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Autoria: Porakê Martins Dedico esse singelo volume aos bravos guerreiros da Mati-
Diagramação: Porakê Martins lha Tempestade sob o Rio, por terem atendido ao meu cha-
mado para compartilharmos tardes épicas e divertidas, re-
Revisão: Douglas Ferreira verenciando nossos ancestrais esquecidos. E à Equipe Bra-
Pesquisa & Desenvolvimento: sil In The Darkness, por terem ousado compartilhar um
sonho que hoje tornou-se realidade.

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APRESENTAÇÃO 05
Do que trata Lobisomem: O Apocalipse? 07
A América do Sul ao longo das edições 11
A Perspectiva Garou 15
A Perspectiva dos Fera 19
A reprodução em Lobisomem 33
Lobos na América do Sul? 37
Garou lupinos na América do Sul? 43
Aparência lupina dos Garou nativos 47
Dicas para criação de caerns 49

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público brasileiro e que, mesmo assim, não costumam ir
muito além das fronteiras do México e das velhas generali-
zações estadunidenses sobre “latinos”.
Esta é apenas uma coletânea de artigos originalmente
isolados que decidimos reunir e publicar através do
Nossa pretensão com essa pequena coletânea de artigos
Storytellers Vault atendendo o clamor do público de
originalmente publicados na página Brasil In The
nossa página no Facebook, alguns desses artigos são extre-
Darkness é fornecer aos narradores brasileiros de Lobiso-
mamente introdutórios, outros apenas reúnem referências
mem: O Apocalipse, jogo que compõem o universo do
canônicas dispersas em suplementos oficiais, sempre ci-
clássico Mundo das Trevas, elementos para ambientar suas
tando as fontes originais, e há ainda uma terceira categoria
crônicas em uma das regiões menos exploradas pelos livros
de artigos bastante pretensiosos onde refletimos sobre a
e suplementos oficiais, oferecendo a oportunidade de des-
natureza das imbricações entre a nossa realidade e a fanta-
vendar os mistérios da mítica e exótica floresta Amazônica
sia proposta pelo jogo em um exercício especulativo que
e regiões adjacentes que compõe o Brasil, seu complexo
para alguns poderá parecer forçar os limites da liberdade
mosaico de criaturas, culturas e ecossistemas.
poética dos narradores.
Nestas páginas nos propomos a desafiar narradores no-
Obviamente, ninguém é obrigado a concordar com o
vos ou veteranos a desbravarem os perigosos territórios da
conteúdo que apresentamos aqui, nem a acatar nossas di-
América do Sul, indo muito além das fronteiras ao Norte
cas e sugestões, eles são fruto de uma imensa paixão por
que, ao lado do “Velho Mundo”, tem dado desde sempre
esse jogo e talvez de um excesso de ócio e imaginação. Seja
a tônica dos livros do sistema Storyteller. Um problema
como for, esperamos que os incautos leitores que encara-
que costumam encontrar aqueles que ousam tal emprei-
rem o desafio de desbravar essas páginas, encontrem tanto
tada até agora, tem sido a dificuldade de interligar de
prazer ao Lê-las quanto nós tivemos ao escrevê-las. Se não
forma coerente as peculiaridades desse cenário com as pro-
for assim, paciência! Nem mesmo um Galliard pode alme-
postas de suas próprias crônicas. Quase sempre fadados a
jar agradar todos os públicos. Ainda há muitas batalhas lá
catar migalhas de informação oficial relacionada à região,
fora esperando para serem combatidas.
espalhadas por suplementos obscuros e de difícil acesso ao

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aprofundado já publicado sobre eles, os Livros das Raças
Metamórficas da Segunda Edição.
A Reprodução em Lobisomem – Este capítulo compila
Esta coletânea foi compilada com o objetivo de facilitar toda a informação oficial disponível sobre a reprodução
a leitura e a consulta e dar alguma mínima coesão a textos em lobisomem e tenta extrair dessas informações conclu-
originalmente isolados. Ela foi pensada tendo como pú- sões relevantes para a construção de cenários do jogo.
blico alvo narradores iniciantes ou veteranos interessados Lobos na América do Sul? – Este é o artigo que dedica-
em explorar cenários nacionais em suas crônicas. As ques- mos a uma das questões mais polêmicas e emblemáticas
tões que abordaremos aqui serão: quando o tema é Lobisomens no Brasil: Que tal uma li-
Do que trata Lobisomem: O Apocalipse? – Este é um nhagem de Garou lobos-guará? Parece uma boa ideia, não
texto bastante introdutório, pensado para novos jogadores é? Este texto tenta responder a essas questões com base nas
que estão dando os primeiros passos em relação à Lobiso- referências oficiais.
mem: O Apocalipse, mas que traz algumas reflexões para Garou lupinos na América do Sul? – Até onde sabemos,
jogadores veteranos que eventualmente não estejam aten- não há lobos verdadeiros selvagens na América do Sul,
tos a todo simbolismo e referências culturais e históricas nunca houve, mas será que isso impediria que Garou lupi-
nas quais o jogo bebe. nos se estabelecessem por aqui? Este artigo tenta responder
A América do Sul ao longo das edições– Este artigo faz a essa questão baseando-se nas fontes oficiais disponíveis.
um apanhado de como os Livros básicos vêm abordando a Aparência lupina dos Garou nativos – Qual a aparência
América do Sul, e consequentemente o Brasil, ao longo lupina de um Garou nativo do Brasil? Tudo sobre essa
das quatro primeiras edições de Lobisomem: O Apoca- questão que você nunca se importou de perguntar, mas
lipse. nós não nos eximimos de responder.
A perspectiva Garou – Aqui trataremos de refletir sobre Dicas para criação de caerns – O último texto dessa co-
o cenário oficial para o Brasil a luz da mais recente edição letânea traz uma reflexão sobre como a perspectiva Garou
de Lobisomem, o W20. pode alterar a percepção geográfica que temos incrustada
A perspectiva dos Fera – Neste capítulo, refletiremos so- em nosso senso comum, afinal, para criaturas que são tão
bre o cenário oficial de Lobisomem para a América do Sul, lupinas como humanas e com acesso a maios de locomo-
consequentemente o Brasil, na perspectiva dos legítimos ção sobrenaturais, fronteiras e distâncias são muito menos
donos desse território, os Fera, e sob a luz do material mais relevantes do que estamos habituados.

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“No ar causticante, carregado de ódio, paira uma pergunta: quando a fúria tomará você?”.
― Lobisomem: O Apocalipse [2ª Edição]

Livremente adaptados do mito europeu do lobisomem,


os Garou não são criaturas amaldiçoadas reféns dos
humores da lua, pelo menos não da forma como retratado
nas antigas lendas. Eles já nascem Garou, não só entre
humanos, mas também entre lobos e, até mesmo, a partir
Lobisomem: O Apocalipse é um jogo de RPG de mesa da união proibida entre dois membros de sua própria
do Mundo das Trevas anunciado como “um jogo de espécie de metamorfos sobrenaturais. E podem mudar de
Horror Selvagem”. É caracterizado por um tom épico e forma a seu bel prazer, retendo a inteligência humana em
brutal cujo tema central parece ser a dualidade. qualquer dessas formas.
Como a própria imagem mítica do lobisomem, metade Eles veem a si mesmos como guerreiros sagrados,
homem, metade lobo, o jogo explora de diversas formas a campeões eleitos por uma deusa antiga, para eles próprios
dualidade da existência de seus personagens-jogadores: a maior entre todos os deuses, Gaia, a deusa mãe-terra,
humano e animal, matéria e espírito, racionalidade e envolvidos em uma guerra contra as forças da corrupção e
paixão, tradição e mudança, selvageria e civilização, da destruição sintetizadas em uma entidade metafísica que
corrupção e redenção, criação e destruição, fúria e gnose, eles conhecem como “Wyrm”.
o mundo material e a Umbra (o mundo espiritual).
A Wyrm é apenas um dos vértices que uma tríade
No jogo somos chamados a interpretar um dos membros metafísica que constituí o cerne da cosmovisão de
remanescentes da antiga, poderosa e orgulhosa raça dos Lobisomem. Segundo essa perspectiva, a realidade, tanto
Garou, termo que os lobisomens do jogo usam para se física quanto espiritual, é regida por três forças: a Wyld, a
referirem a si mesmos. Weaver e a Wyrm.

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A Wyld é o princípio dinâmico da criação, os Garou em de poderes sobrenaturais conferidos por seus aliados
geral a reverenciam, ela representa a mudança, a vida e a espirituais.
criação. Mas apesar dessa nobre missão e dessa gama
A Weaver, em contraponto, representa a ordem, o impressionante de poderes, os Garou são também
formalismo, a razão e a estagnação. Esse conceito abarca criaturas desajustadas e atormentadas, que nunca parecem
desde a ânsia humana por categorizar e compreender a se enquadrar perfeitamente em qualquer dos muitos
criação até a tecnologia mais avançada que pode surgir mundos por onde transitam enquanto lutam sua batalha
desse processo. Alguns Garou entendem a Weaver como aparentemente fadada a derrota. Eles caminham entre
um inimigo tão terrível e perigoso quanto a própria Wyrm. feras e humanos sendo temidos e incompreendidos por
Por fim, a Wyrm representa a decadência, a corrupção e ambos. Vagam pelos sete cantos da existência, tanto física
a destruição; é ela quem ameaça a própria existência de quanto espiritual, sem que possam permanecer por muito
Gaia e de sua criação com o Apocalipse, o fim inexorável. tempo em nenhuma dessas duas realidades.

Tudo o que existe, existiu ou existirá surge do caos Eles possuem uma característica única chamada Gnose
criativo da Wyld, se estabelece dentro da ordem imposta que representa sua ligação com Gaia, seu vinculo com o
pela Weaver e está fadado há um dia se degenerar e ser mundo espiritual. É a Gnose que os possibilita cruzar a
destruído pela ação da Wyrm. barreira entre os mundos e interagir com os espíritos, é ela
também que os permite entrar em sintonia com os
Para desbravar o cenário do jogo, os jogadores podem espíritos aprisionados no interior de objetos sagrados e
optar entre as mais de dez tribos que formam a Nação mágicos, que chamam de Fetiches, para invocar efeitos
Garou, cada uma delas refletindo uma determinada sobrenaturais e também é o que lhes permite usar alguns
tradição de guerreiros tribais com raízes em arquétipos da de seus poderes mais impressionantes. Porém desenvolver
história humana ou mesmo inspirada na mais primitiva sua Gnose demanda um grande esforço e
essência das alcateias de caça formadas nas regiões mais autoconhecimento, além disso, essa característica quase
selvagens do planeta. nunca pode ser canalizada enquanto o lobisomem apela à
Baseadas nestas diferentes tradições, a gama de sua Fúria.
personagens abarca desde os povos tradicionais de A Fúria interior é o que torna capazes de feitos físicos
caçadores-coletores das regiões mais isoladas da África e impressionantes e pode até mesmo levá-los a sobrepujar a
América até as tribos urbanas modernas que florescem a morte, mas ela é também o que os torna potencialmente
sombra de grandes metrópoles, passando pelos lendários voláteis, passionais e descontrolados e lhes impõem uma
guerreiros e guerreiras vikings, celtas, amazonas da maldição que torna sua simples presença desconfortável
antiguidade clássica e até solitários beduínos e místicos para a maioria das outras criaturas, como se elas pudessem
hindus, mas, também, fortemente influenciados pelo instintivamente perceber o predador oculto sob sua
espiritualismo xamânico e animista desses povos antigos. aparência mundana, quanto maior é a afinidade de um
A Sociedade Garou é brutal e primitiva, mas também Garou pela Fúria, maiores são os efeitos da maldição e
fortemente marcada por rituais e por uma espiritualidade mais propenso a ceder a seus instintos mais básicos ele
que considera que tudo o que existe possui seu próprio estará.
reflexo espiritual digno de alguma reverência. Sua dupla natureza, tanto humana quanto lupina, torna
Os Garou têm a missão sagrada de defender Gaia, os Garou seres eminentemente sociais, um Garou sem
patrulhando as fronteiras entre o mundo físico e espiritual, uma matilha é uma criatura em profunda desgraça e
protegendo os locais mais selvagens e intocados do planeta solidão. Eles só parecem encontrar alguma paz entre os
e combatendo a corrupção em todas as suas formas. membros de sua própria espécie, comungando em seus
locais sagrados, chamados Caerns, cada vez mais raros
Para isso, os lobisomens do jogo contam com muitos
conforme a Wyrm avança.
poderes natos, como: resistência e regeneração
sobrenaturais que os tornam capazes de enfrentar Ainda assim, um mandato de Gaia os proíbe de
artilharia pesada com as mãos nuas; capacidade de mudar procriarem entre si, o resultado dessa união proibida é
de forma tornando-se verdadeiras máquinas de combate sempre uma criatura distorcida e desfigurada que sofre
cobertas de pelos, com força e agilidade sobrenaturais; com o desprezo da sociedade Garou, o que os obriga a
capacidade de cruzar a barreira entre os mundos físico e manter laços estreitos com humanos e lobos para garantir
espiritual e interagir com espíritos; e um arsenal infindável sua descendência.

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Grandes corporações inescrupulosas, políticos e Em relação à terceira edição, a edição comemorativa de
empresários corruptos, a cultura de consumo, a destruição 20 anos, conhecida pelos fãs como W20, teve, além do
da natureza selvagem, monstros e espíritos a serviço da adiamento do Apocalipse promovido pela Wyrm, poucas
corrupção física e espiritual da terra e da humanidade, suas alterações em termos de sistema ou cenário, entre essas
próprias frustrações e o tradicionalismo conservador de mudanças podemos citar: a supressão do Talento
sua sociedade são os maiores desafios enfrentados pelos “Esquiva”, que passa a ser englobado por “Esportes”; a
Garou. supressão do Conhecimento “Linguística”, línguas
Lobisomem: O Apocalipse foi o segundo título da linha adicionais passam a ser adquiridas como Qualidades de
de jogos do Mundo das Trevas, originalmente publicado um ponto. E a adição de novos dons e incremento de
em 1992, apenas um ano após o pioneiro Vampiro: A poder de dons antigos, sobretudo, os de primeiro nível, o
Máscara. Um dos maiores sucessos da linha, o jogo que conferiu um clima ainda mais épico ao jogo.
recebeu uma segunda edição já em 1994, uma terceira Agora você, filhote, sabe o mínimo para se aventurar
edição em 2000 e uma edição comemorativa de aniversário neste universo de paixão, dor e fúria. Sejam bem vindos às
de 20 anos em 2013. Apenas a segunda e a terceira edições fileiras da Nação Garou!
foram, até o momento, publicadas no Brasil pela editora
Devir.

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Garou podem tentar fazer uso de locais sagrados de outros
licantropos, mas isso geralmente é um empreendimento extre-
mamente perigoso.

Há rumores de que o desenvolvimento recente da Amazô-


Os livros básicos de Lobisomem: O Apocalipse sempre
nia é um estratagema da Wyrm para obter novos criadouros;
reservaram uma seção para abordar, em linhas gerais, a vi-
certamente as selvas são densas o suficiente para esconder
são Garou sobre as mais diversas regiões do planeta. O Bra-
muitos dos maiores súditos da Wyrm que de outra forma se-
sil, nunca chegou a ser abordado diretamente nesses livros,
riam obrigados a permanecer no subsolo”. (Werewolf: The
mas a Floresta Amazônica, que tem 60% de sua extensão
Apocalypse, First Edition, 1992, página 50).
em território brasileiro, sempre recebeu destaque quando
o assunto é a América do Sul. Na primeiríssima edição, O interessante aqui é observar como muito antes da
que jamais chegou a ser traduzida para o português, o con- ideia do Ahadi e das Cortes Bestiais, que só surgiriam com
tinente foi retratado assim: o advento da edição revisada (a terceira edição), a Amazô-
nia já era apontada no core do jogo como o “último refú-
“De todos os continentes, os Garou estão menos ativos na
gio da maioria dos outros licantropos”, um refúgio extre-
América do Sul, principalmente devido ao fato do continente
mamente hostil à presença Garou e muito cobiçado pela
ser o último refúgio da maioria dos outros licantropos do pla-
Wyrm.
neta. Uma variedade de homens-jaguar, homens-serpente, ho-
mens-morcego e homens-crocodilo vivem espreitando nas flores-
tas da Amazônia. Os Garou, preocupados com a destruição Em um primeiro momento, o olhar Garou sobre a Amé-
da floresta tropical, tentam se aliar com esses outros licantro- rica do Sul parece se resumir à preocupação com a icônica
pos, mas os habitantes das selvas se lembram bem dos dias do floresta amazônica. Apesar de se estabelecer que a floresta
Impergium, quando outros metamorfos foram rotineiramente é cobiçada pela Wyrm, ainda não se falava na Guerra na
destruídos como ‘blasfemadores da Wyrm’; Garou invadindo Amazônia, que só viria a ser mencionada a partir do in-
seus domínios são frequentemente punidos com a morte. Os

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fame suplemento Rage Across The Amazon, um suple- mencionada como uma guerra em que os lobisomens com-
mento dessa Primeira Edição deLobisomem, publicado em batem tanto a Wyrm como as demais raças metamórficas,
1993, ecoando a repercussão mundial da Conferência das dando a entender que os Garou estão em desvantagem,
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvi- tendo sido “enfraquecidos seriamente”, embora já admita al-
mento, sediada no Rio de Janeiro no ano anterior, a RIO guma presença, embora pequena, de Garou nativos da re-
92. gião, afinal, “poucos Garou chamam a América do Sul de lar”.
Também é interessante notar que desde o início, estava Já na edição revisada (terceira edição), a América do Sul
sendo plantada a semente para a criação dos Nagah (ho- passaria a ser muito mais detalhada no livro básico, sendo
mens-serpentes) e Camazotz (homens-morcego), original- retratada assim:
mente relacionando-os à America do Sul, tanto quanto os
Balam (homens-jaguar) e Mokole (homens-crocodilo). O
texto dá a entender que num primeiro momento os Nagah “Poucos Garou consideram este continente seu lar. Há
são seriam tão intimamente relacionados à cultura indi- tempos é o refúgio de outros metamorfos, que ainda nutrem
ana, como vieram a ser, e os Camazotz não apareciam um grande ódio pelos lobisomens por causa da Guerra da Fú-
como uma raça metamórfica completamente extinta. Ou- ria. Embora Espanha e Portugal reivindicassem vastas por-
tra curiosidade é perceber como o texto confunde o Imper- ções de terra no século XV, uma população relativamente pe-
gium com a Guerra da Fúria. Ao longo das edições as dife- quena de Parentes acompanhou os colonizadores. Bandos ar-
renças e a localização desses dois eventos na cronologia ofi- dilosos de Fera isolaram as comunidades de Parentes Garou e
cial do universo de Lobisomem se tornaria mais clara. seus familiares lobisomens, chegando até mesmo a atacá-las
diretamente para ferir os Garou. As maiores cidades sul-ame-
Apenas dois anos depois da primeiríssima edição de Lo-
ricanas são maravilhas da era moderna, mas a pobreza e o
bisomem, nós teríamos a segunda edição, que também foi
desespero são lugar-comum nas profundezas do terceiro
a primeira a ser traduzida para o português pela Devir no
Mundo. Os Uktenas e os Roedores de Ossos conseguiram con-
mesmo ano de lançamento da nova edição estrangeira,
quistar alguns Caerns nesse continente, mas seus parentes es-
onde a América do Sul passava a ser retratada assim:
tão acostumados à opressão, á exploração e à violência. Os
Senhores das Sombras tentaram organizá-los séculos atrás, co-
“Poucos Garou chamam a América do Sul de lar. O con- operando com os conquistadores espanhóis, mas sofreram uma
tinente há muito tem sido território dos outros licantropos do derrota homérica. As Feras sul-americanas lutaram brava-
mundo ̶ os metamorfos que foram levados para as vastidões mente para defender suas terras e, apesar de muitas terem
pela Guerra da Fúria dos Garou. Uma variedade de criaturas ̶ morrido, continuam no continente até hoje. Algumas começa-
homens-jaguar, homens-jacaré e outros ̶ reinam nas selvas ram a acasalar com Parentes Garou, para o horror dos lobiso-
minguantes da Amazônia. Os Garou, preocupados com a des- mens que descobriram o fato. Outras tribos só começaram
truição da floresta tropical, têm feito propostas de aliança, agora a perceber o tamanho da população de Parentes nesse
mas as outras criaturas lembram bem demais da Guerra da continente. Apesar de apenas algumas pontes da lua levarem
Fúria. Os Garou que invadem o território dos outros licantro- à América do Sul, existem muitos caerns isolados que ainda
pos costumam ser punidos com a morte. podem ser reclamados... ou roubados. Os Parentes perdidos
podem ajudar a virar a maré da batalha, mas só se os Garou
Recentemente, as depredações causadas pelas Empresas também conseguirem ajudá-los. Um dos locais de maior desta-
Pentex forçaram os Garou a uma invasão em massa da Ama- que na América do Sul sobrenatural é a Amazônia. Nos últi-
zônia. A guerra de duas frentes contra os agentes da Wyrm e mos dez anos tornou-se um dos grandes campos de batalha dos
os outros licantropos enfraqueceu seriamente os Garou”. (Lo- Garou contra a Wyrm. os lacaios da Wyrm corromperam al-
bisomem: O Apocalipse, Segunda Edição [Primeira gumas mega-empresas interessadas no lucro obtido com a des-
Edição Brasileira], 1994, páginas 43-44) truição da floresta tropical. No interior das florestas cada vez
mais reduzidas, brutais ‘deuses-onças’ metamorfos defendem
seus Territórios Umbrais com selvageria, atacando lobisomens
Nesta segunda edição, desaparecem as referências diretas
e invasores a serviço das empresas com igual ferocidade. É
aos homens-serpente (Nagah) e homens-morcego (Cama-
uma batalha perdida para todos os envolvidos. Mesmo sem a
zotz), as atenções se mantém focadas apenas na floresta
influência do Grande Dragão, a invasão humana está elimi-
amazônica, ainda retratada como um território extrema-
nando um reino de que a Terra precisa desesperadamente
mente hostil aos Garou, mas a Guerra da Amazônia já é
para sobreviver.” (Lobisomem: O Apocalipse, Terceira
Edição [Edição Revisada], 2000, páginas 46-47)

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moderna exceção. Na maior parte, essas terras tradicional-
A edição revisada trouxe muitos detalhes e informação mente pertencem aos Fera - os outros metamorfos tão maltra-
nova sobre a região. Aqui é cimentada a visão de que em- tados pelos Garou na Guerra da Fúria.
bora a América do Sul siga sendo um território hostil à Os Fera perseveraram mesmo após os sangrentos conflitos
presença Garou, em consequência da Guerra da Fúria, há com os lobisomens invasores (como os Senhores da Sombra que
desde antes da colonização europeia alguma presença de trabalhavam com os espanhóis). Eles até se infiltraram nas
lobisomens, ainda que pequena. Parece que foi só a partir populações de Parentes Garou, causando extrema surpresa
desta edição que alguém avisou a White Wolf que a colo- quando uma Primeira Mudança resultava em um jaguar me-
nização do continente não foi exclusivamente espanhola e tamorfo em vez de um lobisomem.
que há mais do que a Floresta Amazônica para se explorar
Uma das razões pelas quais o continente ainda continua
por aqui, embora o destaque ainda seja mantido em rela-
a ser um mistério para a maioria dos lobisomens é a relativa
ção à floresta e a Guerra na Amazônia. Pela primeira vez,
falta de acesso de pontes da lua aos seus Caerns. Muitas ve-
o livro básico aborda as cidades sul-americanas, relaciona
zes, eles são intencionalmente fechados pelas Seitas nativas,
os Senhores das Sombras aos colonizadores espanhóis e
para evitar o assédio de Garou estrangeiros, porém muitos se
destaca a presença de Uktenas e Roedores de Ossos na re-
perderam. Há alguns caerns, no fundo das selvas e esquecidos,
gião. É aqui também que se estabelece a compatibilidade
mas ainda lembrados nas lendas, esperando o intrépido Ga-
entre Parentes Garou e Balam como parceiros sexuais ca-
rou ou Fera para encontrá-los e recuperá-los ... antes que a
pazes de produzir metamorfos verdadeiros de ambas as ra- Wyrm os encontre.
ças, o que tem uma enorme relevância para o entendi-
mento da reprodução entre raças metamórficas e para en- Da mesma forma, muitas linhagens de Parentes foram per-
tendermos as possibilidades e os desafios da manutenção didas, suas tentativas espirituais de rastreá-las não obtiveram
da presença Garou na região. sucesso. Os poucos Garou nascidos aqui desconhecem seu
povo e são perseguidos pelos servos da Wyrm, que os procuram
A Edição de 20 anos de lobisomem, basicamente man-
para convertê-los antes que eles se conheçam melhor.
têm os novos elementos apresentados na edição revisada,
mas sinaliza um “esfriamento” da Guerra na Amazônia, di- Durante as últimas décadas do século XX, a floresta ama-
ante do que parece ser uma relativa vitória parcial dos Ga- zônica foi alvo de um dos maiores esforços conjuntos dos Ga-
rou, embora a região se mantenha ainda bastante isolada rou contra a Wyrm. A Guerra da Amazônia causou vítimas
do restante da Nação Garou e ainda seja considerado um incontáveis em todos os lados e continua sem um vencedor
território bastante hostil aos lobisomens, como se pode claro, embora o conflito tenha esfriado de forma intensa à
conferir nesse trecho: medida que a expansão das companhias de petróleo está pa-
ralisada. Não importa - a Pentex mudou suas operações de
petróleo para outras zonas, como testemunharam os derrama-
“Embora as Tribos Puras já tivessem viajado para a Amé- mentos de petróleo da plataforma de perfuração no Mar Ne-
rica do Sul, apenas os Uktena se instalaram em números no- gro e no Golfo do México. Existem poucos lobisomens para
táveis. Entretanto, o lugar era o lar de poucos Garou até a proteger os mares e os oceanos.” (Werewolf: The Apo-
colonização europeia, mas mesmo assim os lobisomens eram calypse 20th Anniversary Edition, 2013, página 61).
raros e dispersos, com apenas os Roedores de Ossos como uma

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a marginal comunidade Garou nativa do Brasil? O quanto
isso poderia tencionar as relações com as outras raças me-
tamórficas?
Entre a ânsia cosmopolita e a completa submissão aos
Ao propor o Brasil como cenário de nossas crônicas, interesses estrangeiros, entre o nacionalismo e a xenofobia,
para além do interesse internacional sobre a riqueza e bio- há uma linha tênue de infinitas possibilidades que oferece
diversidade amazônica, que tem sido, desde o início, a aos narradores e jogadores grandes possibilidades de
única razão para o país ser lembrado nos materiais oficiais drama, histórias épicas e reflexões filosóficas que, segundo
de Lobisomem, abre-se a possibilidade de explorar diversas a proposta de lobisomem, deveriam ser tão comuns ao jogo
formas as contradições que permeiam a realidade do país. quanto a carnificina e as oportunidades de se chutar o tra-
A dualidade entre Garou nativos e estrangeiros, entre a seiro dos servos da Wyrm, o que, aliás, também está longe
preservação dos valores e das culturas nacionais e a influên- de ser raro por essas bandas.
cia estrangeira, seja na cultura, na política ou na economia Sob um determinado ponto de vista, os Garou são todos
que tende a ser um tema recorrente na história de países estrangeiros nessa terra dominada por raças metamórficas
de origem colonial. O que está muito longe de ser algo sim- hostis, ressentidas por uma Guerra da Fúria que jamais
ples ou trivial. E a partir desse ponto de partida também é teve seu fim formalmente anunciado. Sob este ponto de
possível explorar um amplo espectro de tons de cinza, vista quem dentre os brasileiros poderia ser considerado
como é próprio da proposta dos jogos da linha World of de fato nativo? Quem estaria a salvo da ira daqueles que
Darkness. veem a colonização europeia como um processo de invasão
Afinal, o que teriam os Garou nascidos no Brasil a dizer e massacre dos povos, das terras e dos espíritos nativos?
sobre o fato da liderança inquestionável na Guerra na Quantas visões diferentes e contradições poderiam ser ex-
Amazônia ser um Cria de Fenris estrangeiro? Que conflitos ploradas apenas em relação a este aspecto?
a migração massiva de lobisomens para a região teria sobre

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No Brasil, assim como em toda a América Latina e dife- o quartel general da guerra. Este período recente é descrito
rentemente do que ocorreu na Europa e América do e atualizado assim pelo olhar do W20:
Norte, não seria exagero imaginar que a Guerra da Fúria
“Durante as últimas décadas do século XX, a floresta
jamais foi vencida pelos Garou. Na maior parte desse ter-
amazônica foi alvo de um dos maiores esforços concentrados
ritório, os Fera mantêm seu domínio por incontáveis eras
da Nação Garou contra o Wyrm. A Guerra da Amazônia
e só muito recentemente vem dando sinais de alguma dis-
causou vítimas incontáveis de ambos os lados e continua sem
posição em negociar. O W20 descreve assim, a situação:
um vencedor definitivo, embora o conflito tenha esfriado de
forma intensa à medida que a expansão das companhias de
“Embora as Tribos Puras tenham viajado para a América petróleo está paralisada. Não importa - a Pentex mudou suas
do Sul, apenas os Uktena se instalaram em números relevan- operações de petróleo para outras regiões, como testemunha-
tes. Contudo, a região foi o lar de alguns Garou até a coloni- ram os vazamentos de petróleo da plataforma de perfuração
zação européia, mas mesmo assim os lobisomens são poucos e no Mar Negro e no Golfo do México. Existem poucos lobiso-
esparsos, com apenas os Roedores de Ossos sendo uma mo- mens para proteger os mares e os oceanos”. (W20 - Página
derna exceção. Na maior parte, essas terras tradicionalmente 61).
pertencem aos Fera - os outros metamorfos assolados pelos Ga-
rou na Guerra da Fúria. Os Fera permaneceram, mesmo após O suplemento para o W20, Rage Across The World, tem
os sangrentos conflitos com os lobisomens invasores (como os pouco a adicionar a esse quadro geral. O rumo apontado
Senhores da Sombra que acompanharam os espanhóis). Eles no material oficial parece bastante limitador para os inte-
até vêm se infiltrando nas populações de Parentes Garou, cau- ressados em um cenário brasileiro para lobisomem, pois
sando uma grande surpresa quando uma Primeira Mudança reduz a presença Garou na região a algo vestigial durante
resulta em um jaguar metamorfo em vez de um lobisomem. a maior parte da história do país, vindo a torná-la relevante
Uma das razões pelas quais o continente ainda continua só a partir das últimas duas décadas do século passado e,
a ser um mistério para a maioria dos lobisomens é a relativa ainda assim, na atualização, indica que o interesse Garou
falta de acesso da ponte da lua aos seus Caerns. Muitas vezes, no país tem diminuído, além de se limitar à Amazônia, que
eles são intencionalmente fechados pelas Seitas nativas, para por mais relevante que seja ao cenário mundial de Lobiso-
evitar o assédio de Garou estrangeiros, porém, muitas dessas mem, representa apenas uma porção da riqueza que o Bra-
seitas desapareceram. Há alguns caerns, na profundeza das sil tem a oferecer.
selvas e esquecidos por todas as lendas, quase perdidos, espe- A esta abordagem, propomos uma ligeira adaptação, que
rando por intrépidos Garou ou Fera para procurá-los e recu- não abandona completamente o cânone, mas tenta o apro-
perá-los... antes que a Wyrm os encontre. fundar e enriquecer. Consideramos que a visão dos suple-
Da mesma forma, muitas linhagens de Parentes foram per- mentos sobre a região, não é mais do que a visão da Nação
didas, buscas espirituais não foram capazes de rastreá-las. Os Garou a partir de seu centro de poder político na Europa
raros Garou que nascem aqui, ignorados por seu povo, são e Estados Unidos, algo que, como em nossa própria reali-
ameaçados pelos servos de Wyrm, que os procuram para con- dade, tende a representar o Brasil como algo distante e sub-
vertê-los antes que eles se conheçam melhor.” (W20 - Página desenvolvido, sem compreender a fundo nossas complexi-
61). dades e peculiaridades.
Certamente a presença Garou no Brasil não seria tão nu-
Como vemos, o material oficial mais recente traça um merosa e influente quanto na Europa e Estados Unidos.
quadro desolador para a presença Garou na América do Porém não faria sentido que fosse muito menor do que no
Sul. Em consequência, no Brasil, embora a situação tenha continente africano ou na Ásia, considerando o impacto
melhorado a partir da instauração da Guerra na Amazô- da colonização européia no Brasil, que certamente acarre-
nia, plot vigente desde a primeira edição, a partir do in- taria no grande fluxo de Parentes de sangue Garou para a
fame suplemento de 1993, Rage Across The Amazon. Essa região.
guerra que é apontada como causa do aumento significa- Nos parece fazer muito mais sentido que a Nação Garou
tivo da presença Garou na América do Sul, desde que a na Europa e Estados Unidos sempre tenha subestimado e
Lenda Viva dos Crias de Fenris, Golgol “Presas-Primeiro”, marginalizado os Garou nativos do Brasil, que, por opção
em 1987, despertou o Caern do Coração Oco nas proxi- e conveniência, tenham decidido se manterem isolados e
midades do Rio Negro para instalar em território brasileiro aprendido a ficar de fora das intrigas e disputas tribais de

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suas contrapartes estrangeiras, mais numerosas, tradiciona- As invasões holandesas e a pirataria promovida pela
listas e influentes até que, nos anos mais recente, o inte- Companhia das Índias Ocidentais na costa Brasileira nos
resse internacional tenha se voltado para a Guerra na Ama- primórdios do período colonial, onde foi notável o recru-
zônia. tamento de soldados de origem germânica; a presença da
No Brasil, ao longo de mais de cinco séculos, desbrava- tradicional e influente família Lins, formada por fidalgos
dores e degredados da sociedade Garou da Europa teriam luso-germânicos que remontam à capitania de Pernam-
constituído sua própria sociedade, menor e menos formal buco no século XVI, e a grande imigração germânica para
do que suas contrapartes europeias e norte-americanas, o sul do Brasil no século XIX, promovida pela Imperatriz
mas, ainda assim, com suas próprias peculiaridades e po- brasileira de linhagem austríaca, Dona Leopoldina, abrem
tencialidades. muitas possibilidades para a presença de Crias de Fenris
nativos em diversas regiões. Há, ainda, o elemento de que
Os Uktena, em especial, já exploravam a região mesmo a rusticidade, intrepidez e beligerância relacionada ao ar-
antes da colonização e certamente teriam vínculos com quétipo do bandeirante paulista poderia relacioná-los, as-
muitas tribos nativas do Brasil, por sua natureza mística e sim como seus descendentes, ao Grande Lobo Fenris, o
curiosa e a partir da abertura que lhes permitiu tomar totem tribal que sintetiza a fúria aniquiladora e primordial.
como Parentes membros de povos que não eram nativos,
os Uktena facilmente assimilariam em suas fileiras o misti- O impressionante volume de nativos da África, em espe-
cismo afro-brasileiro dos adeptos de Umbanda, Candom- cial de regiões de influência islâmica como sudaneses e ne-
blé e outros cultos de matriz africana. gros da guiné poderiam justificar alguma presença antiga
de Peregrinos Silenciosos de sangue africano, atraídos para
O antigo mito das Amazonas, marcado para sempre no incursões que visavam a libertação de seus Parentes escra-
imaginário mundial ao nomear a maior floresta tropical e vizados, a organização de rebeliões de escravos, como a Re-
maior bacia hidrográfica do planeta, poderia subsidiar volta dos Malês e a Balaiada, ou simplesmente sua pre-
uma marcante e antiga presença de Desbravadoras Fúrias sença através do sangue e das tradições trazidas por Paren-
Negras nas regiões selvagens do Brasil. Além da presença tes e legada a seus descendentes.
das filhas do Pégaso poder servir de metáfora à longa tra-
dição de vultos históricos femininos do Brasil, quase sem- O fato de que o Brasil foi o único país no Novo Mundo
pre bastante invisibilizados, como Maria Quitéria, Luiza a sediar a corte de um legitimo monarca europeu e de ter
Mahin, Leolinda Daltro, Anita Garibaldi, Maria Bonita e remado contra a maré, que dividiu os domínios espanhóis
Pagú. no Novo Mundo em pequenas repúblicas, estabelecendo
um vasto império capaz de manter unificado um território
A presença de Senhores das Sombras entre os espanhóis que corresponde à metade de toda a América do Sul, po-
que colonizaram o Novo Mundo é um elemento oficial do deria ser representado pela tradição e imponência de Pre-
cenário de Lobisomem. Durante mais de meio século, ao sas de Prata brasileiros de origem lusitana, que teriam
longo da era colonial, as Coroas de Portugal e Espanha es- acompanhado seus parentes entre os cortesões e fidalgos
tiveram unificadas sob a União Ibérica garantindo uma su- portugueses que se estabeleceram no país.
bestimada influência espanhola sobre o Brasil, o que per-
mitiria aos Senhores das Sombras fincarem raízes profun- Sem contar as onipresentes tribos cosmopolitas dos An-
das na região. darilhos do Asfalto e Roedores de Ossos, que certamente
não estariam ausentes de uma cena urbana que inclui, en-
A origem celta dos povos ibéricos e o uso ostensivo de tre outras grandes cidades pelo país, São Paulo, a segunda
mercenários ingleses de origem irlandesa ao longo do perí- maior e mais cosmopolita metrópole latino-americana
odo colonial, além da grande migração irlandesa para o (quarta no ranking mundial) e o Rio de Janeiro, uma das
Brasil em meados do século XIX, em decorrência do episó- cidades mais icônicas do planeta.
dio conhecido como “Grande Fome na Irlanda”, certa-
mente justificaria a presença de Fiannas no país, ao longo Todo esse rico mosaico de possibilidades para tribos e
de gerações e por todo o território brasileiro, da costa do personagens Garou nativos certamente nos oferece uma
Nordeste aos estados do sul. Em especial, é possível relaci- sociedade Garou complexa e única, quase completamente
onar a passionalidade, a tenacidade, a sensibilidade e o desconhecida e desconsiderada pela Nação Garou interna-
apreço pelos vínculos familiares e demonstrações públicas cional até que, pela proximidade do Apocalipse e/ou al-
de virilidade, marcas dos filhos do Cervo, ao arquétipo do gum outro evento local dramático de proporções mundi-
sertanejo nordestino. ais, decidissem clamar por seu lugar ao sol, questionando
a maciça presença de Garou estrangeiros atraídos pelo cha-
mado à Guerra de Golgol, que acabaram invadindo seus

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territórios e pensando poder dar as cartas por aqui. Seria lhos erros do passado? Todo um leque de infindáveis pos-
este o cenário para mais uma guerra civil no seio da Nação sibilidades se abre entre esses extremos opostos para serem
Garou? exploradas por narradores habilidosos.
A possibilidade para um habilidoso jogo diplomático Então, este é o cenário para embates épicos, poucos ce-
que forçaria a Nação Garou a reconhecer a importância da nários seriam mais apropriados para a batalha final das for-
Comunidade Garou nativa do Brasil e buscar evitar os ve- ças da Wyrm contra o exército de Gaia, não é mesmo? Os
combatentes já estão posicionados. Até a vitória Garou!

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Quem sabe poder interpretar um Balam dividido entre
o rancor de seus ancestrais e a necessidade de aliança com
os odiosos Garou para salvar a própria pele? Ou um jovem
e sábio Mokolé tentando costurar uma aliança entre dife-
Para além dos limites da Nação Garou, há todo um le- rentes raças metamórficas mesmo diante da reprovação de
que de outras raças metamórficas que em nenhum outro seus Anciões? Ou ainda, qualquer outro personagem Fera
lugar do mundo são tão presentes e variadas quando na revestido com a certeza inabalável de que os Garou são os
América do Sul e, consequentemente, no Brasil, além de verdadeiros inimigos, servindo, ainda que inconsciente-
todo um rico cenário que ainda reflete as consequências mente, à Wyrm, à Calash, à Decompositora?
da Guerra da Fúria e da própria Guerra contra a Wyrm na Mokolé, Bastet, Ananasi, Nagah, Ratkins seriam outras
região. O avanço da corrupção em todos os campos, quer opções triviais de Fera nativos para explorar esse rico cená-
no cenário político, na miséria material e espiritual dos rio. Em relação aos Fera sul-americanos, o material oficial
grandes centros urbanos (ou mesmo nas zonas rurais e rin- dá algumas escorregadas, é verdade. Estabelece, por exem-
cões do Brasil) e a destruição da natureza selvagem, que plo, que a sociedade Fera por essas bandas é basicamente
abarca, não só a onipresente preocupação com a Amazô- formada por Bastet da Tribo Balam e Mokolés-Mbembe
nia, mas outros ecossistemas ainda mais ameaçados como que teriam chegado aqui tardiamente vindos da África ao
a caatinga, o cerrado e a mata atlântica. fugir da Guerra da Fúria e costuma reduzir a região aos
Aliás, este é um dos cenários onde mais sobressai a pos- Andes, Cidades e Floresta Amazônica. Essa abordagem re-
sibilidade de se jogar Lobisomem interpretando membros ducionista, estabelecida no infame suplemento “Rage
de outras raças metamórficas, ainda que sem qualquer ali- Across The Amazon” e depois reafirmada nos Livros de
ança inter-racial prévia estruturada como as Cortes Bestiais Raça Metamórficas Bastet e Mokolé, assim como no mais
no oriente ou o Ahadi africano. E mesmo sem qualquer recente suplemento “Rage Across The World”, suple-
ponto confiável de contato entre os Garou e os Fera (como mento do W20, é no mínimo genérica e simplista, pois
os Portadores da Luz, Hakken e Boli Zouhisze na Ásia; ou ignora elementos importantes da história e até da ecologia
os Peregrinos Silenciosos e Kucha Ekundu na África; ou, da região. A América do Sul, e o Brasil como parte signifi-
ainda, os Uktena e Wendigo na América do Norte). cativa dela, concentram uma das maiores diversidades de

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habitat e espécies animais de todo o planeta e tem um po- terem abandonado a tradição, quanto a oposição local dos
tencial ilimitado para fornecer bons ganchos para histó- ratos-metamorfos que já habitam ali.
rias.
Os maiores centros populacionais do continente também
No recente suplemento do W20, Changing Breeds, é as- são o lar de um número significativo de Ananasi, que estão
sim que a região é apresentada pelo ponto de vista das Ra- determinados a evitar que a guerra na Amazônia se alastre
ças Metamórficas: por seus domínios. A partir de suas teias urbanas, eles traba-
lham para manipular a queda daqueles que ameaçam trazer
conflito indesejável para as regiões que eles controlam. Até
“Na porção sul do hemisfério ocidental, metamorfos estão agora, as aranhas-metamorfas têm sido cuidadosas o sufici-
lutando uma guerra em todas as frentes. Agentes da Wyrm, ente para que poucos entre as outras raças metamórficas per-
sob o disfarce de investidores humanos, continuam a destruir cebam quem ou o que está por trás dessas manipulações, mas
as selvas que costumava ocultar os domínios metamórficos da por melhor que as aranhas tenham tecido sua teia de mentiras
predação Garou. Seus territórios têm diminuído, Bastet e Mo- até aqui, uma eventual descoberta é quase inevitável.” (W20
kolé lutam para retomar seus lares dos agentes da Wyrm, mas – Changing Breeds, Pg. 27-28)
também dos grupos de guerra Garou que parecem tão satisfei-
tos em lutar contra outras raças metamórficas quanto com os
lacaios da Wyrm. Reducionismo, generalizações e superficialidade nos pa-
Muitos Bastet reagem lançando sua fúria cega nos madei- recem bons adjetivo para descrever essa abordagem. Feliz-
reiros e crias da Wyrm que destroem suas casas na floresta, mente, outros suplementos nos oferecem mais peças para
ou nos invasores Garou, a quem culpam pela presença cons- compor esse quebra-cabeça, em especial, os Livros das Ra-
tante da Wyrm. A Wyrm responde com madeireiros humanos ças Metamórficas, suplementos da segunda edição de Lo-
cada vez mais bem armados, ajudados por malditos e muitas bisomem: O Apocalipse, o que nos permite vislumbrar
vezes Formori, lutando contra ambos, Garou invasores e raças muito mais detalhes e compor um quadro mais com muito
metamórficas nativas. O resultado final é uma série de bata- mais riquezas e nuances, embora, nem sempre condizente
lhas de três vias que ameaçam causar tanto dano para a flo- com a nossa realidade.
resta tropical quanto as empresas madeireiras. Acre por acre, Vejamos agora como o material oficial trata cada uma
dia a dia, a violência continua a piorar, sem fim à vista. das Raças Metamórficas no que tange a América do Sul e
Vendo o custo dessa guerra sem fim, os Mokolé fizeram o Brasil:
algumas alianças mais próximas com as tribos nativas locais,
e tem ajudado nos esforços desses humanos para proteger suas
porções da Amazônia através de legislações sobre os direitos
dos povos indígenas. Alguns começaram a lutar contra a
guerra, mesmo moderna de uma forma diferente, usando vas-
tas quantidades de conhecimento e sabedoria para identificar Iniciemos por uma daquelas cuja presença na região, a
novas drogas para emissários da indústria farmacêutica pes- primeira vista, poderia ser considerada improvável. O
quisando a floresta tropical. Se for do interesse das empresas Changing Breeds tem o mérito de reconhecer a relação his-
proteger a terra, eles argumentam, então poderão encontrar tórica entre a África e a América do Sul nos propondo um
aliados até mesmo entre aqueles que antes procuravam devas- plot muito interessante envolvendo as hienas-metamorfas
tar e explorar a selva. No entanto, a maioria das outras raças que buscaram refúgio na América do Sul tentando escapar
metamórficas considera que esse plano em particular os coloca do expurgo decretado pelo recém-falecido líder Simba,
próximo demais de seus inimigos jurados. Dente-Negro:
Desesperadamente lutando para sobreviver, outros Mo-
kolé têm procurado casas nos arredores menos densos de algu- “Os Ajaba que viajam para as Américas, gravitam entre
mas das cidades humanas em expansão da América do Sul e a América Central e do Sul, onde eles acham mais fácil se
Central. Se funciona para o Ratkin (a única Raça metamór- encaixar em países latino-americanos e lidar com um número
fica que está em ascensão por lá), os répteis-metamorfos espe- menor de Garou. Infelizmente, o volume e o interesse dos
ram que possa funcionar muito bem para eles. Infelizmente, Ajaba tem atraído a atenção dos Bastet da região. Muitos
os Ratkin não estão muito entusiasmados para compartilhar deles estavam cientes das recompensas oferecidas por Dente
seu nicho determinado, então esses pretensos Mokolés urbanos Negro. E as hienas-metamorfas podem ser pegas em outra
enfrentam tanto a desaprovação externa de quem os acusa de guerra pela sobrevivência contra o Bastet - ou usadas como

20
peões em uma guerra intercontinental entre as tribos de ho- “Nas selvas da América do Sul só há uns felinos de impor-
mens-gato.” (W20 – Changing Breeds, Pg. 48). tância, os Balam. Temos muito em comum, ambos prezamos
por nossa privacidade nessas terras. Isso tem seus prós e con-
tras. Nos beneficia que não nos persigam como inimigos. Mas
Como vemos, a informação oficial oferece uma deixa são perigosos porque quando alguém entra em seu território
para introduzir personagens e NPCs Ajaba em suas crôni- automaticamente o consideram um inimigo. Se você sabe onde
cas, explorando antigos e novos laços entre a América e a vivem, pode evita-los, e essa é a decisão mais sábia. Se não
África em uma trama transoceânica que pode envolver sabe onde vivem e adentra seus domínios, daremos conta deles.
desde a presença de multinacionais brasileiras e ONGs no
continente africano, até o tráfico de pessoas, armas e dia- Os Balam têm o incomodo costume de que seus filhotes
mantes entre duas das regiões mais ricas e violentas do pla- busquem por seus próprios territórios, normalmente não muito
neta. longe de onde nasceram. Isso significa que eles não têm ne-
nhum problema em invadir nossos territórios e reclama-los
como seus, e quando o fazem... ah, é a guerra.
O único vínculo que evita que estejamos em conflitos cons-
tantes é nossa aliança contra nosso inimigo em comum: o ho-
mem. A selva amazônica que consideramos nosso lar está
Na América do Sul temos reconhecidamente mais de sendo destruída a um ritmo alarmante, e se a destruição che-
7.500 espécies de aranhas e o Brasil apresenta a maior di- gar longe demais, afetará os planos de Ananasa, e isso é algo
versidade na região, com 3.203 espécies divididas entre que não podemos permitir. Lutamos juntos para proteger a
nada menos que 72 famílias. Outro elemento interessante selva, mas há humanos demais para que possamos deter todos
a se considerar em relação às Ananasi é a ocorrência na eles, assim, só podemos freia-los um pouco. Isso faz com que a
Amazônia brasileira da maior espécie de aranha do missão dos que estão na América do Sul seja tão desesperada
mundo, a aranha Golias comedora de pássaros, que, como e importante, e que agradeçamos toda a ajuda possível (en-
o nome diz, é capaz de caçar até mesmo pe- quanto nossos aliados recordam seu lugar).
quenos pássaros e roedores. O que se Na América do Sul você também
une ao fato de antigos povos encontrará outras criaturas
andinos, como o povo Nazca importantes chamadas Mo-
do Peru, terem dedicado imen- kolé. A essas ma-
sos geoglifos à figura de aranhas e jestosas criaturas
pássaros, para indicar uma devemos reservar um
grande relevância da pre- espaço amplo de mano-
sença Ananasi na região bra, já que nós invadimos
e talvez até seus territórios, e eles estão
mesmo al- morrendo mais rápido
guma antiga rixa en- que nenhuma outra
tre essas Ana- raça metamórfica. É
nasi nati- uma lástima
vas e os ver a estas no-
curiosos visitantes bres criaturas
Corax. retirando-se do mundo e não
No li- devemos nos esque-
vro da espe- cer de obser-
cifico dessa raça var e apren-
metamórfica, a der com
América suas ações. Há
do Sul é tempos se diz
descrita que os que não
assim: aprendem a partir da histó-
ria estão destinados a repetir os
mesmos erros; os Mokolé

21
são nossos predecessores e se sua história não nos ensinar uma sejam os guerreiros eleitos por Seline, mas os balam são,
lição, sofreremos seu mesmo destino. sem discussão, a mais violenta das nove tribos.
Da mesma forma que os Balam e os Ananasi protegem Entre os nativos da região, os balam ocupam um lugar
seus lares, os Mokolé protegem os seus. A diferença está em de destaque no folclore e na religião. De acordo com as
que os Balam e os Ananasi também protegem o lar dos Reis lendas, a tribo descende de duas linhagens ancestrais. Os
Répteis. Existe um pacto não escrito entre nós para respeitar Olioiuqui eram viajantes espirituais, homens-gato alados
suas Terras, e sempre estarão a salvo de nós. Isso não quer que adentravam os mundos espirituais e proporcionavam
dizer que podem agir sem consequências. Se violam nossas ter- visões aqueles que obedeciam aos deuses. Aqueles jaguares
ras, os expulsaremos. (E, se me permite, devo dizer que são ensinaram aos olmecas, os astecas e os maias a arte da
deliciosos). Mas não são criaturas que buscam os mesmos re- guerra em troca aceitavam sacrifícios sangrentos. Seus si-
fúgios que nós, e raras vezes há conflitos. Não somos seus guar- gilosos primos, os Hovitl Qua cultivavam as artes da invi-
diões, isso seria humilha-los, mas detemos qualquer coisa que sibilidade e da purificação. Senhores da noite da floresta,
os ameace, sempre que esteja dentro de nosso poder e influên- aqueles felinos místicos podiam empalidecer o sol e desper-
cia, mesmo se não nos diz respeito. tar as matas com seus conhecimentos. Eles instruíram os
É triste dizer que não é um sentimento compartilhado. Os povos das florestas tropicais na caça e nas viagens ao
Mokolé raramente nos ajudam, e nós jamais pediremos isso. mundo dos espíritos.
Nos basta que possamos observá-los e aprender com eles. Além Ambas as tribos exigiram o direito as sacrifício de seus
disso, atuam de uma forma da qual nós não poderíamos so- seguidores e ambas conseguiram o que queriam. Os guer-
breviver; suas virtudes são nossas debilidades, não podemos ser reiros dos povos anteriores a conquista dedicaram os cora-
convertidos em guerreiros tão diretos. Essa é sua forma de ser ções e as cabeças de seus inimigos aos deuses jaguar, que
e não a nossa, assim é melhor observa-los sem que percebam.” ocupavam os melhores lugares de seus panteões. Os pró-
(Libro de Raza Cambiante: Ananasi, Pag. 50-51). prios Olioiuqui se passavam por deuses pelas ruas de Te-
nochtitlán, Xicalango e a perdida Atloxtlia, invocando a
chuva e eliminando aqueles que não respeitavam a lei. Os
Assim, a rivalidade entre Ananasi e Balam nativos ou en- Hovitl Qua caminhavam sós, convidando os místicos e o
tre Ananasi nativas e visitantes Corax, além da afinidade caçadores para jogar jogos mortais ao anoitecer. Os que
natural entre o povo-aranha e os sanguessugas vampiros retornavam eram considerados tocados pelos deuses, pou-
em sua caótica sociedade local, proporciona muitos gan- cos recebiam essa honra.
chos para histórias interessantes em nosso cenário nacio-
Então chegaram os espanhóis com enfermidades, no-
nal. vos espíritos, magos conquistadores e, o pior de tudo, os
Garou. Os imprudentes Olioiuqui morreram as centenas
e seus descendentes se refugiaram nas selvas. Ali, se mes-
claram com seus primos Hovitl Qua, que tinham seus pró-
prios problemas. As enfermidades fizeram estragos ao
longo e nas profundezas da floresta. Assim, o povo gato da
Inquestionavelmente, os Balam (homens-onça) como noite caiu envenenado e os deuses gato morreram. Os lo-
uma das nove tribos Bastet, são as grandes estrelas do Ce- bos chegaram do norte e do leste (Presas de Prata, Fúrias
nário de Lobisomem para a América do Sul. A própria des- Negras, Roedores de Ossos e Uktenas) e começaram uma
crição da tribo se confunde com a descrição da história e nova Guerra da Fúria nas selvas que haviam escapado da
situação atual da região como deixa claro esse longo trecho primeira. Os jaguares, que nunca foram sociáveis se mes-
abaixo: claram com seus irmãos e ambas as tribos acabaram pra-
ticamente extintas por volta de 1600.
“Estes felinos da América Central honram seu antigo Os sobreviventes foram mais inteligentes que seus pais.
legado, a apesar de alguns guerreiros do Amazonas empre- Ao estabelecerem uma nova tribo, os Balam, recuperam
guem armas modernas para eliminar do planeta seus ini- as velhas litanias, se retiraram para as selvas e criaram
migos. Os Balam, como encarnações da cólera, são muito um código chamado Flore Ki Wenca (o Sangue dos Dois
temperamentais, robustos e também xenófobos. Atacam Corações). Este pacto significou o fim de antigas rivalida-
aqueles de quem não gostam e é preciso dizer que não exis- des tribais, se estabeleceram novos teritórios e se prometeu
tem muitas coisas que lhes agradem. Pode ser que os Khan que os Balam se ajudariam uns aos outros sempre que ne-
cessário. Dois Balam, o Chefe de Guerra Seis-Cabeças e o

22
curandeiro Céus-Azuis-da-Manhã invocaram ao grande familiares, antes de morrer. Aqueles Reinos, chamados
Totem Jaguar da Noite para abençoar a Tribo. Esta asso- Tona, exibem uma rica vegetação, uma saudável vida sel-
ciação de duas tribos destroçadas é recordada no honori- vagem, rios límpidos e uma forte presença espiritual (em
fico “Dois Corações” dos homens-jaguar, um título que só termos de jogo, o equivalente a um caern de níveis de três
eles podem reivindicar. Até hoje, os descendentes da tribo à cinco, no caso de um Reino-Guarita de cinco pontos, o
se ressentem pelos invasores brancos (a quem chamam equivalente a um Nodo poderoso). Como é de se esperar,
“Corações Podres”) por forçarem dois corações e se conver- estes se convertem nos principais alvos de lenhadores, gran-
terem em um só. jeiros, Garou e Fomori. Muitos desses “enclaves” ances-
Uma vez que o Flore foi selado com um rito de sangue, trais têm caído pisoteados pelos invasores, o que os enlou-
os Balam se espalharam e ergueram novos Reinos-Gua- quece ainda mais.
rita, Ninguém os molestou ao longo de vários séculos. Esta
Alguns jaguares da época atual preferem cidades no
paz se viu interrompida quando os povoados e as empresas
lugar da natureza, enquanto outros perambulam pelas
humanas começaram a se multiplicar pelas selvas. Aos ja-
guares isso não teve nenhuma graça. Hoje os Balam lutam montanhas e pradarias. Cedo ou tarde, o Balam acaba
uma guerra em duas frentes; nas cidades da América Cen- erguendo seu Reino-Guarita para consagrá-lo a seus ante-
tral lutam contra a corrupção surgida dos costumes dos passados. Depois disso raramente abandonam o lugar du-
colonizadores. Nas selvas tropicais eles enfrentam a Pen- rante muito tempo. Um jaguar normal morrerá antes de
tex e outros agentes da destruição. A pesar de sua assom- deixar que destruam seu Reino-Guarita; há os que cedem,
brosa magia e seus conhecimentos bélicos, os jaguares es- a tribo os considera uma desgraça a seu povo e os rechaça.
tão perdendo. São muito poucos, excessivamente irritáveis
e independentes para se organizarem como uma tribo e por
isso caem. Os invasores (humanos, espíritos e Garou) são Cultura e Parentes
muito numerosos para serem expulsos por um único Ba-
lam ou por uma simples guerrilha. A pesar da ferocidade
Os Balam dão muita importância a honra e família.
característica, são inferiores em armamentos, número e
possibilidades. As culturas de onde procedem valorizam a resistência ante
as dificuldades, a responsabilidade pessoal e a honra à fa-
O mais triste desta mentalidade é que os Balam tem mília. Ainda que os jaguares não se deem bem uns com os
uma preciosa cultura abaixo do sangue reluzente. Seus ri- outros, muitos escolhem companheiros para toda a vida
tos, quase sempre praticados na solidão, incluem canções
entre os humanos e os gatos da região. Muitas fábulas fa-
melodiosas, sentidas orações aos seus ancestrais e alucinó-
lam sobre um jaguar que veio durante a noite para seduzir
genas buscas por visões. Em seus Reinos-Guarita, os Ba-
um jovem ou uma garota atraente e levá-lo de seu povo.
lam relembram sua rica herança mediante obras de arte
Nunca se volta a ouvir dessas pessoas (os Balam os levam
que apenas viajantes umbrais podem contemplar. Os ja-
guares hão construído esses locais oferecendo asilo a outros a seus Reinos-Guarita onde lhe proporcionam tudo o que
Balam que necessitem e sempre carregam alguma peça de possam desejar).
joalheria que se encaixe dentro dos desenhos que guardam A pesar de seu caráter colérico, os Dois Corações são
“em casa”. Esses testemunhos são vínculos entre o jaguar, muito afetuosos com aqueles que amam. Seu parceiro, hu-
sua terra e seus antepassados. Em muitos sentidos, são mano ou animal, são mimados e protegidos pelo resto de
símbolos da alma do jaguar. O fato de muitos Garou e sua vida e educam seus filhos com amor. A trágica história
Fomori da Pentex da Guerra na Amazônia levem as joias da tribo deu lugar a um desesperado apego familiar; uma
dos balam como troféus é algo que exaspera os gatos sobre- vez que consigam um parceiro, o Balam não volta a va-
viventes, que se asseguram de reclamar a honra dos dois diar.
Corações com o sangue dos Corações Podres.
Sede de sangue a parte, os Balam reverenciam o
Território da Tribo
mundo espiritual. Muitos deles consomem alucinógenos
naturais que os fazem entrar em transes visionários e co-
A maior parte dos Balam se retiraram para as selvas dificam os segredos de caminhar entre os Mundos. Os ja-
tropicais da América do Sul e Central há muito tempo. guares que possuem territórios conseguem estabelecer cone-
Ali, os fundadores da tribo estabeleceram Reinos-Guarita xões intensas com os espíritos e protegem a terra frente a
e os deixaram para seus sucessores, que quase sempre são corrupção e as invasões. É dito que juram servir a terra e
tomam essa promessa muito a sério.

23
Organização Em vez disso, eles preferem vagar pelo continente, bus-
cando novas histórias e farejando novas ameaças.” (W20
– Changing Breeds, Pg.80)
Nenhuma, na verdade. Em casos de emergência, o Ja-
guar chama seus aliados para que supliquem a outros Ba-
lam em nome do Flore Ki Wenca. Este grito de ajuda pode Aparentemente, os autores não souberam muito diferen-
não obter resposta, dependendo da situação e do Posto de ciar o seco e gélido altiplano andino da quente e úmida
quem pede ajuda. As guerrilhas se congregam apenas e planície amazônica e subestimaram a presença dos pumas,
somente por uma grande pressão, mas raras vezes duram que por aqui conhecemos como suçuaranas ou onças par-
mais do que um mês. Os Balam são muito irritadiços, até das, na América do Sul e sua importância simbólica para
os homens-jaguar mais pacíficos lutam uns com os outros os povos da região, sobretudo os povos andinos.
com a menor provocação. Porém, a White Wolf acerta em outros suplementos, ao
usar a presença de outras tribos Bastet na região para reco-
Segredos Buscados nhecer o vínculo histórico de séculos entre a África e a
América do Sul:

Como toda a cultura que busca sua identidade, os ja-


guares buscam segredos sobre seus antepassados (idioma, “Embora os Balam sejam os únicos Bastet nativos na
arte, detalhes sobre a cultura, etc.). Alguns se voltam para América do Sul, alguns Swara (homens guepardo) e Ba-
suas raízes humanas e fazem coleções de conhecimentos gheera (homens-pantera) se fixaram em áreas da Guiana e
astecas, maias, olmecas e toltecas; outros se apegam aos do Suriname. Descendentes dos países africanos trazidos
espíritos que caminharam junto a seu povo a fim de obter pelos colonos como escravos, alguns dos poucos Bastet es-
segredos. Alguns entram em comunicação com os espíritos trangeiros que aprenderam a amar sua casa adotada, jun-
animais e ignoram por completo seus vínculos com os hu- tando-se à luta contra o Wyrm sempre que ela se aproxime
manos. Entretanto, todos os Balam têm um interesse em perigosamente de suas casas. Na maioria dos casos, os
comum: qualquer segredo capaz de ferir os invasores”. (Li- Swara e os Bagheera nem sequer são notados, pois respei-
bro de Raza Cambiante: Bastet, Pg. 48-50) tam os direitos do Balam sobre as terras altas da América
do Sul e preferem ficar o mais longe possível da infestação
Garou”. (A World of Rage, Pg. 44).
É curioso que os Balam sejam apontados nos materi-
ais oficiais como aqueles que dominaram os povos andinos
ao longo de toda a sua história, chegando a batizar alguns De qualquer forma, apesar da natureza individualista
NPCs Balam que aparecem no Rage Across The Amazon dos Bastet, fontes oficiais, como o suplemento Guardiões
com nomes de líderes incas, afinal, nem sequer há onças dos Caerns nos dão conta de que os Bastet ainda mantém
pintadas nos Andes! vastos territórios Umbrais compartilhados na América do
Sul, esses raros “Caerns Balam” nativos e a possibilidade
O maior predador andino é, na verdade, o puma, que de convocação de um Tagharim (Assembleia Bastet) para
inclusive é bastante reverenciado entre os povos andinos, discutir interesses comuns do povo-gato e eventualmente
até mesmo entre o mais tardio e famoso deles, os incas. formar bandos instáveis guerreiros para enfrentar ameaças
Faria muito mais sentido dar maior relevância aos Pu- externas, oferece um gancho fantástico para aventuras di-
monca sul-americanos, cuja presença os livros oficiais pra- ferenciadas em um cenário nacional.
ticamente restringem à América do Norte, como fica claro
no trecho a seguir:

“Os Pumonca têm sido tradicionalmente mais populo-


sos nas regiões montanhosas e arborizadas da América do
Norte, embora seus Parentes felinos também tenham se Outra raça que canonicamente possui um vínculo es-
estendido até a América do Sul. Mesmos nessas terras, os treito com a região é a dos extintos morcegos metamorfos,
homens-puma raramente estabelecem territórios definidos. cuja trágica história pode proporcionar muitos ganchos
para aventuras.

24
“Os Camazotz eram mais comuns no hemisfério sul, Monstros da Wyrm que seriam os “herdeiros” remanescen-
o que parcialmente os isolou da Guerra da Fúria inicial. tes dos Camazotz e que, embora sua presença tenha sido
Os Garou mataram os homens-morcego que moravam na relatada na Austrália, certamente estariam presentes na
Europa, Ásia e América do Norte, mas aqueles que vi- América do Sul, o refúgio final da raça dos morcegos-me-
viam na América do Sul permaneceram seguros durante a tamorfos.
Primeira Guerra da Fúria. O medo de mais matanças, no
entanto, manteve o Camazotz remanescente confinado
àquele continente pelos próximos milhares de anos. Alguns “Bloodbats - Os Xibalan podem ter desaparecido, mas
grupos entregaram-se a diversas formas de rituais de san- seu legado continua vivo. Garou e Fera falam de morcegos
gue para aumentar sua força e poder, mas tiveram o cui- gigantes cujas mandíbulas escorrem com sangue ácido, e
dado de permanecer livres da corrupção da Wyrm. Apenas cujos gritos anunciam a loucura. Estes Bloodbats são tudo
alguns homens-morcego foram vítimas da Corrupção, e ou- o que restou dos Camazotz. Alguns Mokolé e Ananasi
tros Camazotz caçaram-nos sem piedade. Quando um afirmam que eles são tudo o que resta dos Camazotz fieis
grupo de Senhores das Sombras acompanhou os conquis- à Gaia que tentaram impedir o Morcego de cair para a
tadores espanhóis para a América do Sul, os Camazotz, Wyrm. Outros acreditam que os Boodbats nada mais são
no início do século XVII, os lobisomens ficaram horroriza- do que uma zombaria maligna, uma tentativa do grande
dos. Não vendo nada além do fato de que o Camazotz enganador de desanimar os Garou, lembrando-os de sua
eram morcegos metamorfos que usaram sangue humano grande loucura.” (W20 – Book of the Wyrm, Pg. 166).
em seus rituais, os Senhores das Sombras assumiram que
os Camazotz eram um novo tipo de criatura corrompida
Assim, a trama entre Camazotz e Xilaban nos oferece um
pela Wyrm, e eles recrutaram cente-
plot potencialmente dramático para ser abordado em
nas de aliados humanos para
cenários históricos no Brasil, seja na era colonial ou
ajudá-los abater todos os Ca-
pré-colonial e a adição recente do “Bloodbats” nos brinda
mazotz. Na esteira deste
com antagonistas com um background especi-
genocídio, o Mor-
almente interessante para crônicas mais con-
cego - o totem da
temporâneas, que acaba se alinhando
raça - enlouqueceu e
com lendas indígenas nativas como
caiu para a Wyrm.”
os Andirás ou Cupendiepes.
(W20 – Changing
Breeds, Pg. 236)

Como vimos, o W20 trás


elementos que oferecem ainda
mais nuances, relevância e po- Não parece fa-
tencial dramático aos Cama- zer muito sen-
zotz. Estabelecendo que os Se- tido que a
nhores das Sombras apenas América do Sul,
desferiram o golpe final em onde se concen-
uma raça metamórfica mo- tra a maior bi-
ribunda que imprudente- odiversidade
mente havia se voltado de aves do pla-
para a pratica arriscada de neta (do Con-
magia de sangue e já estava dor ao colibri), não
envolvida em uma luta fratri-
possua nenhum re-
cida contra seus próprios
presentante das aves-meta-
membros corrompidos, co-
morfas, os Corax, embora,
nhecidos como Xilaban.
de fato, não haja cor-
O W20 também nos apre- vos por aqui
senta uma nova raça de e nem Corax

25
que não estejam relacionados às emblemáticas aves negras.
O próprio livro dos Corax estabelece um grande inte-
resse dessa raça metamórfica sobre a região:
Outra raça metamórfica extinta que parece usufruir de
um vínculo Estreito com a América do Sul, são os Grondr.
“A última guerra tem lugar aqui. Se as Raças Meta- Embora eles estivessem relacionados com as antigas linha-
mórficas perderem a Amazônia, todo estará terminado. gens de Javalis selvagens europeus, o próprio cânone esta-
Você gosta do ar que respira? Se tornará muito mais raro belece que, incapazes de usar as linhagens domesticadas ou
se a Pentex cobrir de asfalto a selva. Assim, estamos ai em misturadas de javalis e porcos modernos, eles talvez te-
baixo, e nosso número cresce por uma razão muito simples. nham sido forçados a buscar por outros Parentes animais
Tratamos de conseguir que os gatos, os lagartos e os lobos em um esforço desesperado e infrutífero para tentar evitar
estrangeiros colaborem juntos pelo menos uma vez. Com sua própria extinção:
meus próprios olhos vi uma batalha na qual três Garou,
um Bastet e um Mokolé acabaram com toda uma equipe
“Até hoje, os javalis vagam pela terra. No entanto,
da Pentex com um Dançarino da Espiral Negra incluso – enquanto os cientistas humanos podem chamar as bestas
mas como nenhuma das três Raças metamórficas colabo- de hoje com o mesmo nome, os espíritos não prestam aten-
rou, dois dos Garou acabaram mortos antes de que o Mo- ção às proclamações da ciência. Sua taxonomia pode ser
kolé se dignasse a se somar ao combate. É verdade que a similar, mas espiritualmente falando, o Incarna Javali,
Guerra da Fúria é uma tragédia que nos legou muito ódio, Pai dos Grondr, e os espíritos dos porcos domesticados ou
mas já passou. Poderiam deixar os insultos aos Garou javalis de hoje são mundos à parte. Assim como até mesmo
para depois e salvar primeiro a porra da selva.” (Libro de os Roedores de Ossos não conseguem manter sua Tribo
Raza Cambiante: Corax, Pg. 49). viva com os cães-parentes, os Grondr não conseguiram en-
contrar Parentes entre os javalis que sobrevivem hoje. Seu
espírito é diferente, mesmo que sua genética deva alguma
Considerando a diversidade de espécies que servem herança antiga às criaturas que um dia foram os Parentes
como parentes para os Mokolés, os Bastet e até mesmo Grondr.” (W20 – Changing Breeds, Pg. 228).
para os Garou (como os mabecos africanos e os tilacinos
australianos), não nos parece tão absurdo propor uma es-
pécie nativa diferente, mas similar aos corvos, como Paren- Esta busca por Parentes animais capazes de produzir no-
tes selvagens dos Corax Sul-americanos, como o Anu-Preto vos Grondr, segundo o próprio cânone os teria forçado à
(Crotophaga ani), também conhecido por suas penas ne- buscar por alternativas no Novo Mundo. Pois é estabele-
cido que os atuais Monstros da Wyrm conhecidos como
gras, comportamento social, apreço pelos banhos de sol e
Porcos Cadavéricos (Skull Pigs) têm relação, tanto com os
tendência a se aproximar de aglomerações humanas.
Grondr, quanto com os tapires (antas) e pecari (catitus e
Fãs de lobisomem oriundos da segunda edição poderiam queixadas):
alegar que o hemisfério sul foi dedicado aos Camazotz e o
norte aos Corax, porém, é preciso lembrar que a partir da
terceira edição essa convenção meio que “caiu por terra”, “Os Porcos Cadavéricos são horrores distorcidos, o
com a apresentação da linhagem de Corax africanos dos único traço sobrevivente dos outrora poderosos Grondr.
Makunguru, associada ao Ahadi e que se reproduz com os Uma vez encarregados da limpeza de Gaia, os descenden-
corvos de pescoço branco da África. Assim como o W20- tes caídos do javalis-metamorfos tornaram-se o oposto
disso. Porcos Cadavéricos tentam sujar ou devorar tudo o
Changing Breeds reconhece que houve presença de Cama-
que tocam.” (W20 – Book of the Wyrm, Pg. 154).
zotz na Europa antes da Guerra da Fúria. Aparentemente,
os territórios Corax e Camazotz se sobrepuseram ao longo
da história das Raças Metamórficas. O que abre todo um “Essas criaturas antes eram animais naturais, grandes
leque de possibilidade para explorar o passado das relações parentes da Era do Gelo dos tapires e dos pecaris dos an-
entre os Corax e a América do Sul e o ódio nutrido pelas tigos humanos da América do Norte. Antes dos servos da
Ananasi nativas em relação ao povo-pássaro. Wyrm serem expulsos das Américas pelos Puros, as semen-
tes da corrupção foram plantadas nessas criaturas. O re-
sultado foi os Porcos Cadavéricos. (...) Eles procriam como

26
porcos, apesar de não se conhecer testemunhas disso. (...) de ursos nativos da América do sul, o que pode adicionar
Os Porcos quase sempre atacam os Garou, mas os huma- toques extras de tragédia e desespero ao explorar, como
nos geralmente os ignoram ou pensam que viram um ani- personagens-jogadores ou NPCs, Gurahl nativos.
mal normal de algum tipo (isso é lidado como o Delírio;
muitos povos nativos das Américas podem vê-los como eles
são)” (Livro da Wyrm 2ª Edição, Pg. 132).

A perspectiva de que os últimos remanescentes corrom- É curioso notar que no suplemento World of Rage e no
pidos dos Grondr, de alguma maneira tenham cruzado o Livro Revisado da Tribo Garras Vermelhas, seja citado de
Atlântico para de misturarem aos tapires e pecari, para dar passagem como Parentes de Garras Vermelhas sul-america-
origem aos Porcos Cadavéricos e de que os próprios Porcos nos os “lobos andinos”, que, na verdade, como os lobos
Cadavéricos que tenham conquistado uma inteligência hu- guará brasileiro, por seu comportamento onívoro e solitá-
mana possam tentar restituir os Grondr de alguma ma- rio, estão muito mais próximos de raposas do que de lobos,
neira corrompida, abre a possibilidades para muitas espe- e, de fato, são ironicamente mais conhecidos na região
culações e histórias interessantes, envolvendo lendas nati- como raposas andinas ou coloradas e não como “lobos an-
vas do Brasil como aquelas do Vira-Porco, comuns no Pará dinos”. Porém, as próprias raposas-metamorfas, parecem
e no Maranhão. ser muito mais exigentes do que nossos amigos Garras ver-
melhas ao escolherem seus parceiros:

“A América do Norte é um chamado traiçoeiro que


acena para nós. Ela acomoda países recém-nascidos com-
Outra raça que um primeiro momento pode soar impro- parados á nossa história, mas que estão cobertos com o
vável, mas que o cânone de Lobisomem apropriadamente enérgico poder do Ocidente. As Raposas também habitam
insere no cenário sul-americano, a partir da presença dos essa região; e o mesmo, acreditamos, fazem nossos misteri-
nativos e ameaçados ursos de óculos andinos, são os ursos- osos primos Nu-Isha. A tentação de visitá-la tem levando
metamorfos: muitos Kitsune para os Estados Unidos e Canadá; eles
certamente acham bastante coisa com o que se divertir por
algum tempo, pois não retornam tão rápido.
“Três de nossas tribos têm uma reduzida presença na
A América do Sul é bem menos importante para nós;
América do Sul. Os Vigias dos Rios, os Andarilhos da Flo-
apesar de existirem raposas por lá, elas são de uma espécie
resta e os Guardiões da Montanha têm alguns pequenos
estranha para nós e provavelmente estão abaixo de nossa
territórios. Ainda que tenhamos feito um grande esforço
prole superior. Se tinha a intenção de intervir nos assuntos
para nos mesclar com os ursos de óculos nativos, eles são
desse continente, Gaia teria colocado raposas vermelhas
extremadamente raros, e provavelmente os perderemos
logo. Se apenas houvesse mais dos nossos, eles poderiam lá. No entanto, alguns membros do nosso povo já encon-
salvá-los, mas os governos não querem gastar recursos para traram grandes entretenimentos entre as montanhas e as
salvar espécies quase extintas que provavelmente não se selvas daquela região; pode valer a pena visitá-la caso você
não esteja sendo requisitado em nenhum outro lugar.”
salvarão de qualquer forma. Por outro lado, temos deixado
(Hengeiokai: Metamorfos do Oriente, Pg. 149).
grande parte de América Central e do Sul aos Bastet que
consideram seu domínio como indiscutível.” (Libro de Resta, assim, pouco espaço para a presença do povo-ra-
Raza Cambiante: Gurahl, Pag. 63). posa em um cenário brasileiro, para além de visitantes in-
cautos, tão ousados quanto potencialmente tolos.

De fato, a presença de uma rara espécie remanescente de


ursos sulamericanos, os urso-de-óculos (Tremarctos ornatus),
também conhecido como urso-andino ou urso-de-lunetas,
abre a possibilidade de presença de Gurahl nativos na
América do Sul e até mesmo nas regiões mais ocidentais Ao lado dos Balam, os Mokolé são colocados em lugar
do Brasil. Os ursos de óculos são uma espécie quase ex- de destaque nos livros oficiais quando o tema é a América
tinta, a única espécie sobrevivente de uma antiga linhagem

27
do Sul, porém, estranhamente, não são tratados como me- incoerente com a belicosidade dos Mokolé-Mbembe sul-
tamorfos legitimamente nativos da região, tendo aportado americanos, ressaltada em diversos materiais oficiais.
por aqui apenas como consequência do êxodo provocado
Se eram guerreiros orgulhosos, porque fugir e não lutar?
pela Guerra da Fúria.
Parece fazer mais sentido que sempre tenha havido Moko-
lés-Mbembe por essas bandas e que a Ninhada exilada de
“Ambalasokei: América do Sul, colonizada pelos Mo- Mergulha-para-Traz tenha sido só uma, especialmente sá-
kolé Mbembe ao final da Guerra da Fúria.” (Libro de bia talvez, dentre várias linhagens mnemônicas presentes
Raza Cambiante: Mokolé, Pg. 16). no Brasil e na América do Sul.
Essa afirmação de uma presença tão recente na região
“Ambalasokei, chamada América do Sul pelos bran- também não parece muito coerente com outro trecho do
cos, foi o Novo Mundo dos Mokolé-Mbembe. Nas selvas próprio Livro dos Mokolé:
tropicais haviam numerosas presas e um clima ideal. Os
Parentes africanos que chegavam nos navios de escravos
“Os Mokolé caimã da América do Sul são muito ra-
se enfrentaram primeiro com os horrores da travessia e de-
pois com o peso da escravidão. Mas muitos escaparam ros. Se acredita que só restam Lamaçais na bacia do Ori-
para a selva, muitas vezes com ajuda dos nativos. Suas noco. Esta varna é a dos protetores dessa terra, conhecedo-
aldeias de estilo africano eram Lamaçais humanos lidera- res de seus secretos e guardiões de sua Mnese mais pro-
dos por autênticos Mokolé que ofereciam abrigo a qual- funda. Sabem mais acerca dos Reis Pássaro e dos Reis
quer refugiado. Marsupiais que qualquer outro ser na face de Gaia. São
os pais mais devotados de qualquer varna. Comumente as
A destruição das florestas tropicais da Amazônia des-
fêmeas guardam seus ovos e crias, levando-os do ninho em
pertou os Mokolé para a agonia de Gaia. Anciões como
sua boca até a segurança da água.” (Livro de Raça Me-
Nyi Trovão-Emplumado e seu companheiro Trovão-com-
Chifres despertaram para descobrir que a selva está desa- tamórfica: Mokolé, Pg. 125).
parecendo. A Pentex envenenou o Lamaçal de Hooark-
Oark e os Mokolé tem tido que abandoná-lo; Trovão-Em-
Para refletir a imensa variedade de répteis da região (só
plumado, uma Sol da Meia-noite, tem chegado até ao ex-
entre os crocodilianos temos 6 espécies diferentes na Amé-
tremo de cooperar com a Matilha Garou dos Raptores
rica do Sul) também soa não muito condizente que o Ria-
Fantasma para proteger seu Ninho. Este Lamaçal,
Gr’rrash-takknyrr, é o maior que resta em Ambalasokei, e cho sul-americano possua apenas três Varnas: Halpatee (ja-
é um famoso lugar de nidificação, que tem estado em uso caré-açu), Piasa (jacaretinga, jacaré-do-pantanal e jacaré do
continuo por mais de quinhentos mil anos. É o lar de seis papo amarelo) e Syrta (jacaré-coroa e jacaré-anão). Parece-
Mokolé, incluindo Trovão-Emplumado e um Sol Nascente nos condizente adicionar a elas pelo menos mais uma ou
Chamado-Canção-dos-Dias-Mais-Jovens que tem se desta- duas, abarcando a maior espécie de lagarto do Novo
cado na Guerra da Amazônia. Seu parente, Golpeia- Mundo, o lagarto Teiú-gigante (Salvator merianae), o
como-Relâmpago, aniquilou uma equipe da Pentex com a maior lagarto da América do Sul, chegando a medir 1,5m,
ajuda do Balam Vento-do-Espelho-Fumegante. As lem- com estatísticas baseadas na varna Ora, a mesma dos lagar-
branças de Sono-das-Árvores, o Sol Poente da Ninhada, tos monitores da Ásia e da Oceania. Ou talvez até mesmo
continham a chave para curar a mortífera “praga da apresentando uma raríssima Varna associada às grandes e
neve” que ameaçava a Nação Garou. O Garou que por- emblemáticas cobras constritoras sul-americanas, como su-
tava a praga, Peter Ward, também se converteu no pri- curis e jiboias, uma vez que, é bem estabelecido no cânone
meiro homem-lobo que recebeu o Dom da Memória.” (Li- de Lobisomem que apenas serpentes peçonhentas podem
vro de Raça Metamórfica: Mokolé, Pg. 40). estar relacionadas às Nagah. Tal Varna de cobras constri-
toras nos pareceriam consistentes do o tom exótico e des-
A afirmação do Livro de Raça Metamórfica Mokolé, de conhecido conferido à América do Sul pelo jogo e eleva-
que os Mokolé sul-americanos seriam todos descendentes riam as especulações sobre a relação entre Nagah e Mokolé
de uma ninhada africana que cruzou o oceano atlântico a um novo patamar.
para fugir da Guerra da Fúria, nos parece gritantemente

28
Nossa posição na América do Sul é poderosa devido a
proteção do espírito Uktena. Ele, como a Serpente Arco
Iris da Austrália, está disposto a falar conosco. Muitos
Embora a origem dos Nagah esteja firmemente relacio- espíritos de sua Ninhada, incluindo as serpentes emplu-
nada à Índia, o cânone de Lobisomem reconhece uma madas, os espíritos dragão sem asas, as serpentes do mar,
marcante presença das serpentes-metamorfas na América Kolowissi e Inadu- são servos dos Wani com máscaras di-
do Sul, relacionando-as tanto com os povos indígenas na- ferentes. Durante a Segunda Guerra da Fúria houve oca-
tivos, quanto com africanos que foram trazidos a força para siões nas quais o Uktena, e os Garou que o seguem, nos
o Novo Mundo: ocultaram ou protegeram por respeito aos espíritos que ve-
neramos conjuntamente. Apreciamos esse gesto. Uma lás-
tima que os Camazotz não foram considerados dignos de
“Abaixo das Sesha, o conselho governante dos Nagah, receber a mesma consideração.
se encontram as Coroas, órgãos legislativos em escala regi- O comércio de escravos também levou muitos de nossos
onal. As Coroas foram estabelecidas para que os interesses Parentes da costa oeste da África ao Caribe. Levaram con-
de todos os Ninhos de una zona fossem melhor supervisio- sigo seu conhecimento das Nagah e as vezes o incorpora-
nados. Cada Coroa consiste em um conselho de três vam a suas crenças espirituais. A religião iorubá se mes-
Nagah. A Coroa dos Zuzeka supervisiona a América.” clou com a mitologia cristã para criar crenças
(Libro de Raza Cambiante: Nagah, Pg. 44). híbridas como o vodu, a santeria,
“Mesmo que não sejamos tão numerosos quanto no xangó, umbanda, macumba, batu-
resto do Hemisfério Sul, ainda somos poderosos na Amé- que e candomblé. Por todo o Ca-
rica do Sul. Nossos ancestrais demoraram muito tempo ribe, inclusive na Luisiana, nos-
para descobrir o continente, mas quando puderam, viaja- sos Parentes têm incutido suas co-
ram de imediato. As extensas selvas tropicais se estendiam munidades o respeito aos espíritos-
por quilômetros, ocultando nossos Parentes ofídicos e hu- serpente e a reverência ao deus ser-
manos por igual. Como ocorreu na África, a Segunda pente, a quem chamam Dambal-
Guerra da Fúria teve pouco efeito sobre nossos Parentes lah.” (Libro de Raza Cambi-
ou sobre nós nas selvas onde nossa habilidade na guerra ante: Nagah, Pg. 54-55)
de guerrilhas nos protegeu dos Garou. Nunca sofremos o
mesmo destino dos Camazotz, e os temos vingado um
pouco. Curiosamente, nossos parentes no Brasil se benefi- A relação das Nagah com os
ciaram do tráfico de escravos. Muitos escravos procedentes Uktenas amazônicos e com a religi-
do oeste da África eram Parentes, que se espalharam pelo osidade Iorubá que o cânone su-
Brasil e outros lugares da América do Sul. O vigor gere, por si só já nos oferece uma
desses novos Parentes permitiu a expansão dos ampla gama de possibilidades
Nagah sul-americanos, um sopro de ar fresco para serem exploradas por Nar-
que segue presente. radores habilidosos. Além
disso, o conturbado e violento
Contudo, os Nagah da América do cenário local, marcado
Sul não viajam muito nem se mostram por conflitos,
demais. Com tantos Ananasi e Bastet ameaça ambiental
para vigiar, e tantas ferramentas da corrup- e criminalidade,
ção em marcha, eles se encontram muito oferecem um pa-
ocupados com suas obrigações. Há mudan- norama que
ças constantes na guerra entre Gaia e a manteria os dis-
Wyrm que requerem uma atenção cons- cretos juízes e
tante. Os Bastet, os Mokolé e inclusive executores das ra-
os Ananasi participam do giro da Grande ças Metamórficas
Roda, e ao fazê-lo, alguns se afundam sob bastante ocupa-
seu próprio peso e caem para a Wyrm. Para dos.
estes desafortunados, preparamos um final.

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algo de familiar em relação aos seus territórios de origem
nos desertos ao sul da América do Norte.

Embora não tenhamos coiotes, a América do Sul não é


uma região desconhecida para os Nuwisha, embora suas
visitas à região pareçam ser limitadas por algum motivo
ainda misterioso:
O material oficial faz uma referência superficial à Praga
Ratkin sul-americana chamada “Borrachón”, que significa
“As tribos dos Puros continuam a prosperar na Amé- literalmente “embriagado”, um nome que, diríamos, é, na
rica do Sul. Infelizmente, a Wyrm também prospera aqui. melhor das hipóteses, ridículo e reflete o fato de que os
Humanos, com sua infindável necessidade de se tornar gringos que escrevem os livros devem imaginar que todo
mais poderosos e mais ricos, descobriram que na América sul-americano, “obviamente”, fala espanhol, além de deno-
do Sul seu próprio povo era uma presa fácil. Os servos da tar algum preconceito, sobretudo, quando se considera o
Wyrm construíram novas Colméias para a Corruptora, nome das demais Pragas Ratkin pelo mundo e a descrição
destruindo as recompensas da Mãe Terra onde quer que oficial:
as encontrem. Novamente, nós aguardamos por um con- “Ratkin sobrenatuais: Os Ratkin ‘ao sul da fronteira’
vite para entrar na luta. Até lá, ande cautelosamente pe- são atraídos pelas fossas mais horríveis do Terceiro
las terras do sul. Mundo. Os homens-rato frequentemente se infiltram nas
A Bacia Amazônica está em perigo por causa da partes mais superpovoadas cidades dessa parte do planeta.
Wyrm. Pela primeira vez desde que eles vieram para des- Em meio a miséria e a pobreza seguem se alastrando entre
truir os Puros, os europeus trabalham juntos por uma os marginalizados, os Ratkin estão fazendo bem seu tra-
causa. Eles habitam o verdadeiro coração do território da balho. Muitos Parentes Ratkin levam uma maldição em
Wyrm e fazem o que podem para deter o progresso das suas veias que os condena a viver na pobreza nos limites
Crias da Wyrm. Muito pouco, muito tarde, infelizmente. da sociedade. A maior praga Ratkin da América do Sul
A floresta queima e as maravilhas que a Mãe Terra pro- são os homens-rato Borrachón que desfrutam da miséria.
videnciou são destruídas. Os Balam e os Mokolé cuida- Uns poucos simpatizam com os proscritos da sociedade hu-
vam do local sem dificuldades. Agora, porque os Garou os mana; a maioria tira proveito com uma eficiência surpre-
enfraqueceram durante a Guerra da Fúria, os lobisomens endente dos ratos “civilizados” de outros lugares. Outros
tentam pegar de volta o que a Wyrm é capaz de roubar. Ratkin se referem aos homens-rato Borrachón como “ratos
Orgulhosos e tolos esses Garou. bêbados”, porque muitos utilizam um rito local que faz
Algumas vezes, nós descemos até a América do Sul e uso de licor envenenado que provoca neles uma espécie de
emprestamos nossa ajuda, do nosso próprio jeito, para a delirium tremens.
Guerra da Amazônia. Os Nuwisha normalmente vão Ratos mundanos: A América Central e do Sul é o lar
quando as matilhas dos Garou com quem eles andam che- dos ratos espinhosos, uma criatura que utiliza seus pelos
gam até lá. Quando estes Xochipilli estão próximos à curtos e espinhosos para se proteger dos depredadores. Os
grande zona de guerra, alguns papéis com informações são ratos espinhosos habitualmente fazem seus ninhos próxi-
encontrados de modo muito mais fácil e as máquinas da mos das selvas. Uma curiosa forma de Impuros Ratkin
Wyrm frequentemente não funcionam como deveriam. Sul-americanos costuma exibir espinhos e, de fato, muitos
Isso é tudo o que podemos fazer. Nós estamos proibidos de homens-rato Impuros que nascem na América do Sul
entrar na luta, porque os Garou reivindicaram a Guerra aprendem logo o Dom: Espirito do Rato Espinhoso.” (Li-
da Amazônia para eles mesmos. O Coiote nos ordena bro de Raza Cambiante: Ratkin, Pg. 46-47)
para aguardar e assim o fazemos”. (Livro de Raça Me-
tamórfica: Nuwisha, Pg. 41).
Apesar disso, nosso senso de humor característico e a
proeminência de trapaceiros típicos de nossa cultura como O Cânone busca valorizar a curiosa existência do rato-
João Grilo e Macunaíma, parecem tentadoras demais para espinhoso, espécie endêmica de roedores da América Cen-
manter os Nuwisha completamente apartados de um cená- tral e do Sul, que no Brasil, tem uma presença marcante
rio Brasileiro, e talvez, os Coiotes ainda possam encontrar na floresta tropical, mas há a questão de que é na América
em algumas regiões do Brasil, como no sertão do Nordeste do Sul que vive o maior roedor em atividade no mundo, a

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Capivara, e também uma das maiores espécies de rato, o seus Parentes tubarões. Tenho ouvido notícias de que os
ratão-do-banhado, considerado uma praga nos EUA e Eu- vampiros infestam as cidades e infectam aos humanos ven-
ropa. Essa praga que a América do Sul exportou para suas dendo-lhes narcóticos e venenos. Nunca tive motivos para
metrópoles e a relevância dos roedores nos ecossistemas me aventurar em terra, e qualquer efeito que possam ter
locais, o que, sem dúvidas, oferece ideias para tornar os esses venenos no Mar é desconhecido para mim.
Ratkins brasileiros e sul-americanos ainda mais relevantes
O Caribe está cheio de várias Grutas (Nodos) e sem-
para o cenário mundial.
pre é um lugar ocupado. Entre os barcos humanos, os pi-
ratas vampiros, os festivais em terra e a bordo dos barcos,
os Rokea e os Tritões (fadas marinas), nadar pelo Mar do
Caribe sempre é uma boa forma de conhecer gente nova.
Contudo, você deve ter cuidado com quem te encontra. Os
Tritões têm construído aqui uma cidade de coral, que até
É possível inserir os Rokea no cenário brasileiro, apoi- o momento tem evitado a detecção. Utilizam a Gruta das
ado, não só na notável presença de tubarões no litoral do Areias Brilhantes conosco, assim nossos caminhos se cru-
país (sobretudo no litoral de Pernambuco), mas também zam com muita frequência. Parecem saber bastante de
na incrível capacidade dos tubarões-touro de se adaptarem nós, e aqueles entre nós que conhecem as línguas humanas
para explorar os rios, continente à dentro. Uma capaci- sabem que os Tritões falam com as Três Filhas (A Tríade
dade que é explorada no W20 - Rage Across The World, do Mar: C’et, Dagon e Qyrl) em algumas ocasiões.” (Li-
onde é citada a participação de alguns Rokea relacionados bro de Raza Cambiante: Rokea, Pg. 49).
aos tubarões-touro na Aliança Ahadi, mas que antes disso
já era mostrada Livro dos Rokea, no trecho que se refere à
América do Sul: No livro já citado, surge um personagem bastante curi-
oso, o Rokea conhecido como “Nada-nos-Mares-Peque-
nos”, claramente inspirado no clássico Monstro da Lagoa
“Os espíritos do Pequeno Mar chamado Amazonas negra, o mesmo personagem que inspirou o recente vence-
nos falam de uma grande guerra entre metamorfos e ho- dor do Oscar, “A Forma da Água”, que por ter passado
mens. Não nos importa, exceto pelo fato de que os Mokolé tempo demais longe do Mar, se viu aprisionado na forma
participam dessa guerra. As vezes atacamos barcos que sa- Gladius, e combate o avanço da Pentex na região, sendo
bemos que levaram tropas para essa guerra, mas como ra- reverenciado por povos nativos.
ras vezes estamos bem informados, não atuamos com fre-
quência. Em algumas ocasiões, um Rokea adentra a terra Além disso, a recente descoberta de um riquíssimo recife
para investigar, mas isso é raro. As selvas têm seus próprios de corais na desembocadura do Rio Amazonas, que já é
protetores e não necessitam de nós. revelado seriamente ameaçado, bem como a exploração
das reservas petrolíferas do pré-sal, no litoral fluminense e
No que se refere ao resto do continente, existem Rokea os frequentes ataques a banhistas nas praias de Pernam-
que habitam na terra ao longo da costa, como é de se es- buco, oferecem ganchos fantásticos para explorar a pre-
perar. Os habitantes do oceano nadam nos mares com sença Rokea no cenário nacional.

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32
Em sua versão mais atual, na Edição de Aniversário de
20 anos de Lobisomem: O Apocalipse, ainda sem previsão
de tradução para o português, o tema da reprodução é
^ apresentado assim:

“A hereditariedade Garou, sendo um amálgama de fa-


Lobisomem é um jogo que apresenta uma proposta que tores físicos e espirituais, não é uma ciência exata. Com
mescla dramaticidade visceral, reverência ao mundo natu- poucas exceções - pais Garou-Garou sempre produzem Im-
ral e espiritualidade animista com o clima de fim trágico e puros estéreis, e a descendência de um Garou é sempre
iminente, em poucos jogos de RPG os temas do sexo e da Garou ou Parente - falamos de genética Garou mais em
reprodução têm um papel tão relevante no cenário e na termos abrangentes do que em especificidades.
vida dos personagens. Analisar como esse aspecto se relaci-
Quando um Garou tem um filho (ou filhote) com um
ona com os demais elementos do jogo é algo complexo e
Parente, sua prole tem cerca de 10% de chance de se tor-
fascinante, mas, acima de tudo, fundamental para quem
nar Garou; os outros 90% são Parentes. Garou acasa-
deseja delinear seu próprio cenário ou compreender mais
lando com não-Parentes quase sempre produzem Parentes
a fundo os diferentes cenários propostos pelos suplemen-
em vez de Garou, embora tais relações sejam, na maioria
tos do jogo.
das vezes, de curto prazo, dificultando a coleta de dados.
Afinal, entender como os Garou e demais Fera se repro-
Cerca de metade das crias nascidas de dois Parentes
duzem ajuda a compreender o quão raros eles realmente
serão também Parentes; um em cada cem desses nascimen-
são no jogo e quão próximos estão de perder sua Guerra
tos produzirão um Garou. O restante serão não-Parente
contra as forças da Wyrm, também é algo decisivo para en-
humanos ou lobos: suscetíveis ao Delírio, e não mais pro-
tender a dinâmica entre os Lobisomem, os lobos selvagens,
pensos a produzir filhos Garou do que um humano sem
a humanidade e as outras raças metamórficas. E, assim,
aproveitar muito melhor esses elementos em suas crônicas. qualquer relação de sangue com os Garou. Parentes que

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têm filhos com não-Parentes - humanos normais ou lobos -
têm uma menor chance de produzir Parentes e quase
nenhuma chance de produzir Garou, embora esses núme-
ros variem dependendo de múltiplos fatores, e os estudos PROBABILIDADES
feitos não foram conclusivos para definir exatamente o O que é apresentado no W20 é consistente com
quão pequenas as possibilidades são. tudo o que foi estabelecido desde a primeira
Os cruzamentos humano-humanos nunca produzem edição do Jogo e poderia ser resumido assim:
Garou. Nas raras ocasiões em que tal nascimento parece GAROU x GAROU = 100% de filhotes Impu-
ter acontecido, um dos vários fatores pode estar em jogo, e ros e Inférteis.
é provável que um dos pais seja, sem saber, um Parente.
GAROU x PARENTE = 10% de filhotes Ga-
Infelizmente, mais e mais Parentes são perdidos para a
rou, 90% de filhotes Parentes da raça da mãe.
Nação, e é muito possível que alguém como uma criança
Parente cresça sem conhecimento ou experiência com os PARENTE x PARENTE = 1% de filhotes Ga-
Garou. rou, 50% de filhotes Parentes da raça da mãe e
49% de filhotes não Parentes da raça da mãe.
Outra possibilidade um pouco mais delicada: é que
um o suposto pai tenha sido traído por um Garou ou Pa- PARENTE x NÃO-PARENTE = chances me-
rentes, dando à criança uma inesperada herança sobrena- nores que 1% de produzir filhotes Garou e me-
tural. Algumas mães humanas insistirão até o fim que este nores que 50% de Produzir Parentes da raça da
não é o caso, mas o sangue não mente.” (Werewolf The mãe. (O quão menores só dependerá da arbitra-
Apocalypse 20th Anniversary Edition, Pg. 378). gem do narrador).
NÃO-PARENTE x NÃO-PARENTE = 0% de
chances de produzir filhotes Garou ou Parentes.
O Guia do Jogador da Terceira Edição já enunciava a
mesma situação de forma ainda mais clara e sucinta:

“Geralmente, acasalamento entre Garou e Parente re- Um a cada três lobisomens se acasalava com lobos há
sultarão num parente (90% de chance) ou num Garou mil anos, mas agora a taxa está mais para um a cada
(10% de chance). Parente cruzando com Parente às vezes quinze. Outrora, os ancestrais lendários achavam relati-
produzirá outro Parente, um humano normal ou, rara- vamente fácil equilibrar seus instintos bestiais com a sabe-
mente, um lobisomem. A progênie direta entre um Garou doria humana, não mais.” (Lobisomem: O Apocalipse
e um humano normal é um Parente na metade das vezes 3ª Edição, versão da Devir, Pg. 29)
. E com uma exceção profeticamente fantástica, lobiso-
mens cruzando entre si gerarão um impuro.” (Guia dos
Jogadores dos Garou, versão brasileira do Nação Ga- Ou seja, é muito mais comum do que narradores e joga-
rou, Pg. 202) dores parecem considerar, que um dos genitores de um
personagem seja um Garou, ainda que o personagem em
questão não tenha conhecimento desse fato.
Lobisomens, como sabemos, têm a capacidade de se re- É importante também notar a primazia da raça materna
produzirem tanto com lobos, quanto com humanos e até sobre os filhotes nascidos de qualquer tipo de acasala-
mesmo com outros de sua espécie. Embora só nos dois pri- mento. O ventre de uma Garou lupina sempre engendrará
meiros casos o resultado sejam filhotes saudáveis e férteis. filhotes lupinos, mesmo quando seu pai for um Parente
Sobre essa questão, o livro básico da terceira edição escla- humano! Isso pode soar estranho, mas é assim que as coi-
rece: sas são no universo do jogo, um trecho do livro básico da
terceira edição não deixa margem para dúvidas:
“O poder do sangue não é dominante, e o filho de um
Garou tem apenas uma chance em dez de se tornar um “O que determina a raça? Simples, a forma natural
lobisomem ‘verdadeiro’. Felizmente, a benção não se li- da mãe do lobisomem, seja ela Parente, Garou, mulher ou
mita a crianças humanas. Muitos Garou preferem se aca- loba normal. Se for uma loba, então o descendente será
salar com lobos(...) um lupino. Se for humana, a criança será hominídea. E

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se a mãe e o pai forem ambos lobisomens, a progênie será cado aos Parentes e nos acasalamentos com parceiros Lo-
impura. Por exemplo, Coração de Fogo é uma fêmea lu- bisomem, o antecedente Raça Pura melhora as chances de
pina Garra Vermelha. Se ela se acasalar com um compa- gerar filhotes Garou, a Raça Pura dos próprios Garou não
nheiro de alcatéia Aparentado, qualquer filhote Garou é contabilizada para esse fim.
que venha a ter será considerado lupino. E mesmo se Co- O que toda essa informação oficial tem a nos dizer sobre
ração de Fogo se acasalar com um ser humano Aparen- o cenário do Jogo? Os Garou são, de fato, criaturas extre-
tado, enquanto estiver na forma de duas-pernas, todos os mamente raras e temos motivos para acreditar que tem se
filhos lobisomens que resultarem dessa união ainda assim tornado mais raras (e se tornarão ainda mais) com o passar
serão lupinos. As mulheres-lobas grávidas sempre usam dos anos.
sua forma racial ao dar a luz. As únicas exceções a essa
regra são as desafortunadas fêmeas que esperam filhotes A Maldição da Fúria, que torna desconfortável a pre-
impuros. Se não assumirem a forma Crinus, o parto cer- sença Garou para qualquer humano com Força de Von-
tamente as mataria.” (Lobisomem: O Apocalipse 3ª tade menor do que o nível de Fúria permanente do Lobi-
Edição, versão da Devir, Pg. 59) somem, os dispersam e aumentam a resistência dos Paren-
tes em se sujeitarem aos ditames Garou na modernidade e
a diminuição alarmante de lobos selvagens em todo o
Uma rara exceção que permite a uma Garou gerar filho- mundo. A reprodução é uma grande preocupação em toda
tes de outra raça é um segredo guardado a sete chaves pelos a Nação Garou. O que tende a aumentar a necessidade dos
Filhos de Gaia: Garou apelarem para expedientes moralmente questioná-
veis, como o uso de poderes sobrenaturais como “Atração
Animal” e o aumento do controle e dos abusos de Parentes
“Ritual da alternância de gerações [Nível 5] (...) mu- como meros reprodutores.
lheres hominídeas empregam-no para aumentar a medida
Outro elemento de preocupação, ainda mais relevante
de sangue lupino na tribo. Ele permite a um hominídeo
em um cenário como o Brasil, é a competição com outras
dar a luz a descendentes lupinos e vice-versa.” (Livro da
raças metamórficas, como fica claro em diversos suplemen-
Tribo Filhos de Gaia Revisado, Pg. 74)
tos que abordam a América do Sul no universo de lobiso-
mem e ao longo das diversas edições do jogo. Deixaremos
Obviamente, sempre existe a Regra de Ouro e mesmo o aqui, como exemplo, um trecho do W20:
cânone deixa sempre aberta ao Narrador a possibilidade
de intervenção espiritual para melhorar as chances de nas-
“Os Fera perseveraram mesmo após os sangrentos con-
cimento de um filhote Garou, independente da Raça,
flitos com os lobisomens invasores (como os Senhores da
além de introduzir algumas exceções interessantes no su-
Sombra que trabalhavam com os espanhóis). Eles até se
plemento para a terceira edição, Parentes: Heróis Esqueci-
dos: infiltraram nas populações de Parentes Garou, causando
extrema surpresa quando uma Primeira Mudança resul-
tava em um jaguar metamorfo em vez de um lobisomem.”
“Parentes que acasalam com mortais comuns normal- (Werewolf: The Apocalypse 20th Anniversary Edi-
mente geram crianças não Parentes, apesar de que, certas tion, 2013, Pg. 61).
facções entre os Filhos de Gaia possuem um ritual alta-
mente secreto que pode alterar esse resultado.” (Parentes:
Essa possibilidade de acasalamento frutífero entre Paren-
Heróis Esquecidos, Pg. 13)
tes Garou e membros de outras raças metamórficas, dá a
entender que a noção de Parente, não está limitada a uma
“Para cada nível deste Antecedente [Raça Pura] que raça metamórfica determinada, aparentemente, Parentes
você pegar, a chance de produzir uma prole Garou com humanos são parceiros viáveis para qualquer raça meta-
um parceiro lobisomem aumenta em 5%”. (Parentes: He- mórfica que não exija um ritual de reprodução especifico,
róis Esquecidos, Pg. 53) como o Ritual do Ovo Fetiche dos Corax ou o Ritual da
Praga do Nascimento dos Ratkins. Obviamente, esse raci-
ocínio não se aplica aos Parentes animais pela flagrante in-
Aqui é importante notar algo frisado no próprio suple- viabilidade de acasalamento entre animais de diferentes es-
mento, Parentes: Heróis Esquecidos, apenas quando apli- pécies. A menos, é claro, que estejamos falando do rarís-
simo Dom Mokolé de quinto Posto, Roubar Forma, que é

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indicado como responsável pela existência da linhagem Já na terceira edição, esses percentuais sofrem uma mu-
africana Kucha Ekundu dos Garras Vermelhas, que se re- dança significativa, caindo pela metade, provavelmente
produzem com mabecos e não com lobos, e tudo indica para se adequar ao clima ainda mais épico e de fim ainda
que tenha sido também o responsável pela existência da mais iminente que deu a tônica dos títulos da terceira edi-
exótica tribo australiana dos Bunyip, que se reproduziam ção do mundo das trevas. É na seção de FAQs do Storytel-
com os tilacinos marsupiais. lers Handbook da terceira edição de Lobisomem, ainda
Outra evidência da pratica de acasalamento entre raças inédito em português, que essa mudança é mais clara-
metamórficas é assinalada no livro da Raça Metamórfica mente exposta:
Mokolé e justifica a reminiscência de registros mnemôni-
cos de Raças metamórficas perdidas:
“Acasalamento entre Garou e Fera produzem Impu-
ros? Não. Impuros são o resultado de dois metamorfos com
“Observe que devido à troca cerimonial de parceiros, metades espirituais iguais se acasalando; tipo incesto, só
assim como os Parentes compartilhados, existem linhagens que em nível espiritual ao invés de genético. Se um Garou
mnéticas que mantém a memória dos Perdidos.” (Mo- acasala com um membro de qualquer outra raça meta-
kolé: Livro das Raças Metamórficas, Pg. 27). morfa, suas metades espirituais são diferentes — portanto,
sem Impuros. A criança sempre vai ser da raça da mãe;
isso significa que a criança não pode ser da raça do pai de
Sobre a reprodução entre raças metamórficas, os livros forma alguma (por exemplo, os filhotes de uma mãe lupina
oficiais são ligeiramente contraditórios ao longo das edi- nunca serão Bastet, mesmo que o pai seja). As chances de
ções. Na Segunda edição de lobisomem, o Guia do jogador gerar um novo metamorfo são reduzidas drasticamente
esclarecia: nessas uniões, de todo modo; existe apenas 5% de chance
da criança pertencer à raça metamorfa da mãe e apenas
5% de chance de pertencer à raça metamorfa do pai. Se
“De modo geral, se dois metamorfos de raças diferentes for impossível pertencer à raça do pai, ainda são apenas
conceberem uma criança, essa têm 10% de chances de ser 5% de chance de pertencer à raça da mãe — desse modo,
um metamorfo da espécie do pai, 10% de chance de ser esse tipo de união está longe de ser uma solução honrosa
um metamorfo da espécie da mãe e 80% de chance de ser para resolver o problema de se encontrar um bom parceiro
um parente normal para ambos. para gerar novos metamorfos”. (Werewolf Storytellers
(...) um metamorfo nunca pode pertencer a duas raças Handbook, Pag. 21).
metamórficas; um Garou com sangue Bastet é simples-
mente um Parente para os Bastet e nada mais. Não há
Curiosamente, o W20 parece omisso sobre essa contra-
lugar para duas almas metamórficas em um único corpo.
dição e, como é uma tendência geral nas edições de 20
Também é verdade que a Praga do Nascimento dos Rat-
anos do WoD, deixa a cargo dos narradores definir o que
kin não pode funcionar em outros metamórficos; tão
considerar como oficial em suas campanhas: se a proposta
pouco o Ritual do Ovo Fetiche. Gaia só exige um dever de
da segunda e mais popular edição de Lobisomem, que
cada um de seus filhos.” (Lobisomem: Guia do Jogador
torna atrativa a opção de relações inter-raciais apesar de
2ª Edição, versão brasileira da Devir de 2000, Pg.
toda a mágoa e ressentimento entre as raças metamórficas;
190).
ou se a proposta da terceira e mais recente edição, onde
relações inter-raciais são abertamente desestimuladas, não
Ou seja, até a Segunda Edição, o acasalamento entre ra- só a nível cultural e histórico, mas também a nível de me-
ças metamórficas não só existe como aumenta significati- cânica, e a perspectiva de união entre as raças torna-se
vamente a ocorrência de filhotes metamorfos, dobrando as ainda mais distante e difícil de ser superada por laços de
chances de se produzir um filhote metamorfo ao se somar consanguinidade, deixando toda a situação dos Garou e
as chances de pertencer à raça metamórfica do pai com as Fera ainda mais desesperadora.
chances de pertencer à raça metamórfica da mãe. O que
oferece um plot fantástico a ser explorado pelos narradores
no que tange as relações entre raças metamórficas. E torna
ainda mais trágica as consequências da Guerra da Fúria.

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estabelece? Isso estaria de acordo com a realidade da re-
gião, na qual o jogo se baseia? O que o cânone de Lobiso-
mem tem a nos dizer sobre essas questões?
Até a terceira edição de Lobisomem, os livros oficiais de
Lobisomem ignoravam completamente a possibilidade de
Parentes Selvagens Garou na América do Sul. A primeira
Ao longo de suas quatro edições, o jogo estabeleceu a referência a algo do tipo surge na segunda edição, mas em
América do Sul como um território dominados pelos Fera um suplemento para Vampiro: A Máscara, e envolve justa-
e hostil à presença Garou, onde mesmo a presença das mente o lobo guará. Isso acontece no suplemento World
“Tribos Puras” foi sempre bastante reduzida e os Uktena, of Darkness Second Edition, de 1996, no trecho a seguir:
aqueles Lobisomens que mais dominam os segredos da re-
gião, só passaram a ter uma presença relevante no período
que se seguiu a colonização europeia. "Embora poucos Lupinos sejam nativos desta re-
Apesar disso, uma parcela significativa dos fãs lamenta gião, a Amazônia é o campo de batalha de uma
essa situação e insiste em buscar formas de justificar uma enorme guerra lupina contra as forças da Wyrm.
presença mais enraizada dos Garou na América do Sul, o Outros Lupinos se reproduzem com lobos-guarás na-
que muitas vezes significou a busca por animais nativos ca- tivos e constantemente atacam operações vampíri-
pazes de servir como Parentes Selvagens para a introdução cas em todo o continente. Lupinos geralmente dan-
de Lobisomens nativos de origem lupina nessa região. Ne- çam conforme a música, no entanto, há ainda uma
nhum animal foi apontado com mais insistência pelos fãs variedade de outros metamorfos." (A World of
brasileiros para este papel do que o Lobo Guará. Darkness Second Edition, Pg. 28)

Obviamente, a Regra de Ouro permite todo o tipo de


adaptação que o narrador julgar necessário em suas crôni- Referências oficiais em suplementos próprios de Lobiso-
cas. Mas será que algo assim faria sentido com o que o jogo mem, só surgiriam em dois suplementos da terceira edição:
o World of Rage (publicado originalmente em 2000) e o

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Livro da Tribo Garra Vermelha Revisado (publicado origi- Claramente, até mesmo a antológica miscigenação de
nalmente em 2002). Em ambos os casos, entretanto, a re- Roedores de Ossos e Peregrinos Silenciosos com cães e
ferência é ao Lobo Andino, não ao Lobo Guará, e ao chacais possui um limite bem definido. Neste ponto, al-
Chile, não ao Brasil. guém poderia levantar a questão: Mas e os casos dos Bun-
yip e Kucha Ekundu?
De fato os mabecos (cães selvagens africanos) e tilacinos
"O lobo andino, uma espécie nativa dos Andes chile-
(“lobos” marsupiais da Austrália e Nova Guiné) não pos-
nos, foi convertido no projeto especial de um grupo de Gar-
suíam nem uma gota de sangue lupino e, ainda assim, pu-
ras Vermelhas que se instalaram na região para atuar
como protetores de seus Parentes Lupinos." (A World of deram servir como Parentes selvagens aos Bunyip e Garras
Rage, Pg. 41). Vermelhas da linhagem Kucha Ekundu, respectivamente.
A genética é apenas um dos fatores a se considerar na ques-
tão, quando o tema são os Garou, e nem sequer é o aspecto
“Na pequena nação do Chile, no entanto, os Garras mais relevante.
estão fazendo algum progresso com um tipo diferente de Vejamos como o material mais recente sobre o jogo, o
batalha. Alguns anos atrás, uma matilha de garras se W20, responde essa questão:
aventurou no Chile para tentar se acasalar com os lobos
andinos (então nomeados por seu lar, os Andes Chilenos).
Funcionou, apesar da espécie não estar prosperando, eles “O começo dos Bunyip como uma tribo distinta teve
tem alguma proteção poderosa agora. Até onde sei, eles inicio quando eles chegaram à Austrália junto com os pri-
não controlam nenhum Caern nas montanhas, mas ouvi meiros colonos humanos. Eles escolheram se relacionar o
essa informação de segunda mão, então pode existir uma mais profundamente possível com a terra, para melhor
‘Seita Chilena’ em algum lugar por lá." (Livro da Tribo compreendê-la e protegê-la. Usando um ritual estranho
Garra Vermelha, versão brasileira do Nação Garou, que alguns dizem ter aprendido com os Mokolé, os Bunyip
Pg. 60). se alteraram para que pudessem se reproduzir com os tila-
cinos marsupiais nativos da terra. Quando os dingos che-
garam com as ondas migratórias posteriores de colonos hu-
Contudo, tais referências entram em claro conflito com manos, os Bunyip não os adotaram como Parentes em po-
o que é estabelecido em outros suplementos oficiais do tencial; eles favoreciam a forma de tilacino porque era fiel
jogo, inclusive os mais recentes. Sobre esse tema deixare- a terra como a encontraram.” (Werewolf The Apo-
mos aqui um trecho especialmente esclarecedor extraído calypse 20th Anniversary Edition, Pg. 388).
de um suplemento da terceira edição de Lobisomem:

“Há muito tempo atrás, um bando de Garras Verme-


“Lobisomens podem se reproduzir com cães? Resposta lhas pediram aos Mokolé do que é hoje a África o direito
curta: Não. Resposta longa: Não se a gravidez puder re- de habitar nessas terras. Os Reis Dragão concordaram,
sultar em bebês humanos ou hominídeo (ou seja, um aca- mas encarregaram os Garras de assumir a responsabili-
salamento de uma Garou fêmea com um cão macho), e dade de proteger e fortalecer seus primos canídeos que mo-
em nenhum caso qualquer dos filhotes será um meta- ravam naqueles campos. Hoje, esses Garras são chamados
morfo. Para que um acasalamento viável possa produzir de Kucha Ekundu e eles administram as vastas planícies
Garou, o parceiro animal deve ser um híbrido lobo-cão da África. Seus números são pequenos, tendo sido devas-
com pelo menos 75% de lobo e, mesmo assim, as chances tados por doenças, mas estão se reerguendo. Os Kucha
de um filhote lobisomem são baixas. Apesar de lobos (e Ekundu são verdadeiros Garras, mesmo que não sejam
Garou) poderem produzir uma prole viável por meio de verdadeiros lobos.” (Werewolf The Apocalypse 20th
cruzamento com cães, a diferença entre espíritos-lobo e es- Anniversary Edition, Pg. 507).
píritos-cães - na verdade, entre todos os animais selvagens
Em ambos os casos é explicita, ou pelo menos subten-
e domesticados - é tão grande que não podem produzir des-
cendentes metamorfos.” (Werewolf Storyteller Hand- dida, a intervenção dos Mokolé para justificar essas exce-
book Revised, Pg. 21). ções, o que, por sinal, é bem coerente, uma vez que os pró-
prios Mokolé são capazes de tomar como parentes animais
tão radicalmente diferentes como Monstros de Gila e Cro-

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codilos, criaturas que só têm em comum o fato de perten- como Parente Selvagem de uma das Raças Metamórficas
cerem a uma mesma classe biológica, a Classe Reptilia, em no universo ficcional de Lobisomem. Pelo menos no jogo,
relação aos mamíferos, seria como tornar compatíveis com a ciência não tem todas as respostas.
uma única raça metamórficas animais tão distintos quanto Mas então, qual seria a lógica espiritual que iria essa
um ornitorinco e um ser humano. Com tamanha flexibili- compatibilidade?
dade e adaptabilidade reprodutiva, não admira que os Mo-
kolé sejam considerados a raça metamórfica que perdura Neste ponto o jogo parece fazer uma referência ao velho
por mais tempo na face de Gaia. esquema dialético da filosofia hegeliana (ideia – natureza
– espírito). No jogo, os espíritos são tanto a essência co-
Porém, com os Garou, as coisas não parecem tão flexí- mum de suas manifestações físicas na natureza tangível – a
veis, afinal, as raposas vermelhas (Vulpes vulpes), mesmo essência de um pássaro é aquilo que nos permite diferen-
pertencendo a mesma Família dos lobos, a Família Cani- ciá-lo de todo o restante da natureza e das demais formas
dae, deram origem a uma raça metamórfica completa- de vida – quanto a idealização e os simbolismos que a hu-
mente distinta. Na verdade, mesmo coiotes (Canis latrans), manidade relaciona a eles – no caso de nosso espírito pás-
que compartilham com os lobos um mesmo gênero bioló- saro, a liberdade do voo, a necessidade de proteção do ni-
gico, o Gênero Canis, não são capazes de produzir Garou. nho, a altivez de quem é capaz de singrar os céus. Assim,
No lugar disso, os coiotes deram origem aos Nuwisha, uma em Lobisomem, espíritos são essência e simbolismo conju-
outra raça metamórfica. gados. E é isso que precisamos considerar ao definir a com-
Qual a explicação do jogo para diferenças tão brutais? patibilidade espiritual entre espécies animais e raças meta-
Afinal de contas o que define que animais podem ou não mórficas.
servir como Parentes Selvagens de uma raça metamórfica? É assim que emerge a coerência daquilo que é solida-
Acreditamos que outro trecho de um suplemento do mente estabelecido no cânone do jogo e as incoerências
W20, o Changing Breeds, intitulado “Espíritos versos Ci- que algumas vezes surgem, mesmo em livros oficiais.
entistas”, pode ajudar a esclarecer esse ponto: Do ponto de vista do jogo, o que parece explicar a im-
pressionante diversidade de Parentes Selvagens Mokolé é
a abrangência da “essência espiritual” da raça dos répteis-
“Até hoje, javalis vagam pela terra. No entanto, en-
metamorfos, os Mokolé representam os grandes e mais an-
quanto os cientistas humanos podem chamar os animais
tigos predadores que reinaram na Face de Gaia por mais
de hoje pelo mesmo nome, os espíritos não prestam atenção
tempo do que qualquer um, representam a perseverança e
às proclamações da ciência. Sua taxonomia pode ser simi-
a perenidade ameaçada apenas pela proximidade do Apo-
lar, mas espiritualmente falando, o Incarna Javali, Pai
calipse. Por isso a Mnese, por isso são os guardiões da Me-
dos Grondr, e os espíritos dos porcos domesticados ou ja-
mória de Gaia. E por isso são compatíveis com os maiores
valis de hoje são mundos à parte.
repteis predadores (seus respectivos habitats) por todo o
Assim como até mesmo os Roedores de Ossos não con- Mundo. Afinal, os répteis são a mais antiga e perene Classe
seguiriam manter sua Tribo viva com cães-Parentes, os de animais terrestres.
Grondr não conseguiriam encontrar Parentes entre os ja-
É isso que também explica a compatibilidade dos Garou
valis que sobrevivem hoje. Seu espírito é diferente, mesmo
com tilacinos e mabecos e sua incompatibilidade com ra-
que sua genética deva alguma herança as antigas criatu-
ras que um dia foram Parentes Grondr”. (W20 – Chan- posas e coiotes. Os Garou do jogo são os soldados do exér-
ging Breed, Pg. 228). cito de Gaia, predadores sociais com um forte senso de hi-
erarquia e capazes de abater presas muito maiores do que
eles mesmos, esta é a própria essência dos lobos, mas é tam-
Ou seja, acima de qualquer questão genética, a mera do- bém a essência de tilacinos e mabecos e está longe de ser a
mesticação e “contaminação” dos javalis modernos pelo essência de onívoros solitários e oportunistas como as ra-
fato destes terem se miscigenados por porcos domésticos, posas e os coiotes.
os tornou espiritualmente incompatíveis com os Grondr, Ainda assim, alguém poderia questionar: Mas e leões e
eles simplesmente deixaram de ser considerados selvagens hienas? Porque esses animais pertencem ao escopo de ou-
suficiente para imbuir espiritualmente filhotes metamor- tras raças metamórficas, Bastet e Ajaba respectivamente, se
fos. também podem ser considerados “predadores sociais com
Assim, a “compatibilidade espiritual” seria o critério que um forte senso de hierarquia e capazes de abater presas
define a viabilidade ou não de uma espécie animal servir muito maiores do que eles mesmos”?

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Essa questão, de certa forma, já foi respondida. Pois a Habitat: espécie distribuída ao longo do altiplano an-
compatibilidade espiritual é definida não apenas pela es- dino, do Peru até as regiões ao sul da Patagônia e de Terra
sência, mas também pelo simbolismo. No simbolismo es- do Fogo, no Chile.
tabelecido pelo jogo, os Garou estão relacionados aos pre-
Dimensões: porte médio, comprimento total pode va-
dadores que se destacam pela ferocidade; já os Bastet, ao
riar de 90 a 165 cm, incluindo a cauda comprida e espessa,
estilo de predação inerente aos felinos, que tendem a uma
postura solitária, onde se privilegia espreitar a presa, ob- que sozinha tem entre de 30 a 51 cm de comprimento.
servá-la para uma aproximação furtiva, por isso são os espi- Também pode atingir mais de 11 Kg de peso.
ões e batedores, os “Olhos de Gaia”; e os Ajaba, como as Comportamento: Um predador oportunista, se ali-
hienas estão relacionados à atividade dos carniceiros e a menta de toda a sorte de presas. Mas sua dieta consiste,
uma divisão hierárquica muito mais centrada na divisão principalmente, de roedores, coelhos, aves e lagartos. Em
sexual e na dominação das fêmeas sobre os machos, daí a menor grau de plantas e carniça. Seus hábitos são notur-
relação que as primeiras edições de Lobisomemfaziam en- nos e solitários.
tre os homens-hiena (originalmente apresentados como
uma tribo Bastet) e a Wyrm, mais tarde, com os indícios
biológicos revelando a preponderância de seu papel preda-
tório em detrimento de sua alardeada fama como carnicei-
ros, as referências a suposta mácula dos Ajaba foi desapa- Distância genética dos lobos: bem distantes de lobos,
recendo ao longo das edições de Lobisomem, assim como nem sequer compartilham o mesmo gênero.
sua relação com os Bastet foi sendo abandonada para pri- Habitat: É naturalmente encontrado espalhada da Co-
vilegiar uma proximidade cada vez maior com o papel dos
lômbia até a Bolívia e do Equador até o Brasil, passando
Garou, nas edições mais recentes.
pelo Peru, sempre em ambiente florestal.
Analisemos agora os principais candidatos a Parentes
Dimensões: porte médio, mede aproximadamente 25
Selvagens dos Garou na América do Sul, visando avaliar
cm de altura e entre 42 a 100 cm de comprimento, pe-
sua “compatibilidade espiritual” com os trágicos soldados
de Gaia: sando aproximadamente 10 kg quando adulto. Sua cauda
comprida possui 30 cm.
Comportamento: Possui hábitos solitários, só procura
um parceiro na época do acasalamento. O macho é dotado
de uma glândula anal que produz uma secreção com cheiro
forte que utilizada para marcar seu território. Incapaz de
latir ou uivar.
Distância genética dos lobos: bem distantes de lobos,
nem sequer compartilham o mesmo gênero.
Habitat: ocorre no cerrado e pantanal do Brasil, Para- Distância genética dos lobos: bem distantes de lobos,
guai, Argentina, Bolívia e Uruguai. nem sequer compartilham o mesmo gênero.
Dimensões: maior canídeo nativo da América do Sul, Habitat: amplamente distribuído pela América do Sul,
podendo atingir entre 20 e 30 kg de peso e até 90 cm na ocorrem em savanas (cerrados), florestas subtropicais, flo-
altura da cernelha e 1,15m de comprimento. restas espinhosas de cactos, matas arbustivas e caatinga.
Comportamento: Solitário, onívoro e de hábitos crepus- Dimensões: pequeno porte. Medem cerca de 65 cm de
culares, é o maior canídeo nativo da América do Sul, 70% comprimento e pesam entre 5Kg a 8Kg.
de sua dieta é constituída de frutos do cerrado, onde cum-
pre um papel fundamental como dispersor de sementes. Comportamento: animais solitários que formam pares
Emite vocalizações características semelhantes a latidos, monogâmicos durante a estação de reprodução. Noctíva-
mas parecem incapazes de uivar. gos, onívoros e oportunistas, e sua dieta consiste de frutas,
ovos, artrópodes, répteis, pequenos mamíferos e carcaças
de animais mortos. Comunicam-se por latidos e são capa-
Distância genética dos lobos: bem distantes de lobos, zes de uivar.
nem sequer compartilham o mesmo gênero.

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natais, é mais conhecido como zorro culpeo (raposa cul-
peo, ou simplesmente, cupeo), o que expõem a aparente
Distância genética dos lobos: bem distantes de lobos, incoerência das afirmações presentes em livros oficiais já
nem sequer compartilham o mesmo gênero. citados. Talvez um dos muitos autores do jogo não tenha
Habitat: florestas e pantanais entre o Panamá e o norte pesquisado o suficiente sobre biologia e achou uma boa
da Argentina. ideia elencar como Parentes Garou um animal que em in-
glês é conhecido como Andean Wolf.
Dimensões: pequeno porte, 30 centímetros de altura, 60
de comprimento e 5 a 7 kg de peso. Tudo que o jogo estabelece de forma mais sólida apon-
Comportamento: estritamente carnívoros, de hábitos taria que os lobos guará e lobos andinos seriam mais facil-
diurnos e semiaquáticos, são gregário, vivem e caçam em mente Parentes Kitsune e Nuwisha do que Parentes Ga-
bandos de até dez indivíduos e podem abater presas de rou, contudo, pelo aspecto simbólico, o próprio jogo esta-
grande porte como antas e capivaras. A estrutura social dos belece restrições geográficas para a ocorrência dessas raças
grupos é fortemente hierarquizada, tal como nos lobos-cin- Metamórficas: Kitsune surgem apenas no Oriente, onde a
zentos e os membros do grupo comunicam entre si através cultura dos povos locais atribui um forte simbolismo espi-
de latidos, mas são incapazes de uivar. ritual às raposas; e os Nuwisha surgem apenas na América
do Norte, onde a cultura dos povos nativos reverencia o
Coiote como o trapaceiro quintessencial.
O único de nossos candidatos que parece se enquadras
no perfil necessário é justamente o mais exótico deles, o
Embora, a proximidade genética dos lobos cinzentos cachorro-vinagre, mesmo assim, há a questão de ser uma
(Canis lupus), a rigor nãos seja um entrave absoluto para a criatura semiaquática, ao ponto de terem evoluído para
viabilidade como Parente Garou, como já vimos, é impor- apresentarem membranas interdigitais, o que provavel-
tante observar que o distanciamento genético trás compli- mente seria uma característica relevante o suficiente para
cadores para a reprodução, mesmo entre Metamorfos de torná-lo distante demais da essência espiritual Garou.
uma mesma Raça Metamórfica que se relacionam com di- O que nos leva a concluir que não há, em toda a América
ferentes espécies. do Sul, animais selvagens que sirvam como Parentes Selva-
Uma “lupina” Bunyip não poderia se acasalar com um gens compatíveis com os Garou. Essa constatação, con-
lobo cinzento, mesmo sendo Garou, sem recorrer a pode- tudo, não inviabiliza a presença dos Lobisomens, apenas a
rosos dons ou rituais. restringe, estabelecendo uma atuação muito mais comum
de Hominídeos e Impuros e mantendo a coerência com o
Contudo, consideramos que os elementos mais básicos
que é estabelecido no cânone do jogo sobre a América do
para designar Parentes espiritualmente compatíveis com os
Sul ser um domínio dos Fera, hostil a presença Garou.
Garou são: 1. Ser estritamente carnívoro; 2. Ter um com-
Ainda assim, fica aberta a possibilidade da presença de Lu-
portamento nato inerentemente social e hierarquizado.
pinos vindos de outras regiões do mundo, como a África,
Mesmo lobos andinos e lobos guará, deste ponto de Europa e América do Norte, talvez, até mesmo, trazendo
vista, como onívoros tímidos e solitários, estão muito mais consigo seus próprios Parentes Selvagens ameaçados, que
próximos de chacais, coiotes e raposas, do que do compor- encontrariam em algumas das regiões mais isoladas e me-
tamento de predadores do topo da cadeia como os lobos, nos conhecidas do planeta, como o altiplano andino, con-
na verdade, nem, apesar do nome, não são lobos verdadei- dições de vida bastante familiares.
ros. Para sermos precisos, o “lobo” andino, em seus países

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do norte e as planícies, os Croatan moveram-se para a
costa oriental e pântanos do sul e os Uktena moveram-se
ao longo da costa ocidental e dos desertos.
Quando as outras tribos se estabeleceram, contentes
em suas novas terras, apenas os Uktena continuaram se
movendo, estimulados por sua curiosidade. Nos últimos
Já estabelecemos no artigo anterior que não há lobos anos, os Uktena finalmente chegaram à Amazônia. Ne-
nem qualquer animal nativo que possa servir como Pa- nhum deles permaneceu por muito tempo. Enquanto as
rente para a reprodução Garou na América do Sul, embora selvas eram imponentes e impressionantes, elas simples-
o suplemento oficial World of Rage indique raposas andi- mente não eram o que esses lobos queriam. Muitos retor-
nas como possíveis Parentes Garou. naram do jeito que vieram, de volta à América Central.
Este fato, porém, não significa que não possamos falar Eles deixaram para trás sementes: os Parentes dos Puros.
de Garou nativos da região. Sobre essa questão, referindo- Os Parentes amavam estas novas terras e não quiseram
se particularmente a presença Uktena, que remonta ao pe- deixá-las.
ríodo anterior à colonização europeia, de uma maneira (...)
que nos parece bastante acertada, o Suplemento Rage
Ao longo dos anos, a tribo se enfraqueceu devido ao
Across The Amazon estabelece:
seu sangue restrito. Não haviam lobos para criar e reforçar
sua linhagem. A Amazônia era um lugar puro, uma terra
“Quando os Puros chegaram pela ponte terrestre do de Gaia, e esses lobisomens ainda descobriram maneiras
Estreito de Bering, eles rapidamente se espalharam pelo de viver como um só com a terra. Eles prosperaram, mesmo
continente. Os Garou os observaram enquanto eles parti- como seu legado, e nunca perderam a habilidade de andar
ram. Os Wendigo mantiveram principalmente as regiões

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com duas peles.” (Rage Across The Amazon, Pg 13- "Os Garou não usam a forma Lupina mais frequente-
14). mente porque ela causa agitação nos seres humanos em volta,
é inadequada para comunicação de ideias complexas, e sim-
plesmente faltam as mãos. Lupinos tendem a gostar de passar
Ou seja, através de Parentes hominídeos, os Garou se o tempo em sua forma de nascimento sempre que for possível
perpetuaram na região, mesmo antes da colonização euro- e conveniente fazê-lo, mas na maioria das vezes, outros lobiso-
peia. Outro suplemento bem mais recente, o World of mens usam a pele do lobo principalmente para coleta de in-
Rage, deixa as coisas ainda mais claras: formações." (W20 - Changing Ways, Pg 21).

“Com algumas exceções, a América do Sul não possui Há muitos riscos envolvidos em se importar lobos para
Garou nativos. No entanto, devido ao estado perturbador a América do Sul, isso sem levar em consideração os Fera
da Amazônia, praticamente todas as tribos Garou têm re- que já reclamam esses territórios. Alguns poderiam alegar
presentação no continente ao Sul das Terras Puras” que a rapidez com a qual lobos se reproduzem, poderia ser
(World of Rage). um atrativo para essa empreitada, afinal, uma única ni-
nhada traz vários filhotes e multiplica as chances do nasci-
mento de um Garou, não é mesmo? Não, infelizmente,
Este quadro inclui os Garras Vermelhas, como reinte-
não. Lobas naturalmente têm um único cio por ano e, mais
ram o próprio World of Rage e o Livro Revisado da Tribo,
uma vez, o Changing Ways, nos informa:
ambos suplementos da terceira edição, ao citarem a exis-
tência de uma possível “Seita Chilena” na região, portanto,
não só há Garou por aqui, como também há Garou de "Raramente uma ninhada produzirá mais de um lu-
origem Lupina! pino. O fenômeno só tende a acontecer quando um Garou
Eles certamente são bem raros e é mais razoável imaginar se acasala com Parentes. Lupinos irmãos são companhei-
que os Garras tenham trazido consigo seus Parentes selva- ros para toda a vida." (W20 - Changing Ways, Pg 78).
gens para a América do Sul do que imaginar os Garou se
reproduzindo com raposas. Afinal, os nativos, sem convi-
vência com lobos verdadeiros, os descreveriam como rapo- Uma alternativa tão desesperada quanto desonrosa seria
sas andinas especialmente grandes, pois este é o animal o cativeiro, sobre esse tema o suplemento já citado escla-
mais próximo de lobos com o qual estão familiarizados. Os rece:
altiplanos andinos no extremo Sul nos parecem suficiente-
mente desabitados e próximos do clima das tundras norte-
“O cativeiro faz coisas estranhas a qualquer animal;
americanas para tornar crível esse quadro.
o lobo não é exceção. Lobos em cativeiro falam e agem de
No Brasil a coisa poderia ser bem diferente, matas fecha- forma diferente. Eles usam mais linguagem verbal do que
das e extremamente úmidas estão longe de ser um ambi- seus parentes selvagens, e a estrutura de suas alcateias
ente acolhedor para lobos verdadeiros, quem sabe o cer- tende a ser rígida, em vez de fluida. Um alfa é muito in-
rado, as savanas sul-americanas? Para condições como as sistente em ser alfa, mesmo que outro fizesse um trabalho
nossas, com um clima tão diferente daquele aos quais estão melhor. A alcateia pode ser principalmente familiar, mas
acostumados os lobos norte-americanos, seria melhor pen- o par reprodutor não enfrenta potenciais adversários. Eles
sar em lobos das savanas africanas como o lobo etíope ou não temem um novo lobo, macho ou fêmea, vagando pela
o lobo dourado africano, quem sabe até mesmo os mabe- alcateia, mas também, não há lobos para afastar a menos
cos da linhagem Garra Vermelha dos Kucha Ekundu, ou que os captores humanos os separem. Talvez as cercas en-
os lobos mexicanos, adaptado ao calor e as condições inós- dureçam a hierarquia. Os seres humanos forçam as alca-
pitas dos desertos ao sul da América do Norte. teias a permanecerem estáticas e o alfa precisa manter seu
De qualquer forma, lobos são algo bastante atípico por domínio para manter o controle.
essas bandas e Garou lupinos tendem a permanecer o má- Com pouco espaço para correr e sem necessidade de
ximo possível em sua forma natural, lobos chamam aten- caçar, é fácil pensar que lobos cativos são incapazes e que
ção. Como, aliás, ressalta um recente suplemento do W20: qualquer lupino nascido de suas fileiras será igualmente
assim. Quem pensa assim está errado. Enquanto alguns
lobos podem ser instintivamente atrofiados, lobos cativos
retêm muito de suas capacidades para caçar e matar. O

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que eles perderam é a sua compreensão do selvagem. Lobos Muitos lupinos em cativeiro acabam com os Andari-
em cativeiro podem abater presas descontroladamente, lhos do Asfalto ou os Roedores de Ossos. As duas tribos
matando muito mais do que qualquer alcateia selvagem oferecem-lhes o que eles entendem: uma vida entre os hu-
seria. Nunca antes precisaram se conter. Nunca antes ti- manos, com aromas, visões e sons familiares. Garras Ver-
veram que analisar suas opções em relação às presas. O melhas que procuram libertar seus parentes cativos muitas
cativo só precisa dar vazão a seus impulsos. vezes se veem confusos e com raiva por encontrarem lobos
Mas ainda assim, os cativos não perdem sua conexão que, aos olhos deles, não agem como lobos. A mácula da
com os espíritos. Lupinos nascidos em cativeiro entendem Weaver permanece sobre eles.
a Weaver, o pulso da cidade, os métodos dos seres huma- Ainda assim, lobos cativos expostos à natureza podem
nos, e as coisas estranhas que os humanos usam melhor florescer, mesmo que tenham vivido toda a sua vida dentro
do que qualquer nascido selvagem. Colares de rádio, en- de uma cerca. Eles vão aprender a caçar, eles vão encon-
contrados em muitos lobos, atraem servos da Weaver. Os trar tocas, e a natureza ira recebê-los de volta ao ciclo. Vai
servos, por sua vez, ficam de olho nos lupinos. Quando o levar tempo, mas a alcateia perderá lentamente sua rigi-
lupino começa a se abrir para seus sentidos espirituais, ele dez, voltando para o fluxo dinâmico da Wyld.” (W20 -
os vê e chega a conhecê-los e até começa a aceitá-los. Changing Ways, Pg 82-83).

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costumam ser reconhecidos como as criaturas mais razoá-
veis e cooperativas da face de Gaia, e talvez isso ajude a
explicar a situação desesperadora de sua Guerra contra as
forças da Wyrm.
Ainda assim, um filhote que se descobre Garou no Bra-
A herança Garou no Brasil é transmitida hegemonica- sil, membro de uma linhagem que vive nessas terras há in-
mente através de hominídeos, não que essa seja uma carac- contáveis gerações teria algumas fontes ancestrais para ex-
terística exclusiva dessas terras, mas digamos que os lupi- primir sua aparência na forma lupina, algo bem diferente
nos são provavelmente mais raros por aqui do que em daquelas mais comuns nos EUA ou Europa, que consti-
qualquer outro continente do planeta, uma vez que, até na tuem o que costuma ser encarado como o padrão para a
Oceania eles têm os dingos para se reproduzirem. Nação Garou.
A questão sobre o quão realmente “nativo” pode ser con- Vejamos agora possíveis fontes de sua herança lupina an-
siderado qualquer Garou é tema de muita controvérsia. cestral, que certamente se refletiria em sua aparência ao
Um Garou que tenha nascido no Brasil, costuma conside- assumir formas não-humanas para um observador atento
rar a si mesmo um Garou nativo, o que é um tema poten- com algum conhecimento sobre as subespécies de lobo ao
cial para tensões com os Garou de origem estrageira que redor do mundo. Essas informações podem ser úteis para
reclamam territórios ou posições de comando nessas ter- enriquecer descrições de personagem e ajudar jogadores re-
ras, mas para metamorfos nativos como os mais rancorosos almente atentos aos menores detalhes a tentar indicar ori-
Balam ou Mokolé, qualquer Garou, nascido ou não por gem, por vezes desconhecidas, e prováveis antecedentes tri-
aqui, poderá sempre ser encarado como um estrangeiro e bais de personagens-jogadores ou NPCs, oferecendo uma
usurpador. Infelizmente, tanto os Garou como os Fera não

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nova dimensão para ser explorada em suas narrativas, so-
bretudo quando se leva em consideração o caldeirão de
imigrantes e miscigenação racial que é o Brasil: Canídeo nativo do norte da África, ocorrendo do Sene-
gal ao Egito, adaptado ao deserto, mas comum em áreas de
planícies e estepe, sendo visto também nas montanhas da
Uma subespécie de lobo cinzento nativa do México, Ari- cordilheira do Atlas, provando-se tanto um predador efici-
zona, Texas e Novo México, embora seu alcance já tenha ente, quanto um necrófago oportunista. Possui um tama-
incluído o sudeste dos Estados Unidos, descendentes dire- nho intermediário entre os chacais e as menores subespé-
tos dos primeiros lobos a colonizar a América do Norte. É cies de lobos cinzentos, pesando entre 7 e 15 kg e medindo
o menor dos lobos cinzentos da América, podendo atingir cerca de 40 cm de altura, seu focinho é relativamente
um comprimento não superior a 135 cm e uma altura má- longo e suas orelhas compridas, enquanto a cauda é com-
xima de aproximadamente 80 cm, pode pesar de 27 kg a parativamente curta. A cor da pelagem varia de forma in-
35 kg, sendo reconhecidos por seu tamanho reduzido, crâ- dividual, sazonal e geográfica, embora a coloração típica
nio estreito e pelagem castanho-acinzentada. Embora te- varie do amarelado ao cinza prateado, com manchas pretas
nha sido cultuado na forma do deus asteca Xolotl, relacio- na cauda e nos ombros e marcas brancas no pescoço, ab-
nado à morte, à guerra e ao Sol, é a sub-espécie de lobo dômen e face. Até muito recentemente foi considerado
cinzento mais ameaçada da América do Norte. Segundo uma variante do chacal, mas, em 2015, uma série de análi-
analise genética, possui, eventualmente, traços de hibridi- ses genéticas comprovaram que se trata de uma espécie dis-
zação com coiotes (Canis latrans) e lobos vermelhos (Canis tinta, mais relacionada aos lobos cinzentos e coiotes, no
entanto, ainda suficientemente próxima ao chacal dou-
lupus rufus). Certamente associado aos Uktena ou aos Ga-
rado para produzir descendentes híbridos férteis. Ele de-
rou de ascendência ameríndia.
sempenha um papel proeminente em algumas culturas
africanas, no Magrebe e no folclore egípcio, é visto como
um animal pouco confiável cujas partes do corpo podem
Uma subespécie do lobo-cinzento que ocorre exclusiva-
ser usadas com fins medicinais ou rituais, enquanto é con-
mente na Península Ibérica. Outrora muito abundante,
siderado altamente estimado na religião Serer do Senegal
sua população atual foi reduzida a algumas centenas de in-
como sendo a primeira criatura a ser criada pelo deus
dividuos distribuidos pela Galiza, Astúrias, Cantábria e
Roog, além de, como o chacal, ser associado ao antigo deus
País Basco, além do norte de Portugal. Ligeiramente me-
egípcio, Anúbis. Obviamente relacionado aos Peregrinos
nores e mais esguio do que as outras subespécies de lobo-
Silenciosos e a descendentes de escravos oriundos do no-
cinzento europeias, os lobos-ibéricos podem chegar a 160
roeste africano, minoria entre os negros escravizados no
cm de comprimento, 70 cm de altura e pesar até 45 kg. A
Brasil, conhecidos como malês, com uma presença muito
cabeça é grande e maciça, com orelhas triangulares relati-
marcante em estados como Bahia e Pernambuco.
vamente pequenas e olhos oblíquos de cor amarelada. O
focinho tem uma área clara, de cor branco-sujo, ao redor
da boca. A pelagem é de coloração heterogênea, que vai do
castanho amarelado ao acinzentado mesclado ao negro,
particularmente sobre o dorso. Na parte anterior das patas
dianteiras possuem uma característica faixa longitudinal.
Associado aos Senhores das Sombras, Fianna e Presas de
Prata de origem Portuguesa ou Espanhola e Garou associ-
ados à ancestrais ligados aos colonizadores ibéricos.

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Ao nos propor a produzir material autoral, visando uma
possível publicação em plataformas como o Storytellers
Vault, somos muito menos livres do que seríamos como
Panejar um cenário, sobretudo quando você deseja pu- narradores, mas essas limitações nos desafiam a sermos
blicá-lo para outros grupos e jogadores, é bem diferente de ainda mais esforçados e criativos, sugerindo cenários den-
narrar uma crônica. Quando narramos precisamos de li- tro do escopo já estabelecido nos livros oficiais e, na me-
berdade para apresentar aos jogadores nossa própria visão dida do possível, também com alguma pretensão, tentando
do jogo e conduzir a crônica como você e seu grupo ache- corrigir aparentes incoerências que, vez por outra, surgem
rem melhor e mais divertido. Os jogadores, em tese, co- no material oficial. Dito isso...
nhecem seu narrador ou pelo menos aceitaram se subme- Em LoA, fica bem estabelecido, não dá para pensar as
ter a sua certa autoridade durante a sessão de jogo.
coisas em termos de cidades, no mínimo devemos trata-las
Porém, quando se tem a ambição de se escrever um ce- em termos de estados, ou regiões geográficas ainda mais
nário, você está se dirigindo a um público que não está lá abrangentes. Motivo pelo qual, cenários como "Rage
necessariamente por você e sua visão de jogo, eles em geral Across NY", são exceções entre títulos oficiais.
não o conhecem, o público vem em busca do universo es- Cenários de lobisomem costumam ser abrangentes e
tabelecido nos livros oficiais com os quais eles já costumam abarcam grandes porções geográficas pela própria natureza
estar familiarizados, então, buscam por algo familiar e coe- e mobilidade dos Metamorfos no jogo. São os "By Nights"
rente com o que já foi estabelecido nos materiais oficiais e, de Vampiro que, em linhas gerais, se restringem aos limites
de maneira geral, tendem a repudiar o que se desvia dra- de uma cidade ou região metropolitana, em Lobisomem
maticamente dessa expectativa. Afinal, estamos falando de costumamos tratar de grades regiões geográficas ou um-
Lobisomem, você, obviamente, é livre para tentar desen- brais (Rage Across The Amazon e Rage Across the Hea-
volver outro jogo. vens) ou até de países inteiros (Rage Across Australia, Rage

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Across Rússia, Rage Across Egypt). O que nos faz crer que presença Garou muito maior, é possível conceber a pre-
o melhor é focarmos no mínimo em estados ao abordar sença de caerns menores, de nível 1 ou 2, o que potencial-
um cenário nacional para lobisomem. mente aumentaria seu número e distribuição, mas no
Na Amazônia, por exemplo, nem sequer trataríamos de Norte do país, em geral, um Caern precisaria ser relativa-
recortes estaduais, mais pensaríamos o cenário regional de mente grande e poderoso para manter uma seita capaz de
conjunto com base no Metaplot da Guerra na Amazônia, resistir ao assédio de metamorfos hostis e das forças da
que, com razão, é o plot central em todos os livros oficiais Wyrm.
do jogo que abordam a América do Sul, ainda que a forma Caerns em áreas urbanas são exceção. A maioria deles
como esse plot é tratado no material oficial possa e deva ficariam em regiões rurais ou selvagens. Mas os jogadores
ser questionado. em geral, e muitos narradores também, tendem a inverter
Um caern no Rio de Janeiro, por exemplo, seria o único essas coisas. Todos querem colocar qualquer areazinha
ou, talvez, um dos dois únicos caerns Garou em todo o verde no centro de sua própria cidade como um Caern. Se
Estado. Vampiros estão atados às cidades pela necessidade para isso se lança mão da Regra de Ouro, ok. Mas isso não
frequente de presas humanas e, na maioria dos casos, res- é muito coerente com o que o jogo estabelece em seus li-
tritos a elas pelas dificuldades de locomoção, afinal, nor- vros. Ok, vamos deixar de lado só por um minuto o famoso
malmente é muito ariscado para eles viajar durante o dia caern da Seita Verde no Central Parque, pode ser?
sem chamar atenção e riscos inoportunos. Em uma região como o Brasil, onde, segundo a lore do
Lobisomens, entretanto, não têm essas preocupações, a jogo, as áreas selvagens são dominadas por metamorfos
maioria prefere evitar grandes concentrações humanas e hostis, os Garou tendem a ficar acuados nas áreas rurais e
tendem a se movimentam bastante, cobrindo centenas de periféricas, entre os sanguessugas que dominam as cidades
quilômetros apenas correndo em suas formas lupinas ou e os Feras que são os senhores das regiões selvagens por
mesmo viajando por pontes da lua ou percorrendo atalhos. aqui. Quando se tem uma perspectiva nacional, do quadro
geral, é importante balancear as coisas. Quantos dos caerns
Não faz sentido com o que o jogo estabelece, criar um do Brasil seriam urbanos? Quantos seriam rurais? E quan-
caern em cada cidade onde há presença Garou. Caerns são tos estão realmente encravados em regiões selvagens?
raros e uma seita pode cobrir centenas ou até milhares de
quilômetros quadrados. Afinal, o território que uma seita Em estados como São Paulo ou Rio de Janeiro, com uma
pode reivindicar está muito além das divisas de um Caern, concentração demográfica bem acima da média nacional,
o caern é como uma casa e poucos Garou estariam dispos- um Caern de nível 3 ou 4 poderia influenciar diretamente
tos a abrir mão de um amplo quintal. mais de uma dezena de municípios, além de, obviamente,
influenciar indireta, mas decisivamente, todo o cenário
Novamente, uma seita que reclama um Caern em Nite- sul-americano.
rói-RJ, por exemplo, pode contar com Matilhas que surgi-
ram e seguem atuando em diversas cidades de todo o es- Qualquer totem de matilha com um encanto de ponte
tado do Rio de Janeiro, e até contar com alguns membros espiritual é capaz de transportar um grupo inteiro de Ga-
oriundos de outros estados ou países. Essas matilhas ape- rou por uma distância de até 620 km em um intervalo de
nas se encontrariam ocasionalmente no Caern durante tempo razoavelmente curto e sem necessidade de caerns
uma Assembleia ou se revezariam guardando suas divisas. em qualquer dos dois extremos da ponte!
É assim que as coisas nos parecem funcionar em LoA. Em apenas 24 horas um lobo cinzento real pode percor-
Sim, o jogo deixa claro que há muitos locais propícios e rer 200 km sem maiores dificuldades! Duzentos quilôme-
caerns abandonados na América do Sul, o problema é a tros em um dia nem chega a ser uma marca tão impressio-
dificuldade de reunir Garou suficientes para o sucesso do nante assim quando se para para pensar que mesmo um
ritual de criação, e depois disso, manter guerreiros sufici- reles maratonista humano consegue corre 40 km em ape-
entes para resistir ao assédio da Wyrm e de raças metamor- nas duas horas. Porém, essa distância é significativamente
ficas hostis. Mesmo aqui, caerns são raros e valiosos. maior do que aquela registrada em linha reta, entre Nite-
rói, no Rio de Janeiro, e Juiz de Fora, em Minas Gerais,
No Sudeste, onde presumidamente a presença de meta- por exemplo.
morfos nativos deve ser consideravelmente menor, tendo
em vista a degradação dos ecossistemas e a raridade de ani- Trace um raio de 620 km do centro do seu Caern e terá
mais nativos, embora a altíssima densidade de populações uma boa ideia do tamanho da área que uma seita pode
humanas e o intenso fluxo imigratório justifiquem uma influenciar diretamente. Todo o estado do Rio de Janeiro,
por exemplo, tem apenas 70 km de leste a oeste e só 44 km

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de norte à Sul! A distância em linha reta entre Rio e São se aterem a questões arbitrarias decididas por humanos,
Paulo é de “meros” 361,15 km, entre Rio e BH é de 341,26 mas serras e rios profundos ou caudalosos seriam capazes
km, entre a cidade do Rio e Vitória é de 415,95 km. Com de impor fronteiras naturais muito mais claras, familiares
uma mera ponte espiritual conjurada por um totem de ma- e efetivas mesmo aos mais obtusos Garou. Quarenta qui-
tilha, os Garou da uma Seita em Niterói pode estar em lômetros de tundra ou planície são muito diferentes de
poucas horas em Paranaguá, no Paraná, ou em Conceição quarenta quilômetros através de montanhas ou desertos,
da Barra, na fronteira entre o Espírito Santo e a Bahia. tanto por exigirem grandes desvios para serem contorna-
Mais do que isso, qualquer membro de nossa hipotética dos, quanto pela dificuldade do terreno e escassez de re-
seita fluminense, correndo em sua forma lupina, pelo cursos para sobrevivência. Ainda assim, se o explorador é
mundo físico mesmo, em menos de um dia poderia chegar um Garou, ainda é necessário considerar a possibilidade
a Barbacena, Angra dos Reis ou Volta Redonda. Na ver- de lançar mãos de pontes espirituais para cruzar mesmo
dade, daria para chegar à Juiz de Fora em um só dia cor- esse tipo de terreno.
rendo com tranquilidade na forma lupina a partir de Nite- Jogadores e narradores, naturalmente tendem a pensar
rói! Entende o quanto isso muda a nossa perspectiva hu- em uma perspectiva de quem dificilmente deixa os limites
mana de espaço? de sua própria cidade. Não costumamos parar para pensar
Outro aspecto importante a considerar é que os Garou a fundo sobre essas questões de distâncias e de como a
não têm nenhuma razão para observar as fronteiras arbi- perspectiva Garou sobre distâncias e territórios pode ser
trárias traçadas pelos humanos. Nos limites entre municí- diferente sob o ponto de vista de meros humanos. O senso
pios, estados ou países não há uma linha formalmente tra- comum é muito mais próximo de uma perspectiva de Vam-
çada, e mesmo que houvesse, porque um Garou se impor- piro: A Máscara, onde a nossas existências se passam den-
taria com ela? tro dos limites de uma cidade e viagens são acontecimentos
extraordinários.
Assim, uma única Seita fluminense poderia influenciar
diretamente não apenas todo o território do Estado do Rio Nossa própria percepção, diferente daquela dos lobos,
de Janeiro, como atuar cotidianamente em territórios de que possuem territórios inadvertidamente vastos e estão
estados vizinhos, o que potencialmente poderia gerar con- habituados a perseguir presas por centenas de quilômetros,
flitos com outros Garou que por hábito ou conveniência é muito limitada. E é ainda mais limitada quando compa-
assimilaram demais o conceito humano de fronteiras polí- rada com a de seres capazes de transpor enormes distancias
ticas, o que poderia proporcionar ganchos para ótimas his- através da Umbra em Pontes da Lua ou Pontes Espirituais.
tórias. Não poderia ser diferente.

Obviamente, quilometragem é algo muito relativo. A in-


fluência política de seitas realmente não tem motivo para

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