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O que é o Método START?

6 de março de 2018

Conheça a importante técnica de triagem de


múltiplas vítimas utilizada no Atendimento
Pré-Hospitalar
Antes de responder o que é o método START, é necessário que sejam
apresentados alguns conceitos que permitem a inserção da técnica em um
contexto.

O pré-hospitalar apresenta particularidades que interferem na assistência


prestada. Esse ambiente é muitas vezes considerado inadequado, sem
iluminação, regado pela chuva, com calor extremo e até mesmo com possibilidade
de novos incidentes.

Sendo assim, a ação da equipe de profissionais capacitados deve ser rápida,


porém pautada por condutas adequadas e fundamentadas cientificamente. As
intervenções podem definir a vida ou a morte, a sequela temporária ou definitiva e
até mesmo uma vida dependente ou produtiva. Portanto, devem ser realizadas de
modo ágil e tranquilo, garantindo a segurança da equipe e da (s) vítima(s).
O Atendimento Pré-Hospitalar prestado a uma única vítima possui princípios
bem diferentes da atuação prestada em Incidentes de Múltiplas Vítimas (IMV). No
primeiro caso, todo recurso deve ser disponibilizado na tentativa de salvar a vida
ou evitar sequelas no indivíduo. O segundo, por outro lado, exige a tentativa de
salvar o maior número de vítimas possíveis. Surge então a necessidade de definir
prioridades por meio da triagem.

Simulação de acidente no curso de APH – Atendimento Pré-Hospitalar do IESPE


É preciso deixar claro que em ambos os casos os profissionais precisam de
treinamento adequado para definir e executar as técnicas de atendimento. Para os
interessados, existem muitos cursos de capacitação (APH, BLS, ACLS, PALS…) e
de pós-graduação na área.
Triagem de vítimas
A palavra triagem, segundo o dicionário Michaelis, tem etimologia francesa e
significa “selecionar, ato de escolher”. Consiste em um processo de classificação
das vítimas por gravidade, com o objetivo de tratá-las maximizando os
sobreviventes e reduzindo as sequelas. Há registros históricos do ano de 1800
sobre as primeiras aplicações da triagem nos campos de batalha de Napoleão
Bonaparte, na tentativa de tratar os soldados que poderiam voltar para a linha de
frente. O número elevado de soldados era quase sinônimo de vitória.

Atualmente, com o surgimento de


ataques terroristas e catástrofes naturais, o atendimento pré-hospitalar tem a
triagem como ferramenta imprescindível, uma vez que um incidente com múltiplas
vítimas apresenta recursos em proporção incompatível para atendimento e
transporte de todos envolvidos no sinistro. Ou seja, se os recursos (humano,
infraestrutura, materiais, transporte) disponíveis são escassos, há necessidade de
se realizar uma triagem a fim de classificar e categorizar as vítimas de acordo com
a gravidade, utilizando a lógica “maior chance de sobrevivência”.

O Ministério da Saúde define como recomendação a realização de triagem em


casos de eventos com mais de cinco vítimas. O melhor método de triagem é
aquele que é de conhecimento da equipe e aplicado de maneira correta. O método
START, por ser simples e objetivo, é o método de triagem mais utilizado ao redor
do mundo.

Levando em consideração que o ambiente está seguro, o cenário já foi avaliado e


isolado pela primeira equipe que chegou no local do sinistro e as informações já
foram repassadas para que a central de regulação acione reforços e apoio
necessário, agora sim podemos voltar ao início do raciocínio: “O que é o método
START?”. Já sabemos o contexto no qual podemos precisar dele, agora vamos
aprender como utilizá-lo.
O método START
A criação do método START data de 1983 quando bombeiros-paramédicos de
Newport Beach e a equipe médica do Hoag Memorial Hospital (EUA) propuseram
um processo de triagem de vítimas simplificado e tratamento rápido (Simple Triage
and Rapid Treatment – START). Para tanto, esse método de triagem de vítimas
não preconiza o diagnóstico médico e, sim, a classificação das pessoas
acidentadas com base nas necessidades de cuidados e chance de sobrevivência.
Como deve ser a utilização do método START?
Este método utiliza do mnemônico “30-2-pode fazer” para triar as vítimas de um
incidente, no qual “30” avalia a capacidade respiratória em um minuto, “2” a
qualidade da perfusão periférica em 2 segundos e “pode fazer” o nível de
consciência dessa vítima para seguir os comandos dos socorristas.

Essa avaliação inicial dura aproximadamente 30 segundos e não deve ultrapassar


60 segundos. Portanto, é rápida e não requer equipamentos médicos
especializados.

Lembre-se que o START é um processo dinâmico e contínuo. Assim, as vítimas


devem ser avaliadas, classificadas e reavaliadas constantemente até que o
tratamento definitivo em um centro de trauma seja feito, pois uma classificação
inicial pode ser alterada à medida que decorre o tempo após o trauma (as lesões
ocultas aparecem).

Abaixo segue o fluxograma sugerido pelo Hoag Hospital e o Corpo de Bombeiros


de Newport Beach, publicado na 8ª edição do PHTLS/NAEMT:
Como é a categorização das vítimas triadas?
No método START, as vítimas são classificadas pelo estado de gravidade e cada
categoria utiliza uma cor para fácil identificação no momento de evacuação e
transporte da cena.
Imediata (cor vermelha): vítimas com ferimentos
graves, porém com chance de sobrevida. Possuem prioridade elevada para
atendimento, retirada da cena e transporte. Exemplo: Trauma torácico com tórax
instável.
Pode aguardar (cor amarela): vítimas com ferimentos moderados. Podem aguardar
um tempo na cena até tratamento definitivo. Exemplo: membros fraturados.
Leve (cor verde): vítimas com ferimentos mínimos, que podem deambular e
ajudar outras vítimas mais debilitadas. Essas vítimas são as que costumam causar
alguns problemas, pois estão deambulando, assustadas e com dores. Deve-se
investir apoio psicológico e orientação para que não sobrecarreguem o serviço
terciário de saúde. Exemplo: escoriações difusas no corpo.
Mortos (cor cinza ou preto): vítimas que não respondem a procedimentos
simples, como abertura de vias aéreas e com ferimentos críticos que indicam
morte iminente. Exemplo: paciente em parada cardíaca, exposição de massa
encefálica.
A categorização pode ser facilitada pelo uso de cartões nas cores vermelha, amarela,
verde e preta (cinza). Esses instrumentos são colocados em cada vítima de acordo com a
gravidade.

Após a categorização das vítimas, o que deve ser feito?


As vítimas devem ser encaminhadas às áreas de prioridade, que possuem as
mesmas cores definidas de acordo com a categorização das vítimas (vermelha,
amarela, verde e cinza). O serviço de pré-hospitalar geralmente delimita essas
áreas com lonas estendidas no chão, em área segura, para que seja realizada a
segunda parte da triagem, confirmando a categorização e iniciando o tratamento
da equipe médica para posterior transporte.
Simulação de acidente com múltiplas vítimas realizado pela VIABAHIA em Jequié
Quando essas vítimas têm acesso ao tratamento definitivo?
A continuidade do serviço pré-hospitalar e o tratamento definitivo ocorre no intra-
hospitalar. Para que os acidentados tenham acesso a esse serviço, é realizado a
triagem de evacuação.

As vítimas graves e moderadas (vermelhas e amarelas) são encaminhadas, nessa


sequência, pelas viaturas até o hospital.

As vítimas leves (verdes) podem ir por meios próprios, sendo orientadas a procurar
unidades de menor complexidade.

E, por fim, as vítimas expectantes (cinzas) podem ser removidas, se necessário


ainda, após a evacuação de todas as outras.

Simulação de acidente realizada pelo SAMU em Ribeirão Preto


Quem pode classificar as vítimas de acordo com o método START?
É importante ter conhecimento e treinamento especializado para aplicação desse
método, uma vez que o número de vítimas em um ambiente de austeridade requer
calma, logística e liderança. A tomada de decisões e o raciocínio crítico-reflexivo
sobre o estado das vítimas são os maiores desafios para esse profissional, uma
vez que ficará sob sua responsabilidade o reconhecimento das vítimas em estado
crítico e com pouca chance de sobrevida. Treinamento e educação permanente
são o caminho indicado para conseguir atendimento linear e sistematizado.

Existem outros métodos de triagem?


Sim! Os outros métodos de triagem de vítimas no pré-hospitalar utilizam a lógica
descrita para o START com algumas adequações para a realidade local.

 M.A.S.S. (move, assess, sort, send): mover, avaliar, classificar e enviar.


 SALT (sorting, assessing, life-saving, treatment, transport): classificar, avaliar,
intervir para salvar vidas, tratar/transportar.
 Protocolo de Manchester: classificação de risco utilizada no meio intra-
hospitalar, “pretende assegurar que a atenção médica ocorra de acordo com
o tempo resposta determinado pela gravidade clínica do paciente, além de ser
ferramenta importante para o manejo seguro dos fluxos dos pacientes quando
a demanda excede a capacidade de resposta”².
Pontos importantes para consideração:
O estabelecimento de protocolos facilita a realização das intervenções em
qualquer situação. Esse reflexo fica mais evidente em situações extremamente
estressantes como IMV. Os protocolos servem para nortear o atendimento,
lembrando que as adaptações são cabíveis, desde que aplicadas de forma
coerente.

As simulações com cenários


realísticos são muito eficazes, principalmente quando realizadas com diferentes
seguimentos como Corpo de Bombeiros, SAMU (Serviço de Atendimento móvel de
Urgência), Defesa Civil, Polícia Rodoviária Federal, Agentes de Trânsito,
Companhias Energética, entre outros. Apesar de todas as instituições
apresentarem o mesmo propósito que é atender a vítima, cada uma possui seu
próprio processo de serviço e a união de todos é lapidada a cada atendimento.
Sendo assim, a cada simulação o serviço vai se estreitando em prol da vida dos
envolvidos.
Outro aspecto importante é um Sistema de Comando de Incidentes (SCI), em que
todos os profissionais envolvidos em uma cena de desastre devem estar alinhados
com os fluxogramas de atendimento de vítimas e conhecer a pactuação entre as
categorias profissionais e hospitais que receberão as vítimas. Em relação aos
hospitais, vale destacar que nem sempre o mais próximo do desastre poderá
receber um número elevado de vítimas.

Conclusão
O IMV é um evento caótico que possui vítimas gritando, pessoas chorando,
sangue, mutilações, várias pessoas pedindo por socorro e socorristas precisando
decidir quem serão os primeiros a serem socorridos, quem serão os mais graves,
quem serão os ignorados em primeira instância. Essas são decisões muito difíceis
de serem realizadas. Muito complicado deixar uma criança de 5 anos em parada
cardiorrespiratória (PCR) sem assistência porque existem dezenas de vítimas
precisando do seu trabalho. Que bom seria se cada vítima possuísse sua equipe
exclusiva. Infelizmente isso é sinônimo de utopia.

Sendo isso uma verdade, vale ressaltar a importância de se respeitar as categorias


definidas pelo método START e atendê-las conforme preconizado. Uma criança
em PCR é classificada como código cinza e deve ser expectante até que tenha
recurso suficiente para atender a todos. Provavelmente essa criança aumentará o
número de óbitos do incidente, mas a sua conduta enquanto socorrista fará com
que tantas outras vítimas sobrevivam. Decisões complexas! Então precisamos ser
frios? Negativo! Precisamos estar preparados tecnicamente. Basta respeitar o
princípio básico do IMV: salvar o maior número de vítimas possível.

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