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Boa Pergunta - R. C. Sproul PDF
Boa Pergunta - R. C. Sproul PDF
Boa Pergunta - R. C. Sproul PDF
R. C. Sproul
Publicado em Inglês com o título Now, That’s a Good Question!, R. C. Sproul.
Copyright © 1996 by Tyndale House Publishers, Inc. All rights reserved.
Copyright © 1999, Editora Cultura Cristã. Todos os direitos são reservados.
Ia edição - 1999
3.000 exemplares
Tradução:
Heloísa Cavalari Ribeiro Martins
Revisão:
Lúcia Kerr Jóia
Flávia Bartkevicius Cruz
Editoração:
Aldair Dutra de Assis
Capa:
Idéia Dois
ÍNDICE
Prefácio 5
Conhecimento de Deus 7
Quem é Jesus? 29
A Ação do Espírito Santo 41
O Livro dos Livros 53
O Caminho da Salvação 71
O Pecado e o Pecador 97
Fé e Filosofia 113
O Poder e o Propósito da Oração 129
Vida Espiritual Crescente 143
Compreendendo Satanás 175
Céu e Inferno 183
Compartilhando a Fé 201
A Igreja 213
Casamento e Família 243
A Carreira Profissional 269
Dinheiro e Finanças 281
Questões de Vida e Morte 293
Sofrimento 301
O Final dos Tempos 315
Ética Pessoal 329
Os Cristãos e o Governo 349
Passagens Difíceis 365
índice Remissivo 387
PREFÁCIO
ó
C O N H E C I M E N T O DE D E U S
Assim diz o SENHOR: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem o forte,
na sua força, nem o rico, nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se
nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR efaço misericórdia,
juízo e justiça na terra; porque destas cousas me agrado, diz o SENHOR.
— J e r e m ia s 9.23,24
• Por q u e Deus n o s a m a ta n to ?
Não sei qual é a visão de Deus que a maioria do mundo cristão tem.
Posso apenas adivinhar a partir do pequeno universo no qual vivo e de mi
nha exposição a vários grupos de pessoas.
Certamente encontro uma visão de Deus que é muito difundida na comu
nidade cristã, pela qual Deus é, de certa forma, reduzido em sua abrangência
ao retrato bíblico que temos dele. Ele é visto como uma espécie de avô celestial,
benevolente em todos os aspectos e cuja característica principal — e às vezes
único atributo — é o amor. Sabemos que a Bíblia, sem dúvida, dá ênfase ao
amor de Deus e chega até mesmo ao ponto de dizer que Deus é amor.
Mas creio que corremos um grave perigo de despojar Deus da plenitude
de seu caráter, como está revelado nas Escrituras. Isso se torna uma forma
pouco sutil de idolatria. Por exemplo, se diminuímos a santidade de Deus,
ou a soberania de Deus, ou a ira de Deus, ou a justiça de Deus e escolhemos
apenas aqueles atributos dos quais gostamos, menosprezando aqueles que
nos amedrontam ou nos deixam pouco confortáveis, estamos trocando a
verdade de Deus por uma mentira e adoramos um deus que é, na realidade,
um ídolo. Pode ser um ídolo sofisticado — não é algo feito de madeira,
pedra ou bronze — mas, não obstante, o conceito que temos do Deus que
adoramos deve ser coerente com aquilo que Deus é.
Tenho lutado durante anos para centralizar a atenção na doutrina de Deus
— do caráter de Deus. Três dos meus livros tratam da doutrina de Deus, o Pai:
A Santidade de Deus, Eleitos de Deus — que focaliza a soberania de Deus — ,
e o último, The Character ofGod (O Caráter de Deus), que trata dos atributos
de Deus. Eu os escrevi intencionalmente como uma trilogia para enfatizar o
caráter de Deus Pai porque penso que corremos um grave perigo de descuidar
ou distorcer a sua imagem no mundo cristão contemporâneo.
Temos alguma idéia de quem é Jesus, e a renovação carismática tem
dado muita atenção ao Espírito Santo nos últimos anos. Mas, quase siste
maticamente, ignoramos Deus, o Pai. Também sabemos que muitos cris
tãos ignoram o Antigo Testamento. Toda a história do Antigo Testamento é
principalmente a revelação de Deus, o Pai. Tudo que lemos sobre Deus, o
Filho, ou Deus, o Espírito Santo — tão ampliados no Novo Testamento —
pressupõe o conhecimento de Deus, o Pai, que nos é dado no Antigo Testa
mento. Penso que é prioritário para a comunidade cristã desenvolver uma
compreensão maior do caráter de Deus.
• Por q u e Deus p e rm a n e c e invisível?
Creio que não existe nada que tome a vida cristã mais difícil de ser
vivida do que o fato de que o Senhor a quem servimos é invisível para nós.
Conhecemos a expressão popular que diz “Longe dos olhos, longe do cora
ção.” É muito difícil viver a vida dedicado a alguém ou a alguma coisa que
não podemos ver. Freqüentemente ouvimos pessoas dizerem que quando
puderem ver, tocar, provar ou cheirar, elas crerão e aceitarão, mas não antes
disso. Esse é um dos problemas mais difíceis da vida cristã: Deus raramente
é percebido através de nossos sentidos físicos.
Por outro lado, podemos dizer que uma das maiores esperanças colocadas
diante da igreja cristã é a promessa daquilo que chamamos em teologia de visão
beatífica, ou visão de Deus. Pensamos na carta de João, na qual ele diz: “Ama
dos, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos
de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, por
que haveremos de vê-lo como ele e.” (1 Jo 3.2). A expressão latina aqui significa
“como ele é em si mesmo.” Quer dizer, aquilo que é completamente escondido
para os nossos olhos agora, a saber, a própria substância e essência de Deus, nós
veremos em toda sua glória e majestade e esplendor no céu.
Muitas vezes me pergunto sobre o texto que diz que seremos semelhan
tes a ele. Será que a Bíblia ensina que seremos totalmente purificados do
pecado, totalmente glorificados? Será essa uma experiência que eliminará
totalmente o pecado de nós? Isso ocorrerá porque teremos uma visão direta
da majestade de Deus? Por exemplo, se eu o vejo — se ele se toma visível
para mim — será isso a experiência de purificação que eliminará todo o
pecado da minha vida; ou será que a minha visão dele será o resultado de ter
sido primeiro purificado? Creio que o certo é a segunda opção.
As Escrituras afirmam uniformemente que ninguém verá a Deus e sobrevi
verá, isso porque Deus é santo e nós não o somos (veja Ex 33.20 e lTm 6.16).
Mesmo Moisés, apesar de ser tão justo, pediu a Deus, na montanha, que lhe
permitisse ter uma visão perfeita da sua glória. Deus permitiu apenas que ele
tivesse um vislumbre das suas costas, mas disse a Moisés: “Não me poderás
ver a face.” Desde que Adão e Eva caíram e foram expulsos do jardim, Deus
tem sido invisível aos seres humanos, mas não porque Deus seja intrinseca
mente impossível de ser visto. O problema não está em nossos olhos, mas em
nosso coração. No hino Immortal, Invisible, God Only Wise (Imortal, Invisível,
Deus de toda Sabedoria), há uma estrofe maravilhosa: “Todo louvor rendemos
a ti: O, ajuda-nos a ver / E apenas o esplendor da luz que te esconde.”
No Sermão da Montanha, Jesus promete que algum dia um certo grupo
de pessoas verá a Deus: “Bem-aventurados os que choram, porque serão
consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque
serão fartos. Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus”
(Lc 5.4,6,8). É porque não somos puros de coração que Deus permanece
invisível, e apenas quando formos purificados seremos capazes de vê-lo.
• O q u e é "providência" de Deus?
Tenho um amigo íntimo que veio da Inglaterra para esse país. Seu nome
é John Guest. Ele é pastor episcopal em Pittsburgh. Logo que chegou aos
Estados Unidos, ele visitou um antiquário na Filadélfia e viu alguns lemas,
recordações e cartazes que datavam do século XVIII, durante a Revolução
Americana. Ele viu algumas frases que diziam: “Não me oprima.” ou “Ne
nhum imposto sem protesto”, mas a que realmente chamou sua atenção foi
uma com as letras em negrito que dizia: “Não servimos nenhum soberano
aqui.” Quando John olhou aquilo, sendo um inglês, ele disse: “Como será
possível comunicar a idéia de Reino de Deus a uma nação que tem uma
alergia inata à soberania?”
Como americanos, estamos acostumados a um processo democrático
de governo. Quando falamos sobre soberania estamos falando sobre gover
no e autoridade. Do ponto de vista bíblico, quando as Escrituras falam de
soberania de Deus, elas revelam a autoridade governamental e o poder de
Deus sobre todo o universo.
Em minhas aulas no Seminário, levanto questões como: “Deus controla todas
as moléculas do universo?”. Quando faço essa pergunta, eu digo: “A resposta a
essa pergunta não determina se vocês são cristãos ou maometanos, calvinistas ou
arminianos, mas determinará se vocês são deístas ou ateístas.” Algumas vezes, os
alunos não conseguem ver a ligação existente. E eu digo a eles: “Vocês não perce
bem que se houver uma molécula nesse universo correndo solta fora do controle,
da autoridade e do poder de Deus, então esta única molécula indisciplinada pode
ser o grão de areia que muda todo o curso da história humana, que impede que
Deus cumpra as promessas que tem feito ao seu povo?” Ela poderá ser a molécula
indisciplinada que impedirá a Cristo de consumar o seu reino. Porque se houver
uma molécula indisciplinada, isso significaria que Deus não é soberano. Se Deus
não é soberano, então ele não é Deus. Se houver um elemento do universo que
esteja fora de sua autoridade, então ele não é Deus sobre todas as coisas. Em outras
palavras, soberania pertence à divindade. Soberania é um atributo natural do cria
dor. Deus possui aquilo que fez, e governa aquilo que possui.
• O q u e é Predestinação?
Uma vez que acreditamos que Deus é o autor desse planeta e é soberano
sobre ele, é inevitável perguntarmos onde ele está quando essas coisas ter
ríveis acontecem.
Creio que a Bíblia responde a essas perguntas muitas e muitas vezes a
partir de diversos pontos de vista e de muitas formas diferentes. Encontra
mos nossa primeira resposta, sem dúvida, no livro de Gênesis no qual apren
demos sobre a queda da humanidade. A reação imediata de Deus à trans
gressão da raça humana contra sua determinação e autoridade foi amaldi
çoar a terra e a vida humana. Morte e sofrimento entraram no mundo como
resultado direto do pecado. Vemos a manifestação concreta disso no âmbito
da natureza onde espinhos se tomam parte do jardim e a vida humana é
agora caracterizada pelo suor da testa e pela dor que está presente até mes
mo no nascimento de uma criança. Isso ilustra o fato de que o mundo em
que vivemos é um lugar que está cheio de tristezas e tragédias.
Mas não devemos nunca concluir que exista uma correlação absoluta
nessa vida entre o sofrimento e a culpa das pessoas vítimas de tragédias. Se
não houvesse pecado no mundo, não haveria sofrimento. Não haveria aci
dentes fatais, nem balas perdidas. Porque o pecado está presente no mundo,
o sofrimento está presente no mundo, mas não significa que se você tem
dois quilos de culpa, vai receber dois quilos de sofrimento. Essa é a percep
ção que o livro de Jó tenta dissipar, assim como a resposta de Jesus à per
gunta sobre o homem cego de nascença (Jo 9.1-11).
Por outro lado, a Bíblia deixa claro que Deus permite que tais coisas acon
teçam e, de certa forma, ordena que tais eventos aconteçam como parte da
situação presente que está sob julgamento. Ele não removeu a morte desse
mundo. Mesmo que seja algo que pudéssemos considerar como uma morte
prematura ou violenta, a morte faz parte da natureza das coisas. A única pro
messa é que haverá um dia quando o sofrimento cessará completamente.
Os discípulos de Jesus fizeram perguntas sobre situações semelhantes
— por exemplo, o sangue dos galileus que se misturou com os sacrifícios
feitos por Pilatos ou as dezoito pessoas que morreram quando um templo
desabou. Os discípulos perguntaram como isso poderia acontecer. A res
posta de Jesus foi quase severa. Ele disse: “se não vos arrependerdes, todos
igualmente perecereis", outra vez trazendo a questão de volta ao fato de
que a impiedade moral toma possível para Deus permitir que tais coisas
horríveis aconteçam num mundo decaído.
• No A n tig o T e s ta m e n to , D eus tr o u x e j u l g a m e n t o so b re
Israel e sobre o u tra s n ações através de a c o n te c im e n to s
catastróficos. Isso a in d a acontece?
• No Evangelho de João, Jesus diz: "o Pai é maior do que eu” (Jo
14.28). O q u e ele q u e r dizer co m isso?
Às vezes, quando Jesus faz afirmações diretas que parecem significar uma
coisa à primeira vista, é necessário irmos um pouco além da superfície para
resolver a aparente dificuldade. Nesse caso, não é necessário esse tipo de
trabalho extra. Jesus queria dizer exatamente o que ele disse: “o Pai é maior
do que e u Isto é, de certa forma, constrangedor para os cristãos porque
temos essa doutrina sagrada da Trindade que descreve a unidade das três
pessoas da Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo. Aqui, o Filho do Homem
está dizendo que o Pai é maior do que ele. Essa é uma das razões pelas quais
a igreja sempre professou uma doutrina chamada subordinação de Cristo.
Note que a doutrina não é chamada inferioridade de Cristo. Enfatizo
isso porque em nossa cultura algumas pessoas concluem que subordinação
necessariamente implica inferioridade.
A razão pela qual a teologia cristã tem uma doutrina sobre a subordina
ção de Cristo é que, embora a segunda pessoa da Trindade seja co-essencial
com o Pai (ele é da mesma essência, “genuíno Deus verdadeiro” eterno em
seu ser), há uma distinção entre as pessoas da Trindade. Na economia da
redenção e mesmo da criação, vemos certas obras atribuídas ao Pai, outras
ao Filho, e outras ao Espírito Santo.
A noção tradicional é que o Filho é gerado do Pai — não criado, mas
eternamente gerado. O Pai não é gerado do Filho. O Filho é enviado ao
mundo pelo Pai; o Filho não envia o Pai. Jesus disse: “o Filho nada pode
fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai”. Sua comida
e sua bebida eram fazer a vontade do Pai. Ele foi incumbido pelo Pai para
vir ao mundo para a obra da redenção. Nesse plano de redenção da própria
Trindade, um envia o outro, e aquele que envia é tido como maior do que
aquele que é enviado, no que diz respeito à economia das distinções e à
estrutura com a qual a Trindade trabalha.
Pela mesma razão, historicamente a igreja, com exceção dos dissiden
tes da cláusula filioque (assunto de um outro concílio geral da igreja para
discutir por quem o Espírito Santo seria enviado, quando houve um cisma
entre igreja do oriente e igreja do ocidente. N.T.) tem afirmado que, assim
como o Pai envia o Filho, o Espírito Santo é enviado por ambos, o Pai e o
Filho. Como o Filho é subordinado ao Pai no trabalho da redenção, assim o
Espírito é subordinado a ambos, o Pai e o Filho. Mas, novamente, isso não
significa uma desigualdade no ser, na dignidade ou nos atributos divinos. A
segunda pessoa da Trindade é totalmente Deus; a terceira pessoa da Trinda
de é totalmente Deus. Na obra da redenção vemos a expressão da
superordenação e da subordinação.
• Todo ser humano tem o potencial necessário para receber o Espírito Santo?
• Qual era o papel do Espírito Santo no Antigo Testamento?
• Existe diferença entre ser batizado no Espírito Santo e estar cheio do
Espírito Santo?
• Existe diferença entre o Espírito Santo estar com alguém ou em alguém?
• Explique o batismo do Espírito Santo que veio sobre os cento e vinte
discípulos no cenáculo depois da ascensão de Cristo.
• Em Gálatas 5, Paulo faz a seguinte afirmação: “Andai no Espírito e jamais
satisfareis a concupiscência da carne” (G1 5.16). O que significa isso?
• O que a Bíblia quer dizer quando fala em extinguir o Espírito Santo?
• E possível que o Espírito conduza alguém numa direção contrária à ética
biblicamente revelada?
• As Escrituras dizem que Cristo declarou que o pecado imperdoável é a
blasfêmia contra o Espírito Santo. Fale mais sobre isso. Como eu poderia
orar por alguém que está cometendo esse pecado?
• Atos 13.52 diz: líOs discípulos, porém, transbordavam de alegria e do
Espírito Santo”. Por que a maioria dos cristãos hoje não está “continua
mente” assim?
• Todo ser h u m a n o te m o po ten cial necessário para rece
b er o Espírito Santo?
Num certo sentido, todo ser humano já tem o Espírito Santo. Não no senti
do redentor — o sentido em que normalmente os cristãos entendem como ten
do o Espírito Santo — mas no sentido em que estão vivos. A Bíblia nos diz que
o próprio poder de viver está baseado no Espírito Santo. Paulo diz aos filósofos
em Atenas, pois nele vivemos, e nos movemos e existimos. Na história da teolo
gia cristã, a idéia praticamente universal tem sido que o Espírito Santo é o
princípio de vida no mundo, e ninguém pode nem sequer estar vivo sem ter pelo
menos a fonte de vida de Deus, o Espírito Santo. Mas este não é o sentido
redentor sobre o qual falamos quando pensamos em ter o Espírito pela conver
são ou regeneração ou em ser habitação do Espírito Santo ou batizado no Espí
rito Santo — estes são trabalhos específicos de Deus, o Espírito Santo.
Você pergunta: “todo ser humano tem o potencial para receber o Espírito
Santo?” Vamos falar sobre o Espírito Santo no que se refere à sua entrada numa
vida para regenerá-la — para converter essa pessoa e habitar nela de maneira
salvadora. Todo o ser humano tem o potencial para receber o Espírito Santo
desta forma? Vou parecer um teólogo moderno confuso ao responder sim e não.
Sim, no sentido de que todo ser humano tem o potencial para receber o
Espírito Santo uma vez que, como seres humanos, todos são criados à ima
gem e semelhança de Deus. Embora caídos, todo ser humano tem a capacida
de de ser o receptáculo da habitação do Espírito Santo. Não existe nada numa
pessoa, ou num grupo de pessoas ou numa raça ou em um sexo que os tome
incapazes de serem visitados pelo Espírito Santo. Deus, o Espírito Santo,
pode vir e regenerar e habitar em qualquer ser humano que ele deseje.
Sim, em todo ser humano há esse potencial inato e intrínseco de ser cheio pelo
Espírito Santo ou regenerado pelo Espírito Santo. Mas o Espírito Santo vai aonde
ele deseja e aonde o Pai o envia e aonde o Filho o envia, e não creio que o Pai envie
o Espírito Santo para regenerar todas as pessoas. Aqueles a quem o Espírito não é
mandado pararegenerar, não serão regenerados. E se Deus não escolher habitar numa
pessoa pelo Espírito Santo, essa pessoa não será habitada pelo Espírito Santo.
Existe uma diferença sim, mas desejo ser cuidadoso ao explicá-la pela
seguinte razão: Creio que muitas pessoas dão uma ênfase demasiada à dife
rença das preposições. A Bíblia não é suficientemente precisa para nos dar
uma doutrina completa a ser desenvolvida na base de “com” e “em.”
Podemos falar no Espírito Santo como estando com pessoas que não são
regeneradas, isto é, com alguém que não nasceu do Espírito, mas o Espírito
pode trabalhar com essa pessoa ou estar na presença dessa pessoa por um
período — assim como ele usou Ciro no Antigo Testamento, que, presumi
velmente, não era um crente. O Espírito Santo pode vir e assistir pessoas em
termos de uma graça comum de muitas maneiras e em muitas funções nesse
mundo, sem habitar nelas como parte de sua residência permanente.
Quando falamos sobre habitação do Espírito Santo, estamos falando
sobre sua vinda ao próprio ser de um cristão de maneira salvadora, o que é
um resultado do renascimento espiritual.
Entretanto — e isso pode confundir a muitos — num certo sentido, o
Espírito Santo está em todas as pessoas. O Espírito Santo não é apenas o
Espírito de Deus que habita em nós com o propósito de santificar e redimir,
mas, em última análise, o Espírito Santo é também a fonte de poder de toda
a vida. Sem uma certa participação no poder e na presença do Espírito de
Deus, nada nesse mundo existiria. O mundo se mantém coeso pelo poder
do Espírito de Deus. Se Deus retirasse totalmente o seu Espírito Santo, tudo
pereceria, tanto crentes como não crentes.
Na medida em que o Espírito Santo é a fonte de poder ou a própria fonte
de vida, ele está em todas as pessoas. Aqui estamos fazendo uma distinção
entre criação e redenção. Ele não está agindo espiritualmente em pessoas
não regeneradas para causar sua santificação e, conseqüentemente, sua re
denção final, essas manifestações acontecem apenas àqueles a quem ele
regenerou. Essa é a diferença básica.
• Explique o b a tis m o do Espírito S anto q u e veio sobre os
c e n to e v in te discípulos n o cen áculo após a ascen são de
Cristo.
Sempre que você vir espírito e carne colocados lado a lado numa passa
gem (“o espírito está pronto mas a carne é fraca" ou “o espírito milita
contra a carne”, como diz Paulo aqui), estamos falando não sobre a luta
entre o corpo físico do homem e suas inclinações interiores, mentais ou
espirituais, mas sim sobre o conflito que todo cristão experimenta entre sua
velha natureza — sua natureza decaída que é corrupta e cheia de desejos
que não agradam a Deus — e a nova natureza dentro dele que foi trazida
pelo poder do Espírito Santo que habita nele.
Agora, a vida se toma complicada uma vez que somos renovados pelo
Espírito Santo (quando nos tomamos cristãos); agora temos dois princípios
em luta dentro de nós: as velhas inclinações e as novas inclinações. A velha
inclinação é contra Deus, e a nova inclinação é obedecer a Deus e fazer
aquilo que o agrada. Na passagem de Gálatas, Paulo discute essa luta contí
nua que todos os cristãos experimentam. A certa altura, ele nos adverte
dizendo: “Sigam o novo princípio; sigam o novo espírito, não o velho mo
delo que era característico de seu estado decaído." Ele não está dizendo
que seu corpo físico está em guerra com sua alma, mas que suas inclinações
naturais estão em guerra com a transformação que o Espírito Santo está
constantemente realizando em você como filho de Deus. E isso envolve
uma decisão e um ato da vontade.
Não. Sem dúvida, não. O Espírito Santo não poderia nunca levar uma
pessoa a desobedecer o ensino do Espírito Santo. Isso seria Deus agindo
contra si mesmo. Penso que é elementar e absolutamente óbvio para todo
cristão que Deus, o Espírito Santo, não dará a você, como indivíduo, uma
orientação ou ordem para agir em oposição à Palavra de Deus.
Falo com tanto ardor sobre isso porque freqüentemente encontro pes
soas que me dizem que Deus lhes deu uma inclinação ou uma orientação
particular que os exime das obrigações morais que Deus estabeleceu. Já
encontrei pessoas que me disseram que oraram a respeito de cometer um
adultério e que Deus, o Espírito Santo, lhes deu paz a respeito do assunto.
Como você pode ser tão ignóbil? Isso não é blasfêmia contra o Espírito
Santo, mas certamente entristece o Espírito Santo. Também chega peri
gosamente perto de blasfemar contra o Espírito Santo o fato de alguém
não apenas recusar-se a se arrepender do pecado, mas atribuir ao próprio
Deus a motivação e a licença para pecar. Essa é a propensão que temos,
chamar o bem de mal e o mal de bem.
Tenho visto também cristãos devotos e sinceros falarem dessa ma
neira. Tenho encontrado grandes estudiosos da Bíblia que me olham
nos olhos e dizem que o Espírito Santo lhes deu permissão para fazer
algo que Deus claramente proíbe em sua Palavra. Esta é uma das razões
pelas quais a Bíblia nos recomenda testar os espíritos para saber se são
de Deus. Como testamos um espírito? Como posso saber se tenho a
f-orientação do Espírito Santo? Isso pode ser algo muito subjetivo e sin
gular. Certamente creio que Deus, o Espírito, inclina nossos corações
em determinadas direções e ajuda a nos orientar para viver essa vida,
mas devemos ser cuidadosos para não confundir a liderança do Espírito
com indigestão ou, o que é pior ainda, com a liderança do antiespírito,
a liderança do próprio inimigo que procura nos desorientar. Lembre-se
que Satanás se disfarça num anjo de luz.
Se você crê que as Escrituras vêm através da inspiração de Deus, o
Espírito Santo, e que ele é o Espírito da verdade, e que é esta verdade que
está encerrada nas sagradas Escrituras, então, a maneira mais fácil de
testar qualquer inclinação particular ou de um grupo é usando a Palavra
de Deus. Tenho certeza de que ali temos a liderança do Espírito. Ali o
Espírito é inspirado.
O Espírito da verdade estabelece para nós, nas proposições das Escritu
ras, aquilo que é agradável a Deus e de acordo com sua perfeita vontade.
Não posso conceber Deus, o Espírito, dizendo-me para desobedecer aquilo
que Deus falou.
• As E scrituras d iz e m q u e Cristo d e c la ro u q u e o p e c a d o
im p e rd o á v e l é a blasfêm ia c o n tra o Espírito Santo. Seria
possível explicar o q u e é isso e c o m o eu p oderia o rar p o r
alg u ém q u e está c o m e te n d o esse pecado?
Há muita confusão sobre o pecado que Jesus disse que não pode ser
perdoado nem nesse mundo nem no mundo futuro. Algumas pessoas pen
sam que o pecado imperdoável é o homicídio porque o Antigo Testamento
apresenta sanções muito fortes contra o homicídio e diz que se uma pessoa
comete homicídio ainda que ela se arrependa deve ser executada. Outros
acreditam que é o adultério, porque o adultério viola a união entre duas
pessoas. Por mais graves que esses pecados possam ser, não creiam que eles
caibam na descrição porque vemos que o rei Davi, por exemplo, que era
culpado de ambos, adultério e homicídio, foi perdoado.
Creio que Jesus é claro. Ele o identifica. Ele diz que o pecado é a
blasfêmia contra o Espírito Santo. O que significa isso?
Antes de mais nada, vamos entender que blasfêmia é um pecado que só
pode ser feito com palavras. É um pecado que você comete com a sua boca
ou com a sua pena — é um pecado verbal. Tem a ver com o dizer algo
contra o Espírito Santo. Você se lembra que os líderes religiosos — os clé
rigos, fariseus e saduceus eram os que se mostravam constantemente hostis
contra Jesus e tramavam uma conspiração para apanhá-lo. Eles planejaram
matar Jesus e estavam sempre o atacando e o acusando disso e daquilo.
Numa ocasião, eles disseram que Jesus expulsava Satanás pelo poder de
Satanás. É quase como se Jesus dissesse: “Parem já, rapazes. Tenho sido
paciente com vocês, tenho sido tolerante, tenho sido longânime, mas agora
vocês estão chegando perigosamente perto de fazer uma acusação que os
aniquilará agora e para sempre.” Ele disse que qualquer pecado contra o
Filho do Homem pode ser perdoado, mas se você blasfemar contra o Espí
rito Santo (atribuindo a ação do Espírito Santo a Satanás, ou igualando-as),
você está perdido. Preste atenção também que quando Jesus está sobre a
cruz, ele ora por aqueles mesmos homens que o colocaram ali: “Pai, per
doa-lhes” — Por quê? — “porque não sabem o que fazem”. E no dia do
Pentecostes, quando Pedro pregou seu tremendo sermão, ele fala sobre aque
les que mataram Jesus, dizendo que eles não o teriam feito se soubessem.
Depois da ressurreição, o Espírito Santo elevou Jesus e o declarou como o
Cristo poderoso. Se você ler o livro de Hebreus, verá que a distinção entre
blasfemar de Cristo e blasfemar do Espírito Santo desaparece.
Sobre aqueles que cometeram “o pecado para a morte”, a Bíblia nos diz
que não somos obrigados a orar por tais pessoas. Devemos orar pelas pesso
as que estão cometendo qualquer outro pecado, mas se virmos uma pessoa
cometendo o pecado para a morte, não somos obrigados a orar por ela. A
Bíblia não nos proíbe, mas diz que não somos obrigados a orar por tais
pessoas, e creio que isso se aplica a esse pecado.
Essa é uma resposta bem comum. Você estuda uma passagem com cui
dado, e então apresenta a passagem e alguém olha para você e diz: “Bem,
essa é a sua interpretação.”
O que eles querem dizer realmente com essas palavras? Que qualquer
coisa que você disser pode estar errado, e, desde que essa é a sua interpreta
ção, ela deve estar incorreta? Não creio que as pessoas estejam tentando
nos insultar. O problema real aqui é se existe ou não uma interpretação
correta ou incorreta das Escrituras. Quando as pessoas dizem: “Essa é a sua
interpretação,” o que elas realmente querem dizer é: “Eu interpreto do meu
jeito e você interpreta do seu. Todo mundo tem o direito de interpretar a
Bíblia como quiser. Nossos pais morreram pelo direito do que chamamos
interpretação pessoal: que cada cristão tem o direito de ler a Bíblia por si
mesmo e de interpretá-la por si mesmo.”
Quando a interpretação se tomou um ponto de disputa no século XVI, no
Concílio de Trento, a Igreja Católica Romana adotou uma posição restrita
sobre isso. Um de seus dogmas na quarta sessão diz que ninguém tem o direi
to de distorcer as Escrituras aplicando interpretações particulares a elas. Na
medida em que essa afirmação foi registrada em Trento, eu concordo com ela
de todo o coração porque está absolutamente certa. Embora eu tenha o direito
de ler a Bíblia por mim mesmo e a responsabilidade de interpretá-la correta
mente, ninguém jamais tem o direito de interpretá-la erradamente.
Creio que há apenas uma interpretação correta da Bíblia. Pode haver
mil aplicações diferentes de um versículo, mas apenas uma interpretação
correta. Minha interpretação pode não estar certa, e a sua pode não estar
certa, mas, se elas são diferentes, ambas não podem estar certas. Isso é
relativismo levado a um extremo ridículo. Quando alguém diz: “Bem, essa
é a sua interpretação,” eu responderia: “Vamos tentar encontrar o sentido
objetivo do texto e ir além de nossos preconceitos pessoais.”
Parece que todas as vezes que uma nova tradução da Bíblia aparece no
mercado há um certo grau de controvérsia que acompanha sua chegada. As
pessoas tendem a preferir as traduções testadas e confirmadas. A primeira
tradução da Bíblia das línguas originais para o vernáculo se tornou uma
questão tão controvertida que aqueles que ousaram traduzir a Bíblia em
alemão ou em inglês foram, em muitos casos, executados.
Por muitos anos a versão autorizada em inglês foi a King James Version
(Versão do Rei James). Quando apareceu uma tradução mais atualizada
como a Revised Standard Version (Versão Revista), houve um tremendo
grito de protesto contra ela. Esse protesto continua até hoje para aqueles
que preferem a edição da King James.
Existem basicamente duas razões para termos essa proliferação de no
vas traduções. A primeira é que, nesse século XX, experimentamos uma
explosão de conhecimento e informação sobre lexicografia antiga, ou o sig
nificado da palavra. Tivemos tantas descobertas a mais que lançaram luz
sobre o sentido preciso das palavras hebraicas e gregas, que nossa capaci
dade de traduzir documentos originais com precisão foi radicalmente au
mentada. Quando traduzimos um documento de uma língua para outra, cor
remos o risco de perder alguma precisão que existe no texto original. Sem
pre que temos uma compreensão melhor do original, desejamos refletir isso
na próxima edição de nossa tradução.
Segundo, descobrimos muitos outros textos do Novo Testamento grego,
e, para ser bem franco, os manuscritos gregos dos quais a versão King James
foi traduzida não eram os melhores manuscritos gregos. Desde que a versão
King James foi apresentada pela primeira vez tivemos um enorme progres
so na reconstrução dos manuscritos originais da Bíblia, e essa é outra razão
para fazermos atualizações.
Há ainda uma outra razão, e essa é que a língua muda, e palavras que
antigamente significavam uma coisa dentro de uma cultura, agora significam
outra. Há vinte anos atrás, gay, em inglês, significava “alegre.” Não é esse o
significado hoje. As palavras sofrem uma evolução, e isso tem de se refletir
em novas traduções. Também há diferentes tipos de traduções. Algumas ten
tam ser muito precisas, palavra por palavra, e outras tentam fazer mais uma
paráfrase. Vejo a Bíblia Viva como uma tentativa de simplificar e parafrasear, e
falar em termos gerais. As pessoas vêem nela um auxílio maravilhoso. Não a
recomendaria como a versão mais precisamente acurada para um estudo técni
co cuidadoso, mas creio que ela tem prestado um tremendo serviço ao povo de
Deus, simplificando a mensagem muitas vezes misteriosa das Escrituras.
Creio que sim, obviamente, naquilo que a Bíblia diz sobre si mesma. E
aquilo que a Bíblia diz sobre si mesma é muito importante para o moderno
debate sobre sua autoridade na vida da igreja e na vida do crente individual.
Um dos maiores debates de nossa era é essa questão de autoridade da Bí
blia. Mesmo que a Bíblia não reivindicasse autoridade sobre nós, a igreja ainda
a reconheceria como fonte primordial e diria: “Essa é a informação original que
temos dos ensinos de Jesus.” Obviamente, Jesus tem uma reivindicação de
autoridade sobre todo o crente visto que ele é o Senhor da igreja e o Senhor de
cada crente. E poderíamos atribuir esse tipo de autoridade às Escrituras.
Mas a autoridade da Bíblia não é provada por sua própria alegação.
Entretanto, é muito significativo que ela alegue ser a Palavra de Deus. Ago
ra, qualquer coisa que seja a Palavra de Deus, no meu entendimento, carre
garia em si, automaticamente, nada mais nada menos do que a autoridade
de Deus. O grande debate em nossos dias é se a Bíblia é inspirada, infalível
ou sem erros. Esses são os tipos de controvérsia sobre as quais as denomi
nações estão discutindo no mundo cristão de hoje.
E atrás de todo esse debate, na verdade, está a questão da medida da
autoridade da Bíblia.
Para ilustrar, deixem-me compartilhar uma breve história a respeito de um
amigo meu que disse que havia abandonado toda confiança na inspiração da
Bíblia ou em sua infalibilidade. Ele disse: “Mas ainda mantenho minha crença
em Cristo como meu Senhor.” Eu disse a ele sem rodeios: “Como Jesus exerce
seu senhorio sobre você?” Ele perguntou: “O que você quer dizer?” Eu respon
di: “Um senhor é alguém que tem autoridade para sujeitar sua consciência, para
lhe dar ordem de marchar, para lhe dizer ‘você precisa,’ ‘você deve,’ ‘Isso é
exigido de você.’ Como Jesus se toma seu Senhor? Como ele fala a você? Ele
fala audivelmente, diretamente, ou como?” Finalmente, ele compreendeu que a
única mensagem que temos de Jesus chega a nós por intermédio das Escrituras.
Portanto, a autoridade que a Bíblia tem sobre mim é a autoridade que Cristo
tem sobre mim, porque, quando ele enviou seus discípulos, ele lhes disse: “Quem
vos recebe a mim me recebe” (Mt 10.40). E é a autoridade de Cristo dada a seus
discípulos que encontramos na Bíblia. E, se vem de Cristo e, portanto, de Deus,
então sem dúvida toda a autoridade de Deus está por trás dela e sobre mim.
O que a Bíblia nos diz sobre a idade da terra? Lembro-me que uma vez
abri a Bíblia que estava sobre o púlpito de uma igreja. Abri na primeira
página porque ia pregar sobre o primeiro capítulo de Gênesis, e disse: “Li
vro de Gênesis” e então abaixo do título “O Livro de Gênesis” com os nú
meros em negrito estava impresso: “4004 a.C.” Bem na primeira página das
Escrituras. Eu ri.
Achei engraçado porque houve um homem cujo nome era Arcebispo
Usher, que, uns duzentos anos atrás, lendo as genealogias da Bíblia, calcu
lou uma duração média de vida de todos os que eram mencionados na
genealogia e deduziu o número altamente especulativo de 4004 como data
da criação, e tentou defender o seu ponto de vista de que realmente a Bíblia
apresentava a data de 4004 a.C. como a data da criação do mundo. O que
me perturbou foi ver aquele número realmente impresso na página das Sa
gradas Escrituras. Se alguém que não conhece a origem desse tipo de espe
culação apanha a Bíblia e lê em sua primeira página “4004 a.C.” e sua mãe
ou a professora da Escola Dominical lhe diz que o mundo foi criado quatro
mil anos antes de Cristo, mas a evidência científica indica que o universo
tem bilhões de anos de idade, esses alunos ficam perturbados e pensam que
alguém está atacando a Bíblia.
Entretanto, a realidade do fato é que a Bíblia não dá a mais leve indica
ção de quando ocorreu a criação. Portanto, realmente não deveríamos ficar
preocupados com isso.
Tenho muitas frustrações no ensino. Mas eu diria que minha maior frus
tração é que existe um tremendo espírito antiintelectual no Cristianismo
contemporâneo. É extremamente difícil educar pessoas que se opõem a
usar suas mentes. Qual é outra forma de educar?
Há razões para essa atitude. O cristianismo evangélico, por exemplo,
tem assistido a um ataque generalizado às coisas sagradas nas quais acredi
tam e pelas quais vivem — a Bíblia e todo o resto — por parte de colegas e
universidades, por professores e teólogos. Eles acabam desconfiando de
uma educação séria. Desejam manter sua fé simples, temendo que ela seja
alvo de algum tipo de crítica ou ataque. Eu ouço constantemente: “Você
precisa aceitar pela fé,” como se tentar entender alguma coisa fosse mal. E
quantas vezes você já ouviu as pessoas dizerem que desejam ter uma mente
como a da criança?
Entretanto, o que a Bíblia nos diz é que devemos ser crianças no mal,
que devemos ser como crianças em relação a não sermos sofisticados em
nossa capacidade de pecar. Mas no entendimento, devemos ser completa
mente crescidos e maduros. Devemos pôr de lado as coisas infantis. Fico
muito frustrado com a resistência que encontro na comunidade cristã con
tra um estudo aprofundado das coisas de Deus.
Minha segunda frustração é que muitos cristãos, para poder aprender as
coisas de Deus, primeiro precisam desaprender o que já aprenderam. Não é
por acaso que a maior ameaça contra a integridade de Israel no Antigo Tes
tamento e da segurança das nações não eram as nações oponentes ou inimi
gas, como os filisteus e os babilónicos, mas o inimigo local — o falso pro
feta. E o falso profeta seduzia as pessoas para longe da verdade de Deus.
Isso acontece hoje, e acontece dos dois lados do campo — dos liberais e dos
conservadores. Portanto, o que acontece é que as pessoas recebem ensina
mentos que não são sadios, e isso é frustrante.
O C A M I N H O DA SALVAÇÃO
7j B IB L IO T E Ç i U B R E Y ÇLAHK
• De que maneira Deus utiliza a culpa hoje?
• Deus nos amaldiçoa quando o desobedecemos, ou simplesmente retém a
sua bênção?
• Ajude-me a entender a doutrina da eleição.
• Segundo o meu entendimento da doutrina da predestinação, o homem
natural somente aceita a Cristo se Deus colocar esse desejo em seu cora
ção. Se Deus jamais colocar esse desejo, é justo que essa pessoa fique
eternamente perdida?
• Em João 6.70, Cristo diz que ele escolheu os doze. Isso significa que
Judas era um dos eleitos?
• Deus manteve sua promessa a Abraão de que seus descendentes seriam
salvos?
• O que é a doutrina da segurança eterna?
• Se a justificação é pela fé somente, como podemos aplicar Tiago 2.24
que afirma que uma pessoa é justificada por aquilo que ela faz, e não
apenas por sua fé?
• O cristão não está sendo bitolado ao dizer que Cristo é o único caminho?
Ouço isso de muita gente. Elas dizem: “Simplesmente não sinto neces
sidade de Cristo.” Como se cristianismo fosse algo que você empacota e
vende na rua! O que estamos tentando comunicar às pessoas é: “Aqui está
algo que vai fazer você se sentir bem, e todo mundo precisa de um pouco
disso no armário ou na geladeira”, como se fosse algum artigo que vai acres
centar um bocado de felicidade às nossas vidas.
Se a única razão que um ser humano tem para precisar de Jesus é ser
feliz, e a pessoa já se sente feliz sem Jesus, então, ela certamente não preci
sa de Jesus. O Novo Testamento, entretanto, indica que há outra razão pela
qual você, ou qualquer outra pessoa, precisa de Jesus. Existe um Deus que
é completamente santo, perfeitamente justo, e que declara que ele vai jul
gar o mundo e declarar todo ser humano responsável por sua vida. Como
um Deus perfeitamente santo e justo, ele exige de cada um de nós uma vida
de perfeita obediência e de perfeita justiça. Se existe um tal Deus, e se você
viveu uma vida de perfeita obediência e retidão — quer dizer, se você é
perfeito — então, certamente, você não precisa de Jesus. Você não necessi
ta de um salvador só porque pessoas injustas têm problemas.
A questão aqui é simples: Se Deus é justo e exige de mim perfeição e eu fico
aquém dessa perfeição, e ele vai me tratar com justiça, então estou antevendo um
futuro castigo nas mãos de um Deus santo. Se o único meio de escapar do castigo
é através de um salvador e se desejo escapar, então eu preciso de um Salvador.
Algumas pessoas dirão que estamos pregando a Jesus como uma passagem
de saída do inferno, como um meio de escapar do castigo eterno. Essa não é a
única razão pela qual eu falaria de Jesus às pessoas, mas é uma das razões.
Creio que muitas pessoas, na cultura de nossos dias, realmente não acre
ditam que Deus as responsabilizará por suas vidas — que Deus realmente
não exige retidão.
Quando assumimos esse ponto de vista, não sentimos o peso da ameaça
do julgamento. Se você não tem medo de enfrentar o castigo de Deus, então
seja feliz como um molusco. Eu viveria tremendo e com um medo terrível
diante da perspectiva de cair nas mãos de um Deus santo.
Absolutamente não. Essa pessoa não tem nenhuma esperança de ir para o céu
com base na atitude que você descreveu. Antes de mais nada, vamos entender que
a redenção não vem através da profissão de fé, mas da através da possessão da fé.
Aqueles que têm fé são chamados a professar essa fé, entretanto, a mera
profissão não garante que ela esteja realmente presente. Isso é particularmen
te verdade quando alguém faz essa profissão verbal exclusivamente como
um meio de cobrir suas dívidas ou por precaução, para se garantir contra as
conseqüências negativas. Do ponto de vista bíblico, a salvação requer um
arrependimento autêntico. Fé justificadora é uma fé arrependida. Se não há
arrependimento, isso indica que a profissão de fé é fraudulenta.
Se você mudar a sua questão e perguntar se uma pessoa pode viver a vida
inteira em pecado, rebelião e desobediência e então, no seu leito de morte verda
deiramente arrepender-se e ir para o céu, a resposta é sim — assim como o
ladrão na cruz encontrou o Salvador em seus momentos finais e recebeu a garan
tia da eternidade com ele. O Novo Testamento fala daqueles que são salvos por
um triz. Certamente não é uma atitude sábia adiar o seu arrependimento até o dia
da sua partida, porque você não sabe quando esse dia chegará. Mesmo assim,
fazer uma confissão simplesmente por medo não é suficiente, esse medo deveria
nos levar a pensar seriamente sobre nosso futuro estado.
Creio que uma vez que a pessoa seja autenticamente redimida, esteja
realmente em Cristo, essa pessoa nunca estará perdida para Cristo. Essa
pessoa tem o que chamamos segurança eterna — não por causa de sua ca
pacidade inata de perseverar, mas creio que Deus promete preservar os seus
e que temos o benefício do nosso Grande Sumo Sacerdote que intercede
por nós diariamente. Agora, ao mesmo tempo, os cristãos são capazes de
pecados grosseiros e hediondos. São capazes de abandonar seriamente a
Cristo. São capazes do pior tipo de negação e traição ao nosso Senhor.
Considere, por exemplo, o apóstolo Pedro que negou a Jesus com
blasfêmia. Ele foi tão enfático que proferiu blasfêmias para confirmar o
fato de que jamais conhecera Jesus. Se você está se referindo a alguém que
parecia não querer arrepender-se e que abandonou Jesus, Pedro é seu exem
plo clássico.
Embora seu colega, o discípulo Judas, também tenha traído Jesus e se
afastado dele, Jesus predisse ambas as traições na Última Ceia. Quando
Jesus falou de Judas, ele disse: “O que pretendes fazer, faze-o depressa" (Jo
13.27). E ele o despediu para a sua traição. Foi mencionado, nas Escrituras,
que Judas era, desde o princípio, o filho da traição. Creio que esteja claro,
na Oração Sacerdotal de Jesus que ele sabia que Judas nunca fora um cris
tão. Portanto, a traição de Judas não era o caso de um cristão se afastando
de Cristo.
Quando Jesus anunciou a Pedro que ele também o trairia disse: “Simão,
Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu,
porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te
converteres fortalece os teus irmãos.” (Lc 22.31,32). Pedro, então disse:
“Senhor, estou pronto a ir contigo, tanto para a prisão como para a morte".
Mas, é claro, ele não foi. Note, contudo, que quando Jésus predisse a trai
ção de Pedro, ele disse “Quando te converteres” — não “Se te converteres"
mas “Quando te converteres, fortalece os teus irmãos." Porque Jesus orou
como ele o fez em sua Oração Sacerdotal, ninguém poderá tirar o seu povo
de suas mãos.
O Novo Testamento promete que aquele que começou a boa obra em
você, irá aperfeiçoá-la até o fim (Fp 1.6). Sei que muitos cristãos acreditam
que um verdadeiro cristão pode perder a sua salvação. Eu não acredito. Eu
diria, juntamente com o Apóstolo João que “Eles saíram de nosso meio;
entretanto, não eram dos nossos". Penso que um cristão pode ter uma que
da séria e grande, mas não uma queda completa e definitiva — que ele será
restaurado como Davi que percebeu o seu pecado, como o Filho Pródigo
que retomou para si mesmo e como Pedro que, finalmente, se arrependeu.
Para nós é fácil elaborar uma definição teológica de graça. Dizemos que
graça é um favor imerecido — receber algo positivo e que não merecemos
das mãos de Deus. Mas compreender a benignidade da graça em qualquer
profundidade, creio que é um empreendimento que se estende pela vida intei
ra do cristão. Quando estava estudando teologia num curso de doutorado na
Europa, nosso professor na Universidade Livre de Amsterdã, G. C. Berkouwer,
certa vez fez a seguinte afirmação quando estávamos estudando teologia sis
temática: “Senhores, a essência da teologia é a graça.” Creio que ele está
certo. Quando chegamos à própria essência do que seja o estudo de teologia,
estamos estudando a graça de Deus, porque é pela graça de Deus que somos
cristãos. É pela graça de Deus que até mesmo respiramos a todo momento, e
é pela graça de Deus que recebemos todos os benefícios de suas mãos.
Não creio que entendemos isso quando nos tomamos cristãos. A Bíblia
fala de uma progressão. Temos a obrigação de andâr de vida em vida, de fé
em fé, de graça em graça. Do começo até o fim, a vida cristã inteira é graça,
e é por isso que digo que quanto mais estudamos a graça, mais graça nós
vemos. Já disse milhares de vezes que é fácil entender a justificação pela fé
somente — na cabeça. Não é tão fácil fazê-la chegar à corrente sangüínea,
compreender que a razão pela qual posso existir na presença de um Deus
santo é que sou uma pessoa perdoada — esse perdão é algo que eu jamais
poderia comprar, ou roubar ou implorar ou emprestar ou adquirir. Não te
nho nenhum mérito diante de Deus. O único mérito que posso gozar é aque
le que foi ganho por mim por Cristo. Vivo, me movimento e tenho minha
existência em virtude da retidão de Cristo, do mérito de Cristo que me é
conferido gratuitamente, graciosamente por Deus.
Falamos sobre as doutrinas da graça. Que outra doutrina existe senão a
doutrina da graça? Ela chama a atenção para o fato de que Deus é justo e eu
não o sou. A única maneira pela qual uma pessoa injusta pode existir num
universo governado por um Deus justo e santo é a graça. Mas é tão difícil
comunicar isso porque somos um povo de dura cerviz, exatamente como o
povo do Antigo Testamento. Bem no fundo, nutrimos esses sentimentos de
que Deus nos deve uma sorte melhor do que aquela que temos recebido ou
que Deus nos deve as dádivas e as bênçãos que temos recebido. Sentimos
que, de alguma forma, fizemos por merecer. E apenas próprio e apropriado
que eu tenha um trabalho melhor que você, ou mais talentos que você tem, ou
que eu viva numa casa melhor, porque isso é apenas a justiça de Deus preva
lecendo nesse mundo. Sempre que as coisas saem erradas, eu então fico furi
oso por causa disso. É então que descobrimos que não aprendemos a graça.
• Em M arcos 16.16 Jesus diz: “Quem crer e for batizado será sal
vo". Q u a l o papel d o b a tis m o em n o ssa salvação?
De um lado, nossas obras não têm absolutamente nada a ver com nossa
salvação; por outro lado, têm tudo a ver com ela. Essa é a principal discus
são que vem reinando entre os cristãos desde a Reforma Protestante.
Estou convencido de que nossas boas obras nunca merecem a salvação.
Merecer salvação significaria adquiri-la ou fazer jus a ela. As obras teriam
de ser tão boas, tão perfeitas, sem nenhuma mistura de pecado que impori
am uma obrigação a Deus de nos conceder salvação. Creio que o Novo
Testamento é abundantemente claro ao afirmar que nenhum de nós vive
uma vida suficientemente boa para merecer a salvação. Recebemos a salva
ção de Deus quando ainda somos pecadores (Ef 2.1-6). '
Por isso precisamos de um Salvador, de redenção — por isso precisa
mos da graça.
Muitas vezes, dizemos que “Ninguém é perfeito.” Todos concordamos
com isso. Mas nenhuma pessoa em um milhão compreende o que significa
essa afirmação. De alguma forma eles pensam que Deus vai fazer o gráfico
de uma curva e, “à medida que minha vida é menos pecaminosa que a de
outros, então, relativamente falando, ela é suficientemente boa para me le
var ao reino de Deus.” Esquecemos que Deus exige perfeita obediência à
sua lei, e se deixamos de obedecê-lo perfeitamente, então teremos de pro
curar em algum outro lugar para encontrar nossa salvação. É aqui que Cris
to entra. Cristo toma seu mérito disponível para nós. Quando confio nele
pela fé, então sua retidão se torna minha retidão diante de Deus. Portanto, é
a sua boa obra que me salva e que salva a você — não as nossas boas obras.
Entretanto, numa resposta de gratidão, somos chamados a obedecer. Jesus
disse: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos".
Martinho Lutero ensinou que a justificação é pela fé somente. Mas ele
ampliou o conceito dizendo que a justificação é só pela fé, mas não por uma
fé que está só. Uma pessoa que realmente confia em Cristo e repousa em
Cristo para a redenção recebe o benefício do merecimento de Cristo pela
fé. Mas se essa pessoa tem uma fé verdadeira, essa fé verdadeira se mani
festará numa vida de obediência. Em poucas palavras, eu entro no céu pela
justiça de Jesus, mas minha recompensa no céu será distribuída de acordo
com minha obediência ou a falta dela.
Quando falamos sobre Deus utilizar a culpa, isso parece estranho a mui
tas pessoas em nossa sociedade porque existe uma noção bem difundida de
que a culpa é algo intrinsecamente destrutivo para os seres humanos e que
impor culpa sobre qualquer pessoa está errado. Surge, então, a idéia de que
Deus certamente nunca iria utilizar algo como a culpa para produzir a sua
vontade nos seres humanos. Se ele o fizesse, isso estaria abaixo do nível de
pureza que preferiríamos ver em nosso Deus.
Em termos bíblicos, culpa é algo real e objetivo, e penso que é muito
importante distinguir entre culpa e sentimentos de culpa. Sentimentos de cul
pa são emoções que experimentamos subjetivamente. Culpa é uma situação
objetiva. Vemos isso em nossos tribunais de justiça. Quando uma pessoa é
julgada por ter quebrado uma lei, a pergunta diante do júri e diante do juiz
não é: O acusado se sente culpado? Mas: Existe uma situação real que chama
mos culpa? A lei foi transgredida? Assim é com Deus. A culpa é objetiva aos
olhos de Deus sempre que sua lei é quebrada. Quando quebro sua lei incorro
em culpa, mas posso ou não ter sentimentos de culpa a respeito de minha culpa.
Suponho que atrás de sua pergunta exista uma preocupação sobre como
Deus utiliza os sentimentos de culpa assim como a culpa real e objetiva.
Uma das ações mais importantes do Espírito Santo na vida do crente é o
que o Novo Testamento chama de convicção de pecado. Podemos ser cul
pados e não nos sentirmos culpados. Davi por exemplo, quando se envol
veu com Bate-Seba e foi até o ponto de arranjar as coisas para que o marido
dela fosse morto, não sentiu grande remorso até que Natã, o profeta, veio
até ele e lhe contou uma parábola. A parábola falava sobre um homem que
roubou uma ovelha que pertencia a um homem pobre. Davi ficou furioso e
quis conhecer quem era esse homem para que ele pudesse ser punido. Final
mente, Natã apontou seu dedo para Davi e disse: “Você é esse homem.” Com
a compreensão do completo significado de sua culpa, Davi ficou instantane
amente prostrado e então escreveu aquele magnífico hino de penitência que é
o Salmo 51, no qual ele chorou em sua convicção de pecado diante de Deus.
O que Deus faz com nossas culpas e nossos sentimentos de culpa é nos
trazer a um estado no qual somos convencidos do pecado e de nossa quebra
da justiça. Ele usa aqueles sentimentos para nos trazer da desobediência
para a obediência. Nesse sentido, culpa e sentimentos de culpa são sadios.
Assim como a dor é um sinal necessário da presença de uma doença, assim
sentimentos de culpa podem, muitas vezes, ser a maneira divina de nos
despertar para a nossa necessidade de redenção.
• Deus n o s a m a ld iç o a q u a n d o o d e so bedecem os, o u s im
p le s m e n te re té m a sua bênção ?
• A ju d e-m e a e n te n d e r a d o u tr in a da eleição.
• S e g u n d o o m e u e n te n d im e n to da d o u tr in a da p re d e s ti
nação, o h o m e m n a tu ra l s o m e n te aceita a Cristo se Deus
colocar esse desejo e m seu coração. Se Deus n u n c a co lo
car tal desejo, é ju sto q u e essa pessoa fique e te r n a m e n te
p e rd id a ?
Eleição inclui Deus escolhendo pessoas, mas não significa que tudo que
Deus escolhe é uma questão de eleição.
Quando Jesus diz a respeito dos doze: “Não vos escolhi eu em número
de doze?”, podemos deduzir dessa afirmação que Jesus está dizendo: Vocês
doze foram eleitos para toda a eternidade para receber a graça da salvação.
Se é isso que Jesus quer dizer por “eu escolhi estes doze,” então, isso certa
mente significa que todos os doze discípulos, incluindo Judas, estavam con
tados entre os eleitos e seriam, presumivelmente, salvos.
Mas as Escrituras parecem adotar uma visão sombria a respeito da
futura condição de Judas, o qual, até onde podemos discernir do Novo
Testamento, morreu sem ter sido restaurado à comunhão com Cristo.
Creio que o que Jesus está dizendo é que ele escolheu aqueles doze para
serem seus discípulos. Ele continua para afirmar que sempre soube que
um deles era o filho da perdição. Jesus revela que ele sabia muito bem
o estado da alma de Judas quando o escolheu para participar como dis
cípulo na sua escola rabínica. Lembre-se que um discípulo é simples
mente um aluno. Um discípulo na antiga comunidade judaica era uma
pessoa que se ligava à escola de um rabino em particular e tomava-se
seu aluno. Jesus era um rabino peripatético (que ensina andando), um
rabino cuja escola não ficava num prédio, mas ao ar livre. Ele andava e
seus discípulos literalmente o seguiam. Ele tomavam notas e memori
zavam o que ele ensinava.
Jesus selecionou Judas para matricular-se em sua escola. Obviamen
te, o propósito disso era cumprir as Escrituras. Jesus indica isso — que
esse homem era um “filho da perdição” desde o começo, para que as
Escrituras fossem cumpridas, que Jesus seria entregue por uma traição.
Jesus selecionou alguém que ele sabia que o trairia e alguém que ele
sabia que não estava com sua alma num estado redimido. Não creio que
haja qualquer conflito ou contradição aqui entre o fato de que Jesus disse
que havia escolhido a Judas e o fato de que o resto dos discípulos foram,
presumivelmente, escolhidos não apenas para serem discípulos, mas tam
bém escolhidos para serem apóstolos. Eles foram escolhidos desde toda a
eternidade para serem incluídos como pilares do reino de Deus e, portan
to, escolhidos para a salvação eterna.
• C o m o Deus c u m p r iu sua p ro m e s sa a Abraão de q u e seus
d e s c e n d e n te s se riam salvos?
• O q u e é a d o u tr in a d a segurança e te rn a ?
Essa pergunta não é crítica apenas nos dias de hoje, mas estava no centro da
tempestade que chamamos Reforma Protestante que avançou e dividiu a igreja
cristã no século XVI. Martinho Lutero declarou sua posição: A justificação é
pela fé somente, nossas obras não acrescentam nada à nossa justificação e não
temos nenhum mérito para oferecer a Deus que, de alguma forma, aumente
nossa justificação. Isso criou o pior cisma na história do Cristianismo.
Recusando-se a aceitar o ponto de vista de Lutero, a Igreja Católica
Romana o excomungou e respondeu à insurreição do movimento protestan
te com um grande concílio, o Concílio de Trento, que fez parte da assim
chamada Contra Reforma e aconteceu em meados do século XVI. A sexta
sessão do Concílio de Trento, na qual os cânones e decretos sobre justifica
ção e fé foram estabelecidos, apelava especificamente para Tiago 2.24 para
repreender os protestantes que afirmavam que eram justificados somente
pela fé. “Verificais que uma pessoa é justificada por obras, e não por fé
somente.” Como seria possível Tiago afirmar isso com mais clareza? Pare
ce que aquele texto tiraria Lutero de cena para sempre.
Sem dúvida, Martinho Lutero estava perfeitamente consciente de que
esse versículo estava no livro de Tiago. Lutero estava lendo Romanos, em
que Paulo deixa muito claro que não é através das obras da lei que qualquer
pessoa é justificada, e que somos justificados pela fé e somente através da
fé. O que acontece aqui? Alguns estudiosos dizem que existe um conflito
irreconciliável entre Tiago e Paulo, que Tiago foi escrito depois de Paulo e
Tiago tentou corrigir Paulo. Outros dizem que Paulo escreveu Romanos
depois de Tiago e estava tentando corrigir Tiago.
Estou convencido de que realmente não há conflito nenhum. O que Tiago
está dizendo é o seguinte: Se uma pessoa diz que tem fé, mas não dá nenhuma
evidência exterior dessa fé através de boas obras, sua fé não o justificará. Martinho
Lutero, João Calvino, ou João Knox certamente concordariam com Tiago.
Não somos salvos por uma profissão de fé ou por uma alegação de fé.
Essa fé tem de ser genuína antes que o mérito de Cristo seja imputado a
qualquer pessoa. Você não pode simplesmente dizer que tem fé. A verda
deira fé certamente e necessariamente produzirá os frutos da obediência e
as obras da retidão. Lutero estava dizendo que estas obras não acrescentam
à justificação da pessoa diante do tribunal de Deus, mas que elas justificam
sua alegação de fé diante dos olhos dos homens. Tiago não está dizendo que
a pessoa é justificada diante de Deus por suas obras, mas que sua alegação
de fé é evidenciada como genuína à medida que essa pessoa demonstrar a
evidência daquela alegação de fé através de suas obras.
Creio que o Novo Testamento ensina que o mundo inteiro nasce dentro
das conseqüências de uma natureza decaída por causa do pecado de Adão e
Eva. O Novo Testamento repete essa idéia freqüentemente — “que pela
desobediência de um homem a morte veio ao mundo.” Isso tem sido razão
de muito protesto teológico. Que tipo de Deus puniria todas as pessoas com
as conseqüências de um pecado individual? De fato, isso parece ser contrá
rio ao que ensina o profeta Ezequiel. Ele advertiu o povo de Israel quando
disseram que os pais haviam comido uvas verdes e os dentes dos filhos
nasceram embotados. O profeta diz que Deus trata cada pessoa de acordo
com seu próprio pecado. Ele não pune a mim por aquilo que meu pai fez,
nem pune meu filho por aquilo que eu fiz, embora as conseqüências pos
sam atingir até três ou quatro gerações. A mensagem de Ezequiel parece ser
que a culpa não é transferida de uma pessoa para outra.
Isso toma a questão muito mais complicada. Em protesto, gostaríamos
de dizer: “Nenhuma condenação sem representação.” Não gostamos de ser
responsabilizados por algo que outra pessoa fez, embora haja ocasiões em
nosso sistema de justiça em que reconhecemos um certo grau de culpabilida
de por aquilo que outra pessoa faz por razão de uma conspiração criminal.
Por exemplo, posso contratá-lo para matar alguém. Mesmo que eu este
ja longe da cena do crime e não puxe o gatilho, ainda posso ser julgado por
assassinato em primeiro grau. Sou culpado da intenção e malícia de preme
ditar aquilo que você executou na realidade.
Você pode argumentar que essa é uma analogia muito pobre sobre a
queda porque ninguém contratou Adão para pecar contra Deus em meu
nome. Obviamente não fizemos isso. Ele foi designado como representante
de toda a raça humana. Novamente, tendemos a achar que isso é difícil de
engolir porque não gosto de ser responsabilizado por aquilo que o meu re
presentante faz se não tive a oportunidade de escolher o meu representante.
Certamente, não escolhi Adão para me representar. Essa é uma das razões
pelas quais gostamos de ter o direito de eleger nossos representantes no
governo: As atitudes que eles tomam na esfera política têm enormes conse
qüências em nossas vidas. Nem todos podemos estar na capital do país pro
mulgando a legislação. Desejamos eleger nossos representantes na esperança
de que eles representarão corretamente nossos desejos e nossas vontades.
Não houve nenhuma ocasião na história da humanidade em que você
estivesse mais perfeitamente representado do que no Jardim do Éden, por
que o seu representante foi escolhido infalivelmente por um Deus onisciente,
perfeitamente santo, perfeitamente justo. Portanto, não posso dizer que eu
teria agido de maneira diferente de Adão.
Um último ponto: se por princípio objetamos que Deus permite que uma
pessoa aja pela outra, isso seria o fim da fé cristã. Toda nossa redenção repou
sa no mesmo princípio, que através das obras de Cristo nós somos redimidos.
Eu hesito um pouco quando você me faz essa pergunta porque não tenho
boas recordações em minha memória de ter respondido a essa pergunta no pas
sado e com o fato de que as pessoas ficaram muito aborrecidas com o que eu
disse. O que me confunde é que parece haver um grande número de cristãos que
assume a posição de que não há graduação de pecado, que todo pecado é pecado
e não há diferença entre pecado mais sério e pecado menos sério.
A Igreja Católica Romana historicamente faz uma diferença entre peca
do mortal e pecado venial, o que significa que alguns pecados são mais
hediondos que outros. Pecado mortal é assim chamado porque é suficiente
mente sério para destruir a graça salvadora na alma. Ele mata a graça, e por
isso é chamado mortal.
Os Reformadores Protestantes do século XVI rejeitaram o conceito
de distinção entre venial e mortal. Calvino, por exemplo, diz que todo
pecado é mortal no sentido de que merece a morte, mas nenhum pecado
é mortal, exceto a blasfêmia contra o Espírito Santo, no sentido de que
ela destruiria a salvação que Cristo adquiriu para nós. Na reação protes
tante à distinção católico-romana entre pecado venial e pecado mortal, os
reformadores protestantes não negaram as graduações de pecado. Eles
ainda mantiveram a noção de graus maiores e menores de pecado. O que
estou dizendo é que, no Cristianismo ortodoxo, ambos, católicos-roma-
nos e as denominações protestantes, assumem a posição de que há alguns
pecados que são piores do que outros. Eles fazem essa distinção porque
as Escrituras ensinam isso claramente.
Se olhamos para a lei do Antigo Testamento, vemos que algumas ofen
sas devem ser tratadas, nesse mundo, com a pena de morte, e outras com
castigo corporal. Há distinção, por exemplo, entre assassinato e intenção
criminosa ou premeditação e aquilo que chamamos de homicídio involun
tário. Há pelo menos vinte e cinco ocasiões em que o Novo Testamento faz
distinção entre males maiores e menores. Jesus diz, por exemplo, em seu
julgamento: “quem me entregou a ti, maior pecado tem." (Jo 19.11).
Há evidência abundante nas Escrituras para insistir na noção de gradua
ção de pecado. Não apenas isso, mas o simples princípio de justiça indica
ria assim. Mas penso que as pessoas tropeçam nesse ponto por duas razões.
A primeira é a afirmação de Tiago de que: “...qualquer que guarda toda a
lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos". Isso soa como
se Tiago estivesse dizendo que se você diz uma mentira inocente, isso é tão
ruim quanto matar uma pessoa a sangue frio. Mas Tiago realmente está
dizendo que todo pecado é sério no sentido de que todo pecado é uma ofen
sa contra o legislador, de maneira que, no mais leve pecado estou pecando
contra a lei de Deus.
Eu tenho violado todo o contexto da lei de diversas maneiras. Portanto,
todo pecado é sério, mas disso não podemos concluir, logicamente, que
todo pecado é igualmente sério.
As pessoas também se referem à afirmação de Jesus de que se você olhar
para uma mulher com intenção impura, você já violou a lei contra o adultério.
Jesus não diz que a luxúria é tão errada quanto o adultério em si. Ele está
simplesmente dizendo que se você se abstém apenas do ato, você não é total
mente puro; há elementos menos importantes na lei que você violou.
Quando a Bíblia fala de nossa “velha natureza,” é fácil supor que ela se
refira às memórias daquilo que se passou em nossa vida, nossos velhos
padrões de comportamento. Penso que a expressão significa muito mais do
que isso. O contraste entre velha e nova naturezas ao qual Paulo se refere
freqüentemente nas Escrituras é muitas vezes apresentado em outros ter
mos: velho homem e novo homem. A maneira geral com a qual o apóstolo
descreve é o contraste entre carne e espírito.
Creio que quando Paulo fala de velho homem, ele está se referindo à nature
za humana decaída que é o resultado direto do pecado original; isto é, pecado
original não é o primeiro pecado cometido por Adão e Eva, mas a conseqüência
dele. O fato é que somos seres decaídos e que nós, por causa dessa natureza
decaída, nascemos num estado de separação de Deus. Estamos mortos para as
coisas do Espírito. Paulo nos diz em Romanos que a mente da carne não pode
agradar a Deus. Não temos nenhuma inclinação ou disposição para obedecer a
Deus num sentido espiritual. Essa é a nossa velha natureza, nascemos desse jei
to. Somos por natureza filhos da ira; estamos por natureza nesse estado de sepa
ração. É a partir dessa natureza que o Novo Testamento nos descreve como seres
escravos dessa inclinação ou disposição para pecar.
Esse foi um debate que Jesus teve com os fariseus quando lhes disse que
se eles continuassem com seus ensinamentos, eles seriam livres, e os fariseus
ficaram indignados dizendo: “...jamais fomos escravos de alguém”. Jesus
lhes disse: “...todo o que comete pecado é escravo do pecado”. Jesus lhes
disse que eles eram escravos do pecado.
Paulo afirma que estamos debaixo do pecado, isto é, debaixo do peso
dele, debaixo do seu fardo, porque a única disposição e inclinação que te
mos é a da carne. Não temos nenhuma inclinação natural para as coisas do
Espírito até sermos nascidos do Espírito. Quando uma pessoa é regenerada,
o Espírito de Deus vem e age sobre aquela pessoa e ele ou ela são uma nova
pessoa. Aquele que está em Cristo é nova criatura. Eis que as velhas já
passaram e todas as coisas se tornaram novas.
Isso não significa que a velha natureza pecaminosa, com sua disposição alheia
a Deus esteja aniquilada. Para todos os propósitos e intenções ela foi destinada à
morte. Sabemos que a batalha está ganha. Paulo diz que a velha natureza está
morrendo diariamente, e que num certo sentido ela foi crucificada com Cristo na
cruz. Não há nenhuma dúvida a respeito de sua destruição final e completa.
Nesse meio tempo, vivemos essa luta diária entre o velho homem e o novo ho
mem, a velha natureza e a nova natureza, o velho desejo pelo pecado e a nova
inclinação que o Espírito de Deus fez nascer em nossos corações. Agora há uma
sede e uma paixão por obediência que não havia lá antes.
• Tiago 5 diz: "sabei que aquele que converte o pecador do seu cam inho
errado salvará da morte a alm a dele". Você p o d e explicar o q u e
Tiago q u e r dizer c o m essa passagem ?
Jesus amplia essa frase curta, enérgica. A medida com a qual você jul
gar outras pessoas é a mesma através da qual você está em perigo de ser
julgado por Deus. Se não tenho misericórdia e graça ao lidar com outras
pessoas, então dificilmente posso esperar que Deus se incline para mim
com misericórdia e graça.
Um dos paralelos da Oração do Senhor é ''perdoa-nos as nossas dívidas
assim como perdoamos nossos devedores”. E preciso haver um espírito de
misericórdia que é característico da vida cristã porque nós existimos no
Reino de Deus só, e exclusivamente, pela graça. Se há pessoas que deveri
am estar evitando um espírito julgador, deveriam ser aquelas que experi
mentaram a misericórdia de Deus.
Quando Jesus diz: “Não julgueis para que não sejais julgados'”, ele usa
uma palavra que, em seu sentido mais técnico, indica o julgamento de con
denação. Encontramos uma distinção importante no Novo Testamento en
tre o que chamaríamos de julgamento de discernimento ou avaliação e jul
gamento de condenação. A passagem na qual Jesus diz: “Não julgueis para
que não sejais julgados” não é uma proibição absoluta contra estarmos cons
cientes do que é mau em oposição ao que é bom ou certo. Somos chamados
a reconhecer a diferença entre bem e mal, e isso significa que temos de
fazer julgamentos o tempo todo — julgamentos de verdade se o meu compor
tamento ou o seu comportamento ou o comportamento de um grupo está ou
não conforme os princípios de Deus.
Às vezes, as pessoas ficam muito nervosas quando digo: “Não creio que
isso seja algo que devamos fazer, porque isso seria uma violação da ética.”
Alguém pode pular e dizer: “Quem é você para julgar? Não julgueis para que
não sejais julgados.” De fato, o que estamos tentando fazer é chegar a um
discernimento, a uma avaliação da importância ética de uma determinada
situação. Mas o que Jesus está dizendo é que não devemos ter uma atitude
condenatória para com as pessoas — o que é chamado espírito vingador.
Uma das melhores maneiras que conheço de lidar com isso na prática é
entender a diferença entre o que chamamos de julgamento de caridade e um
julgamento sem caridade. É a diferença entre a análise de melhor hipótese
e pior hipótese. No julgamento de caridade, a pessoa recebe o benefício da
dúvida se ela fez algo que talvez não seja tão obviamente certo, ao invés de
interpretar seu comportamento com a pior hipótese possível. Infelizmente a
maioria de nós reserva o julgamento de caridade para nossas próprias ações,
e somos muito mais bondosos conosco mesmos do que com os outros. É
contra essa atitude e esse espírito que Jesus está falando aqui.
• S e m p re h o u v e d e s e n v o l v i m e n t o s filosóficos in filtran d o-
se e m n o ss a cultura, m as quais os tipos de de senv o lv i
m e n t o filosófico c o m os qu ais nós, cristãos, dev eríam o s
estar p r e p a r a d o s para lidar e m noss a sociedade atual?
• O q u e é n a r c i s i s m o e q u a l o seu i m p a c t o sobre n o s s a
sociedade e sobre o fu tu r o de nossos filhos?
Não tenho certeza sobre o grau de ameaça que ele representa, mas ele
certamente compete com o Cristianismo pelas mentes e corações das pes
soas. O humanismo secular, como visão do mundo, está em rota de colisão
com o sistema de valores e crenças do Cristianismo.
Essas duas visões adotam posições radicalmente diferentes no que con
cerne a como Deus se relaciona com o mundo e conosco.
Estou constantemente tentando relembrar aos meus irmãos cristãos que
nossos antepassados, ao escreverem a constituição dos Estados Unidos da
América, concordaram em viver lado a lado, concordando em discordar
com incrédulos sobre assuntos como esses. Cristãos e não-cristãos compar
tilham da proteção da Carta de Direitos. A Primeira Emenda (Constituição
Norte Americana N.T.) garante a nós, como cristãos, o direito da livre ex
pressão de nossa fé. Também garante ao não-cristão proteção contra aque
les cristãos que procuram estabelecer o Cristianismo como a fé religiosa
oficial dos Estados Unidos da América. Concordamos constitucionalmente
em não estabelecer uma religião oficial.
Portanto, quando nós cristãos tentamos usar os tribunais para insistir que
seja utilizada uma literatura cristã no sistema escolar público, creio que estamos
violando a Primeira Emenda, assim como sentimos que alguns de nossos
direitos têm sido violados em certas ocasiões pelas recentes práticas legislativas
nesse país. Provavelmente em sua maior parte, aqueles que têm lutado para
que a criação seja ensinada no sistema educacional público, o fazem sob a
apelação de que a criação é a explicação científica autêntica da origem do
universo, e não de que ela seja especificamente cristã. Entretanto, isso é ime
diatamente encarado como uma tentativa de cristianizar o sistema escolar.
Mas o que dizer da retirada de livros de texto “ofensivos” do sistema
público de educação? Essa pergunta focaliza de maneira aguda uma questão
com a qual temos lutado durante os últimos trinta anos nesse país: Qual a
posição filosófica que o sistema de educação pública adota na sua instrução?
A Corte Suprema estabeleceu que o humanismo é uma religião, e tam
bém que está errado ensinar religião nas escolas públicas. O problema é
que qualquer coisa que é ensinada nas escolas públicas pode ser considerada
como religião. Muitas pessoas vivem embalando o mito de que, de alguma
forma, é possível ensinar uma visão de mundo neutra no sistema público de
educação. Nunca houve tal coisa como uma educação com um sistema de
valores neutro. A ironia é que a pergunta básica dentro da luta que enfrenta
mos é se seria possível ou não termos um sistema público de educação dentro
dos limites da Constituição. Esse é o problema, mas precisamos ser cuidado
sos para não tentar usar a lei para forçar nossa fé sobre não-crentes.
Meu pai, meu avô, meu tio e meu sogro, todos eram maçons. Estou um
tanto aborrecido com todo esse conflito que parece existir hoje sobre os maçons
e outras organizações fraternais. A controvérsia exige algumas explicações.
Primeiro, há tipos diferentes de organizações fraternais, algumas das
quais são estritamente sociais. Não há nada errado em que as pessoas se
reúnam por razões sociais. Na igreja, essa reunião recebe o nome de comu-
nhão entre os crentes e reconhecemos que isso é uma parte muito importan
te de nossa humanidade. Outras organizações fraternais se formam com o
propósito expresso de serem organizações de serviço para, por exemplo, aliviar
o sofrimento, ajudar cegos e órfãos. Eles se envolvem em atividades humanitá
rias. Como um cristão deve responder a isso? Creio que com tanta cooperação
quanto possível. Não posso imaginar por que um cristão teria objeções a isso.
Você pode ter problemas com algumas organizações porque suas ori
gens históricas têm fortes implicações religiosas, possuindo credos e ceri
mônias. O que acontece quando um cristão se une a uma organização que
tem um credo que não é totalmente compatível com suas crenças cristãs?
Obviamente ele tem um conflito. Outras pessoas podem ter uma grande
dificuldade de entender esse conflito.
Por exemplo, na América existe uma visão eclética, pluralista, que diz que
não importa o que você crê, desde que você seja sincero. Alguns desses grupos
têm credos que afirmam que não existe nenhuma diferença básica entre Cristia
nismo e Islamismo ou outras religiões. Isso é ofensivo para um cristão porque há
diferenças significativas entre essas religiões, sendo que a principal delas é a sua
visão de Cristo. Somos consagrados a Cristo. Estamos convencidos de que ele é
o Filho Unigénito de Deus. Portanto, se confesso no domingo de manhã que
Cristo é o Filho Unigénito de Deus, e num outro dia, numa reunião da ordem
fraternal confesso o contrário, tenho um conflito em minha profissão de fé reli
giosa. Pessoas mais sensíveis enfrentam grandes lutas.
Para ser justo com as pessoas, algumas dizem que tudo isso é apenas
uma parte do ritual e da cerimônia e que, na realidade, não toca na essência
daquilo a que o clube se propõe. Creio que as pessoas são muito sinceras
quando dizem isso. Os cristãos devem ser cuidadosos ao ouvir e dizer que a
razão pela qual essas pessoas fazem parte da ordem não é porque estão
tentando transformá-la numa religião substituta. Essas organizações têm
credos e as pessoas precisam recitá-los, e quer elas queiram que isso seja
uma atividade religiosa ou não, continua sendo uma atividade que pressio
na pessoas que têm uma convicção religiosa diferente.
• S u p o n d o - s e q u e eu t e n h a u m b o m r e l a c i o n a m e n to c o m
u m a m ig o q u e r e a l m e n t e n ã o acredita e m Deus, c o m o
poss o p e n s a r c o m ele a respeito da existência de Deus?
É difícil colocar tudo o que a Bíblia diz sobre oração num único pacote.
Muitas das instruções sobre oração que encontramos no Novo Testamento
nos são entregues na forma literária de aforismos, que são afirmações cur
tas, vigorosas, de um princípio geral, quase como um provérbio que é ver
dadeiro de forma geral mas não é uma promessa absoluta.
Jesus diz: “se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de
qualquer cousa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai
que está nos céus” (Mt 18.19). Essa afirmação carrega todo um histórico de
condições sobre a concordância com alguma coisa no Antigo Testamento.
Mas uma leitura simples e superficial dessa passagem faria você pensar
que tudo o que é necessário fazer é encontrar outra pessoa que concorde
com o que você disse e isso lhe será feito. Quantos de nós gostaríamos de
ver uma cura para o câncer? Ou que todas as guerras do mundo terminas
sem para sempre? Se pudéssemos encontrar duas pessoas que concordas
sem com isso, de acordo com o que Jesus disse nessa passagem, seu pedido
seria imediatamente atendido. Obviamente não é isso o que ele quis dizer.
Quando podemos, categórica e absolutamente, ter certeza de que vamos
receber aquilo que pedimos?
Creio que há oportunidades em que Deus nos faz promessas categóri
cas. Por exemplo, ouvimos que se confessarmos nossos pecados, Deus é
fiel e justo para perdoá-los e nos purificar de toda injustiça. Penso que está
claro nas Escrituras que, quando uma pessoa se arrepende de seu pecado e
vem diante de Deus num espírito de contrição genuína, e confessa e reco
nhece aquele pecado diante dele, essa pessoa pode crer, com absoluta certe
za, que sua oração foi ouvida e respondida.
Em outra ocasião, quando Jesus nos encoraja a orar, ele diz: “Vocês não rece
bem porque não pedem.” Ele faz a seguinte analogia: “qual dentre vós é o pai que,
se ofilho lhe pedir pão lhe dará uma pedra, ...ouse lhe pedir um ovo lhe dará um
escorpião?” (Lc 11.11,12). Jesus nos encoraja a levar nossas petições a Deus,
assim como Paulo diz: “...em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as
vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças.'’'’ (Fp 4.6). Há
uma quantidade enorme de coisas que Deus promete nos dar o tempo todo.
Outras coisas são pedidos fúteis. Se conhecermos bem as Escrituras, há
certas coisas que não pediremos. Lembro-me de ver, na televisão, uma en
trevista com um homem que dirigia uma série de casas de prostituição. Ele
disse que havia feito um pacto com Deus quando iniciou o seu negócio: Ele
daria uma porcentagem de sua renda a Deus se ele abençoasse o seu negó
cio. Deus tinha abençoado o seu negócio, portanto, ele estava retribuindo o
favor através de todo dinheiro que estava dando à igreja. Bem, pedir a Deus
que abençoe algo que ele abomina, é orar contra a vontade moral de Deus.
Há muitos outros pedidos de oração que recaem entre aquelas coisas
pelas quais não devemos orar, e outros pelos quais sabemos que certamente
devemos orar. Tragam os pedidos a Deus com humildade, e depois permi
tam que Deus seja Deus. Ele às vezes diz sim, e às vezes diz não. Você traz
o seu pedido, e então deixe que o Pai decida.
Não creio que haja muitas outras coisas mais próprias para se dizer em
oração do que “se for da tua vontade.” Sei que algumas pessoas têm uma
noção confusa a respeito dessa afirmação na oração dizendo que ela é um
tipo de fuga, que devemos orar crendo que nossas orações são ouvidas e
respondidas mesmo antes de vermos o seu resultado. Elas pensam que dizer
“se for da tua vontade” é um ato de descrença.
Há oportunidades em que não precisamos dizer “se for da tua vontade.”
Há ocasiões em que nos aproximamos de Deus em oração com questões
para as quais ele fez uma promessa clara — por exemplo, quando Deus diz
que se confessarmos nossos pecados ele é fiel e justo para nos perdoar.
Portanto, quando confessamos nossos pecados a Deus, nos arrependemos e
pedimos o seu perdão, não é necessário acrescentar “se for da tua vontade.”
A única regra absoluta que creio que todos devem levar para o seu mo
mento de oração é que, sempre que você falar com Deus, deve se lembrar de
quem você é e de quem ele é. Certamente não é uma ofensa ao Todo-podero-
so expressar o fato de que você está disposto a se submeter à sua vontade.
O melhor de todos os precedentes para se dizer “se for da tua vontade.” está
registrado no Novo Testamento. Na grande paixão de nosso Senhor, quando ele
entrou em agonia no jardim do Getsêmani e lutou com seu Pai, ele disse: “passa
de mim este cálice”. Jesus perturbou-se na noite anterior à sua morte. Lembre-
se, ele não estava apenas enfrentando a morte, ele estava enfrentando a punição
do inferno pelos pecados de todas as pessoas. É absolutamente impossível para
mim compreender a medida completa do tormento que Jesus iria enfrentar no
dia seguinte. Por isso ele gritou no jardim: “Passa de mim este cálice; contudo
não seja o que eu quero, e sim o que tu queres” (Mt 14.36). Isso é o mesmo que
dizer: “Se for da tua vontade, não me peça para fazer isso.” Em circunstâncias
iguais, o Filho estava dizendo: “Eu certamente gostaria que este cálice estivesse
bem longe de mim, mas se isso não é o que você quer, então dá-me o cálice e eu
o beberei até a última gota amarga.” Penso que essa é a maneira como devería
mos respeitar a Deus quando oramos.
Somos encorajados por Deus a trazer nossos pedidos com gratidão e
com confissão, e ele nos ensina que não temos porque não pedir. Jesus nos
diz que Deus, em alguns aspectos, é como um pai humano, e que pai daria
uma pedra se o filho lhe pedir pão? Deus deseja responder suas orações,
deseja prestar ajuda a você.
Mas, ao mesmo tempo, você deve ser respeitoso e humilde quando vai à
sua presença. Dizer: “se esta for a tua vontade” simplesmente expressa nos
so respeito para com a soberania de Deus.
Creio que podemos dizer com certeza que não apenas os cristãos podem
estar certos de que Jesus orará pelas pessoas se lhe pedirmos para orar por
elas, mas que Jesus orará por elas mesmo que não peçamos. Essa é a sua
promessa para nós. Freqüentemente essa dimensão do ministério de Jesus é
desprezada. Ficamos empolgados com o Natal e isso está certo; ficamos
empolgados com a crucificação e a ressurreição. Mas deixamos de prestar
atenção na ascensão de Jesus e o que isso significa para nós. Depois da
ressurreição ele ascendeu ao céu. Ascender, no Novo Testamento, é um ter
mo técnico que significa uma pessoa que vai para um lugar de autoridade.
Jesus vai para ser investido como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Ele
vai para a sua coroação, na qual Deus lhe dá toda autoridade sobre o céu e
a terra. Mas essa não é a sua única função.
Como nosso Messias, nosso Salvador, ele é um Rei-Sacerdote. Ao mes
mo tempo que é Rei dos reis, ele age como o supremo grande Sumo Sacer
dote. A principal tarefa do Sumo Sacerdote no céu é interceder por seu
povo. Isso significa que Jesus ora por nós e leva nossas petições e preocupa
ções diante do trono de Deus. Na noite em que foi traído, quando Jesus
celebrou a Páscoa com seus discípulos pela última vez, ele predisse que
Judas o trairia e que Simão Pedro o negaria. Em Lucas 22, Jesus diz: “Si
mão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo!
Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando
te converteres, fortalece os teus irmãos” (Lc 22.31). Aqui vemos um exem
plo de Cristo orando por Pedro antes mesmo que Pedro pedisse a ele que
orasse. Pedro nem sequer entendeu que ele precisava de oração intercessória.
Ele negou que jamais fizesse tal coisa. Mas Jesus já havia orado por ele.
Um excelente capítulo para ler sobre as orações de Cristo em nosso favor
é João 17. Essa é a mais longa oração de Jesus registrada nos evangelhos. É
chamada a Oração Sacerdotal de Cristo, e é uma oração de intercessão mag
nífica. E eu diria a todo cristão que, naquele preciso momento da história,
Jesus Cristo orou por você. Ao interceder por seus discípulos, ele implorou ao
Pai não apenas pelo bem-estar deles, mas que as bênçãos do Pai viessem
sobre todos aqueles que cressem através dos seus esforços — isto nos inclui.
Deus ouve as orações de todos, desde que elas alcancem seus nervos
auditivos (embora ele não tenha nervos auditivos). Quero dizer, Deus está
intensamente consciente de tudo o que dizemos. Nesse sentido, Deus ouve
todas as orações. Mas creio que a pergunta real aqui é: Deus ouve e honra as
orações do não-crente?
Há certas indicações nas Escrituras de que Deus, às vezes, não apenas
ouve as orações do não-crente como também as responde. A Bíblia deixa
muito claro que Deus não se agrada de modo nenhum com as orações
insinceras. Deus nos diz em sua Palavra que ele não despreza um coração
compungido e contrito (SI 51.17). Por outro lado, ele odeia a arrogância e
odeia as orações do orgulhoso, quer sejam cristãos ou não-cristãos. Em nu
merosas passagens, a Bíblia nos diz que Deus tem prazer e é honrado ape
nas por aquelas orações que saem de um coração verdadeiramente peniten
te. Quando oramos como pessoas reconciliadas, então temos a promessa de
que Deus nos ouvirá. Será que um não-crente já se encontrou realmente
com o Messias que Deus mandou ao mundo? Deus ordena a todos os ho
mens, em todos os lugares, que cheguem até o pé da cruz para sua redenção
e reconciliação. Essa não é uma condição que possamos negociar. Como
cristãos, estamos comprometidos com o Filho de Deus porque cremos nele
e somente nele, ele é o único meio de redenção que Deus providenciou para
a raça humana. E Deus quer que, quando orarmos, o façamos através de
Cristo. Acesso ao Pai é através do Filho.
• C o m o n ó s cristãos p o d e m o s ter m a i s p o d e r e m n o s s a
vida de oração?
Vou tentar entender o que essa pergunta quer dizer: Como podemos ter
resultados mais eficientes das orações que trazemos ao Pai? Creio que des
cobrimos algumas sugestões no Novo Testamento.
A primeira é que “Nada tendes, porque não pedis; pedis e não recebeis
porque pedis mal" (Tg 4.2,3). A Bíblia nos ensina que Deus dá graça ao
humilde, mas resiste ao orgulhoso. Isso indica, como as Escrituras expli
cam em muitos lugares, que quando vamos diante de Deus em oração, de
vemos ir com a atitude certa. A oração é um dos momentos de culto mais
profundos que um indivíduo pode experimentar. Creio que para experimen
tar a atitude própria com a qual devemos nos apresentar diante de Deus
temos de nos lembrar com quem estamos falando. Precisamos estar profun
damente conscientes de quem Deus é.
Martinho Lutero, certa vez, respondeu a uma pergunta semelhante. As
pessoas estavam frustradas porque não estavam recebendo as respostas que
queriam de suas orações. Elas estavam olhando para Deus como uma espécie
de intermediário cósmico que estava disponível vinte e quatro horas por dia
para atender cada desejo e cada capricho que fosse trazido diante dele. E
Lutero, aconselhando sua igreja disse: “Deixem que Deus seja Deus.” Essa é
a atitude que devemos ter quando vimos diante dele em oração. Lembre-se de
quem ele é, e deixe que ele seja Deus. Ele é aquele que possui o poder.
Precisamos nos lembrar também de quem somos nós. Quando estamos
orando, queremos ser capazes de ir diante de Deus como nosso Pai e chamá-
lo “Abba”, como o Espírito Santo nos dá permissão para fazer. Devemos ir
confiantemente diante do trono de graça, mas nunca arrogantemente. Há
um consenso entre cristãos modernos em que, às vezes, eles se tornam um
pouco informais demais com Deus na maneira como falam com ele em
oração — como se ele fosse um colega. Por mim, sou suficientemente tra
dicional para apreciar a velha linguagem — os vós e vossos que existem na
língua. Devemos sempre lembrar o espírito de reverência e respeito com o
qual devemos vir diante de Deus. Creio que se viermos com a atitude certa,
reverentemente procurando sermos obedientes a ele, então podemos espe
rar ver as coisas acontecerem.
VIDA ESPIRITUAL CRESCENTE
Sempre que novos convertidos lêem a Bíblia por si mesmos eles se ar
riscam a cometer distorções. Um dos grande artigos de fé da Reforma foi a
princípio da interpretação individual, isto é, cada cristão era visto como
tendo o direito de ler a Bíblia por si mesmo. A Igreja Católica Romana
resistiu a isso porque eles reconheceram que uma pessoa sem instrução e
sem treino poderia muito facilmente chegar a interpretações erradas e a
distorções muito sérias das Escrituras. Eles advertiram, por exemplo, que
deixar os leigos lerem a Bíblia poderia abrir uma comporta de iniqüidade.
Lutero respondeu a isto dizendo: sim, uma comporta de iniqüidade poderia
ser aberta por pessoas não habilitadas. Foi por isso que Deus colocou pro
fessores na igreja. Ele disse também, que a mensagem básica, essencial
para que todo cristão entenda, é tão clara, tão evidente, que uma criança
poderia entendê-la. É tão importante, e vale tanto a pena que se existe risco
de abrir uma comporta de iniqüidade, disse Lutero, que assim seja.
Concordo com ele, mas, ao mesmo tempo também estou consciente das
grandes dificuldades que ocorrem numa primeira leitura da Bíblia, especi
almente sem um auxílio preciso e sadio.
A Bíblia é um livro volumoso, mas não é tão volumoso que não possa
ser lido em sua totalidade. É importante que entendamos as partes individu
ais das Escrituras à luz de sua totalidade. Lutero, cuidadoso como era em
dar uma atenção detalhada a cada passagem e a cada versículo, fez da leitu
ra da Bíblia toda uma parte do seu ministério inicial. Ele mantinha o quadro
maior — o escopo total das Escrituras — sempre em mente à medida que
estudava as partes individuais. É como caminhar por uma grande floresta.
Ele sempre repetia isso, tudo o que você está tentando fazer é ir de uma
ponta ã outra da floresta. Depois que você cresce na compreensão da flores
ta, você começa a perceber grupos separados de árvores, e depois de um
tempo, árvores individuais se sobressaem diante de você. Então, enquanto
você examina as árvores individuais e até sobe nas árvores, você começará
a examinar os diferentes galhos. Estudo Bíblico, dizia ele, não é realmente
prazeroso até que você permaneça ali, revirando cada folha individualmen
te, deleitando-se e explorando cada folha em tudo o que ela pode apresen
tar. Era isso que Lutero amava fazer como um grande estudioso da Bíblia,
estudar aquelas passagens que são tão significativas.
Ele dizia que para evitar ficar preso numa pequena parte, “deixe que
vento do conjunto sopre em sua cabeça de vez em quando.”
Escrevi um livro intitulado Knowing Scripture (Conhecendo as Escritu
ras [InterVarsity Press, 1977]), no qual estabeleço um esboço prático para
quem quiser ler a Bíblia inteira pela primeira vez. A maioria das pessoas
começam no Gênesis, e isso é agradável, interessante e fácil. Chegam ao
Êxodo e ele é cheio de aventura. Assim que chegam a Levítico e Números
se perdem e param. Há uma forma de ler a história do Antigo Testamento
na qual pode-se pular algumas dessas passagens difíceis e estranhas e ler a
história numa versão resumida. Dessa forma você percebe o sentimento do
todo e depois pode voltar e preencher os vazios.
Para ser bem honesto, não tenho o que as pessoas poderiam chamar de
devocionais diárias em relação a uma rotina estabelecida. Meu padrão va
ria de um dia para o outro, de uma semana para a outra e de um mês para o
outro. Cada dia tenho um período de tempo que passo em oração. Esse
período é maior e, às vezes, mais intenso em certas ocasiões do que em
outras. Mas não sou o tipo de pessoa que funciona bem num ambiente alta
mente organizado ou estruturado. Outras pessoas têm uma agenda diária
que é muito mais rotineira e que elas acham muito útil.
Eu diria que se você gastar o mesmo período de tempo que eu gasto com
as Escrituras no espaço de uma semana, isso seria considerado uma boa
quantidade de estudo. Mas não faço distinção entre leitura devocional das
Escrituras e estudo das Escrituras. Para mim, todo estudo das Escrituras é
um ato devocional, e as devocionais deveriam ser um ato de estudo sério.
Não existe nada mágico em se ler as Escrituras durante dez minutos.
Sei que muitas pessoas sofrem com muita culpa a esse respeito porque
em certas subculturas cristãs, de certa forma, espera-se que todas as pessoas
tenham um período separado do dia para leitura Bíblica e oração. Mas as
Escrituras nos dizem para meditar na Palavra de Deus dia e noite, de manei
ra que nossa atenção às Escrituras seja devota, séria e rigorosa. De fato,
recomendo que as pessoas gastem muito mais do que dez ou quinze minu
tos por dia estudando as Escrituras. Mas precisamos ser cuidadosos para
não impor sobre a comunidade cristã um conjunto de padrões de estudo
Bíblico e oração. Não podemos estabelecer sistemas individuais de devo
ção como testes da espiritualidade de outras pessoas. Isso tem feito muito
mal a pessoas que não funcionam direito numa abordagem altamente
estruturada de oração e estudo.
Do outro lado, alguns são tão indisciplinados que não dão adequada
atenção para o assunto sério da oração e do estudo bíblico. Estes são nossos
deveres como cristãos, e também o nosso prazer de passar algum tempo
com Deus. Devemos orar “sem cessar.” Jesus tinha o hábito de tirar algum
tempo para períodos devocionais de oração. Se a oração significa alguma
coisa, e Jesus a considerava necessária para si mesmo, quanto mais neces
sária ela deve ser para nós? Não recomendaria minha rotina para outros.
Mas lembre-se que meu trabalho, chamado e vocação, são de um professor
da Palavra de Deus, portanto, tenho necessidade de gastar grandes períodos
de tempo estudando a Bíblia. Cada pessoa deve aprender por si mesma o que
funciona melhor para integrar oração e estudo Bíblico em sua vida diária.
Creio que o jejum é um dos meios de graça mais negligenciados que Deus
conferiu à sua igreja. Tem um imenso fundamento e apoio bíblico. Jejuar era
uma prática regular entre os israelitas, e essa tradição foi adotada pela igreja
do Novo Testamento. Quando os discípulos, em certa ocasião, não consegui
ram ter sucesso em sua tentativa de expulsar um demônio, Jesus disse: “Esta
casta não pode sair senão por meio de oração e jejum” (Mc 9.29).
Jesus mesmo concordava com o jejum. Durante a sua tentação ele pas
sou quarenta dias em jejum, e santificou o meio de graça através do seu
jejum. Não creio que deveríamos continuar a negligenciá-lo. Na Igreja Ca
tólica Romana, o jejum é uma prática regular. Mesmo no período de minha
mocidade, ainda existia a tradição na Igreja Católica Romana de que os
católicos não comiam carne às sextas feiras. Alguns ainda continuam com
essa prática. Neste caso, o jejum não era uma abstinência completa de co
mida, mas apenas de certos elementos da comida. Muitos protestantes fazi
am objeção a esta forma de jejum praticada pelos católicos porque jejuar
era visto também como uma obra meritória na Igreja Católica Romana, e as
pessoas pensavam que, pelo fato de estarem praticando o jejum, estavam
ganhando pontos em termos de sua jornada para entrar no reino de Deus.
Os protestantes, zelosos de sua posição com respeito à justificação pela
fé somente, tenderam a “jogar a criança fora com a água do banho” (este é
um provérbio popular alemão N.T.), e aboliram o jejum temendo que ele
fosse mal interpretado como uma forma de entrar no reino de Deus. Mas o
jejum está voltando.
Como colocar isso em prática?
Algumas pessoas concordam com o jejum, mas sua prática as deixa
doentes. Há pessoas — diabéticos, por exemplo — para as quais entrar
num jejum completo e total seria irresponsabilidade. Elas poderiam prati
car apenas tipos parciais de jejum e, mesmo assim, com a orientação de um
médico. Somos responsáveis por mantermos uma boa mordomia de nossos
corpos e o nosso jejum deveria ser feito de forma inteligente. Lembro-me
da primeira vez que jejuei. Eu simplesmente decidi que não comeria nada
durante quatro dias, e foi uma tremenda experiência espiritual para mim
ficar quatro dias sem nenhum alimento, mas eu estava quase morto no final
daqueles quatro dias. Tive todos os tipos de problemas. Tive problemas no
estômago porque não era saudável para mim ficar sem alimentos em meu
estômago por quatro dias. Assim, penso que cada pessoa deve decidir isso
em sua própria consciência diante de Deus e não sentir uma obrigação de
jejuar de uma forma que seria danosa para seu próprio corpo. Há vários
livros bons disponíveis sobre a disciplina do jejum, e qualquer cristão pode
rá incorporar essa disciplina de alguma forma.
• C o m o lidar c o m o c iú m e?
Estou contente de que você tenha feito essa pergunta porque é o tipo de
pergunta que quase nunca se ouve na comunidade cristã. Obviamente, essa
é uma questão de grande preocupação para Deus.
A Bíblia tem muito a dizer sobre ciúmes e sentimentos semelhantes que
temos uns para com os outros.
Uma das perguntas que sempre faço aos meus estudantes no seminário é
a seguinte: “Suponhamos que você tenha a possibilidade de escrever uma
nova constituição para o Governo dos Estados Unidos da América e que
vamos começar tudo outra vez. Ao invés de termos várias emendas e uma
Carta de Direitos, tudo o que poderíamos ter seriam dez regras básicas pe
las quais nossa nação seria governada. O que você incluiria nestas dez re
gras para governar a nação?”
Quando fazemos essa pergunta, a maioria das pessoas incluiria regras
como proibição contra o assassinato, contra o roubo e esses tipo de viola
ção de pessoas e propriedade que todos reconhecemos como mal.
Entretanto, eu também me pergunto quantas pessoas incluiriam entre as
dez mais importantes uma regra para honrar os pais, ou uma regra para
proteger a santidade do nome de Deus. Eu me pergunto quantos incluiriam
uma regra contra cobiçar a propriedade dos outros.
Ciúme não é exatamente a mesma coisa que cobiça, mas está bem per
to. Ciúme significa alimentar sentimentos maus contra outro ser humano
por causa das posses ou realizações ou alguma coisa daquela pessoa que
desejamos para nós e não temos. Temos sentimentos de má vontade para
com essa pessoa porque cobiçamos aquilo que ela possui. Poderia acres
centar que o ciúme é um dos pecados principais a respeito dos quais a Bí
blia fala tão freqüentemente. Creio que uma das razões porque o ciúme é
uma questão tão séria para Deus é o fato de que, na raiz dos sentimentos de
ciúme para com outras pessoas, está uma crítica velada e assumida contra
Deus. Estamos, em certo sentido, expressando nossa insatisfação com o
fato de que Deus se agradou em permitir que outras pessoas tivessem aqui
lo que não temos, ou realizassem o que não realizamos. Ao invés de sermos
gratos por aquilo que Deus providenciou para nós — os dons, talentos e
posses — em nosso ciúme não apenas machucamos as outras pessoas, mas
estamos silenciosamente atacando a Deus em sua soberania e em sua mise
ricórdia. Creio que precisamos encarar esse fato em sua totalidade se va
mos nos dispor a superar esse sentimento.
Essa pergunta traz à minha mente uma experiência que tive no começo
do meu ministério. De fato, eu havia sido ordenado havia poucos meses e
estava ensinando numa faculdade. Uma igreja tinha um pastor que era mui
to amado por sua congregação; ele havia servido naquela igreja durante
vinte e cinco anos, mas estava seriamente doente. O homem estava quase à
morte. Durante vários meses, ocupei o púlpito e ajudei a congregação a
lidar com essa tragédia em seu meio.
Numa noite de sábado, antes do culto de domingo de manhã no qual
deveríamos celebrar a Santa Ceia, recebi um recado urgente de que prova
velmente o pastor não viveria até o dia seguinte. Quando cheguei à igreja
naquela manhã, estava muito consciente da profunda ansiedade que existia
na congregação. Senti um enorme peso tentando dirigir a Santa Ceia da
maneira mais significativa possível. Eu me inquietei e em oração clamei:
“O Deus, por favor, dá-me uma unção especial para estar diante desse povo
em sua necessidade.” Não creio que, durante todo o meu ministério, eu
tenha subido ao púlpito com mais desejo de conhecer a presença de Deus
do que naquele domingo de manhã.
Preguei e oficiei o sacramento e foi horrível. Foi terrível! Simplesmente
senti uma ausência total de Deus como se eu tivesse sido completa e total
mente abandonado por ele.
Meu sermão foi morto e parecia que eu estava falando para mim mes
mo. Quando dei a bênção e fui para a porta da igreja, eu realmente desejava
que houvesse um buraco no chão para dentro do qual eu pudesse pular de
maneira a não ter de encarar aquelas pessoas. Sentia-me miserável por ter
falhado para com elas.
Fiquei na porta da igreja e eles começaram a sair um a um, eu não podia
acreditar no que acontecera. As pessoas saíam e parecia que haviam sido
atingidas no meio da testa. Elas estavam aturdidas. Estavam em choque.
Uma a uma, elas diziam que nunca haviam se sentido tão tocadas pela pre
sença poderosa de Deus como a que haviam experimentado naquele culto!
Uma senhora me disse: “A presença do Espírito Santo era tão densa hoje que
poderíamos tê-la cortado com uma faca.” Aquilo realmente teve um impacto
sobre mim naquele dia. Eu disse: “Espera um pouco. Deus prometeu que ele
estaria aqui.” Eu não senti a sua presença, e por isso pensei que ele não estava
lá. Eu havia me tomado um cristão de sentidos, permitindo que minha firme
za de convicção fosse determinada pela força de meus sentimentos.
Compreendi de tenho que viver pela Palavra de Deus, não por aquilo
que sinto. Penso que essa é a maneira como devemos lidar com a dúvida.
Você começa focalizando aquilo que Deus diz que vai fazer e não os seus
sentimentos.
• C o m o as e m o ç õ es a fe tam o c re sc im e n to espiritual?
Ser justo ou reto significa fazer aquilo que Deus deseja que façamos.
Retidão significa obedecer a lei de Deus. Jesus chama seu povo para um
padrão excessivamente alto de retidão.
Ele nos diz, em um dos mais terríveis textos do Novo Testamento, que
se nossa justiça não exceder a justiça dos escribas e dos fariseus, de manei
ra nenhuma entraremos no reino de Deus. Alguns de nós escapam facil
mente dizendo que temos a justiça de Cristo — e certamente esta excede a
justiça de escribas e fariseus, e isso é verdade. Mas não creio que fosse
sobre isso que Jesus estivesse falando na ocasião. Creio que ele estava fa
lando sobre a retidão que devemos manifestar como pessoas regeneradas e
justificadas — sobre aquela conformidade com a imagem de Deus, e da
conformidade em imitação a Cristo. Essa evidência em nossas vidas é o
tipo de padrão de justiça que Jesus nos chama a possuir e praticar. Creio
que temos uma tendência de tomá-la trivial.
Certo dia, recebi uma carta de um homem que se queixava das pessoas
que dançavam, bebiam e fumavam e perguntava como estas pessoas podi
am ser cristãs. Como se essas coisas tivessem qualquer relação fundamen
tal com o reino de Deus. Certamente elas tocam em questões éticas, mas
são triviais. Esse era o grande erro do fariseus cuja retidão somos chamados
a exceder. Eles se especializavam em questões mínimas. Mediam a retidão
exclusivamente pelo comportamento exterior. Jesus os repreendeu porque
deixavam de lado as questões mais importantes da lei.
Obviamente, há assuntos maiores e menores que devemos considerar se
vamos buscar uma retidão autêntica. Por exemplo, Jesus elogiou os fariseus por
seus dízimos. Eles eram escrupulosos no dízimo. Pagavam seus dízimos até nos
mínimos detalhes, e hoje apenas 3% dos cristãos entregam o seu dízimo. Mas
até isto Jesus considerou uma questão menor. Ele disse que pelo menos eles
entregavam o dízimo, mas omitiam as questões mais sérias da justiça e da mi
sericórdia. Creio que, fundamentalmente, a retidão ou justiça envolve o desa
brochar do fruto do espírito de Cristo. Uma pessoa reta ou justa é alguém em
quem você pode confiar, que tem integridade, cujas palavras significam algu
ma coisa e que não é desonesta. Essas coisas são espirituais, entretanto, nossa
tendência é julgar as pessoas por coisas mais evidentes e visíveis.
Paulo, aqui, está descrevendo todos aqueles que não são regenerados, e,
portanto, de uma perspectiva bíblica, qualquer que não é nascido do Espírito
de Deus está “na carne.” Você está inferindo que a passagem afirma que
aqueles que estão na carne não podem agradar a Deus. Isso significa que um
ato justo feito por qualquer pessoa que está na carne não agradaria a Deus? Se
ninguém que esteja na carne pode agradar a Deus, então, obviamente, uma
pessoa na carne não pode agradar a Deus em nenhuma circunstância. E se ela
faz uma ação justa? Essa pergunta representa o que eu chamaria de uma con
dição contrária aos fatos. Seria como perguntar se um não crente seria rejeita
do se ele tivesse fé. Se ele tivesse fé, não seria um não crente. Seria uma
condição impossível para um não crente, ser crente ao mesmo tempo.
O que estou mostrando é o seguinte: É possível que uma pessoa que não
é regenerada, que não foi vivificada pelo Espírito de Deus realmente apre
sente uma justiça verdadeira? Há duas maneiras de abordarmos isso: De um
lado, o Novo Testamento descreve justiça e boas obras de maneira ampla
que considera tanto a ação externa quanto a motivação interna para a ação.
A Bíblia deixa claro que as pessoas que ainda estão na carne podem, e
realmente realizam atividades que, exteriormente, estão de acordo com a
lei de Deus. Há pessoas que não são cristãs e que não roubam, não matam e
mostram misericórdia.
Elas demonstram todos os tipos de comportamento virtuoso que os re
formadores chamavam justiça civil — a justiça que presta uma obediência
externa à lei de Deus.
Mas o Novo Testamento tem uma posição mais restrita sobre aquilo que é
exigido de uma retidão autêntica. Por exemplo, o jovem rico pensou que
havia guardado os Dez Mandamentos desde a sua infância pois, na realidade,
não era culpado de assassinato, nem de roubo, nem de adultério. Ele disse a
Jesus: “Tudo isso tenho observado desde a minha juventude” (Lc 18.21).
Ao mesmo tempo a Bíblia diz: “Não há justo, nem um sequer, ...não há
quem faça o bem, não há nem um sequer” (Rm 3.10,12), porque a exigência
de justiça que Deus tem não é meramente de obediência externa, mas que a
motivação para a ação proceda de um coração que está genuinamente dese
joso de agradar a Deus. Portanto, eu diria que uma pessoa na carne não
poderá nunca demonstrar uma justiça real se considerarmos seu comporta
mento baseado fundamentalmente numa motivação apropriada.
Imagine que eu lhe diga que podemos viver vidas perfeitas. Isso pode
lhe parecer a coisa mais chocante que você já ouviu, porque uma das pou
cas coisas que se pode conseguir que, tanto cristãos quanto não-cristãos,
concordem é que ninguém é perfeito!
O que o Novo Testamento ensina, no meu entender, é que, desde que o
Espírito Santo entre em minha vida, desde que eu seja habitado pelo Espíri
to Santo, eu tenho, vivendo dentro de mim, o poder de obedecer a Deus. O
Espírito Santo me dá o poder de obedecer os mandamentos de Deus, e o
Novo Testamento diz que não há tentação que venha sobre mim que não
seja comum a todas as pessoas, e com a tentação Deus sempre provê o
escape. De fato, não creio que haja ninguém que viva uma vida perfeita.
Mas creio que a graça de Deus toma a perfeição uma possibilidade.
Eu diria que tenho oportunidade de pecar, literalmente, milhares de ve
zes por dia. Toda vez que sou confrontado com uma oportunidade de pecar,
há uma batalha dentro de minha alma. A habitação do Espírito Santo me
inclina na direção da justiça e da obediência. Mas lembre-se que o Espírito
Santo está vivendo em mim, em R.C. Sproul; ele está habitando numa cria
tura imperfeita, alguém que não foi totalmente purificado de suas más in
clinações. Portanto, dadas as variadas oportunidades que tenho para pecar,
e sabendo que, em cada uma daquelas oportunidades, há uma batalha entre
aquilo que a Bíblia chama minha carne e o Espírito, de um ponto de vista
estatístico é virtualmente inevitável que vou pecar e ser bem menos que
perfeito. Se olhamos as tentações uma de cada vez, descobrimos que, em
cada circunstância particular, o poder foi realmente providenciado por Deus
para resistirmos àquela tentação. Essa é a razão pela qual nunca poderei me
colocar diante de Deus e dizer: “Deus, o senhor terá que me desculpar, o
diabo me fez cometer isso” ou “O Espírito Santo não foi suficientemente
poderoso dentro de mim para que eu resistisse a esse pecado”. Portanto,
embora eu creia que nem mesmo o apóstolo Paulo jamais tenha atingido a
perfeição em sua vida, isso não ocorreu por causa de qualquer falta de po
der, ou habilidade, ou inclinação do Espírito que habita em nós.
Não quero ser evasivo ou perspicaz, estou sendo muito sério quando
pergunto: Quão puro é puro? Falamos sobre 99,44% de pureza no que diz
respeito a uma certa marca de sabão; falamos sobre vários graus de pureza
da prata, ouro e de outros metais preciosos. Quando falamos sobre pureza
num sentido moral e espiritual, eu diria que não é possível que um cristão
seja 100% puro em tudo o que faz e diz por uma razão: Quando Deus con
sidera uma ação que fazemos ou uma palavra que dizemos, ele não conside
ra simplesmente o exterior da ação; ele considera também os motivos. Os
motivos envolvem um exame das inclinações e disposições mais profun
das de nossos corações. De uma perspectiva ideal e de absoluta pureza espi
ritual, um motivo perfeito procederia de um coração que fosse 100% incli
nado para Deus — um coração que amasse a Deus completamente de toda
sua inteireza, de toda a mente e de toda a alma. Nunca fiz uma ação em
minha vida durante a qual, no momento em que a realizei, estivesse aman
do a Deus com todo o meu coração, com toda a minha alma e com toda a
minha mente.
Todas as ações que já fiz e todas as palavras que já falei foram sempre
manchadas por uma dose de imperfeição e de pecado pessoal.
Se usamos o termo puro indistintamente, ele se torna uma questão rela
tiva. Creio que existe algum grau de interesse egoísta em tudo o que faze
mos. Podemos pensar em pessoas que são espantosamente altruístas na su
perfície, e eu diria que encontramos verdadeiro altruísmo no mundo. Mas
não creio que vejamos uma ação perfeita, ou um pensamento perfeito, ou
uma palavra perfeita até que sejamos tomados perfeitos interiormente. Eis
o ponto: Deus julga nossas ações não apenas externamente, mas ele também
está preocupado com o coração. Se tudo o que o preocupasse fossem as ações
exteriores, pelas quais ele realmente se interessa, veríamos pessoas que não
têm nenhum amor especial por Cristo, suplantando os cristãos em seus feitos
justos e em suas preocupações altruístas e compassivas. O quadro total envol
ve a disposição interna do coração e é aí que todos nós falhamos.
• C o m o p o d e m o s estar n o m u n d o e n ã o ser d o m u n d o ? O
q u e significa "não ser d o m u n d o ? "
O Novo Testamento nos diz que não devemos nos conformar com esse mun
do, mas devemos ser transformados pela renovação de nossa mente (Rm 12.2).
Vamos examinar estas palavras que são básicas nas Escrituras para essa
discussão, a diferença entre conformidade e transformação. O prefixo con-
significa “com”. Portanto, conformar-se com o mundo significa, literalmente,
estar com ele.
Essa é uma das mais fortes inclinações e tentações que nós, cristãos,
temos. Ninguém deseja estar fora dele, desejamos estar “com ele”. Deseja
mos estar atualizados. Desejamos nos enquadrar. E, muitas vezes, somos
envolvidos pela pressão do grupo que espera que o imitemos e participe
mos de todas as estruturas e estilos desse mundo. A Bíblia diz que não
devemos nos conformar com os padrões do mundo.
Agora, quando nós cristãos ouvimos isso, muitas vezes pensamos que
tudo que devemos fazer é demonstrarmos nosso não conformismo de forma
óbvia e visível. Portanto, se o mundo usa abotoaduras e gravata borboleta,
nós não usamos abotoaduras e gravata borboleta, ou se o mundo usa batom,
nós não usamos batom. Tentamos mostrar coisas nas quais somos diferen
tes do mundo. Mas não é isso que a Bíblia está falando. Não é apenas uma
questão de ser diferente do mundo; devemos ir além da não conformidade
até a transformação. Isso combina com tudo o que as Escrituras nos dizem
sobre sermos sal e luz do mundo. Algo que é transformado é algo que é
mudado. O prefixo “t r a n s significa “acima e além.” Devemos estar aci
ma e além dos padrões desse mundo, não no sentido de que devemos nos
elevar a um status arrogante acima de todos os outros, mas somos chama
dos a um estilo mais excelente de vida.
Isso não significa que você se retira do mundo; esse mundo é o mundo
de meu Pai, e essa é a arena da redenção de Deus. A tendência foi sempre
fugir do mundo e esconder-se num cenáculo, mas o Espírito de Deus não
tolera isso. Ele envia o seu povo ao mundo. Lutero disse isso com as seguin
tes palavras: “Existe um padrão normal no comportamento cristão. A pes
soa que se converte do mundo, passa seus primeiros dias de cristão com a
tendência de retirar-se completamente dele, como Paulo, quando foi para a
Arábia, por exemplo, ou pode desejar ficar tão longe das manchas e da
poluição desse mundo que se torna monástico em seu pensamento — reti
rando-se, abandonando por completo o mundo.”
Mas Lutero diz que um cristão não alcança maturidade até que entra
novamente no mundo e o abraça, não nos seus padrões mundanos e ímpios,
mas como o teatro, a arena da redenção de Deus. Foi isso que Jesus fez, ele
entrou no mundo para salvar o mundo. Esse mundo é o mundo que Deus se
comprometeu a renovar e redimir, e devemos participar disso com ele.
Fico contente de que você tenha usado a palavra “demonstrar.” Não quero
me alongar muito aqui, mas penso que muitas vezes estamos tão preocupados
com o grau de visibilidade de nossa piedade que começamos a usar formas
artificiais e externas para ter certeza de que as pessoas vêem nossa piedade.
Essa era uma das mais sérias pedras de tropeço dos fariseus, aqueles que
receberam as mais severas acusações de Jesus porque estavam constante
mente envolvidos em exibições públicas de sua piedade. De fato, Jesus disse
que eles se degeneraram a tal ponto que as orações que faziam não eram
dirigidas a Deus, mas eram dirigidas aos ouvidos dos espectadores. Portanto,
Jesus disse: “E quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gos
tam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos
dos homens. ...Tu, porém, quando orares entra no teu quarto” (Mt 6.5,6).
Os fariseus jejuavam e saiam com pelas ruas com a cara infeliz, aparen
tando um sofrimento horrível, de modo que todos pudessem dizer: “Olhem
aqueles pobres fariseus — estão extenuados por causa de seu rigoroso je
jum espiritual.” Jesus disse: “7w, porém, quando jejuares, unge a cabeça e
lava o rosto com o fim de não parecer aos homens que jejuas” (Mt 6.17,18).
Portanto, há um sentido no qual Jesus é contra a demonstração pública.
Entretanto, ao mesmo tempo, nosso Senhor nos diz para deixarmos
nossa luz brilhar diante dos homens. Embora não devamos fazer uma
exibição ostensiva de nossa espiritualidade ou de nossa piedade, deve
mos fazer uma exposição visível de nossa integridade. As pessoas podem
ver como enfrentamos a crítica, como reagimos quando alguém passa na
nossa frente numa fila, como reagimos quando alguém quebra uma pro
messa. Cumprimos as nossas promessas? Pagamos nossas contas em dia?
Estes são os tipos de coisa que são muito visíveis. Lutero expressou isso
com as seguintes palavras: “Cada cristão é chamado para ser Cristo para
o seu próximo.” Não que devamos ser crucificados por nosso próximo,
mas nossas vidas — nossa lealdade, nossa amizade, nossa bondade, nos
sa integridade — devem demonstrar aos nossos amigos como Jesus é.
Essa é uma tremenda responsabilidade.
• Se r e a l m e n t e a m a m o s a Deus, p o r q u e i g n o r a m o s seus
m andam entos?
Muitas vezes pensamos que essa admoestação das Escrituras significa que
devemos adiar certas atividades até que recebamos alguma orientação definiti
va ou um sinal concreto de Deus. A ordem para esperar no Senhor foi dada ao
povo de Deus numa ocasião particular da história — a Israel no Antigo Testa
mento e à igreja no Novo Testamento. No Antigo Testamento, Deus prome
te ir adiante de seu povo e eles não deveriam mudar o seu acampamento até
que o sinal fosse dado por Deus. Portanto, aquela ordem é para não se pre
cipitar num empreendimento até que você saiba que Deus está nele.
No Novo Testamento, vemos a ordem de Jesus para a igreja esperar em
Jerusalém antes de sair para cumprir a grande comissão. Ele lhes diz para
esperar até que o Espírito Santo seja derramado sobre eles. Uma vez que o
Espírito Santo fosse derramado sobre a igreja, então ela teria sua ordem de
marcha e poderia sair. Portanto, temos situações históricas nas quais Deus
está claramente no comando, dando orientação direta e imediata ao seu povo.
Hoje, como cristãos do século XX, nossa orientação básica vem do en
sino das Escrituras, e vivemos pelos princípios revelados nas Escrituras.
Creio que é muito importante pesquisar as Escrituras para ter certeza de
que o que estamos fazendo e o que pretendemos realizar atende os padrões
e princípios que Deus estabelece para nós nas Escrituras. E isso que penso
que esperar no Senhor significa — não esperar por algum sinal especial de
aprovação, nem sentar inativo. Mas ter certeza de que o que estamos fazen
do atende os princípios bíblicos.
• A f ir m a p a ra a q u a l t r a b a l h o p a s s o u r e c e n t e m e n t e p o r
u m a r e u n i ã o d e avaliação para p l a n e j a m e n t o de l o n go
prazo, estabe le ce nd o objetivos para noss a firma. Ao fazer
isso, com ecei a revisar os objetivos q u e t e n h o para m i
n h a vida e m i n h a carreira e e sto u r e a l m e n t e l u t a n d o e
p e n s a n d o c o m o posso desenvolver e m m i n h a vida a q u e
les objetivos q u e a t e n d e m aquilo q u e Deus p lan e jo u para
m i m . C o m o p o s s o viv er m i n h a vid a de m a n e i r a q u e
m e l h o r o glorifique?
Certa vez fiz um trabalho para uma revista cristã analisando toda a ques
tão de publicações cristãs. Nesse ensaio, expressei a profunda preocupação
que tenho com o descaso que existe em nossos dias com os grandes trabalhos
dos clássicos do cristianismo. Parece que fomos pegos num problema
econômico no qual as pessoas desejam literatura simples que possam digerir
rapidamente; elas não parecem desejosas de meditar sobre um material mais
difícil. Por isso, muitos dos editores e livrarias cristãs desencorajam tanto a
publicação quanto a propaganda da grande literatura cristã do passado. Creio
que isso é uma vergonha para nós, e é também uma grande perda.
Se há alguém realmente pensando seriamente em ler três livros esse
ano, eu recomendaria algo como as Instituías de Calvino, Bondage ofthe
Will (Servidão da Vontade) de Martinho Lutero, talvez o trabalho de Ataná-
sio sobre a encarnação de Cristo, ou algo como a Cidade de Deus de Agos
tinho, ou mesmo as Confissões de Santo Agostinho.
Há tantos professores nesse mundo e parece que não estamos nada preo
cupados a respeito de quem escolhemos como nossos professores. Eu não
quero ser operado por qualquer médico. Quero ter certeza de que o meu médico
iüiU Q T EÇ A AUBREY ÇLARK
sabe sua medicina e está interessado em mim. Quando procuro por ensino ou
instrução teológica, quero estar certo de que aquele que está me ensinando
sabe a matéria e ama a Deus. Estas são as duas coisas que desejo encontrar
em meus professores. E terrível saber de certas pessoas cujos livros têm uma
saída meteórica e depois desaparecem da cena. Talvez eu seja muito tradici
onal, mas gosto do material que passou pelo teste do tempo, e de gigantes da
fé como Agostinho, Atanásio e Tomás de Aquino, Calvino, Lutero e Edwards.
Estes são os autores cujos livros eu mais recomendaria.
No ensaio que fiz, disse que estaria perfeitamente disposto a ter todos os
meus livros queimados e enterrados — colocados no porão das livrarias —
se eles fossem substituídos pelos grandes mestres, porque sou apenas um
anão em pé no ombro dos gigantes, e tenho certeza de que Jim Packer e Jim
Boice e Charles Colson e Chuck Swindoll e outros homens cujos livros têm
sido largamente distribuídos entre os cristãos, fariam a mesma coisa. Eles
também alegremente desprezariam os seus livros se pudessem persuadir as
pessoas a estudarem os grandes mestres.
Atrás dessa pergunta está o tormento das pessoas que alcançaram uma
certa idade na qual a sociedade lhes diz que não são mais capazes de contri
buir de forma útil. Temos uma lei que determina que devemos nos aposen
tar aos sessenta e cinco anos. Mas temos exceções — temos tido presiden
tes da república mais velhos do que isso. De certa forma, nossa sociedade
se centraliza nos jovens e parece, na melhor da hipóteses, tratar com con
descendência os cidadãos mais velhos.
Sabemos que com a idade chegam certas enfermidades e que há ocasi
ões em que as pessoas não podem mais exercer as tarefas que estavam acos
tumadas a realizar quando eram mais moças. Isso não significa que sua
utilidade no reino de Deus tenha chegado ao fim. Na Bíblia existe uma
ênfase em se dar honra aos mais velhos porque eles merecem essa honra. Fico
muito comovido com isso. Dificilmente posso ver uma pessoa com cabelos
grisalhos sem ter um enorme sentimento de respeito por ela, se não por outra
razão, ao menos pelo fato de que essas pessoas perseveraram e sobreviveram.
Talvez nem sejam cristãs, mas de alguma forma lutaram pela vida. Vi um
homem assim outro dia e pensei: “Imagino quantas vezes ele foi ao dentista?
Imagino quantas vezes ele esteve debaixo do bisturi de um cirurgião ? Imagi
no quantas tragédias ele testemunhou e experimentou em sua família e em
sua vida? Entretanto, ele ainda está sendo útil em nossa sociedade”.
Quando estava lecionando numa faculdade, havia um homem na cidade
que era missionário aposentado. Ele havia permanecido no campo missio
nário por cinqüenta anos. Isso é um longo tempo. Durante cinqüenta anos
ele havia se entregado de corpo e alma. Passou cinco anos num campo de
prisioneiros, longe de sua esposa que estava encarcerada num campo dife
rente. E, finalmente, quando não era mais capaz de servir no campo missi
onário, ele se aposentou, por assim dizer. O que ele fez, até o dia de sua
morte, foi levantar-se todas as manhãs e passar oito horas por dia em ora
ção. Seu corpo funcionava com dificuldade, mas ele dizia: “Eu ainda posso
pensar, eu ainda posso falar, eu ainda posso orar.” Portanto, ele se devotou
a um ministério de oração — oito horas por dia. Isso era tão importante que
nós, que vivíamos naquela cidade, não conhecíamos nenhum privilégio maior
do que saber que aquele homem orava por nós — porque ele sabia como
orar, ele era um autêntico guerreiro da oração. Eu lhe faço a pergunta: Seu
ministério era útil? Talvez os anos mais úteis de sua vida tenham sido os
últimos anos, quando ele se tomou um guerreiro da oração.
Creio que a chave para permanecermos úteis à medida que envelhece
mos é nos concentrarmos, não naquilo que não mais podemos fazer, mas
naquilo que ainda podemos fazer. Nunca saberemos se Deus reservou al
guns de seus melhores dons e habilidades para você até os seus últimos
anos. Algumas pessoas gastam a maior parte de suas vidas aprendendo e
acumulando sabedoria e durante os seus últimos anos têm a oportunidade
de compilar e ensinar lições de vida, quer através do próprio magistério,
quer através de escritos e conferências. Algumas das pessoas mais apropri
adas para gastar tempo ouvindo e amando outras pessoas são aquelas que
não estão mais sobrecarregadas com carreiras ou criando famílias. Na ma
ravilhosa economia de Deus há sempre trabalho para fazer e amor para dar.
Mas, às vezes, esse trabalho e esse amor não são reconhecidos pela visão
distorcida da sociedade.
C O M P R E E N D E N D O SATANÁS
• Em Isaías 45.7, Deus diz: “Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e
crio o m a r. Por que ele criou Lúcifer?
• A Bíblia diz que todo poder é dado por Deus. Como então podemos expli
car o poder que Satanás e homens como Hitler tiveram no passado?
• Satanás recebeu o poder de domínio sobre a terra até a volta de Jesus?
• À luz da soberania de Deus, qual deveria ser a atitude ou resposta do
cristão quando ele ou ela está sujeito aos ataques de Satanás?
• O diabo pode ler a minha mente?
• Por que falamos de Satanás em termos tão cômicos como um homem
vestido numa roupa vermelha com um forcado na mão quando, na reali
dade, ele é o inimigo de nossas almas?
• Em Isaías 45.7, Deus diz: "Eu form o a luz t crio as trevas; faço a
paz e crio o mal". Por q u e ele criou Lúcifer?
Deus está dizendo não apenas que ele é onipotente, todo poderoso em si e
por si mesmo, mas também que ele é a fonte de todo poder e de toda autorida
de nesse mundo. Portanto, o próprio diabo é subordinado e dependente de
Deus para qualquer poder e autoridade que ele exerça nesse mundo.
A pergunta que você está levantando não é diferente da pergunta que o pro
feta Habacuque fez enquanto permanecia em sua torre de vigia e se queixava
contra Deus porque ele estava vendo uma nação estrangeira, conhecida por sua
inexprimível crueldade, atacar e matar o povo judeu — o próprio povo de Deus.
Habacuque lembrou a Deus que ele era tão puro que não podia nem mesmo
contemplar a iniqüidade. Como podia Deus permitir que esse poder estrangeiro,
esse poder perverso fosse usado dessa maneira? Basicamente Deus respondeu o
seguinte: “ Espera um pouco, não usei essa nação inimiga como instrumento
para punir Israel, porque Israel é mais perverso do que essa outra nação. Estou
apenas fazendo uso dela para castigar meu próprio povo que tão abundantemen
te o merece. Mas essa outra nação também terá o seu castigo.” Eis porque deve
mos ser muito cuidadosos ao falarmos que Deus está sempre do nosso lado. Ele
pode levantar a China para punir o nosso país como um instrumento de julga
mento contra nós — porque todo poder está em suas mãos.
Quando eu estava estudando na Europa na década de sessenta, embora estivés
semos vinte anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, as livrarias em
Amsterdã estavam cheias de literatura sobre a Segunda Guerra Mundial. As me
mórias ainda eram muito vívidas e agudas para esses povos que sofreram muito
mais do que nós sofremos naquela ocasião. Lembro-me de ter lido um livro que era
o resultado de uma divulgação de documentos secretos de arquivos e que se
intitulava Hitler, the Scourge ofEurope (Hitler, o Flagelo da Europa), no qual
documentos particulares de Hitler foram fotocopiados e impressos. Um deles era
uma inscrição antiga do seu diário que estava rabiscado com a letra do próprio
Hitler: “Esta noite fiz uma aliança com Satanás.” Ele não estava brincando. Houve
um esforço sério de Adolf Hitler para garantir a participação ou assistência do
príncipe das trevas nos programas que ele estabeleceu. Obviamente, tudo isso acon
teceu debaixo da soberania de Deus. Deus teve suas razões para permitir que aqui
lo acontecesse em determinada ocasião, mas certamente ele reserva aquele mo
mento no qual seu julgamento poderoso cairá sobre Satanás e sobre pessoas como
Hitler, e o poder de Deus será finalmente demonstrado.
Não consigo ter certeza de maneira nenhuma, mas também não tenho
um conhecimento exaustivo dos poderes de Satanás. Sei que Satanás tem
mais poder do que poderíamos normalmente encontrar entre os seres huma
nos. Ao mesmo tempo, sei que Satanás não é divino; ele não é Deus e não
tem atributos nem poderes divinos. Ele é uma criatura com as limitações
que são normalmente encontradas nas criaturas. Ele é um anjo.
A Bíblia não nos dá uma lista completa dos poderes dos anjos. Ele são mais
poderosos que as pessoas, mas muito menos poderosos do que Deus. Obviamente,
Deus pode ler nossas mentes. Deus é onisciente. Ele conhece seus pensamentos.
Ele conhece seus pensamentos assim que você os pensa — “Ainda a palavra me
não chegou à língua, e tu, SENHOR, já a conheces toda” (SI 139.4). A tendência
dos cristãos é pensar que desde que Deus é um ser sobrenatural e pode ler nossas
mentes, então Satanás, que também é um ser sobrenatural também deve ser capaz
de ler as mentes. Mas os poderes de Satanás não são iguais aos de Deus.
Uma pergunta semelhante seria: Satanás pode estar em mais de um lugar ao
mesmo tempo? Eu estou inclinado a dizer que não. Duvido que durante a minha
vida eu tenha que me preocupar a respeito de Satanás ler a minha mente, porque,
provavelmente, nunca o encontrarei. Ele só pode estar em um lugar de cada vez.
Ele é uma criatura, e criaturas, por definição, são limitadas em tempo e espaço.
Portanto, Satanás não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Ele tem
todos os seus pequenos assistentes juniores e pode mandar um deles para me
atormentar, e para tentar você e acusá-lo, mas terá que economizar seu tempo e
energia para pessoas de maior influência do que eu.
Satanás centralizou seus ataques em Jesus no Novo Testamento. Durante a tenta
ção de Cristo, ele falou com Jesus. Ele sabia o que Jesus estava pensando por causa
daquilo que Jesus disse. Mas além disso, não vejo nenhuma razão para crer que ele
possa ler sua mente ou a minha. Isso pode não ser necessariamente um poder divino.
Ele pode ser capaz de fazê-lo, mas não tenho nenhuma razão para crer que ele possa.
Obviamente, mesmo uma leitura rápida das Escrituras indica que essa
visão de Satanás é estranha à Bíblia. A Bíblia de forma nenhuma apresenta
Satanás em trajes cômicos, mas ao contrário, o descreve como alguém que
se apresenta mascarado como um anjo de luz. Não existe nada de leviano
nem de tolo a seu respeito. Sob o disfarce de bondade, ele simula a bondade
e pode seduzir as pessoas não apenas por sua esperteza mas também por sua
aparente beleza.
Penso que a última forma na qual poderíamos esperar que Satanás se
apresentasse seria numa roupa vermelha de lã, que causa coceira, com cas
cos enluvados e chifres, um rabo e um forcado. De onde surgiu essa descri
ção e porque temos essa imagem de Satanás com uma aparência tão tola?
Na Idade Média o povo de Deus era muito preocupado com a influência de
Satanás em suas vidas. Eles eram fervorosos em sua tentativa de preservar
suas almas de seu arquiinimigo, que tentaria destruí-los. A igreja tratou,
com grandes detalhes, de ritos e rituais de exorcismo contra espíritos ma
lignos. Eles invocavam certos anjos, como São Miguel para proteger as
pessoas dos ataques de Satanás. Também formularam a idéia de que o pon
to mais vulnerável de Satanás, o ponto que causou sua queda do céu para
começar, era o seu orgulho.
A Bíblia dá imagens diferentes de Satanás. Ela diz que ele anda como
leão que ruge, procurando devorar aqueles a quem ele deseja. Jesus disse a
Simão: “Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo” (Lc 22.31).
Recebemos essa imagem de um poder esmagador de Satanás. Entretanto, a
outra imagem sobre a qual as Escrituras nos falam é de: “resisti ao diabo e
ele fugirá de vós” (Tg 4.7). Portanto, em minha imaginação, eu o vejo como
esse leão rugindo, que rosna ferozmente, mas quando você resiste a ele, ele
foge com o rabo entre as pernas.
A igreja pensou que a melhor maneira de se ver livre dos ataques de
Satanás era ridicularizá-lo, insultar seu orgulho. Formularam, então, essas
caricaturas ridículas para conseguir isso. O que aconteceu foi que a geração
seguinte viu as caricaturas e os cartazes grotescos e disseram que nossos
pais realmente criam que o diabo era daquele jeito. Sem dúvida isso não era
verdade — eles sabiam muito bem que o diabo não era assim — mas nós
recebemos a tradição sem a explicação.
CÉU E INFERNO
• Os j u d e u s c re n te s d o Ant igo T e s t a m e n t o f o r a m p a ra o
céu, o u havia u m a "sala de espera" para eles até a m o r t e
e ressurreição de Jesus?
Não estou certo de que o céu seja descrito tão pouco quanto pensamos.
Às vezes sentimos que não existe muita coisa na Bíblia sobre o céu, mas se
examinarmos o texto das Escrituras encontraremos uma riqueza de materi
al que fala no assunto •— particularmente nos ensinos de Jesus no Novo
Testamento, assim como no livro do Apocalipse. Talvez não haja tanto ma
terial sobre o céu quanto gostaríamos de encontrar. Uma vez que ele é o
último destino do cristão, pensamos que deveria haver um pouco mais de
detalhes sobre a natureza do céu.
Daquilo que é descrito nas Escrituras, o céu representa uma mudança
radical do que experimentamos nesse mundo. Em outras palavras, há uma
enorme descontinuidade entre a vida que vivo nessa terra e aquela que me
aguarda no céu. Sempre que temos quebra de continuidade entre experiên
cias, a única maneira de falarmos significativamente a respeito delas é atra
vés de algum tipo de analogia. Nunca experimentamos essa vida diferente
que chamamos de céu. É muito difícil discutir algo que nunca experimenta
mos. Creio que é por isso que a Bíblia usa analogias. Os escritores dirão que
o céu é como isso ou aquilo porque estão tentando encontrar algum ponto
de referência significativo nesse mundo presente que possa falar a nós so
bre aquilo que “Nem olhos viram, nem jamais ouvidos ouviram nem pene
trou em coração humano” (ICo 2.9). É aquilo que transcende nossa capaci
dade de antecipar.
Às vezes aprendemos a respeito de alguma coisa descobrindo o que ela não
é. Por exemplo, no Apocalipse, a Bíblia nos diz que no céu não há choro, nem
dor, nem morte, nem tristeza, nem escuridão. De um lado, não posso imaginar
como seria a vida sem qualquer dessas coisas; mas ao mesmo tempo, tenho uma
idéia da diferença entre luz e trevas, paz e guerra, alegria e tristeza e assim por
diante. Creio que a principal razão pela qual não recebemos mais informação é
porque somos muito limitados em nossa capacidade de antecipar aquilo que é
muito maior do que podemos sequer imaginar nesse mundo.
Isso pode ser surpresa para muitas pessoas, mas eu responderia a essa
pergunta com um sim enfático. Fico admirado de que essa resposta surpre
enda tantas pessoas. Creio que há uma razão pela qual os cristãos ficam
chocados quando digo que há vários níveis de céu, assim como graduações
de severidade de punição no inferno.
Devemos grande parte dessa confusão à ênfase protestante na doutrina da
justificação pela fé somente. Martelamos sobre essa doutrina ensinando enfati
camente que a pessoa não chega ao céu através de suas boas obras. Nossas boas
obras não nos conferem qualquer mérito, e a única maneira pela qual poderemos
entrar no céu é pela fé em Cristo, cujos méritos nos são imputados. Enfatizamos
essa doutrina até o ponto em que as pessoas concluem que boas obras são insig
nificantes, e não têm nenhum peso sobre a vida cristã futura.
A maneira como o Protestantismo histórico formulou isso é que a única
maneira de chegarmos ao céu é através da obra de Cristo, mas temos a
promessa de recompensas no céu, de acordo com nossas obras. Santo Agos
tinho diz que é somente pela graça de Deus que fazemos qualquer coisa que
sequer se aproxime de uma boa obra, e nenhuma das nossas ações são sufi
cientemente boas para exigir que Deus nos recompense. O fato de que Deus
decidiu conceder recompensas na base da obediência ou desobediência é o
que Agostinho chama de Deus coroando suas próprias obras dentro de nós.
Se uma pessoa foi fiel em muitas coisas durante muitos anos, então ela será
reconhecida por seu Mestre que lhe dirá: “Muito bem, servo bom e fiel”.
Aquele que escapa por pouco no último minuto tem bem poucas boas obras
pelas quais pode esperar recompensa.
Creio que o intervalo entre a camada um e a camada dez no céu é bem menor
do que o abismo entre chegar lá ou não. Alguns colocam isso da seguinte manei
ra: A taça de todas as pessoas está cheia no céu, mas nem todos têm o mesmo
tamanho de taça. Novamente, pode ser uma surpresa para as pessoas, mas eu
diria que há pelo menos vinte e cinco ocasiões em que o Novo Testamento ensi
na claramente que nós seremos recompensados de acordo com nossas obras.
Jesus freqüentemente apresenta o tema da recompensa como a cenoura diante
dos olhos do cavalo — “grande será a sua recompensa no céu”, se você fizer isso
ou aquilo. Somos chamados para trabalhar, para depositar tesouros no céu para
nós mesmos, assim como o perverso, “acumula contra ti mesmo ira para o dia
da ira” (Rm 2.5), como diz Paulo em Romanos.
Não posso responder a essa pergunta com certeza, mas não quero que
você pense, nem por um minuto, que essa é uma pergunta tola. As pessoas
realmente se tomam ligadas aos seus bichos de estimação, especialmente
quando o bichinho permaneceu um longo tempo com elas. Em nossa cultura
atual, estão aparecendo cada vez mais cemitérios para animais de estimação,
e vemos pessoas chegando a grandes despesas com cerimônias — túmulos,
etc. — para se desfazerem dos corpos de seus animais de estimação.
Dentro da igreja cristã, há várias escolas de pensamento sobre esse as
sunto. Alguns crêem que os animais simplesmente se desintegram; eles se
transformam em nada e são aniquilados, o que está baseado na premissa de
que os animais não têm almas que possam sobreviver ao túmulo. Entretan
to, em nenhum lugar as Escrituras afirmam que os animais não têm alma.
A Bíblia nos diz que nós temos a imagem de Deus de uma forma que os
animais não têm. Agora, seria a imagem de Deus que diferencia entre uma
alma e a ausência dela? Aqueles que aceitam uma noção grega da alma —
isto é, aquela substância que continua indestrutível para sempre — podem
desejar restringir isso aos seres humanos. Mas, novamente, não há nada nas
Escrituras, que eu saiba, que excluiria a possibilidade de uma existência
continuada para os animais.
A Bíblia nos dá algumas razões para esperar que os animais mortos
sejam restaurados. Lemos na Bíblia que a redenção é uma questão cósmica.
Toda a criação está destinada a ser redimida através da obra de Cristo (Rm
8.21), e vemos imagens de como será o céu; belas passagens da Escritura
nos falam do leão e do cordeiro e de outros animais em paz uns com os
outros. Sempre que o céu é descrito, embora o seja numa linguagem alta
mente criativa, ele é um lugar onde os animais parecem estar presentes.
Quer esses animais sejam recém criados para os novos céus e a nova terra,
quer sejam as almas redimidas de nossos animais de estimação que morre
ram, não podemos saber com certeza.
Tudo isso é pura especulação, mas eu gostaria de pensar que veremos
nossos queridos animais novamente e que eles participarão dos benefícios
da redenção que Cristo realizou para a raça humana.
Creio que é possível que uma pessoa que tenha cometido suicídio vá
para o céu. Digo isso por várias razões. Psiquiatras têm estudado pessoas
que fizeram tentativas sérias de terminar a sua vida, mas não tiveram suces
so. Quando entrevistadas posteriormente, a vasta maioria dessas pessoas
(90% de acordo com os psiquiatras) disse que eles não teriam tentado co
meter o suicídio se tivessem esperado mais vinte e quatro horas. Muito
freqüentemente, o ato do suicídio é uma rendição a um ataque momentâ
neo, mas esmagador, de depressão aguda. Realmente não sabemos os últi
mos pensamentos que passam pela mente de uma pessoa antes que ele ou
ela morram. Suponhamos que um homem decida terminar sua vida e pule
do trigésimo andar de um edifício, e que pelo décimo sexto andar ele pense:
Isso é um erro, eu não deveria fazer isso. Obviamente há lugar na graça de
Deus para o arrependimento final desse homem por seu pecado.
Embora as Escrituras sejam muito claras na afirmação de que não deve
mos atentar contra nossas vidas, não conheço nada nas Escrituras que iden
tifique o suicídio como o pecado imperdoável. Agora, se uma pessoa atenta
contra sua vida em absoluta posse de suas faculdades, esse ato pode repre
sentar um ato de descrença total e absoluta, uma rendição ao desespero e à
completa falta de esperança, ao invés da confiança no Deus vivo. Entretan
to, não creio que possamos afirmar que esse é o estado mental de todos
aqueles que realmente cometem suicídio.
Algumas pessoas que cometem suicídio não estão num estado mental
sóbrio e ponderado e não são culpáveis por seu comportamento no último
minuto. Uma vez que a Bíblia é relativamente silenciosa a esse respeito,
não gostaria de tirar conclusões precipitadas. Preferiria depositar nossas
esperanças para tais casos na graça e na misericórdia de Deus.
• O q u e a co n te c e c o m as crianças q u e m o r r e m a n te s de
p o d e r e m aceitar o evangelho?
Você está fazendo uma pergunta a respeito da qual a igreja tem estado
seriamente dividida ao longo de sua história por várias razões. Há pouca
informação na Escritura que fale diretamente sobre isso. A Igreja Católica
Romana tem sua doutrina tradicional do limbo, e há duas variedades de
limbo. Há o limbo para o povo do Antigo Testamento que morreu antes da
vinda de Cristo, e há o limbo para as crianças. Esse limbo é definido como
uma espécie de lugar menos importante que o inferno. Não é o céu, mas a
definição histórica é de que as chamas do julgamento não alcançam esse
lugar. As crianças não batizadas são mandadas para lá, onde elas perdem as
bênçãos do céu mas, na realidade, não participam das punições do inferno.
As igrejas protestantes diferem quanto ao que acontece às crianças que
morrem. Alguns distinguem entre as que são batizadas e as que não são. Em
minha denominação, afirmamos como artigo de fé que os filhos de crentes
recebem uma dispensação especial de graça e são levados para o céu, não
porque são inocentes, mas porque são receptores da graça.
As crianças que não nasceram são iguais aos bebês? Novamente a con
trovérsia existe se, de fato, esses fetos que não nasceram são considerados
por Deus como vidas humanas ou não. Alguns assumem a posição de que
crianças abortadas são pessoas humanas reais, e pareceria coerente dizer
que aquilo que você pensa que acontece com os bebês que morrem se aplica
ria também a crianças que não nasceram. Minha crença pessoal é de que
crianças que não nasceram, mas foram abortadas, são tratadas por Deus
como seres humanos e que a mesma graça que ele dispensa aos bebês que
morrem, se aplicaria também àqueles que não nasceram. Isso não depende de
se o aborto é intencional ou não. O termo aborto é usado também para uma
gravidez mal sucedida. Minha esposa sofreu quatro abortos e esperamos sin
ceramente ver essas crianças que não nasceram no céu conosco. Nós concor
damos que temos seis filhos, não apenas dois, e esperamos intensamente nos
sa reunião com as crianças que não pudemos conhecer pessoalmente.
Não creio que tenha sido um ato de Deus. Por coincidência, recente
mente escrevi um capítulo num livro sobre toda essa questão da pitonisa de
Endor porque é uma porção das Escrituras difícil de analisar e que gera
muita controvérsia. A narrativa nos diz que depois da morte de Samuel,
Saul se disfarçou e procurou uma médium. Esses médiuns eram ilegais em
Israel e a prática desse tipo de atividade era um ultraje ou uma transgressão
capital. Não apenas era uma transgressão capital de acordo com a lei de
Moisés, mas o próprio Saul havia reforçado isso e insistido em que todos os
necromantes deixassem o país. Foi por isso que Saul se disfarçou. Ele foi a
essa feiticeira, ou médium, e pediu a ela que invocasse Samuel. O texto diz
que Samuel apareceu e se queixou por ter sido perturbado. A mulher, então,
descobriu que o rei a havia induzido a fazer aquilo e ficou apavorada.
Quando leio esse texto tenho que perguntar: O que aconteceu realmen
te? Será que a Bíblia está falando numa linguagem fenomenológica, des
crevendo o que apareceu, ou será que a Bíblia tenciona dizer que aquela
médium foi de fato capaz de trazer Samuel de volta? Teria sido um truque de
mágica? Será que era uma habilidade natural, uma habilidade que algumas
pessoas podem ter hoje? Será possível hoje entrar em contato com os mor
tos ou será uma falsificação do próprio Satanás? Não estou completamente
certo de qual dessas hipóteses explicaria a situação, se é que alguma o faz.
Vamos deixar claro o que sabemos com certeza. Mesmo que seja possí
vel entrar em contato com os mortos hoje e invocá-los, como você diz,
certamente não temos permissão para isso. Não há dúvida a respeito. É uma
afronta radical a Deus. Simplesmente não nos é permitido o envolvimento
com sessões espíritas e espiritismo, ou com a procura de médiuns. Isso é
anátema para Deus e, de fato, as pessoas que praticam isso estão incluídas
no capítulo final do Novo Testamento como aqueles que são excluídos do
reino de Deus. As advertências são severas e pesadas contra aqueles que se
envolvem nesse tipo de atividade.
Mas — é possível? Não acredito. Não creio que possamos invocar o
espírito dos mortos. Creio que todos os médiuns recorrem a truques para
realizar esses feitos. No final do século XIX, Sir Arthur Conan Doyle ficou
enamorado com essa possibilidade e o grande Harry Houdini ofereceu uma
grande soma de dinheiro a qualquer médium que pudesse realizar qualquer
fenômeno que ele, Houdini, não pudesse duplicar através de sua própria
arte ilusionista. Ninguém jamais recebeu o dinheiro de Houdini. Os melho
res “caçadores de fantasma” são os próprios mágicos. Só o ladrão reconhe
ce um ladrão. Estou convencido de que as pessoas que praticam tais coisas
são mistificadores.
Sem dúvida, a primeira coisa que quero saber é: O que preciso fazer
para ver Jesus? Eu quero ver o Senhor. Tenho perguntado a amigos e pesso
as da família: “Suponhamos que depois que você teve a chance de ver Jesus
no céu ele diga: ‘Muito bem, você pode encontrar outras três pessoas que
estão aqui e passar um tempo com cada um’ — quem você gostaria de ver?”
A primeira pessoa que eu gostaria de ver seria meu pai. Esta é uma das
grandes consolações da fé cristã — temos a promessa de sermos reunidos
com aqueles que amamos e que se foram antes de nós. Depois de ver meu
pai, gostaria de encontrar o salmista Davi. Eu amaria encontrar Jeremias. E
a lista continua.
Uma das primeiras perguntas que gostaria de fazer é: “Quem escreveu a
Carta aos Hebreus?” Morro de vontade de descobrir isso! Outra pergunta:
“De onde veio o mal?” Porque ainda não consegui decifrar isso. E, sem
dúvida, gostaria de perguntar: “Existe algum campo de golfe aqui em cima?”
Gostaria de estudar arte durante os primeiros dez mil anos, música nos
dez mil anos seguintes, e literatura durante os outros dez mil anos e conti
nuar a absorver tudo o que Deus fez e tudo o que ele ordenou. Eu adoraria
sentar lá e aprender teologia com a absoluta certeza de que jamais serei
enganado, ou que não estarei cometendo qualquer erro e que não estou mais
olhando através de um espelho obscuramente, mas agora estou na presença
da própria Verdade em toda sua pureza. Mas suspeito que todas essas coisas
que penso fazer terão de esperar pela simples alegria de estar na presença
de Deus e gozar da visão beatífica — ver a Cristo face a face. Não sei se
esse desejo irá arrefecer algum dia. Penso que ficaria satisfeito de fazer
apenas isso por toda eternidade.
• O que é fé?
• A fé cristã é realmente racional?
• O evangelismo é uma atividade necessária para o cristão?
• O que faz do Cristianismo — e não do Budismo ou do Hinduísmo ou de
qualquer outra — a religião certa?
• Como podemos apresentar o evangelho a um amigo ou a um membro da
família que talvez seja ateu?
• Como posso falar de Jesus a outras pessoas de uma forma não ameaçado
ra mas convincente?
• Meu pai não é cristão e sempre que converso com ele ele não ouve, seja o
que for que eu diga. O que posso fazer?
• Se um não-cristão nos faz uma pergunta a respeito de moralidade, deve
mos imediata e especificamente nos referir à Bíblia, ou devemos apenas
lhe dar nosso conselho baseado em princípios bíblicos?
• É possível que uma pessoa esteja num estado de regeneração antes de
aceitar a fé?
• Como devo reagir aos pregadores de rua?
• O q u e é fé?
Penso que a fé em todos os seus aspectos é uma das noções mais mal
compreendidas que temos, não apenas pelo mundo, mas pela própria igreja.
A única base de nossa redenção, e o caminho pelo qual somos justificados
por Deus é através da fé. A Bíblia nos fala constantemente sobre a fé, e se
não a compreendermos bem, ficaremos numa situação problemática.
A grande questão da Reforma Protestante do século XVI foi: Como uma
pessoa é justificada? A posição de Lutero na controvérsia foi de que somos
justificados pela fé somente. Quando ele disse isso, muitos dos líderes da
Igreja Católica Romana ficaram muito aborrecidos. Eles retrucaram: “Isso
quer dizer que uma pessoa pode simplesmente crer em Jesus e depois viver
como quiser?” Em outras palavras, a Igreja Católica Romana reagiu forte
mente porque estava temerosa de que a posição de Lutero fosse entendida
como uma crença fácil na qual a pessoa teria apenas de crer e nunca mais
precisaria se preocupar em produzir os frutos da retidão. Era muito impor
tante que aqueles que estavam envolvidos na Reforma Protestante definis
sem cuidadosamente o que entendiam por fé salvadora. Portanto, eles vol
taram e estudaram o Novo Testamento, especificamente a palavra grega
pistein, que significa “crer”, e foram capazes de isolar três aspectos distin
tos da fé bíblica.
O primeiro é o termo latino notitia: “crer nos dados” ou na informação.
E um conhecimento intelectual. Você não pode ter fé em coisa nenhuma,
em algo que não exista: tem de haver um conteúdo para a fé. Você tem que
crer em alguma coisa ou confiar em alguém. Quando dizemos que uma
pessoa é salva pela fé, alguns dizem: “Não importa no que você crê, desde
que seja sincero.” Não é isso que a Bíblia ensina. Importa profundamente
no que você crê. E se eu cresse que o diabo é Deus? Isso não me salvaria.
Preciso crer na informação certa.
O segundo aspecto da fé é o que eles chamaram de assensus, ou um
assentimento intelectual. Devo estar persuadido da verdade do conteúdo.
De acordo com Tiago, mesmo que eu esteja consciente da obra de Jesus —
convencido intelectualmente que Jesus é o Filho de Deus, que ele morreu
na cruz por meus pecados e que ressuscitou dos mortos — nesse ponto eu
estaria qualificado para ser um demônio. Os demônios reconhecem a Jesus,
e o próprio diabo conhece a verdade de Cristo, mas não tem fé salvadora.
O elemento básico, o elemento mais vital da fé salvadora no sentido
bíblico é o da confiança pessoal. O termo final é fiducia, que se refere a um
compromisso fiduciário pelo qual coloco minha vida nas mãos de Jesus.
Confio nele e apenas nele para minha salvação. Esse é o elemento crucial,
e ele inclui os elementos intelectual e mental. Mas vai, além deles, ao cora
ção e à vontade, de forma que a pessoa como um todo é envolvida nessa
experiência que chamamos fé.
• A fé cristã é re a l m e n t e racional?
Essa é uma pergunta que toda pessoa nascida e criada nos Estados Uni
dos precisa perguntar, e precisa perguntar honestamente. Não podemos dei
xar de conjecturar: “Sou cristão porque nasci e fui criado num ambiente
cristão, num país onde o cristianismo é a religião dominante onde recebi
pouca influência do Hinduísmo ou do Islamismo ou do Budismo ou de qual
quer outra religião do mundo?” Muitas pessoas se unem a organizações ou
a igrejas cristãs apenas por que seus pais o fizeram. Essa não é uma boa
maneira de testar a verdade das alegações de qualquer religião.
Creio que a única maneira pela qual você pode satisfazer a si mesmo ou
aos seus filhos a esse respeito é através de uma avaliação, um estudo sério
das doutrinas básicas das religiões mundiais. No século XIX, o estudo de
religiões comparadas tornou-se uma disciplina acadêmica muito importan
te porque o mundo tinha se tornado menor e mais cosmopolita. Hoje vive
mos num mundo em que há muito mais mistura e miscigenação de pessoas
de origens radicalmente diferentes.
No século XIX, tentou-se alcançar a paz entre as religiões do mundo procu
rando um denominador comum — aquela essência básica que fosse encontrada
em todas as religiões. Muitas pessoas concluíram que não havia realmente ne
nhuma diferença, que todas as pessoas criam no mesmo Deus e todas estavam
buscando a mesma coisa, mas que há diferentes caminhos para o mesmo lugar.
Creio que essa é uma maneira simplista de encarar os fatos.
A dificuldade é que, se você examinar as religiões mundiais e colocar
seus ensinamentos básicos lado a lado, você os verá contradizendo-se radi
calmente uns aos outros em relação a quais sejam os seus mais altos ideais.
E uma pessoa que pense verá, rapidamente, que não é possível que todos
sejam verdadeiros em suas alegações. Podem estar todos errados, mas não é
possível que todos estejam certos.
O Novo Testamento faz reivindicações exclusivas a respeito de Jesus, e
isso é uma provocação ainda maior para pessoas que não desejam examinar
seriamente as questões que dividem as religiões mundiais. Obviamente não
podemos apresentar uma defesa das alegações de verdade características
do cristianismo num breve livro como esse, mas eu diria que uma coisa o
cristianismo tem que as outras religiões não têm — a coisa mais óbvia —
que é Cristo, Deus encarnado e sua obra de redenção.
• C o m o p o d e m o s a p re s e n t a r o e v angelh o a u m a m ig o ou
a u m m e m b r o da família q u e talvez seja ateu?
Não creio que jamais tenha havido um cristão que não tenha carregado
ao longo de sua vida, um fardo pesado pelas almas das pessoas que lhe são
mais queridas, quase sempre membros da família imediata ou amigos mais
chegados. Todos nós lutamos com isso. Como compartilhar nossa fé e co
municar aquilo que é tão importante e precioso para nós e estamos conven
cidos de que é tão importante para eles? Qual é a maneira mais eficiente de
fazer isto? Se eu soubesse a resposta para essa pergunta eu a embalaria e
venderia porque há uma grande demanda.
Durante minha infância espiritual, eu estava cheio de zelo pelas coisas
de Cristo e desejava desesperadamente ver minha família entregar-se a ele.
Eu fiz tudo da maneira errada. Comportei-me de forma muito agressiva e
praticamente os cansei terrivelmente citando as Escrituras para eles, dei
xando versículos em suas cabeceiras e todo esse tipo de coisa que eles to
maram como minha desaprovação pessoal a seu respeito. Não era isso que
eu estava tentando comunicar, e não era isso que eu sentia a respeito deles,
mas foi assim que eles entenderam.
Quando me tornei cristão, fiquei tão empolgado que fui para casa e con
versei com minha mãe e, cheio de entusiasmo, eu lhe disse: “Mamãe, adivi
nhe o que aconteceu comigo! Eu me tomei cristão.” E ela ficou completa
mente estonteada. Ela respondeu: “O que você quer dizer com eu me tornei
um cristão? Você sempre foi cristão.” E ao invés de compartilhar de minha
alegria pela fé recém-encontrada, ela se tornou muito, muito defensiva,
porque o que ela me ouviu dizer foi: “Mamãe, você não me educou com o
sistema certo de valores. Você não é cristã. Você não é digna de ser minha
mãe.” Era isso que ela estava ouvindo. Portanto, temos de ser especialmen
te sensíveis com os sentimentos daqueles que são próximos a nós porque
eles investiram muito no nosso relacionamento.
Se existe um lugar onde mereço ter o direito de ser ouvido esse lugar é
na companhia dos meus amigos. E onde achamos que menos precisaríamos
exigir o direito de sermos ouvidos porque já temos uma amizade estabelecida.
Pressupomos que, uma vez que somos amigos, eles ouvirão o que dizemos
com seriedade e atenção. Mas quando vou a eles com algo que contém uma
crítica velada sobre sua posição a respeito de Deus e de Cristo, eles tomarão
isso como uma rejeição pessoal ou, pelo menos, como desaprovação. Por
tanto, antes de explicar Cristo a eles ou defender a fé, preciso provar que
sou amigo deles (ou que sou filho de meu pai ou de minha mãe, ou irmão de
minha irmã) de forma que eles não se sintam como se eu estivesse fazendo
uma ruptura radical em nosso relacionamento.
Uma das lutas pessoais mais profundas que qualquer cristão enfrenta é
tentar comunicar a intensidade de sua própria fé aos seus melhores amigos
e à família que não partilha do mesmo ponto de vista.
Logo que me tomei cristão, o que eu queria mais do que qualquer outra
coisa no mundo era que minha família gozasse os benefícios da minha des
coberta. Tenho certeza de que, muitas vezes, me tomei antipático para mi
nha família em meu zelo de tentar comunicar minha preocupação por eles
porque tomei seriamente as advertências do Novo Testamento sobre o que
acontece com aqueles que rejeitam a mensagem de Cristo. Felizmente,
embora nos primeiros anos eu tivesse sentido pouca reposta aos meus ape
los e aos meus entusiasmos e desejo de comunicar minha fé à minha famí
lia, ao longo do tempo pude ver praticamente todos eles se entregarem a
Cristo. Gostaria de dizer que isso foi o resultado direto de meu testemunho
firme, mas não foi. Deus usou outras pessoas para alcançar minha família.
Isso me ensinou o quão importante é ser paciente com o ritmo de Deus para
com aqueles que amamos.
Penso na história de Santo Agostinho, cuja mãe, Môjiica, era uma cristã
devota. Durante a juventude, seu filho era impetuoso e sem controle em seu
estilo de vida licencioso, e Mônica era toda piedosa. Durante anos, toda
noite ela orava por seu filho e não via nenhum sinal de resposta. Em certa
ocasião, ela foi conversar com seu pastor, que era o grande bispo Ambrósio
de Milão, Itália. Ela derramou seu coração diante do bispo e ele lhe fez a
seguinte pergunta: “Mônica, poderia um filho de tantas lágrimas perder-se?”
O que Ambrósio estava dizendo é que certamente Deus não se negaria
atender as petições de uma mãe tão zelosa e constante na sua vida de oração
em favor de seu filho. Creio que o conselho dado por Ambrósio a Mônica
foi muito confortador, embora não seja necessariamente a melhor teologia.
É possível que alguém que amamos profundamente nunca chegue a acei
tar a fé, mas tende a existir uma correlação entre nossa paciência e nossa
fidelidade a Deus e a disposição de Deus de honrar e abençoar isso. Eu diria
que o que você deve fazer é orar e ser uma filha tão amorosa quanto possí
vel. Deus não a chamou para ser a evangelista de seu pai; ele a chamou para
ser sua filha. Quanto mais você refletir seu cristianismo sendo uma boa
filha, tanto mais Deus estará inclinado a usar isso de maneira positiva.
• Se u m n ã o - c r i s t ã o n o s faz u m a p e r g u n t a a respeito de
m oralidade, devem os im ediata e especificam ente nos
referir à Bíblia, o u d e v em o s a p en a s lhe d a r n o ss o c o n s e
lh o b a se a d o e m princípios bíblicos?
Não somente é possível que uma pessoa esteja num estado de regenera
ção antes de aceitar a fé, como é absolutamente necessário porque o mais
importante pré-requisito para se confiar em Cristo é ser vivificado através
do Espírito Santo. Regeneração significa novo nascimento ou renascimento.
A outra palavra que o Novo Testamento usa é vivificar, tornar vivo. A Bí
blia nos ensina que nosso estado decaído natural é de morte espiritual. An
tes que eu possa sequer exercitar a fé, primeiro tenho de ser tomado vivo
espiritualmente. Por isso declaro com toda minha convicção que a regene
ração — isto é, o novo nascimento — precede a fé. Ela é necessária para
que a fé possa estar presente.
Não creio que esteja dizendo nada diferente daquilo que o Senhor disse
a Nicodemos quando tiveram aquela prolongada discussão sobre o que sig
nifica nascer de novo. Jesus disse que a não ser que a pessoa nasça de novo,
ela não pode nem sequer ver o Reino de Deus. Jesus disse: “Quem não
nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus” (Jo 3.5).
Quando Paulo amplia o tema em Efésios 2, ele diz: “Ele vos deu vida, es
tando vós mortos nos vossos delitos e pecados'’’ (Ef 2.1). Posso me enganar
pensando que, enquanto estou num estado de morte espiritual, posso esten
der a mão por minha própria fé e me tornar espiritualmente vivo. Isto é
exatamente o que não posso fazer. Isto é exatamente o que apenas Deus
pode fazer por nós. Foi por isso que Jesus disse a Nicodemos que antes que
uma pessoa possa ver o reino de Deus, ele ou ela deve ser nascido do Espírito.
Há muita confusão entre os cristãos a respeito da expressão “nascer de
novo.” Quando uma pessoa vem a Cristo e passa por uma conversão dramá
tica e experimenta nova vida em Cristo, ela diz: “Agora eu nasci de novo,”
e pensa que ser nascido de novo significa o total da experiência de vida
nova que está gozando. Entretanto, num sentido técnico do Novo Testa
mento, regeneração descreve não o processo total que nos leva a gozar uma
nova vida em Cristo, mas apenas o primeiro passo. Assim como o nasci
mento é o começo da vida humana e um começo necessário, assim o nasci
mento espiritual é simplesmente o primeiro passo depois do qual vêm a fé,
o arrependimento e tudo mais.
• Q u e m foi o p r im e ir o cristão?
Os termos liberal e conservador não são termos sem sentido, mas são
rótulos muito amplos. Não sei onde você se situa, e quando você fala sobre
um ministro que é mais liberal que você, talvez você seja um conservador
inflamado. Você pode ser o extremista fanático da ala direita e o que consi
dera liberalismo pode ser pura ortodoxia!
Digamos que o conservador é uma pessoa que resiste a mudanças, que
aderiu ao status quo. Sendo cristãos, não podemos nos permitir abordar a
vida dessa maneira. Nunca chegamos a um estado perfeito na vida da igreja
ou em nossa compreensão das coisas de Deus; não é uma boa idéia conser
var todas as coisas do passado. Devo estar sempre aberto à Reforma e a
novos crescimentos e experiências em matéria de fé e vida.
De uma perspectiva histórica, liberal é um termo maravilhoso. Descre
ve alguém que experimentou liberdade, que não está amarrado simples
mente a tradições de homens, alguém que está aberto para novos horizon
tes, novas vistas, novas aventuras no reino de Deus. Num outro sentido,
liberal não é um termo amigável para o cristianismo. Por exemplo, houve
um movimento na igreja do século XIX que adotou o termo liberal como
uma definição técnica para todo um sistema de teologia que categorica
mente apagou o sobrenatural da fé cristã, negando não apenas o Nascimen
to Virginal, mas a própria Encarnação — os milagres de Jesus, a redenção
de Cristo, a ressurreição de Jesus, a ascensão de Jesus e a sua volta. Não
reconheço aquela escola de pensamento como parte de um debate intramuros
entre cristãos tentando elucidar nossas crenças. Existe muito espaço para
discordância dentro do corpo de Cristo. Mas a negação sistemática do so
brenatural, que encontramos no liberalismo do século XIX foi, eu diria,
subcristão ou não-cristão ou verdadeiramente antitético ao cristianismo. Lá
havia pessoas dentro da igreja, negando aquilo que eu consideraria essenci
al à fé cristã.
Se seu pastor é um liberal no sentido de que ele está na realidade negan
do doutrinas básicas da fé cristã, então você tem um problema sério nas
mãos. Dependendo de sua denominação, há certos meios de acesso através
dos quais você poderia registrar sua queixa. A maioria das igrejas tem tri
bunais eclesiásticos para tratar de hereges, e esse caso de liberalismo é here
sia. Herege não é uma palavra que usamos comumente nessa geração culta
e esclarecida, mas existem verdadeiros hereges.
A respeito de deixar ou não a igreja, eu diria que sua atitude básica
deveria ser de enorme paciência porque a igreja é maior que um ministro
individual ou até mesmo que uma comunidade específica e local de cren
tes. Se você descobrir que uma denominação inteira assumiu uma posição
herética negando aquilo que é essencial na fé cristã, então penso que está na
hora de partir.
• A l g u m a s igrejas e u n i v e r s i d a d e s cristãs e s t a b e l e c e r a m
p a d r õ e s d e c o m p o r t a m e n t o para t o d o s os m e m b r o s e
e s t u d a n te s . Isso é bíblico?
Vou tentar responder essa pergunta a partir do que tenho encontrado no con
texto dos colégios e universidade cristãs.
Antes de mais nada, creio que é perfeitamente apropriado que um colégio ou
universidade particular tenha padrões que são impostos sobre seus alunos. Creio
que é particularmente importante que, se uma instituição se intitula instituição cristã,
ela seja extremamente cuidadosa para não impor padrões ou regras que vão além
daquilo que a Bíblia realmente fala. O que acontece é que as pessoas olham para
essas situações e dizem: “Oh, é isso que os cristãos fazem ou não fazem.” Se
somos tão restritos e tão rígidos que impomos regras e regulamentos sobre situa
ções nas quais Deus deixa as pessoas livres, estamos provocando o descontenta
mento de Deus. Isso porque, na realidade, estamos distorcendo a lei de Deus.
Menciono isso porque tenho visto muitas universidades e colégios cristãos
que, em meu julgamento, têm regras e regulamentos que vão muito além daquilo
que as Escrituras requerem das pessoas. De fato, eles impõem um tipo de legalismo
que é uma distorção da Palavra de Deus e comunica aos estudantes e ao mundo
um retrato da fé cristã que simplesmente não é exato. A motivação por trás des
ses regulamentos é, em geral, boa. As pessoas que os estabelecem entendem que
os jovens são particularmente inclinados a dar suas cabeçadas e experimentar
tipos de comportamentos que são questionáveis. Muitas vezes, a universidade é
a primeira situação na qual o jovem está longe de casa e sozinho para tomar
decisões importantes. Eles precisam aprender a lidar com uma liberdade que não
experimentaram antes. Por isso os cristãos se enchem de zelo para protegê-los
do mundo e de cair em pecados perigosos, e fazem isso reforçando as restrições
e adicionando regras. O efeito negativo desse modelo é a supercorreção ou
superproteção que, freqüentemente, leva os estudantes a se rebelarem. Outro
efeito negativo é que os estudantes que não se rebelam acabam ficando ainda
mais isolados do mundo no qual vivemos — a verdadeira arena da redenção.
Lembro-me de uma universidade cristã em particular que fez parte de um estu
do nacional sobre complexo de culpa entre os estudantes. Esta escola cristã, em
particular, apresentou um índice de 99%. Em outras palavras, há problemas sérios
de estudantes paralisados e obcecados pela culpa naquele campus. Uma universi
dade cristã é o lugar onde deveríamos sentir o desprendimento e a libertação da
culpa porque experimentamos o perdão que é nosso em Cristo. Portanto, eu diria
que há um lugar e um propósito para certos padrões numa instituição particular,
mas a aplicação errônea dessa proteção é extremamente perigosa.
• Q u a l o significado do b a ti s m o ?
Creio que uma das maiores crises em nosso país está na educação teoló
gica. Nas últimas décadas temos visto o afastamento de muitas instituições
cristãs — inclusive universidade cristãs, colégios e até mesmo seminários
— do cristianismo ortodoxo. Algumas de nossas melhores instituições educa
cionais seculares iniciaram como seminários cristãos — Princeton, Harvard
e Yale, por exemplo. Com o passar dos anos, essas instituições sofreram a
influência da erudição secular, mudaram seus compromissos e, em alguns
casos, os mudaram drasticamente.
Honestamente, há muito pouco que os membros da igreja possam fazer para
influenciar a educação dada nos seminários. Isso pode soar como pessimismo,
mas a vida acadêmica é um mundo em si mesmo. Além disso, diferentes institui
ções teológicas e seminários têm suas próprias regras e regulamentos a respeito
de como estabelecer sua política educacional. Algumas vezes, essas políticas e
pontos de vista dos seminários são inteiramente controlados pelo corpo docen
te; em outros casos são controlados por um corpo de diretores; e em outros
ainda pela administração. E mais ou menos tudo o que podemos fazer como
indivíduos ou membros de uma igreja local é insistir em que as pessoas que
chamamos para ser nossos pastores sejam homens piedosos, que estudaram pro
fundamente as Escrituras e tenham conhecimento teológico.
Pessoalmente, estou totalmente comprometido com a noção de um clero bem
educado. Um dos grandes benefícios da Reforma Protestante foi tomar a Bíblia
disponível para consulta individual e particular. Hoje imprimimos a Bíblia em
nossa língua; ela não está mais restrita a publicações em latim, grego ou hebraico.
Mas, ao mesmo tempo, quando lemos as Escrituras por nós mesmos, a própria
Escritura nos diz que precisamos de professores. A Bíblia é, com freqüência,
difícil e complexa e há um grande benefício em termos ministros e pastores
altamente educados. E sua maneira de pensar — a própria natureza de seu minis
tério — será moldada pela instituição que os educou.
Portanto, o único caminho pelo qual podemos ter uma palavra nessa
matéria como membros da igreja é na seleção de nossos pastores.
Nem todo estudante de qualquer seminário representa, em sua totalidade, a
linha seguida pelo seminário, mas deveríamos saber qual é a linha usada pelos
seminários e, quando examinamos as credenciais de um pastor em potencial, deve
ríamos considerar cuidadosamente onde ele recebeu sua educação teológica.
Dentro da igrej a cristã, há três opções principais para responder a essa pergunta.
Alguns cristãos crêem que o sábado (o inglês usa a expressão sabbath,
mais próxima da hebraico para designar o dia de descanso. N.T.) era uma
instituição do Antigo Testamento e que não tem nenhuma aplicação na igreja
do Novo Testamento. Até mesmo um homem extraordinário como Santo
Agostinho assumiu a posição de que a observância do sábado não teve pros
seguimento na comunidade do Novo Testamento e, portanto, foi cumprida
e terminada com a obra de Cristo. Há cristãos que sentem que não existe
nenhum significado particular na observância do sábado hoje, embora eles
representem uma minoria.
A maioria dos cristãos, embora possa haver discordância sobre que dia
é o sábado — o sétimo ou o primeiro dia da semana — e como ele deve ser
observado, ainda mantém que, de alguma forma, a comunidade cristã deve
observar o sábado.
Deus não estabeleceu o sábado no monte Sinai com Moisés e o povo de
Israel, mas na Criação. Os últimos livros da Lei certamente dilataram a
noção do sábado em termos das especificações de como ele deveria ser
observado em Israel, mas o sábado existe muito antes que os Dez Manda
mentos e outras leis fossem dadas ao povo
Isso indicaria que uma vez que a criação existe, o sábado existe tam
bém. Na aliança que fez com Israel, Deus disse: “Este é o meu sábado para
todas as gerações.” O fato de ser uma ordenança da criação é uma forte
evidência de que ainda há uma exigência de que o sábado seja observado
pelos cristãos — na realidade, não apenas pelos cristãos, pois o sábado é
parte do propósito de Deus para a humanidade desde o início. Essa é uma
das razões pelas quais os estados têm leis que regulamentam o trabalho,
diversão e comércio aos domingos.
A observância do sábado não era nem sequer vista como violação do
princípio de separação entre igreja e estado; todos deviam ter um sábado,
quer fossem cristãos, judeus, maometanos ou qualquer outra coisa.
No Novo Testamento, a igreja se reunia no Dia do Senhor, que é o
primeiro dia da semana, para o culto. Temos um mandamento claro no
Novo Testamento de que não devemos abandonar a assembléia dos san
tos (Hb 10.25). Em outras palavras, a linguagem simples do Novo Tes
tamento nos diz que os cristãos devem se reunir em culto congregacional
no Dia do Senhor (ou Domingo, que quer dizer “Do Senhor” N.T.) Isso
significa que devemos ir à igreja. Essa é normalmente considerada como
uma das maneiras como o sábado deve ser observado. Todos os cristãos
que conheço e que crêem que o sábado ainda é válido, concordam que,
no sábado, ou dia de descanso, deveríamos cultuar a Deus e que a cada
sete dias, deveria também haver um dia de descanso de comércio que
não fosse essencial e de trabalho. Há previsões para o comércio que não
pode parar — hospitais, farmácias, etc. Mas comércio visando vendas e
lucro, deveria cessar no sábado.
Esse grupo de cristãos que crê que o sábado deve ser observado, na
realidade se divide em dois grupos. Um afirma o que chamamos de ponto
de vista continental: A recreação é permitida no sábado. O outro afirma o
ponto de vista puritano: A recreação é proibida no sábado. Eu adoto a posi
ção de que a recreação é uma forma legítima de descanso no sábado.
Jesus não explica, em João 4.23, o que ele quer dizer com adorar ao Pai
em espírito e em verdade, e podemos apenas fazer algumas especulações.
De um lado podemos pensar sobre o fato de que o tipo de culto que Deus
deseja de nós é o culto que vem do mais profundo de nós mesmos, do nosso
espírito. Pensamos no Magnificat de Maria, por ocasião do anúncio da vin
da do Messias, quando ela canta: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o
meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador" (Lc 1.46). Sua expressão
era de adoração e reverência que vinha do profundo de sua alma. Era uma
adoração espiritual no sentido de que não estava simplesmente na superfí
cie. Ela não estava meramente seguindo os gestos mecânica e externamen
te, mas eles vinham da profundidade do seu ser.
Portanto, pode ser que, quanto à adoração espiritual, Jesus estivesse
falando de uma adoração que vem da profundidade de nosso espírito huma
no quando se dirige a Deus.
O outro sentido possível do termo “espírito” nessa passagem, particu
larmente pela maneira como está ligado à “verdade,” é a própria natureza
de Deus e não a nossa profundidade espiritual. No curso da conversação de
Jesus com a mulher, ele enfatiza que Deus é espírito, e liga essa declaração
com a determinação de que ele deve ser adorado em espírito. Creio que o
que Jesus quis dizer é que Deus deseja ser adorado como ele é, que ele deve
ser honrado na plenitude do seu caráter. Não devemos despojar Deus de
seus atributos quando chegamos diante dele em adoração, em honra e com
louvor; não devemos transformá-lo num ídolo — nossa imagem daquilo
que pensamos que ele deveria ser. Não é por acidente que os primeiros dois
mandamentos do Decálogo abrangem e protegem a santidade do caráter de
Deus, e estabelecem uma proibição absoluta contra a adoração aos ídolos.
Lembre-se que a idolatria é uma das distorções primordiais e fundamen
tais da religião autêntica. Vemos, na longa exposição de Paulo nos primeiros
capítulos de Romanos por exemplo, sua expressão da ira de Deus contra aque
les que o reduzem a um ídolo. Transformar Deus em um homem, em uma
vaca ou num totem, ou mesmo numa idéia abstrata, não é próprio, pois isso
troca sua glória eterna por uma mentira e Deus não suporta isso. Ele deseja
que seu povo o adore como ele é, na plenitude de seu caráter espiritual e em
verdade. Deus deseja adoração verdadeira e adoração espiritual.
Desejo prefaciar minha resposta dizendo que Jim Packer é um bom amigo
e que já trabalhamos juntos muitas vezes em conferências teológicas. Sei
que ele é um dos mais admiráveis estudiosos cristãos do mundo hoje. E um
teólogo anglicano e tem raízes pessoais profundas na reforma protestante.
Você deve estar ciente de que no século XVI, uma das questões cruciais
do conflito entre a igreja católica romana e a reação protestante foi precisa
mente o uso de imagens e pinturas na igreja. Houve a grande controvérsia
iconoclasta e até mesmo na Alemanha de Lutero o povo chegou a ponto de
arrombar igrejas católicas romanas e destruir algumas peças de arte porque
acharam que elas eram uma violação ao segundo mandamento. Existe uma
longa tradição de preocupação protestante a esse respeito porque o segun
do mandamento diz: “Não farás para ti imagem de escultura, nem seme
lhança alguma...” (Ex 20.4) Isso não é uma proibição completa contra a
arte, como até mesmo os mais ardentes reformadores compreenderam. Há
um fantástico uso de várias formas de arte na Bíblia — sendo o tabernáculo
e o templo de Israel os exemplos principais. A proibição era contra qual
quer semelhança humana de Deus.
Houve uma concordância clara entre os reformadores de que não deve
ria haver nenhuma imagem que tentasse representar a natureza de Deus. A
pintura na Capela Sistina, por exemplo, retratando a mão e o dedo de Deus
ao criar Adão, teria sido questionável para os reformadores. Historicamen
te, a Igreja Católica Romana tem assumido uma posição forte dizendo que
embora as pessoas possam servir à imagem, elas não devem adorar ídolos ou
cruzes ou qualquer outra coisa como essas. Eles definiram idolatria; a palavra
vem de idola latria, que quer dizer literalmente “adoração aos ídolos.”
Eles fazem uma distinção entre servir à imagem e adorá-la; algumas
pessoas, assim como Packer, dizem que essa é uma distinção sem diferen
ça. Servir aos ídolos é adorá-los, e os reformadores não ficaram satisfeitos
com a resposta católica romana.
Agora você levanta a pergunta sobre a representação de Cristo e o uso
da cruz. Há protestantes que não admitem qualquer símbolo na igreja, in
clusive a cruz, com ou sem a figura de Cristo sobre ela. Packer está questi
onando figuras de Jesus e cruzes. Pessoalmente, tenho um problema com
isso de um ponto de vista prático. Não posso afirmar com toda certeza que
representar a natureza humana de Jesus seja uma violação do segundo man
damento. Mas não estou certo de que seja sábio, pois a representação pode
ria comunicar às pessoas uma imagem errônea. A cabeça de Cristo feita por
Salomão, apesar de toda a sua beleza, tem comunicado a várias gerações de
pessoas um Jesus efeminado que parece menos do que vigoroso. Eu prefe
riria não comunicar nada artisticamente sobre a aparência de Jesus do que
colocar imagens erradas nas mentes das pessoas.
• D e v e ría m o s c o n fe s s a r n o s s o s p e c a d o s u n s aos o u t r o s
c o m o diz o livro de Tiago?
Se Tiago diz isso, então, sem dúvida, deveríamos confessar nossos pe
cados uns aos outros. Entretanto, uma das grandes divisões entre cristãos
diz respeito ao ato de confessar nossos pecados a outro ser humano. Por
exemplo, a Igreja Católica Romana tem o sacramento da penitência pelo
qual, o fiel dentro da Igreja Católica Romana deve, com certos intervalos, ir
ao confessionário e confessar seus pecados audivelmente diante de um sa
cerdote e passar pela absolvição e obras de penitência.
A maioria das comunidades protestantes, mas não todas, aboliram a prá
tica desse tipo de confissão. A idéia por trás dessa atitude é que não precisa
mos de um mediador; podemos confessar nossos pecados diretamente a
Deus. Bem, certamente concordo que podemos contar nossos pecados dire
tamente a Deus, e somos chamados a confessar nossos pecados a ele assim
como os santos das Escrituras fizeram como exemplo para nós. Mas as
Escrituras nos dizem não apenas para confessarmos nossos pecados direta
mente a Cristo, que é o nosso Supremo Sumo Sacerdote e Mediador, mas
confessá-los uns aos outros.
Nesse ponto, permitam-me dizer que a grande controvérsia sobre o sa
cramento católico da penitência não tinha nada a ver com o fato de confes
sar os pecados a outra pessoa. Na época da Reforma, os debates tinham a
ver com as obras de penitência (e, portanto, com a doutrina da justificação)
sobre a qual não falaremos aqui.
Falando como protestante, penso que algo muito precioso foi perdido
no mundo protestante pela nossa abolição da prática da confissão. Ainda
estou para encontrar um cristão que não almeje ouvir alguém com autorida
de lhe dizer: “Os seus pecados estão perdoados.” E creio que essa autorida
de, assim como a igreja Católica Romana também crê, foi realmente dada à
igreja. Essa é a razão pela qual, mesmo em igrejas protestantes, vemos pas
tores que se levantam e proclamam a certeza do perdão e da graça.
As pessoas necessitam da garantia de que os pecados que confessaram
de fato foram perdoados. Penso em Isaías no templo, quando o serafim veio
com a mensagem de Deus: “a tua iniqüidade foi tirada, e perdoado, o teu
pecado” (Is 6.7). Quão libertador foi aquilo. Tenho conversado com psiqui
atras que dizem que o fardo mais pesado em termos de doença mental do
povo nos Estados Unidos é o fardo da culpa não resolvida. Um psiquiatra
me disse: “Muitas pessoas que vêm me procurar precisam mais de um pas
tor do que de um psiquiatra.” Creio que confessar nossos pecados pode ser
uma prática extremamente saudável para nós. Ao mesmo tempo, também
pode se tomar uma preocupação neurótica se corremos uns para os outros
para contar cada detalhe e nos excedermos.
• Em G álatas 6, q u a l é a d ifere n ça e n tr e a a d m o e s ta ç ã o
"Levai as cargas uns dos outros” e a afirm ação de q u e “cada um
levará o seu próprio fardo"?
• Vem os m u it o s p ro b le m a s n o s c a s a m e n to s hoje. O q u e
deveria d istin g u ir u m c a s a m e n to cristão?
Quando falamos sobre a diferença que ser um cristão faz na vida, não
apenas no casamento, apontamos para a realidade de que sendo cristãos
somos habitados por Deus, o Espírito Santo, que trabalha em nós dando-
nos assistência para sermos obedientes aos mandamentos de Deus. Tam
bém percebemos que simplesmente porque somos cristãos não estamos de
maneira nenhuma livres do pecado %Todos nós pecamos e todos nós conti
nuamos a pecar. Portanto, o fato de sermos cristãos não garante que nosso
relacionamento matrimonial será aquilo que deveria ser.
Tenho mencionado, em muitas ocasiões, que fico sempre angustiado quan
do ouço de pastores que são tão zelosos no seu desejo de alcançar pessoas
para o cristianismo, fazendo promessas as quais, eu creio, Deus nunca so
nhou em fazer. Eles dizem coisas como: “Venham a Jesus e todos os seus
problemas serão resolvidos.” Em minha experiência como cristão e alguém
que foi convertido repentina e dramaticamente de um estilo pagão de vida,
creio que minha vida não se tomou complicada até que eu me convertesse,
pois agora estou envolvido em conflitos tais que nunca conhecera anterior
mente. Há conflitos entre os desejos que brotam do meu coração e que não
são justos e aquilo que a Palavra de Deus me diz que eu deveria estar fazendo.
Se há alguma grande vantagem em ser um cristão, é a vantagem de ter à
nossa disposição a sabedoria de Deus
Para que qualquer relacionamento humano sobreviva às disputas,
»discordâncias, lutas e aos ajustamentos pelos quais todos os relacionamen
tos passam, é necessário mais do que simples caráter moral. É necessário
grande sabedoria. A sabedoria para tratar o conflito nos relacionamentos
—humanos está disponível para nós na Palavra de Deus. Ela nos diz, por exem
plo, algumas coisas tão simples como essa: A resposta branda desvia o fu
ror. Somos instruídos por esses princípios de sabedoria em como evitar o
tipo de espírito que destrói os relacionamentos. Pense por um minuto na
gama de emoções que experimentamos em nossas amizades e em nossos
casamentos. Sempre disse que não há ser humano no mundo que consiga
me deixar mais bravo do que minha mulher. Não há ninguém no mundo
cuja crítica me fira mais do que a de minha esposa, porque sua opinião a
meu respeito significa mais para mim do que a de qualquer outra pessoa. *
Tenho de aprender a manejar minhas emoções nesse relacionamento tão
volátil e vulnerável. As Escrituras me ensinam que existe uma diferença
entre dor, tristeza e amargura. Posso sentir dor. Posso ficar triste. Mas não
tenho permissão para ficar amargo. Posso ficar bravo, mas não tenho per
missão para deixar que o sol se ponha sobre minha raiva.
A aplicação desses princípios que Deus nos dá contribuem para nos aju
dar e a muitas outras pessoas nesses pontos difíceis das relações humanas.
Algumas estatísticas nos dizem que 70% das pessoas que se casarem
durante esse ano se divorciarão. Isso é alarmante. Obviamente estamos co
metendo muitos erros na seleção dos parceiros no casamento. Os estudos
indicam que há problemas comuns surgindo nos casamentos —problemas
que poderiam ter sido evitados se algum entendimento tivesse acontecido
antes do casamento ser realizado.
Especificamente certos itens foram citados como as razões mais citadas
para a dissolução dos casamentos. Em primeiro lugar estão os problemas
sexuais; em segundo o modo de lidar com as finanças; e então entramos nos
problemas com os sogros: problemas de abuso físico, dissipação dos bens,
alcoolismo, vício de drogas e coisas assim. Portanto, creio que é importan
te saber se a pessoa com quem você vai se casar tem algum problema sério
de vício — é importante descobrir isso.
Também acho importante conhecer a família dele ou dela porque, quan
do você se casa com uma pessoa, você recebe uma família, não apenas um
indivíduo. É importante desenvolver um relacionamento com a família do
noivo e da noiva e também ter alguma compreensão do sistema de valores
em que ele ou ela foram educados. Uma das razões por que as pessoas
brigam a respeito de dinheiro é o fato de que, seja qual for a riqueza de duas
pessoas que se unem — podem ser muito pobres ou muito ricos — todo
casal tem uma quantidade finita de dinheiro. Não existem duas pessoas
nesse planeta que tenham exatamente o mesmo sistema de valores quando
entram no casamento. Agora, digamos que temos cem dólares para gastar, e
você prefere gastá-los numa máquina de lavar, e eu prefiro gastá-los num
clube de golfe. Imediatamente temos um conflito em potencial. Não impor
ta a quantidade de dinheiro que temos, haverá discussão a respeito de como
ele deve ser gasto. Creio que é importante estabelecer quais são os nossos
valores antes de realizar o casamento. Com os problemas sexuais num índi
ce tão alto, algum aconselhamento pré-nupcial franco nessa área deveria
ser de alta prioridade. Quanto mais comunicação for estabelecida antes do
casamento, melhores serão os padrões de comunicação depois do casamento.
• S e n d o m in is tr o , o sr. faria o c a s a m e n to de u m c re n te
c o m u m n ã o -c re n te ?
A base de sua pergunta é, obviamente, o texto bíblico que diz que não
devemos nos colocar num jugo desigual com não-crentes. A pressuposição,
sem dúvida, é de que esse texto tem uma referência direta com o casamen
to. A Bíblia não diz isso explicitamente. A Bíblia não diz que um crente não
pode casar com um não-crente. Essa metáfora do jugo desigual dos bois
que puxam um carro de boi é a única referência que temos.
Agora eu diria que na tradição da igreja, a vasta maioria dos estudiosos
do Novo Testamento têm entendido que a passagem significa exatamente
isso — que ela é uma proibição bíblica contra o casamento de um cristão
com um não-cristão. Isso segue a mesma linha da tradição do Antigo Testa
mento onde os filhos de Israel eram instruídos a escolher suas esposas em
sua própria nação — pessoas que tinham a mesma convicção religiosa. A
pressuposição é de que o compromisso religioso de uma pessoa, se é genu
íno, tem uma grande importância, e se a pessoa se une na mais íntima rela
ção que um ser humano pode ter com outro ser humano, e eles não compar
tilham essa profunda paixão e compromisso, isso pode ser desastroso para
o casamento. Portanto, a sabedoria prática da igreja tem sido, em sua mai
oria, não colocar muita confiança no casamento entre crentes e não-crentes
pelo fato de que isso provoca muita dificuldade.
Também sabemos que toda a questão do casamento hoje está sob fogo
cerrado; já passamos do índice de cinqüenta por cento de divórcios . As pes
soas já têm problemas suficientes na busca de um casamento sadio e bem
sucedido sem adicionar a ele esse ponto extremamente difícil de tensão.
Mas você me pergunta se eu, como ministro, realizaria tal casamento.
Como regra geral, não. Não o realizo porque estou convencido de que Deus
não permite que eu o faça. Por exemplo, na cerimônia tradicional de casa
mento, no ofício que usamos para celebrar os casamentos, as palavras ceri
moniais são mais ou menos as seguintes: “Queridos, estamos reunidos aqui
hoje na presença de Deus e dessas testemunhas para unir esse homem e essa
mulher nos sagrados laços do matrimônio...” e assim por diante. Uma das
frases da cerimônia de casamento nos lembra que Deus não apenas insti
tuiu, ordenou e santificou o casamento, mas que Deus regulariza o casa
mento através de seus mandamentos. Portanto não sou livre para realizar o
rito do casamento para qualquer pessoa. De fato, minha igreja me proíbe de
realizar o casamento de um crente com um não-crente, exceto em uma oca
sião, isto é, quando já houve uma união física e uma criança deve nascer.
Nessas circunstâncias, eu realizaria a cerimônia.
Os falsos profetas de Israel gritavam: “Paz, paz” quando não havia ne
nhuma paz! É muito mais fácil declarar paz do que conseguir a paz. Além
disso, uma coisa é estar em paz quando você está sozinho, e outra estar em
paz quando você está em um relacionamento com outra pessoa. Sem dúvi
da, há muitas pessoas que não têm paz nem mesmo quando estão sozinhas.
Assim que entramos num relacionamento conjugal, que é a mais íntima
união que duas pessoas podem ter, muitas coisas podem perturbar a paz desse
relacionamento. Qualquer tipo de conflito pode surgir e transtornar a tranqüi
lidade que deveria estar no centro do casamento. Estou absolutamente con
vencido de que ambos precisam se esforçar para que a paz reine no casamen
to. Não é natural que duas pessoas humanas passem longo tempo em íntima
proximidade um com o outro sem que algum conflito desponte. Não existem
duas pessoas nesse mundo que tenham exatamente a mesma agenda, o mes
mo sistema de valores, os mesmos gostos e desgostos. Há pontos de conflito
inevitáveis, e é o conflito que transtorna a paz. Creio que quando lutamos
pela unidade no Espírito precisamos trabalhar para estabelecer a paz. Temos
que aprender o fruto do Espírito que promove a paz: termos dentro de nós
mesmos um espírito de gentileza, bondade, amor, e particularmente paciên
cia. Essas coisas não vêm automaticamente. Não vêm naturalmente, porque
por natureza tendemos a ser impacientes. Temos que trabalhar para isso.
E assim como os diplomatas têm um desejo sincero de pôr fim nos con
flitos que emergem no cenário internacional, em termos de guerras e lutas,
também nós devemos nos tornar diplomatas em nossos lares, isto é, diplo
matas que têm preocupação com os sentimentos dos outros.
Minha esposa, por exemplo, creio que é a mulher mais sensível dos
Estados Unidos da América. Ela precisa ser, porque eu sou uma das pessoas
mais insensíveis do mundo. Eu me desligo numa nuvem e me torno um tipo
de professor excêntrico e distraído. Isso pode deixar qualquer pessoa louca.
Mas minha esposa trabalha para manter a paz e praticar a diplomacia, e isso
tem sido um exemplo para mim. Ao invés de permitir que um aborrecimen
to seja inflamado e se transforme num conflito maior e numa briga, come
çamos a nos entender. Um dos grandes princípios é: Toda vez que você
perceber raiva, procure o sofrimento ou a dor que está por trás. É muito
mais fácil lidar com a dor do que com a raiva. A raiva provoca o conflito.
Lidar com a dor traz a paz.
Penso que o erro que muitas mulheres fazem quando estão nessa situa
ção é sentir que, de alguma forma, Deus as chamou para serem a consciên
cia de seus maridos, e acabam aborrecendo seus maridos. A coisa mais
significativa que uma mulher pode ser se seu marido não é cristão, é ser a
melhor esposa possível para esse homem.
Conheço um adolescente que veio ao meu escritório e anunciou que
havia assumido o papel de líder espiritual da casa porque seu pai não era
cristão. Uma vez que seu pai havia negligenciado a responsabilidade de ser
o sacerdote do lar, esse jovem disse que acreditava que o manto havia caído
sobre seus ombros. Eu lhe disse: “Não, Deus não o chama para suplantar o
papel de seu pai. Se seu pai não faz aquilo que Deus o chamou para fazer,
isso não é desculpa para você tomar o seu lugar. Deus o chamou para ser um
filho, não o pai.”
Assim, vejo esposas que dizem: “Muito bem, meu marido não está fazen
do seu dever, portanto eu vou ser a esposa e o marido. Eu vou ser o sacerdote
da família.” Não creio que seja isso que Deus deseja que você faça. O que ele
deseja é que você seja uma esposa devotada para seu marido.
Fica particularmente difícil quando o marido diz: “Não quero que você
gaste tempo indo à igreja.” Agora você tem de lutar com uma lealdade
dividida. E como se você estivesse tentando servir a dois senhores. Deus a
chama para submeter-se ao comando de seu marido. Alguns cristãos estão
ensinando que a esposa deve obedecer seu marido seja o que for que ele
diga. Preciso enfatizar que isso é uma distorção chocante do ensino das
Escrituras. Nenhuma mulher tem de obedecer a seu marido se ele ordena
que ela faça algo que Deus proíbe claramente.
Se seu marido (não-cristão ou qualquer outra coisa) a proíbe de fazer
algo que Deus ordena, você deve desobedecê-lo. Por exemplo, Deus ordena
que seu povo vá à igreja? As Escrituras nos dizem que não devemos aban
donar a assembléia dos santos. Eu diria que isso significa que devemos ir à
igreja aos domingos de manhã, e se seu marido não permite que você vá,
você terá que desobedecê-lo para obedecer a Deus. Mas isso não significa
que Deus a chama para estar na igreja sete dias por semana.
No meu entender, você precisa fazer um esforço sobre-humano para ter
certeza de que não está opondo-se ao seu marido em áreas nas quais Deus a
deixa livre para apoiá-lo.
• C o m o u m a m u l h e r e n c o n tr a d ig n id a d e c o m o d o n a de
casa e m ã e e m n o ssa sociedade q u e valoriza u m a carrei
ra p rofissio nal?
Somos chamados para sermos bondosos com as pessoas. Deus não nos
chamou para que fôssemos a polícia do mundo. Encontrei esse problema
muitas vezes em famílias cristãs, em que um membro da família é cristão e
os outros não. As vezes, os cristãos se tornam tão intolerantes e julgadores,
que dão má impressão ao resto da família com seu comportamento crítico e
negativo. Quando fazem isso, sentem-se completamente justificados por
que aquilo a que estão reagindo é, realmente, um estilo de vida pecamino
so. Somos muitas vezes cegos à nossa própria intolerância nesse ponto,
esquecendo-nos de quem somos nós, de onde viemos e do fato de que a
única maneira de podermos existir na família de Deus é pela graça. Creio
que os cristãos devem se lembrar de quem eles são.
Precisamos deixar que as pessoas saibam que, quer aprovemos ou desa
provemos seu estilo de vida, somos por elas como pessoas.
Quando minha filha passou do ginásio para o colégio, ela voltou para
casa certa noite e eu perguntei: “Bem, você está gostando do colégio?” Ela
respondeu: “Eu não gosto nem um pouco.” Tornei a perguntar: “Qual é o
problema, você amava o ginásio.” Ela replicou: “Quando estava no ginásio,
sentia que nossos professores eram por nós. Eles nos disciplinavam e nos
davam tarefas de casa, eles nos repreendiam e tudo, mas de alguma forma
nos comunicavam que estavam nos amparando e se preocupavam conosco.
Nessa escola, sinto que os professores não são por nós.” Esse é o ponto
crítico em relação a esses relacionamentos pois você pode fazer mais por
essas pessoas amando-as do que será capaz de fazer julgando-as.
Tenha em mente que o poder principal pelo qual as pessoas são trazidas à
convicção de pecado é o Espírito Santo. Você não é o Espírito Santo, e nem eu
tampouco. Agora, isso não significa que ao tentar com toda nossa força conviver
com elas vamos acabar aprovando e adotando tudo o que elas fazem.
Não precisamos ter um espírito sentencioso para comunicar que vivemos de
modo diferente. De fato, precisamos transbordar para comunicar nosso amor.
Ser pai é uma das experiências mais difíceis e arrepiantes pelas quais
qualquer ser humano tem o privilégio de passar.
Exercer disciplina sobre nossos filhos, muitas vezes, requer a sabedoria
de Salomão. Sei que isso soa como uma teologia horrível, mas às vezes
penso que criar filhos é 10% de habilidade e 90% de sorte. E muito difícil
determinar quanta pressão você pode aplicar antes de provocar seus filhos e
tornar a situação ainda pior. Já trabalhei com jovens cujos pais são tão exi
gentes e fazem tanta pressão que é a sua própria dureza que está empurran
do os filhos para fora da igreja.
A resposta geral para sua pergunta é que quando temos filhos, somos
responsáveis diante de Deus por criá-los na educação e admoestação do
Senhor. Em minha igreja, batizamos as crianças e, quando o fazemos, como
membros da congregação fazemos a promessa diante de Deus de criar essas
crianças na educação e admoestação do Senhor. Mesmo que você não pra
tique o batismo infantil, essa responsabilidade ainda está lá. A Bíblia nos
diz que não devemos negligenciar nossa reunião com os santos, que é o
culto congregacional do domingo de manhã. Entendo que isso significa que
é minha obrigação, como membro da comunidade do pacto, ir aos cultos
nos domingos pela manhã com minha família. E também minha responsa
bilidade ser sensível e gentil, e não tirânico. Portanto, de alguma forma
tenho de encontrar aquele meio termo fino de aprender a ser firme, mas
amoroso, gentil e bondoso nessa firmeza.
Novamente, sou responsável diante de Deus pela presença deles lá para
serem instruídos e doutrinados nas coisas de Deus, aos domingos de ma
nhã. Por isso, minha resposta para a primeira parte de sua pergunta é sim.
Não gosto da palavra “forçar,” porque para algumas pessoas isso signi
fica taco de beisebol e abuso infantil. Não é isso que estou dizendo. Estou
falando sobre liderança parental, por meio da qual a autoridade reside nos
pais e você se encarrega de exercer essa autoridade. Você me pergunta até
que idade: eu diria que enquanto os filhos estão debaixo do seu teto e de sua
autoridade como parte do núcleo familiar. Eu o encorajaria a ter como pre
ocupação especial fazer todo o possível para levar seus filhos à igreja e
tomar isso uma ocasião agradável para eles e não uma experiência ruim.
Você não está mais fazendo perguntas sobre teologia — você está me
pedindo para fazer mágica! Não tenho certeza de estar preparado para lidar
com isso. Suspirei aliviado quando nosso filho mais novo completou vinte
e um anos, tendo sobrevivido o período de adolescência.
A pesquisa divulgada pela comunidade científica tem indicado algumas
coisas muito sensatas para nós. Não se pode dogmatizar essas coisas, mas,
de maneira geral, o relacionamento mais importante que modela a identida
de da criança do nascimento até os cinco anos, é o relacionamento da crian
ça com a mãe. Isso não significa que os outros não são importantes, mas a
mãe tem suprema importância nesse período. Dos seis até cerca de doze
anos, o relacionamento mais importante da criança é com o pai.
Mas dos treze em diante, os relacionamentos mais significativos da crian
ça são com seus grupo de amigos e companheiros da mesma idade. Portan
to, num sentido muito real, nossa habilidade de continuar modelando as
atitudes e o sistema de valores de nossos filhos fica severamente limitado
depois que eles entram nesse período da adolescência.
Como cristão e teólogo, não creio em sorte. Mas quando se trata de
criar filhos, 90% é sorte! Você faz tudo o que é possível, depois se afasta
e espera pelo melhor — você os confia a Deus. Você tenta incutir princí
pios em seus filhos. E uma das coisas mais importantes que os pais podem
fazer com um adolescente é manter as linhas de comunicação abertas. Em
certas ocasiões, isso pode ser muito difícil. Quando atingiram treze anos,
cada um dos nossos filhos começou a viver numa caverna — o quarto
deles. Chegavam em casa da escola e desapareciam dentro da caverna. Eu
ouvia música saindo de lá e pensava: será que existe algum ser humano
vivo lá dentro? Era muito difícil fazê-los sair da caverna e participar da
vida da família. Aqueles foram anos difíceis e tivemos que perseverar
enquanto os atravessávamos. Vesta e eu costumávamos nos confortar um
ao outro dizendo: “Isso é apenas uma fase, se pudermos sobreviver a ela,
eles também sobreviverão.” Mas mantenha as linhas de comunicação aber
tas, e, principalmente quando eles são adolescentes, certifique-se de que
as linhas tenham mão dupla.
Os jovens falarão, mas eles precisam de oportunidade. Precisam estar
certos que podem vir a seus pais. Tenha certeza de que seus filhos sabem
que vocês os apoiarão mais do que criticarão e que eles podem contar com
vocês em tempos de dificuldade ou quando estão confusos.
Grande parte do debate a respeito de divórcio tem a ver com a maneira como
interpretamos os ensinos de Jesus sobre o assunto. No Evangelho de Mateus, por
exemplo, os fariseus vieram a Jesus procurando uma decisão, e estavam tentando
fazê-lo cair numa armadilha e falar contra a Lei de Moisés. Eles perguntaram: “£
lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo?” (Mt 19.3).
Sabemos, por nossa própria pesquisa histórica, que naquela ocasião ha
via um debate em Israel entre duas das principais escolas rabínicas, a escola
de Shammai que era muito conservadora, e a escola de Hillel, que assumia
uma abordagem mais liberal na interpretação da lei do Antigo Testamento.
O ponto de vista liberal permitia o divórcio sob várias alegações, dando
uma interpretação muito ampla à expressão “coisa impura” da legislação
do Antigo Testamento. A escola conservadora assumia um ponto de vista
mais estreito e dizia que, só em razão de adultério, o divórcio poderia ser
legitimado em Israel. Para mim, parece claro que Jesus permite o divórcio
em caso de adultério. Do outro lado, ele diz que se um homem se divorcia
de sua mulher por qualquer outra razão que não seja imoralidade sexual, ele
está pecando. Portanto, nessa oportunidade, Jesus diz que não deve haver
divórcio por outras razões que não sejam impureza sexual ou imoralidade.
Ele prossegue dizendo que, por causa da dureza de nossos corações, a lei
dada a Moisés abria uma possibilidade para o divórcio no Antigo Testamen
to. Jesus, então, cita a lei de Deuteronômio na qual a assim chamada coisa
impura é apresentada como base legítima para divórcio no Antigo Testamen
to. Mas Jesus se apressa para acrescentar a seguinte afirmação: “entretanto,
não foi assim desde o princípio” (Mt 19.8). Sua referência à criação nos lem
bra a santidade do casamento. Certamente é verdade que a providência do
divórcio nos é dada por causa da dureza de nossos corações, por causa do
pecado. Porque o adultério é um pecado. Quando alguém viola o casamento
através do adultério e quebra aquela confiança, então o voto sagrado, e a
parte inocente no divórcio são tão violados que a permissão é dada a eles,
naquele contexto de queda, de entrar licitamente com o pedido de divórcio.
E óbvio que Jesus está repreendendo a posição liberal de divórcio que
prevalecia em seus dias. Penso que ele nos relembra que a intenção original
do casamento não incluía o divórcio. Ele reconhece que existe uma base, e
não está criticando a Deus por dar essa permissão no Antigo Testamento. As
pessoas são decaídas e Deus condescende com o fato de que elas cometem
pecados contra o casamento que são suficientemente sérios para se constituir
em base para a dissolução do casamento. Tal pecado é a infidelidade sexual.
Creio que outra base para divórcio dada pelo apóstolo Paulo na corres
pondência aos Coríntios é o caso da separação voluntária e irreparável do
descrente (ICo 7.15). Essas são as duas bases que encontro nas Escrituras.
É difícil separar o ensino de Jesus sobre isso, em parte porque ele tocou
no problema num contexto em que estava tentando resolver uma disputa
entre duas escolas rabínicas de seu tempo. Os sábios religiosos vieram a
Jesus e lhe perguntaram sobre a legalidade do divórcio — um homem di
vorciar-se de sua mulher por essa ou aquela causa. Jesus, ao responder isso,
lembrou aos fariseus que Moisés havia dado esse dispositivo para o divór
cio no Antigo Testamento, mas, ao mesmo tempo, o modelo original de
casamento não incluía a noção de divórcio. Ele reconheceu a providência
de Moisés e não o está repreendendo por fazer isso, pois Moisés, naquele
ponto, era simplesmente um agente de Deus. Portanto, na antiga aliança,
Deus colocou claramente um dispositivo para o divórcio.
Entretanto, porque Jesus fala sobre isso e relembra aos fariseus que no
propósito original não havia divórcio, alguns concluíram que Jesus estava
removendo o dispositivo do Antigo Testamento e dizendo que não há ne
nhuma justificação para o divórcio.
Agora, seu ponto de vista a respeito do divórcio terá uma tremenda influên
cia sobre seu ponto de vista a respeito da questão do novo casamento. Se você
assume a posição de que o divórcio não é nunca legal, então você terá que afir
mar que o novo casamento de uma pessoa divorciada nunca será legítimo tam-
bém. Portanto, antes de falar na legitimidade de um novo casamento, você pri
meiro precisa resolver se existe ou não alguma base legítima para o divórcio.
Eu assumo a posição de que, de fato, há bases legítimas para o divórcio.
Infidelidade sexual é uma, a outra é a separação do não-crente. Paulo diz
que se um esposo não-crente quiser apartar-se, o crente está livre. Agora,
ele não define o que quer dizer livre. Isso significaria que ele está livre para
deixar que o outro se vá e então viver uma vida de celibato, um estado de
solteiro? Algumas pessoas assumem esse ponto de vista. Creio que Paulo
quer dizer livre do contrato de casamento, dos votos e obrigações. Esta
pessoa, agora, é considerada solteira e, portanto, livre para tornar a se casar.
Portanto, eu assumo a posição de que a parte inocente num divórcio é
livre para tomar a se casar. Agora, quando dizemos inocente ou culpada,
reconhecemos que todos contribuem para a falência de um casamento. Por
“parte culpada” entendo aquela que cometeu o pecado suficientemente sé
rio para dissolver o casamento. Mas eu diria que até mesmo a parte culpada
pode tomar a se casar se houver arrependimento sincero.
A resposta mais fácil para sua pergunta é, sem dúvida, que as ações de
um podem ser o trampolim para salvar o casamento. Entretanto, isso não
significa necessariamente que é assim que acontece sempre em todas as
circunstâncias e dessa forma. Muitas vezes, em aconselhamento conjugal,
um esposo está presente, enquanto o outro não deseja participar. Sem dúvi
da é muito mais fácil efetuar a reconciliação e construir um casamento sau
dável quando ambos estão dispostos a trabalhar para isso, mas é fato que
quando uma pessoa muda, isso muda a natureza do relacionamento. É qua
se impossível que o relacionamento total não mude. Pode ficar pior, mas
sem dúvida mudará.
Quando uma pessoa muda, o outro companheiro que vive numa proxi
midade tão íntima será forçado a mudar de alguma forma em resposta à
mudança ocorrida no primeiro.
Agora, vamos relacionar isso à questão da promessa de 1 João de que se
orarmos e agirmos de acordo com a vontade de Deus podemos estar certos
de que nossos desejos serão respondidos e Deus abençoará esse casamento.
Creio que devemos ser muito cuidadosos para entender essa passagem à
luz de tudo o que o Novo Testamento ensina sobre oração e sobre a natureza
da vontade de Deus, ambos são altamente complexos. A Bíblia nos diz que
se duas pessoas concordarem sobre alguma coisa, isto lhes será feito. É isto
que o texto quer dizer num sentido absoluto? Então, tudo o que teríamos de
fazer seria encontrar dois de nós que concordassem em ver a cura do câncer
e o fim de todas as guerras no mundo e a volta de Jesus essa noite. Se
concordarmos nisso, Deus teria de atender, para ser fiel à sua palavra. É
evidente que não é esse o sentido. Essa é uma referência à noção do Antigo
Testamento sobre testemunhas que concordam, testemunhas que são ins
truídas pela Palavra de Deus e testemunhas que estão em contato com a
Palavra revelada de Deus. Também se refere ao que Deus falou e àquilo que
está registrado nas sagradas Escrituras.
Quando oramos de acordo com as Escrituras, não vamos orar para que
Deus realize algumas coisas até que outras tenham acontecido antes. Esta
mos simplesmente contando a ele nossos desejos e não orando de acordo
com sua vontade explicitamente revelada.
Também orar de acordo com a vontade de Deus significa orar de acordo
com os preceitos de Deus, de acordo com a lei de Deus. Aqui podemos
dizer que Deus deseja a realização e o gozo de um bom casamento. O que
quero dizer com isso é que Deus ordenou que nossos casamentos sejam
saudáveis, íntegros e justos. Certamente, penso que podemos nos confortar
com o versículo de que se fizermos tudo o que estiver em nosso poder para
obedecer o que Deus nos ordenou em termos de nossas responsabilidades
no casamento, enquanto oramos para a salvação do casamento, temos todas
as razões para sermos otimistas de que nosso desejo será honrado por Deus.
Não sei porque Deus não incluiu a agressão contra a esposa ou contra o
marido como causa para o divórcio. Apenas sei que ele não o fez. Preciso
dizer também, com toda sinceridade, que se eu fosse Deus teria colocado tais
atitudes como causa para o divórcio, pois a agressão dentro do casamento é
uma terrível realidade. Se existe algo que é, na realidade, uma violação da
dignidade humana e dos votos sagrados do casamento, isso, sem dúvida, é a
agressão física contra outra pessoa. Tenho me perguntado muitas vezes por
que Deus não a incluiu em sua lista de bases legítimas para o divórcio.
Sei que temos outras opções que não o divórcio para tais situações. Obvia
mente estamos falando sobre uma família cristã (e isso acontece em lares cris
tãos), essa é uma situação na qual a disciplina da igreja precisa ser aplicada em
sua totalidade para proteger a pessoa que está sofrendo a agressão; a repressão
da autoridade religiosa deve ser usada nessa situação. Se isso falhar, ou se as
pessoas não tiverem essa possibilidade disponível por estarem fora da igreja, há
outros caminhos de segurança e proteção. Muitas pessoas usam o sistema legal.
Tenho aconselhado as mulheres a chamarem a polícia. Se a situação piorar, colo
que o agressor na cadeia, porque a agressão simplesmente não pode ser tolerada
nos lares ou nas ruas, na escola ou na igreja. Temos dispositivos legais em nossa
lei civil para proteger as pessoas desse tipo de comportamento.
Na comunidade cristã existe base para pelo menos uma separação tem
porária se aquele que agride se recusa a corrigir sua atitude. Talvez não haja
dispositivo para divórcio nesses casos porque Deus enxerga esse problema,
embora tão sério e severo, como algo que pode ser superado. Em muitos
casos, temos visto casamentos redimidos depois que as pessoas se arrepen
deram e superaram seus padrões destrutivos de comportamento. Mas é um
problema extremamente sério em nossa cultura e que está começando a vir
à tona, assim como a agressão contra crianças veio à tona nos últimos anos.
Espero que essa pergunta se mantenha para todo o sempre como uma
hipótese, mas certamente essa é uma realidade para algumas pessoas. Se a
situação que você acabou de descrever acontecesse com minha filha, ou
com a filha de qualquer outra pessoa, e elas viessem a mim para um aconse
lhamento pastoral e o marido se recusasse a se submeter ao aconselhamen
to, à disciplina da igreja, ou a qualquer outra das alternativas que se tentas
se explorar, muito provavelmente, meu conselho seria para que essa esposa
procurasse o divórcio. Penso que ela teria bases bíblicas. O abuso sexual
dos filhos seria uma violação do casamento. Penso que é uma forma de
adultério. Se tivesse acontecido de forma impenitente, creio que a mulher
teria não apenas o direito, mas também uma boa razão para exigir medidas
legais para sua própria proteção e também das crianças. Seria provavel
mente sábio da parte dela exercer sua opção bíblica de divórcio.
Não existem duas situações exatamente iguais, por isso hesito em dar
um conselho geral sobre como lidar com a situação. Divórcio não é certa
mente a primeira solução, mas penso que há ocasiões em que os ministros
devem aconselhar nessa direção (aceita a pressuposição de que existe tal
coisa como base para divórcio).
Tenho visto mulheres vítimas de infidelidades repetidas por parte de
seus maridos e que sabem que uma situação de abuso sexual ocorre em seus
lares. Mas algumas mulheres sentem que a Palavra de Deus não lhes dá a
opção do divórcio. E mesmo quando temos direito de fazer alguma coisa,
nem sempre é sábio exercer esse direito. A Bíblia não diz que você deve se
divorciar em tais situações, mas creio que ela afirma que você pode. Abuso
sexual dos filhos é um crime hediondo contra a família inteira, e exige
medidas severas.
A CARREIRA P R O F I S S I O N A L
A primeira pessoa que a Bíblia menciona como tendo sido cheia com o
Espírito Santo é um homem chamado Bezalel, o qual, junto com Aoliabe,
foi escolhido por Deus para ser artesão e artífice para desenhar e elaborar
os utensílios e a mobília para o tabernáculo.
É importante que compreendamos isso, porque muitas vezes pensamos
que as únicas vocações ou tarefas que recebem a bênção de Deus e a unção
do Espírito Santo são aquelas que estão associadas a um ministério cristão
de tempo integral.
A própria palavra vocação vem do latim vocare, que significa “cha
mar.” Cremos que Deus chama pessoas para várias vocações, e ele faz o
chamado não apenas no ambiente religioso mas também no secular. O fato
de você ter escolhido uma determinada carreira ou vocação antes de se
tornar cristão não indica, necessariamente, que você esteja fora da vocação
para a qual Deus o chamaria como cristão. Freqüentemente, vejo pessoas
que se convertem, e a primeira pergunta que fazem é: Isso significa que
devo deixar o empreendimento no qual estou? Bem, se você está em algum
empreendimento ilegal — se você é um ladrão, por exemplo — então, sem
dúvida você deve deixar de ser um ladrão. Mas devemos nos lembrar que a
maioria, semelhantemente a Bezalel e Aoliabe, já eram dotados e tinham
recebido talentos de Deus para suas profissões antes de serem cheios do
Espírito Santo. Parece que, em sua sabedoria, Deus chama pessoas para
carreiras e ministérios para os quais foram dotados desde o princípio; às
vezes descobrimos o melhor uso para os nossos dons naturais antes de nos
tomarmos cristãos e, às vezes, depois da conversão.
Certamente há ocasiões em que Deus encaminha as pessoas para uma
nova carreira — e, às vezes, essa mudança é radical. Quem seria melhor
exemplo do que Moisés? Moisés era um homem velho quando Deus o cha
mou para a posição de liderança. Ele havia passado praticamente sua vida
inteira como pastor no deserto antes de se tomar um estadista e o líder de
uma nação. Penso em alguns outros homens famosos em nossos dias. Winston
Churchill e Douglas MacArthur, dois dos indivíduos mais proeminentes do
século XX, não iniciaram a carreira que os tornou famosos até depois de
alcançarem o que chamaríamos idade de aposentadoria. Eu apóio pessoas
que se perguntam aos trinta e cinco, quarenta e mesmo cinqüenta anos se esta
não seria ocasião de uma nova carreira, uma nova vocação. Não há nada na
Bíblia que diga que devemos permanecer no campo em que estamos por toda
a vida. Quantas vezes as decisões por uma carreira ou vocação são tomadas
muito cedo e ficamos presos em profissões que, de maneira nenhuma, são
satisfatórias para nós e nem proporcionam o melhor uso de nossos dons.
O serviço cristão de tempo integral é a mais alta vocação que existe? Tenho
que dizer sim e não. Certa vez, ouvi um pregador metodista dizer que Deus tinha
apenas um filho e fez dele um pregador. Sou muito zeloso em defender a digni
dade daqueles que trabalham num serviço cristão de tempo integral porque vive
mos numa cultura, mesmo dentro da igreja, que não tem essas pessoas em alta
estima. De fato, a maneira simples de avaliar é examinar a parte econômica de
como os ministros são pagos. Conheço um grande número de pessoas que res
ponderão a isso dizendo: “Bem, sentimos que é nosso dever certificar-nos de
que os pastores não estão nesse trabalho por um lucro desmedido.” Eles não
estão aqui por causa daquilo que podem tirar do ministério e, portanto, estamos
resolvidos e determinados a mantê-los humildes. Assim, não pagaremos nossos
dízimos e faremos com que seja necessário mantê-los como o grupo profissional
mais mal pago do país. Penso que Deus está muito aborrecido com isso no que
se refere ao nosso sistema de valores.
Mas dizer que o serviço cristão de tempo integral é a mais alta vocação
é exagerar. Mantenho a posição reformada, o conceito de vocação no qual
Deus nos chama de todas as maneiras diferentes para servi-lo. O homem
que está produzindo o aço, a pessoa que planta e está produzindo alimento,
a pessoa que produz vestuário — todos são serviços vitais que são tão im
portantes no ponto de vista de Deus como um ministério de tempo integral.
Não creio que possamos elevar, de maneira absoluta, o serviço cristão de
tempo integral acima de outra vocações.
Mas você também está perguntando a respeito de prioridades para a pessoa
que está, digamos, na área de negócios. É mais importante ter lucro ou deveria
ele dar prioridade à oração, ao estudo da Bíblia, etc.? A Bíblia tem prioridade
para todas as pessoas. Jesus coloca da seguinte maneira: “buscai, pois, em pri
meiro lugar o seu reino e a sua justiça, e todas estas cousas vos serão acrescen
tadas" (Mt 6.33). Quando ele disse primeiro, a palavra grega no Novo Testa
mento usada por Jesus é “protos ”, o que não significa apenas primeiro numa
série, numa seqüência, mas sim, primeiro em termos de ordem de prioridade.
Portanto Jesus dá à busca das coisas de Deus a mais alta prioridade.
O Novo Testamento deixa muito claro que temos a responsabilidade de tra
balhar e que há uma dignidade em nosso trabalho e no lucro que alcançamos.
Não há nada de errado nisso. De fato, é isso que toma possível a sobrevivência
da raça humana. Você lucra suprindo as necessidades dos outros e providenci
ando bens e serviços para eles. Eles lucram suprindo as suas necessidades e
providenciando bens e serviços para você. Somos projetados por Deus de uma
forma que nos toma capazes de cumprir ambas, as responsabilidades de nosso
crescimento espiritual e as responsabilidades de nosso trabalho.
Tenho certeza de que existem muitos cristãos que se sentem perturbados por
elementos existentes no movimento trabalhista e na sua história. Tenho muitos
sentimentos confusos porque fui profundamente envolvido em toda a área dos
relacionamentos entre trabalho e administração numa tentativa de mediar as di
ficuldades e procurar a reconciliação entre os lados. Freqüentemente, nesse país,
o trabalho organizado (neste caso os sindicatos) e o empresariado têm sido ini
migos. Mas tenho observado uma mudança nos últimos anos. As pessoas estão
começando a compreender que, no que se refere à economia nacional, estamos
todos juntos nisso. Tem havido uma cooperação muito maior entre esses dois
segmentos de nossa sociedade do que no passado. Há tanta hostilidade histórica
de ambos os lados que é difícil atravessar tudo isso.
O problema que tenho com os sindicatos é que o inimigo tradicional do
trabalhador sindicalizado não é o empresário, mas o trabalhador não sindica
lizado. Membros do sindicato, às vezes, têm vantagens em conseguir um em
prego, enquanto os outros trabalhadores são barrados quanto à possibilidade
de emprego. Essa é a razão pela qual creio que os estados tiveram de optar
por leis de direito ao trabalho que, no meu entender, são muito saudáveis.
Mas o outro lado dessa moeda é o princípio de negociação coletiva. Não estou
convencido de que exista algo errado sobre esse princípio, mas tenho visto abusos
graves nos últimos anos. Uma pessoa disse que tem havido tantas greves na América
que parecemos mais uma cancha de jogo de boliche do que uma nação produtiva.
Os sindicatos conseguiram uma grande quantidade de benefícios e não
vejo nada dentro do conceito dos sindicatos que seja frontalmente oposto à
ética cristã ou que tornasse impossível para um cristão envolver-se ativa
mente com um sindicato. Embora o meu ambiente seja o administrativo,
descobri que tendo a sentir mais simpatia pelo trabalhador do que pelo
empresariado quando entramos numa mediação. Trato dessas questões em
aspectos não econômicos — mas com aqueles que tratam da dignidade hu
mana — não na mesa de negociação onde estão debatendo sobre salários e
benefícios. Penso que no âmago das questões entre trabalhador e empre
sariado as pessoas estão dizendo: “Embora eu possa não ser altamente habi
litado em meu trabalho, ainda sou um ser humano e desejo ser tratado com
dignidade.” Se você conseguir ver isso como a motivação central por trás
dos sindicatos, você terá uma apreciação mais profunda por eles.
• C o m o u m e m p r e g a d o r p o d e m o s t r a r d i g n id a d e cristã a
seus e m p r e g a d o s ?
Há muitos que pensam que não existe tal coisa como economia cristã,
que economia é neutra, assim como qualquer outra coisa. Embora esteja
convencido de que a Bíblia não é um manual de economia, ela tem muito a
dizer que se aplica aos princípios de propriedade, câmbio, e até mesmo uso
da moeda corrente.
A proteção mais importante contra a idolatria de “mamom,” pela qual
caímos no grave pecado de adorar bens materiais ou o dinheiro que pode
comprar tais bens, é ter uma compreensão clara da perspectiva bíblica do
que vem a ser economia. E interessante para mim que o termo economia
venha da palavra grega oikonomia, que é a palavra do Novo Testamento
para mordomia.
Penso que o princípio econômico central da Bíblia é que, fundamentalmen
te, Deus é o possuidor de todas as coisas nesse mundo, mas em sua lei ele santi
fica e protege o que chamaríamos de propriedade privada. Se você examinar,
por exemplo, os Dez Mandamentos, verá que pelo menos dois mandamentos
protegem especificamente o direito à propriedade privada e falam também con
tra o mau uso e o abuso da minha ou da sua propriedade. Enquanto a proprieda
de privada é protegida, não há nenhum fundamento nas Escrituras para qualquer
tipo de preceito econômico comunista ou mesmo socialista.
Com o direito à propriedade privada, vem a tremenda responsabilidade de
administrar os próprios bens de acordo com os princípios estabelecidos por Deus.
Ele não nos dá essas coisas para fazermos o que desejarmos com elas.
Há muito mais na economia do que simplesmente o direito à proprieda
de privada, mas reafirmo esse ponto em particular porque, em algum lugar
na história, muitos cristãos adotaram a idéia de que a propriedade privada é
um pecado em si mesma.
Ouço pessoas citarem mal a Bíblia dizendo que o dinheiro é a raiz de todo
mal. O que a Bíblia realmente diz é que o amor ao dinheiro é a raiz de todo mal.
Quando temos simplesmente uma paixão pela aquisição de bens materiais, quando
isso se torna nosso Deus e nós o servimos, então o dinheiro se toma um ídolo.
Não penso que possamos examinar esse assunto de economia de uma forma
simplista, mas precisamos ver o que a Bíblia diz no seu todo a respeito de bens
materiais. Precisamos de dinheiro e das coisas que ele proporciona. Deus nos dá
essas coisas para termos prazer. Mas devemos aprender os princípios que ele nos
dá sobre como usar nossas propriedades e nosso dinheiro.
• 1 T im óteo 6.9 no s diz: "Ora, os que querem ficar ricos caem em
tentação, e cilada , e em muitas concupiscências insensatas e pernicio
sas, as quais afogam os homens na ruína e perdição". Isso significa
q u e os cristãos n ã o d e v e m q u e re r ficar ricos?
Há muitas pessoas que crêem que o dízimo não é mais um encargo so
bre os cristãos porque é um mandamento do Antigo Testamento que não
está especificamente repetido no Novo Testamento.
Embora isso fosse parte da lei do pacto de Israel no Antigo Testamento, não
creio que tudo que Deus exige de seu povo no Antigo Testamento esteja cance
lado se o Novo Testamento silencia a respeito. Eu diria que se o dízimo foi
cancelado deveríamos ter um ensino explícito no Novo Testamento afirmando
que o dízimo não está mais em vigor. O dízimo era uma responsabilidade central
na economia da velha aliança, e teria sido transportado, principalmente quando
entendemos que a comunidade da nova aliança foi estabelecida principalmente
entre judeus, que continuariam a praticá-lo, a não ser que lhes dissessem que o
dízimo não era mais necessário. Eu diria que na ausência de um palavra de repú
dio, o dízimo continua válido no Novo Testamento.
Quando Jesus estava na terra, e a nova aliança ainda não tinha sido
estabelecida, ele abençoou os fariseus por seus dízimos. Eles dizimavam a
hortelã e o cominho, o que significa que eles dizimavam até as menores coi
sas. A maioria dos dízimos no Antigo Testamento era paga com bens da agri
cultura ou do rebanho — era uma sociedade agrária. Mas os fariseus eram tão
escrupulosos a respeito de dar os dez por cento a Deus que, se plantavam um
pouco de salsa no quintal, eles dizimavam isso também. É como se você
achasse dez centavos no chão e fizesse questão de entregar um centavo a
Deus. Jesus disse que esses homens eram tão escrupulosos que pagavam até o
último centavo, e Jesus os cumprimentou por isso (Lc 11.42).
Quando o Novo Testamento se refere a dar, fala em dar da sua abundân
cia e do espírito de gratidão do seu coração. Sempre que as duas alianças ou
pactos são comparados, particularmente no livro de Hebreus, somos ensi
nados que o Novo Testamento é uma aliança muito mais rica. Os benefícios
que recebemos como cristãos, excedem em muito os benefícios que o povo
da velha aliança gozava. Mas também segue-se que as responsabilidades do
povo do Novo Testamento também excedem as responsabilidades do povo
do Antigo Testamento. Nós estamos numa situação melhor. Eu diria que o
dízimo não é um alto padrão fundamental para o super-cristão, mas é o
alicerce. É o ponto de partida para uma pessoa que está em Cristo e que
compreende alguma coisa dos benefícios que recebe de Deus.
• O q u e a Bíblia e n s i n a sobre n o s s a r e s p o n s a b il i d a d e de
pagar i m p o s t o s ao governo?
A primeira vista, parece que a resposta bíblica para essa pergunta é muito
simples. Nosso Senhor disse: “Dai, pois, a César o que é de César” (Mt 22.21).
No Novo Testamento, os apóstolos nos ensinam que devemos dar honra
a quem merece honra, e impostos a quem eles são devidos. Devemos pagar
os tributos que são impostos sobre nós pelo magistrado civil.
Tem havido muitos cristãos, particularmente em anos recentes, que têm le
vantado perguntas a respeito disso. Perguntas como: Devemos nos submeter de
boa vontade a César, quando César ultrapassa sua esfera de autoridade? Deve
mos entregar a César aquilo que não é seu? Lembremo-nos que essa pergunta foi
feita no contexto de uma situação muito intrigante no Novo Testamento. As
pessoas vieram a Jesus e lhe perguntaram por que seus discípulos não estavam
pagando seus impostos. Jesus realmente não responde a pergunta, e isso me in
comoda. Tenho coçado a cabeça e pensado: “Será verdade que eles não estavam
pagando todos os impostos que deveriam pagar? Quer dizer, será que os discí
pulos eram culpados de sonegação de impostos ?” Isso é tão diferente da atitu
de frisada tantas vezes no Novo Testamento de honrarmos o magistrado civil e
sermos responsáveis nos nossos deveres cívicos.
O outro tipo de escapatória que alguns cristãos estão examinando é a
seguinte afirmação: “Paguem ao governo os impostos que são devidos.”
Bem, o governo me diz que impostos são devidos a ele. Mas a palavra “de
vido” é uma palavra carregada de sentido, pelo menos em seus significados
históricos. Aristóteles, por exemplo, definiu a natureza de justiça como o
dar à pessoa aquilo que lhe é devido — não simplesmente o que merecem,
mas aquilo que lhes é devido. Há circunstâncias em que certas coisas são
devidas a uma pessoa ou a uma instituição. A pressuposição não declarada,
é que ao governo são devidos impostos que são utilizados para causas jus
tas. Assim algumas pessoas (entre elas Francis Schaeffer, antes de morrer)
levantaram a pergunta: Será correto pagar voluntariamente impostos que
serão usados para causas injustas? Os cristãos deverão sempre se submeter
a impostos injustos? É um problema que nos consome.
podem ser usados de várias maneiras. As vezes são usados exatamente como o
nome sugere — como uma linha de crédito instantânea que inclui o pagamento
de juros se não pagarmos o valor total da conta quando a recebemos. Isso é
perigoso porque é um incentivo a que as pessoas vivam além de suas possibilida
des, e sejam menos responsáveis em seus hábitos de compra.
Eu uso cartões de crédito porque fornecem uma grande conveniência
para mim; não preciso carregar grandes somas de dinheiro quando viajo.
Também mantemos um bom registro de nossas finanças. Tem sido minha
política e prática pessoais nunca pagar com juros; isto é, pago as contas
inteiramente quando as recebo. Na realidade, o cartão de crédito para mim,
se torna uma outra forma de cheque.
No sistema econômico da América, tem sido uma prática normal levan
tar empréstimo para aquisição de bens maiores como casas e automóveis.
Muito poucas pessoas podem pagar uma casa à vista.
O fato de podermos pagar durante trinta anos por uma casa tem seus benefí
cios e seus riscos, acabamos pagando muito mais do que o preço da propriedade
por causa dos juros. Mas, ao mesmo tempo, temos a possibilidade de nos tomar
mos proprietários de uma casa. Novamente, para mim tudo isso se reduz a uma
questão de mordomia e responsabilidade. Não vejo nenhuma proibição básica
das Escrituras contra o crédito, mas devemos ser sábios ao usá-lo.
• U m a m u l h e r está p e c a n d o q u a n d o i n t e r r o m p e u m a gra
videz r e s u l ta n te de u m e stupro?
• Q u a n d o e x p e r i m e n t a m o s provação, c o m o p o d e m o s d e
t e r m i n a r se elas são c o n s e q ü ê n c i a da violação de u m p r i n
cípio bíblico, o u u m a prova q u e v e m d o Senhor, o u u m
a t a q u e de Satanás?
• Fala-se sobre o p r o b l e m a d o so f r i m e n t o . N u m m u n d o
decaíd o n ã o seria m ais certo falar sobre o "problem a do
prazer"?
Posso entender por que Deus permite que o sofrimento atinja pessoas
que estão em rebelião radical contra ele e diariamente envolvidas numa
traição cósmica. Se Deus é justo e santo, poderíamos perguntar: Como ele
não os visitaria com julgamento? Se Deus é bom, então, por isso mesmo,
deveria punir aquilo que é mau, e se ele deixasse o mal sem correção e
apenas desse felicidade e prazer ao iníquo, você começaria a se perguntar
sobre a integridade de Deus.
Por que Deus, a despeito de minha desobediência a ele, permite que eu
participe de tanta felicidade quanto sou capaz nesse mundo? Falando de
modo prático, prazer e dor produzem resultados muito diferentes. As vezes,
a presença da dor em minha vida traz o benefício prático de me santificar.
Deus trabalha em mim através da aflição. Por mais desconfortável que a
dor possa ser, sabemos que as Escrituras nos dizem constantemente que a
tribulação é um meio pelo qual somos purificados e conduzidos a uma de
pendência mais profunda de Deus. Há um benefício a longo prazo que presu-
mivelmente perderíamos não fosse pela dor que somos chamados a “supor
tar por um pouco.” As Escrituras nos dizem para suportar por um pouco,
porque a dor que experimentamos agora não pode ser comparada com as
glórias reservadas para nós no futuro.
Do outro lado, o prazer pode ser narcótico e sedutor, de modo que quan
to mais o apreciamos e mais o experimentamos, menos conscientes nos
tomamos de nossa dependência e necessidade da misericórdia, auxílio e
perdão de Deus. Prazer pode ser um mal disfarçado, produzido pelo diabo
para nos levar à ruína final. Essa é a razão por que a procura do prazer pode
ser perigosa. Quer experimentando dor ou prazer, não queremos perder Deus
de vista, e nem a necessidade que temos dele.
A diferença está entre uma atitude que é santa, legítima e justa e outra
que está abaixo do caráter de Deus. Como Tiago nos diz no Novo Testa
mento: “Ninguém, ao ser tentado diga: Sou tentado por Deus” (Tg 1.13). E
segue-se uma explicação dizendo que a tentação é algo que nasce de dentro
das inclinações más de nosso próprio coração. Não podemos desculpar nos
so pecado dizendo que o diabo nos fez cometê-lo, ou pior ainda, que Deus
nos provocou e nos inclinou para o pecado.
Há alguma confusão sobre isso por causa das palavras da Oração Domi
nical, onde Jesus instrui seus discípulos a orar: “Não nos deixes cair em
tentação, mas livra-nos do mal”. (Em inglês a frase diz: Não nos conduzas
à tentação. N.T.) Isso quase sugere que, se temos de pedir a Deus que não
nos conduza à tentação, talvez haja ocasiões em que ele o faça. Essa frase
tem relação com o ser conduzido ao lugar de teste.
A Bíblia nos diz que Deus fará o seu povo passar por situações de teste
ou aflição ou por alguma provação, fundamentalmente para seu próprio
benefício, mas, algumas vezes, por razões nem sempre compreensíveis para
nós. Adão e Eva não passaram no teste no Jardim do Éden.
Jesus, sem dúvida, foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser testa
do. Deus o conduziu para ser testado não por Deus, mas por Satanás. Na
quele incidente particular temos um exemplo da diferença. Tentar alguém é
induzi-lo a cometer um ato mau. Nesse sentido, seria completamente fora
do caráter de Deus induzir alguém a pecar. Para seus propósitos redentores
e para nosso próprio crescimento de caráter, ele pode nos colocar em situa-
ções em que somos postos à prova, e onde estamos vulneráveis aos ataques
do inimigo — como Jó esteve, como Cristo esteve e como Adão esteve.
Lutero, muitas vezes, falou do assalto desenfreado que Satanás dirigia
contra ele. Ele estava lutando contra a depressão, mas nunca falou naquilo
como um engodo nas mãos de Deus. Satanás nos tentará no sentido de ten
tar nos seduzir e nos persuadir a desobedecer a Deus, embora, mesmo nessa
tentação, Satanás esteja debaixo da soberania de Deus.
Não creio que seja loucura. Nessas situações, as pessoas estão tentando
ser fiéis e obedientes àquilo que a passagem nos chama a fazer. Mas existe
muito mal entendido e confusão a respeito dessa passagem. A Bíblia repe
tidamente nos diz que devemos nos lembrar, em todas as ocasiões e em
qualquer circunstância, de quem é Deus. Devemos nos lembrar de que ele é
soberano em e sobre todas as circunstâncias humanas que recaem sobre
nós. Como a carta aos Romanos nos diz, temos a promessa de que: “todas
as cousas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28).
Isso não significa que as coisas em si mesmas trabalham para o meu bene
fício, mas sim que Deus, o qual é soberano sobre tudo o que se passa em
minha vida, usa tudo aquilo que acontece comigo para minha vantagem e
crescimento final. Ele usará o sofrimento e a dor, e ele triunfará sobre a
iniqüidade que existe em minha vida.
Paulo ilustra a noção de regozijar-se em todas as circunstâncias quando
diz, em Filipenses 4.11,12, que ele aprendeu a estar contente em qualquer
situação em que se encontre. Ele teve de aprender como viver com o muito
e com o pouco, como lidar com situações em que era honrado e com aque
las em que era insultado ou mal tratado. Na verdade ele diz: “Qualquer
coisa que acontece comigo — se estou rico ou pobre, se estou com fome ou
se estou satisfeito, se as pessoas estão me amando ou se estão me odiando
— quaisquer que sejam as circunstâncias, eu sei quem sou e sei que Deus
está comprometido comigo. Por causa disso sempre há algo para me regozi
jar em todas as circunstâncias.”
Não creio que com essa passagem Paulo quisesse dizer que quando es
teve num naufrágio, ou quando foi açoitado, ele tivesse feito uma oração de
gratidão dizendo: “Isso não é maravilhoso?” Se vejo situações que são fran
camente más, não devo me regozijar com a maldade que existe ali, mas
devo me regozijar em Deus que permanece acima do mal e que permanece
acima da dor e da tristeza.
O versículo mais curto da Bíblia, “Jesus chorou” (Jo 11.35), nos diz
algo. Jesus vai ao lar de Maria e Marta, e elas estão bravas com Jesus. Marta
vem a ele e diz: “Senhor, se estiveras aqui, não teria morrido meu irmão.”
(Jo 11.21).
Elas estavam realmente zangadas com ele. Será que Jesus respondeu as
sim: “Ei, olhem aqui, não se preocupem. Eu estava apenas arranjando o palco
para essa dramática ressurreição que vou realizar daqui a pouco. Relaxem,
vamos ter uma festa, e eu vou trazer seu irmão de volta à vida?” Não, Jesus
chorou. Ele entrou na realidade do sofrimento e do luto humanos, cumprindo
as Escrituras de que é melhor estar na casa onde há pranto do que gastar seu
tempo com os tolos. Então ele prosseguiu para mostrar o triunfo de Deus
sobre aquela situação, ressuscitando Lázaro dentre os mortos. Portanto creio
que cristãos sinceros que procuram regozijar-se em todas as circunstâncias,
são motivados a dar louvor e honra a Deus e a tentar superar a dor de sua
situação por meio dessa prática. Mas devemos tomar cuidado para não ser
mos frívolos e levianos a esse respeito. Não devemos negar a realidade da
dor, da tragédia e do sofrimento. Isso não representa uma fé sadia.
Devemos ser cuidadosos para não sermos culpados daquilo pelo que
Jesus repreendeu os fariseus — o que eu chamo de Síndrome do Céu Ver
melho. Você se lembra, Jesus repreendeu os fariseus porque eles tinham a
habilidade de prever o tempo. Ele podiam olhar para o céu e se estivesse
vermelho à noite diziam “Maravilha para os Marinheiros”, e se estivesse
vermelho pela manhã diziam “Marinheiros, cuidado.” Mas eles não perce
beram os sinais dos tempos e perderam a primeira vinda de Cristo. Não
perceberam a vinda do Messias bem no meio deles, apesar do fato de uma
grande quantidade de profecias bíblicas anunciarem a aparição de Jesus em
cena — e Jesus os repreendeu por isso.
Quando alguém me pergunta: “Estamos nos últimos dias?” Suspeito que
querem dizer o seguinte: “Estamos próximos do último capítulo da história
antes da vinda de Jesus Cristo?” Não posso dizer sim ou não. Por isso digo:
“Sim, e eu não sei.” A razão pela qual digo sim é: Temos estado nos últimos
dias desde a primeira vinda de Cristo. E por isso as Escrituras nos dizem
que devemos viver num espírito de diligência e vigilância desde o momen
to em que Jesus deixou esse planeta nas nuvens de glória, até que ele retome.
Mas quando as pessoas me perguntam: “Estamos vivendo nos últimos dias?”
Creio que o que querem dizer com isso é: “Estamos vivendo nos últimos
minutos da última hora da último dia?” Se eu penso que a volta de Jesus
está próxima, está no horizonte? .
Espero ter aprendido alguma coisa dos erros dos outros no passado.
Por exemplo, quando Lutero passou por toda a convulsão violenta da i
greja cristã no século XVI, estava convencido de que a fragmentação da
igreja naquela ocasião era o fato precursor da volta de Jesus. Mas Lutero
estava errado. Jonathan Edwards, vivendo em meados do século XVIII,
pouco antes que sua nação fosse estabelecida como república, refletiu
sobre como a religião havia declinado entre 1620 e 1750. Ele também se
convenceu de que o mundo estava indo para a destruição, e o tempo esta
va se esgotando. Jesus podia voltar a qualquer hora. Edwards estava erra
do. Por isso, quando olho para dois mestres da teologia e os vejo fazendo
predições e mencionando suas expectativas da volta próxima de Jesus, e
errando, isso me deixa hesitante.
A única coisa que posso dizer, entretanto, é que estamos mais ou menos .
450 anos mais próximos que Lutero estava e 235 anos mais próximos de
que Edwards estava. Há muita coisa se passando no mundo hoje — isso me
diz que essa é a hora em que os cristãos deveriam estar lendo a Bíblia de um
lado e os jornais de outro.
Não penso que o reino do céu esteja próximo. Penso que há um sentido
muito real no qual o reino do céu (ou o reino de Deus que é outra maneira
pela qual os Evangelhos descrevem essa frase) já está aqui. Foi anunciado
certa vez que o reino do céu estava próximo. Encontramos esse anúncio logo
no início dos Evangelhos no Novo Testamento. O uso do termo céu como
reino do céu é encontrado no Evangelho de Mateus. Foi o anúncio feito por
João Batista que é o precursor do aparecimento de Cristo, o Rei do reino.
O conceito todo de reino do céu, ou reino de Deus é o tema que unifica
o Antigo e o Novo Testamentos. Esse é o grande conceito que dá unidade a
toda a história da redenção. Diz respeito ao reinado de Deus sobre seu povo
e sobre o mundo. As promessas no Antigo Testamento sobre a vinda do
reino de Deus foram feitas pelas palavras e escritos dos profetas, com refe
rência a uma época futura distante e vaga.
Mas quando João Batista aparece em cena, há um novo senso de urgên
cia quando ele faz o anúncio de que o reino do céu está próximo. Ele fala
sobre o machado estar colocado à raiz da árvore. Usa a imagem do fazen
deiro que tem a pá em suas mãos; isto é, o momento chegou em que o reino
do céu está prestes a surgir em poder e em significância. Sem dúvida esse
foi o anúncio que alvoroçou a nação judaica e criou tanta reação contra
João Batista. Ele dizia que o reino do céu estava próximo e o povo não
estava pronto para ele. Quando Jesus apareceu, houve uma ligeira mudança
no tom do seu anúncio. Ele também pregou o arrependimento por causa do
reino de Deus, mas seus discípulos não jejuavam como os de João Batista.
Então ele fez um anúncio estranho: “O reino de Deus está entre vós". Disse
ele: “Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é
chegado o reino de Deus sobre vós”, Num certo sentido o reino de Deus
entrou na história e começou com o ministério de Jesus e, certamente, no
momento crucial em que Jesus ascendeu à mão direita de Deus para sua
coroação, onde ele governa como Rei dos reis e Senhor dos senhores.
As pessoas me perguntam se o reino de Deus está próximo. Creio que
normalmente elas querem dizer: Jesus voltará logo? Penso que há todas as
razões para ficarmos encorajados e esperançosos de que o capítulo final do
reino de Deus está próximo. Mas o que estou tentando sublinhar é que o
reino de Deus já começou. Não foi finalizado e não foi consumado — e isso
não acontecerá até que Jesus retome em sua glória. Creio que temos todas
as razões para esperar que isso aconteça logo.
Não tenho certeza se o Anticristo virá de dentro da igreja, mas defendo isso
como uma possibilidade muito real. Tenho certeza de que você está consciente
do fato que existe uma grande quantidade de especulação na história da igreja,
na tentativa de identificar a pessoa do anticristo, sobre quem as Escrituras falam
em termos tão assustadores e que, segundo Paulo, deverá manifestar-se antes da
volta do Senhor. Normalmente, os candidatos a esse ofício têm sido pessoas de
enorme poder político. Alguns pensaram que fosse Nero.
Muitos o identificaram com Hitler, outros até mesmo Mussolini, por
causa da fórmula numérica que se ajusta ao seu título. Esse tipo de especu
lação tem acontecido repetidas vezes.
Mas quando Paulo adverte sobre a aparição do homem de iniqüidade,
que é normalmente identificado com o Anticristo, ele afirma que essa pes
soa será alguém que procura receber culto e adoração e que se estabelecerá
no templo de Deus e exigirá ser tratado como Deus.
Paulo menciona isso na segunda carta aos Tessalonicenses. E por causa
dessa referência ao aparecimento do homem de iniqüidade no templo de
Deus que muitos têm chegado à conclusão que o Anticristo será uma pes
soa religiosa de dentro da igreja.
Há outros fatores também. Há o ensino profético de Cristo e dos apósto
los de que, nos últimos tempos, existirá uma enorme apostasia dentro da
igreja — um abandono da fidelidade a Cristo. Seria muito possível que a
igreja se tornasse um ambiente de procriação para aquele que se opõe ao
próprio Cristo.
Também vemos que Satanás é descrito no Novo Testamento como tendo
uma espécie de caráter metamórfico. Ele é enganador, tem a habilidade de se
transformar, como diz o Novo Testamento, num anjo de luz. Em teologia dize
mos que Satanás tem o poder de aparecer sub species boni, isto é, sob os auspícios
do bem, mascarado como um personagem bom. Portanto, que melhor lugar exis
tiria para comunicar uma grande fraude do que o contexto da própria igreja?
Devo acrescentar uma qualificação a isso. Embora seja muito possível
que o Anticristo surja de dentro da igreja, todas essas coisas poderiam ser
ditas de personagens seculares que usurpam autoridade eclesiástica, como no
mundo antigo em que os governantes pagãos entravam e desonravam o tem
plo de Deus e se apresentavam para serem adorados. Nesse sentido, o espírito
do Anticristo não precisa necessariamente ser identificado com a igreja.
Precisamos fazer uma distinção, que creio que a Bíblia faz, entre o julga
mento que recebemos logo após a morte no qual somos levados diante de
Cristo e o que a Bíblia chama de julgamento final. Há uma razão pela qual a
Bíblia se refere ao último julgamento como último. Aquilo que é último pres
supõe que tenha havido algum tipo de julgamento antes dele. A Bíblia diz que
ao homem está determinado morrer uma só vez, e então o julgamento. Penso
que há muito no Novo Testamento que indica que no momento em que mor
remos, experimentamos pelo menos um julgamento preliminar.
Paulo, por exemplo, diz que anseia partir e estar com Cristo o que é
muito melhor do que permanecer aqui nessa vida e no ministério que ele
tinha. O cristianismo histórico tem quase universalmente confessado a idéia
de que os santos que partem vão imediatamente para estar na presença de
Cristo, naquilo que é chamado o gozo do estado intermediário, isto é, so
mos espíritos desencarnados e esperamos pela consumação final do reino
de Cristo, quando experimentaremos a ressurreição do corpo.
Quando, no Credo dos Apóstolos, dizemos: “Creio na ressurreição do
corpo,” não estamos falando sobre o corpo de Cristo, mas sobre nossos
futuros corpos ressuscitados. Como eu disse, o cristianismo histórico crê
que há uma transferência imediata desse mundo para a presença de Cristo,
pelo menos em nosso estado de espíritos desencarnados. Para que isso acon
teça, é necessário que algum julgamento tenha lugar. Por exemplo, Paulo
não seria introduzido à presença de Cristo imediatamente após sua morte
sem que Cristo avaliasse primeiro que Paulo é um dos seus — que ele é um
homem justificado num estado de salvação. Creio que há uma divisão pre
liminar entre o trigo e o joio, antes do julgamento final no último dia, do
qual a Bíblia fala. Jesus avisa repetidamente sobre o último julgamento.
Muito poucas pessoas em nossa cultura secular pensam que uma discus
são sobre julgamento seja relevante. E politicamente incorreto julgar os
outros ou, até certo ponto, até a nós mesmos — distinguir entre certo e
errado, verdade e falsidade. Entretanto, essas mesmas pessoas elogiam os
ensinos de Jesus como sábios e maravilhosos. Mas se Jesus de Nazaré ensi
nou alguma coisa, ele ensinou enfática e repetidamente que cada um de nós
será de fato trazido diante do trono de Deus para um julgamento final.
Seria óbvio, a partir das afirmações que Jesus faz no Novo Testamento,
que qualquer que seja a forma de julgamento que fazemos, esta será a que
podemos esperar receber. Mas há algumas coisas que precisam ser mencio
nadas como esclarecimento. Primeiro, sabemos que o julgamento final de
nossas vidas quando nos apresentarmos diante do tribunal divino, estará
nas mãos de um Juiz infalível, onisciente, perfeitamente justo, e que o jul
gamento será absolutamente justo. Um juiz verdadeiramente justo sempre
considera circunstâncias atenuantes. Em outras palavras, qualquer ato de
natureza moral em que eu esteja envolvido, seja ele bom ou mau, é um ato
de natureza complexa. O grau de maldade ou virtude do meu ato está rela
cionado, por exemplo, a muitas coisas, uma das quais é a minha compreen
são do que estou fazendo. Se tenho um entendimento claro de que algo está
errado, e prossigo e ajo conscientemente, meu crime é mais sério do que se
eu estivesse confuso a respeito. Isso não me desculpa necessariamente por
completo, mas é uma circunstância atenuante. E um juiz justo considera
todas essas ações e atividades quando dá o seu veredito final.
Agora, Jesus diz que quando ele leva tudo em consideração, não apenas
no julgamento de avaliação se somos culpados ou inocentes, virtuosos ou
maus, ele também dispensa benefícios, recompensas e castigos no último
dia. No versículo que você citou, Jesus está nos advertindo de que, se nessa
vida nos recusarmos a ser misericordiosos para com as pessoas, Deus leva
rá isso em consideração, e como parte de sua justa punição, ele reterá sua
misericórdia. Se eu, sendo pecador e culpado tendo a ser misericordioso
para com os outros, Deus levará isto em conta quando fizer o julgamento
final, e ficará inclinado a mostrar misericórdia para com o misericordioso.
“Bem aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”
(Mt 5.7). Há uma enorme vantagem em ser misericordioso nesse mundo,
pois Deus pesará isso na balança em nosso julgamento final.
• Por que os cristãos pensam que sabem como as outras pessoas devem
viver?
• O cristãos deveriam impor sua ética aos não-cristãos?
• Como nós, cristãos, podemos avaliar quando a Palavra de Deus era aplicável
somente a uma certa cultura, e, portanto, talvez não o seja para nós hoje?
• Como apoiarmos a ética cristã sem que nos tomemos julgadores?
• Como uma figura pública, o sr. sente maior pressão no sentido de viver
num nível mais alto de ética cristã?
• Se as coisas vão ficar cada vez piores até a volta do Senhor, por que
deveríamos nos preocupar com ativismo social e envolvimento político
para melhorar a situação?
• Qual é a base bíblica da dignidade humana?
• Qual é a nossa responsabilidade para com o pobre?
• Poderia nos dar um exemplo de como o ensino de Cristo sobre oferecer a
outra face pode ser aplicado a situações de vida hoje?
• Em termos de arte, existe uma diferença entre arte secular e cristã?
• Um advogado de defesa cristão deveria defender alguém que ele sabe que
é culpado?
• Raabe, a meretriz, as parteiras hebréias e outros por todo o Antigo Testa
mento, supostamente mentiram para proteger outras pessoas, e Deus os
abençoou. Isso significa que cristãos hoje podem se encontrar em situa
ções em que é necessário mentir com a bênção de Deus?
• A Bíblia chama a embriaguez de pecado. Quais os perigos de nossa cultu
ra classificá-la como doença?
• De acordo com a Bíblia, existe algum mal em se usar hipnose para ajudar
pessoas a deixarem de fumar, ou superarem algum outro vício ou padrão
de comportamento?
• Por que o uso de drogas como o “crack” cresce tanto em nossa sociedade?
• Está errado os cientistas se ocuparem de engenharia genética?
• Os cristãos devem apoiar a pesquisa da AIDS?
• Por q u e os cristãos p e n s a m q u e s a b e m c o m o as o u t r a s
pessoas d e v e m viver?
A pergunta real aqui é: Será que tudo que é estabelecido nas Escrituras
deve ser aplicado a todas as pessoas de todos os tempos e em todas as cultu
ras? Não conheço nenhum especialista no conhecimento da Bíblia que de
fenderia que tudo o que está estabelecido nas Escrituras se aplica a todas as
pessoas de todos os tempos. Desde que Jesus enviou os setenta e lhes disse
para não usar sandálias, isso significa que os evangelistas hoje seriam deso
bedientes a não ser que pregassem com os pés descalços? Obviamente isso
é um exemplo de algo praticado na cultura do século I que não tem nenhu
ma aplicação em nossa cultura hoje.
Quando enfrentamos a questão de entender e aplicar as Escrituras hoje,
temos dois problemas. Primeiro, há o entendimento do contexto histórico
dentro do qual as Escrituras foram entregues pela primeira vez. Isto é, pre
cisamos voltar e tentar entrar na pele, na mente e na linguagem do povo do
século I que escreveu as Escrituras. Precisamos estudar as línguas originais
— grego e hebraico — de modo que possamos, da melhor maneira possí
vel, reconstruir o sentido e a intenção originais da Palavra de Deus.
A segunda dificuldade é que vivemos no século XX e as palavras que
usamos todos os dias são moldadas e condicionadas pelo como elas são
usadas no nosso aqui e agora. Há um sentido no qual estou amarrado ao
século XX, entretanto, a Bíblia nos fala a partir do século I e antes disso.
Como construir a ligação sobre esse intervalo?
Penso que devemos estudar a história da igreja também de modo que
possamos ver os princípios e preceitos que a igreja, ao longo dos séculos,
entendeu como sendo aplicáveis aos cristãos de todas as épocas. É importan
te ter uma perspectiva histórica. Ouvimos esse lugar comum que aqueles que
ignoram o passado estão fadados a repeti-lo. Há muito a ser aprendido através
de um estudo sério da história do mundo, da história da fé cristã e de como
outras gerações e outras sociedades entenderam a Palavra de Deus e suas
aplicações para a situação de vida que experimentavam. Fazendo isso, imedi
atamente veremos princípios do conhecimento das Escrituras que a igreja de
todas as épocas entendeu que não estavam limitados aos ouvintes imediatos
da mensagem bíblica, mas que tinham aplicação para todas as épocas.
Certamente não desejamos relativizar ou prender na história humana
uma verdade eterna de Deus. Minha regra básica é: devemos estudar e ten
tar discernir a diferença entre um princípio e um costume. Mas, se depois
de estudar não pudermos discernir, eu preferiria considerar algo que talvez
seja um costume do século I como um princípio eterno, do que arriscar ser
culpado de tomar um princípio eterno de Deus e tratá-lo como um constume
do século I.
• C o m o a p o ia r m o s a ética cristã se m q u e n o s t o r n e m o s
ju lg a d o res?
Essa pergunta pressupõe várias coisas. Pressupõe que estamos num pe
ríodo que a Bíblia designa como grande apostasia. Não estou certo de que
estamos nesse período, embora talvez estejamos. Nos últimos duzentos anos,
por exemplo, temos visto um sério declínio da influência do cristianismo
no mundo, particularmente sobre a cultura do mundo ocidental. Temos vis
to acontecimentos que eram absolutamente desconhecidos no passado. A
morte de Deus foi proclamada, não por filósofos seculares ou ateus, mas
por teólogos cristãos confessos. Portanto temos visto sérias manifestações
de afastamento do cristianismo ortodoxo clássico, o que leva algumas pes
soas a concluirem que estamos na época da grande apostasia.
Por outro lado, podemos dizer que estamos numa época de renovação
sem precedentes. Aqueles que são mais confiantes na leitura dos sinais dos
tempo, têm uma visão mais otimista da situação atual.
Não tenho uma percepção íntima da agenda de Deus no que diz respeito
à consumação de seu reino. Espero que ele o realize logo. Pode muito bem
ser que estejamos nas últimas horas dos últimos dias. Certamente, aceito
isso como uma possibilidade muito real.
E se for esse o caso, como isso influenciaria a agenda da igreja? Sou de
opinião que, mesmo que estivéssemos nos últimos quinze minutos da histó
ria redentora e soubéssemos que Jesus chegaria dentro do próximo quarto
de hora, ainda teríamos o mandamento de fazer aquilo que ele nos disse
para fazer até a sua volta; isto é, sermos suas testemunhas, manifestar seu
senhorio, mostrar ou ilustrar com que o reino de Deus deve se parecer — e
isso inclui dar comida ao faminto, abrigo ao que não tem onde morar, e
roupas ao que está nu. A agenda da igreja foi estabelecida por Jesus entre o
tempo de sua partida e o tempo de sua volta. Não importa quão rápida ou
quão longínqua seja essa volta, somos chamados a estar ativamente envol
vidos nos objetivos e mandamentos do reino.
Às vezes, fico tão desencorajado com a oposição das estruturas do mun
do contra o cristianismo, e com a falta de influência que parecemos exercer
sobre a cultura, que me vejo caindo numa mentalidade de “arrancar algu
mas pessoas do fogo,” tentando alcançar indivíduos aqui e ali e abandonan
do as tarefas maiores que Cristo nos deu. Tenho de resistir a isso, e insisto
em que cada cristão resista a essa tentação.
• Q u a l é a base bíblica da d ig n id ad e h u m a n a ?
Como cristão, não acredito que os seres humanos tenham uma dignidade
intrínseca. Estou absolutamente comprometido com a idéia de que os seres hu
manos têm dignidade, mas a questão é: Essa dignidade é intrínseca ou extrínseca?
Dignidade, pela definição bíblica, está ligada ao conceito bíblico de
glória. A glória de Deus: seu peso, sua importância, sua significância, é o
que a Bíblia usa para descrever a fonte de toda dignidade. E somente Deus
tem valor eterno e significância intrínseca (isto é, em e de si mesmo). Eu
sou uma criatura — venho do pó. Pó não é nada tão significativo, mas me
tomo significativo quando Deus cava o pó, molda um ser humano, assopra
nele o sopro de vida e diz: “Esta criatura é feita à minha imagem.” Deus
atribui significância eterna a criaturas temporais. Não tenho nada em mim
que pudesse exigir que Deus me tratasse com significância eterna. Tenho
essa significância e valor etemos porque Deus me dá. E não os dá apenas a
mim, mas a todos os seres humanos.
Essa é a razão pela qual o grande mandamento na Bíblia trata, não ape
nas de nosso relacionamento com Deus, mas de nossos relacionamentos
com os seres humanos: “Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua
força... Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12.30,31), porque
Deus concedeu valor a toda criatura humana.
• Poderia n o s d a r u m ex em p lo de c o m o o e n s in o de Jesus
sobre oferecer a o u tra face, p ode ser aplicado às situações
de vida atuais?
Penso que há, embora essa diferença às vezes seja extremamente difícil
de articular e apontar com precisão. Abstratamente, eu diria que a grande
diferença entre arte cristã e não-cristã está na perspectiva.
Arte é um meio de comunicação, onde quer que haja arte algum conteú
do está sendo comunicado. Por arte, me refiro num sentido geral à música,
escultura, pintura, etc. Arte pode ser classificada em termos de forma e
conteúdo, mas todas as formas de arte comunicam alguma coisa.
Nos anos sessenta, havia a famosa frase tirada do título de um livro de
Marshall McLuhan O Meio é a Mensagem. O que significa que a própria
forma comunica a mensagem, uma mensagem não verbal, assim como o
conteúdo de uma obra de arte o faz. Numa canção, não há apenas as pala
vras, mas também a estrutura, a forma da música que está sendo tocada. Há
certos tipos de música que são muito metódicas, por exemplo, uma cantata
de Bach. A estrutura da música de Bach, segue um padrão decisivo e não há
nenhuma tentativa de ser caótica. Alguns músicos modernos tentaram criar
o caos, embora esta seja uma tarefa impossível porque você não pode ser
intencionalmente não-intencional. Você não pode intencionalmente criar o
caos. Ainda existe um padrão para esse pretenso caos.
Eles estão tentando comunicar através de um tipo de forma muito vaga
e indefinida, quer seja na pintura ou na música, uma afirmação contra a
harmonia, a ordem e a racionalidade, as quais têm implicações teológicas.
São parte de um sentimento secular de desespero que afirma não existir
nenhuma coerência fundamental.
No mundo do teatro do absurdo, os atores no palco pronunciam palavras
sem sentido sugerindo que o homem chegou a tal ponto que mesmo a lingua
gem é sem sentido. Mas mesmo aquelas sílabas sem sentido são uma forma
de comunicação, e há uma mensagem ali, por mais incoerente que pareça.
No outro extremo existe a atitude segundo a qual para uma arte ser cris
tã ela precisa incluir um versículo bíblico ou representar pessoas que te
nham halos em suas cabeças. Estou convencido de que, se olharmos para as
Escrituras, veremos que Deus é um Deus de beleza. Ele é o fundamento
último da beleza e seu caráter é belo. Parte da tarefa do homem é espelhar e
refletir o caráter de Deus. Isso significa que somos chamados a produzir
arte, e que essa arte seja excelente.
A resposta mais curta é sim, pode haver ocasiões em que pessoas te
mentes a Deus precisam mentir no sentido de dizer algo que não é verdade.
Há muitos especialistas em ética que crêem que a proibição contra a men
tira é absoluta e não existe nunca qualquer justificativa para a assim chamada
mentira branca. Outros apontam para Raabe e para as parteiras hebréias como
exemplo; suas mentiras são registradas, e mais tarde elas são incluídas na
lista dos heróis. Não se diz especificamente que Deus as tenha abençoado ou
santificado por mentirem, mas o registro parece indicar que não há nenhuma
palavra de repreensão pela gritante desonestidade delas naquela situação.
Há outras ocasiões nas Escrituras em que vemos pessoas mentindo de
uma maneira que, no meu entender, é completamente contrária à Palavra de
Deus. Por exemplo, alguns tentam justificar o envolvimento de Rebeca na
fraude contra seu marido de sorte que Jacó recebeu a bênção no lugar de
Esaú. Ela se envolveu na conspiração para enganar seu próprio marido, e
alguns tentam defendê-la dizendo que Deus desejava que o mais velho ser
visse o mais novo e, portanto, era plano de Deus que Jacó recebesse a bên
ção patriarcal e não Esaú. Tudo o que Rebeca estava fazendo era assegurar
que a vontade de Deus se realizasse. Tudo o que Judas estava fazendo quan
do traiu Jesus entregando-o nas mãos de seus inimigos era no sentido de
assegurar que a vontade de Deus se realizasse — e Deus o considerou emi
nentemente responsável por sua traição. Tenho certeza de que Rebeca, em
bora tenha sido abençoada por Deus, foi abençoada a despeito de sua men
tira, não por causa dela. Aguns colocariam Raabe na mesma categoria.
Ao longo dos séculos, na história cristã, desenvolveu-se uma ética de ho
nestidade que está relacionada com a justiça. O cristão deve sempre apresen
tar a verdade e dizer a verdade para quem a verdade é devida. A pergunta
agora se toma: Existe algum caso para a assim chamada mentira justa ou
justificada? Eu diria que sim, e as situações que estão mais claramente nessa
categoria envolveriam guerra, assassinato ou atividades criminais. Se um as
sassino invade sua casa e deseja saber se seus filhos estão dormindo no andar
de cima, e você sabe que sua intenção é matá-los, é sua obrigação moral
mentir para ele e enganá-lo o mais que puder para evitar que aquelas vidas
sejam destruídas. Creio que isso também é verdadeiro em casos de guerra.
Não penso que uma pessoa seja obrigada a dizer a um inimigo aonde o seu
grupo está escondido, assim como um atacante num jogo de futebol não tem
que contar à defesa adversária quais são os planos de jogo de seu time. Ele
pode usar de engano e fazer truques para executar o seu jogo. E uma espécie
de jogo de guerra num campo de futebol. Muitos cristãos mentiram para os
nazistas para proteger os judeus da prisão e do extermínio. Creio que em
casos nos quais sabemos que mentir prevenirá tais males, a atitude é legítima.
Não sei muito bem como responder a essa pergunta. Temos visto o fenô
meno da hipnose sendo usado no que eu chamaria de um modo ilegítimo,
como uma tentativa de penetrar áreas do oculto. Mas não estou certo de que
entendemos tudo o que a hipnose é ou como ela pode ser usada.
Até onde posso entendê-la, a hipnose envolve um tipo de intensa con
centração mental pela qual podemos focalizar nossa consciência em certas
idéias, sentimentos ou incidentes essenciais. Isso poderia ser útil em cirur
gia, também é usado algumas vezes em terapia, para ajudar a pessoa a lem
brar eventos traumáticos, por exemplo. Não vejo nada intrínseca ou ineren
temente errado, do ponto de vista moral, no uso da hipnose em situações
apropriadas e para pessoas que estão lutando com algum vício ou algo do
tipo. O terapeuta fala com o paciente e o coloca num estado hipnótico. Não
há nada mágico a respeito disso. O terapeuta continua a conversação com o
paciente, tentando comunicar uma mensagem central, por exemplo: “Você
não precisa continuar a usar essa substância. Ela é prejudicial para você.”
Eles repetem essa frase muitas vezes, de forma que, quando a pessoa volta
para seu estado de vigília ou de consciência, aquele pensamento está im
plantado em sua mente e ela continuará a reforçá-lo. É quase como um
nível intensificado de concentração para aprender uma lição. Enquanto ela
se limita a essas situações, não vejo nada de errado com o seu uso.
Estou de certa forma surpreso com a freqüência com que essa pergunta
é levantada dentro da comunidade cristã.
Sem dúvida, os cristãos devem apoiar a pesquisa da AIDS. Por que não
a apoiaríamos? Estamos comprometidos com o ministério ao doente e com
o alívio do sofrimento. Quando encontramos alguém doente, não é nossa
responsabilidade perguntar por que ele está doente. Quando encontramos
alguém com fome, não é nossa responsabilidade perguntar por que está
com fome. Quando encontramos pessoas sem casa, não é nossa responsabi
lidade perguntar por que não têm casa. Nossa responsabilidade é vestir o
nu, ministrar ao doente e visitar os prisioneiros. Não dizemos que o prisio
neiro está na cadeia porque cometeu um grande crime e, portanto, não de
veríamos visitá-lo. Ao contrário, temos um mandamento de visitar pessoas
na prisão apesar do fato de estarem lá porque fizeram algo errado.
O fato da AIDS ser uma doença que geralmente tem suas raízes em tipos
imorais de comportamento sexual não é razão para a igreja agir como polícia
de Deus ou seu carrasco. Devemos trabalhar sempre, e em todos os lugares,
para o alívio da dor e do sofrimento nesse mundo. Posso acrescentar que há
realmente, muitas pessoas que se tomaram vítimas da AIDS sem nenhuma
ação direta delas próprias. A AIDS tem sido transmitida através da transfusão
de sangue. Crianças têm contraído essa terrível doença através de transfusões
em hospitais ou através de agulhas hipodérmicas sujas. Já se verificou trans
missão por tatuagens. Não podemos simplesmente assumir que a AIDS seja
um símbolo de conduta sexual imprópria. Não vejo nenhuma razão obrigató
ria pela qual a igreja deva ser contra a pesquisa da AIDS.
Estou realmente tentando dizer duas coisas aqui. Primeiro, mesmo que
as únicas pessoas no mundo que sofressem de AIDS fossem culpadas de
pecado grosseiro e terrível, isto em si ou de si mesmo não proibiria o envol
vimento cristão na procura da cura e do alívio do sofrimento dessas pesso
as. Esse é o princípio número um.
O princípio número dois é que, na realidade, esse não é o caso com as
pessoas e a AIDS. Realmente, não há nenhuma razão que eu possa pensar
pela qual os cristãos poderiam ou deveriam opor-se à pesquisa. De fato, um
dos grandes testemunhos da igreja cristã tem sido seu lugar na linha de frente
quando se refere ao alívio do sofrimento, como nos casos do movimento
hospitalar e da criação de orfanatos. Creio que a situação da AIDS é uma
oportunidade maravilhosa para os cristãos se dedicarem ao serviço humano.
OS CRISTÃOS E O GOVERNO
Suponho que esse sentimento foi inculcado em você muito cedo através
da disciplina e educação recebida de seus pais. Quando eu era bem menino,
a única lei absoluta e inegociável em nossa casa era que você não deveria
responder aos pais e nem falar grosseiramente com seus professores ou com
o vizinho. A desgraça caía sobre nós se respondêssemos a qualquer um que
estivesse em posição de autoridade. Lembro-me que, certa vez, levantei-me
contra um professor de ciências na classe, e realmente me meti em apuros
por causa disso.
Penso que a Bíblia nos diz que devemos dar honra àqueles que têm autorida
de sobre nós, Mas penso também que é perfeitamente legítimo levantar algumas
perguntas: “E esta a maneira própria de fazer isso?” Ou “É este um uso legítimo
da autoridade?” Desde que a abordagem ou a pergunta sejam feitos num espírito
de verdadeira humildade e respeito, será uma atitude legítima.
Essa era uma questão muito difícil para mim como estudante do semi
nário. Estudei com alguns dos mestres mais radicais que existiam, pessoas
que sistematicamente atacavam a expiação de Cristo ou a sua ressurreição.
Por dentro eu ficava furioso com o fato de que eram professores de um
seminário teológico e estavam negando as reivindicações básicas da fé cristã.
Ainda assim compreendia que não importava o quão errados estivessem em
classe, eu devia respeitá-los pela posição que ocupavam como professores.
Quando estudei na Europa, encontrei um ambiente completamente di
ferente do encontrado nesse país. Quando nos reuníamos no anfiteatro e o
professor abria a porta da classe e entrava na sala, todos os estudantes se
levantavam e permaneciam quietos até que o professor se colocasse diante
da estante e inclinasse sua cabeça para que sentássemos. Daí em diante, ele
lecionava durante sessenta minutos. Nenhum estudante jamais tinha per
missão para levantar a mão ou fazer uma pergunta. No final da preleção, o
professor fechava o livro, descia do estrado, e nós nos levantávamos novamente
enquanto ele saía. Eu apreciava aquilo. Comunicava um senso de honra.
Nós perdemos a capacidade de honrar os que estão em posição de autoridade.
Novamente, se a autoridade ordena que façamos algo que Deus proíbe,
ou se ela proíbe algo que Deus ordena, não apenas devemos enfrentar essa
autoridade, mas também desobedecê-la.
Certo ano, fui convidado a falar no café da manhã por ocasião da posse
do governador recém-eleito do estado da Flórida. Naquela ocasião tive
oportunidade de falar com homens e mulheres que estavam em lugares es
tratégicos no governo. Uma pergunta muito importante na agenda dessas
pessoas era: “Até que ponto devemos manter a cuidadosa linha de separa
ção entre igreja e estado?”
Em nossa herança política, assim como em nossa herança cristã, enten
demos que há uma diferença entre a instituição do governo civil (o estado)
e a instituição da igreja. Não é tarefa da igreja, nem sua responsabilidade,
dizer ao governador como governar ou fazer o governo estabelecer nossas
preferências religiosas. Entretanto, também precisamos ter em mente que
ambos, estado e igreja estão sob a autoridade de Deus. O estado não é sobe
rano, o estado nunca tem o direito de fazer o mal. O estado está sempre sob
a autoridade de Deus. Deus institui o governo, Deus ordena o governo, e
Deus julgará o governo. Ele mantém a responsabilidade do governo e de
todas as suas instituições em nossa sociedade, de fazer aquilo que é certo.
O que é certo numa dada situação — quais as práticas comerciais certas,
quais as práticas de trabalho certas, quais as práticas judiciais que são certas?
Certo e errado não são decididos unicamente por cristãos. Há certos manda
mentos que devemos realizar como cristãos. Por exemplo, a Ceia do Senhor.
Não devemos pedir que não-crentes participem da Ceia do Senhor. Entretan
to, Deus me diz que como cristão devo pagar minhas contas no prazo certo.
Ele me diz para não usar pesos e balanças falsas em meu negócio. Creio que
é perfeitamente apropriado recomendar que o estado tenha uma moeda está
vel e que não destrua os pesos e balanças de nossa sociedade, que tenha con
tratos honrados e faça o que é certo. Em outras palavras, naquelas esferas da
ética que são certas para todas as pessoas, creio que é responsabilidade do
cristão lembrar ao estado que tome posição pelo que é certo.
Desde que há funcionários públicos, não apenas nesse país mas em to
dos os países, tem havido um desejo por parte da maioria de seus eleitores
de que o líder político manifeste uma vida de integridade pessoal.
O perigo é que podemos nos tornar julgadores — hipercríticos e hipo-
críticos também — mesquinhos em nossa crítica sobre as pessoas na vida
pública. Servir num cargo público é uma tarefa extremamente difícil para
qualquer um. As pessoas comuns nesse país não têm idéia do que significa
a perda de privacidade. Por exemplo, quando iniciamos o Ligonier Minis
tries, na Pensilvânia, há cerca de vinte e cinco anos atrás, eu era um pastor
e estava lidando freqüentemente com o público. E como as pessoas vinham
à nossa casa exigindo mais e mais atenção pessoal de minha parte, minha
família e eu experimentamos uma real perda de privacidade pessoal. Foi
muito difícil tratar do assunto. Isso foi apenas uma amostra do que os funci
onários públicos passam.
Tal sacrifício, entretanto, faz parte da opção de ser uma figura pública.
Uma pessoa na vida pública será submetida a um escrutínio muito mais rigo
roso em termos de sua integridade pessoal, e penso que o povo tem o direito
de esperar que seus líderes apresentem um exemplo de integridade pessoal.
Não há dúvida — pelo menos no meu entender — que os jovens seguem
o exemplo apresentado pelas figuras públicas que observam na televisão,
na imprensa e nos filmes. É importante que nós — especialmente os cris
tãos, que deveríamos ser líderes em compaixão e compreensão — tempere-
mos qualquer avaliação das figuras públicas com um profundo senso de
entendimento e compaixão pela posição difícil na qual eles foram coloca
dos para servir.
• O q u e é a o r d e m de M elq u ised eq u e?
Um dos episódios mais difíceis para lidarmos como pessoas que vivem
desse lado do Novo Testamento são os registros do Antigo Testamento do
que é chamado herem. Trata-se de quando Deus chama Israel a entrar no
que poderíamos chamar de guerra santa contra os cananeus. Ele os manda
ir a eles e destruir tudo — homens, mulheres e crianças. Era proibido fazer
prisioneiros e eles deviam destruir e banir completamente, ou amaldiçoar
essa terra antes de eles mesmos a ocuparem.
Quando olhamos para isso, recuamos horrorizados com o grau de vio
lência que não apenas é tolerado, mas aparentemente ordenado por Deus
naquela circunstância. Teólogos críticos do século XX têm indicado esse
tipo de relato no Antigo Testamento como exemplo claro de que isso não
poderia ter sido a Palavra revelada de Deus. Dizem que esse é o caso em
que alguns hebreus sedentos de sangue, antigos e semi-nômades tentaram
apelar para sua divindade, a fim de sancionar seus atos violentos e que
devemos rejeitar isso como não tendo sido interpretações sobrenaturalmen
te inspiradas da história.
Eu penso diferentemente. Estou satisfeito que o Antigo Testamento seja
Palavra inspirada de Deus e que Deus tenha de fato mandado que a nação
judaica instituísse a herem contra os cananeus. Deus nos diz no Antigo Testa
mento por que criou essa política contra o povo cananeu. Não é que Deus
tenha mandado que um grupo de saqueadores, sedentos de sangue, invadisse
e matasse pessoas inocentes. Mas o pano de fundo era que os cananeus esta
vam profundamente arraigados a hábitos pagãos abusivos, envolvendo até
mesmo coisas como sacrifício de crianças. Era uma época de profunda desu
manidade dentro dessa nação. Deus disse a Israel: “Estou usando vocês aqui
nessa guerra como instrumento de meu julgamento sobre essa nação, e estou
trazendo minha violência sobre esse povo inacreditavelmente mau, os cana
neus.” E disse: “Vou destruí-los” (Dt 13.12-17). Na realidade, ele disse ao
povo judeu: “Quero que vocês entendam uma coisa: estou dando aos cana
neus o que eles merecem, mas não os estou dando a vocês por serem tão
melhores do que eles. Eu poderia pôr o mesmo tipo de julgamento sobre a
cabeça de vocês por sua pecaminosidade e estar perfeitamente justificado em
assim fazer.” Esse é basicamente o sentido do mandado de Deus aos judeus.
Ele disse: “Estou chamando a vocês por minha graça para serem uma
nação santa. Estou demolindo a fim de construir algo novo, e do que eu cons
truir novo, uma nação santa, vou abençoar todos os povos do mundo. Portan
to, quero que sejam separados, e não quero que nenhuma das influências
dessa herança pagã se misture em minha nova nação que estou estabelecen
do.” Essa é a razão que ele dá. As pessoas ainda se confundem com isso, mas
se Deus é, com efeito, santo — como acho que é — e nós desobedientes —
como sei que somos — penso que devemos ser capazes de lidar com isso.
Deus, que nos criou, tem o direito de exigir de suas criaturas o que quer
que deseje; ele certamente tem o direito de exigir que nos amemos uns aos
outros. E como podemos nós, que somos pecadores, odiar outras pessoas
que são pecadoras por fazerem as mesmas coisas que estamos fazendo?
Amar a Deus, aos outros e a nós mesmos é o grande mandamento, dado
primeiro por Deus e depois repetido por Jesus no Novo Testamento.
Mas se nos mandam amar a todos, como lidamos com a afirmação de
Deus: “Amei a Jacó; porém aborreci a Esaú”?
Primeiramente, estamos lidando com a língua hebraica. É a forma
hebraica de dizer, que chamamos de paralelismo antitético, pela qual as
Escrituras falam fazendo alusão a opostos diretos. Para entender isso, te
mos de ver que, seja o que for que Deus quis dizer por odiar a Esaú, signifi
ca exatamente o oposto do que significa amar a Jacó.
Nós usamos o termo amar e odiar para expressar emoções humanas, e
sentimentos humanos que temos para com as pessoas mas, no contexto em
que esse texto em particular ocorre, quando a Bíblia diz que Deus ama a
Jacó, significa que ele faz de Jacó o recipiente de sua especial graça e mise
ricórdia. Ele dá a Jacó um dom que não dá a Esaú. Ele dá misericórdia a
Jacó. Ele retém aquela mesma misericórdia de Esaú porque ele não deve a
Esaú a misericórdia e reserva o direito, como disse antes e também no Novo
Testamento: “Terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia". Ele revela
benevolência. Ele dá uma vantagem, ele dá uma bênção a um pecador, que
escolhe não dar a outro. O judeu descreve essa diferença usando termos
opostos. Um recebe amor; outro recebe ódio. Agora, de novo temos de lem
brar que a Bíblia está sendo escrita com termos humanos, os únicos termos
que temos, e não podemos atribuir ao texto a idéia de sentimentos de hosti
lidade ou de maldade para com um ser humano. Não é isso que a Bíblia
quer dizer quando usa esse tipo de linguagem para Deus.
Não apenas temos essa difícil questão tal como aparece no livro de Juizes,
presumivelmente com o voto de Jefté de sacrificar sua filha (Jz 11.29-35),
mas também mesmo antes, no livro de Gênesis, capítulo 22, quando Deus
diz a Abraão para oferecer seu filho Isaque no altar do Monte Moriá.
Kierkegaard escreveu um livro que enfrentou essa questão, e ele a descreveu
como a suspensão temporária da ética. Eu não acho que Deus suspenda a ética, nem
mesmo para Abraão. A questão que você está enfrentando é como Deus aceita ou
ordena uma prática que ele revela noutra parte ser totalmente repugnante para ele?
Abraão não teve o benefício dos primeiros cinco livros do Antigo Testamento,
em que todas as leis, legislações e códigos de santidade de Israel foram estabeleci-
dos. Mas, presumivelmente, ele teve pelo menos o benefício do que podemos cha
mar uma lei natural. Essa foi a lei que Deus deu ao homem, a partir de Adão, cujo
princípio principal é a santidade da vida e a proibição do assassinato. Abraão tinha
de estar confuso com a ordem de Deus para oferecer seu filho sobre o altar. Ele
teria de saber que aquilo era totalmente inconsistente com a lei natural.
Mas, ao mesmo tempo, é como um homem que chega ao sinal vermelho
num cruzamento e um policial de luvas brancas lhe dá sinal para passar. A
luz diz “pare”, mas o policial diz “siga”. O policial sempre é mais que o
código de trânsito. Você obedece o policial e não o sinal luminoso. Assim,
talvez Abraão pensasse que embora soubesse o que a lei dizia, se o autor
daquela lei lhe dizia para quebrá-la, era melhor quebrá-la.
Você pergunta especificamente sobre o problema no livro de Juizes. No códi
go de santidade, na legislação do Pentateuco, o sacrifício infantil, praticado por
outras religiões antigas, era visto não apenas como algo a respeito do qual Deus
olhasse com desaprovação, mas como um pecado capital em Israel — uma total
abominação a Deus. A Escritura fala, na linguagem mais forte possível, proibindo
o sacrifício de seres humanos como atividade religiosa. Nada é mais aviltante na
religião do que quando se procura apaziguar uma divindade por meio do sacrifício
humano — com a óbvia exceção do sacrifício perfeito que foi oferecido de uma
vez por todas, quando Deus sacrificou seu próprio Filho por nossos pecados.
Meu entendimento do livro de Juizes é esse: Assim como o resto da Bíblia, e
particularmente o Antigo Testamento, Juizes registra para nós, não só as virtudes do
povo, mas também os seus vícios. O voto de Jefté foi pecaminoso. Ele nunca deveria
ter feito aquele voto, em primeiro lugar. Deus não o mandara fazê-lo; ele fez tal voto
e então, com um conceito enganoso de cumprimento de voto, pensou a ser sua obri
gação moral cumpri-lo ao descobrir que houvera prometido matar sua própria filha.
Na realidade, chamaríamos aquilo de voto ilegal. Quando uma pessoa faz
um voto de pecar, ela não será cobrada no cumprimento daquele voto, se este a
obriga a pecar. Penso que essa passagem não é tão difícil do ponto de vista
teológico, mas simplesmente um registro do pecado de Jefté.
Tenho certeza de que vocês já ouviram esse versículo citado muitas ve
zes na igreja — sempre que há um plano de construção ou um novo progra
ma educacional, por exemplo. As pessoas ouvem que precisam captar a
visão. Estabelecemos o alvo diante de nós e, sem visão, o povo perece. A
tradução significa, em situações contemporâneas, que sem um alvo, um
projeto ou um objetivo, o povo será destruído. Isso pode ser uma aplicação
secundária do texto original, mas isso não é o que o texto significava ao ser
escrito na antigüidade.
O sentido original do texto: “Não havendo profecia, o povo se cor
rompe” tinha a ver com uma visão profética. No Antigo Testamento, Deus
se revelava através das proclamações de seus profetas. Algumas vezes
eles recebiam uma palavra de Deus. Esses profetas funcionavam como
agentes de revelação, como Jeremias e Isaías. Eram veículos humanos
através dos quais Deus proclamava sua palavra ao povo. O que os Pro
vérbios estão dizendo é que sem a revelação sobrenatural da palavra de
Deus, o mundo pereceria.
Quando Jesus aparece no Novo Testamento, a profecia do Antigo Testa
mento: “O povo que andava em trevas viu grande luz” (Is 9.2) foi cumpri
da. Muito freqüentemente, na Bíblia, o conceito de revelação divina é ex
presso através daquela metáfora de luz nas trevas. O que ouço esse texto
dizer é que sem a luz da revelação, a humanidade seria deixada na total
escuridão, e nós, de fato, pereceríamos.
Conhecemos pessoas que não estão de modo nenhum envolvidas com a
fé judaico-cristã. Elas não têm compromisso algum com ela, seja qual for.
Ainda estão vivas, não pereceram, estão passando bem. Podem não estar
perecendo agora, mas vão perecer finalmente.
A parte dessa consideração, não há nenhuma cultura significativa que
conheçamos nesse mundo que não tenha recebido alguma migalha dos be
nefícios da revelação divina. Não há lugar no ponto mais obscuro desse
mundo e na hora mais escura da idade das trevas, onde a luz da revelação de
Deus tenha sido completamente apagada, obscurecida ou eclipsada. De fato,
não poderíamos viver como seres humanos nesse planeta por cinco minu
tos, a não ser pela Palavra da Deus. Não admira que Jesus tenha dito que é
pela Palavra de Deus que vivemos.
• Por favor, discorra sobre Eclesiastes 9.10, que diz: “Tudo quanto
te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças,..." -
Pelo menos uma pista para o significado pode ser encontrada dando-se uma
boa olhada no contexto. Quando Jesus fez essa afirmação ele estava falando sobre
discipulado e disse: “se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeira
mente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.'"
Quando disse isso, ele agitou alguns religiosos que estavam por perto,
os fariseus, mais especificamente. Eles ficaram muito perturbados com Je
sus por dizer aquilo, e protestaram dizendo: ujamais fomos escravos de al
guém." E disseram: “Somos descendentes de Abraão." Jesus os censurou
severamente dizendo: “todo aquele que comete pecado é escravo do peca
do" E então disse que eram filhos de Satanás por estarem fazendo a vontade
de seu pai, o diabo.
De um lado, Jesus identifica filiação em termos de obediência: “Vós
fazeis as obras de vosso pai." Uma vez que o caminho que Jesus toma é o
que enfatiza a obediência, acho que essa é a solução. Quando ele fala da
liberdade, não está falando de liberdade política ou de liberdade financeira.
Ele está falando de liberdade espiritual — liberdade do jugo ou escravi
dão da maldade. Jesus escolhe mais de uma vez esse tema, tal como outros
pregadores e escritores do Novo Testamento. Quando Paulo, por exemplo,
descreve a condição do homem caído, ele fala do homem caído como escra
vizado às suas próprias más inclinações. E, por oposição, o Espírito Santo é
descrito como o autor da liberdade: “Onde está o Espírito do Senhor, a í há
liberdade." (2Co 3.17).
Isso toca numa das grandes questões em teologia que tem a ver com o
homem natural; ou seja, o poder moral, ou a capacidade moral do homem
caído. Toda igreja que conheço no Concílio Mundial de Igrejas tem alguma
doutrina do pecado original. Elas não concordam todas quanto ao grau em
que a raça humana caiu, e há detalhes de debate que giram em tomo do
pecado original. Mas o pecado original não é o primeiro pecado, o pecado
que Adão e Eva cometeram. Pecado original refere-se ao resultado da trans
gressão inicial da lei de Deus. Não só acarretou culpa, ficando o homem
exposto à punição, mas algo aconteceu à nossa constituição moral. Existe
uma mancha em nossa própria estrutura e constituição de sorte que, agora,
como seres humanos, todos temos uma tendência e uma inclinação para o
mal que não fora posta ali por Deus no começo. Na medida em que su-
cumbimos aos impulsos malignos que, de algum modo, podem guiar nossas
vidas ficamos em servidão moral e necessitados de libertação. Essa é uma
das grandes mensagens do evangelho do Novo Testamento: Cristo nos li
berta do poder do mal.