstratio non nocet – artº 236º/2.
O artº 244º/2 interpreta-se, pois, em termos restritivos e integrados.

Simulação

62
Na simulação, as partes acordam em emitir declarações não
correspondentes à vontade real, para enganar terceiros. Trata-se duma
operação complexa, que postula três acordos: um acordo simulatório, um
acordo dissimulado e um acordo simulado. O acordo simulatório visa a
montagem da operação e dá corpo à intenção de enganar terceiros. O
acordo dissimulado exprime a vontade real de ambas as partes e visa: ou o
negócio verdadeiramente pretendido por elas ou um puro e simples retirar
de efeitos ao negócio simulado. Finalmente, o acordo simulado traduz uma
aparência de contrato, destinado a enganar a comunidade jurídica. Estas
distinções são analíticas e procuram o estudo da figura. Na realidade, as
partes têm uma única vontade, a vontade simulada, a qual, por definição,
implica a dissimulada e a simulatória.

O artigo 240.º põe, claros, três requisitos para a simulação:

o Um acordo entre o declarante e o declaratário;

o No sentido duma divergência entre a declaração e a vontade das


partes;

o Com o intuito de enganar terceiros.

Estes elementos devem ser invocados e provados por quem pretenda


prevalecer-se da simulação ou de aspectos do seu regime.

O acordo entre as partes é importante para prevenir a confusão com o erro


ou a reserva mental; a divergência entre a vontade e a declaração surge
como dado existencial da simulação; o intuito de enganar terceiros, a não
confundir com a intenção de os prejudicar, prende-se com a actuação (logo:
voluntaria) de criar uma aparência. “Terceiros” será qualquer pessoa alheia
ao acordo simulatório: não necessariamente ao contrato simulado.

A simulação pode sofrer diversas classificações:

o Ela diz-se fraudulenta ou inocente consoante vise prejudicar


alguém.

o A simulação é absoluta quando as partes não pretendam celebrar


qualquer negócio; é relativa sempre que, sob a simulação, se
esconda um negócio verdadeiramente pretendido: o negócio
dissimulado.

o A simulação diz-se objectiva quando a divergência voluntária recaia


sobre o objecto do negócio ou sobre o seu conteúdo; é subjectiva
sempre que ela incida sobre as próprias partes. Neste ultimo caso,
temos a interposição fictícia de pessoas. A vende a B e ambos
combinam que se declare vender a C.

O artigo 240.º/2 considera, lapidarmente, o negocio simulado como nulo.


Não obstante, não se trata de verdadeira nulidade, uma vez que, visto o

63
disposto nos artigos 242.º e 243.º, ela não pode, contra o artigo 286.º, ser
invocada por qualquer interessado nem, a fortiori, ser declarada
oficiosamente pelo tribunal. Fica, todavia, a ideia de que o negocio simulado
não produz efeitos entre as partes e perante terceiros que conheçam ou
devessem conhecer a simulação: os terceiros de “má fé”, em termos abaixo
explicitados.

O artigo 241.º/1 tem uma regra da maior importância prática: a simulação


não prejudica a validade do negócio dissimulado. Apenas se dispõe que,
quando tenha natureza formal, ele só seja válido se houver sido observada
a forma exigida pela lei. Esta exigência não pode ser tomada no sentido de
todos os elementos do contrato simulado constarem da lei, ou não haveria
aproveitamento possível. Por exemplo: havendo doação dissimulada, não
faria sentido pretender ver o animus donandi na escritura de venda. Os
interessados no negócio dissimulado devem invocá-lo e prová-lo: não pode
o tribunal, pedida uma declaração de simulação absoluta, passar à relativa.

As exigências de forma devem-se mostrar satisfeitas: elas não estão na


disponibilidade das partes. Por definição, nem todo o negocio dissimulado
poderá constar do texto do simulado. Por analogia, tem aplicação o disposto
no artigo 238.º: terá de haver um mínimo de correspondência no texto,
salvo se as razões determinantes da forma a tanto não se opuserem.

O artigo 242.º/1 dá legitimidade aos próprios simuladores, mesmo na


simulação fraudulenta, para arguirem a simulação. Trata-se dum preceito
que visa ladear a eventual invocação do tu quoque.

Sendo, mau grado os apontados desvios, o contrato nulo, a nulidade pode


ainda ser invocada por qualquer terceiro interessado, nos termos gerais do
artigo 286.º, contra os simuladores ou os seus herdeiros. O artigo 243.º/1
impede tal invocação perante terceiros de boa fé, ou seja: contra o terceiro
que desconheça, sem culpa, a simulação.

O artigo 242.º/3 especifica a má fé perante o registo da acção de simulação.


É evidente: havendo registo, qualquer interessado em conhecer a realidade
tem o dever de se inteirar do seu teor.

O problema da inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé


suscita um delicado problema de justiça, no confronto com as preferências
legais.

Diz-se que há preferência quando alguém, o preferente, tenha o direito de,


perante outra pessoa, o obrigado à preferência, e querendo esta celebrar
certo negocio, surgir como contraparte, desde que acompanhe as condições
por ela pretendidas. O preferente na compra de certa coisa, por exemplo,
tem o direito de exigir ao proprietário dela que, caso ele a pretenda vender,
lhe submeta previamente o projectado negócio para que ele, querendo, o
subscreva. A lei portuguesa distribui, com grande generosidade, direitos de
preferência que, assim, se dizem legais. Havendo violação de um direito de
preferência, portanto: vendendo o obrigado à preferência a um terceiro sem

64
dar prévia conta, ao preferente, do conteúdo exacto do negócio projectado,
para que este eventualmente prefira, pode o preferente, através da acção
prevista no artigo 1410.º do CC, a acção de preferência, fazer seu o negócio
preferível.

Uma das simulações mais frequentes era, na prática, a venda por um preço
declarado inferior ao real, para defraudar o fisco: vendia-se por 500.000
euros mas, para não pagar sisa, então existente, declarava-se, na escritura,
apenas o preço de 50.000 euros. Nessa altura, se tiver sido preterido um
preferente legal, este pode mover uma acção de preferência, pagando os
50.000 euros, apenas; e se os simuladores explicarem, e provarem, que o
preço fora, na realidade, o de 500.000 euros, poderá o preferente escudar-
se com o artigo 243.º/1: os simuladores não podem arguir a simulação
contra terceiros de boa fé. O preferente teria um enriquecimento
escandaloso.

Nós próprios, subscrevemos, também, esta ultima posição, sufragada pela


generalidade da jurisprudência, esta última com argumentos variados: por
haver abuso do direito ao preferir-se por um valor muito inferior ao real; por
as partes terem rectificado o preço, inserindo o verdadeiro; por, mau grado
a simulação, se ter indicado previamente o verdadeiro preço ao preferente;
por, ponderados os interesses em presença, dever prevalecer o preço real;
por, finalmente, se verificar um enriquecimento sem causa que excede os
bons costumes e constitui abuso do direito, numa convincente
superabundância de argumentos.

O Direito civil português pode hoje considerar-se estabilizado: os terceiros


preferentes não podem invocar “boa fé” para optarem por um preço inferior
ao real; isso equivaleria a um enriquecimento estranho ao espírito
legislativo. Mas se a sensibilidade jurídica torna essa opção razoável, só
recentemente o aprofundamento da doutrina da confiança permite
apresentar uma explicação técnica e sistemática: a tutela da confiança só
se justifica quando haja um investimento de confiança, isto é: quando o
confiante adira à aparência e, nessa base, erga um edifício jurídico e social
confiante adira à aparência e, nessa base, erga um edifício jurídico e social
que não possa ser ignorado sem dano injusto. Ora o preferente por valor
simulado inferior ao real não fez qualquer investimento de confiança. A sua
posição não pode invocar a tutela dispensada, à aparência, pela boa fé.

A simulação pode, nos termos gerais, ser constatada na própria acção de


preferência: ai será, então, declarada a competente nulidade, de modo a
poder preferir-se pelo preço real. Só na hipótese de ter surgido uma acção
de simulação autónoma será necessário, ao preferente, aguardar pelo
trânsito em julgado da decisão que declare a nulidade, para preferir por
esse preço podendo, em alternativa, preferir desde logo pelo preço real.

A prova da simulação

65
O artigo 394.º/2, do CC, parece proibir a prova testemunhal do acordo
simulatório e do negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
Ainda hoje, ela vem sendo justificada com o objectivo de esconjurar os
“perigos” que a prova testemunhal poderia provocar: qualquer acto poderia
ser contraditado.

Todavia, a simulação é, só por si, difícil de provar. Impedir a prova


testemunhal equivale, muitas vezes, a restringir de modo indirecto a
prescrição do artigo 240.º/2, quanto à nulidade da simulação. Recordamos
que a confiança de terceiros de boa fé está sempre devidamente acautelada
pelo artigo 243.º, do CC. Assim, tem vindo a ser defendido um
entendimento restritivo do artigo 394.º/2: visa-se, no fundo, fazer
prevalecer a verdade dos factos.

A jurisprudência acolhe essa interpretação restritiva. Havendo um princípio


de prova escrita, é admissível complementá-la através de testemunhas. Os
próprios simuladores podem ser ouvidos sobre a simulação, em depoimento
de parte. Em termos práticos, admite-se, como princípio de prova escrita,
uma escritura de rectificação.

VI – Valores negativos do Negocio Jurídico

Ineficácia e invalidades: delimitação

A ineficácia dos negócios jurídicos traduz, em termos gerais, a situação


na qual eles se encontram quando não produzam todos os efeitos que, dado
o seu teor, se destinariam a desencadear.

Como ponto de partida, pode assentar-se no seguinte: os negócios


jurídicos não provocam, sempre, os efeitos que se destinem a produzir
porque a autonomia privada é duplamente limitada. Em termos extrínsecos,
ela cede perante a lei, que apenas a reconhece dentro de determinadas
fronteiras; em moldes intrínsecos, ela pode ser deficientemente exercida
pelas partes que, sendo falíveis, vão, por vezes, falhar na tentativa de
configurar situações jurídicas.

A ineficácia acima apresentada ou ineficácia em sentido amplo analisa-


se em vários tipos distintos através dos quais se viabiliza a formação dos
modelos de decisão.

A primeira contraposição distingue, no seu seio, a invalidade da


ineficácia em sentido estrito:

o Na invalidade, a ineficácia ou não-produçao normal de efeitos opera


mercê da presença, no negócio celebrado, de vícios ou
desconformidades com a ordem jurídica;

66
o Na ineficácia em sentido estrito, o negócio, em si, não tem vícios;
apenas se verifica uma conjunção com factores extrínsecos que
conduz à referida não-produçao.

Na invalidade, por seu turno, cabe subdistinguir a nulidade e


anulabilidade, consoante o regime em jogo.

A tipologia das ineficácias ficará, assim, articulada:

Ineficácia em sentido amplo:

o Invalidade:

o Nulidade;

o Anulabilidade;

o Invalidades mistas;

Ineficácia em sentido estrito.

A lei portuguesa faz surgir a nulidade dos negócios jurídicos nas


seguintes situações de ordem geral:

o Falta de forma legal – artigo 220.º;

o Simulação – artigo 240.º/2;

o Reserva mental conhecida pelo declaratório – artigo 244.º/2;

o Declaração não séria – artigo 245.º/1;

o Declaração feita sem consciência negocial ou sob coacção física -


artigo 246.º;

o Objecto físico ou legalmente impossível, contrario à lei ou


indeterminável – artigo 280.º/1;

o Contrariedade à ordem pública ou aos bons costumes - artigo 280.º/2;

o Fim contrário à lei ou à ordem pública ou ofensiva dos bons


costumes, quando seja comum a ambas as partes – artigo 281.º;

o Contrariedade à lei imperativa – artigo 294.º.

Para além dos referidos, numerosos outros preceitos prevêem


casos particulares de nulidade. Assim, são nulos, por exemplo:

o Os negócios subordinados a condições contrárias à lei, à ordem


pública ou ofensiva dos bons costumes, bem como os sujeitos a uma
condição suspensiva física ou legalmente impossível – artigo 271.º;

67
o Os negócios destinados a modificar os prazos legais de prescrição ou
a facilitá-la ou dificultá-la por outra forma – artigo 300.º. Entre
outros (ver página 859)

As previsões acima explanadas permitem apurar, no seu conjunto,


dois grandes fundamentos para a nulidade:

o A falta de algum elemento essencial do negócio como, por exemplo, a


vontade ou o objecto;

o A contrariedade à lei imperativa ou, mais latamente, ao Direito.

Pode concluir-se, que a nulidade é o tipo residual da ineficácia: perante uma


falha negocial, quando a lei não determine outra saída, a consequência é a
nulidade.

A nulidade atinge o negócio em si. Segundo o artigo 286.º e na


linha do Direito anterior, verifica-se que:

o A nulidade é invocável a todo o tempo;

o Por qualquer interessado;

o Podendo ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

Deve entender-se que ela opera ipso iure, isto é, independentemente de


qualquer vontade a desencadear. A invocação da nulidade não depende
duma permissão normativa específica de o fazer: a permissão é genérica.
Acresce que o próprio tribunal, quando dela tenha conhecimento e quando
caiba no princípio do dispositivo, deve, ex officio, declará-la. É importante
frisar que o Tribunal não constitui a nulidade do negócio: limita-se a
declará-la, de modo a que não restem duvidas.

O facto de a nulidade ser invocável a todo o tempo não significa que não
possam subsistir efeitos semelhantes aos que o negócio jurídico propiciaria,
quando fosse valido: assim sucederá quando actue outra causa constitutiva
como, por exemplo, a usucapião.

Ao contrário da nulidade, a anulabilidade não traduz uma falha


estrutural do negócio. Ela apenas nos diz que o interesse de uma
determinada pessoa não foi suficientemente atendido, aquando da
celebração do negócio. E assim, a lei concede interessado o direito
potestativo de impugnar o negócio. Por isso, a anulabilidade:

o Só pode ser invocada pelas “… pessoas em cujo interesse a lei a


estabelece…” – artigo 287.º/1, do CC;

o E no prazo dum ano subsequente à cessação do vicio – idem;

o Admitindo a confirmação – artigo 288.º.

68
Por razoes diversas, a lei tem vindo a criar hipóteses de invalidades que não
se podem reconduzir aos modelos puros da nulidade e da anulabilidade.
Trata-se das chamadas invalidades mistas ou atípicas. Assim sucede com a
hipótese da invalidade por simulação: ela não pode ser invocada por
qualquer interessado.

A invocação das invalidades

O panorama legal é, pois, o seguinte: a lei é omissa quanto ao regime


geral da invocação das invalidades, o que depõe no sentido da
desmoralização, mau grado os preparatórios; no entanto, há uma directriz
que impõe o recurso a juízo, ou um acordo, perante invalidades que atinjam
situações registadas. Trata-se de construir um sistema coerente, nesta
base.

A invocação de nulidades ou a declaração de anulação surgem como actos


subordinados aos princípios: os próprios negócios viciados. Assim, estas
deverão seguir a forma exigida para esses mesmos negócios. Mal se
compreenderia que para invocar um vicio que atingisse um negocio
corrente verbalmente concluído, houvesse que recorrer ao tribunal ou a
outra formula solene. A esta regra básica ocorrem desvios: no caso de bens
sujeitos a registo, queda o acordo, sob a forma exigida para o negócio em
crise, ou a acção judicial.

É evidente que se a declaração de nulidade ou a anulação “informais” não


foram aceites, como tais, pelos destinatários, há litígio, a dirimir em juízo.
Mas o tribunal limitar-se-á, então, a apreciar se a invocação da
nulidade ou se anulação foram devidamente actuadas.

O problema da inexistência

Na discussão quanto à possibilidade de autonomizar a inexistência jurídica,


no seio dos vícios do negócio, há que ter clara uma importante distinção,
conhecida, aliás, pela generalidade da doutrina: a que separa a inexistência
material da inexistência jurídica. Na existência material, não haveria nada:
faltariam os próprios elementos materiais, por exemplo, as declarações, de
que depende um negócio jurídico; pelo contrário, na inexistência jurídica,
surgiria ainda uma configuração negocial, a que o Direito retiraria, no
entanto, qualquer tipo de ineficácia. Apenas a inexistência jurídica releva na
discussão subsequente. A inexistência material é puramente descritiva: em
qualquer momento, o número de negócios que nunca chegaram a existir é
infinito: é impensável tomá-los um por um para, dai, fazer uma categoria
jurídica operacional.

A lei portuguesa distingue, no casamento, os vícios da inexistência e da


anulabilidade – artigo 1627.º. A contraposição deveria dar-se entre a
nulidade e a anulabilidade: só assim não sucede porque o Código pretendeu
deixar disponível a “nulidade” para os casamentos católicos – artigo
1647.º/3. Com esta prevenção, regresse-se à inexistência. Ela distinguir-se-
ia da nulidade ou da anulabilidade por vedar, por completo, a produção de

69
quaisquer efeitos. O casamento declarado nulo o anulado produz efeitos
entre os cônjuges de boa fé e os próprios terceiros – casamento putativo,
artigo 1647.º: aquele que acredita na aparência dum casamento não deve
ser prejudicado pela ineficácia dele. Isso não sucederia com o casamento
inexistente; a própria lei o afirma, artigo 1630.º/1. Porem, os vícios que
conduzem à inexistência, artigo 1628.º, não são de molde a questionar a
aparência do casamento: a pessoa que, de boa fé, acredito nele, merece
tanta tutela quanto a concedida a quem creia num casamento declarado
nulo ou anulado.

O negócio nulo, como será referido mais detidamente, pode produzir alguns
efeitos. Por exemplo, a pessoa que, na base dum negócio nulo, receba o
controlo duma coisa, pode, em certos casos, beneficiar duma posse que se
presume de boa fé – artigos 1259.º/1 e 1260.º/2; o possuidor de boa fé, por
seu turno, faz seus os frutos da coisa – artigo 1270.º/1, até que seja
informado da nulidade. A ter consciência, a inexistência jurídica não
propiciaria nenhum desses efeitos.

Desse modo, o adquirente de boa fé através de negócio nulo, por exemplo,


por simulação, artigo 240.º/1 ou anulável, por exemplo, por coacção, artigo
256.º, pode beneficiar daqueles esquemas; mas sendo o negocio
inexistente, e isso sucederia, porventura, no caso do artigo 246.º, tudo
ficaria bloqueado. Repare-se: o adquirente pode ignorar totalmente a
“coacção física” de que esteja a ser vitima a contraparte, pense-se numa
contratação por telefax, ou a sua “falta de consciência da declaração”.

De todo o modo nada, na lei geral, impõe a inexistência, no domínio do


negócio jurídico. Os casos previstos na lei como “não produzindo quaisquer
efeitos” são, na realidade, nulidades.

As ineficácias em sentido estrito

A ineficácia em sentido estrito traduz a situação do negócio jurídico que,


não tendo, em si, quaisquer vícios não produza, todavia, todos os seus
efeitos, por força de factores extrínsecos.

As ineficácias deste tipo só surgem nos casos específicos previstos pela lei.
O negócio jurídico sem vícios produz os seus efeitos: apenas razoes muito
particulares e expressamente predispostas poderão levar a que assim não
seja. Alguns exemplos de ineficácia podem ser apontados em leis
processuais e comerciais e na própria lei civil.

70
A irregularidade

O problema da ineficácia dos negócios jurídicos deve ser delimitado do da


sua irregularidade.

A eficácia do negócio jurídico depende do seu enquadramento dentro da


autonomia privada. Pode no entanto suceder que, perante um negócio,
tenham aplicação, alem das da autonomia privada, outras regras muito
diversas. A inobservância dessas regras provoca a irregularidade do negócio
atingido, sem prejudicar a sua eficácia.

Os exemplos tradicionais de irregularidade negocial ocorriam no domínio


matrimonial. O menor que casar sem autorização dos pais ou do tutor
celebra um casamento eficaz, mas sujeita-se a certas sanções quanto aos
bens, artigo 1649.º; o casamento celebrado com impedimento é válido, mas
dá lugar a determinadas consequências, também no domínio dos bens,
artigo 1650.º.

Há outras possibilidades: por exemplo, a compra e venda de imóvel sem


que tenha sido exibido o registo da coisa a favor do alienante é irregular,
perante o artigo 9.º da CRP.

Regime jurídico

Consequências das invalidades: a restituição

A terceira sistemática veio impor um cenário diferente. O acto inválido


coloca-se numa dimensão diversa da da autonomia privada. Mas ele existe:
quer social, quer juridicamente. Ele vai produzir alguns efeitos, variáveis
consoante as circunstancias. Tais efeitos são imputáveis à lei. Todavia,
devemos estar prevenidos para o facto de eles dependerem,
primacialmente, da vontade das partes. Desde logo esta domina os
institutos da redução e da conversão, ainda que não versão objectiva da
“vontade hipotética”. Mas ela condiciona, também, os próprios deveres de
restituição, resultantes, no essencial, da conformação do contrato viciado.

A declaração de nulidade e a anulação do negocio têm efeito retroactivo,


segundo o artigo 289.º/1. Desde o momento em que uma e outra sejam
decididas, estabelece-se, entre as partes, uma relação de liquidação: deve
ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie
não for possível, o valor correspondente, nos termos desse mesmo preceito.

Nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficie do


gozo de uma coisa, como no arrendamento, ou de serviços, como na
empreitada, no mandato ou no deposito, a restituição em espécie não é,
evidentemente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá
deixar de ser o da contraprestação acordada. Isto é: sendo um
arrendamento declarado nulo, deve o “senhorio” restituir as rendas
recebidas e o “inquilino” o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que
equivale, precisamente, às rendas. Ambas as prestações restituitórias se

71
extinguem, então, por compensação tudo funcionando, afinal, como se não
houvesse eficácia retroactiva, nestes casos.

O dever de restituição predisposto no artigo 289.º/1 tem natureza legal. Ele


prevalece sobre a obrigação de restituir o enriquecimento, meramente
subsidiário e pode ser decretado, pelo tribunal, quando ele conheça,
oficiosamente, a nulidade. No entanto, já haverá que recorrer às regras do
enriquecimento se a mera obrigação de restituir não assegurar que todas as
deslocações ou intervenções patrimoniais injustamente processadas, ao
abrigo do negocio declarado nulo ou anulado, foram devolvidas.

Não será assim quando, mau grado a invalidação, ocorra uma outra causa
de atribuição patrimonial. O próprio artigo 289.º/3 manda aplicar,
directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º e seguintes e,
portanto: o regime da posse, incluindo as regras sobre a perda ou
deterioração da coisa, sobre os frutos, sobre os encargos e sovre as
benfeitorias. Caso a caso será necessário indagar a boa ou má fé do
obrigado à restituição. Para alem das regras sobre a posse, outras poderão
inflectir, num ou noutro sentido, o dever de restituição; assim sucederá, por
exemplo, com as regras da acessão, da usucapião ou, até, com a
interferência de direitos fundamentais: pense-se na restituição dum pace-
maker, que ponha em perigo o direito à vida.

Pode a parte obrigada à restituição ter alienado gratuitamente a coisa que


devesse restituir: ficará obrigada a devolver o seu valor. Porem, se a
restituição deste não puder tornar-se efectiva, fica o beneficiário da
liberalidade obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu
enriquecimento, artigo 289.º/2. Trata-se dum afloramento da regra prevista
no artigo 481.º/2.

O dever de restituir é recíproco. A lei portuguesa solucionou, de modo


expresso, o problema, no artigo 290.º.

A tutela de terceiros

A declaração de nulidade ou a anulação dum negócio jurídico envolve a


nulidade dos negócios subsequentes, que dependam do primeiro. Trata-se
duma consequência inevitável da retroactividade dessas figuras: se A vende
a B que vende a C, a nulidade da primeira venda implica a da segunda, por
ilegitimidade, artigo 892.º; se D vende a E que, nessa base, se obriga a
prestar a F, a nulidade da venda implica a nulidade da obrigação, por
impossibilidade legal.

Em certos casos coloca-se, todavia, um problema de tutela da confiança de


terceiros: quid iuris se alguém, acreditando na validade de negócios
antecedentes, celebra um contrato na base do qual efectue um
investimento de confiança considerável?

No caso de bens imóveis, o terceiro que haja adquirido, de boa fé, o bem a
um comerciante que negoceie em coisa do mesmo ou semelhante género,

72
tem o direito à restituição do preço pago, a efectuar pelo beneficiário da
restituição, artigo 1301.º. Como resulta deste preceito, o terceiro só é
tutelado se tiver comprado a coisa, isto é: adquirido a título oneroso. É o
investimento de confiança.

No campo dos imóveis sujeitos a registo, vale o artigo 291.º: não são
prejudicados os direitos de terceiros, adquiridos de boa fé e a título oneroso
e que registem antes de inscrita qualquer acção de nulidade ou de anulação
ou qualquer acordo quanto à invalidade do negócio, n.º1; todavia, esse
regime só opera passados três anos sobre a conclusão do negócio.
Atentem-se bem nos requisitos:

o Um negócio nulo ou anulado;

o Um terceiro de boa fé;

o Que adquire, a titulo oneroso;

o E sendo decorridos três anos sobre a celebração do negocio em


causa.

Os terceiros são protegidos por estarem de boa fé e por terem


realizado o investimento de confiança: o título oneroso e o decurso dos 3
anos atestam-no. Este preceito não se confunde com o artigo 17.º/2
do CRP: exige-se, aqui, um registo prévio, nulo ou anulado, não
requerido pela lei civil.

As razoes que levam à tutela dos terceiros, boa fé, investimento de


confiança e inacção das partes interessadas, podem proceder tanto
nas invalidades como nas ineficácias.

A redução

A invalidação dos negócios jurídicos não impede, ainda, a produção de


efeitos, ou de alguns efeitos, nas hipóteses de redução ou de conversão,
artigos 292.º e 293.º. recordamos que estes preceitos devem ser
trabalhados em conjunto com os artigos 236.º e 239.º.

O artigo 292.º admite a redução dos negócios jurídicos nos seguintes e


precisos termos: “a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade
de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído
sem a parte viciada”.

O primeiro requisito é o de uma nulidade ou anulação meramente


parciais. O que a lei diz é o seguinte: a nulidade ou anulação (quando seja)
parcial não determina a invalidade do conjunto. Repare-se: a lei não permite
que a prestação seja realizada por partes, havendo pois um principio da
integralidade do cumprimento, artigo 763.º: não se compreenderia como
facultar uma desarticulação de princípio dos negócios, a pretexto da
invalidade.

73
O segundo requisito tem a ver com a vontade das partes no tocante ao
ponto de redução: esta não opera quando se mostre que o negócio não teria
sido concluído sem a parte viciada. Bastará provar, pelas circunstâncias
objectivas ou pela vontade real duma das partes, conhecida pela outra,
artigo 236.º ou pela sua vontade hipotética e pela boa fé, artigo 239.º, que,
sem a parte viciada, aquele concreto negocio não teria visto a luz.

Em termos de ónus da prova, a situação será a seguinte:

o O interessado na salvaguarda do negócio devera invocar e provar os


factos donde decorra a natureza meramente parcial da invalidade;

o Ao seu opositor caberá invocar e provar os factos donde se infira que,


sem a parte viciada, não teria havido negocio.

Embora o artigo 292.º não o diga, temos de acrescentar três outros


requisitos:

o O respeito pela boa fé;

o O respeito pelas regras formais;

o O respeito por outras normas imperativas.

A boa fé surge no artigo 239.º devendo funcionar perante a redução e a


conversão: não há redução quando ela atente contra a confiança legítima
das partes ou contra a materialidade subjacente. Esta última é claramente
perceptível quando o negócio reduzido não permita prosseguir os fins ou as
funções vertidos, pelas partes, no negócio inválido. Por exemplo: uma
doação de coisa móvel com cláusula de tradição simbólica é válida
verbalmente; sendo esta cláusula anulada, a doação exigiria forma escrita,
artigo 947.º/2.

A conversão

Pela conversão, um negócio jurídico nulo ou anulado pode aproveitar-se,


como negócio diverso, desde que reunidos determinados requisitos legais.

Efectivamente, a conversão exprime, no fundo, uma interpretação


melhorada do negócio, de modo a, dele, fazer uma leitura sistemática e
cientificamente correcta. No fundo, não há qualquer conversão de
“negócios”: convertem-se, sim, meras declarações.

Os condicionalismos legais da conversão resultam do artigo 293.º:

o A manutenção dos requisitos essenciais de substancia e de forma;

o O respeito pela vontade hipotética das partes.

O primeiro requisito deve ser integrado com os elementos a retirar dos


artigos 236.º/2 e 238.º/2: não faria sentido, pela simples interpretação,
obter, de declarações negociais, negócios inatingíveis pela conversão. Os

74
requisitos essenciais terão de ser imputáveis à vontade comum das partes,
antes e depois da conversão, enquanto a forma deve ser aferida de acordo
com as suas razoes determinantes.

O segundo requisito leva-nos à integração. A vontade hipotética aqui


dominante, e que constitui o motor da conversão, deve ser aferida segundo
a boa fé e os demais elementos atendíveis. A vontade é o grande motor de
todos os institutos privados: sem ela, não se põe a hipótese de alterar
qualquer negócio, mesmo anómalo.

A confirmação

A confirmação é específica dos negócios anuláveis. Trata-se de uma acto


unilateral, a praticar pelo beneficiário da anulabilidade e que põe termo à
invalidade, artigo 288.º/1 e 2.

Compreensivelmente, a confirmação só é eficaz quando posterior à


cessação do vicio que conduziu à anulabilidade e, ainda, desde que o seu
autor tenha conhecimento do vicio e do direito à anulação.

A lei admite a confirmação tácita, não a sujeitando a qualquer forma


especial – 288.º/3. Uma vez praticada, a confirmação tem eficácia
retroactiva.

PARTE II
EXERCÍCIO JURÍDICO

§ 1º - Noções gerais
1. Noções gerais

Em sentido amplo, o exercício jurídico corresponde a uma actuação humana


relevante para o Direito. Ficam abrangidos os actos jurídicos, lícitos e
ilícitos, incluindo, pois, todas as práticas negociais.
Em sentido estrito, o exercício traduz a concretização, por uma pessoa, de
uma situação, activa ou passiva, que lhe tenha sido conferida pelo Direito.
Ele está modado, em termos paradigmáticos, sobre a actuação que se
desenvolva no âmbito de um direito subjectivo.
O exercício jurídico implica uma decisão do agente. Este, de modo mais ou
menos consciente, mas sempre eficaz, procede a uma concreta aplicação
jurídico-normativa, dando azo, pela síntese facto-valor que opera, a uma
nova situação jurídica. Essa situação resulta:
- da posição exercida e, daí, dos factos e das regras que haviam presidido
ao seu surgimento;
- do tipo de exercício concretamente decidido e posto em prática.

A ideia de exercício, até pelo nível elevado de abstracção erm que se


coloca, pode ser precisada com recurso a diversas classificações. Impõem-
se, ainda, delimitações em função de factores culturais e sistemáticos.

75
Atendendo à posição activa em causa, podemos distinguir:
- o exercício de direitos e o cumprimento de obrigações;
- o exercício de liberdades gerais;
- o exercício de outras posições.

O exercício de direitos, como resulta da expressão, corresponde a


actuações possibilitadas pela permissão específica de aproveitamento do
bem em causa. Temos, como exemplos, situações tão diversas como a
venda de uma coisa ou a cobrança de um crédito. O cumprimentos de
obrigações traduz a concretização da conduta a que o agente estava
adstrito.
No exercício de liberdades, o sujeito move-se ao abrigo de permissões
genéricas. Pense-se na celebração de um contrato, na realização de uma
viagem ou numa prática profissional.

De acordo com o tipo de actividade envolvida no exercício, temos:


- o exercício puramente jurídico;
- o exercício material.

O exercício puramente jurídico traduz-se, simplesmente, em condutas


significativas para o campo do Direito. Assim: a aceitação de uma proposta,
a invocação de um prazo, a ratificação de um negócio ou a execução de um
contrato-promessa. É evidente que, por muito abstracto que um exercício se
apresente, há sempre um mínimo de materialidade subjacente: uma
declaração ou qualquer outro tipo de manifestação da opção do agente.
O exercício material implica imediatas modificações de tipo físico: um acto
de consumo alimentar ou uma edificação, como exemplos.

Em consonância com a efectivação dos actos envolvidos, podemos


distinguir:
- o exercício directo (levado a acabo pelo próprio agente interessado)
- o exercício indirecto (opera através da colaboração de uma outra pessoa:
representante, mandatário ou gestor)

O ecercício processa-se ao abrigo de situações preexistentes. Trata-se de


posições activas ou passivas que podem comandar distinções, acima
apontadas. Se atentarmos agora na natureza da juridicidade dessas
situações obtemos:
- exercício legais;
- exercícios contratuais,
em função da natureza da posição que propicie a actuação em jogo.

2. A condição do exercício dos direitos: a titularidade e a legitimidade

A legitimidade

A legitimidade é a qualidade de um sujeito que o habilite a agir no âmbito


de uma situação jurídica considerada.
As pessoas dispõem de liberdades gerais de agir. Além disso, elas podem
beneficiar de certas situações jurídicas, maxime de direitos subjectivos.
Enquanto, em abstracto, as liberdades podem ser exercidas por todos, as
situações jurídicas só são, em princípio, actuáveis pelos sujeitos a que

76
respeitem ou que, para tanto, disponham de especial habilitação jurídica:
apenas esses sujeitos detêm a necessária legitimidade.

Algumas referências à legitimidade processual; assim:


- artº 242º: para arguir a simulação;
- artº 287º/1: para arguir a anulabilidade.

Encontramos depois, referências à legitimidade substantiva. Assim:


- artº 302º/3: legitimidade para renunciar à prescrição;
- artº 715º: idem, para hipotecar;
- artº 892º: idem, para vender (bens alheios);
- artº 903º/1: declaração contratual de que o vendedor não garante a sua
legitimidade;
- artº 965º: legitimidade para exigir do donatário o cumprimento dos seus
encargos.

A legitimidade não se confunde:

-com a titulatidade: esta dá-nos a qualidade do sujeito enquanto


beneficiário de uma situação jurídica activa, designadamente de um direito;
mas o sujeito pode, em concreto, carecer da possibilidade de agir no âmbito
dessa situação, por menoridade (123º);
- com a adstrição: trata-se do equivalente passivo da titularidade; o sujeito
vinculado a uma obrigação pode, concretamente, não ter a liberdade de a
cumprir: como hipótese, por menoridade;
- com a capacidade (de gozo ou de exercício): a legitimidade equivale a
uma realidade específica, enquanto a capacidade de gozo é genérica: uma
pessoa pode ser plenamente capaz mas não ter, em concreto, habilitação
para exercer uma certa situação jurídica: por falta de titularidade, por
exemplo.

A consideração das diversas modalidades de legitimidade permite


esclarecimentos suplementares. Podemos, com efeito, distinguir:

- legitimidade directa e legitimidade indirecta: a primeira assiste, de modo


automático, ao titular ou ao destinatário da situação considerada; a
segunda exige um acto suplmentar de legitimação: uma procuração, por
exemplo;
- legitimidade activa e legitimidade passiva: dependem esses dois termos
de estar em causa, respectivamente, o desencadear de uma conduta – p.
ex.: o exercício de um direito ou o cumprimento de uma obrigação – ou o
beneficiar dessa conduta – p. ex., a posição do proponente perante a
aceitação ou a do credor em face de um cumprimento;
- legitimidade jurídica e legitimidade material (no sentido de física):
exprimem respectivamente, a possibilidade de desencadear puramente
exercícios jurídicos (p. ex.: vender) ou materiais (p. ex. consumir ou
construir);
- legitimidade inicial e legitimidade superveniente: inicial quando o agente
esteja, no momento em que começa o exercício, habilitado para ele;
superveniente quando, na falta de habilitação, o exercício decorra a
descoberto, só subsequentemente se verificando a legitimação;
- legitimidade processual e legitimidade civil: traduzem a aptidaão para,
perante certa acção, estar em juízo (a primeira) e a susceptibilidade de
concretizar exercícios extrajudiciais de posições civis (a segunda);

77
- legitimidade negocial, obrigacional, real, familiar ou sucessória: joga o
âmbito em que a qualidade em jogo se ponha ou seja solicitada; podemos,
nesta base, estabelecer “legitimidades” fora do campo civil (comercial,
laboral ou ambiental) ou, até, do Direito privado (administratica, fiscal ou
penal):

A legitimidade enquanto qualidade do sujeito reportada a determinação


situação jurídica, deriva de uma ou mais ocorrências ou conjunções: os
factos legitimadores.
Em abstracto, podemos operar uma distinção entre factos positivos e factos
negativos ou, se se quiser: factos atributivos de legitimidade e factos
privativos da mesma legitimidade. Os factos positivos conferem
legitimidade a certos beneficiários (p. ex. a titularidade); os negativos
retiram a legitimidade a quem, de outro modo, a teria (p. ex. uma sentença
de interdição).

O facto legitimidador por excelência é a titularidade, nas situações activas.


O titular de uma posição – particularmente: de um direito subjectivo – tem
legitimidade para desencadear os diversos exercícios que ela faculte. De
todo o modo, teríamos de, caso a caso, verificar, de entre os poderes e
faculdades inscritos no conteúdo do direito subjectivo considerado, quais os
susceptíveis de actuação, pelo titular. Por exemplo: em regra, o proprietário
só pode construir no seu terrno depois de obtida necessária autorização
camarária: ele tem legitimidade para diversas actuações, mas não para
todas.
Hvendo titularidade, poderá todavia faltar a legitimidade, mercê da
intervenção de um facto negativo. Exige-se, então, novo facto legitimador, a
que chamaremos autorização. A autorização pode ser necessária:
- para a protecção do próprio agente; (assim sucede com a autorização,
pelo curador, dos actos de disposição a praticar pelo inabilitado (153º/1);
- para a protecção da contraparte ou de terceiros;
- perante a pluralidade de interessados.

A autorização é, em regra, prévia ao acto, de modo a conferir ao seu autor,


a necessária legitimidade. Sendo subsequente, podemos falar em
“confirmação” (125º/2), em “ratificação” (268º/1), em “reconhecimento”
(1061º) ou em “consentimento” ( 1372º).

A regra básica relativa à legitimidade resulta do artº 892º, quanto à


venda de bens alheios.
Esta regra é tendencialmente aplicável aos diversos contratos
onerosos, segundo o artº 939º. E ela ocorre, igualmente, na doação
(956º/1), paradigma de negócio gratuito.

A falta de legitimidade conduz à nulidade, quando esteja em causa


a transmissão de bens.

A legitimidade complementa, no plano do exercício, as esferas de liberdade


representadas pelas situações jurídicas e, em especial, pelo Direito
subjectivo. No fundo, ela exprime a delimitação de âmbitos de
autodeterminação privada permitindo, em cada caso conreto, apurar a
idoneidade dos desempenhos normativos.

78
CARVALHO FERNANDES, seguindo um tanto CASTRO MENDES, apresenta a
legitimidade como a “susceptibilidade de uma pessoa exercer um direito ou
cumprir uma vinculação resultante de uma relação existente entre essa
pessoa ou a vinculação em causa”.

A legitimidade do titular resulta do próprio facto da titularidade.

O artº 892º é claro. Ou seja: pode o vendeor não ser titular da coisa (e
faltando pois, a relação pessoa/coisa) mas, todavida, ter legitimidade para a
venda. Nessa eventualidade, a legitimidade em causa poderia decorrer de
uma procuração, de uma autorização ad hoc ou atípica mas com efeitos
representativos ou se subsequente ratificação. Ou seja: de relações entre o
próprio sujeito e o titular e não entre ele e a coisa.

A legitimidade deve ser construída através dainteracção do sistema com o


sujeito. Este, por hipótese, já será titular de um direito subjectivo e,
portanto: destinatário de uma permissão normativa específica de
aproveitamento de um bem. Terá legitimidade para a venda quando essa
permissão específica coincida com uma permissão genérica de contratar.

§ 2º - A representação

1. Evolução histórica do instituto da representação

Numa sociedade teórica muito simples, as diversas posições jurídicas são


exercidas pelo seu titular. Ocorrendo, porém, algum desenvolvimento, isso
já não é possível. Desde logo, pessoas a quem não pode deixar de se
reconhercer um minimum de posicionamento jurídico estão impedidas, pela
natureza das coisas, de se autodeterminarem pessoal e livremente: tal a
situação dos menores de tenra idade e a dos dementes.
De todo o modo, há uma ideia unitária subjacente: a de um excercício, por
parte duma pessoa, em prol de outram. Esse exercício, quando a
capacidade de abstracção do Direito e da sua Ciência o permita, vai
repercurtir-se na esfera jurídica do beneficiário. É a ideia geral de
representação. Qualquer situação jurídica exercitável pode cair na
representação: aproveitamento de direitos, cumprimento de deveres ou
iniciativas possessórias, a título de meros exemplos.

2. Noção básica e modalidades

Na representação, uma pessoa actua, manifestando uma vontade


que, depois, se vai repercurtir directa e imediatamente na esfera
jurídica de outrem.

A representação equivale, tecnicamente, a um direito potestativo


do representante, direito esse que lhe permite, em certas
circunstâncias e invocando a contemplatio domini, produzir efeitos
jurídicos na esfera do representado.

A representação implica uma actividade jurídica. O representante


poderá praticar actos materiais em nome e por conta do
representado, de tal modo que os efeitos dessa actuação ocorram
na esfera deste último: vale, no que toca ao instituto agora em

79
causa, a dimensão jurídica dessa actividade. Trata-se, além disso,
de uma actividade humana, logo livre: requer autonomia e margens
de decisão por parte do representante.

A representação funciona perante 3 requisitos:

- uma actuação jurídica em nome de outrem;


- por conta dessa mesma pessoa;
- e dispondo o representante de poderes para o fazer.

A actuação jurídica em nome de outrem – também dita nomine alieno ou


havendo contemplatio domini – significa que o representante, para o ser,
deve agir esclarecendo a contraparte e todos os demais interessados de
que age nessa qualidade. Isto é: declarará que actua para que os efeitos da
sua acção surjam na esfera jurídica do representado. Se ele não invocar
expressamente – isto é: de modo que seja entendido – essa sua qualidade,
já não haverá representação. As razões da actuação nomine alieno são
claras:

- a representação é um direito, ainda que funcional: o representante poderá


ou não exercê-lo, consoante queira, uma vez que o impedirá, em princípio,
de negociar para si próprio; ora o exercício em causa, para o ser, tem de ser
exteriorizado, no momento próprio;
- o terceiro com quem se contrate tem todo o direito de conhecer a outra
parte: disso, inclusive, poderá depender a sua decisão; logo, ele terá de ser
esclarecido no momento da conclusão do negócio.

O representante deve actuar por conta do representado. Trata-se de uma


ideia retirada do mandato e que se traduz na dimensão final da acção
representativa: ela visa a esfera jurídica do representado. O representante
age no âmbito da autonomia privada do representado. Havendo
contemplatio domini, isto é, invocando o representante que está a agir em
nome do representado, fica implícito que o faz por conta deste.

O representante deve, por fim, ter poderes para actuar eficazmente em


nome do dominus, também dito principal ou representado: os poderes de
representação. No domínio da representação voluntária, tais poderes
porvêm de um negócio a tanto dirigido: a procuração ou um negócio misto
que, no seu seio, tenha elementos da procuração. Se os poderes de
representação tiverem origem legal, estamos já fora da autonomia privada.
O regime será diverso e o instituto, em rigor, outro.

Como modalidades, temos assim:

- a representação legal
- a representação orgânica
- a representação voluntária, em sentido próprio ou directa: a que tenha na
sua base a concessão, pelo representado e aos representante, de poderes
de representação. (artºs 258º e ss.).

Das figuras semelhantes (pág. 81 e 82 do manual), a representação


distingue-se:

- do recurso a núncio: o núncio limita-se a transmitir uma mensagem –

80
eventualmente com uma declaração negocial por conteúdo; ao contrário do
representante, o núncio não tem margem de decisão: limita-se a comunicar
o que tenha recebido; finalmente, o erro do núncio na transmissão conduz
ao regime específico do artº 250º;

Nelas ora a falta a contemplatio domini, ora a actuação por conta, ora o
poder de representação. Na hipótese do núncio falta mesmo a autonomia,
por parte do representante.

3. Teorias da representação

Uma primeira teoria – a teoria do dono do negócio ou da vontade – deve-se


a SAVIGNY: o representante seria apenas o porta-voz do representado: este
seria o dententor da vontade relevante, fazendo todas as opções.

Daí a, a segunda teoria – a teoria da representação: a vontade estaria


presente, apenas, no próprio representante. Mas como explicar, então, que
os efeitos do negócio por ele concluído venham, afinal, a operar na esfera
do representado? 3 explicações:
- a teoria da ficção: embora a vontade relevante surja no representante,
tudo se passaria como se o representado agisse;
- a teoria da separação entre a causa e os efeitos: a primeira processar-se-ia
na esfera do representante; os segundo, porém, mercê de um mecanismo
jurídica, ocorreriam na esfera do representado;
- a teoria da mediação: a condução de um negócio através de representante
pressupõe uma colaboração entre ele e o principal: a actuação de ambos é
necessária para permitir o resultado final: o dos efeitos negociais na esfera
do representado.

A doutrina da representação veio à luz na sua vertente voluntária e


mais característica: um representante, por ter recebido os
necessários poderes de uma outra pessoa – o dominus, principal ou
representado – celebra um negócio esclarecendo, na altura, que o
fac em nome e por conta do representado: é a contemplatio domini.
Quando o representante não manifestasse, de todo, a
contemplatio, o negócio celebrar-se-ia na sua própria esfera. Ou
seja: a situação mais típica, que prender os legisladores, é a de
uma situação triplamente voluntária:

- a vontade do dominus ou representado, ao conceder os poderes


de representação (e, normalmente, ao explicitar como devem ser
exercidos);
- a vontade do representante, de celebrar o negócio;
- a vontade do representante de pretender fazê-lo não para si, mas
para o dono, dizendo-o (contemplatio domini).

Sendo um direito potestativo, a situação do representante enquanto tal é,


ainda, um direito funcional. O representante não é livre – ou não é
inteiramente livre – dentro da permissão básica que lhe assiste. Ele antes se
enquadra numa função, devendo prosseguir o interesse e as instruções do
dominus:

- seja por força do NJ subjacente, maxime um mandato;


- seja por via dos preceitos legais aplicáveis;

81
- seja por exigência do sistema, expressa na necessidade de acatar o
princípio da boa fé.

Em suma: a representação decorre da presença, na esfera do


representante, de um direito potestativo funcional de agir em nome e por
conta do dominus ou representado, fazendo surgir, na esfera deste, o
produto dos negócios celebrados.

A representação orgânica

Um dos problemas postos à teoria da representação é constituído pela


chamada representação orgânica ou representação das pessoas colectivas.

Existem duas teorias:


- a teoria da representação;
- a teoria orgânica.

A teoria da representação deve-se a SAVIGNY. Na leitura por ele


propugnada, a pessoa colectiva seria incapaz de agir, ficando numa
situação similar à dos menores. E como eles, careceria de ser representada.

A teoria orgânica responde não haver, aqui, qualquer incapacidade de


exercício: a pessoa colectiva traduz uma realidade autónoma, tendo vias
próprias de actuação. Assim, ela agiria através de órgãos próprios, não
cabendo falar de suprimentos de incapacidade: tal a leitura do OTTO VON
GIERKE.

Os códigos civis têm evitado tomar posição quanto ao diferendo. Preparam,


todavia, regras legais adequadas, num esquema que a doutrina tende a
aproximar da teoria orgânica. Fala-se então em “representação orgânica”.

Na verdade, não há qualquer representação orgânica.


As pessoas colectivas dispõem de órgãos, com certas fórmulas de
preenchimento. A actuação dos órgãos é a da pessoa colectiva, numa lógica
própria do modo colectivo de funcionamento do Direito.
A pessoa colectiva pode – sim – como qualquer pessoa singular, constituir
representantes voluntários: procuradores aos quais se aplicará a doutrina
comum da representação.

A representação legal

O próprio artº 124º que refere o “suprimento da incapacidade dos


menores”, remete para o poder paternal, sem falar em qualquer
representação. Esta surge nos artºs 1878º e 1881º/1, como um dos
elementos incluídos no referido poder paternal.

Os pais, enquanto “representantes” legais dos filhos, não os representam


no sentido comum de se autodeterminarem com contemplatio domini, de tal
forma que os actos praticados se consubstanciem na esfera dos
“principais”. Cabe-lhes – é um imperioso dever ético e, depois, jurídico – agir
em defesa dos filhos, praticando os actos para tanto necessários.
Os valores em jogo tornam-se inconfundíveis: a representação voluntária
visa ampliar a vontade e o raio de acção do principal, enquanto a
“representação” legal pretende a protecção patrimonial e pessoal dos

82
jovens seres humanos ou de certos deficientes.

Segundo Menezes Cordeiro, não nega que os artºs 258º a 261º possam ser
úteis nas “representações” legal e orgânica: trata-se, porém, de matéria
viradas para a representação voluntária.

4. O mandato

No Direito português, a representação voluntária resulta da procuração


versada nos artºs 262º a 269º. A procuração não é perante o CC um
verdadeiro negócio abstracto. Para surtir os seus efeitos, a procuração
postula um negócio subjacente, que a complete e lhe dê um sentido.
Acontece ainda, por razões histórico-culturais, sistemáticas e dogmáticas,
que o negócio tipicamente subjacente à procuração é o contrato de
mandato.

O regime do mandato apresenta-se dos artºs 1157º ao 1184º.

No art 1154º sobre o mandato, “por conta de outra” significa que os actos a
praticar pelo mandatário se destinam à esfera do mandante. Segundo
Menezes Cordeiro, por conta de significa no interesse de alguém; aqui: do
mandante.

Uma contraprova: um mandatário pode celebrar um negócio que até sirva


os interesses do mandante, mas fazendo-o para si mesmo, isto é: por conta
própria, de tal modo que o seu destino último não seja a esfera do
mandante. Não há execução do mandato.

O mandato presume-se gratuito ou oneroso, consoante esteja fora ou dento


do exercício da profissão do mandatário.

Tratando-se de mandato oneroso, a retribuição é remetida, sucessivamente


– artº 1158º/2 – para:
- o acordo das partes;
- as tarifas profissionais;
- os usos;
- os juízos de equidade.

Recomenda-se vivamente, em especial no exercício da advocacia, o recurso


à primeira hipótese.

No artº 1159º, distingue-se aí:

- o mandato geral, que abrange uma generalidade não especificada de


actos, compreendendo apenas actos de administração ordinária (1159º/1);
esta delimitação é puramente supletiva: admite-se, pois, que as partes
possam concluir um mandato geral com poderes de disposição, numa linha
que satisfaz, por um lado, a feição geral do Direito civil e, por outro, o
esbater da separação entre administração e disposição;
- o mandato especial, que se reporta a concretos actos nele referidos,
abrangendo ainda os necessários à sua execução (1159º/2).

Pelas regras gerais, qualquer dos dois madatos sempre abrangeria, além do
dever de prestar principal, a execução de todas as tarefas acessórias

83
necessárias (762º/2). Mais esclarecido ficou pois esse ponto, quanto ao
mandato especial, tanto mais que podem estar aqui em jogo pontos
delicados: obtenção de registo, pagamentos de impostos, notificaçãoes para
preferência e outros. Também nos parece que, pela sua letra como pelo seu
espírito, esta norma prmite ao mandatário “especial” celebrar todos os
actos preparatórios, incluindo o contrato-promessa correspondente ao
instrumento visado.

A pluralidade de mandatários dá lugar a tantos mandatos quantas as


pessoas designadas (1160º, 1ª parte). Assim não será quando o contrato
exare que eles devam agir conjuntamente (1160º, 2ª parte): teremos,
então, uma situação de co-mandato. Recordamos que, no Direito civil
português, a regra geral é a da conjunção: artº 513º a contrario.

A posição do mandatário

O artº 1161º enumera as obrigações do mandatário. Podemos agrupá-las do


modo seguinte:

- deveres de actuação – a);


- deveres de informação – b) – e de comunicação – c);
- deveres de prestação de contas – d);
- deveres de entrega – e).

Os deveres de actuação constituem o núcleo do mandato: visa-se a prática


dos actos previstos no contrato. Nuclearmente, trata-se de actos jurídicos,
dada a própria definição do mandato (1157º). Todavia, devem-se considerar
abrangidos todos os actos materiais instrumentais necessários. A al. a)
especifica que devem ser observadas as instruções do mandante. Mais
precisamente: instruções relativas aos negócios visados; de outro modo,
cairíamos numa situação de subordinação jurídica, assumindo o mandato a
natureza de um contrato de trabalho.

O CC não fixa uma medida para o esforço do mandatário. Remeteria para os


critérios gerais. Era preferível a solução de SEABRA: o mandato é concluído
intuitu personae: o mandante espera, em regra, que o mandatário faça uso
da destreza de que ele sabe ser este capaz.

Ainda quanto aos deveres de actuação principais: o artº 1162º atribui, ao


mandatário, um ius variandi: permite-lhe não executar o mandato ou
afastar-se das instruções recebidas. Ela dá corpo, no subsistema do
mandato, ao tema da integração (239º) e ao da alteração das circunstâncias
(437º/1). Efectivamente, o surgimento de circunstâncias novas, que não se
possam equacionar perante a matéria contratual existente, ou manifesta
uma lacuna contratual, ou dá corpo a uma alteração de circunstâncias. Em
qualquer dos caso, caberá ao mandatário, mesmo sem lhe ser feito o
correspondente pedido, dar as informações relevantes: todas.
O dever de comunicação parece cingir-se – 1161º c):

- à execução do mandato;
- à sua (eventual) não-execução;
- às razões desta última.

Deve ser exectuado “com prontidão” e cabalmente. Ao elenco da matéria a

84
comunicar, é possível acrescentar, por via do artº 1162º, as circunstâncias
que surjam e que possam interferir com a execução ou com as instruções
recebidas: quando possem ser comunicadas em tempo útil.

A prestação de contas, findo o mandato ou quando o mandante o exigir –


1161º d) – postula negócios patrimoniais, com movimentos recíprocos e,
possivelmente, uma conta-corrente.

A obrigação final de entrega – 1161 e) – abrange pela letra da lei, uma


actividade material de entrega de dinheiro: do que recebeu em execução do
mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no
cumprimento do contrato. A fórmula não é feliz: além do dinheiro, haverá
que restituir documentos e objectos envolvidos. Além disso, o mandatário
(sem representação) deve (re)transmitir para o mandante os direitos
adquiridos em execução do mandato: uma obrigação autonomizada no artº
1181º.

Havendo entregas em dinheiro, vencem juros, nos termos do artº 1164º.

O artº 1163º fixa os termos da aprovação tácita do mandato (da sua


execução ou inexecução).

O mandatário pode, na execução do mandato, fazer-se substituir por outro


ou servir-se de auxiliares, nos termos em que o procurador o possa fazer –
1165º. Ou seja – 264º/1 e 4:
- pode fazer-se substituir apenas se o mandante o permirtir ou se esse
faculdade resultar do mandato: óbvio, dado o papel do intuitus personae;
- pode recorrer a auxiliares se o contrato não o excluir ou se o tipo de
mandato em causa não implicar o contrário.

O artº 1166º dispõe sobre a pluralidade de mandatários e as suas


responsabilidades. O preceito vai ao encontro do regime geral (513º). Deixa
em aberto a contrario sensu o saber se, no mandato disjunto, haverá
responsabilidade solidária. A resposta, sempre pelos princípios gerais, é
negativa. Podem todavia, as partes acordar qualquer outro regime.

A posição do mandante

A posição do mandante é, de certo modo, simétrica da do mandatário.


Alcanç-ase do artº 1167º que, no fundamental, ele fica adstrito a 2 pontos:

- fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato;


- efectuar pagamentos a vários títulos.

Os meios necessários referidos na al. a) reportam-se: a adiantamentos em


dinheiro, quando pressupostos ou previstos no contrato (provisões ou
preparos, como exemplo), ou a coisas móveis; podem estar ainda em jogo
documentos, autorizações e informações, por interpretação extensiva. O
contrato poderá exarar outras soluções; por exemplo: incumbindo o próprio
mandatário de localizar os meiso necessários. De todo o modo, o legislador
entendeu reforçar esta obrigação, permitindo ao mandatário abster-se de
executar o mandato, enquanto o mandante se encontrar em mora quanto
ao seu cumprimento – 1168º. Este artº vai precisar, aqui, a exceptio non
adimpleri contractus (artº 428º). E fá-lo com oportunidade, uma vez que o

85
mandato (gratuito) não é um contrato “bilateral” nem estão aqui em causa
prestações recíprocas. Além disso, a mora do artº 1168º é o ex re: dispensa
interpelações.

Os pagamentos previstos no artº 1167º, a realizar pelo mandante, estão


inseridos nas obrigações do mandante.

O artº 1169º fixa uma regra de solidariedade entre mandantes, perante o


mandato conferido “...para assunto de interesse comum”.

A cessação do mandato

O artº 1170º/1 proclama o princípio tradicional da livre revogabilidade do


mandato por qualquer das partes e isso mesmo quando haja convenção em
contrário ou renúncia ao direito de revogação. Trata-se de uma excepção à
regra geral, que só permite revogações por comum acordo. A livre
revogabilidade deriva da especial natureza pessoal (intuitu personae) do
mandato.

Todavia o artº 1170º/2 fixa uma excepção importante.


O transcrito preceito é decalcado do artº 265º/3, relativo à procuração:
deve, assim, ser interpretado em conjunto com ele. Adiantamos já que o
“interesse” não é aqui, a retribuição; tão-pouco poderá ser um interesse
ideal ou de tipo estético. Antes traduzirá o facto bem objectivo de, na sua
execução, o mandato produzir efeitos não apenas na esfera jurídica do
mandante mas, também, na do mandatário.
O artº 1171º versa sobre a revogação tácita.

A livre revogabilidade do mandato – apenas excluída quando o mandato


tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro,
como vimos – pode todavida, quando exercida, dar azo a um dever de
indemnizar a outra parte do prejuízo que ela sofrer – 1172º. Repare-se que
nos casos do artº 1172º está em jogo a tutela da confiança que a parte
lesada não poderá ter deixado de depositar na subsistência do vínculo do
mandato.

Havendo mandato colectivo, a revogação só produz efeito se for realizada


por todos os mandantes – 1173º.
Tal como no artº 1170º/2, também aqui o “interesse comum” deve ser
entendido e termos objectivos, exprimindo direitos subjectivos nas esferas
dos mandantes envolvidos.

O artº 1174º refere casos de caducidade, no entanto o elenco não é


taxativo: o mandato caduca ainda pelo menos, pelo decurso do prazo a que
esteja sujeito, pela obtenção do resultados que vise e pela ocorrência de
condição resolutiva.
O artº 1175º tem uma delimitação da maior importância prática, paralela
aos artºs 265º/3 e 1170º/2.
Evidentemente e no caso de morte: se o mandto não caduca, deverá
entender-se que se transmitiu aos sucessores, nos termos gerais dos artºs
2024º e 2025º.
Por seu lado, a morte, a interdição ou incapacidade natural do mandatário
determinam, na esfera de herdeiros ou conviventes, a obrigação de prevenir
o mandante e de tomar as medidas adequadas, até que ele próprio esteja

86
em condições de providenciar – 1176º.

O artº 1177º dispões sobre a pluralidade dos mandatários.

O mandato com representação

Disposto nos artºs 1178º e 1179º.

Este dispositivo permite considerar que, em geral, no mandato com


representação, prevalece o regime da procuração sobre o do mandato.

O mandato sem representação

O mandato sem representação é o exercido em nome do mandatário e,


portanto: sem contemplatio domini (o mandatário exercer em nome do
mandante) – 1180º.
Quer isso dizer que o mandatário poderá, porventura, ter poderes de
representação: se não os os exercer declarando, na contratação, que age
em nome do mandante, os direitos adquiridos e as obrigações assumidas
operam na esfera do próprio mandatário.

Não deixa de haver mandato. E assim, o mandatário fica obrigado a


transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato
(1181º/1). Quanto aos créditos: o mandante pode substituir-se ao
mandatário no exercício dos respectivos direitos (1181º/2).

O artº 1182º dispõe sobre as obrigações contraídas em execução do


mandato, ou seja, pelo mandatário.

O artº 1183º dispõe sobre a responsabilidade do mandatário e o artº 1184º


sobre a responsabilidade dos bens adquiridos pelo mandatário.

Caracterização do mandato:

- é um contrato consensual: a lei não o sujeita a nenhuma frma solene;


- é um contrato sinalagmático imperfeito, pelo menos quando gratuito: as
prestações a que o mandante se encontre adstrito não equivalem às
adstrições do mandatário;
- é um contrato supletivamente gratuito; presumir-se-á oneroso quando
exercido no âmbito da profissão do mandatário.

Tem o maior relevo salientar que o mandato se apresenta como o contrato


típico, por excelência, da prestação de serviço. Inferimos daqui que a
relação básica subjacente a qualquer situação de representação está
sempre mais ou menos próxima do mandato. Sob a representação terá de
haver condutas humanas (logo: serviços) e, mais precisamente: condutas
que redundem numa prestação de serviços jurídicos.

5. O regime da representação

O CC acolheu o sitema germânico da distinção entre procuração, fonte da


representação – artºs 262º e ss. – e o mandato, modalidade de contrato de
prestação de serviço – artºs 1157º e ss. – o qual pode ser com ou sem
representação – artºs 1178º e ss. e 1180º e ss., respectivamente.

87
Após a entrada em vigor do CC de 1966, mantiveram-se algumas situações
de confusão entre mandatários e procuradores: o chamado mandato judicial
envolve sempre poderes de representação enquanto, por exemplo, os
“mandatários” referidos no artº 1253º c), são necessariamente, os que
actuem no âmbito dum mandato com representação.

Os princípios gerais estão estipulados nos artºs 258º a 261º ( e


reportam-se, na realidade, à representação voluntária).

O artº 258º é o aspecto básico da representação, a lei autonomiza a


actuação contemplatio domini.

A repercussão dos negócios na esfera do representado tem 2


características:

- é imediata: independentemente de quaisquer circunstâncias, ela


opera no preciso momento em que o negócio ocorra;
- é automática: não se exige qualquer outro evento para que ela
ocorra.

O poder de disposição mantém-se na esfera de origem, sob pena de


ilegitimidade: simplesmente, ele vais ser actuado pelo representante.
Cumpre ter presente que, associada à representação, existirá uma situação
subjacente: em regra um mandato.

O artº 259º dispõe sobre a falta ou vícios da vontade e estados subjectivos


relevantes (o frente a frente de vontades entre representante e
representado), partindo da teoria da reprsentação.

A má fé do representado – artº 259º/2 – prejudica sempre, mesmo que o


representante esteja de boa fá. De igual modo, a má fé deste prejudica,
também, sempre. “Má fé” está, aqui, aplicada em termos muito amplos, de
modo a exprimir o conhecimento, o desconhecimento culposo e, em geral, a
prática de quaisquer ilícitos.

A justificação dos poderes do representante surge no artº 260º. Trata dum


esquema destinado por um lado, a dar credibilidade ao futuro do negócio,
sempre que tarde a surgir a prova dos poderes invocados pelo
representante.
No artº 260º/2 reforça-se a confiança do terceiro e encontra-se um esquema
destinado a melhor responsabilizar o representante.

Negócio consigo mesmo

Vem disposto no artº 261º.

88
Dispondo de poderes de representação, o representante poderia ser levado
a usá-los num contrato em que, ele próprio, fosse a outra parte. Nessa
eventualidade surge claro um conflito de interesses, que explica a
restritividade da lei.

Visando prevenir tudo isso, o legislador considera o negócio celebrado


consigo mesmo como anulável, independentemente de ser ou não
prejudicial. Ficam ressalvadas as hipóteses de o representado ter dado o
seu assentimento ao negócio em causa ou de, por natureza, não poder
haver conflito de interesses. Além disso, dado o regime da anulabilidade, o
representado decidirá, em última instância, se o negócio lhe convém ou se,
pelo contrário, pretende impugná-lo.

Além do tema subjacente ao “negócio consigo mesmo”, cumpre refeir


outras hipóteses de conflitos de interesses. E designadamente: quid iuris
quando uma mesma pessoa surja como representante, em simultâneo, de
duas pessoa que tenham interesses opostos? A ideia de oposição de
interesses traduzir-se-á, em última análise, na incompatibilidade de
procuração paraleela das relações subjacentes respectivas. A boa fé que
acompanha as relações em causa (762º/2) obrigará, de imediato, o
procurador a dar conta, ao representado, do conflito existente. Nada
podendo fazer por essa via, o duplo procurador coloca-se no âmbito do artº
335º: o conflito de direitos (ou de deveres). Terá de ponderar a situação,
procurando harmonizar as posições em presença. Sacrificará uma delas (ou
ambas), de acordo com a natureza da situação. Evidentemente: à partida e
com conhecimento de causa, ele não pode aceitar procurações
incompatíveis, sob pena de responder pelos prejuízos.

A procuração

A representação voluntária é dominada pela procuração. O artº 262º dispõe


sobre a mesma.

A procuração, enquanto acto, é um negócio jurídico unilateral: implica


liberdade de celebração e de estipulação e surge perfeita apenas com uma
declaração de vontade. Designadamente, não é necessária qualquer
aceitação para que ela produza os seus efeitos. O beneficiário que não
queira ser procurador terá de se limitar a renunciar a ela, assim a
extiguindo – artº 265º/1.

Em princípio a procuração pode ter por objecto a prática de quaisquer actos,


salvo disposição legal em contrário. Devemos ter ainda em conta que a
procuração, enquanto NJ deve submeter-se aos preceitos gerais, com
relevo para os artºs 280º e ss.
A procuração poderá ser nula quando o seu objecto seja indeterminável.
Podemos considerar suficientemente determinada uma procuração geral
para administrar; já uma procuração para alienar o que o procurador

89
entenda cairia na indeterminação.

O artº 262º/2 contém a regra básica de que a procuração deve revestir a


forma exigida para o negócio que o procurador possa realizar. À luz desta
regra, a procuração poderá ser verbal quando vise negócios consensuais,
devendo ser passada por escrito sempre que essa seja a forma requerida
para o negócio a celebrar.

Representação sem poderes

O artigo 268.º ocupa-se da representação sem poderes, isto é, do acto


praticado em nome e por conta de outra pessoa sem que, para tanto,
existam os necessários poderes de representação.

À partida, semelhante negocio deveria ser nulo: coloca-se fora do âmbito da


autonomia do seu autor, faltando-lhe, por isso, a legitimidade. Todavia, o
negócio poderá ser favorável ao dominus: todo o instituto da gestão
representativa do negocio assenta nessa eventualidade, artigo 471.º. donde
o dispositivo do artigo 268.º/1: o negócio é ineficaz em relação ao dominus
se não for, por ele, ratificado.

A ratificação surge, deste modo, como um acto jurídico em sentido restrito


pelo qual o “representando” acolhe o negocio em causa na sua esfera
jurídica.

A ratificação do acto não se confunde com a aprovação da sua prática, ou,


se se quiser, com a da gestão onde ele se inclua, artigo 469.º.

A aprovação apenas implica que o dominus renuncie a eventuais


indemnizações que lhe poderiam caber por danos causados com a actuação
sem poderes do “representante” e que está disposto a compensar o
representante pelas despesas e danos que ele tenha sofrido com a sua
actuação.

A aprovação traduz, ainda, a vontade do “representado” de não invocar os


mecanismos do incumprimento eventualmente perpetrado pelo falsus
procurator. É o que sucede sempre que, rompendo um mandato, o
mandatário pratique actos não cobertos pelos poderes de representação
que lhe tivessem sido conferidos. Nessa eventualidade, o acto praticado
sem poderes traduz uma violação contratual. Pois bem: pode haver
ratificação, mas não aprovação, de tal modo que se mantenha, a
responsabilidade contratual do mandatário.

O negócio celebrado sem poderes, mesmo quando represente uma violação


de direitos do dominus ou traduza o incumprimento de um contrato
celebrado entre ele e o gestor, pode vir a ser aproveitável, seja
intrinsecamente, seja através de outras vantagens que o dominus consiga
negociar.

90
A ratificação está sujeita à forma requerida para a própria procuração,
artigo 268.º/2, e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de
terceiros. Se for negada, o negócio ficara sem quaisquer efeitos, salvo se
outra coisa se inferir do seu próprio teor.

Não havendo ratificação, o negócio mantêm-se; todavia, é ineficaz em


relação ao “representado”. Ora, como foi praticado em nome e por conta
deste, enquanto se mantiver essa ineficácia, ele poucos efeitos práticos irá
surtir. De todo o modo, o próprio terceiro fica vinculado a ele. Para não
protelar esta situação, a lei distingue duas hipóteses:

• A de o terceiro ter conhecimento da falta de poderes do


representante, no momento da conclusão;

• A de ele não ter tal conhecimento.

No primeiro caso, o terceiro pode fixar um prazo para que sobrevenha a


ratificação: se o prazo for ultrapassado, considera-se negada a ratificação,
artigo 268.º/3, ficando o negócio sem efeito. Se tal prazo não for fixado, o
terceiro sujeita-se a que o “representado” protele, indefinidamente, a
situação. Admitimos, todavia, que por via de um princípio patente no artigo
411.º, o terceiro possa pedir ao tribunal que fixe ao “representado” um
prazo razoável para que ratifique (ou rejeite) o negócio, sem o que este
caducará.

O segundo caso, o terceiro pode, a todo o tempo, revogar ou rejeitar o


negócio em causa.

O abuso de representação

O artigo 269, reporta-se ao abuso de representação.

Em termos mais gerais, o abuso de representação vem a ser o exercício dos


inerentes poderes em oposição com a relação subjacente: com o que dela
resulte, de modo directo ou por violação dos deveres de lealdade que ela
postula. Efectivamente, o terceiro não pode ser confrontado com tal relação,
que não tenha expressão directa nos próprios poderes: salvo se a
conhecesse ou devesse conhecer.

A jurisprudência tem feito aplicação deste preceito, por exemplo, nos casos
de venda por um preço inferior ao do valor de mercado. Efectivamente, ai,
não só se mostra defraudada a função em que o representante havia sido
investido como também se gera uma situação objectiva que o terceiro
adquirente conhecia ou devia conhecer.

Poderes gerais e poderes especiais

A propósito da procuração, distingue-se a que concede poderes gerais da


que confira poderes especiais: a primeira permite ao representante a

91
pratica duma actividade genérica, em nome e por conta do representado; a
segunda destina-se à prática de actos específicos.

No Código Civil vigente, vamos encontrar essa contraposição a


propósito do mandato. Segundo o seu artigo 1159.º:

• O mandato geral só compreende os actos de administração ordinária.

• O mandato especial abrange, alem dos actos nele referidos, todos os


demais necessários à sua execução.

O negocio-base; relevância na procuração

A lei pressupõe que, sob a procuração, exista uma relação entre o


representante e o representado, em cujos termos os poderes devam ser
exercidos: veja-se, a tal propósito, o artigo 265.º/1.

A efectiva concretização dos poderes implicados por uma procuração


pressupõe, pois, um negocio nos termos do qual eles sejam exercidos: o
negocio-base.

Normalmente, o negocio-base será um contrato de mandato. A procuração e


o mandato ficarão, nesse momento, numa específica situação de união. De
resto, a própria lei, artigos 1178.º e 1179.º, manda aplicar ao mandato
regras próprias da procuração; as vicissitudes deste vêm bulir com o
mandato.

Regras quanto ao procurador e à substituição

Segundo o artigo 263.º, o procurador não necessita de ter mais do que a


capacidade de entender e querer exigida pela natureza do negócio que haja
de efectuar. Trata-se, de uma regra especifica de capacidade. Ela permite
que uma pessoa, incapaz para praticar pessoal e livremente um
determinado acto de sua conta, possa praticá-lo validamente como
representante de outrem.

Esta regra deriva da utilização do “procurador” como mero núncio; o


controlo da sua aplicação derivará, justamente da “natureza do negócio que
haja de efectuar”. Alem disso, o procurador terá de ter outorgado
validamente no negocio-base: de outro modo, a invalidade deste implica a
da procuração, por aplicação, directa ou analógica, do artigo 265.º/1.

A regra em causa tem, finalmente, um alcance prático bastante


significativo. Assim, na vida de família, é frequente os pais incumbirem os
filhos da condução de pequenos e médios negócios, que apenas requeiram
uma (implícita) procuração verbal. Podem desempenhar-se. Será,
provavelmente, a mais frequente manifestação da representação
voluntária.

O artigo 264.º/1 admite a substituição do procurador em três


hipóteses:

92
• Se o representado o permitir;

• Se a faculdade de substituição resultar do conteúdo da procuração;

• Se essa mesma faculdade resultar da relação jurídica que a


determina.

Finalmente, o artigo 264.º/4 admite que o procurador se sirva de


auxiliares na execução da procuração; a tanto poderá opor-se o “negócio”,
leia-se: o negocio-base, ou a natureza do acto a praticar. Por maioria de
razão, esta possibilidade poderá ser afastada por cláusula em contrário.

A cessação da procuração

O artigo 265.º/1 e 2 prevê três fórmulas para a extinção da procuração:

• A renúncia do procurador;

• A cessação do negocio-base;

• A revogação pelo representado.

O procurador pode sempre renunciar à procuração. No entanto, a renúncia


súbita a uma procuração pode prejudicar o representado. Assim, teremos de
entender que, sem prejuízo para a regra da livre renunciabilidade aos
poderes; por parte do procurador, este poderá ter de indemnizar se causar
danos e a sua responsabilidade emergir da relação-base. Estando em
causa um mandato com representação, por exemplo, a renúncia à
procuração implica a sua revogação, artigo 1179.º, aplicando-se,
consequentemente, o artigo 1172.º, quanto à obrigação de
indemnização.

Ver artigo 267.º - destinada a evitar que terceiros possam ser enganados
quanto à manutenção de poderes de representação.

A revogação da procuração pelo representado é o contraponto da livre


renunciabilidade, acima referida: também ela se explica pela natureza de
confiança mútua postulada pela representação voluntária. O artigo 265.º/2.

A propósito da revogação da procuração, o artigo 265.º/3 prevê a hipótese


de uma procuração conferida também no interesse do procurador ou de
terceiro: será, então, irrevogável.

A revogação tal como a renuncia pode ser expressa ou tácita. O artigo


1171.º, a propósito do mandato, consigna uma modalidade de revogação
que considera “tácita”: a de ser designada outra pessoa para a prática dos
mesmos actos. Pensamos que esta norma tem aplicação à procuração: o
representado que designe outro procurador para a prática dos mesmo actos
está, implicitamente, a revogar a procuração primeiro passada. Por
aplicação analógica daquele mesmo preceito, a revogação só produz efeitos
depois de ser conhecida pelo mandatário.

93
Em qualquer caso, sobrevindo a cessação da procuração, o representante
deve restituir, ao representado, o documento de onde constem os seus
poderes. Trata-se de uma norma resultante do artigo 267.º, destinada a
evitar que terceiros possam ser enganados quanto à manutenção de
poderes de representação.

A tutela de terceiros

A representação voluntária serve, em primeira linha, os interesses próprios


do representado. Através da representação, o representante contrata com
terceiros. Estes têm, no negócio celebrado, tanto interesse (em abstracto)
quanto o do próprio representado. A procuração não pode, pois, ser tratada
como uma relação exclusiva entre o representante e o representado.

A protecção perante as modificações e a extinção da procuração

Um primeiro momento de protecção ocorre a propósito das modificações e


da extinção da procuração. Surgem como eventualidades que modificam os
poderes do representante, mas nas quais o terceiro não intervém.

Procurando contemplar os interesses e a confiança desses terceiros, mas


sem descurar a posição do representado, o CC, no seu artigo 266.º,
estabeleceu certas regras (ir ver).

Aparentemente, em relação a este mesmo artigo, a diferença reside no


ónus da prova; na hipótese do n.º1, o representado terá de provar que os
terceiros conheciam a revogação; no segundo, a invocação da boa fé caberá
aos terceiros.

Segue; o Direito português; a procuração institucional

Fora de qualquer previsão específica, a confiança só é protegida, no Direito


português, através da boa fé e do abuso do direito. Todavia, o terceiro que
seja colocado numa situação de acreditar, justificadamente, na existência
de uma procuração, poderá se protegido: sempre que, do conjunto da
situação, resulte que a invocação, pelo “representado”, da falta de
procuração constitua abuso do direito, seja na modalidade do venire contra
factum proprium, seja na da surrectio.

Mas se a situação for institucional, no sentido de surgir enquadrada numa


organização permanente, com trabalhadores ou agentes e serviços
diferenciados, a realidade sócio-cultural é diversa. Ninguém vai, num
supermercado, invocar perante o empregado da caixa o artigo 266.º,
exigindo-lhe a justificação dos seus poderes e isso para evitar a hipótese de
uma “representação” sem poderes e não seguida de ratificação (268.º/1). A
confiança é imediata, total e geral.

Falaremos, então, numa procuração institucional. Esta surge sempre


que uma pessoa, de boa fé, contrate com uma organização em cujo nome
actue um “agente” em termos tais que, de acordo com os dados sócio-

94
culturais vigentes e visto a sua inserção orgânica, seja tranquila a existência
de poderes de representação.

A repercussão do tempo nas situações jurídicas

O artigo 298.º menciona três distintas figuras, pertencentes neste


capítulo:

• A prescrição – 298.º/1;

• A caducidade – 298.º/2;

• O não uso – 298.º/3, a lei começa por isentar certos direitos reais de
gozo da prescrição, submetendo-os, depois, ao não uso, “… nos casos
especialmente previstos na lei…”.

A contagem dos prazos

“Prazo” designa sempre um período de tempo.

Distinguem-se, em Direito, dois tipos de prazos: os prazos civis ou


substantivos e os prazos processuais ou adjectivos.

Segundo o artigo 279.º, b), na contagem de qualquer prazo, não se inclui o


dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o momento a partir
do qual o prazo começa a correr, numa certa aproximação à lei processual.

A remissão do artigo 296.º para o 279.º tem, todavia alguma delimitação.

Na verdade, as regras do artigo 279.º são de natureza interpretativa: elas


funcionam “em caso de dúvida” e inserem-se, em pleno, na autonomia
privada. Não admira, uma vez que elas surgem a propósito do termo, o qual
se insere em pleno na autonomia privada. Quando, porem, tais regras sejam
aplicáveis por via da remissão do artigo 296.º, haverá que ponderar caso a
caso, se se mantém a margem para a autonomia privada. Perante a
prescrição, tal margem não existe, dado o âmbito do artigo 300.º do CC.

O artigo 279.º fixou, no essencial, dois tipos de regras:

• Regras destinadas a interpretar as declarações de vontade feitas


pelas partes, a propósito da estipulação de termo;

• Regras mais gerais sobre o cômputo dos prazos.

Ver o artigo 299.º do CC, no tocante a alterações de qualificação de


prescrição para caducidade ou vice-versa:

• A nova qualificação, com todas as consequências, aplica-se às


situações já em curso;

95
• Todavia, a lei nova não atinge a suspensão ou interrupção da
prescrição, ocorridas pela lei velha.

A prescrição: Regime vigente

Segundo o artigo 300.º, são nulos os negócios jurídicos destinados a


modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou a dificultar por
outro modo as condições em que ela opere os seus efeitos. Paralelamente, é
proibida a renúncia antecipada à prescrição, artigo 302.º/1. Depois de ela se
completar, essa renúncia é possível, de modo expresso ou tácito, desde que
operada por quem tenha legitimidade para dispor do benefício que a
prescrição tenha criado, 302.º/2 e 3.

A prescrição seria, assim, um instituto integralmente imperativo, o que se


justificaria na base das razoes de interesse e ordem publica que dão corpo a
este instituto. As partes poderiam fixar prazos: mas apenas de caducidade,
artigo 330.º/1.

Os fundamentos da prescrição surgem como capítulo obrigatório em todos


os estudos dedicados ao tema. Poderemos sistematizar as diversas
proposições apresentadas, nos termos seguintes:

• Fundamentos atinentes ao devedor;

• Fundamentos de ordem geral.

Quanto a fundamentos atinentes ao devedor, a prescrição visa,


essencialmente, relevá-lo de prova. À medida que o tempo passe, o devedor
irá ter uma crescente dificuldade em fazer prova do pagamento que tenha
efectuado. Ninguém vai conservar recibos, quitações ou outros
comprovativos anos e anos a fio. A não haver prescrição, qualquer pessoa
poderia, a todo o tempo, ser demandada novamente por quase tudo o que
pagou ao longo da vida.

Alem disso, sem prescrição, o devedor veria comprometer as suas hipóteses


de regresso, sempre que estivessem em causa situações subjectivamente
complexas.

Em suma: o devedor nunca ficaria seguro de ter deixado de o ser, ficando


numa posição permanentemente fragilizada.

A prescrição serviria ainda escopos de ordem geral, atinentes à paz jurídica


e à segurança. Esta função só parcialmente é aproveitável: os credores do
devedor têm interesse em que este beneficie da prescrição. A lei dá-lhes, de
resto, a possibilidade de a invocarem, artigo 305.º.

Temos, pois, de assumir que a prescrição visa, no essencial, tutelar o


interesse do devedor.

96
O Direito português proíbe a renúncia antecipada aos direitos do credor:
artigo 809.º. Proíbe, ainda, a doação de bens futuros, artigo 942.º/1,
enquanto a doação de móveis não acompanhada pela tradição da coisa
deve ser feita por escrito, 947.º/2. A doação e a remissão têm natureza
contratual, 949.º/1 e 863.º/1, respectivamente.

A renúncia à invocação da prescrição

A prescrição não pode, ser dificultada ou excluída, nem mesmo por acordo
das partes. Depois de ter decorrido o seu prazo e de, portanto, se ter
constituído o direito potestativo de a invocar, o artigo 302.º/1 admite a
renúncia.

A renúncia será, assim, uma declaração unilateral recipienda, visando a


extinção do direito potestativo de invocar a prescrição.

E portanto, a renúncia à prescrição é operativa quando o devedor


conhecesse ou devesse conhecer o decurso do seu prazo.

Especifica o artigo 302.º/2 que a renúncia pode ser tácita. O


preceito, embora decorrente já do artigo 217.º/1, tem a sua utilidade. A
jurisprudência esclarece alguns pontos:

• Renuncia tacitamente à prescrição quem, depois de decorrido o prazo


prescricional, reconheça a divida exequenda, obrigando-se a pagá-la;

• Há renúncia tácita quando de admita que a divida de capital e juros


subsiste, apesar de decorrido o prazo;

• Há também renúncia tácita quando o devedor de uma obrigação


prescrita proponha ao credor formas de pagamento;

• Há igualmente renúncia tácita quando o devedor declare, após a


prescrição, que pagara quando receber determinadas indemnizações.

A lei é clara: não pode haver negócios que dificultem, para o futuro, a
prescrição, artigo 300.º. A renúncia é possível mas apenas após o decurso
do respectivo prazo – 302.º/1: nela, o devedor despoja-se do direito de
invocar uma certa prescrição, já consumada: não de futuras prescrições.
Verificada a renuncia, pode iniciar-se nova prescrição, se o direito continuar
a não ser exercido. Nessa linha, o Supremo tirou assento: A renuncia à
prescrição permitida pelo artigo 302.º do CC só produz efeitos em relação
ao prazo prescricional decorrido até ao acto de renuncia, não podendo
impedir os efeitos de ulterior decurso de novo prazo.

Beneficiários e invocação

O artigo 301.º determina que a invocação aproveite a todos os que dela


possam tirar benefício, sem excepção dos incapazes – artigo 1289.º,
relativo à usucapião.

97
O preceito parece evidente, dado o princípio da igualdade perante a lei.
Todavia, apresenta alguma utilidade: a prescrição tem na origem a
inactividade (também) do devedor, que poderá não pagar conscientemente.
Se for incapaz, desaparece essa dimensão pretendida e calculada. Pois
bem: a lei explica que o incapaz não é prejudicado.

A prescrição é uma posição privada, concedida, no interesse do devedor.


Este usá-la-á, ou não. A hipótese de um devedor, beneficiado pela
prescrição, não a querer usar, nada tem de anormal: poderão prevalecer
aspectos morais ou, até, patrimoniais e pragmáticos: o comerciante
preferirá pagar o que deve do que fazer constar, na praça, que recorreu à
prescrição, com prejuízo para o seu credor legítimo. Recorrer à prescrição é,
em suma, uma opção que exige um claro acto de autodeterminação e isso
no seio de uma posição privada. O artigo 303.º é claro nesse aspecto.

Em rigor, o simples decurso do prazo dá lugar ao aparecimento de um


direito potestativo: o de invocar a prescrição.

A prescrição pode ser invocada por terceiros: pelos credores do devedor e


por outras pessoas que tenham interesse legítimo na sua declaração, artigo
305.º/1. Trata-se de uma manifestação de legitimidade que é dada aos
credores para exercer certos direitos relativos ao devedor e que tem a sua
sede mais geral nos artigos 605 e seguintes.

Artigos 305.º/2 e 610.º.

A inoponibilidade do caso julgado aos credores do devedor,


predisposta no artigo 305.º/3, é novo afloramento de uma regra geral. O
caso julgado, em si, só é eficaz entre quem tenha sido parte no processo
que o originou.

Inicio do prazo

O inicio do prazo da prescrição é um factor estruturante do próprio instituto:


dele, depende, depois, todo o desenvolvimento subsequente. O Direito
comparado documenta, a tal propósito, dois grandes sistemas:

• O sistema objectivo - o prazo começa a correr assim que o direito


possa ser exercido e independentemente do conhecimento que, disso
tenha ou possa ter o respectivo credor. É tradicional, sendo
compatível com prazos longos e, ainda dá primazia à segurança.

• O sistema subjectivo – tal inicio só se dá quando o credor tenha


conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito; joga
com prazos curtos e costuma ser dobrado por uma prescrição mais
longa, objectiva e, ainda dá primazia à justiça.

O artigo 306.º/1, 1.ª parte, adoptou o esquema objectivo: dispensa qualquer


conhecimento, por parte do credor. A locução “… começa a correr quando o

98
direito puder ser exercido…” deve ser corrigida em função dos artigos 296.º
e 279.º, b): o próprio dia não se conta.

O artigo 306.º contém desenvolvimentos da regra central: a prescrição só


se conta depois de o direito poder ser exercido. Ver o resto do artigo.

Accessio temporis

A prescrição reporta-se a situações jurídicas, a obrigações,


independentemente de quem as encabece. Deste modo, iniciada a
prescrição de determinado direito, ela prossegue independentemente de:

• O crédito de transmitir para um credor diverso do inicial;

• O débito se transmitir para um novo devedor.

A primeira hipótese é, nos termos gerais, possível por cessão de crédito ou


por sub-rogação, artigos 577.º e seguintes e 589.º e seguintes; a segunda,
por assunção, artigos 595.º e seguintes. Ambas podem ocorrer por cessão
de posição contratual, artigos 424.º e seguintes, por sub-rogação ou por
transmissão de títulos de crédito.

Noutros termos: o novo credor pode ver invocado, contra ele, o tempo de
prescrição já decorrido contra o seu antecessor; o novo devedor pode somar
ao seu o tempo processado a favor do seu antecessor. Trata-se da accessio
temporis.

O artigo 308.º refere a accessio temporis como “transmissão”. Prevê-a pelo


lado do credor, n.º1 e pelo do devedor, n.º2. Neste ultimo caso, a
transmissão exige, em regra, o consentimento do credor; tal consentimento,
a ser solicitado pelo devedor, envolveria o reconhecimento, por este, da
existência do direito e, por ai, a interrupção da prescrição, artigo 325.º:
donde a ressalva, talvez dispensável, do artigo 308.º/2, 2.ª parte.

Efeitos

Expirando o prazo, o devedor tem o direito de invocar a prescrição, 303.º.


De resto: só assim ela produzirá efeitos. Essa invocação pode ser feita
judicial ou extrajudicialmente e de modo expresso ou de modo tácito. É o
que se retira do artigo 304.º/1, o qual deve ser interpretado e aplicado em
conjunto com o artigo 303.º.

Artigo 304.º/2, temos aqui, várias situações, que importa discernir:

A prestação “prescrita” mas cuja prescrição não tenha sido invocada é uma
prestação comum. Sendo cumprida, não há que falar em prescrição, uma
vez que o tribunal não a pode aplicar de oficio. Há duas sub-hipoteses:

• Ou não foi invocada porque o devedor não a quis invocar: o direito é


disponível: a escolha é sua;

99
• Ou não foi invocada porque o devedor não sabia da prescrição: nessa
altura, a lei não permite invalidar o cumprimento, repetindo a
prestação.

Em qualquer destes casos, a prescrição não surtiu quais efeitos por não ter
sido invocada. A ignorância não permite uma invocação posterior ao
cumprimento.

A lei exige que a prestação tenha sido realizada “espontaneamente”. O


lugar paralelo do artigo 403.º/2 diz-nos que “espontânea” significa, aqui,
“livre de toda a coacção”.

Ver o artigo 304.º/2. Aqui temos uma situação diversa: enquanto a


prestação “ prescrita”, mas cuja prescrição não tenha sido invocada, pode
ser judicialmente exigida, com a inelutável condenação do devedor,
havendo tal invocação, já não há exigência judicial possível. Todavia,
sendo espontaneamente paga, não há repetição.

A invocação da prescrição tem a consequência de fazer passar o débito


prescrito à categoria de obrigação natural – artigo 403.º/1. Nada disto se
confunde com a renuncia, que traduz um acto autónomo de disposição do
poder de invocar a prescrição.

Temos, então, o seguinte quadro de efeitos: decorrido o prazo


prescricional:

• O devedor pode invocar a prescrição, pode renunciar a ela ou pode


nada fazer;

• Se invocar a prescrição, a obrigação passa a natural; se, não


obstante, for cumprida, não pode ser repetida;

• Se renunciar à prescrição, a obrigação mantém-se civil, devendo ser


cumprida, nos termos comuns;

• Se nada fizer, a obrigação mantém-se, também, civil; aí, uma de


duas:

• Ou o devedor cumpre e a prestação não pode ser repetida, por ser


civil; ou não cumpre (mas sem a invocar consciente ou
inconscientemente) e irá ser condenado no seu cumprimento, pró a
obrigação ser civil.

Prazos da prescrição

Segundo o artigo 309.º, o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.


Trata-se de um prazo único, sempre aplicável quando a lei não fixe
hipóteses especiais e independentemente da boa ou da má fé do devedor.

Ver artigos 310 e 311.º do CC.

100
O primeiro bloco que nos aparece é o da prescrição de 5 anos, prevista no
artigo 310.º, em sete alíneas.

A prescrição quinquenal do artigo 311.º reporta-se a situações que têm em


comum:

• Um direito de base dotado de certo porte;

• Prestações periódicas que dele se desprendem.

Prescrições presuntivas

Seguem-se as denominadas prescrições presuntivas: trata-se, no nosso


Direito, de prescrições cujo prazo é inferior a cinco anos e que se sujeitam a
um regime diferenciado.

As prescrições presuntivas baseiam-se numa presunção de que as dividas


visadas foram pagas. De um modo geral, elas reportam-se a débitos
marcados pela oralidade ou próprios do dia-a-dia. Qualquer discussão a seu
respeito ou ocorre imediatamente, ou é impossível de dirimir com
consciência.

O credor, contra o que resultaria das regras gerais das presunções iuris
tantum, artigo 350.º/2, não pode ilidir a presunção provando que, afinal, o
devedor nada pagou. Apenas o próprio devedor, caindo em si, o poderá
fazer: por confissão: artigo 313.º.

A confissão, segundo o artigo 352.º, é o reconhecimento que a parte faz da


realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.

Sobre a confissão do devedor – artº 313º.


Sobre a confissão tácita – artº 314º.

A prescrição presuntiva rege-se pelas regras gerais da prescrição ordinária –


artº 315º.

Sobre a prescrição de 6 meses – artº 316º.


Sobre a prescrição de dois anos – artº 317º.

Uma prescrição de curto prazo, quando nada se diga, poderá, no Direito


português, muito bem ser presuntiva: é a solução mais próxima do padrão-
base.

Suspensão da prescrição

A prescrição é temperada com algumas regras que permitem, in concreto,


respeitar valores e ocorrências que o Direito Civil não pode ignorar. Aqui se
inscreve a figura da interrupção da prescrição.

Podemos distinguir:

101
- causas bilaterais;
- causas subjectivas;
- causa objectivas.

As causas bilaterais implicam uma suspensão da prescrição entre duas


pessoas particularmente relacionadas: entre cônjuges, por exemplo. As
causas subjectivas relacionam-se com a suspensão favorável a pessoas que
se encontrem em situações que o Direito tutela: militares na guerra, por
exemplo. As causas objectivas derivam de situações jurídicas sensíveis: um
caso de força maior, por exemplo.

Consultar as disposições presentes nos artºs 318º a 321º.

Por outro lado, a suspensão não é uma mera delimitação no conteúdo da


prescrição: antes funciona como objecto de um direito potestativo de deter
o funcionamento da prescrição, em certas circunstâncias, suspendendo o
conteúdo do respectivo prazo. Uma vez invocada, a suspensão tem eficácia
retroactiva: os seus efeitos operam desde o momento em que se mostrem
reunidos os competentes requisitos.

Interrupção da prescrição

Na normalidade dos casos, a prescrição não segue o seu curso: é


interrompida pela execução ou pelo acatamento da obrigação em jogo.
Poderemos, assim, definir a interrupção da prescrição como o acto ou o
efeito de pôr termo ao processo prescricional. A interrupção, quando ocorra,
inutiliza todo o prazo porventura já decorrido. Verificados os requisitos
poderá apenas, depois, haver um reinício.

A interrupção da prescrição corresponde a uma evidência lógica: de tal


forma que, quando não estivesse prevista na lei, ela sempre se imporia.
Basta ver que, se estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante
o lapso de tempo estabelecido na lei, determinados direitos – artº 298º/1 -,
o processo cessa logo que eles sejam exercidos.

Em contraposição com a suspensão, existe uma diferença de eficácia:

- a suspensão permite o aprovetamento do prazo que tenha decorrido antes


dela;
- a interrupção inutiliza todo o prazo anterior, obrigando a nova contagem a
partir do zero.

Sobre a interrupção promovida pelo titular – artº 323º/1.


Sobre o reconhecimento – artº 325º.

Como vimos, a interrupção inutiliza todo o tempo anteriormente decorrido.

102
A partir dela, começará a contar-se nova prescrição, sujeita ao prazo
primitivo – artº 326º - salvo a hipótese de prescrições de curta duração:
estas passam ao prazo ordinário, quando os respectivos direitos sejam
reconhecidos por sentença transitada ou caso sobrevenha um título
executivo – artº 311º.

Sobre a interrupção da interrupção – artº 327º.

4. Caducidade e não uso

Em sentido lato, a caducidade corresponde a um esquema geral de


cessação de situações jurídicas, mercê da superveniência de um facto a que
a lei ou outras fontes atribuam esse efeito. Ou, se se quiser: ela traduz a
extinção de uma posição jurídica pela verificação de um facto stricto sensu
dotado de eficácia extintiva.
Em sentido estrito, a caducidade é uma forma de repercussão do tempo nas
situações jurídicas que, por lei ou por contrato, devam ser exercidas dentro
de certo termo. Expirado o respectivo prazo sem que se verifique o
exercício, há extinção.

Podemos proceder a uma distribuição dos vários casos por dois grandes
grupos:

- o da caducidade simples;
- o da caducidade punitiva.

Na caducidade simples, a lei limita-se a prever ou a referir a cessação de


uma situação jurídica pelo decurso de certo prazo. Como exemplos:

- prevê-se um prazo de um ano para pedir a anulação dos negócios


(287º/1), numa efectiva previsão de caducidade (artº 359º/1);
- o direito de repetição do cumprimento de obrigação alheia julgada própria
não ocorre se o credor tiver deixado prescrever ou caducar o seu direito
(artº 477º/1);

Regime da caducidade

A aplicação do regime da caducidade depende de, perante um prazo, se


poder determinar a sua natureza: prazo de prescrição ou prazo de
caducidade? O artº 298º/2 contém uma solução clara.

Na hipótese de um “prazo” por vontade das partes, dificilmente se poderia


cair na prescrição: fosse esse o caso e a inerente cláusula seria nula, dado o
artº 300º. Perante um prazo legal: ou a disposição relevante contém a
palavra “prescrição”, associando-a à prescrição ou caímos na caducidade.
De outro modo, perder-se-ia o objectivo último do Direito, quando fixa

103
prazos: a segurança jurídica.

No entanto, o princípio mais básico é o da prescrição. A ela estão sujeitos


todos os direitos disponíveis que a lei não declare isentos de prescrição –
artº 298º/1. No silêncio da lei, essa regra tem aplicação.
Noutros termos: salvo a prescrição, as posições jurídicas activas não estão
sujeitas, por regra, a nenhum prazo; os seus titulares exercê-las-ão quando
entenderem.

Tipos de caducidade

Em primeiro lugar, a caducidade pode ser legal ou convencional, consoante


seja predisposta directamente pela lei ou por convenção das partes (artº
330º/1). A caducidade convencional tem um regime diferenciado, que
encontraremos adiante: artºs 330º/2 e 331º/2, por exemplo e em parte.

Ver também os artºs 330º/1, 331º/2 e 333º.

Início e suspensão

O prazo de caducidade, salvo se a lei fixar outra data, começa a correr no


momento em que o direito puder legalmente ser exercido – 329º. A norma
distingue-se, em dois pontos, da da equivalente, quanto à prescrição (306º):

- prevê que a lei possa fixar outra data;


- não associa o início do decurso do prazo à exigibilidade.

No domínio da caducidade, não se aplicam as regras sobre suspensão e


interrupção do prazo, que funcionam perante a prescrição – 328º.

Sobre as causas impeditivas da caducidade – artº 331º/1.

Em primeira linha, a caducidade distingue-se da prescrição por exigir, ao


contrário deste, específicas previsões: legais ou contratuais. A prescrição
contenta-se com a previsão geral do artº 298º/1, embora para comportar
disposições particularizadas, mormente quando fixem regimes
diferenciados. Já a caducidade exige, sempre, essas mesmas disposições.

A prescrição é imune à vontade das partes (artº 300º). Pelo contrário, a


caducidade, conquanto que apenas nas áreas disponíveis, pode ser
modelada pela autonomia privada: seja prevendo novas hipóteses, seja
fixando regras distintas das legais (330º/1). A lei teve o cuidado de ressalvar
“...a fraude às regras legais de prescrição” (artº 330º/1, in fine). Cautela
dispensável: nunca seria possível, em termos jurídicos, afastar ou
prejudicar, as regras da prescrição, por natureza imperativas. Quaisquer
cláusulas contratuais a tanto destinadas cairiam, de imediato, na invalidade
por contrariedade À lei (280º/1).

104
A caducidade tem prazos em regra curtos (são frequentes hipóteses de dez
ou quinze dias), ao contrário da prescrição, cujo horizonte é constituído pelo
prazo ordinário de vinte anos (309º). Mesmo as prescrições presuntivas
ficam pelos seis meses de prazo (316º).
Na prescrição, a lei prevê, com desenvolvimento, os casos de suspensão
(318º e ss.) e de interrupção (323º e ss.). Já na caducidade isso, em
princípio, não sucede (328º): exige-se, para tanto, uma previsão específica,
mau grado uma aplicação supletiva da suspensão às caducidades
convencionais (330º/2).

O não uso

Não uso equivale ao não exercício do direito real em jogo.

Exemplo de não uso:

- com o usufruto que se extingue “pelo seu não exercício durante


vinte anos, qualquer que seja o motivo” (1476º/1 c) )

Infere-se desde logo que o não uso:

- tem uma aplicação taxativa aos direitos enumerados no artº 298º/3: todos
eles direitos reais de gozo;
- ainda então exigindo uma nova e “especial” previsão.

O abuso do direito

O artigo 334.º do CC, sob a epígrafe “abuso do direito” estatui que “é


legítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente
os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou
económico desse direito”.

A fórmula “abuso do direito” desempenha em relação ao direito subjectivo


um papel de controlo ao do artigo 280.º perante o negócio jurídico: estatui
os limites da autonomia privada no exercício jurídico. O direito subjectivo é,
conjuntamente com o negócio jurídico, uma das principais manifestações da
autonomia privada. No artigo 280.º estão consagrados os limites gerais da
autonomia no conteúdo do negócio jurídico; no artigo 334.º, os limites da
autonomia privada no exercício de direito subjectivo.

Os limites consagrados n artigo 334.º do CC são de três ordens: a


boa fé, os bons costumes e o fim social ou económico o direito.

Contrariedade à boa fé

O exercício do direito subjectivo implica muitas vezes o contacto jurídico do


titular com outras pessoas. Nos direitos relativos, esse contacto é

105
necessário. O credor, por exemplo, exerce o seu direito perante o devedor.
Nos direitos absolutos, o exercício do direito não exige o contacto social,
mas ele pode suceder e sucede frequentemente. Assim, o exercício do
direito à honra pode exercer-se solitariamente e o mesmo acontece com o
gozo de uma coisa própria. Mas a defesa dos direitos absolutos contra
ameaças ou agressões supõe alguém de quem sejam defendidos ou contra
quem sejam exercidos. O exercício do direito subjectivo não exige, pois,
sempre o contacto social mas envolve-o natural e frequentemente.

No contacto social envolvido no exercício do direito subjectivo, o titular do


direito deve agir com boa fé. Este dever está expresso também no artigo
762.º, n.º2 do CC, num preceito que, apesar de inserido no livro das
obrigações, deve ser aplicado analogicamente ao exercício de qualquer
direito subjectivo.

Contrariedade aos bons costumes

Os bons costumes constituem critério de delimitação do exercício lícito do


direito subjectivo, no artigo 334.º do CC, assim como determinam um dos
limites do conteúdo licito do negocio jurídico no artigo 280.º. Este
paralelismo nada tem de surpreendente uma vez que ambos o direito
subjectivo e o negocio jurídico são manifestações importantes da autonomia
privada.

Os bons costumes não são estanques em relação à boa fé. Existe contacto
estrito entre ambos, de tal modo que frequentemente se encontrarão casos
de contrariedade à boa fé que sejam também contrários aos bons costumes.

Desvio em relação ao fim social ou económico

O direito subjectivo é funcionalmente dirigido à realização de fins do seu


titular. O fim pessoal é inerente ao direito subjectivo e não pode deixar de
existir. O direito subjectivo distingue-se do direito objectivo principalmente
pela afectação de um bem aos fins, pessoais de pessoas determinadas. A
sua função principal é a realização dos fins das pessoas dos seus titulares. É
frequente, porem, embora não seja necessário, que o direito subjectivo,
alem do seu fim pessoal subjectivo, tenha também uma função social e
económica objectiva para a realização do qual é reconhecido pela Ordem
Jurídica ao seu titular. Sempre que assim suceda, o exercício do direito será
abusivo quando seja contrário a esse fim económico ou social que,
conjuntamente com o fim pessoal, preenche a sua função.

Tipos doutrinários tradicionais de abuso do direito

No estudo do abuso do direito, a Doutrina construiu vários tipos de condutas


activas ou omissivas que constituem exercício abusivo do direito subjectivo.
Estes tipos foram doutrinariamente construídos em épocas diferentes, por
autores com perspectivas jusfilosoficas diversas, e representam visões nem
sempre harmónicas. Por isso, a tipologia corrente é relativamente
incoerente, fragmentária e com sobreposições. São tipos sociais, não

106
legalmente estruturados, e por isso com fronteiras e limites imprecisos,
fluidos e difusos. Assim sendo, temos:

Exceptio doli

É o mais antigo dos tipos de reacção contra a má fé. O artigo 334.º do CC


vem permitir a dedução de exceptio doli com generalidade, nos casos não
especialmente previstos na lei. Ao titular de um direito subjectivo pode ser
oposta a desonestidade com que o adquiriu ou pretende exercer. Este tipo
de abuso do direito assenta, por um lado na violação da boa fé, do dever de
honeste agere, do dever de agir como uma pessoa séria e honesta, como
uma pessoa de bem, e também na violação dos bons costumes.

Venire contra factum proprium

Este tipo de abuso centre-se na proscrição de comportamentos


contraditórios e da frustração de expectativas criadas e nas quais outrem
haja legitima e razoavelmente confiado. Uma conduta contraditória como
esta é contrária aos bons costumes e à boa fé, e constitui abuso do direito.
Pois a comunicação humana complementam a linguagem das palavras. A
vida em sociedade exige que as pessoas possam confiar nas expectativas
criadas e que essas expectativas sejam entendidas pelo Direito.

Inalegabilidades formais

Este tipo de abuso consiste na invocação da invalidade formal de um


negócio pela parte que provocou intencionalmente a ocorrência do vício de
que decorre (actuação dolosa) ou que, embora não a tenha provocado
participou na sua prática (actuações ingénua, confiante, oportunista e
contraditória). A invocação do vício formal, nestas circunstâncias, constitui
um comportamento contraditório, que frustra a expectativa da outra parte,
contraria a boa fé e é desconforme com os bons costumes.

Supressio e surrectio

São suptipos do venire contra factum proprium. Traduzem o comportamento


contraditório do titular do direito que o vem exercer depois de uma
prolongada abstenção. A abstenção prolongada no exercício de um direito,
pode, em certas circunstancias, suscitar uma expectativa legítima e
razoável de que o seu titular o não irá exercer ou que haja renunciado ao
próprio direito, ao exercício de algum dos poderes que o integram, ou a
certo modo do seu exercício. Esta expectativa é atendível quando a sua
criação seja imputável ao titular do direito e resulte de uma situação de
confiança que seja justificada e razoável.

Tu quoque

Constitui abuso do direito a invocação ou o aproveitamento de um acto


ilícito por parte de quem o cometeu. Trata-se de um caso de violação do

107
dever de honeste agere que é eticamente inaceitável para o Direito e que
pode, com êxito, ser contrariado pelo exceptio doli.

Exercício em desequilíbrio

Trata-se de um caso de exercício danoso do direito. O formalismo positivista


conduz por vezes as pessoas juridicamente menos preparadas a penas que
a titularidade do direito lhes permite exerce-lo de qualquer modo, causando
quaisquer danos a outrem e que os danos que assim causar são lícitos
porque causados no exercício de um direito. É um grave erro. O exercício do
direito deve ser feito de modo a causar o mínimo dano a outrem (principio
do mínimo dano).

Quem exerce um seu direito deve, ao faze-lo, usar da cautela e do cuidado


necessários para que não ofenda direitos alheios ou cause danos a outrem.
Assim, aquele que, no exercício do direito de caçar, atravessar a
propriedade de outras pessoas, deve faze-lo de modo a não danificar
culturas ou a danificá-las apenas no indispensável.

Atenção:

O artigo 334.º do CC não estatui quais as consequências do abuso: limita-se


a estatuir que é “ilegítimo” o exercício do direito que exceda
manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou
pelo respectivo fim social ou económico. Há alguns casos, dispersos na lei
em que são estatuídas determinadas consequências em certos casos
específicos de abuso do direito, por exemplo, o abuso da representação,
está previsto no artigo 269.º do CC, acarreta a ineficácia do acto
representativo “ se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso”. O
abuso do direito dá origem a responsabilidade civil. O exercício abusivo é
ilícito e, como tal, se se verificarem os demais pressupostos, levará à
condenação do seu autor a indemnizar os danos que com ele houver
causado.

A colisão de direitos

Em sentido amplo, haverá colisão de direitos quando um direito subjectivo,


na sua configuração ou no seu exercício, deva ser harmonizado com outro
ou outros direitos. Num sentido estrito, a colisão ocorre sempre que dois ou
mais direitos subjectivos assegurem, aos seus titulares, permissões
incompatíveis entre si.

Mais recentemente, a colisão de direitos foi reanimada para enquadrar os


conflitos, muito actuais, entre os direitos de personalidade e a liberdade de
imprensa e entre as liberdades fundamentais consagradas no Direito
europeu.

O artigo 335.º/1 prevê a hipótese de colisão de direitos:

108
1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os
titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam
igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das
partes.

2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o


que deva considerar-se superior.

Há colisão, em sentido próprio, quando dois ou mais direitos subjectivos


assegurem, aos seus titulares, permissões incompatíveis entre si. A colisão
de direitos pressupõe, deste modo, um concurso real de normas.

Da colisão de direitos devem distinguir-se outra figuras que, embora


próximas, obedeçam a regras diferentes. Ela não se confunde:

Com a colisão aparente – a situação que se manifesta quando, havendo


direitos incompatíveis, apenas um deles deva subsistir; assim, na dupla
venda: se uma pessoa vende a mesma coisa a duas pessoas,
sucessivamente, poder-se-ia falar em colisão, a solucionar pelo princípio
prior tempore, potior iure: prevalece o mais antigo; todavia, verifica-se,
antes, que tendo vendido uma coisa a uma primeira pessoa, esta torna-se a
proprietária (408.º/1); ao vender à segunda, já há ilegitimidade (892.º), pelo
que o segundo comprador nada adquire, não tendo qualquer direito; logo,
não há colisão real, uma vez que existe uma única permissão normativa
específica em presença, isto é: um único direito; este mesmo raciocínio é
aplicável à “incompatibilidade entre direitos pessoais de gozo” referido no
artigo 407.º;

Com os conflitos de sobreposição – tal conflito ocorre quando, sobre o


mesmo objecto, incidam direitos de pessoas distintas; nessa ocasião, as
respectivas permissões normativas delimitam-se, automaticamente, de
acordo com determinadas regras; assim, havendo contitularidade, há que
lidar com o dispositivo dos artigos 1403.º e seguintes, aplicáveis
genericamente, por via do 1404.º; do mesmo modo, os conflitos
hierárquicos (ex: direito de propriedade e direito de usufruto) ou
prevalentes (ex: varias hipotecas) encontram soluções explícitas nos seus
regimes próprios;

Com os conflitos de vizinhança – resultam eles da incidência de direitos


reais sobre prédios contíguos ou muito próximos; também aqui existe um
regime explícito;

Com o concurso de credores – na execução patrimonial, verificando-se a


insuficiência do património do devedor para satisfazer todos os créditos, há
regras de prevalência e de rateio, as quais se aplicam;

Em todas estas hipóteses, as permissões normativas em presença são


delimitadas ou restringidas por outras normas: não chega a haver
verdadeira colisão. Pode porem acontecer que as delimitações abstractas
que previnem a colisão revertam, depois, para exercícios potencialmente

109
conflituantes. Será o exemplo do uso da coisa comum (1406.º/1): podem
ambos os comproprietários querer usar a coisa em simultâneo surgindo,
nestes direitos de uso, o conflito.

O Código refere “direitos iguais ou da mesma espécie”. Direitos iguais


são os que derivem das mesmas normas, ex: ambos são direitos à vida, à
saúde ou de propriedade; da mesma espécie serão os provenientes de
normas que contemplem o mesmo tipo de bens, ex: ambos são direitos de
personalidade ou reais. A igualdade referida é-o em termos qualitativos: não
é perturbada pelo facto, possível nos direitos patrimoniais, de haver
desigualdade quantitativa: ex: na compropriedade poderá um dos
contitulares ter uma quota de 2/3 e a outra de 1/3.

Verificados os referidos pressupostos, manda o legislador:

• Que os titulares cedam na medida do necessário;

• Para que todos produzam igualmente o seu efeito;

• Sem maior detrimento para qualquer das partes.

Portanto, se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente,


prevalece o que deva considerar-se superior.

No Direito, como noutras áreas, o ideal será a inexistência de conflitos. Para


tanto, torna-se necessário que, antes da colisão, a mesma seja prevenida.
Deverá ser desamparada a posição das pessoas que, censuravelmente, se
veio a colocar em situação de colisão. O Direito não obriga as pessoas a, em
momento prévio, abdicar de direitos so para prevenir colisões. Mas irá
desempenhar aquele que o faça censuravelmente, isto é: violando regras de
conduta; ignorando princípios que ao caso caibam.

Por exemplo: uma colisão de direitos entre um representante legal e um seu


representado, quando o primeiro pudesse, previamente, ter evitando a
situação: dados os deveres de tutela a seu cargo, deveria o representante
ter prevenido o conflito.

Direitos diferentes

Havendo conflito de direitos, uma das saídas possíveis é a da opção pela


prevalência de um deles. Efectivamente, se os direitos forem desiguais
ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.
Essa desigualdade deve ser constatada em abstracto. Ou seja, perante
vários direitos colidentes, haverá diferença quando um seja de propriedade
e outro de crédito, por exemplo. Já o juízo de superioridade, que nos dará a
chave da prevalência, deve ser formulado em concreto.

• Por exemplo: numa colisão entre um direito de personalidade e um


direito de propriedade, temos direitos de espécie diferente;
teoricamente, o direito de personalidade seria sempre superior; mas

110
em concreto, poderá ser “superior” o de propriedade: pense-se numa
unidade fabril licenciada e há muito em laboração, que o recém-
instalado construtor de uma casa pretenda fazer parar, invocando o
direito ao repouso.

Pergunta-se, agora, se haverá critérios para, com concreto, fazer


prevalecer os direitos uns sobre os outros, na hipótese da colisão.
Assim:

Atenção: os três primeiros critérios são normais; os quatro últimos, de


recurso.

A antiguidade relativa – o direito constituído tenderá a prevalecer, no seu


exercício, sobre os direitos igualmente válidos, mas só depois formados. Na
base deste critério, por exemplo, a fábrica em laboração não pode parar
pela construção de novas residências, cujos proprietários invoquem o direito
ao repouso. Mas já não poderia instalar-se, ex novo, tal fábrica, junto de um
bairro residencial preexistente.

Os danos pelo não-exercicio, ou da minimização dos danos – de


facto, o direito subjectivo é, antes de mais, uma vantagem para o titular: há
que interpretá-lo e que concretizá-lo, de modo a que não se converta em
prejuízo. Perante uma colisão, haverá sempre que perguntar pelas
consequências do não-exercicio ou do não-exercicio pleno, por parte de
cada um dos envolvidos. Feita essa operação, dar-se-á prevalência àquele
cujo não-exercicio acarrete maiores danos. O “dano” aqui, deve ser
considerado em termos sociais e humanos: não meramente econométricos.

• Por exemplo: numa colisão entre o direito de iniciativa económica (a


construção de uma linha de metropolitano) e o direito ao repouso do
morador, poderá ceder este ultimo se se verificar que, com uma
pequena despesa, o morador poderá ser provisoriamente realojado,
enquanto a paragem nocturna das obras acarretaria um prejuízo
astronómico: claro está: o morador poderia ser indemnizado; quanto
à dimensão social do dano: haverá que ponderar, quando se mande
parar uma unidade fabril, a perda de postos de trabalho ou os
prejuízos para a exportação.

Também aqui intervêm os danos não-patrimoniais. Assim, na colisão de


direitos de usar um automóvel, prevalece o do titular que pretenda levar o
filho ao hospital, sobre o do que queira ir passear: o dano do não-exercicio
é, no primeiro caso, superior ao do segundo.

Os lucros do exercício – o lucro têm uma dimensão individual: a lógica da


subjectivação jurídica, que dobra, ela própria, a da apropriação privada.
Todavia, ele tem ainda um papel social, que interessa a toda a sociedade e
que o Direito valoriza. Numa colisão de direitos, este factor deve ser usado:
se o exercício de um direito dá, ao seu titular, um bom lucro, ele
prevalecerá sobre outro exercício igualmente legítimo, mas sem tais

111
consequências. Resta acrescentar que “lucro”não é, aqui, apenas
facturação; releva, antes, uma dimensão social ampla.

• Por exemplo: na utilização de uma casinha, num certo fim-de-


semana, prevalece o exercício do contitular que tenha sete filhos
sobre o de um outro que, tendo alternativas, lá vá sozinho; do mesmo
modo, a utilização produtiva de um recinto leva a melhora sobre a
sua manutenção devolutiva. Admitimos, aqui, que tudo isto seja
possível, no âmbito de direitos diferentes, tratando-se apenas, in
concreto, de determinar o prevalente.

Os três apontados critérios prevalecem, pela ordem indicada, uns


sobre os outros. Pode, todavia, suceder que o recurso aos três apontados
critérios não permita qualquer conclusão.

Nessa altura, recorremos ao quarto critério:

A ponderação abstracta – sendo os direitos desiguais ou de espécie


diferente, ponderemos concluir que um deles seja, em abstracto, mais
poderoso. Uma vez que o exercício concreto não permite conclusões,
impõe-se recorrer à ponderação abstracta. Como excluímos do âmbito da
colisão os casos dotados de regimes explícitos, ex: direitos reais versus
direitos de crédito. Por essa via, dos direitos de personalidade tenderão a
prevalecer sobre os direitos reais: mas apenas na inoperacionalidade de
qualquer dos critérios anteriores.

Não sendo possível, também por esta via, fazer uma destrinça
concreta, teremos de concluir que, apesar de diferentes, os dois
direitos acabam empatados. Será , então de recorrer ao critério previsto
para os “direitos iguais ou da mesma espécie” (335.º/1): devem os titulares
ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu
efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. Evidentemente:
essa cedência mútua postula que, no concreto, se trate de direitos que
comportam exercícios parcelares. É o critério do igual sacrifício.

Se nenhum dos critérios operar e não sendo possível resolver o problema,


há ainda um ultimo critérios, o da composição aleatória equilibrada,
se possível ou pura, na hipótese contraria – por exemplo, se uma
pessoas tem o direito de levar um automóvel para uma discoteca e a outra,
para um local diferente de diversão, na falta de outro critérios, uma de
duas: ou combinam que uma vai num fim-de-semana e outra no outro, à
escolha ou à sorte ou, se for saída única, sorteiam quem sai.

Direitos iguais

Na hipótese de os direitos serem “iguais ou da mesma espécie”, a lei


determina, simplesmente, a prevalência do princípio do igual tratamento:
devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam
igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes,
nas palavras do artigo 335.º/2, 2.ª parte.

112
A consequência da cedência mútua postula que os direitos sejam, por
natureza, susceptíveis de exercícios parcelares. Alem disso, a cedência
mutua parte ainda do principio de que e possível uma repartição, por igual,
das vantagens do direito e, ainda, uma igualização de “detrimentos”. E se o
não for?

A “igualdade” ou a “pertença à mesma espécie” são constatáveis em


abstracto. Na hipótese de a colisão não poder ser resolvida com recurso ao
princípio do igual tratamento, temos uma lacuna. Não oferece dúvidas, quer
pela analogia manifesta, quer pela proximidade sistemática, fazer então
apelo ao artigo 335.º/2: verificando, em concreto, se alguns dos tais direitos
“iguais ou da mesma espécie” deve considerar-se superior, no seu
exercício.

Caímos, assim, nos três primeiros critérios acima enunciados, a articular


nos termos de um sistema móvel: a antiguidade relativa, o menos dano e o
Maios prejuízo. Se nenhuma desses critérios ou todos em conjunto se
mostrar operacional, temos um problema: não se pode apelar à prevalência
em abstracto, uma vez que estamos perante direitos iguais, nem ao igual
sacrifício, que já vimos ser impossível. Ficam-nos, nessa altura, as
composições aleatórias: ou com equilíbrio ou puras.

Tendências gerais

As decisões judiciais sobre esta matéria concentram-se, essencialmente,


nos seguintes eixos:

• Colisões entre o direito à saúde e ao repouso e os direitos de


propriedade e iniciativa económica;

• Colisões entre o direito ao bom nome e à intimidade da vida privada e


a liberdade de expressão.

No primeiro caso prevalece o direito à saúde e ao repouso; no segundo, o


direito ao bom nome e à intimidade. Surge como uma opção clara, que
corresponde à sensibilidade consensualmente dominante, nos nossos dias,
devidamente interpretada pelos tribunais.

A tutela privada dos direitos

O exercício concreto dos direitos subjectivos suscita problemas. As pessoas


que são titulares do direito não estão sós no mundo. Os direitos não se
exercem isoladamente. Pelo contrário, o exercício dos direitos é feito no
âmbito da sociedade, em que muitas pessoas coexistem e se relacionam,
com contacto social, em cooperação e em conflito. O contacto destas
pessoas, no exercício dos direitos não se limita ao relacionamento
intersubjectivo, de pessoas com pessoas. Também a inserção das pessoas
no mundo induz o contacto com as coisas e com as circunstâncias.

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Do contacto das pessoas umas com as outras e com as coisas, nas
circunstancias da vida, podem resultar dificuldade que suscitam problemas
no exercício dos direitos subjectivos. O Código Civil trata destes problemas
nos artigos 336.º a 341.º, a propósito da acção directa (336.º e 338.º);
da legítima defesa (337.º e 338.º); o estado de necessidade (340.º).
E, obedecendo a uma lógica aparentemente diferente, temos ainda
o artigo 341.º, sobre o consentimento do lesado. As primeiras três
situações acima referidas, correspondem a formas gerais de
exercício de direitos. Podem ocorrer ou não ocorrer em cenários de
responsabilidade civil ou, até, de relevância penal.

Em sentido amplo, podemos considerar a tutela dos direitos como o


conjunto dos institutos destinados a prevenir, a conter e a remediar a
violação de direitos subjectivos ou, mais latamente, de posições jurídicas
reconhecidas pelo ordenamento.

A tutela privada será a defesa dos direitos conduzida pelos particulares,


nessa qualidade. Em sentido amplo, a tutela privada abrange:

Iniciativas levadas a cabo no âmbito da liberdade pessoal do


próprio;

• Actuações no círculo da autonomia privada ou de direitos subjectivos;

• Exercício do direito de queixa e outras iniciativas de tipo


administrativo;

• Tutela privada em sentido estrito;

• Exercício do direito de acção judicial.

Procurando defender os seus direitos, os particulares movem-se, em


primeira linha, no campo da sua liberdade pessoal. Nessa linha, podemos
conceber a participação em campanhas moralizadoras, em iniciativas
cívicas, em acções publicitárias ou, muito simplesmente: o exercício de
actuações persuasivas, junto de devedores, de vizinhos oi de outros
potenciais prevaricadores, para que cumpram os deveres respectivos. Deve
assinalar-se que estes meios genéricos são, no dia-a-dia, muito eficazes;
pessoas colocadas em situações sensíveis abstêm-se de violar direitos
subjectivos depois de prevenidas da sua existência ou do risco de violação.

No âmbito da autonomia privada ou de direitos subjectivos, surgem


possíveis medidas materiais ou jurídicas de defesa: no primeiro caso
teremos, por exemplo, a construção de um muro, a colocação de grades nas
janelas ou a instalação de um alarme; no segundo, a contratação de um
guarda ou de uma empresa de segurança.

O exercício do direito de queixa, por exemplo, ao Ministério Publico, para


eventual exercício da acção penal ou outras iniciativas similares, de tipo
administrativo, ex: às autoridades policiais, traduz já uma passagem para a

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heterotutela. A partir da queixa, o Estado poderá chamar a si a tutela dos
direitos em perigo. A dimensão privada residirá, apenas, na iniciativa da
queixa.

O passo seguinte reside no exercício do direito de acção judicial. Desta


feita, o particular interessado coloca o tema da defesa na sede própria para
a definitiva tomada de decisões de protecção. A protecção conseguida será
a típica tutela pública: o Tribunal fixará os factos e aplicará, soberanamente,
o Direito. A autonomia reside, apenas, na iniciativa do particular de colocar
o tema em juízo.

Na generalidade dos casos, apenas por via judicial se torna possível deter
uma violação de direitos, iminente ou em curso ou, depois de consumada,
obter as competentes medidas reparadoras.

A tutela privada em sentido estrito – locução para cobrir os institutos


que permitam, aos particulares, defender directamente os seus direitos,
actuando sobre a liberdade ou os direitos de terceiros, sem passar seja
pelas autoridades competentes, seja pelo próprio Tribunal.

A legítima defesa

O artigo 337.º/1, faculta uma noção de legítima defesa. Diz esse preceito:

“Considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão


actual e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de
terceiro, desde que não seja possível faze-lo pelos meios normais e o
prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode
resultar da agressão”.

Pressupostos da legítima defesa:

• Uma agressão actual e contraria à lei, contra a pessoa ou património


do agente ou de terceiro;

• Um acto de defesa necessário;

• O prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao


que pode resultar da agressão.

O primeiro requisito é o de uma agressão ou comportamento agressivo. O


comportamento agressivo é toda a conduta humana que venha contundir
com valores tutelados pelo Direito. O termos “agressão” é, na linguagem
comum, assimilado a um atentado à integridade física das pessoas.
Tecnicamente, não é assim: o desrespeito por qualquer posição protegida,
pessoal ou patrimonial, é “agressão”.

A conduta humana sê-lo-á, apenas, quando voluntaria. Disparar sobre um


sonâmbulo ou sobre uma pessoa totalmente embriagada não constitui
legitima defesa, ainda que, por ignorância desculpável desses elementos,
possa haver equivalentes efeitos, como se alcança do artigo 338.º.

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Finalmente, a conduta agressiva poderá ser uma acção ou uma omissão.
Assim, será legítima defesa coagir um medico que se recuse a tratar um
paciente em perigo ou um motorista que não queira transportar o ferido
grave para o hospital.

A agressão deve ser actual. Fica excluída a agressao consumada e, logo,


passada: contra esta já nada se poderá fazer, em termos de a afastar. Fica
ainda excluída a agressao futura: em princípio, perante uma agressao
planeada e de que o agente tenha conhecimento, cabe avisar as
autoridades competentes. Não consideramos futura a agressao iminente: se
o agressor procura sacar uma arma ou se prepara para desferir um murro,
cabe a legitima defesa.

A agressao deve ser ilícita: contrária à lei. De facto, a legítima defesa


não é possível, apenas, contra crimes. Exige-se, porem, que a ilicitude da
conduta consista na violação de normas destinadas a proteger o bem
jurídico cuja defesa está em jogo. Só assim há agressao.

De todo o modo, poderá suceder que a conduta agressiva seja


patentemente negligente. Por exemplo, um automobilista diverte-se a
percorrer um parque frequentado por crianças em alta velocidade; de um
momento para o outro, poderá ocorrer um grave atropelamento. Parece
razoável a legítima defesa contra tal atitude. Da mesma forma, será
possível agora contra o caçador descuidado que faça disparos junto a uma
escola ou perto de uma residência exposta. Nesses casos, como em todos, a
defesa deverá ser adequada ao perigo.

A agressão relevante, para efeitos de legitima defesa, deverá visar:

• Ou direitos de personalidade, incluindo o direito à honra; ou direitos


de personalidade; ou liberdades; ou valores jurídicos que não dêem
lugar a direitos subjectivos.

A pessoa impedida de se exprimir livremente pode agir em legítima defesa.


E esta é possível contra quem, por exemplo, se prepare para matar
ilicitamente animais ou para lanças poluentes nos rios. A chave da legítima
defesa está na ilicitude da conduta.

O segundo requisito da legitima defesa é a pratica, pelo agente, de um acto


de defesa, isto é, um acto destinado a afastar uma agressão. Segundo a
natureza das coisas, tratar-se-á de um acto material, voluntariamente
adoptado. Excluídas ficam, pois, meras actuações reflexas, que não possam
ser imputadas à vontade do agente.

A actuação do agente deve ser ditada pela necessidade. Podemos,


aqui, distinguir:

• A necessidade da defesa – resulta, perante o artigo 337.º/1, da


perífrase “…desde que não seja possível faze-lo pelos meios
normais…”. Os meios normais são:

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o Meios públicos – consistem no recurso às autoridades de
segurança e, designadamente, às forças policiais. Mais
remotamente: no apelo aos tribunais, quando a natureza da
agressao seja compatível com alguma demora;

o Os meios privados – abrangem todas as iniciativas


particulares que possam remover a agressao: fechar uma
porta, dissuadir o agressor ou chamar amigos ou familiares,
como exemplos.

• A necessidade do meio – dependerá do uso que, do meio em


causa, se venha a fazer. Pode o agente ter vários meios à sua
disposição. O meio mais “normal” será sempre o menos perigoso ou
contundente.

Ao agente terá de se exigir um comportamento defensivo e, logo: uma


intenção de repelir a agressão.

A legítima defesa é a resposta, permitida pelo Direito, a uma agressão


ilícita. Quanto à ponderação de prejuízos: a não poder haver uma manifesta
superioridade dos danos causados pelo agente perante os que poderiam
resultar da agressão.

O exercício em legitima defesa deve respeitar os valores fundamentais do


sistema, classicamente referenciados através da boa fé. Esta,
designadamente através das suas vertentes da tutela da confiança e da
primazia da materialidade subjacente.

Recordemos que a legítima defesa faculta, tão-só e precisamente, repelir


uma agressao ilícita e momentânea, quando necessário. Assim, não há
legitima defesa:

o Quando a agressao tenha sido provocada pelo próprio agente;

o Quando a defesa não vise afastar a agressao mas qualquer outro


objectivo.

A hipótese da provocação traduz-se em, por parte do agente, ter havido


uma actuação prévia, ex: com injúrias, comportamentos agressivos ou
desafios, tendente a desencadear uma agressao, ou agressao aparente.
Contra ela exerceria, depois, o agaente uma “legitima defesa” fulminante.
Nessas circunstâncias, a legitima defesa estaria a ser exercida fora da
materialidade subjacente que o justifica. Haverá abuso do direito (334.º) e
não uma legítima defesa eficaz.

O artigo 337.º/2 do Código Civil prevê o excesso de legítima defesa, nos


termos seguintes: o acto considera-se igualmente justificado, ainda que haja
excesso de legitima defesa, se o excesso for devido a perturbação ou medo
não culposo do agente.

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Há excesso de legitima defesa quando a acção do defendendo se alongue
para alem do que seria necessário para deter eficazmente a agressao.

Podemos distinguir:

o O excesso intensivo – o agente ultrapassa, com a sua acção, o que


seria razoavelmente necessário para a sua defesa. Será o caso de
alguém usar, em defesa, uma pistola de gás, fazendo-o demasiado
perto e, com isso, cegando o agressor;

o O excesso extensivo – o agente prolonga a acção depois de


neutralizada a agressão. Por exemplo: aplica golpes já com o
agressor rendido.

O CC é, porem claro, estende a legítima defesa “…igualmente justificado…”,


à hipótese de excesso, desde que este se mostre devido:

o A perturbação;

o A medo não culposo.

Pelas regras gerias, tanto a perturbação como o medo terão de ser “não
culposos”: o agente não pode beneficiar de circunstancias que, ele próprio e
censuravelmente tenha criado.

o A perturbação é natural: ela corresponde, em regra, à descarga de


adrenalina motivada pela situação extraordinária com o defendente
teve de enfrentar. O agente poderá perder o contacto com a
realidade, ficando impossibilitado de avaliar as consequências dos
seus actos.

o Também o medo corresponde a uma reacção comum. O agente,


assustado tenderá a assegurar-se, para além do necessário, de que a
agressao não ira prosseguir ou não irá ser retomada.

No tocante à legítima defesa putativa, dispõe o artigo 338.º em


conjunto com a acção directa: se o titular do direito agir na suposição
errónea de se verificarem os pressupostos que justificam acção directa ou
legitima defesa, é obrigado a indemnizar o prejuízo causado, salvo se o erro
for desculpável. Portanto, a legítima defesa putativa é justificante quando a
aparência justificativa não seja imputável ao agente.

A actuação em legítima defesa é lícita. Consequentemente, o


agente não responde pelos danos que tenha causado: pessoas ou
materiais.

Quanto à natureza da legítima defesa: ela visa a protecção das


pessoas, mas, sobretudo, a defesa do ordenamento.

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Assim sendo, a legítima defesa é encarada como uma permissão genérica: a
de repelir, quando necessário e pela força, qualquer agressão ilícita contra
valores juridicamente protegidos.

O estado de necessidade

Com base no artigo 339.º/1, do CC, podemos apresentar o estado de


necessidade como a situação na qual uma pessoa se veja constrangida a
destruir ou danificar uma coisa alheia, com o fim de remover o perigo de um
dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro.

Alguns exemplos: o agente vê-se obrigado a matar um cão que atacava


uma criança; o agente quebra uma janela para salvar a vitima de um
incêndio; o agente lança o seu automóvel contra outro, para evitar atropelar
um peão.

Os pressupostos do estado de necessidade podem extrair-se do


artigo 339.º/1. Temos:

o Um perigo actual de um dano, para o agente ou para um terceiro;

o Dano esse que seja manifestamente superior ao dano causado pelo


agente;

o Um comportamento danoso, destinado a remover esse perigo.

A exigência do perigo de um dano, para o agente ou para terceiro, constitui


a base do estado de necessidade. Por aqui já se vê a flagrante diferença em
face da legitima defesa: não se lida, aqui, com uma agressão ilícita nem,
consequentemente, com a necessidade de preservar a ordem jurídica,
perante tal eventualidade.

O dano poderá ser patrimonial, pessoal ou moral.

O artigo 339.º/2 vem dispor sobre o destino ou a repartição desse


dano. Prevê:

o A sua imputação ao agente, quando o perigo tenha sido provocado


por sua culpa exclusiva;

o A sua imputação equitativa ao próprio agente, àqueles que tenham


tirado proveito do acto ou que hajam contribuído para o estado de
necessidade.

O estado de necessidade pode, tal como a legitima defesa, ser reconduzido


a uma ideia ampla de autotutela. Todavia tem, perante ela, diferenças
essenciais.

Enquanto, na legítima defesa, domina uma ideia de protecção do


ordenamento e de integridade direitos, o estado de necessidade é
enformado por um postulado de solidariedade entre as pessoas. No

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fundamental, o artigo 339.º/1 dá abrigo à natural ajuda mútua entre os
seres humanos, capazes de sacrificar o imediato, para salvaguardar o
essencial.

Em termos técnicos, o estado de necessidade não pode reconduzir-se a um


direito subjectivo: falta-lhe, para tanto, a necessária especificidade.
Equivale, antes, a uma permissão genérica, também como um forte
conteúdo funcional: a de atingir bens juridicamente tutelados, quando isso
se mostre efectivamente necessário para salvaguardar bens superiores.

Perante o estado de necessidade pode sempre haver, depois, uma


(re)distribuição equitativa dos danos (339.º/2), de tal modo que ninguém
saia injustamente prejudicado, para alem do risco normal em que todos
incorrem.

A acção directa

Na legítima defesa, o Direito permite que o particular afaste, pela força,


uma agressão ilícita; no estado de necessidade, pode o mesmo atingir bens
jurídicos, para prevenir um dano iminente. Queda, agora, uma terceira
manifestação de autotutela: a possibilidade de recorrer à força para realizar
ou assegurar o próprio direito – 336.º/1.

Os pressupostos:

A necessidade de realizar ou de assegurar o próprio direito; o recurso à


própria força; a contenção nos meios usados.

A necessidade de realizar ou de assegurar o próprio direito afere-se


por dois parâmetros – 336.º/1:

o A urgência, de modo a evitar a inutilização prática do direito em


causa;

o A impossibilidade de recorrer, em tempo útil, aos meios coercivos


normais.

Os limites da acção directa:

o Não pode exceder o que for necessário para evitar o prejuízo


(336.º/1);

o Não deve sacrificar interesses superiores aos que o agente vise


realizar ou assegurar (336.º/3).

A acção directa permite eliminar uma resistência irregularmente oposta ao


exercício de um direito; mas se essa resistência tomar a forma de agressão
pessoal ou patrimonial, já poderá haver legitima defesa; e se dela resultar
um perigo, teremos um estado de necessidade.

A acção directa é lícita. Verificados os seus pressupostos, o agente não


tem qualquer dever de indemnizar os danos que dela decorram.

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O consentimento do lesado

O artigo 340.º, prevê a figura do consentimento do lesado. “O acto lesivo


dos direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido na lesão”.
Trata-se de uma clara regra de responsabilidade civil.

Pressupostos:

o Um direito disponível; um acto de consentimento; um acto lesivo.

Nos termos do artigo 340.º/2: o consentimento do lesado não exclui, porem,


a ilicitude do acto, quando este for contrário a uma proibição legal ou aos
bons costumes.

O acto de consentimento será, em rigor, um acto unilateral. Dependendo


das circunstâncias (127.º), o consentimento do lesado exigira legitimidade,
capacidade de gozo e capacidade de exercício. Integrará uma declaração de
vontade, expressa ou tácita e deverá passar pelo crivo das regras sobre a
perfeição e a eficácia das declarações de vontade.

O acto lesivo não poderá ir alem do consentido. Havendo excesso ou


ocorrendo um consentimento putativo, o agente será responsável pelos
danos, salva a hipótese da falta de culpa.

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