Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
E DESENVOLVIMENTO LOCAL:
realidade e abstrações no currículo
Vicente Fideles de Ávila
EDUCAÇÃO ESCOLAR
E DESENVOLVIMENTO LOCAL:
realidade e abstrações no currículo
PIANO
Brasília-DF
2003
Copyright © 2003 Plano Editora Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, por
quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da
Editora.
Assessoria editorial
Walter Garcia
Editor executivo
Jair Santana Moraes
Revisão
Marluce Moreira Salgado
Normalização bibliográfica
Regina Helena Azevedo de Mello
Editoração eletrônica
Eveline de Assis
Capa
Marcos Hartwich
Impressão e acabamento
Editora Gráfica Ipiranga
APRESENTAÇÃO : 7
INTRODUÇÃO 9
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
\
SOBRE QXAUTOR
APRESENTAÇÃO
8
INTRODUÇÃO
10
escolar. A primeira é o choque cultural, e mesmo
existencial, entre o mundo real dos educandos e o
mundo dos saberes curriculares, de certo modo
reeditando a dicotomia concebida por Platão entre
o "mundo sensível" e o "mundo das idéias", questão
esta retomada no Capítulo 4. A segunda, decorrente
da primeira, é que, em última análise, a nossa
educação escolar, ao contrário de influenciar os
educandos a conhecerem e se interessarem pela
transformação dos locais originários de suas
vivências, acaba incutindo e aos poucos
impregnando-lhes, como necessidade existencial, a
idéia de que se quiserem saber mais e melhor,
inclusive hoje como condição sine qua non também
em termos de qualidade de vida, terão de abandonar
suas localidades de origem. Isto em virtude de que
os recursos para se saber e viver melhor se situam
indefinidamente sempre além das fronteiras locais
dos alunos, resvalando-se dos horizontes locais para
as sedes regionais, destas para os pólos nacionais e
destes para os países ou centros internacionais
erigidos como protótipos do bem-saber e do bem-
viver.
Não é à-toa que a juventude está fugindo
dos pequenos municípios brasileiros, à procura de
chances de estudo e de trabalho nos centros urbanos,
sobretudo maiores, como também não é sem motivo
que quase ninguém, depois que sai, se preocupa em
investir e colaborar para significativas
transformações em sua localidade de origem. Por
isso, os grandes centros estão abarrotados de
médicos, advogados, engenheiros, empresários e
toda uma gama de profissionais com escolaridade
11
de elite, enquanto os municípios interioranos
clamam amargamente por socorro, principalmente
nas áreas de saúde, educação, emprego e outras de
base.
Trata-se, pois, de saídas ou evasões das
localidades de origem sem nenhuma perspectiva de
volta, senão física pelo menos de influências
transformadoras. Frisa-se que a questão não se refere
necessariamente à volta física, porque qualquer
política de "fixação" do ser humano no seu meio
de origem é tão ilógica quanto a sua "orientação"
para nenhum espaço de vivência e influência pessoal
e social: o direito à liberdade de ir e vir é até
consagrado em nossa Constituição Federal (artigo
5 , inciso XV). Diz respeito, isto sim: primeiro, ao
o
13
CAPÍTULO 1
16
,. Na Europa, o desenvolvimento local visa ao
2
17
federal brasileiro lançou, em julho de 1999, o
"Programa Comunidade Ativa", inserido no
preexistente e mais abrangente "Programa
Comunidade Solidária" de promoção social,
presidido pela primeira-dama do País, objetivando
o assim chamado "Desenvolvimento Local
Integrado e Sustentável" (DLIS) em municípios
mais carentes para tanto adrede triados. Esse
programa conta com apoio financeiro da
Organização das Nações Unidas para a Educação e
a Cultura (Unesco) para contratação de agências
capacitadoras de recursos humanos e envolve o
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (Sebrae), os governos estaduais e as
prefeituras municipais (dos municípios triados) em
suas implantação e implementação locais.
Embora seja muito cedo para efetivas
avaliações de funcionamento e resultados, a
concepção de desenvolvimento local, nos prismas
tanto da União Européia quanto do DLIS brasileiro,
deixa algumas importantes brechas para discussão,
como: primeira, o "Comunidade Ativa/DLIS", ora
em fase de operacionahzação, ainda se caracteriza
como estratégia tipicamente assistencialista ou
promocionalista, em relação às comunidades-
localidades socioeconomicamente periféricas, sem
ser assumida compromissadamente por todo o Estado
como autêntica política pública de desenvolvimento
(trata-se de programa de assistência emergencial, em
face da situação de extrema pobreza em acelerado
processo de agravamento, que se encaixa em outro
também de configuração assistencial, o "Comunidade
Solidária"); segunda, tanto o DLIS quanto a
18
concepção européia de desenvolvimento local
deixam margem à interpretação de que os vigentes
princípios e paradigmas capitalistas de
desenvolvimento socioeconômico, pelos quais as
comunidades-localidades não tidas como carentes
ainda conseguem equilibrar-se, são irretocáveis até
pela falta de contraposição de outras alternativas, a
exemplo do socialismo histórico já declinado;
terceira, ambos visam intencionalmente ao
desenvolvimento endógeno das comunidades-
localidades, mas principalmente o DLIS não oferece
pistas teórico-metodológicas no sentido de que
efetivamente ocorra o processo de endogeneização
em virtude dos exógenos e parametrizados "pacotes"
de estratégias e técnicas de diagnoses, treinamentos
de lideranças e implementação de atividades não
necessariamente compatíveis com as peculiaridades
e potencialidades de cada com un i dade-1 ocal i dade.
Em face dessas e de outras questões, uma
equipe do Programa de Desenvolvimento Local
da UCDB, coordenada pelo autor deste trabalho,
decidiu estudar mais a fundo - do início de 1999 ao
final de 2000 - o significado do desenvolvimento
local encarado como estratégia inovadora de
desenvolvimento, inclusive na condição de
contraponto à capitalista, por sinal - e reiterando
- a única vigente na atualidade e escancaradamente
privilegiante do domínio dos mais desenvolvidos
e ricos sobre os menos desenvolvidos ou pobres,
em termos de regiões, países e até hemisférios.
Segundo o estudo da equipe, as razões de
ser, finalidades e perspectivas processuais do
desenvolvimento local convergem para a
19
endogeneização de capacidades, competências e
3
20
em seu meio e se tornar paulatinamente apta a
agenciar (discernindo e assumindo dentre rumos
alternativos de reorientação do seu presente e de
sua evolução para o futuro aqueles que se lhe
apresentem mais consentâneos) e gerenciar
(diagnosticar, tomar decisões, agir, avaliar, controlar,
etc.) o aproveitamento dos potenciais próprios - ou
cabedais de potencialidades peculiares à localidade
assim como a "metabolização" comunitária de
insumos e investimentos públicos e privados externos,
visando à processual busca de soluções para os
problemas, necessidades e aspirações, de toda ordem
e natureza, que mais direta e cotidianamente lhe
dizem respeito (Ávila et al., 2000, p. 68).
Esse núcleo conceituai não emergiu
repentinamente e nem por mera casualidade.
Resultou de dois anos de estudos da equipe, conforme
referido acima, cujo coordenador já vinha se
dedicando a essa temática, evidentemente sob outras
nomenclaturas, há mais de trinta anos, com livros e
artigos publicados. Procurando atender a possíveis
interessados em análises mais aprofundadas,
concernentes ao conceito acima, as aludidas
publicações vêm relacionadas nas referências
bibliográficas, já que é nesta ótica conceituai que
também se desenrola o presente estudo.
21
CAPÍTULO 2
1 Fonte: http://www.di.ufpe.br/~jhcfc/ciberespaeo/construcionismodistribuido.
html, p. 2, acesso em 9/11/01.
24
submissão ao adulto (de dois a sete anos, ou segunda
parte dá "primeira infância"). 5 ) O estágio das
o
2 Fonte: http://www.di.ufpe.br/~jhcf/ciberespaeo/constracionismodistribiiido.
html, p. 1, acesso em 9/11/01.
3 Piaget não especifica o limite etário de passagem da adolescência para a
fase adulta, mas a Unesco, segundo Mussen (1969, p. 30 et seq.), através
de pesquisa realizada em vários países, concluiu que a adolescência se
estende, em média, até por volta dos vinte e cinco anos. Ávila (1973, p.
22-32) também trata desse assunto ao se referir à relação entre escola e
desenvolvimento biopsíquico.
25
do equilíbrio, efetuando-se a evolução mental no
sentido de uma equilibração sempre mais completa.
Convém observar, aliás, que a teoria dos seis
estágios piagetianos detém irrefutáveis méritos de
originalidade pelo fato de constituir resultado
demonstrado por mais de quatro décadas de
pesquisa aplicada, combinando variáveis de cunho
pedagógico, psicológico, matemático e biológico-
genético. Mas, como veremos logo a seguir, o
princípio lógico básico, ou geral, de que o
conhecimento humano se processa da realidade para
a teoria, do concreto para o abstrato e do simples
para o complexo, em sucessivos ciclos que
concatenam e impulsionam a processual progressão
do conhecimento de maneira expansivo-evolutiva,
remonta à Teoria do Conhecimento no contexto da
Filosofia Clássica, há dezenas de séculos ou, mais
precisamente, desde a era aristotélica. Em outras
palavras, isso significa que pela via da investigação
científico-aplicada, Piaget alcançou e detalhou, em
termos de evolução por faixa etária, o mesmo
arcabouço lógico que a Filosofia Clássica de há
muito descobrira, ensinava e ainda ensina pelo viés
da lógica racional o que, sem dúvida alguma, era
do conhecimento de Piaget.
26
Teoria do Conhecimento tanto me impressionou e
4
4 Meu primeiro contato com a questão foi através da obra, em latim: Boyer,
Carolo (S. J.). Cursusphilosophiae: ad usum seminariorum. Brugis, Belgii:
Desclée De Brouwer et Soe., 1949, p. 61-163. Todavia é oportuno lembrar
que os bons manuais de filosofia normalmente trabalham essa dinâmica
na parte referente à lógica menor ou formal. Jacques Maritain dedicou à
questão todo o seu livro, inclusive traduzido para o português: A ordem
dos conceitos: Lógica Menor. 3. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1958.
5 Esta matéria se encontra nos Tópicos 3 e 4 (p. 27-76) do livro de Ávila, A
pesquisa na vida e na universidade, cuja 2 edição vem relacionada nas
a
27
processo de conhecimento da criança, não
importando se anterior ou posterior ao seu
nascimento. Diante disto, merece observar que, ao
romper esse ponto zero, a criança se depara com
novos fatos e situações, que detonam também novas
partidas para o seu conhecimento, só que nunca
mais do ponto zero. Em relação a essas novas
situações, qualquer pessoa irá refazer a dinâmica
cíclica dos três passos lógicos, sintetizados logo
adiante, mas com a vantagem de que tudo o que
foi acumulado em sua memória (consciente,
subconsciente e inconsciente), desde o ponto zero
de sua partida para o conhecimento, lhe subsidiará
e facilitará no sentido de que processe com mais
rapidez, complexidade e perfeição os sucessivos
ciclos de passos lógicos, requeridos para que o seu
conhecimento se estenda a essas novas situações.
Em vista disso é que, por um lado, o
conhecimento humano se constrói e expande
cumulativo-difusivamente, desde o útero materno
ou ponto zero até a morte, ou perda das capacidades
mentais, e, por outro, o ser humano desenvolve e
evolui processos próprios de formulação e manifestação
de suas representações reais e imaginárias -
poéticas, míticas, rítmicas e outras - de tudo do
universo que lhe cerca, fornece condições de vida
e incita ou desafia seu interesse, bem como sua
curiosidade, ansiedade e inteligência desveladora.
Agora, conversemos sobre a seqüência dos
três passos lógicos no âmbito de cada ciclo da cadeia
de conhecimento, a começar pelo primeiro, tendo
presente sempre que o segundo passo amplia e
enriquece o primeiro e que o terceiro faz a mesma
28
coisa em relação ao segundo e assim sucessivamente.
Nenhum dos passos tem razão de ser por si mesmo,
visto que os três formam um conjunto ou ciclo
dinâmico, em que da "simples apreensão" (primeiro
passo) se evolui para o "juízo " (segundo passo) e deste
para o "raciocínio " (terceiro passo), cujas descobertas
(interpretivo-argumentativas) impulsionam a abertura
de novos ciclos de apreensões, ajuizamentos e
raciocínios, ao mesmo tempo alimentando e
implementando a dinamização de toda a nossa cadeia
de conhecimento.
A dinâmica vivenciada ao longo desses três
passos lógicos, já no primeiro ciclo, e as singelas
conclusões daí extraídas não deixam de ser os
embriões iniciais propriamente ditos para a
detonação de toda a cadeia de conhecimento (o que
veremos mais adiante na questão referente à espiral
progressivo-expansiva).
Agora, sim, percorramos concentradamente
cada passo, pela ordem de seqüência, no curso do
primeiro ciclo de conhecimento em formação numa
criança de saúde física e mental normal filho(a),
irmão(ã), sobrinho(a) ou outra que conheçamos
desde o nascer:
• 2 Passo: o "juízo"
o
• 3 Passo: o "raciocínio"
o
36
2.2.3 Tentativas de reconstituição da espiral
do conhecimento
Em vista do acima exposto, torna-se
relativamente fácil tentar reconstituir, mental e
virtualmente, a espiral progressivo-expansiva da
cadeia do conhecimento, das duas maneiras que se
seguem.
Na primeira maneira de reconstituição da
espiral, os três passos lógicos são os pontos cardeais
no horizonte de cada ciclo ou elo da perspectiva
ascendente da espiral, assim posicionados: de
simples apreensões—>juízos—> raciocínios do ciclo
inicial (portanto menos complexos e abstratos) para
simples apreensões—> juízos—» raciocínios dos
ciclos ou elos posteriores, sucessivamente sempre
mais complexos e abstratos (os ciclos anteriores
preparam, sustentam e subsidiam os ciclos
posteriores), ou, como resume Ávila (2000, p. 63):
(...) I ciclo: das primeiras e simples apreensões
o
38
apreendendo (por sensoriação e sucção do) seu
contexto de mundo, começando em seguida a
exercitar-se (também por significativo período de
vida) em ajuizamentos sobre o que apreendeu e
continua apreendendo para, a partir de então, iniciar-
se nos primeiros passos do raciocínio cognitivo
propriamente dito: aqui está o estreito elo entre a
base lógica da teoria do conhecimento, no âmbito
da Filosofia Clássica, e os seis estágios Piaget,
abordados no início deste capítulo.
Depois que se completa o primeiro ciclo da
espiral, aí sim, os demais assim como o próprio
processo espiralado no seu todo tendem a dinâmicas
nunca simultâneas mas, se em estado de
normalidade biopsíquica, progressivamente cada
vez mais rápidas, harmônicas, amplas e
aperfeiçoadas, dependendo sempre de três fatores:
fluxo de entrada de informações na mente,
freqüência e ritmo de exercitações em termos de
ajuizamentos e raciocínios sobre essas informações
e crescente formação de estoques de memórias das
mesmas, isto é, tanto das já raciocinadas quanto das
apenas ajuizadas ou tão-somente apreendidas.
E a segunda maneira de reconstituição da
espiral progressivo-expansiva do conhecimento
consiste na tentativa de concatenação
fenomenológica dos componentes referenciais do
próprio processo de conhecer. A progressão desses
componentes se evolui, no âmbito de cada ciclo e
no da transição de um ciclo para outro, das situações
mais concretamente sensoriais e simples para as
cada vez mais especulativas e complexas. Por
este prisma - e sempre no âmbito de cada ciclo -,
39
a mente, ao contatar pelos sentidos (ou sensoriar)
as concretudes (isto é, quaisquer objetos, fenômenos
ou idéias em condições de serem captados pelos
sentidos), abstrai-lhes (saca, tira, extrai delas)
propriedades (maneiras de se apresentar e de ser,
como formato, tamanho, cor, composição,
correlação de componentes, espessura, densidade,
etc.) de fora para dentro, do simples para o
complexo, do geral para o particular, do todo para
as respectivas partes e das partes para os
componentes em que elas se desdobram, etc.), que
são elaboradas como teorias (ilações ou conclusões
lógicas), as quais tendem a se projetar em termos
de aplicabilidades práticas (em sentido abrangente
ou específico de buscar novos conhecimentos sobre
as concretudes visadas pela cadeia de conhecimento
em evolução ou de interferir de algum modo em
suas maneiras de ser, organizar, funcionar ou
apresentar), gerando novos ciclos ou elos sempre
com níveis de complexidade e especulação (análise
reflexivo-argumentativa) cada vez mais amplos,
elevados e aprimorados.
40
aprimorados, etc., de simples apreensões—>juízos—>
raciocínios—> novas simples apreensões—> ... ...
no âmbito de nossa natural maneira de conhecer.
Partir-se, pois, de realidades para as
respectivas representações abstratas ou teorias
semiotizadas (fórmulas e outras formas de
sistematizar métodos e conclusões técnico-
científicas através de sinais, símbolos e convenções
específicas, como visto na Introdução) é a maneira
moldada pela própria natureza de o ser humano
exercitar e desenvolver processualmente suas
capacidades e habilidades de aprendizagem/
conhecimento, interagindo suas potencialidades
individuais de captar (por sensoriação), processar
(ajuizar, cruzar, associar, analisar, argumentar, etc.)
e armazenar (memorizar e estocar) informações com
os modos de ser, agir, relacionar e influenciar dos
fenômenos sociais, físicos e ambientais do seu raio
de vivência ou do alcance direto e indireto de seus
sentidos. E isto ocorre sempre no estratégico
curso direcional daquelas duas lógicas
intercomplementares: do (mais —> menos) concreto
para o (menos mais) abstrato e do (mais —>
menos) simples para o (menos —>mais) complexo.
Metaforicamente, como visto anteriormente,
por essas lógicas as dimensões dos contatos físico-
sensoriais funcionam como "pistas de decolagem"
nas quais cada ser humano encontra as condições
essenciais para preparar e alçar o seu próprio vôo
de aprendizagem/conhecimento. E lugar adequado
para "abastecer", "taxiar" e "tomar impulso", desde
que com vistas à "decolagem" do concreto para o
abstrato e do simples para o complexo. Todavia,
41
aos poucos os contatos físico-sensoriais vão se
espaçando cada vez mais (através de novas e mais
sofisticadas "pistas de reabastecimento"), em razão
também dos progressivos aumentos das
autonomias de vôo, mas permanecendo sempre
estreitos os vínculos das relações entre os próprios
vôos e os referenciais das realidades, a exemplo dos
contínuos contatos com torres de comando na área
da aviação, compreendidos em suas sucessivas
trajetórias evolutivo-expansivas de autoconstrução
do conhecimento. Aí, sim, quanto mais abstração e
complexidade o educando ou qualquer ser humano
conseguir tanto mais rico, aprofundado,
diferenciado e emancipado será seu processo de
aprendizagem/conhecimento.
É nesse contexto que se destaca o papel do
professor, o de ajudar cada aluno a se tornar capaz
de decolar e pilotar o seu processo de aprendizagem/
conhecimento a partir das "pistas" abertas pelos
contatos físico-sensoriais das realidades que lhe são
disponíveis. Limitar-se-á, no início e com o apoio
direto do professor, a ensaiar tímidas, porém iteradas
decolagens e aterrissagens mais descritivo-
fenomenológicas que semióticas de aprendizagem
descritiva. Entretanto, se a dinâmica metodológica
for projetada e operacionalizada adequadamente,
não demorará muito para que o aluno sinta a falta
das correspondentes representações semióticas
abstratas (fórmulas ou outras convenções lógicas
específicas), começando, agora de fato, a assumir e
comandar o seu próprio processo de aprendizagem
por graus e intensidade de conhecimento sempre
mais elevados e aperfeiçoados.
42
Daí em diante, o professor continuará sempre
necessário, mas limitado à consciente, efetiva e
afetiva condição de "co-piloto" até o crepúsculo das
7
43
CAPÍTULO 3
DA INTERAMBIENTALIDADE
À INTERDISCIPLINARIDADE
43
e socialização de saberes e autoformação institucional,
o que contribuiria de maneira muito expressiva para
se fechar o circuito do exercício da aprendizagem.,
possibilitando que cada aluno formule sua própria
unidade de conhecimento, evidentemente no nível
2
44
colegas em espaços curriculares e extracurriculares;
e) colocá-lo à disposição ou até debatê-lo, também
em espaços curriculares e extracurriculares, com
grupos interessados de alunos, pais, associações,
demais funcionários da escola e não importa que
outros; f) conferir tratamentos aprofundados e
especializados aos alunos nos momentos curriculares
aprazados.
Aos poucos, esse processo - se de fato
institucionalizado - provocará verdadeira reação em
cadeia no que respeita ao envolvimento de toda a
comunidade escolar no exercício do constante ir-e-vir
entre os itens curriculares teóricos e as dimensões
fenomenológicas da realidade pessoal, comunitária e
ambiental a que se referem, bem como no de
sistematização, produção e disseminação de
conhecimento.
Em que pese a propriedade conceituai de
disciplinaridade, hoje já historicamente incorporada
por estudiosos da educação escolar e até ocupando
privilegiado destaque nas "Diretrizes curriculares
nacionais para a formação de professores da educação
básica, em nível superior, curso de licenciatura, de
graduação plena" para o contexto do ensino,
3
45
constitui-se proposta ainda muito difícil de se
concretizar, e até de se compreender no patamar da
aplicabilidade, justo porque se refere mais à etapa
operacional das disciplinas curriculares do que à 4
46
atrás), constitui o fluxo inicial que impulsiona o
processo curricular a se desembocar na
interdisciplinaridade propriamente dita. Sem essa
interambientalidade, a interdisciplinaridade restará
configurando-se como utopia curricular teórico-
artificial, muito parecida com a veleidade de quem
queira construir uma bela casa sem considerar se o
solo a se edificar, o clima institucional, a
mentalidade dos agentes e beneficiários, bem como
os recursos materiais e a mão-de-obra estejam
preparados ou se preparando para esse tipo de
construção: não é à toa que excelentes idéias
arquitetônicas, mesmo discutidas e apreciadas em
importantes congressos, de fato nunca transpõem
os arquivos dos respectivos projetos.
Em termos mais aplicáveis, esse
dimensionamento lógico, o de progressão da
interambientalidade para a interdisciplinaridade,
implica investimentos em aculturação científica
dentro da escola, isto é, nos âmbitos da escola toda
e de toda a vida escolar do aluno, da educação
infantil à superior (no que couber), como também
fora da escola. 6
50
docente normalmente se configura como verdadeiro
"arquipélago científico", aglutinando "ilhotas" de
"experts" ou até de "quebra-galhos" em Química,
Física, Biologia, Geografia, História, Língua
Portuguesa, Língua Inglesa, etc. São "ilhotas"
hermeticamente fechadas, mas institucionalmente
7
51
básica consistir em assegurar ao educando "a
formação comum indispensável para o exercício da
cidadania", quer dizer que Língua Portuguesa
8
52
as crianças não começam a observar e até a "brincar"
com as lógicas primárias inclusive da Química, da
Física e da Biologia, por exemplo, a partir dos
universos de vivência ou ao alcance delas mesmas?
Sequer me refiro a Ciências da Computação em
virtude de que as crianças que em casa começaram
a conviver desde cedo com computadores não só
têm superado os adultos adestrados por eventuais e
tardias disciplinas curriculares ou "cursinhos",
calcados em decifração de manuais, como também
já vêm ocupando o correspondente mercado docente
e empresarial, mundo afora, e mesmo subsidiando
o interesse por Matemática e Física, em razão de
suas aplicabilidades justo na área computacional.
Em suma, não há razão convincente para se
querer que os alunos se interessem, ou sejam atraídos
por Matemática, Química, Física, Biologia,
Geografia, História, etc., se as mesmas continuarem,
como de praxe, apenas cunicularmente encapsuladas
em superdoses alopáticas e ministradas quase "goela
abaixo" só no finalzinho do ensino fundamental ou
durante o ensino médio, visando principalmente a
boas notas de provas e sucesso em vestibular. Por
isso, não fica tão difícil entender fundamentalmente
por que a esmagadora maioria das crianças paradoxal
e simultaneamente se interessa/desinteressa pela
escola; aos poucos, e, coincidentemente, com a
evolução da infância para a adolescência, vai se
configurando e acentuando a mórbida satisfação pelas
"matanças" de aulas, assim como pelas "bagunças"
em sala e "infernização" dos professores, agora
esvaziados de seus mecanismos de repressão tanto
física quanto psicológica; os próprios pais que mais
53
precisam da realidade concreta para a sobrevivência
no meio rural e nas periferias urbanas continuam
tirando seusfilhosda escola, afimde que os ajudem
no sustento da família, mesmo sabendo que isso
acaba gerando mais prejuízos que benefícios até em
termos de curto prazo.
Da mesma forma, os alunos se interessariam
muito mais por outros tipos de ciências ou de áreas
científicas se começassenl, desde seu ingresso na
escola, a se aproximar delas mediante os respectivos
objetos, fatos e fenômenos compreendidos em seus
raios de vivência. As próprias ciências seguem essa
lógica vencendo progressivamente os elos das
cadeias do conhecimento por sucessivas passagens
das situações mais concretas, simples e imediatas,
para constantemente crescentes estágios de
abstração, complexidade e abrangência.
Por investimento em aculturação científica
fora da escola entende-se a criação de meios e
condições para a popularização de lógicas e noções
das ciências envolvidas nos currículos escolares
também junto às Associações de Pais e Mestres, ou
similares, aos círculos familiares e comunitários dos
alunos e à população em geral.
Por que não aproveitar o espaço escolar para
a realização de eventos ou ciclos de informações e
discussões sobre a relação que existe entre os
fenômenos vivenciados cotidianamente e os
conteúdos científicos escolares? Por um lado, todas
as reuniões com pais e outros membros
comunitários deixariam de ser tão maçantes e pouco
freqüentadas, pois normalmente se ocupam de
informações disciplinares negativas, justamente
54
aquelas que os familiares sempre gostariam de
evitar. Por outro, todos se preparariam um pouco
mais, tanto para ajudar os alunos a se motivarem e
dedicarem ao estudo, sobretudo no caso dos pais
em relação aos filhos, quanto para cuidar melhor
da própria saúde, alimentação, tomada de iniciativa,
e assim por diante.
Realçando apenas um exemplo da falta que
fazem pelo menos noções de como fenômenos e
fatos da natureza são explicados cientificamente,
a grande maioria das pessoas bem escolarizadas -
até em nível de doutorado - , com as quais venho
convivendo ao longo de décadas, sequer tem noção
de como se "formam" e "caem" os raios lá nas
montanhas, nas árvores dos quintais, nas cumeeiras
de suas próprias casas ou, simplesmente, "riscam/
faíscam" firmamento afora. Eu mesmo vim a
entender melhor essa questão mais por
documentário de televisão, casualmente focado,
que pela privilegiada situação de meus longos anos
de escolaridade. Então, só os vocacionados pela
Física devem entender de raios? Afinal, os raios
podem se "formar" lá no mundo das nuvens, mas
"cair" por acolá ou aqui mesmo e na propriedade,
no gado, no pára-raios e na cabeça de qualquer
um, físico ou não.
No que concerne a raios, energia solar,
temperatura, dilatação e outros fenômenos de
vivência comum da área da Física (assim como da
Geografia, da Biologia, da História, da Química,
etc.), o Físico (da mesma forma que o geógrafo, o
biólogo, o historiador, o químico, etc.) é o
especialista daquilo a respeito do qual todas as
55
pessoas, pelo menos as escolarizadas, deveriam
adquirir as respectivas noções básicas já a começar
da educação infantil, dentro e fora da escola, assim
como na condição de alunos, pais ou membros da
comunidade da qual cada escola é parte integrante.
Por esse processo interativo entre vivências
fenomenológicas e concernentes representações
científicas, reenfatizando dentro e fora da escola
assim como a partir da educação infantil, gera-se a
interambientalidade da qual emanam as condições
essenciais de ambiência e interligação energética
para a configuração, ativação e produtividade da
interdisciplinaridade. Reiterando a lógica dominante
em todo o curso deste capítulo, sem a
interambientalidade ou ambiência de configuração
contextual e infra-estrutural de permanente
construção do currículo, o enfoque direto na
interdisciplinaridade restará sempre modismo estéril
em qualquer dinâmica curricular.
CAPÍTULO 4
FENÔMENOS LOCAIS
E ABSTRAÇÕES CURRICULARES 1
60
escola se manifesta como mais um elemento, com
regras dè jogo próprias, porém. Importa respeitar os
horários; cumprir os regulamentos. Acatar a
disciplina, embora não se sinta nada; pôr cara-de-
atenção na aula; preencher a freqüência nos trabalhos
práticos, mesmo sem tê-los feito; em suma, a farsa, o
"fictício" de Freyer.
Pois bem, respirando um pouco dessa brisa
inovadora, e tendo vivido intensamente a realidade
rural - inclusive escolar - até os 13 anos de idade,
ponderei aos professores participantes da reunião, a
dos professores rurais do município de Alfenas, mais
ou menos nos seguintes termos: a) de fato vocês não
têm revistas e jornais à disposição lá no campo
enquanto as escolas e os professores da cidade podem
contar com eles mais facilmente; b) todavia, revistas
e jornais por vezes contêm textos e gravuras que dão
idéias maquiadas das realidades que os editores
querem mostrar e enfatizar em cada número ou
fascículo, enquanto vocês - professores, alunos e
familiares - vêem, pisam, respiram, admiram e sofrem
as próprias realidades em que vivem e trabalham; c)
em palavras mais diretas, esses materiais mostram
fotografias e textos sobre: montanhas nevadas dos
Alpes ou Andes, mas vocês todos sobem e descem
morros e montanhas todos os dias até para chegarem
às escolas; animais (vacas, ovelhas, pássaros, porcos,
etc.), enquanto vocês lidam ou convivem diariamente
com todos eles até como meio de subsistência no
meio rural; vistas aéreas e poéticas de rios, cascatas
e lagos, quando muitos de vocês os margeiam ou
atravessam, na maioria das vezes em pinguelas
improvisadas e perigosas, para irem à lavoura, à busca
61
do gado, à compra do indispensável não produzido
pela família e às próprias escolas; c) por que as figuras
(fotos) de vaca, árvore, montanha, rio, lago, etc.,
servem como material didático e não a própria vaca
que pasta bem ali, o rio que se atravessa, o lago que
se margeia, a árvore ao lado da escola, a montanha
que se avista do pátio, a lavoura em que se trabalha,
bem como o monjolo, a bica d' água, o paiol, o quintal,
o capão de mato, o engenho, o fogão, a latrina, a
estrada, o horizonte e tudo o mais com o qual se
convive ora prazerosa e orá sacrificadamente todos
os dias? É claro que, mesmo não respondendo
explicitamente, podia-se inferir o que se passava pela
cabeça dos professores: o problema é que não
podemos levar a vaca, a montanha, a lagoa, a árvore,
etc., para dentro da sala de aula (pois lhes fora
inculcado que material didático ou de ensino se
restringia só àquilo que podia ser enfiado lá num
cantinho da sala).
Mais de três décadas se passaram, a ciência e
a tecnologia evoluíram fantasticamente, as populações
se urbanizaram rapidamente, a globalização vem se
acirrando de modo assustador, mas a essência da
questão acima continua praticamente a mesma.
Inclusive Joel Martins (1992) publicou, nesse
entremeio, um bom trabalho na área, intitulado "Um
enfoque fenomenológico do currículo: educação como
poiesis". Entretanto, e de maneira pragmaticamente
generalizada, a escola era e continua sendo vista pela
maioria dos profissionais da educação e dirigentes
societários como locus estratégico de crianças,
adolescentes e jovens deixarem a realidade vivencial
atrás dos umbrais da sala de aula para lá dentro
62
tentarem entendê-la e reconstituí-la analógico-
virtualmente, através de sínteses abstratas de
conhecimento, provindas do acervo científico
acumulado, mediadas bem ou mal pelo professor e
suas exemplificações didáticas artificiais.
Em outros termos, e fazendo uso de analogia
grosseira mas bem ilustrativa, a realidade da vida
da criança é como aquele animal que ela cavalga
até a entrada da sala de aula. Em lá chegando, é
obrigada a amarrá-lo no esteio ao lado, porque
os únicos "animais" que podem entrar em sala
são o aluno (normalmente criança ou adolescente),
o professor e, vez por outra, alguém como diretor,
supervisor, orientador e similar, mesmo assim com
uma condição: que todos deixem lá fora as
cavalgaduras de suas realidades cotidianas, também
amarradas em esteios talvez um pouco mais
privilegiados que o destinado às crianças ou
adolescente na situação de aluno.
E, dentro da sala de porta fechada, o professor
brasileiro, e do mundo subdesenvolvido de modo
geral, embora sabedor de que em relação a ele quanto
mais se exige tanto menos se valoriza, faz
malabarismos no intuito de levar os alunos a
2
63
configurações mentais), e através de ensinamentos
curriculares abstratos, aquelas mesmas realidades lá
fora bloqueadas. O efeito desastroso dessa dicotomia,
da educação infantil à educação superior, é o de que
o aluno escolar também dicotomiza a própria realidade,
a pessoal sua e a de seu contexto existencial. De um
lado fica a realidade concreta em que nasceu, vive,
trabalha, alegra-se e sofre e, de outro, a realidade
sublimada ou virtualizada do conhecimento dessa
mesma realidade, a exemplo do que imaginara Platão
(Thonnard, 1976, v. 1, p. 46-81) a respeito do "mundo
sensível" (concreto, relativo, imperfeito-perfeito, em
que bom-ruim coexistem lado a lado, em que as
pessoas vivem de carne e osso) e o "mundo das
idéias", este sim uma espécie de Olimpo virtual no
qual os protótipos materializados ou "idéias" pairam
libertas das carcaças que as aprisionam nas limitações
da materialidade quando obrigadas, por lei cósmica,
a se testarem de tempos em tempos através de
"encarnações" oumaterializações no "mundo sensível",
por elas formando e evoluindo, entre si e no interior de
cada um, os reinos mineral, vegetal e animal.
Para isso, nosso professor lança mão dos
para fulano, de acordo com beltrano e segundo
sicrano, que tanto se esforçou para aprender em
3
64
seus cursos de formação inicial (nos níveis médio,
superior, ou em nenhum deles se "leigo") e de
formação continuada (em treinamentos, reciclagens,
cursinhos e congêneres), ou que constem hoje dos
"selecionados" textos de apoio escolar que o sistema
lhe disponibiliza.
Entretanto, acontece rotineiramente de
professores ensinarem aritmética (subtração,
divisão, fração, soma e multiplicação), sem se darem
conta, por exemplo, de que qualquer animal quando
pasta subtrai (separa, tira, arranca) o capim da moita,
o divide (mastiga-o, tritura-o, fraciona-o) com os
dentes, o multiplica pela mastigação (de cada ramo
resultando muitos pequenos pedaços que caibam
em sua garganta) e, concluindo este primeiro ciclo
do fenômeno pastar, soma-lhe (acrescenta-lhe,
adiciona-lhe) saliva a fim de que se facilite a
digestão, pela qual são subtraídos (tirados,
liberados) os elementos nutritivos agora do próprio
capim e não mais da moita como no início, os quais
desencadeiam (por novas adições, subtrações,
divisões-fracionamentos e multiplicações) outros
ciclos de vida-realidade no animal que os assimila
e metaboliza.
Por outra, mas ainda na linha das operações
aritméticas, basta um pouco de atenção para se
constatar que há na natureza certos fios de meada
ou lógicas básicas pelas quais tudo se orienta e
dinamiza, extremamente simples de serem
observadas e entendidas como no caso das duas que
se seguem, apenas para efeito de exemplificação:
1) A primeira é a de que todas as ferramentas
cortantes ou desintegrantes de outros objetos neste
65
planeta (da simples faca de cozinha, ao reagente
químico, ao raio laser e à ogiva nuclear) são em
verdade instrumentos de divisões que geram
frações, subtrações e multiplicações, o que pode
ser observado no ato de descascar e cortar uma
laranja em dezenas de pedacinhos para uma boa
salada: para subtrair a casca do resto da laranja é
preciso que a mesma seja dividida em casca {fração
x) e resto (fração y), assim como para multiplicar o
resto da laranja (fração y) em muitos pedacinhos é
também necessário que o mesmo seja ainda dividido
muitas vezes, obtendo-se assim n frações
individualizadas (pedaço por pedaço) ou agrupadas
(tantos tipos de pedaços catalogados de acordo com
certas propriedades comuns, tamanho ou formato,
por exemplo).
2) A segunda consiste em se conscientizar
de que cola, prego, parafuso, grampo, clipe, corda,
cadarço, prendedor de roupa, fita gomada, durex,
etc., se caracterizam como instrumentos de somas
ou adições: das mais simples, como as de colar uma
figura no caderno ou de pregar uma tábua na outra,
às mais complexas (isto é, que também abrangem
possibilidades de multiplicações de elementos ou
frações envolvidas), a exemplo das sofisticadas
armações e amarrações que o pessoal da construção
civil faz nas estruturas dos prédios por aí afora.
Até pelos dois singelos exemplos acima se
percebe a possibilidade de exploração interfaciada
e interacional dos elos iniciais do processo de
desabrochámento do conhecimento a partir da
própria realidade vivenciada/vivenciável. E isto, nas
perspectivas da formação do raciocínio lógico e dos
66
saberes inerentes à essencial relação que a
Matemática, a Lingüística, a Geografia, a História,
a (Bio)Química, a Física, a Biologia e outras
ciências particulares têm com os fenômenos ou
dimensões da realidade que somos, sentimos,
vivemos e nos contextuam dia a dia, no sentido das
mais próximas para as mais remotas. Trata-se, pois,
do encaminhamento do processo de aprender a
conhecer tomando como referência de partida as
próprias dimensões fenomenológicas da realidade, 4
67
humano-ambiental. Ademais, é o meio mais
simples, barato e ao alcance de todos para que o
aluno desperte o interesse e incorpore o
autocompromisso de aprender a pensar e conhecer
por sua própria cabeça, portanto não apenas pela
do professor - ou de quantos lhe estejam por trás -
, embora jamais se queira insinuar que a ajuda
mediadora deste lhe seja dispensável. Pressupõem-
se, todavia: primeiro, què o professor já conheça
previamente bem, e se disponha a continuar a
conhecer mais juntamente com os alunos, os dois
lados da moeda, o da dimensão fenomenológica a
ser conhecida (referente a cada item curricular) e o
do respectivo conhecimento científico já formulado
ou em formulação; segundo, que seja capaz de
auxiliar o aluno a se evoluir da percepção empírica
comum ao entendimento científico da aludida
dimensão fenomenológica.
Para tanto, além de bom conhecimento a
respeito dos mencionados dois lados, requerem-se
constante e simultaneamente do docente, enquanto 5
5 Ainda Demo (1996, p. 48) entende que o professor: "a) em primeiro lugar,
é pesquisador, nos sentidos relevados: capacidade de diálogo com a
realidade, orientado a descobrir e a criar, elaborador da ciência, firme em
teoria, método, empiria e prática; b) é, a seguir, socializador de
conhecimentos, desde que tenha bagagem própria, despertando no aluno
a mesma noção de pesquisa; c) é, por fim, quem, a partir de proposta de
emancipação que concebe e realiza em si mesmo, torna-se capaz de motivar
o novo pesquisador no aluno, evitando de todos os modos reduzi-lo a
discípulo subalterno".
68
sempre bidimensional objeto de aprendizagem: 6
percepção empírico-fenomenológica-comum de
cada item curricular mais respectivo conhecimento
científico produzido ou em processo de produção.
69
CAPÍTULO 5
I grau, com duração de 264 horas cada, atingindo cerca de dezoito mil
o
75
5.2 Segundo ângulo de ponderação: das
"químicas, físicas, biologias, geografias,
histórias, etc. da realidade" às "Química,
Física, Biologia, etc. dos manuais"
A lógica da mudança de mentalidade acima
mencionada é a de que pelas "químicas, físicas,
biologias, histórias, geografias, etc., da realidade"
se chegue às "Química, Física, Biologia, História,
Geografia, etc. dos manuais" ou "livros didáticos", 4
76
tantas outras situações inerentes à vida das pessoas,
pequenas ou grandes, nas quais se possam
evidenciar as lógicas e as dinâmicas da Química,
da Física, da Biologia, da História, da Geografia,
etc., passando-se da relação ou vivência empírica
comum com essas situações, muitas vezes quase
puramente automatizada, para a experiência
enriquecida por consciência progressivamente
reflexiva. 6
77
teor de carbotíatode cálcio, que reage em contato
com outros ácidos muito presentes nesse ambiente,
sobretudo os encontrados no limão, no vinagre e
nos solúveis (detergentes) de modo geral.
Ora, acrescenta-se: esse conhecimento está
ao alcance de qualquer pessoa, criança ou adulta
(não importa se sabendo ou não que a fórmula do
carbonato de cálcio é CaC0 e que o vinagre contém
3
80
promessas, sabendtí-se já de antemão,
evidentemente ressalvadas as raras - porém boas -
exceções, que a regra é a de que só se realizarão
aquelas que se revestirem de "interesse político" e,
mesmo assim, nos limites das possibilidades
decorrentes de outras "barganhas políticas" em que
o próprio eleitor não mais se envolve.
E o mais irônico, em relação aos serviços
inclusive sociais sob a responsabilidade do Estado,
é que seus próprios mandatários, ao perceberem que
tais serviços começam a pesar muito, deles
procuram se desvencilhar deixando-os se
"despencarem" de cima para baixo, em termos de
União para Estados e destes aos municípios, ou 2
81
Aliás, numa verdadeira democracia, a
estatização de serviços só tem realmente motivo de
existir em situações de carência ou emergência, mas,
mesmo assim, se configurada de cunho pedagógico-
formativo no sentido de criar condições físicas e
logísticas, isto é, científicas, técnicas, psicológicas,
etc., para que a população (orientada, apoiada e
coordenada pelo estado) se motive, mobilize, organize
e capacite a se desenvolver por si mesma. Isto, sim,
se caracteriza autêntico serviço público pelo qual se 3
82
cobrir eternos ônus, tanto os efetivamente devidos
quanto os decorrentes de má gestão e criminosa
espoliação do erário público; de outro, como
abnegadas e passivas consumidoras dos serviços
estatizados ou privatizados, principalmente os de
cunho social, à mancheia prometidos porém ainda
de fato à míngua disponibilizados. Disso, a história
do Brasil e nossas próprias histórias de vida são
incontestes testemunhas.
Nesse perfil de submissão verticalizada - da
população em relação ao Estado - encaixam-se,
evidentemente, o sistema escolar brasileiro e, dentro
dele, os educadores que o dinamizam, já que ambos
ocupam a estratégica função de importantes, senão
principais, formadores de nossa sociedade. Essa
relação de submissão é percebida mas não rompida
pelos profissionais da educação escolar, ou seja, os
esboços de reações nesse sentido não cruzam as
fronteiras das reivindicações. E estas, na verdade,
ratificam a incômoda, porém passiva, aceitação da
própria submissão. Reivindicarmos que só o Estado
nos atenda já diz de per si não acreditarmos ou não
sabermos que nossa função de educadores
profissionais compreende, inclusive, a educação de
nosso próprio Estado para perspectivas de sadia
evolução: os mandatários do Estado de hoje estiveram
aos cuidados dos educadores de ontem e os de
amanhã estão hoje em nossos lares e salas de aula.
Exemplo clássico e atual dessa cultura de
submissão é a generalizada aceitação da listagem
de livros didáticos confeccionada pelo Ministério
da Educação (MEC). Por que as redes escolares de
cada município, de cada microrregião ou de cada
83
Unidade da Federação - orientadas pelas diretrizes
curriculares nacionais, estaduais, e até municipais
- não produzem os seus próprios livros didáticos,
compatibilizando situações locais, regionais,
nacionais e até internacionais com a dinâmica
curricular bem como reivindicando, aí sim, recursos
e apoios externos para sua editoração e publicação?
Isso colocaria os órgãos gestores, as escolas e os
educadores implicados em permanentes e dinâmicos
fóruns de interação, atualização e criatividade
produtiva, tornando investigação e ensino duas faces
necessariamente intercomplementares da mesma
moeda, a da educação escolar.
Mas, retomando o título deste capítulo, a
"Política de Desafios a Experiências Inovadoras" não
constitui responsabilidade nem só dos educadores
escolares como também não apenas do Estado.
Ambos são conclamados a se envolverem nesse
desafio como dois tipos de agentes de uma mesma
linha de processo, um cuidando do seu efetivo
acontecer na realidade e o outro da sua regulação
pública. Aos educadores escolares cabe a dimensão
política do autodesafio de se lançarem profissional e
tecnicamente em ousadas, porém sérias, experiências
inovadoras, pois são eles que de fato conhecem os
sujeitos, os objetos, as condições e os recursos reais
e potenciais para o aiavancamento das quantidades-
qualidades da educação escolar em cada escola-
localidade. E ao Estado, através dos poderes
constituídos, compete a dimensão política das
constantes conclamações e apoios no sentido de que
os educadores escolares, as escolas e as agências
formadoras de educadores saiam da defensiva, se
84
preparem, criem autoconfiança e ousem em matéria
de boas e inovadoras experiências.
Isso, em virtude de que até agora as entidades
que personificam e dinamizam o Estado brasileiro têm
mais dificultado (limitado, provocado suspeitas,
5
85
a elite de nossa intelectualidade educacional, cujos
reflexos vêm causando efeitos no mínimo inibidores
nas instituições, sobretudo, de nível superior. Os atuais
critérios e processos de avaliação de instituições e
cursos superiores de graduação e pós-graduação (em
cujas definições e operacionalizações nossos
"experts" educacionais participam ativamente com
sugestões e como consultores, membros de comissões
externas de avaliação, pareceristas, etc.) constituem,
sempre ressalvadas honrosas exceções, expressão real
dessa política nacional de exclusão das regiões
interioranas não avalizadas diretamente pelos aludidos
"pólos-monopólios".
Se o MEC, o Conselho Nacional de Educação
(CNE), as Secretarias Estaduais e Municipais de
Educação, todas as fundações e demais entidades que
atuam no setor educacional escolar adotarem de
direito e de fato essa dimensão política, a do desafio
a contínuas, sadias e sérias experiências, não nos
restará a menor dúvida de que acharemos, em
conjunto (isto é, Estado + educadores +
comunidades), alternativas sempre e cada vez mais
capazes de promoverem constantes melhorias em
todos os níveis e ciclos da educação básica brasileira. 7
86
perspectivas no que concerne a desenvolvimento
autenticamente endógeno, que lastreie suas
capacidades e competências de equilibradas
interações e convivências exógenas. Assim, mais uma
vez ensino e investigação se intercomplementariam
sem academicismos, mensurismos, rotulismos,
modismos, geografismos, artificialismos,
reproducionismos e copismos, sobretudo
metodológicos, impostos de cima para baixo e de
fora para dentro em nossa realidade escolar: a própria
escola se configuraria também como locus de
inovação metodológica e geração de conhecimento.
8
87
de experiências sérias e inovadoras. Entretanto, esse
ideal ainda se afigura a devaneio utópico pelas
mesmas razões culturais e procedimentais apontadas
anteriormente, bem como pela alta probabilidade de
impasse no tocante a quem. deva tomar a dianteira -
Estado ou educadores - da implementação de sua
dimensão política, há pouco referida: se um empurra
para o outro, a mútua anulação é que se colhe como
desastroso prejuízo para todos.
Em face disso, a lógica recomenda que os
educadores - armando-se de ousada coragem mas
com séria responsabilidade - multipliquem
experiências inovadoras de interação entre realidade 10
10 "Assim, como não há homem sem mundo, nem mundo sem homem, não
pode haver reflexão e ação fora da relação homem-realidade (...)" (Freire,
1985, p. 17).
88
performances educacionais não só da clientela escolar
como também da sociedade brasileira em geral e do
próprio Estado, de modo mais específico, pelo menos
em termos de médio e longo prazos. Afinal,
reiterando, os mandatários da sociedade e do Estado
de amanhã serão aqueles hoje alunos das nossas
escolas de educação básica e superior, da mesma
forma que os de hoje tendem a perpetrar até os
equívocos assimilados da educação escolar de ontem.
89
BREVE ESBOÇO DE CONCLUSÃO
92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Do autor*
Apontamentos sobre positivismo e realidade
socioeducacional brasileira a partir da Primeira
República. Revista Tecnologia Educacional,
Rio de Janeiro, n. 156, p. 27-39, jan./mar. 2002.
(Com dois colaboradores).
Formação educacional em desenvolvimento local".
relato de estudo em grupo e análise de
conceitos. Campo Grande: Editora UCDB,
2000. 101 p. (Com quatro co-autores).
Pressupostos para formação educacional em
desenvolvimento local. Interações - Revista
Internacional de Desenvolvimento Local,
Campo Grande: UCDB/PMDL, v. 1, n. 1, p.
63-76, set. 2000.
A pesquisa na vida e na universidade. 2. ed. Campo
Grande: Editora UFMS/Editora UCDB, 2000.
154 p.
94
De outros autores
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-
GRADUAÇÃO E PESQUISA EM
EDUCAÇÃO - ANPEd. ANPEd/Carta de
Caxambu ao povo e às autoridades constituídas.
Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro,
n. 16, p. 116-117, jan./abr. 2001.
BOLZAN, Dóris Pires Vargas. Formação de
professores: compartilhando e reconstruindo
conhecimentos. Porto Alegre: Mediações, 2002.
BOYER, Carolo (S. J.). Cursus philosophiae: ad
usum seminariorum. Brugis, Belgii: Desclée De
Brouwer et Soe., 1949. p. 61-163.
CAPRA, Fritjaf. O ponto de mutação. São Paulo:
Cultrix, 1982.
CIRIGLIANO, Gustavo F. G. Fenomenologia da
educação. Trad. Isaida Bezerra Tissot.
Petrópolis: Vozes, 1969.
CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO - CFE.
Parecer n" 853/71. Esclarece dispositivos da
Lei n° 5.692 de Ensino de I e 2 Graus, de 11
o o
de agosto de 1971.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO -
CNE. Parecer n° CNE/CP 009/2001. De
"Diretrizes curriculares nacionais para a
formação de professores da educação básica,
95
em nível superior, curso de licenciatura, de
graduação plena". Aprovado em 8/5/2001.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO -
CNE. Resolução CNE/CP n° 1/2002, que
"Institui diretrizes curriculares nacionais para
a formação de professores da educação básica,
em nível superior, curso de licenciatura, de
graduação plena". Oficializa as proposições dos
Pareceres CNE/CP n° 09/2001 e n° 27/2001.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário
etimológico Nova Fronteira da língua
portuguesa. 2. ed. 6. impr. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1994.
DEMO, Pedro. Aprendendo a aprender com o
professor. Curitiba: Base Editora, 1998.
. Pesquisa: princípio científico e educativo.
4. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
FARIA, Ernesto (Org.). Dicionário escolar latino-
português. 2. ed. Rio de Janeiro: MEC/Campanha
Nacional de Material de Ensino, 1956.
FAZENDA, Ivani C. Arantes. Inte rdiscip linaridade:
história, teoria e pesquisa. 4. ed. Campinas:
Papirus, 1999.
FLEURI, Reinaldo Matias. Entre o oficial e o
alternativo em propostas curriculares: para
além do hibridismo. Revista Brasileira de
96
Educação, Rio de Janeiro, n. 17, p. 115-126,
maio/ago. 2001.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de
liberdade. 23. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1985.
GILES, Thomas Ransom. Dicionário de filosofia:
termos e filósofos. São Paulo: EPU, 1993.
JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia
do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
LÜCK, Heloísa. Pedagogia interdisciplinar:
fundamentos teórico-metodológicos. 4. ed.
Petrópolis: Vozes, 1994.
MARITAIN, Jacques. A ordem dos conceitos: lógica
menor. Trad. Ilza das Neves. 3. ed. Rio de
Janeiro: Agir, 1958.
MARTÍN, José Carpio. Nuevas realidades en el
desarrollo local en Espana e Iberoamérica. In:
SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE
PERSPECTIVAS DE DESARROLLO EN
IBEROAMPÉRICA. Santiago de Compostela,
maio de 1999. Mimeografado.
MARTINS, Joel. Um enfoque fenomenológico do
currículo: educação como poíesis. São Paulo:
Cortez, 1992.
97
MUSSEN, Paul H. O desenvolvimento psicológico
da criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
NÓVOA, Antônio. Formação de professores e
profissão docente. In: NÓVOA, Antônio (Coord.).
Os professores e a sua formação. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 1995. p. 13-33.
NÓVOA, Antônio et al. Formação para o
desenvolvimento. Lisboa: Fim de Século/OIT,
1992.
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e
educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1983.
PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Trad.
Maria Alice Magalhães D'Amorim e Paulo
Sérgio Lima Silva. 3. impr. Rio de Janeiro:
Forense, 1969.
POMBO, Olga; GUIMARÃES, Henrique M;
LEVY, Tereza. A interdiscipliaridade: reflexão
e experiência. 2. ed. Lisboa: Texto Editora,
1994.
SCHÕN, Donald. Formar professores como
profissionais reflexivos. In: NÓVOA, Antônio
(Coord.). Os professores e a sua formação.
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação
profissional. Trad. Francisco Pereira.
Petrópolis: Vozes, 2002.
98
THONNARD, F. J. Compêndio de história da
filosofia. Trad. Valente Pombo (da 5 edição
a
99
SOBRE O AUTOR
102
OUTRAS PUBLICAÇÕES DA PLANO EDITORA
IPIRANGA
EDITORA GRÁFICA IPIRANGA
S I G - Quadra 8 - Lote 2095
Brasília/DF - 7061 0-480
Tel.: (61)344-2266/Fax: 344-1077
ipiranga@graficaipiranga.com.br