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AULA 2

4 O Princípio da Casa dos Pombos 143


4.1 Primeiros Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145

4.2 Uma Versão mais Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146

4.3 Aplicações na Teoria dos Números . . . . . . . . . . . . 149

4.4 Aplicações Geométricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151

4.5 Miscelânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

4.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157


4
O Princípio da Casa dos
Pombos

Uma vez um matemáti o me falou que o verdadeiro prazer não está

em a har a verdade, mas em pro urar por ela.

Leo Tolstoy

Um interessante instrumento elementar para tratar problemas mate-

máticos relacionados à existência de elementos de conjuntos validando

certas exigências é o chamado princípio de Dirichlet , também conhe-


cido como princípio da casa dos pombos (PCP) . Este princípio foi
usado por Dirichlet (1805-1859) para resolver problemas na Teoria

dos Números, entretanto ele possui um grande número de aplicações

em diversos ramos da Matemática como Combinatória e Geometria.

A seguir enunciamos a versão mais simples do PCP.

Proposição 4.1 (PCP  Versão Simples) . Se distribuímos N + 1


pombos em N casas, então alguma das casas contém dois ou mais
pombos.

143
144 4 O Princípio da Casa dos Pombos

P1 P2 ········· PN
C1 C2 CN

PN +1

Figura 4.1: Em cada casa Cj , 1 ≤ j ≤ N , coloca-se um único pombo,

denotado por Pj . O pombo restante, denotado por PN +1 , deve ir para

alguma das casas, juntando-se ao que já se encontrava contido nela

Demonstração. A prova deste princípio é muito fácil e decorre de fa-

zer uma simples contagem dos pombos contidos em todas as casas de-

pois de distribuídos. Com efeito, suponhamos pelo contrário que em

cada casa não existe mais do que um pombo, então contando todos

os pombos contidos nas N casas não teremos mais do que N pombos,

contradizendo isto a hipóteses de termos N +1 pombos distribuídos

nas N casas (ver Figura 4.1).

Não é difícil detectar quando o princípio pode ser usado, mas a

principal diculdade para aplicá-lo reside em identicar, em cada pro-

blema, quem faz papel de pombos e quem faz papel de casas.

Nas seguintes seções discutiremos vários exemplos de diferentes

naturezas onde o princípio da casa dos pombos é aplicado com sucesso.


4.1 Primeiros Exemplos 145

4.1 Primeiros Exemplos

Exemplo 4.2. Numa oresta crescem 1.000 jaqueiras. É conhecido


que uma jaqueira não contém mais do que 600 frutos. Prove que
existem 2 jaqueiras na oresta que têm a mesma quantidade de frutos.

Solução. Temos 1.000 jaqueiras, representando os pombos, e 601 casas

identicadas pelos números 0, 1, 2, 3, . . . , 600. O número k associado

a cada casa signica que nela serão colocadas jaqueiras que têm exa-

tamente k frutos. Como 1000 > 602 = 601 + 1, o PCP nos garante

que existem duas jaqueiras com a mesma quantidade de frutos.

Exemplo 4.3. Em uma reunião há n pessoas. Mostre que existem


duas pessoas que conhecem exatamente o mesmo número de pessoas.

Solução. Os pombos neste caso são as n pessoas. As casas são enume-

radas com os números 0, 1, 2, . . . , n − 1, indicando estes que na mesma


serão colocadas pessoas que têm essa quantidade de conhecidos. No-

temos que uma das casas enumeradas com 0 ou n − 1 permanece


desocupada, pois a possibilidade de conhecer 0 e n − 1 pessoas não

acontece simultaneamente. Logo, nas n − 1 casas restantes haverá

uma ocupada por dois ou mais pombos, depois de serem distribuídos.

Portanto, existem no mínimo duas pessoas com o mesmo número de

conhecidos.

Exemplo 4.4. Dados 8 números inteiros mostre que existem dois


deles cuja diferença é divisível por 7.

Solução. Consideramos os 8 números como sendo os pombos e as casas

como sendo os 7 possíveis restos na divisão por 7. Como temos 8=


7+1 números o PCP nos diz que existem dois números dentro dos
146 4 O Princípio da Casa dos Pombos

8 dados que têm o mesmo resto quando divididos por 7. Finalmente,

observamos que se dois números deixam o mesmo resto na divisão por

7 então a diferença entre eles é divisível por 7.

Uma forma alternativa e muito útil na qual pode-se apresentar o

princípio da casa dos pombos é a seguinte:

Proposição 4.5 (PCP  Versão Alternativa) . Se a soma de n nú-


meros naturais é igual S , então existe pelo menos um deles que não
é maior que S/n, assim como existe pelo menos um deles que não é
menor que S/n.
Exemplo 4.6. Numa família formada por 5 pessoas a soma das idades
é de 245 anos. Prove que podem ser selecionados 3 membros da família
cuja soma das idades não é menor que 147.
Solução. 5 5!

Temos um total de
3
= 3!2!
= 10 trios diferentes formados

por membros da família. Além disso, cada pessoa aparece exatamente


4 4!

em
2
= 2!2!
=6 trios. Então, denotando por Ej a soma das idades

dos membros de cada trio Tj , j = 1, 2 . . . 10, temos que

E1 + E2 + · · · + E10 = 6 · 245 = 1470;


1470
consequentemente existe algum trio Tj ∗ tal que Ej ∗ ≥ 10
= 147.

4.2 Uma Versão mais Geral

A seguinte versão mais geral do PCP é bastante útil na resolução de

alguns problemas.

Proposição 4.7 (PCP  Versão Geral). Se distribuímos N k + 1 pom-


bos em N casas, então alguma das casas contém pelo menos k + 1
pombos.
4.2 Uma Versão mais Geral 147

A prova deste enunciado mais geral é similar à anterior. Com efeito,

suponhamos pelo contrário que em cada casa não existe mais do que

k pombos, então contando todos os pombos contidos nas N casas não

teremos mais do que Nk pombos, contradizendo isto a hipóteses de

termos Nk + 1 pombos distribuídos nas N casas.

Notemos que se k = 1, esta versão mais geral coincide com a versão


mais simples.

Exemplo 4.8. Num colégio com 16 salas são distribuídas canetas nas
cores preta, azul e vermelha para realizar uma prova de concurso. Se
cada sala recebe canetas da mesma cor então prove que existem pelo
menos 6 salas que receberam canetas da mesma cor.
Solução. Fazendo a divisão com resto de 16 por 3 temos que 16 =
3 · 5 + 1. Consideramos as 16 salas como sendo os pombos e as três

cores, preto, azul e vermelho como sendo as casas. Logo, podemos

colocar cada sala em uma das três cores. Assim, o PCP com N =3
e k = 5 nos dá que existe uma casa com pelo menos 6 pombos, ou seja,
existem no mínimo 6 salas que receberam canetas da mesma cor.

Exemplo 4.9. Uma equipe formada por seis alunos de Matemática é


selecionada para representar o Brasil numa olimpíada internacional.
Mostre que necessariamente existem três deles que se conhecem mu-
tuamente, ou três deles que não se conhecem mutuamente.
Solução. Resolveremos o problema com o auxílio da Figura 4.2. Cada

aluno Aj , com j = 1, 2, . . . , 6, é representado por um dos vértices de

um hexágono regular. Quando dois alunos se conhecem traçamos o

segmento de reta que liga os vértices correspondentes com uma linha

contínua; caso contrário traçamos este segmento com uma linha pon-

tilhada. Logo, usando este esquema, o problema equivale a provar


148 4 O Princípio da Casa dos Pombos

que sempre existe um triângulo de lados contínuos ou um triângulo de

lados pontilhados com vértices no conjunto A = {A1 , A2 , . . . , A6 }.


Temos 5 segmentos (pombos) incidindo no vértice A1 , cada um

deles contínuo ou pontilhado (estes dois tipos de linhas são conside-

radas como as casas). Como 5 = 2 · 2 + 1, pelo PCP temos que 3

dos 5 segmentos são contínuos ou pontilhados. Suponhamos que 3 são

contínuos (caso contrário o argumento é similar) e denotemos estes

por A1 A3 , A1 A4 e A1 A6 (ver Figura 4.2). Se algum dos segmentos

A3 A4 , A3 A6 ou A4 A6 for contínuo então este segmento junto aos que

se ligam com A1 formam um triângulo de lados contínuos. Por outro

lado, se nenhum deles for contínuo, então eles formam um triângulo

de lados pontilhados, completando isto a demonstração.

A3 A2

A4 A1

A5 A6

Figura 4.2: O triângulo A1 A2 A5 indica que os alunos A1 , A2 e A5 não se

conhecem mutuamente e o triângulo A1 A4 A6 indica que os alunos A1 , A4


e A6 se conhecem mutuamente
4.3 Aplicações na Teoria dos Números 149

4.3 Aplicações na Teoria dos Números

Nesta seção apresentamos alguns exemplos de aplicações do PCP na

Teoria dos Números. A primeira delas é:

Exemplo 4.10. Se n e m são números naturais, então o conjunto


A = {m + 1, m + 2, . . . , m + n} possui algum divisor de n.

Solução. Temos n números diferentes no conjunto acima. Vamos utili-

zar o método de redução ao absurdo. Se não existisse nenhum múltiplo

de n, quando dividíssemos os números do conjunto A por n, os res-

tos pertenceriam ao conjunto B = {1, 2, . . . , n − 1}, que possui n − 1


elementos. Logo, devem existir dois números m + i e m + j , com

1 ≤ i < j ≤ n tais que o resto da divisão de m + i por n é o mesmo


que o resto da divisão de m + j por n. Logo, m + j − (m + i) é um

múltiplo de n, o que implica que n > j − i ≥ 1 é múltiplo de n menor

que n (absurdo!). Logo, deve existir algum múltiplo de n no conjunto

A.

Como consequência desse exemplo, podemos resolver o próximo

problema.

Exemplo 4.11. Demonstrar que todo inteiro tem um múltiplo cuja


representação decimal começa com o bloco de dígitos 1234567890.

Solução. m e n são inteiros positivos, pelo exemplo anterior um


Se

dos número m + 1, m + 2, . . . , m + n é múltiplo de n. Assim, dado n


n+1
um inteiro qualquer, escolhe-se m = 1234567890×10 . Deste modo,

todos os inteiros m + 1, m + 2, . . . , m + n começam com 1234567890 e

algum deles é múltiplo de n.


150 4 O Princípio da Casa dos Pombos

Exemplo 4.12. Dado um número inteiro positivo n, mostre que existe


um múltiplo de n que se escreve com os algarismos 0 e 1 apenas. (Por
exemplo, se n = 3, temos 111 ou 1.101 etc.)

Solução. Consideramos os n+1 números

1, 11, 111, 1111, . . . , 111


| {z· · · 1} (4.1)
n+1−vezes

como sendo os pombos e n casas enumeradas com os números

0, 1, 2, 3, . . . , n − 1,

ou seja, com os possíveis restos na divisão por n. Similarmente ao

exemplo anterior existem dois números na lista (4.1) que deixam o

mesmo resto na divisão por n e, portanto, a diferença entre o maior e

o menor é múltiplo de n. Obviamente a diferença entre dois números

quaisquer da lista (4.1) resulta em um número formado apenas pelos

algarismos 0 e 1.

Exemplo 4.13. Prove que entre n + 1 elementos escolhidos no con-


junto {1,2,3, . . . , 2n} existem dois que são primos relativos.

Solução. A escolha das casas e dos pombos neste exemplo não é tão ób-

via. Os pombos representam os n + 1 números escolhidos do conjunto


{1, 2, . . . , 2n} e as casas são escolhidas como sendo os n conjuntos:

Cj = {2j − 1, 2j}, 1 ≤ j ≤ n.

Logo, pelo PCP, quando distribuímos os n + 1 números nos n conjun-


tos Cj , 1 ≤ j ≤ n, dois deles carão juntos em algum conjunto Cj , ou

seja, estes números serão consecutivos e portanto primos entre si.


4.4 Aplicações Geométricas 151

Finalizaremos esta seção com uma outra prova do teorema de

Bachet-Bézout, (veja o Teorema 3.23).

Exemplo 4.14. Seja d = (a, b) o mdc entre os números naturais a e


b. Então, existem x e y números inteiros tais que

ax + by = d.

Solução. Denotando por m = a/d e n = b/d, podemos supor que a e

b são primos entre si. Realmente, se podemos escrever

mx + ny = 1

então, substituindo os valores de m e n na equação acima, temos que

ax + by = d.
Se (a, b) = 1, considere a sequência A = {a, 2a, . . . , ba}. Armamos

que existe algum número no conjunto A que deixa resto 1 quando

dividido por b. De fato, se isso não ocorresse, teríamos b números em

A deixando no máximo b − 1 restos diferentes quando divididos por


b. Logo, pelo PCP, dois deles, digamos ia e ja com b > j > i ≥ 1,
devem deixar o mesmo resto quando divididos por b. assim, (j − i)a

é divisível por b. Como estamos supondo que (a, b) = 1, temos que b

deve dividir j − i > 0. Como b > j − i, temos um absurdo.

Assim, algum dos números em a deixa resto 1 quando divididos

por b. Digamos que esse número seja ax. Logo, ax − 1 é múltiplo de

b, onde ax − 1 = by , o que encerra nossa prova.

4.4 Aplicações Geométricas

Na geometria também encontramos belas aplicações do PCP. Vejamos


os problemas a seguir para constatar isto.
152 4 O Princípio da Casa dos Pombos

Exemplo 4.15. Mostre que se tomamos cinco pontos quaisquer sobre


um quadrado de lado 1, então pelo menos dois deles não distam mais

que 2/2.

Solução. Vamos dividir o quadrado em quatro quadradinhos de lado

1/2, como mostra a gura. Logo, pelo PCP pelo menos dois deles de-




1
• •

vem estar no mesmo quadradinho, uma vez que temos 4 quadradinhos

e 5 pontos. Logo, como a maior distância num quadrado é a diagonal,

o Teorema de Pitágoras nos garante que a distância desses dois pontos



é no máximo 2/2, como queríamos mostrar.

Exemplo 4.16. Na região delimitada por um triângulo equilátero de


lado 4 são marcados 10 pontos no interior deste. Prove que existe ao
menos um par destes pontos cuja distância entre eles não é maior que

3.

Solução. Dividimos o triângulo equilátero de lado 4 em 16 triângulos

equiláteros menores de lado 1, conforme a Figura 4.3.

Agora pintamos os triângulos nas cores branco e cinza de maneira

que dois triângulos vizinhos, isto é, com um lado comum, são pintados

de cores diferentes. Se tivéssemos dois pontos no mesmo triângulo a

distância máxima possível entre eles seria 1 e o problema estaria resol-

vido. Se tivéssemos pontos em triângulos vizinhos, a maior distância



possível entre eles seria 3 e também isto resolveria o problema. Se

não tivéssemos nenhum dos casos anteriores, não seria difícil ver que
4.5 Miscelânea 153

C

E
• •

• •
• •
• •
A D B

Figura 4.3: O triângulo DBE é equilátero de lado 3

os 10 pontos deveriam estar situados sobre os 10 triângulos brancos,

contendo cada triângulo exatamente um ponto. Dividindo o triângulo

DBE em 4 triângulos congruentes de lado 3/2 pelo PCP temos que


pelo menos dois dos 6 pontos contidos em DBE estão num destes 4

triângulos, logo a distância entre eles não é maior que 3/2 < 3. Com
isto terminamos nossa prova.

4.5 Miscelânea

Os problemas que apresentamos a seguir usam o PCP combinado com

outras idéias que são muito empregadas nas suas soluções.

Exemplo 4.17. Em cada quadradinho de um tabuleiro 3 × 3 é colocado


um dos números: -1, 0 ou 1. Prove que entre todas as somas das
linhas, colunas e diagonais do tabuleiro há duas que são iguais. Por
exemplo, no tabuleiro abaixo a soma da segunda linha é 2, que coincide
com a soma da terceira coluna.
154 4 O Princípio da Casa dos Pombos

-1 -1 1

1 0 1

0 -1 0

Solução. SejaS = a1 + a2 + a3 , onde cada a1 , a2 e a3 podem tomar


valores: −1, 0 e 1. Então, temos 7 valores possíveis para S (casas),

que são: −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3.

O tabuleiro 3×3 tem 3 linhas, 3 colunas e 2 diagonais, portanto, ao

somarmos os elementos de cada uma das linhas, colunas e diagonais,

obteremos 8 números (pombos). Como existem somente 7 valores

possíveis para estes números, pelo PCP pelo menos dois deles devem

ser iguais.

Exemplo 4.18. Dado qualquer conjunto A formado por 10 números


naturais escolhidos entre 1 e 99, inclusos, demonstre que existem dois
subconjuntos disjuntos e não vazios de A tal que a soma dos seus res-
pectivos elementos é igual.

Solução: É conhecido que A tem 210 − 1 = 1.023 subconjuntos não-

vazios diferentes. A soma dos elementos de cada um deles dá uma

quantidade menor do que 1.000, pois o subconjunto com no máximo

10 elementos de maior soma possível é o formado por 90, 91, . . . , 99,


e nesse caso 90 + 91 + · · · + 99 = 945. Agora consideramos os pombos

como sendo os 1.023 subconjuntos distintos de A e as casas como

sendo as somas possíveis dos elementos de cada um dos conjuntos.

Logo, como o número de conjuntos é maior que o número de somas

possíveis, devem existir dois conjuntos B e C de A, de tal modo que

a soma dos elementos de B é igual à soma dos elementos de C. Se B


4.5 Miscelânea 155

e C são disjuntos, acabou a prova. Se não, considere D = B − B ∩ C


e E = C − B ∩ C . Logo, os conjuntos D e E são disjuntos e a soma
dos seus elementos é a mesma, pois retiramos de ambos a mesma

quantidade.

Exemplo 4.19. Qual é o maior número de quadradinhos de um ta-


buleiro de 8 × 8 que podem ser pintados de preto, de forma tal que
qualquer arranjo de três quadradinhos, como mostra a Figura 4.4, te-
nha pelo menos um dos quadradinhos não pintado de preto?

Figura 4.4: Tridominós

Solução. Primeiramente, pintamos o tabuleiro de 8×8 como um tabu-


leiro de jogar xadrez, ou seja, 32 quadradinhos pintados de branco e

32 quadradinhos pintados de preto (ver Figura 4.5).

Figura 4.5: Tabuleiro de xadrez


156 4 O Princípio da Casa dos Pombos

Notemos que uma vez pintado o tabuleiro desta forma é satisfeita

a exigência do problema, pois nunca temos 2 quadradinhos vizinhos

(quadradinhos com um lado comum) pintados de preto.

Mostraremos agora que se pintamos 33 quadradinhos de preto en-

tão a condição exigida no problema falha. De fato, se dividimos o

tabuleiro em 16 quadrados de 2×2 (casas) e pintamos 33 quadra-

dinhos de preto (pombos); então, como 33 = 16 · 2 + 1, pela versão


geral do PCP um dos 16 quadrados de 2 × 2 contém 3 quadradinhos
pintados de preto. Portanto, este último contém um arranjo como na

Figura 4.4 completamente pintado de preto.

Resumindo, o número máximo de quadradinhos que podemos pin-

tar de preto é 32.

Exemplo 4.20. Dados sete números reais arbitrários, demonstre que


existem dois deles, digamos x e y , tais que
x−y 1
0≤ ≤√
1 + xy 3
Solução. Primeiramente observamos que a expressão
x−y
1+xy
nos faz pen-

sar na fórmula
tan α − tan β
tan(α − β) = . (4.2)
1 + tan α tan β
Sejam x1 , x2 , · · · , x7 os sete números selecionados arbitrariamente.

Lembramos que a função tangente é uma bijeção entre o intervalo

(− π2 , π2 ) e os números reais R, logo para cada xi , 1 ≤ i ≤ 7, existe um


αi ∈ (− π2 , π2 ) tal que tan(αi ) = xi . Dividimos o intervalo (− π2 , π2 ) em
π
seis subintervalos de comprimento , como mostra o desenho a seguir.
6

Pelo PCP dois dos números αi pertencem ao mesmo subintervalo.

Denotemos os mesmos por αi1 e αi2 e suponhamos, sem perda de


4.6 Exercícios 157

αi1 αi2
− π2 π
π
2
6

generalidade, que αi1 ≤ αi2 . Então vale

π
0 ≤ αi2 − αi1 ≤ .
6
Usando o fato de que a tangente é uma função crescente e a fórmula

(4.2) temos que

π
tan(0) ≤ tan(αi2 − αi1 ) ≤ tan( ).
6
Equivalentemente,
xi 2 − xi 1 1
0≤ ≤√ .
1 + xi 2 xi 1 3

4.6 Exercícios

1. Seja C um conjunto formado por cinco pontos de coordenadas

inteiras no plano. Prove que o ponto médio de algum dos seg-

mentos com extremos em C tem também coordenadas inteiras.

2. O conjunto dos dígitos 1, 2, ..., 9 é dividido em três grupos.

Prove que o produto dos números de algum dos grupos deve ser

maior que 71.

3. Prove que se N é ímpar então para qualquer bijeção

p : IN → IN
158 4 O Princípio da Casa dos Pombos

do conjunto IN = {1, 2, . . . , N } o produto P (p) = (1 − p(1))(2 −


p(2)) · · · (N − p(N )) é necessariamente par.
(Dica: O produto de vários fatores é par se, e somente se, um dos

fatores é par.)

4. Dado um conjunto de 25 pontos no plano tais que entre quaisquer

3 deles existe um par com distância menor que 1. Prove que

existe um círculo de raio 1 que contém pelo menos 13 dos 25

pontos dados.

5. Prove que entre quaisquer 5 pontos escolhidos dentro de um

triângulo equilátero de lado 1 sempre existe um par deles cuja

distância não é maior que 0,5.

6. Marquemos todos os centros dos 64 quadradinhos de um ta-

buleiro de xadrez de 8 × 8. É possível cortar o tabuleiro com 13

linhas retas que não passem pelos pontos marcados e de forma

tal que cada pedaço de recorte do tabuleiro tenha no máximo

um ponto marcado?

7. Prove que existem duas potências de 3 cuja diferença é divisível

por 1.997.

8. São escolhidos 6 números quaisquer pertencentes ao conjunto

A = {1, 2, 3, . . . , 10}.

Prove que existem dois desses seis números cuja soma é ímpar.

9. Seja x um número real arbitrário. Prove que entre os números

x, 2x, 3x, . . . , 101x


4.6 Exercícios 159

existe um tal que sua diferença com certo número inteiro é menor

0,011.

10. Mostre que entre nove números que não possuem divisores pri-

mos maiores que cinco, existem dois cujo produto é um qua-

drado.

11. Um disco fechado de raio um contém sete pontos, cujas distân-

cias entre quaisquer dois deles é maior ou igual a um. Prove que

o centro do disco é um destes pontos.

12. Na região delimitada por um retângulo de largura quatro e altura

três são marcados seis pontos. Prove que existe ao menos um



par destes pontos cuja distância entre eles não é maior que 5.

13. Seja a um número irracional. Prove que existem innitos núme-

ros racionais r = p/q tais que |a − r| < 1/q 2 .

14. Suponha que cada ponto do reticulado plano é pintado de vermelho


ou azul. Mostre que existe algum retângulo com vértices no reticulado
e todos da mesma cor.

15. Um certo livreiro vende pelo menos um livro por dia. Sabendo que o
livreiro vendeu 463 livros durante 305 dias consecutivos, mostre que
em algum período de dias consecutivos o livreiro vendeu exatamente
144 livros.
Capítulo 4- Soluções dos Exercícios

1. Seja C um conjunto formado por cinco pontos de coordenadas inteiras no plano. Prove que o ponto
médio de algum dos segmentos com extremos em C tem também coordenadas inteiras.

Solução:

Seja C = { P1, P2, P3, P4, P5 } o conjuntos dos 5 pontos de coordenadas inteiras no plano.
Temos as seguintes possibilidades:

P1= { par, par}; P2= { par ímpar}; P3= {ímpar, par} e P4= {ímpar, ímpar}.

O ponto médio entre dois pontos A e B é dado por M( xM, yM) , onde:

Observe que para o ponto médio tenha coordenadas inteiras xA e xB, é necessário que sejam ambos
pares ou ambos ímpares, o mesmo ocorre com yA e yB.
Dessa forma, os pontos P1, P2, P3, P4, P5 representam os pombos, e a paridade de suas coordenadas
representam as casas, onde não pode haver outra possibilidade.
Pelo P.C.P., P5 terá a paridade de suas coordenadas igual a um dos pontos P1, P2, P3, P4 .
Portanto, o ponto médio de algum dos segmentos com extremidades em C tem também coordenadas
inteiras.

2. O conjunto dos dígitos 1, 2, ..., 9 é dividido em três grupos. Prove que o produto de alguns dos
grupos deve ser maior que 71.

Solução:

Sejam 1, 2, 3, os produtos dos elementos do grupo 1, do grupo 2 e do grupo 3, respectivamente.


Suponha que:

1 ≤71
2 ≤71
3 ≤71

Daí, como 1 > 0, 2 > 0, 3 > 0, temos:

362880 = 1 ∙ 2 ∙ 3 ≤357911

ou seja,

362880 ≤357911 (absurdo!!!)

Portanto, o produto de alguns dos grupos deve ser maior que 71.

3. Prove que se N é ímpar então para qualquer bijeção

p : I N  IN

do conjunto IN = {1, 2, ... ,N} o produto P(p) = (1 – p(1))(2 – p(2)) ... (N – p(N)) é necessariamente par.
(Dica: O produto de vários fatores é par se, e somente se, um dos fatores é par.)
Solução:

Se N é ímpar então é da forma N = 2k + 1. Se P(p) fosse ímpar, todos os termos (i – p(i)) seriam
ímpares para todo 1 i N. Sendo assim (N – p(N)) = (2k + 1 – p(2k + 1)) =
2k’ + 1 p(2k + 1) = 2(k – k’), o que implica que P(N) é par, logo P(p) não é ímpar.

4. Dado um conjunto de 25 pontos no plano tais que entre quaisquer 3 deles existe um par com
distância menor que 1. Prove que existe um círculo de raio 1 que contém pelo menos 13 dos 25 pontos
dados.

Solução:

(i)

Inicialmente escolhemos dois pontos P e Q do plano cuja distância de P a Q é maior


que 2, traçamos dois círculos C1 e C2 de raio 1 e centros P e Q respectivamente.
Se todos os pontos estiverem no interior de um dos dois círculos o problema está resolvido. Caso
contrário teríamos um dos pontos exterior aos dois círculos o que contraria o fato de que entre
quaisquer 3 deles um par existe um par com distância menor que 1.

(ii)

Vamos analisar a situação os círculos C1 e C2 possuem intersecção é não vazia, ou seja, C1 e C2


possuem intersecção possui d pontos, com isso, cada círculo tem pelo menos 23 – d pontos. Assim,
cada região que não é intersecção entre os dois círculos tem na “pior” das hipóteses
com 0 ≤ d ≤ 23. Se d = 0, temos a situação (i), caso contrário, um dos círculos terá pelo
menos 13 pontos.
.

5. Prove que entre quaisquer 5 pontos escolhidos dentro de um triângulo eqüilátero de lado 1 sempre
existe um par destes cuja distância não é maior que 0,5.

Solução:

Dividindo o triângulo equilátero de lado 1 em quatro triângulos eqüiláteros de lado 1/2 como a figura
que se segue.
Logo, pelo PCP pelo menos dois pontos devem estar no mesmo triângulo, uma vez que temos 4
triângulos e 5 pontos.

Assim, como a maior distância entre dois pontos que estão num triângulo equilátero ocorre quando
estes estiverem no vértice do triângulo e como os 4 triângulos menores tem lados ½, então pelo menos
dois de seus pontos estão a uma distância de no máximo ½.
.

6. Marquemos todos os centros dos 64 quadrinhos de um tabuleiro de xadrez de 8x8. É possível cortar
o tabuleiro com 13 linhas retas que não passem pelos pontos marcados e de forma tal que cada
pedaço de recorte do tabuleiro tenha no máximo um ponto marcado?

Solução:

Temos marcados no tabuleiro 64 pontos, estando alinhados em 8 linhas e 8 colunas. Para separarmos
os 8 pontos pertencentes as 8 colunas são necessárias 7 linhas e para dividirmos os 8 pontos
pertencentes as 8 linhas são necessárias 7 linhas, totalizando 14 linhas. Caso sejam usadas 13 linhas
poderemos dividir o tabuleiro em 56 espaços, como temos 64 pontos, pelo Princípio da Casa dos
Pombos, teremos pelo menos 8 casas com 2 pontos. Logo, não é possível cortar o tabuleiro com 13
linhas retas que não passem pelos pontos marcados e de forma tal que cada pedaço de recorte do
tabuleiro tenha no máximo um ponto marcado.

7. Prove que existem duas potências de 3 cuja diferença é divisível por 1997.

Solução:

Existem 1997 possíveis restos pela divisão por 1997. Considere a sequência das potências de 3: 30,
3¹, 3², 3³, ...,31997. Esta sequência é composta de 1998 números.
Portanto, pelo PCP, dois desses, digamos 3n e 3m, com n > m, têm mesmo resto quando divididos por
1997. Logo, a sua diferença 3n– 3m é divisível por 1997.

8. São escolhidos 6 números quaisquer pertencentes ao conjunto

A = {1, 2, ...., 10}.

Prove que existem dois destes seis números cuja a soma é ímpar.

Solução:

Sabemos que a soma de dois números naturais é ímpar se, os números não tiverem a mesma
paridade, isto é, se um for par e o outro for ímpar.
Como o conjunto A tem 5 números pares e 5 números ímpares e devemos escolher 6 números
quaisquer, pelo PCP, teremos dentre os seis números escolhidos, pelo menos um número par e um
número ímpar escolhido, onde a soma é ímpar.

9. Seja x um número real arbitrário. Prove que entre os números

x, 2x, 3x, ..., 101x

existe um tal que sua diferença com certo número inteiro é menor 0,011.

Solução:

Seja x um número real tal que, para certo inteiro  se tenha a.x  [, +1], para a  {1, 2, ...,
101} e x  .
Considere os conjuntos I = {x0 = 1, x1, x2, ..., x99, x100 =  +1} com x1< x2< ...< x99 <
x100, e xi – xi – 1 = 0,01,  i  {1, 2, ..., 100}.

Considere os intervalos Ii = [xi – 1, xi] e x =  ou 101.x =  + 1, nada há a demonstrar.

Suponha que x ≠  e 101.x ≠  + 1.

Temos # { Ii } = 100 e # { x, 2x, 3x, ..., 101x} = 101. Logo, temos 101 elementos para acomodar em 100
intervalos de comprimento 0,01. Segue que teremos dois números em um único intervalo. Se x > 0,
serão 100x e 101x. Se x < 0, serão x e 2x. Em qualquer caso teremos dois números num mesmo
intervalo, no qual um dos extremos é inteiro. Logo devemos ter x –  < 0,01 < 0,011 ou  + 1 – 101x
< 0,01 < 0,011.

10. Mostre que entre nove números que não possuem divisores primos maiores que cinco, existem
dois cujo produto é um quadrado.

Solução:

Seja A= {x1, x2, x3, x4, x5, x6, x7, x8, x9} o conjunto de nove números que não possuem divisores primos
maiores que cinco. Os números que não possuem divisores primos maiores que cinco são da forma xI
= 2.3.5.
Para que o produto de dois números xi.xj seja um quadrado, devemos ter xI = 2.3.5 e xj = 2’.3’.5’,
com i,j  {1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}, ou seja, xi.xj = (2.3.5 ).( 2’.3’.5’ ) = 2+’.3+’.5+’, onde  + ’, 
+ ’ e  + ’ necessariamente devem ser pares, temos as seguintes possibilidades:
Possibilidades  e ’  e ’  e ’  + ’,  + ’,  + ’
1ª Pares Pares Pares Pares
2ª Pares Pares Ímpares Pares
3ª Pares Ímpares Pares Pares
4ª Pares Ímpares Ímpares Pares
5ª Ímpares Pares Pares Pares
6ª Ímpares Ímpares Ímpares Pares
7ª Ímpares Pares Ímpares Pares
8ª Ímpares Ímpares Ímpares Pares

Então existem 8 possibilidades para que o produto seja quadrado. Pelo P.C.P., as 8 possibilidades são
as casas e os 9 elementos de A são os pombos, e consequentemente, dentre os 9 elementos de A, o
produto de pelo menos dois deles é um quadrado.

11. Um disco fechado de raio um contém sete pontos, cujas distâncias entre quaisquer dois deles é
maior ou igual a um. Prove queo centro do disco é um destes pontos.

Solução:

12. Na região delimitada por um retângulo de largura quatro e altura três são marcados seis pontos.
Prove que existe ao menos um par destes pontos cuja distância entre eles não é maior que √ .

Solução:

Dividimos o retângulo em quadrados de lado unitário, como mostra a figura abaixo. Posicionamos 4
destes pontos nos vértices do retângulo maior. Em seguida posicionamos o quinto ponto no centro do
retângulo maior (onde do centro aos outros teremos 2,5 > √ ). Ao acrescentarmos o sexto ponto, em
qualquer região, ela não será maior que 2 em relação a 2 pontos mais próximos (lembrando que 2 <
√ ).

13. Seja a um número irracional. Prove que existem infinitos números racionais r = p/q tais que |a – r|
j< 1/q2.

Solução:

14. Suponha que cada ponto do reticulado plano é pintado de vermelho ou azul. Mostre que existe
algum retângulo com vértices no reticulado e todos da mesma cor.

Solução:

Se imaginarmos 3 linhas horizontais, as quais possuam 3 ponto de cores alternadas (vermelho ou


azul) e alinhados sobre uma reta perpendicular às horizontais; para cada paralela ao alinhamento
desses pontos teremos 2x2x2 = 8 possibilidades de disposição de cores aos pontos de intersecção
das paralelas com as horizontais. Então, sabemos que após 8 retas paralelas irá repetir algum padrão
das 8 possibilidades, e iremos ter o possível retângulo.
15. Um certo livreiro vende pelo menos um livro por dia. Sabendo que o livreiro vendeu 463 livros
durante 305 dias consecutivos, mostre que em algum período de dias consecutivos o livreiro vendeu
exatamente 144 livros.

Solução:

A soma de livros vendidos do 1º ao último dia é 463. Considere Sn como a soma dos livros vendidos do
1º dia ao dia n, com 1 305. Temos que:

1 S1 S2 <S3 <S4 < S305 = 463.

Note S4- S1 é a quantidade de livros vendidos entre o 1º e o 4º dia. Considere agora 1 p


Devemos mostrar que existe p e q tal que Sp- Sq= 144.

Observe que a seqüencia abaixo é crescente, pois é vendido por dia pelo menos 1 livro.

S1 S2 < S3 < S4 < S305 (I), logo

144+S1 144+S2 <144+S3 <144+S4 < S305 (II)

Das sequencias (I) e (II) temos:

 305+305= 610 números e


 463+144= 607 valores possíveis.

Pelo PCB, os números equivalem aos pombos e os possíveis valores as casas, logo S p seqüencia (I)
e Sq+ 144 à seqüencia (II).

Portanto em algum período de dias consecutivos o livreiro vendeu exatamente 144 livros.

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