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Texto didático elaborado pelas professoras Ana Angélica Martins da Trindade e Ana Cláudia
Gomes de Souza para o Módulo de Medicina Social e Clínica I (MEDB10).
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Ana Angélica Martins da Trindade - Mestre em Ciências Sociais. Professora Substituta do
Departamento de Medicina Preventiva e Social da UFBA, responsável por duas das turmas do
Módulo de Medicina Social e Clínica I (MEDB10). Doutoranda do programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais da UFBA (autora). angélica.ana@ufba.br
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Ana Cláudia Gomes de Souza - Mestre em Ciências Sociais, Professora Assistente UCSAL,
Pesquisadora PINEB/UFBA (autora). anacla@ufba.br.
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Gostaríamos de fazer um agradecimento especial às contribuições prestadas pelos
professores Cláudia D’arede e Paulo Pena para elaboração desse texto.
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A Antropologia Médica surge nos Estados Unidos, na década de 1960, como uma área
específica de estudos de antropologia aplicada à área da saúde. Esta vertente da antropologia
que privilegiava os estudos epidemiológicos e das “instituições médicas” sofreu várias críticas,
em seu trajeto enquanto uma especialização da antropologia, relacionadas à forma como eram
feitas as interpretações dos eventos culturais, tomando a biomedicina como parâmetro para se
compreender os processos de adoecimento e cura nos mais diversos contextos (NOVO, 2010,
p. 56-7).
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É possível pensarmos numa “pré-antropologia”. Desse modo a gênese da disciplina estaria
associada aos primeiros relatos dos viajantes europeus que tentavam descrever os “exóticos”
costumes dos povos com os quais mantinham contato. Dentre eles estariam cronistas,
missionários, filósofos, a exemplo de Hans Staden, Montaigne.
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O etnocentrismo consiste em julgar como “certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou
“anormal” os comportamentos e as formas de ver o mundo dos outros povos a partir dos
próprios padrões culturais. Pode consistir numa desqualificação de práticas alienígenas, mas
também na própria negação da humanidade do outro (THOMAZ, 1995, p.431).
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Complementarmente a esta concepção, pode-se ainda definir a cultura como fenômeno
unicamente humano, a cultura se refere à capacidade de que os seres humanos têm de dar
significados às suas ações e ao mundo que os rodeia, refere-se, pois, a capacidade que têm
de aprender (THOMAZ, 1995).
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“Quando soubemos que o hospital seria referência para índias gestantes que corriam o
risco de morrer no parto, precisamos nos informar de alguns rituais desta população para
que a cultura do povo indígena fosse respeitada aqui dentro”, afirma a médica Regina
Honda, que coordena a maternidade do Hospital Interlagos. “Caso contrário, elas poderiam
rejeitar o atendimento médico e o perigo seria enorme.” Fonte:
http://delas.ig.com.br/comportamento/diadasmaes/da+tribo+para+a+maternidade/n1237
585720441.html. 19/04/10
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A diversidade das manifestações culturais se estende não só no tempo, mas também no
espaço. Diferentes culturas atribuem diversos significados perceptíveis através das suas
manifestações. A antropologia parte do princípio que mecanismos de diferenciação fazem parte
da história das relações entre as diferentes sociedades humanas. Para Lévi-Strauss (1989), ao
lado das diferenças devidas ao isolamento, existem aquelas, também muito importantes,
devido à proximidade: desejo de se oporem, distinguirem, de serem elas mesmas.
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Diário de Campo
Registro das peculiaridades sutis que chamam a atenção em campo.
Principal forma de registro de observação.
É também uma forma de objetivação da situação de campo, informa sobre as condições de
coleta dos dados (contexto).
Deve ser detalhado, extensivo, preciso e sistemático.
Deve incluir 2 tipos de relatos: descritivos e reflexivos.
Roteiro de Entrevista
Antes de elaborá-lo, é necessário adequá-lo ao objetivo da pesquisa, ao contexto da
entrevista: se aberto ou semi-estruturado.
Possibilidade de construção de um roteiro preliminar.
Flexibilidade para eliminação de perguntas pouco rentáveis e inclusão de outros aspectos.
O roteiro é um guia, não uma “camisa de força”.
Dados de identificação do entrevistado podem ser apresentados no início do roteiro ou no
fim.
Em relação à postura do entrevistador, busca-se um equilíbrio entre o favorecimento da
livre manifestação do entrevistado e o cuidado para não se distanciar do foco.
Intervenção do pesquisador deve ser sempre no sentido de favorecer que o entrevistado
esclareça aspectos ditos – “como assim?”.
Não é aconselhável que o pesquisador se posicione, as suas concepções não devem
interferir na conversa, ele está ali para ouvir e conhecer as práticas e representações.
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Etnografia
Consiste na presença intensa do pesquisador no contexto pesquisado, com uso da
observação participante e de entrevistas informais e semi-estruturadas.
Três tipos de dados são priorizados: documentos escritos, observações e relatos orais.
Resulta em uma “descrição densa” (Geertz) do contexto investigado, ressaltando tanto
aspectos formais da organização social, quanto os valores e visão de mundo.
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O xamanismo refere-se a uma das crenças e práticas espirituais mais antigas da
humanidade, presente não apenas na tradição indígena, mas em várias religiões. Pode até
mesmo ser considerada uma forma de religião, centra-se na figura do xamã que representa
uma figura dominante, um intermediário entre o mundo espiritual, natureza e comunidade
intermedeiam a relação sagrada do homem com o planeta e torna-se essencial ao processo de
cura. Sempre foi freqüente a dedicação do xamanismo às práticas de cura, sendo comparada a
uma forma de medicina da terra, derivada de conhecimentos medicinais ancestrais. As
medicinas tradicionais, por sua vez, são constituídas por práticas e crenças que visam à
manutenção da saúde. Foram desenvolvidas antes da medicina moderna e não se baseiam em
constatações científicas, como a medicina profissional convencional, pauta-se em valores
espirituais, ético/morais, e acontecimentos históricos significativos, sendo suas práticas ainda
presentes em algumas culturas.
Também para as medicinas populares corpo e espírito são inseparáveis, sendo o
sofrimento humano resultado de variadas causas: quebranto, a lua nova, a espinhela caída, um
osso rendido, os vermes, micróbios, o ar brabo, o alimento quente, uma praga rogada, o
castigo de Deus/ do santo/ ou do orixá, o encosto, feitiço, e outros. Para as medicinas
populares são necessárias a utilização de três formas de tratar doentes, que são: as plantas
medicinais, as rezas e as simpatias (SÁEZ, 2005).
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Caso 1:
Daniel é um rapaz novo, casado há pouco tempo, que mora com a mulher e
os filhos. Ele me disse que nunca tiveram problemas de saúde além de gripe, diarréia,
quebranto, tosse e ressaca. A gripe é tratada com um chá preparado com casca de juta,
margaridinha, kamãte e limão. Também para a gripe, Daniel recomenda um banho
preparado com as folhas do limão galego. Para preparar o banho é necessário ferver a
água com as folhas do limão e deixar a mistura no sereno por uma noite. Esse
procedimento é necessário porque o chá tem de absorver o frio da noite para poder tirar o
calor do corpo e da cabeça que provoca o mal-estar. A diarréia é tratada com o chá do grelo
da goiabeira e do cajueiro. Quando não resolve é preciso procurar a enfermaria. Quando
criança está com quebranto, acompanhado de febre, diarréia e vômito, a sua esposa a leva
para benzer. Daniel disse que o pajé da aldeia sempre se oferece para dar uma “olhada” no
corpo das pessoas da família, na casa, para “ver se não há alguma coisa”. Daniel aceita
porque estão bem, e nunca sentiram nada (DIAS, 2000; 64).
Caso 2:
Inaveide pertence a uma das poucas famílias “crentes” (Assembléia de Deus) da
aldeia de Santa Isabel. Ela disse que quando alguém da família tem algum problema de
saúde, o tratamento é feito em casa ou na enfermaria da aldeia. Quando estão na roça,
longe da aldeia, o jeito é usar o “remédio do mato”. Em caso de gripe forte, cólicas e
diarréias, Ivaneide vai direto à enfermaria. Bem que, a diarréia também pode ser tratada em
casa com um tipo de batata que se encontra no mato. Para preparar o remédio rala-se a
batata e se coloca em vasilha com água. Deve-se ir tomando água com a batata ralada
durante o dia até a diarréia parar, é preciso procurar a enfermaria. Ivaneide disse que nunca
foi tratada com benzedores, sopradores e pajés. Ela conta, entretanto, que muitas doenças
são tratadas com orações a Deus. (DIAS, 2000; 64)
(OMS), que diz o seguinte: “saúde é o mais completo estado de bem estar
físico, mental e social, e não apensas a ausência de doenças”.
No caso das concepções classificatórias das doenças, as explicações
tornam-se mais claras, sendo encontradas ao longo da história da humanidade,
apresentadas de diversas formas e em várias organizações da sociedade,
doença e doentes, em geral, aparecem vinculados a um saber técnico. Desde a
Grécia antiga, com Hipócrates, quando entender a saúde e a doença
dependiam da racionalidade aguçada pela observação cuidadosa dos
fenômenos, uma medicina de elite centrou-se no cuidado do corpo e o médico
deveria contribuir com o estabelecimento da harmonia entre o indivíduo e seu
ambiente. A doença era, portanto, entendida como um fenômeno natural que
sendo controlado assegurava-se a competência dos praticantes da cura.
Já nas comunidades tradicionais, os eventos de doença eram explicados
por uma visão mágica, influenciada por espíritos e outras forças sobrenaturais,
sendo, ainda, indicadas a ação medicinal de produtos naturais para o
tratamento de patologias. Tempos depois, a partir do contato, alteraram-se as
explicações das causas das doenças. A doença passou a ser associada à idéia
de pecado, resultado da desobediência dos humanos aos ditames de deuses.
Um modelo religioso de compreensão das doenças substituiu a visão mágica
anterior, sendo os sacerdotes os autores de tais explicações e os doentes os
responsáveis por seus sofrimentos.
Com o desenvolvimento de estudos científicos voltados para a
taxonomia médica, por volta dos fins século XVIII e início do século XIX, a partir
do advento de novos métodos de pesquisa, como a utilização de estatísticas,
por exemplo, doenças novas e antigas foram descritas e classificadas. Surgiam
as preocupações com as ações de saúde a partir do ordenamento dos espaços
urbanos, em função da ampliação da transmissão das doenças, como ressaltou
Foucault13 em suas análises sobre as diferentes etapas da formação da
medicina social.
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Ao analisar o nascimento da medicina social sob o capitalismo, Foucault indicou três etapas
de sua formação nas principais sociedades européias: a medicina do Estado, a medicina
urbana e a medicina da força de trabalho que representaram importantes novas fases da
prática médica, sendo evidenciadas as estratégias biopolíticas de controle social dos corpos,
propiciadas pelo próprio sistema capitalista de produção e acumulação de riquezas.
(FOUCAULT, 1986; JACOBINA, 2007).
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A doença, ao mesmo tempo em que é a experiência mais individual por que passa o ser
humano, é um fenômeno cultural e, portanto, sua definição, origem e desenvolvimento
(concepção, etiologia e terapia) são construções culturais. Ao mesmo tempo em que é uma
forma de saber cujas manifestações se inscrevem no corpo, está sujeita continuamente a
interpretações sociais. Por isso não é possível entender como os Wayana-Aparai reagem e
absorvem a medicina ocidental sem considerarmos que há pelo menos quatro gerações
encontram-se em contato intermitente com a população regional e um pouco mais de três
décadas sofrem os efeitos diretos dos agentes assistenciais, funcionários do governo e
missionários. O pluralismo médico que se constituiu entre eles expressa uma espécie de
síntese desta relação que travam com o mundo de fora. (Paula Morgado, Caderno de
Campo, 1994)
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Remédio natural
A FUNASA acredita que não apenas as maternidades tradicionais devem reservar espaço
para a cultura indígena como também é preciso incentivar a medicina indígena. No
congresso do ano passado, o foco defendido foi o da etnomedicina, técnica sobre a
produção de medicamentos naturais, por meio de plantas para o tratamento de doenças.
Os caciques que participaram do evento avaliavam que o regate dos medicamentos
naturais e o incentivo da produção dos mesmos protegem a população das tribos. “A gente
precisa resgatar esse conhecimento, pois não podemos depender só dos remédios dos
brancos. Muitos problemas de saúde, como febre, diarréia e gripe, podem ser resolvidos na
aldeia com nossas plantas, sem precisar ir pra cidade” afirmou Domingos Kaxinawá (de uma
tribo no Acre), na última edição da revista da FUNASA. Fonte:
http://delas.ig.com.br/comportamento/diadasmaes/da+tribo+para+a+maternidade/n1237
585720441.html. 19/04/10
Referências
CASSEL, E. The nature of suffering and the goals of medicine. Oxford: Oxford
University Press, 2004. Disponível em: http://books.google.com.br/
LIMA, Tânia Stolze. Um peixe olhou para mim: o povo Yudjá e a perspectiva.
São Paulo: Editora UNESP:ISA; Rio de Janeiro:NuTI, 2005.
SANTOS, R. J. Uma breve introdução à antropologia para quem não vai ser
antropólogo (2ª versão), Laguna, SC, Fevereiro de 2004. Disponível em:
<www.geocities.com/rjsantos.geo/antropologia.html>.