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Quais os Limites da
Confidência no
Aconselhamento?

George C. Scipione1

“Este não parece ser empolgante. Vou à luz do que a Bíblia diz, tirar algumas
pular para o artigo seguinte”. Espere! An- conclusões em forma de princípios gerais
tes de passar adiante, este é um artigo sobre a confidência e aplicar estes princí-
importante. Recentemente, o diretor de pios a algumas das perguntas levantadas
um centro de atendimento à gravidez na prática ministerial.
indesejada demitiu-se por causa desta
questão. O comitê diretivo da instituição
decidiu que o aconselhamento deveria ser O que a Bíblia diz
estritamente confidencial – a única exce-
ção seriam as informações exigidas pelo Não encontramos nas Escrituras o ter-
governo. O diretor teve problemas de cons- mo confidência. Entretanto, encontramos
ciência ao ocultar informações dos pais de as ideias centrais que definem este termo.
uma menor, um marido e uma igreja. Eu A Bíblia fala sobre segredos, discrição, fi-
já aconselhei pessoas que me pediram para delidade e lealdade. Ela nos dá três con-
jurar segredo contra ameaça de suicídio. ceitos relacionados a esta questão: (1) con-
O que dizer destas e muitas outras situa- fidência faz parte de amar ao próximo
ções que podem surgir? A Bíblia fala so- como a si mesmo, (2) há exceções a esta
bre esta questão? Há limites para a confi- regra geral de confidência e (3) no caso
dência? Sim, a Bíblia tem resposta para destas exceções, a confidência comprome-
estas perguntas. Vamos analisar o assunto te o confidente com o pecado.
Primeiro, a confidência faz parte de
1
Tradução e adaptação de The Limits of Confidentiality amar ao próximo como a si mesmo. Leal-
in Counseling. Publicado em The Journal of Pastoral
Practice, v. 7, n. 2, 1984. p. 29-34. George C. Scipione
dade e fidelidade são recomendadas e or-
é diretor do Institute of Biblical Counseling and denadas por Deus (Sl 101.6). A fidelida-
Discipleship em San Diego, California. de requer que cubramos questões pessoais

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(Pv 11.13). Uma qualidade de um obrei- O Novo Testamento ecoa a Lei de
ro cristão piedoso, sério, equilibrado, é ser Deus nessa área. A fofoca5 é reprovada (Rm
fiel a Deus e aos outros não difamando 1.29, 2Co 12.20). A difamação6 também
nem fofocando (1Tm 3.11). Inversamen- é reprovada (Rm 1.30; 2Co 12.20; 1Tm
te, mexerico 2 e difamação 3 são pecados 5.13; Tg 4.11; 1Pe 2.1). A Bíblia não so-
sérios. O nono mandamento trata deste mente nos proíbe de fofocar e difamar
pecado: não se deve levantar um testemu- outros, mas também nos adverte a não
nho falso contra o próximo4. O Antigo darmos ouvidos a este tipo de conversa (Pv
Testamento está repleto de esclarecimen- 17.4). Não devemos nos associar com pes-
tos sobre os aspectos positivos e negativos soas que a praticam (Pv 20.19). Com
deste mandamento. Somos proibidos de frequência demasiada a igreja negligencia
espalhar rumores (Êx 23.1). Devemos nos as violações deste mandamento. Como
afastar de uma acusação falsa que pode conselheiros cristãos devemos confrontar
prejudicar nosso próximo (Êx 23.7). A di- e eliminar este mal em nós mesmos e ou-
famação é uma forma de assassinato, ou tros (Tg 3). Não é uma questão de pouca
seja, um assassinato do caráter (Lv 19.16). importância para Deus. Ele nos dá clara-
Ela desqualifica uma pessoa para estar na mente uma regra de confidência. Em nos-
presença de Deus (Sl 15.3), é um crime so ministério, temos nos esforçado para cum-
sério (Sl 101.5,8), é um disfarce para o prir este mandamento. Temos tido ocasiões
ódio (Pv 10.18). Fofocar revela os segre- de confrontar outras pessoas, até mesmo
dos e é uma forma de infidelidade (Pv pastores, a respeito desta questão. A regra
11.13). A difamação espalha contendas e geral é clara: guarde confidências.
separa os melhores amigos (Pv 16.28), é Entretanto, Deus nos dá um segundo
um prazer perverso (Pv 18.8; 26.22). Fo- conceito: há exceções para esta regra geral
focar destrói as amizades e arruína a repu- de confidência. Há tempo de ficar em si-
tação do fofoqueiro (Pv 25.8-10). A difa- lêncio e tempo de falar (Ec 3.7). O co-
mação é rebeldia contra Deus e frequen- nhecimento de certos pecados sérios não
temente é acompanhada por outros peca- permite a proteção da confidência ou si-
dos hediondos (Jr 6.28). A difamação gilo. Embora possa haver mais exemplos,
merece punição severa (Dt 19.15-21). estes cinco provam que as exceções exis-
tem: conhecimento de apostasia intencio-
nal ou praticada (Dt 13.6-18), conheci-
2
A raiz hebraica é nahgar, que originalmente significa mento de um assassinato (Êx 21.12-14;
rolar ou revolver rapidamente. Adquiriu posterior-
mente o significado de falar rapidamente ou balbu-
Nm 35.29-34; Dt 19.11-13, 21.1-9),
ciar. Finalmente, veio a significar tagarelice.
3
A raiz hebraica é rahcal, que originalmente significa 5
A palavra grega é psithurismos, que originalmente
viajar de um lado para outro como comerciante. significa assobiar ou cochichar. Note a natureza
Adquiriu posteriormente significado de viajar de um onomatopeica da palavra. No Novo Testamento, ela
lado para outro como comerciante de segredos e é usada somente com sentido negativo de cochicho
histórias. ou fofoca. Aquele que pratica tais coisas é um
4
A passagem de Êxodo 20.16 usa shahkehr, que sig- psithuristes.
nifica falsidade ou engano. A passagem de Deutero- 6
A palavra grega é katalaleo, que significa falar contra,
nômio 5.20 usa shaveh, que significa sem valor, vão falar mal de, difamar, caluniar. As palavras relacio-
ou falso. nadas são katalalos e katalalia.

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conhecimento de fatos sob investigação malfeitores (Sl 50.16-21; Rm 1.32; Ef
legal (Lv 5.1), conhecimento de um pe- 5.11). Associar-se com pessoas que per-
cado sem que haja arrependimento por sistem no pecado, aprovar seu pecado,
parte do ofensor confrontado (Mt 18.15- ignorá-lo e não o expor, é pecado aos olhos
17) e conhecimento de um pecado sem de Deus. A neutralidade não é uma opção
que haja arrependimento por parte de um para o povo de Deus, pois Deus esteve
líder da igreja (1Tm 5.19-21). A quebra sempre em guerra contra o pecado (Êx
de sigilo diante de um pecado não deve 34.10-17; Dt 7.1-11; 12.1-4; 2Co 7.14-
nos surpreender. Deus, o justo Juiz, expo- 18). Quarto, Deus requer ação justa para
rá a maldade publicamente (cf. Sl 50). Em prevenir o pecado potencial (Êx 21.33; Dt
todas as exceções acima, a necessidade de 22.8, Pv 24.11; 1Tm 5.22; Jd 22,23). Não
expor pecados ocultos é clara; em várias, procurar impedir o mal é incorrer em cul-
expor é um mandamento e, portanto, algo pa (Êx 21.34; Dt 22.8; Pv 24.12; 1Tm
não opcional. 5.22). No Antigo Testamento, em certos
O terceiro conceito é que a confidên- casos, era uma ofensa com pena de morte!
cia, nos casos de exceção, envolve falta de (Êx 21.29)
lealdade à Palavra de Deus e é, portanto, O estudo destes princípios e dos tex-
pecaminosa. Este conceito tem base em tos de onde são extraídos leva-nos à con-
vários princípios bíblicos. Primeiro, em clusão de que permanecer em silêncio ou
contextos legais, Deus ordena o testemu- apático face a uma ofensa séria (biblica-
nho honesto (Êx 20.16; Dt 5.20). A jus- mente definida) é moralmente errado. O
tiça é necessária para a vida em sociedade conselheiro ou confidente estaria encobrin-
(Dt 16.18-20). O testemunho honesto é do um pecado. Em outras situações, a fal-
pedra angular da justiça (Êx 23.1-3,6-8). ta de ação pode resultar em amargura (Lv
Segundo, Deus requer o testemunho em 19.17-18). Se o silêncio é ouro, então aqui
circunstâncias quando se está buscando a é um bezerro de ouro! Deus requer ação.
justiça; portanto, permanecer em silêncio Nestes casos, a confidência implicaria des-
quando chamados a testemunhar é incor- lealdade a outras pessoas e à justiça orde-
rer em culpa (Lv 5.1). As autoridades ins- nada por Deus. Outras pessoas e o pró-
tituídas por Deus7 têm o direito de solici- prio Deus têm um direito à lealdade do
tar e receber testemunho verdadeiro para conselheiro que ultrapassa o direito do
desempenhar suas atribuições legítimas. aconselhado. A confidência inadequada
Terceiro, Deus requer ação justa contra os pode resultar em prejuízo sério à própria

7
Em Levítico 5.1, a autoridade é governamental. Por em Deuteronômio 21.18-21. A igreja é a segunda
inferência, a família e a igreja também teriam o di- instituição em questão de autoridade. Ela não gover-
reito a tal testemunho visto que são autoridades na as questões familiares a menos que ocorra a situ-
instituídas por Deus de importância maior do que o ação mencionada acima, mas está acima do estado na
estado. A família é a unidade básica de autoridade. hierarquia de Deus. Os cristãos julgarão o mundo
Deus a criou primeiro e construiu tudo mais ao redor e os próprios anjos (cf. 1Co 6.1-5). O governo de
dela (cf. Gn 1-2). O estado é responsável pelos re- Deus sobrepuja o dos homens (At 4.18-19; 5.27-
lacionamentos familiares somente quando a autori- 29). Portanto, a autoridade de Deus sobrepuja a
dade do lar falha ou é ineficaz, conforme exemplificado do estado.

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pessoa que a deseja, à sua família, à sua nal e disciplina. Essas autoridades são a fa-
igreja, à estrutura social na qual ela vive, e mília, a igreja e a sociedade.
acima de tudo, à honra de Deus.
Princípio Nº 4:
Uma promessa ou suposição de confi-
Princípios de confidência dência total em todas as circunstâncias é
inadequada para os conselheiros em geral
Diante do que acabamos de ver, os se- e os conselheiros cristãos em particular10.
guintes princípios gerais de confidência
podem ser úteis como diretrizes:
Aplicação dos princípios
Princípio Nº 1:
A confidência ou lealdade a um acon- Voltando às questões que incomoda-
selhado é a regra geral8. vam o diretor do centro de atendimento à
gravidez indesejada, faremos aplicações dos
Princípio Nº 2: princípios gerais que se mostram válidas
Quando o conhecimento de um peca- para uma grande maioria de casos. Em
do ou pecado em potencial contra Deus e determinadas circunstâncias, pode haver
o próximo vem à tona, a(s) pessoa(s) exceções.
deve(m) ser exortada(s) ao arrependimen- Uma gestante menor de idade procu-
to para que haja restauração e justiça bi- ra aconselhamento. Ela exige confidência
blicamente definida9. total. Você deve aceitar esta exigência?
Não, seus pais devem ser notificados e
Princípio Nº 3: deve-se buscar a reconciliação. A família é
Quando a exortação falha, a ação apro- a unidade básica de autoridade divina (cf.
priada é contatar as devidas autoridades
instituídas por Deus para exortação adicio-
10
Sessila Bok, “The Profissional Secret: The Limits
of Confidentiality”. The Hasting Center Report. Fev.
83, p. 24- 31. Este artigo é útil embora não tenha sido
escrito de uma perspectiva cristã. Bok defende a
8
R. I. Rushdooney. “Corroboration”, The Institutes of confidência com base em quatro premissas: autono-
Biblical Law. (The Craig Press, 1973), p. 565-569. mia individual com respeito a informações pessoais,
Este artigo oferece uma contribuição útil tocando de respeito e intimidade nos relacionamentos humanos,
forma resumida na natureza da confidência em geral a obrigação criada por uma promessa de silêncio, e o
e tratando em particular da comunicação confidencial. benefício da confidência para aqueles que necessitam
9
Ibid. p. 567. “A comunicação confidencial repousa de conselho, refúgio e ajuda. Ela reconhece que todas
sobre o pressuposto das funções religiosas do pastor são válidas embora não absoluta, visto que todas
e do médico como servos de Deus no ministério de podem resultar em sérios prejuízos para terceiros. Bok
cura. O relacionamento com eles não é portanto conclui dizendo: “Os pressupostos que dão apoio à
domínio do agente humano, mas de Deus. Isso não confidência são fortes, mas não podem apoiar a prá-
nega o dever do pastor ou do médico de instar uma tica do sigilo – seja por indivíduos, instituições ou
pessoa à restituição ou confissão quando devido. É profissionais – que mina ou contradiz o verdadeiro
seu dever defender a lei de Deus exigindo conformi- respeito pelas pessoas e pelos laços humanos que a
dade com ela por parte de todos que os procuram”. confidência tenciona proteger”.

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nota de rodapé 6). Deus dá ao pai autori- sobre os frutos dignos de arrependimento
dade sobre a filha. Consentir com seu de- parecem cair em ouvidos surdos. Ela pa-
sejo de sigilo é violar a estrutura familiar. rece querer um novo começo sem encarar
Uma defesa legal do seu direito de priva- os problemas. Ela está determinada a vol-
cidade é inadequada. O conselheiro não tar para Deus, mas só depois do aborto, e
deve ser desleal à família nem à Palavra de tenta induzi-lo ao sigilo. Diante da sua
Deus. Deve-se dar a devida importância às hesitação, ela ameaça negar tudo quanto
questões delicadas e complexas de como você falar com qualquer outra pessoa. Você
envolver a família e conseguir a reconcilia- mantém a confidência? Não, você deve
ção. Entretanto, elas não mudam o prin- confirmar os fatos com o outro homem.
cípio básico. Neste caso, entra em cena Se são verdadeiros, precisam ser tratados.
uma lealdade superior àquela devida ao O marido precisa ser informado e o casal
indivíduo. deve ser aconselhado. Se ela não corres-
Uma mulher grávida chega com um ponder, Mateus 18.15-20 11 deve ser se-
pedido de aborto e não quer que seu mari- guido. A deslealdade ao marido, à igreja e
do saiba que ela está grávida. Você deve ao Senhor não pode ficar envolta no silên-
ocultar do marido esta informação? Não, cio. Conquanto este seja um caso particu-
seu marido precisa saber. Ele é o cabeça da larmente difícil, visto não haver testemu-
casa e da esposa (Ef 5.22-23). Ocultar dele nhas, o processo bíblico de disciplina ecle-
esta informação seria uma violação de sua siástica se faz necessário.
liderança. Essa deslealdade poderia impe- Embora possam surgir elementos se-
di-lo de exercer uma pressão bíblica para cundários com potencial para resultar em
evitar que a esposa assassine a criança. exceções, as quatro regras gerais são úteis
Uma mulher casada que congrega em para trabalhar estes casos. As decisões an-
sua igreja local suspeita de que está grávi- gustiantes que você terá de tomar tornam-
da de um membro da igreja pertencente a se um pouco mais fáceis de tomar quando
um grupo racial diferente do dela e de seu você tem a Palavra segura de Deus como
marido. Ela afirma que está sinceramente guia. Equilibrar a lealdade que devemos a
arrependida de seu pecado e desejosa de indivíduos, às famílias, ao corpo de Cristo
se acertar com o Senhor e renovar o com- e às autoridades civis não é fácil. Mas ainda
promisso conjugal. Entretanto, ela quer temos uma luz para guiar nosso caminho.
ter um aborto e quer que você não diga Louve a Deus por esta lâmpada. Agora você
nada a ninguém. Todos os seus conselhos pode ir para o artigo seguinte.

11
Em Mateus 18.15ss, Jesus ordena que os fatos sejam
revelados a um círculo maior quando um irmão não
se arrepende e recusa a reconciliação no contexto
mais restrito. A reconciliação deve acontecer num
contexto restrito sempre que possível.

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