Boa Pergunta - R. C. Sproul PDF

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B OA P UNTA!

R. C. Sproul
Publicado em Inglês com o título Now, That’s a Good Question!, R. C. Sproul.
Copyright © 1996 by Tyndale House Publishers, Inc. All rights reserved.
Copyright © 1999, Editora Cultura Cristã. Todos os direitos são reservados.

Ia edição - 1999
3.000 exemplares

Tradução:
Heloísa Cavalari Ribeiro Martins

Revisão:
Lúcia Kerr Jóia
Flávia Bartkevicius Cruz

Editoração:
Aldair Dutra de Assis

Capa:
Idéia Dois

Publicação autorizada pelo Conselho Editorial:


Cláudio Marra (Presidente),
Aproniano Wilson de Macedo,
Augustus Nicodemus Lopes,
Fernando Hamilton Costa,
Sebastião Bueno Olinto.

€DITORn CUITURA CRISTA


Rua Miguel Teles Junior, 382/394 - Cambuci
01540-040 - São Paulo - SP - Brasil
C.Postal 15.136 - São Paulo - SP - 01599-970
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www.cep.org.br-cep@ cep.org.br

Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas


Editor: Cláudio Antônio Batista Marra
-C~r<Í^ é~ -3

ÍNDICE

Prefácio 5
Conhecimento de Deus 7
Quem é Jesus? 29
A Ação do Espírito Santo 41
O Livro dos Livros 53
O Caminho da Salvação 71
O Pecado e o Pecador 97
Fé e Filosofia 113
O Poder e o Propósito da Oração 129
Vida Espiritual Crescente 143
Compreendendo Satanás 175
Céu e Inferno 183
Compartilhando a Fé 201
A Igreja 213
Casamento e Família 243
A Carreira Profissional 269
Dinheiro e Finanças 281
Questões de Vida e Morte 293
Sofrimento 301
O Final dos Tempos 315
Ética Pessoal 329
Os Cristãos e o Governo 349
Passagens Difíceis 365
índice Remissivo 387
PREFÁCIO

O teólogo freqüentemente sofre o mesmo tipo de pressão que os pisto­


leiros do Velho Oeste sofriam. Da mesma forma que jovens pistoleiros pro­
curavam veteranos famosos para desafiá-los e construir sua reputação, al­
gumas pessoas (especialmente estudantes!) têm um prazer quase diabólico
em descobrir aquela pergunta teológica mais complicada. Sem dúvida, o
grande debate escolástico da Idade Média sobre quantos anjos poderiam
dançar sobre a cabeça de um alfinete teve seu início numa pergunta feita
por algum estudante impertinente.
Há aproximadamente dez anos, eu me expus a um grande número de
desafios. Atuando no Ligonier Ministries durante a década de oitenta, con­
vidávamos amigos interessados em se juntar a nós num estúdio de grava­
ção, onde poderiam fazer qualquer pergunta sobre teologia que desejassem.
Eu não ouvia nem lia as perguntas com antecedência, mas tinha de tentar
respondê-las no espaço de quatro minutos para cada uma. Perguntas e res­
postas eram gravadas e transmitidas para várias estações de rádio. O pro­
grama se chamava simplesmente “Pergunte a R. C. ” Aproximadamente tre­
zentas dessas perguntas e respostas estão reunidas nesse livro, bem revisa­
das e livres de hesitações.
Talvez a primeira boa pergunta que se devesse fazer fosse por que eu me
submeteria a tal experiência penosa. Ao contrário de muitas perguntas des­
se livro, essa é fácil de responder. As pessoas têm perguntas realmente difí­
ceis e importantes a fazer. Embora responder a perguntas pouco sinceras
seja uma realidade desagradável em minha profissão, responder às que são
sinceras é uma alegria.
Em qualquer empreendimento, a confusão pode ser debilitante. Quando
começamos a fazer perguntas de grande importância e quando tais pergun­
tas nos conduzem ao caráter de Deus, a confusão é natural. Deveríamos
quase contar com elas. Afinal, Deus é infinito e nós somos bem finitos.
Nossa confusão, muitas vezes, provém dessa verdade fundamental — o finito
não pode compreender o infinito.
Entretanto, Deus não nos deixa nessa condição precária. Em sua miseri­
córdia e bondade ele condescendeu em falar conosco, em nos ensinar atra­
vés de sua criação e de sua Palavra. Que honra, portanto, pertencer à profis­
são que procura ajudar as pessoas a aprender aquilo que Deus revelou. O
que espero que você encontre neste livro não é a opinião de R.C. Sproul
sobre algumas perguntas espinhosas, mas sim a sabedoria de Deus.
O perigo real de assumir o desafio de responder às perguntas de outras
pessoas não é o de que poderá haver perguntas para as quais eu não tenho
respostas. O perigo maior é que minhas respostas não sejam verdadeiras —
que eu ensine algo errado.
Esse é o perigo a respeito do qual as Escrituras advertem quando pro­
metem um julgamento severo para os mestres que induzem as pessoas a se
desviar da verdade. Meu problema, então, não é apenas que sou finito, mas
que sou falível. Como ser humano, eu erro. E possível mesmo que tenha
errado ao responder às perguntas que constam desse livro.
Entretanto, você pode ajudar a aliviar o meu medo. A medida que você
ler este livro procurando respostas, por favor, faça isso com o espírito dos
bereanos. Por favor, confira as Escrituras, pois somente elas são nossa au­
toridade máxima. Somente elas são infalíveis naquilo que ensinam. Elas
são nosso guia e nossa luz. Quando temos uma pergunta sempre podemos
afirmar, com respeito às Escrituras: “Boa Resposta.”

ó
C O N H E C I M E N T O DE D E U S

Assim diz o SENHOR: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem o forte,
na sua força, nem o rico, nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se
nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR efaço misericórdia,
juízo e justiça na terra; porque destas cousas me agrado, diz o SENHOR.
— J e r e m ia s 9.23,24

Perguntas dessa seção:

• Por que Deus nos ama tanto?


• Quais são os atributos de Deus?
• Qual é a compreensão comum que os cristãos têm de Deus?
• Por que Deus permanece invisível?
• O que é “providência de Deus”?
• O que significa chamar Deus de Pai Nosso?
• Quais as características do Deus dos cristãos que o diferenciam dos ou­
tros deuses?
• Entre as outras religiões do mundo, existe alguma que compartilhe o con­
ceito cristão de santidade de Deus?
• Na Bíblia inteira somos ensinados a temer a Deus. O que significa isso?
• Dizem que a Bíblia ensina que Deus se revela a todas as pessoas através
de sua criação. Como uma pessoa comum pode ver Deus e seus atributos
através da natureza?
• Por que Deus precisou enviar anjos para verificar a maldade de Sodoma e
Gomorra? Ele já não sabia de tudo?
• O que é um milagre, e você acha que Deus ainda os realiza hoje?
• Você acredita que Deus falou audivelmente a alguém depois da era apostólica?
• Como você define soberania de Deus?
• Como reconciliamos o fato de que Deus é soberano com o fato de que ele
nos deu livre arbítrio como pessoas?
• Com referência a João 6.44, Deus constrange as pessoas a virem a ele?
• O que é predestinação?
• Por que Deus permite que uma bala perdida mate gente inocente?
• N o Antigo Testamento, Deus promoveu julgamento contra Israel e contra ou­
tras nações através de acontecimentos catastróficos. Isso ainda acontece?

• Por q u e Deus n o s a m a ta n to ?

Essa é uma das perguntas mais difíceis de responder se pensarmos nela


sob a perspectiva de Deus.
Aqui estamos nós, suas criaturas, que fomos feitas à sua imagem com a
responsabilidade de espelhar e refletir sua glória e sua retidão para todo o
mundo. Nós o desobedecemos vezes sem conta, em todos os lugares e de todas
as maneiras. Ao fazer isso, representamos mal o seu caráter diante de todo o
universo. A Bíblia diz que a própria natureza geme esperando o dia da redenção
da humanidade, porque a natureza sofre com nossa iniqüidade (Rm 8.22).
Quando pensamos em como temos sido desobedientes e hostis para com
Deus, nós nos perguntamos o que teria feito com que ele nos amasse tanto.
Em Romanos 5.7, quando Paulo está abismado com o amor de Cristo mani­
festado em sua morte, ele diz: “Dificilmente alguém morreria por um justo;
pois poderá ser que pelo bom alguém se anime a m o r r e r Esse é o tipo de
amor que transcende a tudo que temos experimentado nesse mundo. Creio
que a única coisa que posso concluir é que amar é próprio da natureza de
Deus. Amar é parte do seu caráter intrínseco e eterno.
O Novo Testamento nos diz que Deus é amor. Esse pode ser um dos
versículos mais mal compreendidos das Escrituras. Lembramos que, alguns
anos atrás, era moda dizer que “felicidade é um cachorrinho fofo.” Tínha­
mos essas definições sucintas do conceito de felicidade, que se estendiam
também ao amor — “Amar é nunca ter de pedir perdão” e outras frases
parecidas — e todos nós estávamos muito interessados em compreender
todo o processo do amor.
Mas quando a Bíblia diz que Deus é amor, essa afirmação não é o que
chamamos de afirmação analítica na qual se pode trocar o sujeito e o predi­
cado e dizer que, portanto, o amor é Deus. Não é isso que a Bíblia quer
dizer. Ao contrário, o que a forma da expressão hebraica quer dizer é que
Deus ama tanto e que seu amor é tão consistente, tão intenso, tão profundo,
tão transcendente e uma parte tão integral de seu caráter que, para poder
expressar da maneira mais absoluta possível, dizemos que ele é amor. Isto é,
simplesmente afirmamos que Deus é o padrão máximo e definitivo de amor.

• Q u ais são os a trib u to s de Deus?

Quando falamos sobre atributos de Deus, estamos nos referindo àquelas


características que descrevem a pessoa de Deus. Ele é uno. Ele é santo. É
onisciente. E onipresente. E onipotente.
Essas são algumas das palavras que usamos para descrever a natureza e
o caráter de Deus, essas são características que atribuímos ao ser de Deus.
Quando descrevemos os atributos de alguém, normalmente fazemos uma
distinção entre a pessoa e seus atributos. Por exemplo, você pode dizer que
sua mãe é paciente, mas você não diria que sua mãe é paciência. E você
diria que sua mãe é mais que uma simples lista de traços de caráter. Da
mesma forma, Deus não é apenas uma lista de atributos. Mas Deus é dife­
rente de sua mãe no sentido de que, para começar, é a pessoa de Deus que
define os atributos. Quanto melhor compreendemos a Deus, melhor apren­
demos o que é a verdadeira bondade, o que são verdade, beleza, paciência e
poder. Nesse sentido, Deus é seus atributos. Isso não quer dizer que ele seja
um ser composto — dois quilos de onipresença mais dois quilos de onisci-
ência e dois quilos de existência própria, etc. — , uma mistura de tudo para
nos dar um conceito de Deus. Ao contrário, Deus em sua essência, no seu
próprio ser, é santo, e essa santidade é imutável. Tudo em Deus é imutável
e tudo é santo. Esses atributos não podem ser amontoados como areia numa
duna para nos dar um retrato abrangente de Deus.
Ao estudarmos os atributos individuais de Deus, entretanto, não estamos
dissecando Deus em várias partes. Estamos simplesmente focalizando nos­
sa atenção por um momento em uma dimensão ou aspecto de seu ser. Isso
pode ser muito útil para o nosso entendimento de Deus porque a única ma­
neira pela qual somos capazes de conhecê-lo é através de seus atributos.
Quanto mais os entendermos, melhor entenderemos o ser e o caráter de
Deus e mais seremos motivados a adorá-lo e a obedecer-lhe.
Para mais informação sobre os atributos de Deus, gostaria de sugerir um
livro que escrevi sobre o assunto, The Character of God, (O Caráter de
Deus) (Servant, 1995), no qual discuto os atributos de Deus para estudo
com leigos.
• Q u a l é a c o m p r e e n s ã o c o m u m q u e os cristãos tê m de
D eus?

Não sei qual é a visão de Deus que a maioria do mundo cristão tem.
Posso apenas adivinhar a partir do pequeno universo no qual vivo e de mi­
nha exposição a vários grupos de pessoas.
Certamente encontro uma visão de Deus que é muito difundida na comu­
nidade cristã, pela qual Deus é, de certa forma, reduzido em sua abrangência
ao retrato bíblico que temos dele. Ele é visto como uma espécie de avô celestial,
benevolente em todos os aspectos e cuja característica principal — e às vezes
único atributo — é o amor. Sabemos que a Bíblia, sem dúvida, dá ênfase ao
amor de Deus e chega até mesmo ao ponto de dizer que Deus é amor.
Mas creio que corremos um grave perigo de despojar Deus da plenitude
de seu caráter, como está revelado nas Escrituras. Isso se torna uma forma
pouco sutil de idolatria. Por exemplo, se diminuímos a santidade de Deus,
ou a soberania de Deus, ou a ira de Deus, ou a justiça de Deus e escolhemos
apenas aqueles atributos dos quais gostamos, menosprezando aqueles que
nos amedrontam ou nos deixam pouco confortáveis, estamos trocando a
verdade de Deus por uma mentira e adoramos um deus que é, na realidade,
um ídolo. Pode ser um ídolo sofisticado — não é algo feito de madeira,
pedra ou bronze — mas, não obstante, o conceito que temos do Deus que
adoramos deve ser coerente com aquilo que Deus é.
Tenho lutado durante anos para centralizar a atenção na doutrina de Deus
— do caráter de Deus. Três dos meus livros tratam da doutrina de Deus, o Pai:
A Santidade de Deus, Eleitos de Deus — que focaliza a soberania de Deus — ,
e o último, The Character ofGod (O Caráter de Deus), que trata dos atributos
de Deus. Eu os escrevi intencionalmente como uma trilogia para enfatizar o
caráter de Deus Pai porque penso que corremos um grave perigo de descuidar
ou distorcer a sua imagem no mundo cristão contemporâneo.
Temos alguma idéia de quem é Jesus, e a renovação carismática tem
dado muita atenção ao Espírito Santo nos últimos anos. Mas, quase siste­
maticamente, ignoramos Deus, o Pai. Também sabemos que muitos cris­
tãos ignoram o Antigo Testamento. Toda a história do Antigo Testamento é
principalmente a revelação de Deus, o Pai. Tudo que lemos sobre Deus, o
Filho, ou Deus, o Espírito Santo — tão ampliados no Novo Testamento —
pressupõe o conhecimento de Deus, o Pai, que nos é dado no Antigo Testa­
mento. Penso que é prioritário para a comunidade cristã desenvolver uma
compreensão maior do caráter de Deus.
• Por q u e Deus p e rm a n e c e invisível?

Creio que não existe nada que tome a vida cristã mais difícil de ser
vivida do que o fato de que o Senhor a quem servimos é invisível para nós.
Conhecemos a expressão popular que diz “Longe dos olhos, longe do cora­
ção.” É muito difícil viver a vida dedicado a alguém ou a alguma coisa que
não podemos ver. Freqüentemente ouvimos pessoas dizerem que quando
puderem ver, tocar, provar ou cheirar, elas crerão e aceitarão, mas não antes
disso. Esse é um dos problemas mais difíceis da vida cristã: Deus raramente
é percebido através de nossos sentidos físicos.
Por outro lado, podemos dizer que uma das maiores esperanças colocadas
diante da igreja cristã é a promessa daquilo que chamamos em teologia de visão
beatífica, ou visão de Deus. Pensamos na carta de João, na qual ele diz: “Ama­
dos, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos
de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, por­
que haveremos de vê-lo como ele e.” (1 Jo 3.2). A expressão latina aqui significa
“como ele é em si mesmo.” Quer dizer, aquilo que é completamente escondido
para os nossos olhos agora, a saber, a própria substância e essência de Deus, nós
veremos em toda sua glória e majestade e esplendor no céu.
Muitas vezes me pergunto sobre o texto que diz que seremos semelhan­
tes a ele. Será que a Bíblia ensina que seremos totalmente purificados do
pecado, totalmente glorificados? Será essa uma experiência que eliminará
totalmente o pecado de nós? Isso ocorrerá porque teremos uma visão direta
da majestade de Deus? Por exemplo, se eu o vejo — se ele se toma visível
para mim — será isso a experiência de purificação que eliminará todo o
pecado da minha vida; ou será que a minha visão dele será o resultado de ter
sido primeiro purificado? Creio que o certo é a segunda opção.
As Escrituras afirmam uniformemente que ninguém verá a Deus e sobrevi­
verá, isso porque Deus é santo e nós não o somos (veja Ex 33.20 e lTm 6.16).
Mesmo Moisés, apesar de ser tão justo, pediu a Deus, na montanha, que lhe
permitisse ter uma visão perfeita da sua glória. Deus permitiu apenas que ele
tivesse um vislumbre das suas costas, mas disse a Moisés: “Não me poderás
ver a face.” Desde que Adão e Eva caíram e foram expulsos do jardim, Deus
tem sido invisível aos seres humanos, mas não porque Deus seja intrinseca­
mente impossível de ser visto. O problema não está em nossos olhos, mas em
nosso coração. No hino Immortal, Invisible, God Only Wise (Imortal, Invisível,
Deus de toda Sabedoria), há uma estrofe maravilhosa: “Todo louvor rendemos
a ti: O, ajuda-nos a ver / E apenas o esplendor da luz que te esconde.”
No Sermão da Montanha, Jesus promete que algum dia um certo grupo
de pessoas verá a Deus: “Bem-aventurados os que choram, porque serão
consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque
serão fartos. Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus”
(Lc 5.4,6,8). É porque não somos puros de coração que Deus permanece
invisível, e apenas quando formos purificados seremos capazes de vê-lo.

• O q u e é "providência" de Deus?

A palavra providência é formada de um prefixo e uma raiz. Significa


“ver com antecedência.” Poderíamos encerrar a resposta sobre providência
de Deus dizendo que Deus vê todas as coisas que acontecem nesse mundo
antes que elas aconteçam, ele é o grande observador celestial da história
humana. Mas a doutrina da providência envolve muito mais do que a noção
de Deus como um observador divino.
Basicamente há apenas três maneiras através das quais podemos consi­
derar o relacionamento entre Deus e esse mundo. Existe a visão deística,
segundo a qual Deus criou o mundo e deu corda nele como num relógio
com causas secundárias já incorporadas e o mundo funciona como uma
máquina. Deus se afasta da situação e simplesmente observa aquilo que
acontece nesse mundo e nunca intervém, nunca interfere. Tudo acontece de
acordo com as causas secundárias já incorporadas no universo. Esta visão
tem certas vantagens porque ninguém pode culpar a Deus quando algo sai
errado. Podemos dizer que nós, como criaturas, estamos provocando todas
as tragédias e catástrofes neste mundo e que Deus está absolvido porque
tem suas mãos atadas.
Outro ponto de vista, que é uma reação radical ao deísmo, afirma que
não há nenhuma causa secundária real nesse mundo. Tudo o que acontece é
resultado direto da intervenção imediata de Deus. Deus faz com que minha
mão se erga ou se abaixe. Se há um acidente de automóvel numa esquina,
Deus causou diretamente esse acidente. Livre arbítrio é uma ilusão absolu­
ta, e não existe nenhuma causa secundária. Pensamos que estamos agindo
como pessoas responsáveis, mas não estamos. Deus faz tudo. Essa posição
é o que chamamos de monismo ético, segundo a qual Deus determina tudo
e realmente causa tudo o que acontece.
Creio que a posição bíblica, que julgo ser a posição cristã histórica clás­
sica, é uma rejeição de ambos os pontos de vista anteriores. Cremos que
Deus criou o universo e deu às coisas e às pessoas nesse mundo o poder da
causalidade secundária de forma que realmente possamos agir por nossa
própria capacidade de escolha, através de nossas decisões, nossas mentes,
nossas vontades e atitudes. Mas sempre que nossas ações e as causas secun­
dárias estiverem se realizando, Deus permanece soberano. Há ocasiões em
que ele trabalha através de causas secundárias para cumprir a sua vontade,
e em outras ocasiões ele trabalha sem essas causas secundárias. Às vezes
ele interfere na cena, como o fez no resplendor dos milagres de Jesus no
Novo Testamento, outras vezes ele usa nossas decisões e nossas atitudes
para cumprir a sua vontade soberana. A providência de Deus significa que
Deus é soberano sobre tudo o que acontece nesse mundo.

• O q u e significa c h a m a r a Deus de Pai Nosso?

Um dos textos mais conhecidos da fé cristã é a Oração Dominical, que


começa com as palavras “Pai Nosso que estás nos céus.” Isso é parte do
tesouro universal da cristandade. Quando ouço cristãos orando individual­
mente em reuniões particulares, quase todas as pessoas iniciam suas ora­
ções referindo-se a Deus como Pai. Não há nada mais comum entre nós do
que nos dirigirmos a Deus como nosso Pai. Isso é tão central para nossa
experiência cristã que, durante o século XIX, algumas pessoas afirmaram
que a essência de toda a religião cristã poderia ser reduzida a dois pontos: a
fraternidade universal das pessoas e a paternidade universal de Deus. Nesse
contexto, creio que perdemos um dos ensinos mais radicais de Jesus.
Há alguns anos atrás, um erudito alemão fazendo pesquisas sobre litera­
tura do Novo Testamento descobriu que em toda a história do judaísmo —
em todos os livros do Antigo Testamento, em todos os livros existentes,
além da Bíblia, sobre os escritos judaicos, desde o início do judaísmo até
o século X d.C., na Itália — não há uma única referência de um judeu
dirigindo-se a Deus diretamente, na primeira pessoa, como Pai. Havia for­
mas apropriadas para se dirigir a Deus que eram usadas pelos judeus do
Antigo Testamento e as crianças eram ensinadas a se dirigirem a Deus com
frases apropriadas de respeito. Todos esses títulos eram memorizados, e o
termo Pai não estava entre eles.
O primeiro rabino judeu que chamou a Deus diretamente de “Pai” foi
Jesus de Nazaré. Foi um desvio radical da tradição. Na realidade, em todas as
orações registradas que temos dos lábios de Jesus, com exceção de apenas
uma, ele chama a Deus de “Pai.” Foi por essa razão que muitos dos inimigos
de Jesus procuravam destruí-lo, ele assumia ter um relacionamento pessoal e
íntimo com o soberano Deus do céu e criador de todas as coisas e ousava falar
em termos tão íntimos com Deus. O que é ainda mais radical é que Jesus dizia
a seus amigos: “Quando vocês orarem, digam ‘Pai Nosso.’” Ele nos deu o
direito e o privilégio de entrar na presença da majestade de Deus e de nos
dirigir a ele como Pai, porque realmente ele é nosso Pai. Ele nos adotou em
sua família e nos fez co-herdeiros com seu Filho unigénito (Rm 8.17).

• Q uais as características do Deus dos cristãos q u e o dife­


re n c ia m dos o u tro s deuses?

Talvez a mais singular característica do Deus cristão é que ele existe.


Os outros não. Sem dúvida isso é razão de grandes debates como todos
nós sabemos.
Eu diria que as principais e mais importantes diferenças têm a ver, em
última análise, com o caráter de santidade do Deus cristão. Vamos entrar
numa discussão com outras pessoas que dizem que seus deuses são santos
também. O que é único a respeito do Cristianismo entre todas a religiões do
mundo é sua doutrina central de reconciliação definitiva que é oferecida às
pessoas para lhes conceder a salvação. O judaísmo do Antigo Testamento
tinha um dispositivo para a expiação de pecados, mas a maioria das religi­
ões não têm nenhum dispositivo para expiação, basicamente porque não
consideram que isso seja um pré-requisito para a redenção.
Minha pergunta é: por que uma religião não consideraria a expiação
necessária para a redenção, a não ser que, do seu ponto de vista, Deus fosse
menos do que santo? Se Deus é perfeitamente justo e as pessoas não são
perfeitamente justas, mas estão tentando manter um relacionamento vital
com Deus, estamos diante de um problema básico e esmagador. Como pode­
ria um Deus que é santo e justo aceitar em sua presença criaturas injustas. É
isso que o cristianismo e o judaísmo entendem como sendo o problema vital.
Os seres humanos que são injustos devem ser justificados de alguma
forma para entrar na presença de um Deus santo. Essa é a razão por que
todo o foco do judaísmo e do cristianismo está na questão da expiação que
proporciona a reconciliação. Mas se não cremos que Deus seja tão santo,
não existe nenhuma necessidade de qualquer conceito de reconciliação. Po­
demos viver da maneira que desejarmos porque esse tipo de deus é uma
espécie de intermediário cósmico que não levará em consideração nenhum
dos nossos pecados e fará tudo o que quisermos que ele faça por nós. Eu
diria que a santidade de Deus é a diferença vital.

• E ntre as o u tra s religiões d o m u n d o , existe a lg u m a q u e


c o m p a rtilh e o con ceito cristão de sa n tid a d e de Deus?

Não há nenhuma outra religião que tenha um conceito de santidade de


Deus idêntico ao conceito cristão. Entretanto, algumas outras religiões
mantêm um tipo de visão paralela e aproximada do assunto, e certamente
têm um conceito da santidade de Deus.
Na medida em que o judaísmo, em suas várias formas, aceita o Antigo
Testamento, certamente aceita também o conceito de santidade que encon­
tramos ali. Sabemos que, embora haja uma expansão da revelação sobre a
natureza da santidade de Deus no Novo Testamento, esta não é, certamente,
uma idéia esotérica no Antigo Testamento. Na realidade, algumas das mais
vívidas demonstrações da majestade e santidade de Deus são encontradas
no Antigo Testamento.
Há duas maneiras pelas quais a Bíblia fala da santidade de Deus. O signi­
ficado de santidade mais comumente compreendido em nossa cultura se refe­
re à pureza de Deus ou à sua virtude moral — à sua retidão. Certamente a
Bíblia, em algumas ocasiões, usa santo para descrever o caráter reto, puro e
moral de Deus, mas esse é um sentido secundário de santidade. O significado
primário de santidade se refere à separação de Deus — transcendência, a
identidade específica de Deus como diferente do homem — aquele sentido
pelo qual ele é muito mais majestoso em todo o seu ser do que qualquer
criatura. A transcendência de Deus é o assunto dominante no Antigo Testa­
mento e certamente é parte dos credos do Judaísmo clássico e do Islamismo,
até onde o Islamismo se fundamenta sobre muita coisa tirada do Antigo Tes­
tamento. Eles vêem Maomé como descendente de Ismael. Mostram uma cer­
ta lealdade aos patriarcas e adotam esse conceito de santidade.
A grande diferença entre o cristianismo e outras religiões do mundo, no
que diz respeito à santidade de Deus, está no conceito de reconciliação,
expiação. A noção judaica de expiação no Antigo Testamento era o sistema
sacrificial que fazia parte de seu culto. O cristianismo considera a expiação
como o sacrifício definitivo feito por um Salvador, um Salvador sofredor,
que morreu pelos pecados de seu povo. Esse conceito está ausente em ou­
tras religiões do mundo e sempre me perturbou. Não entendo como as ou-
tras religiões podem se sentir confortáveis com o fato da pecaminosidade
humana e com o fato da santidade de Deus sem um mediador, sem um
Salvador. Parece-me que eles teriam de negociar a pecaminosidade do ho­
mem ou a santidade de Deus para que se sintam confortáveis onde estão.

• Na Bíblia in te ira so m o s e n sin a d o s a te m e r a Deus. O q u e


significa isso?

Precisamos estabelecer algumas diferenças importantes a respeito do


sentido bíblico de “temer” a Deus. Essas diferenças podem ser muito úteis,
mas podem ser também um pouco perigosas.
Quando Lutero debateu esse assunto, ele estabeleceu uma diferença que
se tornou famosa. Ele distinguiu entre o que chamou de medo servil e medo
filial. O medo servil é o tipo de medo que um prisioneiro numa câmara de
tortura tem para com o seu torturador, carcereiro ou executor. É um tipo de
ansiedade apavorante na qual a pessoa fica apavorada pelo perigo claro e
iminente que a outra pessoa representa. Ou é aquele tipo de medo que um
escravo teria nas mãos de um senhor maligno que usasse o chicote para
castigar o escravo. Servil refere-se à postura de servidão para com um se­
nhor maldoso.
Lutero distingue entre este medo e o que ele chamou de medo filial,
tirado do conceito latino de onde derivamos nossa idéia de família. Refere-
se ao medo que uma criança tem de seu pai. Nesse sentido, Lutero está
pensando numa criança que tem um enorme respeito e amor por seu pai ou
sua mãe e que deseja agradá-los de todo o coração. Ela tem um medo ou
uma ansiedade de não ofender aqueles a quem ama, não porque teme algum
tipo de tortura ou mesmo o castigo, mas sim porque tem medo de desagra­
dar aquele que é, no mundo da criança, a fonte de segurança e amor.
Creio que essa distinção é útil porque é o sentido básico de temer ao
Senhor sobre o qual lemos no Deuteronômio e também nos livros poéticos
onde nos é ensinado que “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria.”
Aqui a ênfase está na sentido de reverência e respeito pela majestade de
Deus. Essa atitude está muitas vezes ausente no Cristianismo evangélico
contemporâneo. Somos muito irreverentes e joviais com Deus, como se
tivéssemos um relacionamento informal com o Pai. Somos convidados a
chamá-lo Abba, Pai, e a ter a intimidade pessoal que nos é prometida, mas
mesmo assim não devemos ser irreverentes com Deus. Devemos manter
sempre a adoração, o respeito sadio por ele.
Um último ponto: se realmente o adoramos de forma sadia, deveríamos
ter alguma noção de que Deus pode ser assustador. “Horrível coisa é cair
nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31). Como pecadores temos todas as razões
para temer o julgamento de Deus, essa é uma das motivações que temos
para nos reconciliar com Deus.

• Dizem q u e a Bíblia e n sin a q u e Deus se revela a todas as


pessoas através de sua criação. C om o u m a pessoa c o m u m
p o d e ver a Deus e os seus atribu tos através da natu reza?

Romanos 1 fala claramente dessa revelação universal que Deus faz ao


mundo, que é mencionada em outras passagens, como o salmo que nos diz:
“Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras
das suas mãos” (SI 19.1). Escrevendo aos Romanos, Paulo diz que desde a
criação do mundo, a existência de Deus não é apenas revelada, mas clara­
mente percebida através das coisas que foram criadas. Ele fala que as qua­
lidades invisíveis de Deus podem ser compreendidas ou conhecidas através
das coisas visíveis da criação. À luz dessa revelação, o mundo inteiro fica
sem desculpa se rejeitar a Deus. Ninguém pode alegar ignorância de Deus
como desculpa para se recusar a honrá-lo e ser grato a ele. Esse é o tema do
primeiro capítulo de Romanos. t ,
Mas como a pessoa comum vê isso? Lembro-me de uma conversa que
ouvi certa vez num programa de entrevistas no qual três teólogos muito
sofisticados debatiam a questão da existência de Deus. Um era judeu, o
outro católico-romano e o outro protestante. Estavam discutindo se era ou
não possível provar a existência de Deus. O debate tinha um nível muito
técnico, e então liberaram as linhas telefônicas para permitir que as “pesso­
as comuns” pudessem participar. Uma senhora telefonou, e sua fraca gra­
mática indicava que ela não possuía um grau elevado de educação. Ela
disse: “Não sei o que há de errado com vocês. Por que vocês simplesmente
não abrem os olhos e espiam pela janela?” Ela deixou esses teólogos treina­
dos sem palavras com um apelo direto à própria natureza como prova da
existência de Deus.
Em teologia existe um debate histórico acerca do fato de essa revelação
que Deus faz na natureza ser o que chamamos de revelação imediata ou
mediata. Nesse sentido, esses termos não se referem ao tempo, mas sim à
questão de Deus se revelar diretamente a você e a mim ou de ele se fazer
conhecido através de um intermediário, pessoa ou coisa, respectivamente.
Por exemplo, vemos um relógio e isso sugere que um relojoeiro o fez. Este
relógio é um exemplo de revelação mediata. Não precisamos ter um douto­
rado para reconhecer que um relógio não se cria sozinho. Ele foi produzido
por alguém de forma inteligente e seguindo algum tipo de modelo. Creio
que a Bíblia ensina que temos tanto um conhecimento mediato quanto ime­
diato da existência de Deus.
O que Paulo diz em Romanos 1 é aquilo que poderíamos chamar de
conhecimento mediato. Ele afirma que conhecemos a Deus através das coi­
sas que foram criadas. Isso exige alguma reflexão. Vejo algo lá fora que tem
ordem, harmonia e organização em si mesmo e tenho de raciocinar que
existe alguma causa para isso, e atribuo tudo o que existe ao grande Autor da
criação. Creio que essa é a maneira pela qual a pessoa estabeleceria a relação.

• Q u a n d o Deus falou c o m Abraão sobre S o d o m a e G o m o rra


ele disse: "Descerei e verei se, de fato, o que têm praticado corresponde
a esse clamor que é vindo até mim". Por q u e Deus t in h a necessi­
d a d e de descer para ver essas cidades? Ele já n ã o sabia de
tu d o ?

Deus saberia sem precisar descer e examinar pessoalmente porque Deus


é onisciente. Ele sabe todas as coisas, os cabelos nas cabeças das pessoas
em Sodoma e Gomorra estavam contados. Ele conhecia tudo o que eles
haviam feito, toda palavra fútil que haviam falado. Ele não precisava
investigá-los com um novo censo para saber quão iníquos eles eram.
Há duas maneiras de abordar esse difícil versículo (Gn 18.21). Freqüente­
mente, estas conversas com Deus eram realmente conversas com mensagei­
ros angelicais que estavam representando Deus. Esses mensageiros angelicais
não têm a onisciência que atribuímos a Deus. Nesse caso, pode ser que o
visitante angelical que ia verificar a situação estivesse falando por si mesmo.
Mesmo no caso do teste de Abraão no monte Moriá, onde ele foi instru­
ído a oferecer Isaque sobre o altar, no último momento, quando ele esten­
deu o braço para enfiar a faca no peito de seu filho, a voz do anjo de Deus o
impediu e disse: “Não estendas a mão sobre o rapaz e nada lhe faças; pois
agora sei que temes a Deus” (Gn 22.12). Esse fato nos sugere que Deus não
sabia que Abraão o amava antes desse acontecimento. E como se Deus
fosse um espectador celestial andando para diante e para trás, esfregando as
mãos e esperando que Abraão tomasse a decisão certa e fizesse a coisa
certa, sendo ele mesmo incapaz de fazer qualquer coisa até o resultado final.
Muitas pessoas pensam em Deus nesses termos, como se ele fosse ape­
nas um espectador cósmico do que está acontecendo e não soubesse o re­
sultado antes do início da ação. Eles imaginam que Deus seja finito, depen­
dente, secundário, menos o Deus que é revelado nas Escrituras.
Uma segunda abordagem dessa passagem leva em consideração que toda
vez que a Bíblia descreve alguma coisa sobre Deus, seja numa narrativa ou
numa passagem didática, seja algo abstrato ou concreto, a única linguagem
disponível para os escritores bíblicos era a linguagem humana. Não pode­
mos falar como peixes, não podemos falar como um caracol porque não
somos caracóis nem peixes. Nem tampouco podemos falar como Deus.
Quando Deus nos fala e se revela a nós, a única linguagem que podemos
entender é a linguagem humana. Quando a Bíblia usa o que chamamos de
linguagem fenomenológica ou linguagem das aparências, ela fala do co­
nhecimento de Deus. Ela descreve imagens muito rudes como, por exem­
plo, Deus colocando seus pés no estrado. Ao mesmo tempo a Bíblia nos diz
que embora ela use linguagem humana Deus não é um ser humano que
possa ser contido, ou completamente descrito por essas figuras de linguagem.
Creio que, no caso de Sodoma e Gomorra, ou o anjo estava falando por
si mesmo — ele tinha de ir verificar como eram as cidades — ou essa era a
maneira de Deus explicar a situação a Abraão permitindo que ele soubesse
o que iria acontecer e que Deus estava no comando da situação.

• Por favor, d efin a m ilagre e r e s p o n d a se você crê q u e Deus


a in d a os realiza hoje.

Existe uma enorme diferença entre a definição popular de milagre em


nossa cultura e a definição técnica e restrita de milagre que os teólogos
utilizam no seu campo de conhecimento. Muitas vezes tenho sérios proble­
mas de comunicação quando me perguntam se creio que Deus realiza mila­
gres hoje em dia.
Se, quando falamos em milagre, entendemos que Deus está vivo e ativo
e governando esse mundo através de sua providência, influindo no curso
dos acontecimentos humanos, então, sem dúvida, Deus está fazendo todas
estas coisas. Se com essa pergunta desejamos saber se Deus responde às ora­
ções ou não, eu diria enfaticamente que sim, Deus responde às orações. Se as
pessoas perguntam se a providência de Deus está realizando coisas extraordi-
náriãs cm nossos dia s, eu diria sim, com absoluta certeza. Deus cura pessoas
em resposta à oração? Responderia sim a todas essas perguntas porque estou
convencido de que Deus está vivo e ativo e fazendo todas essas coisas.
Se definimos milagre como uma obra sobrenatural de Deus, então eu
diria que Deus opera de maneira sobrenatural hoje. O novo nascimento de
uma alma humana não pode ser realizado por meios naturais; somente Deus,
com o seu poder, pode fazer isso e ele está certamente fazendo isso todos os
dias. Se é isso que as pessoas entendem quando falam em milagre, então,
Deus está fazendo milagres ainda hoje. Alguns definem milagre de uma
forma tão ampla que até o nascimento de uma criança é milagre, porque é
algo tão maravilhoso que não poderia acontecer à parte do poder de Deus.
Assim, definem milagre como qualquer coisa maravilhosa que aconteça
pelo poder de Deus, novamente, eu diria que sem dúvida nenhuma sim,
Deus está operando todas estas coisas ainda hoje.
Entretanto, podemos falar de milagre num sentido técnico, como uma
ação realizada contra as leis da natureza — Deus contrariando as leis que
ele mesmo estabeleceu — por exemplo, tirando vida da morte, ou alguma
coisa do nada, como Jesus ressuscitando Lázaro dos mortos quando seu
corpo já estava num estado de decomposição, depois de quatro dias no
túmulo. Não, não creio que Deus esteja fazendo esse tipo de milagre hoje.
Certamente creio que Deus poderia ressuscitar todos os seres humanos
em todos os cemitérios do mundo se ele quisesse. Mas não creio que ele
esteja realizando esse tipo de milagre hoje. A principal razão de Deus reali­
zar essas coisas nos tempos bíblicos foi confirmar sua revelação como divi­
na — confirmar o que dizia com a evidência de sua autoridade. Uma vez
que agora nós temos a Bíblia, outras fontes milagrosas de revelação não são
mais necessárias.

• Você acredita q u e Deus te n h a falado a u d iv e lm e n te a al­


gu é m depois da era apostólica?

Não tenho certeza se Deus o fez ou não. Certamente, há muitos casos na


história da igreja nos quais as pessoas alegam ter ouvido vozes que seriam a voz
audível de Deus. Joana D ’Arc seria o caso mais importante. Esse testemunho
tem vindo com freqüência de pessoas que consideramos, de maneira geral, como
santos respeitáveis, e por isso hesito em lançar dúvida sobre seu testemunho.
Por outro lado descobrimos que mesmo na Escritura Sagrada, durante o
tempo em que Deus comunicava diretamente por meio de revelação divina,
as ocorrências de uma fala audível de Deus eram extremamente raras. Pos­
so me lembrar de apenas três vezes no Novo Testamento em que há o registro
de Deus falando audivelmente e todas as três foram ocasiões em que o Pai
fez uma declaração pública sobre seu Filho, que, aliás, não está mais conos­
co fisicamente nesse planeta. Não há nenhum outro registro de que Deus
tenha falado audivelmente com alguém, com exceção de Saulo (Paulo) no
caminho de Damasco.
Mesmo no Antigo Testamento, embora essa comunicação acontecesse
com aqueles que eram agentes da revelação, tais ocorrências eram realmen­
te muito raras. Nos tempos bíblicos, mesmo no auge da revelação divina,
revelação audível, diretamente do céu, era muito rara.
Não creio que estejamos num período da história da redenção no qual
estejamos recebendo revelação especial de Deus. Parece-me ainda menos
provável que fôssemos receber esse tipo de expressão audível de Deus hoje
em dia. Some-se a isso um fator que muitos cristãos não gostam de conside­
rar: ouvir vozes quando não existe nenhuma origem perceptível pode ser
uma manifestação psicótica. Não estou dizendo que é, mas que pode ser. Há
pessoas que sofrem de experiências alucinatórias nas quais ouvem vozes
como resultado de um desequilíbrio químico, etc. Não posso me lembrar de
ninguém que tenha me contado ter realmente ouvido a voz audível de Deus.
Eu ficaria preocupado quanto ao seu estado mental. Eu não concluiria de
imediato que tal pessoa estivesse louca, mas também não pensaria que é
normal nem esperaria que, durante a vida devocional cristã, a pessoa ficas­
se ouvindo a voz audível de Deus.

• C o m o você define soberania de Deus?

Tenho um amigo íntimo que veio da Inglaterra para esse país. Seu nome
é John Guest. Ele é pastor episcopal em Pittsburgh. Logo que chegou aos
Estados Unidos, ele visitou um antiquário na Filadélfia e viu alguns lemas,
recordações e cartazes que datavam do século XVIII, durante a Revolução
Americana. Ele viu algumas frases que diziam: “Não me oprima.” ou “Ne­
nhum imposto sem protesto”, mas a que realmente chamou sua atenção foi
uma com as letras em negrito que dizia: “Não servimos nenhum soberano
aqui.” Quando John olhou aquilo, sendo um inglês, ele disse: “Como será
possível comunicar a idéia de Reino de Deus a uma nação que tem uma
alergia inata à soberania?”
Como americanos, estamos acostumados a um processo democrático
de governo. Quando falamos sobre soberania estamos falando sobre gover­
no e autoridade. Do ponto de vista bíblico, quando as Escrituras falam de
soberania de Deus, elas revelam a autoridade governamental e o poder de
Deus sobre todo o universo.
Em minhas aulas no Seminário, levanto questões como: “Deus controla todas
as moléculas do universo?”. Quando faço essa pergunta, eu digo: “A resposta a
essa pergunta não determina se vocês são cristãos ou maometanos, calvinistas ou
arminianos, mas determinará se vocês são deístas ou ateístas.” Algumas vezes, os
alunos não conseguem ver a ligação existente. E eu digo a eles: “Vocês não perce­
bem que se houver uma molécula nesse universo correndo solta fora do controle,
da autoridade e do poder de Deus, então esta única molécula indisciplinada pode
ser o grão de areia que muda todo o curso da história humana, que impede que
Deus cumpra as promessas que tem feito ao seu povo?” Ela poderá ser a molécula
indisciplinada que impedirá a Cristo de consumar o seu reino. Porque se houver
uma molécula indisciplinada, isso significaria que Deus não é soberano. Se Deus
não é soberano, então ele não é Deus. Se houver um elemento do universo que
esteja fora de sua autoridade, então ele não é Deus sobre todas as coisas. Em outras
palavras, soberania pertence à divindade. Soberania é um atributo natural do cria­
dor. Deus possui aquilo que fez, e governa aquilo que possui.

• C om o co n cilia m o s o fato de q u e Deus é so b e ra n o c o m o


fato de q u e ele n os d e u livre arbítrio c o m o pessoas?

Não vejo nenhum problema em conciliar a soberania de Deus com o livre


arbítrio humano desde que entendamos o conceito bíblico de liberdade. No
que diz respeito à humanidade, as pessoas têm a habilidade de fazer escolhas
livres, mas nossa liberdade é limitada. Não somos absolutamente livres.
Lembrem-se, Deus disse a Adão e Eva: “De toda árvore do jardim co­
merás livremente.''' (Gn 2.16). Mas, então, ele colocou uma restrição: “da
árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em
que dela comeres, certamente morrerás.” (Gn 2.17).
Agora, Deus é um ser que tem capacidade de fazer escolhas livres, e eu
sou um ser que tenho capacidade de fazer escolhas livres. A diferença, en­
tretanto, é que eu não sou soberano. Deus é soberano. Deus tem mais auto-
ridade do que eu. Deus tem o direito, o poder e a autoridade de fazer tudo o
que quiser. Eu tenho o poder, a capacidade e a liberdade de fazer o que
posso fazer, mas minha liberdade não pode nunca sobrepujar o poder e a
autoridade de Deus. Minha liberdade é sempre limitada pela autoridade mai­
or de Deus. O que é contraditório é soberania de Deus e autonomia humana.
Autonomia significa que o homem pode fazer qualquer coisa que deseje
sem se preocupar com o julgamento do céu. Obviamente estes dois são incom­
patíveis, não cremos que o homem seja autônomo. Dizemos que ele é livre,
mas que sua liberdade está dentro de limites, e esses limites são definidos pela
soberania de Deus. Aqui está uma analogia simples: Em minha casa eu tenho
mais liberdade que meu filho. Ambos temos liberdade, mas a minha é maior.

• C om referência a João 6.44, Deus c o n stra n g e as pessoas a


v irem a ele?

A passagem é, sem dúvida, muito controvertida. Numa tradução mais


antiga, Jesus diz: “Ninguém pode vir a mim a não ser que o Pai o arraste”
(puxe, traga). A dificuldade a respeito da passagem tem a ver com o sentido
da palavra traduzida “arrastar, puxar.” O que ela significa? Há alguns estu­
diosos da Bíblia e cristãos que acreditam que a palavra significa induzir,
atrair, ou procurar persuadir. Para eles, portanto, o que Jesus está dizendo é:
“Se deixadas por si mesmas, as pessoas não virão me procurar; tem que
haver alguma coisa adicionada às suas inclinações normais antes que elas
sejam levadas a caminhar em minha direção.” Jesus está dizendo que Deus
tem de fazer alguma coisa. E a velha tradução diz que ele precisa atraí-los,
assim como as vozes das sereias atraíram Ulisses para o mar.
Elas tentaram induzi-lo, persuadi-lo e atraí-lo a vir, sendo tão atraentes
quanto possível ao fazer o convite. Algumas pessoas mantêm a opinião de
que atrair é o oposto exato de constranger ou compelir, que Deus não compele
as pessoas a virem a Jesus, mas que ele as induz e as encoraja e tenta atraí-
las e lhes mostra quão atraente Jesus é, de maneira que elas se inclinarão a
responder a Jesus.
Certa vez, debati sobre o assunto com um professor de estudos do Novo
Testamento que era especialista em línguas bíblicas. Eu assumi a posição
de que Deus faz mais do que convidar, induzir e atrair. Creio que a palavra
usada aqui é muito forte, porque é a mesma palavra que é usada no livro de
Atos quando Paulo e Silas são arrastados para a prisão. Não é como se o
carcereiro entrasse na cela e tentasse atrair Paulo e Silas dizendo: “Entrem
companheiros, por favor, entrem aqui.” Ele os compeliu a entrar naquela
cela. Creio que a palavra é forte e mostrei isso ao professor de Novo Testa­
mento. Então, ele de certa forma me surpreendeu porque citou o uso do
mesmo verbo em alguma outra literatura grega onde ele era usado para
descrever a atividade humana de tirar água do poço. E o professor conti­
nuou dizendo: “Bem, você não compele a água a sair do poço.” E eu res­
pondi: “Mas devo lhe dizer que você não a atrai também. Você não fica lá
parado dizendo ‘água, venha cá, água,’ na esperança de que a água, de sua
própria força, salte do poço para dentro do seu balde. Você tem de abaixar o
seu balde e tirar a água.”
Creio que a força daquele verbo nos diz que necessitamos desesperada­
mente da assistência de Deus para virmos a Cristo, e não viremos a Cristo a
não ser que o Pai nos traga.

• O q u e é Predestinação?

Quando a Bíblia fala em predestinação, fala do envolvimento soberano


de Deus em certos fatos antes que eles aconteçam. Ele escolhe, com antece­
dência, que certas coisas aconteçam.
Por exemplo, ele predestinou a criação. Antes de criar o mundo, Deus
decidiu fazê-lo.
Normalmente, quando as pessoas pensam em predestinação pensam se
seria verdade que, quando uma pessoa é atropelada por um automóvel em
determinado dia, aquele acidente só ocorreu porque Deus já havia decidido
com antecedência que ele deveria acontecer naquele dia.
Teologicamente, a principal questão da predestinação na Bíblia se refe­
re à noção de que Deus seleciona pessoas para salvação com antecedência.
A Bíblia ensina claramente que, de certa forma, Deus seleciona pessoas
para a salvação antes mesmo que elas nasçam. Praticamente, todas as igrejas
cristãs crêem nisso, porque o conceito é claramente ensinado nas Escrituras.
Paulo refere-se a Jacó e Esaú. Antes que eles tivessem nascido, antes
que tivessem feito qualquer mal ou bem, Deus decretou com antecedência
que o mais velho serviria o mais novo: “amei a Jacó, porém aborreci a
Esaú;” O certo é que Deus havia escolhido certos benefícios para um da­
queles dois antes mesmo que eles nascessem.
A verdadeira questão é a seguinte: Baseado em quê Deus predestina?
Sabemos que ele predestina, mas porque ele o faz, e quais são as bases para
sua escolha? Muitos cristãos crêem que Deus conhece com antecedência
que escolhas essas pessoas farão, e em quais atividades elas se envolverão.
Olhando através do corredor do tempo, ele sabe que escolhas você fará, por
exemplo, ele sabe que você vai ouvir o evangelho, e sabe se você vai dizer
sim ou não. Se ele sabe que você vai dizer sim, então, ele o escolhe para a
salvação na base de seu conhecimento prévio. Não concordo com tal posição.
Penso que Deus faz essa escolha soberanamente, não arbitrariamente, não
caprichosamente. A única base que vejo para a predestinação na Bíblia é o
bom desígnio de sua própria vontade. A outra única razão é honrar a seu Filho
unigénito. A razão para sua seleção não está em mim, nem em você, nem em
algum bem ou mal previamente percebido, mas na sua própria soberania.

• Por q u e Deus p e rm ite q u e u m a bala p e rd id a m a te gente


in o c e n te ?

Uma vez que acreditamos que Deus é o autor desse planeta e é soberano
sobre ele, é inevitável perguntarmos onde ele está quando essas coisas ter­
ríveis acontecem.
Creio que a Bíblia responde a essas perguntas muitas e muitas vezes a
partir de diversos pontos de vista e de muitas formas diferentes. Encontra­
mos nossa primeira resposta, sem dúvida, no livro de Gênesis no qual apren­
demos sobre a queda da humanidade. A reação imediata de Deus à trans­
gressão da raça humana contra sua determinação e autoridade foi amaldi­
çoar a terra e a vida humana. Morte e sofrimento entraram no mundo como
resultado direto do pecado. Vemos a manifestação concreta disso no âmbito
da natureza onde espinhos se tomam parte do jardim e a vida humana é
agora caracterizada pelo suor da testa e pela dor que está presente até mes­
mo no nascimento de uma criança. Isso ilustra o fato de que o mundo em
que vivemos é um lugar que está cheio de tristezas e tragédias.
Mas não devemos nunca concluir que exista uma correlação absoluta
nessa vida entre o sofrimento e a culpa das pessoas vítimas de tragédias. Se
não houvesse pecado no mundo, não haveria sofrimento. Não haveria aci­
dentes fatais, nem balas perdidas. Porque o pecado está presente no mundo,
o sofrimento está presente no mundo, mas não significa que se você tem
dois quilos de culpa, vai receber dois quilos de sofrimento. Essa é a percep­
ção que o livro de Jó tenta dissipar, assim como a resposta de Jesus à per­
gunta sobre o homem cego de nascença (Jo 9.1-11).
Por outro lado, a Bíblia deixa claro que Deus permite que tais coisas acon­
teçam e, de certa forma, ordena que tais eventos aconteçam como parte da
situação presente que está sob julgamento. Ele não removeu a morte desse
mundo. Mesmo que seja algo que pudéssemos considerar como uma morte
prematura ou violenta, a morte faz parte da natureza das coisas. A única pro­
messa é que haverá um dia quando o sofrimento cessará completamente.
Os discípulos de Jesus fizeram perguntas sobre situações semelhantes
— por exemplo, o sangue dos galileus que se misturou com os sacrifícios
feitos por Pilatos ou as dezoito pessoas que morreram quando um templo
desabou. Os discípulos perguntaram como isso poderia acontecer. A res­
posta de Jesus foi quase severa. Ele disse: “se não vos arrependerdes, todos
igualmente perecereis", outra vez trazendo a questão de volta ao fato de
que a impiedade moral toma possível para Deus permitir que tais coisas
horríveis aconteçam num mundo decaído.

• No A n tig o T e s ta m e n to , D eus tr o u x e j u l g a m e n t o so b re
Israel e sobre o u tra s n ações através de a c o n te c im e n to s
catastróficos. Isso a in d a acontece?

Deus ainda é Deus? Deus ainda é Senhor da História? A diferença é a


seguinte: Quando Deus usava uma catástrofe como um meio de julgamento
no Antigo Testamento, sabemos que seu julgamento estava por detrás da
catástrofe porque temos o benefício da revelação escrita, dizendo-nos que
ali estava a mão de Deus na História. Enquanto vivemos nossa vida e ob­
servamos nações sofrendo catástrofes e a calamidade atingindo muitas pes­
soas, não sabemos exatamente qual a relação entre essas catástrofes e o
julgamento de Deus.
Permitam-me construir um paralelo bíblico aqui. No capítulo nono do
Evangelho de João, os fariseus levantaram uma pergunta sobre o homem
cego de nascença: “quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?"
A resposta de Jesus: “Nem ele pecou, nem seus pais". Ele nasceu cego por
uma razão completamente diferente. Não acontecera, na realidade, como
expressão do julgamento divino. Esse texto, e todo o livro de Jó deveriam
nos coibir, como indivíduos, de assumir que a tragédia, catástrofe ou cala­
midade de uma pessoa seja um ato direto do julgamento divino. Mas é pos­
sível que seja. Vemos casos sem conta nas sagradas Escrituras em que Deus,
de fato, traz calamidade sobre a casa de pessoas que estão em flagrante
desobediência para com Deus.
A Bíblia diz que somos culpados. Deus pode retardar o julgamento ou
podemos receber julgamento temporal de suas mãos agora mesmo nesse
mundo. Nunca sabemos com certeza se a calamidade que experimentamos
como indivíduos é um ato direto de julgamento ou não. O que é verdadeiro
para os indivíduos também é verdadeiro para as nações.
Lembro-me de ouvir Billy Graham dizer, num sermão há alguns anos:
“Se Deus não trouxer julgamento sobre os Estados Unidos da América, ele
terá de pedir desculpas a Sodoma e Gomorra.” Lembrem-se, Jesus avisou
as cidades que ouviram sua mensagem, Corazim e Betsaida, de que no dia
do juízo haveria mais tolerância para Sodoma e Gomorra do que para elas.
Embora não tenhamos mais interpretações proféticas sobre as razões de
Deus para trazer julgamento, sabemos que nenhuma nação jamais ficará
isenta do julgamento de Deus.
QUEM É JESUS?

“Ele estava no princípio com Deus.


Todas as cousas foram feitas p o r intermédio dele...
A vida estava nele e a vida era a luz dos homens.
A luz resplandece nas trevas,
e as trevas não prevaleceram contra ela...
Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.”
— João 1.2-5,11

Perguntas dessa seção:

• A profecia a respeito do nascimento de Cristo veio de Isaías 7.14: “Eis


que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel
Por que então ele é chamado Jesus?
• Como pode uma pessoa ter, ao mesmo tempo, uma natureza humana e
uma natureza divina, como cremos que Jesus Cristo teve?
• Quando Paulo escreveu que Jesus esvaziou-se a si mesmo e tornou-se
servo, e ainda assim era Deus, de que forma ele reteve ou não reteve seus
poderes como Deus?
• No Evangelho de João, Jesus diz: “o Pai é maior do que eu” (Jo 14.28). O
que ele quer dizer com isso?
• Cristo era capaz de pecar?
• Por que Jesus disse que algumas pessoas não morreriam antes que ele
voltasse?
• O que Jesus queria dizer quando afirmou que nós faríamos obras maiores
do que as que ele fez?
• Qual foi a resposta de Deus à pergunta de Jesus: “Deus meu, Deus meu,
por que me desamparaste?”
• Alguma vez Jesus riu?
• A profecia a respeito do n a sc im e n to de Cristo veio de Isa-
ías 7.14: "Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe
chamará Emanuel". Por que, então, ele é c h a m a d o de Jesus?

Na realidade, à primeira vista isso parece uma enorme contradição, não


é? A profecia no Antigo Testamento é de que seu nome seria Emanuel;
quando vamos ao Novo Testamento eles não lhe dão o nome de Emanuel,
mas de Jesus. Como explicamos isso?
Antes de mais nada, não vamos assumir a posição de que Isaías está
radicalmente enganado. Se olharmos para a significação completa de sua
profecia ficaremos maravilhados com a maneira detalhada com que a pro­
fecia de Isaías se cumpre na vida de Jesus. Se olharmos dois capítulos adi­
ante da profecia que fala sobre Emanuel, encontramos outra passagem fa­
miliar que repetimos praticamente todos os natais nos nossos cultos.
Isaías diz que o Messias que iria nascer receberia o nome de Maravilho­
so, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. Quantos
nomes ele tem? No capítulo sete, ele diz que seu nome será Emanuel, e no
capítulo nove ele diz que será Príncipe da Paz ou Deus Forte ou Pai da
Eternidade. Portanto, em seu escrito, Isaías está chamando atenção para o fato
de que o Messias teria inúmeros nomes. Ele não reduz os títulos de Jesus a um
apenas, portanto, não creio que ele esteja usando a palavra “nome” para se
referir ao nome de família, ou ao nome próprio de Jesus, mas está se referindo
a um título muito importante que seria dado a Jesus, como de fato o foi. Emanuel
é um de seus títulos no Novo Testamento — Emanuel, Deus conosco.
O nome Jesus foi dado a ele por Deus através do mensageiro evangélico
que anunciou a escolha que o Pai fez para o nome do Filho, e ele é chamado
Jesus porque esse nome significa “Salvador” — aquele que salvará o seu
povo. Seu nome indica sua missão, seu ministério. Creio que um dos estu­
dos mais fascinantes é percorrer as Escrituras e fazer uma lista dos nomes
que são atribuídos a Jesus.
Certa vez compareci a uma reunião num seminário teológico na qual
um teólogo suíço fez uma palestra. Numa situação acadêmica como essa,
espera-se ouvir um trabalho teológico muito técnico, sofisticado e aborreci­
do. Esse professor simplesmente ergueu-se diante da assembléia e come­
çou a recitar os nomes de Jesus dizendo: “Alfa e Ômega, Filho do Homem,
Leão de Judá, Rosa de Saron ...” Ele continuou durante quarenta e cinco
minutos e não esgotou todos os nomes e títulos que o Novo Testamento
atribui a Jesus, o homem que recebeu mais títulos na história.
• C om o é possível u m a pessoa ter, ao m e s m o te m p o , u m a
n a tu re z a h u m a n a e u m a n a tu re z a divina, c o m o crem os
q u e Jesus Cristo teve?

Uma das maiores crises do cristianismo evangélico em nossos dias é a


falta de compreensão sobre a pessoa de Cristo. Quase todas as vezes que
assisto a um programa de televisão cristã, ouço um dos credos clássicos da
fé cristã ser negado de forma espalhafatosa, desintencional e involuntaria­
mente. E, sem dúvida, parte disso é porque é muito difícil para nós enten­
dermos como uma pessoa pode ter duas naturezas. Você está me perguntan­
do “Como”, eu não sei como. Eu sei que Jesus é uma pessoa com duas
naturezas. Como pode ser? Muito antes de haver natureza humana, havia
uma segunda pessoa da Trindade. Essa segunda pessoa da Trindade, genu­
íno Deus verdadeiro, Deus mesmo, foi capaz de tomar sobre si uma nature­
za humana. Nenhum ser humano poderia reverter o processo e tomar sobre
si uma natureza divina. Não sou capaz de adicionar divindade à minha hu­
manidade. Não é que Cristo tenha mudado de divindade para humanidade.
É isso que ouço todas as vezes. Ouço que havia um grande e eterno Deus
que subitamente parou de ser Deus e tomou-se homem. Não é isso que a
Bíblia ensina. A pessoa divina tomou sobre si uma natureza humana. Real­
mente não conseguimos compreender o mistério de como isso aconteceu.
Mas certamente é concebível que Deus, com seu poder, possa adicionar a si
mesmo uma natureza humana e fazer isso de tal forma que una as duas
naturezas numa só pessoa.
O mais importante concílio reunido sobre esse assunto na história da
igreja, cuja decisão permanece por séculos como modelo de ortodoxia cris­
tã, e é aceito por luteranos, presbiterianos, metodistas, católicos-romanos,
batistas — praticamente todos os ramos da cristandade — foi o Concílio da
Calcedônia. Reuniu-se no ano de 451 e, nele, a igreja confessou sua fé em
Jesus da seguinte maneira: Disseram que criam que Jesus é verus homus,
verus Deus — verdadeiro homem, verdadeiro Deus. E continuaram para
estabelecer os limites de como devemos pensar sobre a forma como essas
duas naturezas se relacionam entre si. Afirmaram que essas duas naturezas
estão em perfeita unidade, sem mistura, sem divisão, sem confusão, sem
separação. Quando pensamos a respeito da Encarnação, não desejamos
misturar as duas naturezas e pensar que Jesus tinha uma natureza humana
divinizada ou uma natureza divina humanizada. Desejamos distinguí-las,
mas não podemos separá-las porque elas existem perfeitamente unidas.
• Q u a n d o Paulo escreveu q u e Jesus esvaziou-se a si m e s ­
m o e to r n o u - s e servo, m as m e s m o assim a in d a era Deus,
de q u e fo rm a ele reteve ou n ã o reteve seus p o d eres c o m o
D eus?

O conceito de “esvaziamento” provocou uma controvérsia violenta no


século XIX. Alguns elementos da mesma ainda permanecem hoje. A pala­
vra grega usada por Paulo no segundo capítulo de Filipenses, kenosis, é
traduzida como “esvaziar” na maioria das versões bíblicas. A pergunta é:
De que Jesus, em sua condição humana (encarnada), se esvaziou?
A noção popular em certos círculos no século XIX era de que, durante o
período da encarnação, o eterno Deus, a segunda pessoa da Trindade, colo­
cou de lado — esvaziou-se de — seus atributos divinos de forma que ele
pudesse se tornar um homem. E, ao tornar-se um homem num sentido ver­
dadeiramente real, ele deixou de ser Deus. Assim há uma transformação da
divindade em humanidade, porque ele colocou de lado sua onisciência, sua
onipotência, sua auto existência, e todos os outros atributos que são própri­
os da natureza de Deus.
Houve um teólogo ortodoxo no meio daquela controvérsia, que afir­
mou, de maneira um tanto cáustica, que o único esvaziamento que tal teoria
provava era o esvaziamento das mentes dos teólogos que ensinavam algo
como Deus deixar de ser Deus por um segundo sequer. Se Deus colocar de
lado um de seus atributos, o imutável sofre uma mutação; o infinito de
repente pára de ser infinito; seria o fim do universo. Deus não pode parar de
ser Deus e ainda ser Deus. Portanto, não podemos, com propriedade, falar
em Deus colocando de lado sua divindade e assumindo em si a humanida­
de. Essa é a razão pela qual o cristianismo ortodoxo sempre declarou que
Jesus era verus homus, verus Deus — verdadeiro homem, verdadeiro Deus,
totalmente homem e totalmente Deus. Sua natureza humana foi sempre
completamente humana, e sua natureza divina foi sempre e em qualquer
ocasião completamente divina.
Entretanto, o apóstolo Paulo fala a respeito de Cristo esvaziando-se de algu­
ma coisa. Creio que, no contexto de Filipenses 2, está muito claro que aquilo de
que Cristo se esvaziou não foi sua divindade, nem seus atributos divinos, mas
suas prerrogativas — sua glória e seus privilégios. Ele voluntariamente ocultou
sua glória sob o manto dessa natureza humana que tomou sobre si.
A natureza divina não deixa de ser divina para se tornar humana. Na
Ttansftgm ção (Ml 11.1-13), por exemplo, vemos a natureza divina invisí­
vel se romper e se tornar visível, e Jesus é transfigurado diante dos olhos de
seus discípulos. Mas, na maior parte do tempo, Jesus ocultou aquela glória.
Penso que Paulo está dizendo em Filipenses 2 que devemos imitar a boa dis­
posição de renunciar nossa própria glória e nossos privilégios e prerrogativas.

• No Evangelho de João, Jesus diz: "o Pai é maior do que eu” (Jo
14.28). O q u e ele q u e r dizer co m isso?

Às vezes, quando Jesus faz afirmações diretas que parecem significar uma
coisa à primeira vista, é necessário irmos um pouco além da superfície para
resolver a aparente dificuldade. Nesse caso, não é necessário esse tipo de
trabalho extra. Jesus queria dizer exatamente o que ele disse: “o Pai é maior
do que e u Isto é, de certa forma, constrangedor para os cristãos porque
temos essa doutrina sagrada da Trindade que descreve a unidade das três
pessoas da Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo. Aqui, o Filho do Homem
está dizendo que o Pai é maior do que ele. Essa é uma das razões pelas quais
a igreja sempre professou uma doutrina chamada subordinação de Cristo.
Note que a doutrina não é chamada inferioridade de Cristo. Enfatizo
isso porque em nossa cultura algumas pessoas concluem que subordinação
necessariamente implica inferioridade.
A razão pela qual a teologia cristã tem uma doutrina sobre a subordina­
ção de Cristo é que, embora a segunda pessoa da Trindade seja co-essencial
com o Pai (ele é da mesma essência, “genuíno Deus verdadeiro” eterno em
seu ser), há uma distinção entre as pessoas da Trindade. Na economia da
redenção e mesmo da criação, vemos certas obras atribuídas ao Pai, outras
ao Filho, e outras ao Espírito Santo.
A noção tradicional é que o Filho é gerado do Pai — não criado, mas
eternamente gerado. O Pai não é gerado do Filho. O Filho é enviado ao
mundo pelo Pai; o Filho não envia o Pai. Jesus disse: “o Filho nada pode
fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai”. Sua comida
e sua bebida eram fazer a vontade do Pai. Ele foi incumbido pelo Pai para
vir ao mundo para a obra da redenção. Nesse plano de redenção da própria
Trindade, um envia o outro, e aquele que envia é tido como maior do que
aquele que é enviado, no que diz respeito à economia das distinções e à
estrutura com a qual a Trindade trabalha.
Pela mesma razão, historicamente a igreja, com exceção dos dissiden­
tes da cláusula filioque (assunto de um outro concílio geral da igreja para
discutir por quem o Espírito Santo seria enviado, quando houve um cisma
entre igreja do oriente e igreja do ocidente. N.T.) tem afirmado que, assim
como o Pai envia o Filho, o Espírito Santo é enviado por ambos, o Pai e o
Filho. Como o Filho é subordinado ao Pai no trabalho da redenção, assim o
Espírito é subordinado a ambos, o Pai e o Filho. Mas, novamente, isso não
significa uma desigualdade no ser, na dignidade ou nos atributos divinos. A
segunda pessoa da Trindade é totalmente Deus; a terceira pessoa da Trinda­
de é totalmente Deus. Na obra da redenção vemos a expressão da
superordenação e da subordinação.

• Cristo era capaz de pecar?

Jesus tinha a capacidade de pecar? O problema escondido nessa questão


é: Se Jesus podia pecar, isso significa que ele tinha o pecado original e parti­
cipava de uma natureza caída? Se fosse esse o caso, ele não teria capacidade
para salvar nem a si mesmo, que dirá a nós. Se ele não podia pecar, sua tenta­
ção (tão importante para receber de Deus a coroa de glória por sua obediên­
cia) foi apenas uma farsa — então ele não foi submetido a uma tentação real?
O Novo Testamento nos diz que Jesus era semelhante a nós em todos os
pontos, exceto um: Ele era sem pecado. Ele nos diz que Jesus encamou-se e
tomou sobre si a natureza humana. Também nos diz que ele é o segundo
Adão. De maneira geral, a cristologia clássica nos ensina que, quando Jesus
encamou-se e se tomou o segundo Adão, ele nasceu com a mesma natureza
de Adão antes da queda. Adão não tinha pecado original quando foi criado.
Portanto, Jesus não tinha pecado original. Fazemos, então, a mesma per­
gunta: Adão era capaz de pecar? Sim, era. Cristo, o segundo Adão também
tinha possibilidade de pecar no sentido de que tinha todas as faculdades e
condições para pecar se escolhesse fazê-lo.
Cristo poderia ter pecado se tivesse desejado? Com certeza. Sem dúvi­
da, ele não desejou fazê-lo. Portanto, se você fizer a pergunta de maneira
diferente, Jesus poderia pecar se ele não o quisesse? Não, ele não poderia
pecar se não desejasse, assim como Deus não pode pecar porque Deus não
deseja pecar. Desejar pecar é um pré-requisito para pecar.
Então, precisamos avançar mais um pouco: Jesus poderia desejar pe­
car? Os teólogos estão divididos nessa questão. Eu diria que sim, acredito
que ele poderia ter desejado. Creio que isso é parte de se tornar semelhan­
te a Adão. Quando estivermos no céu e formos totalmente glorificados,
então não teremos mais o poder e a disposição de pecar. É isso que almeja­
mos, foi isso que Jesus conquistou para si mesmo e para nós através de sua
perfeita obediência. A perfeita obediência de Jesus não foi uma farsa. Ele
realmente foi vitorioso sobre todas as tentações imagináveis que encontrou
em seu caminho.

• Porque Jesus a firm o u q u e alg um as pessoas n ã o m o rr e ri­


a m a n te s q u e ele voltasse?

Essa pergunta teve uma influência dramática sobre Albert Schweitzer


quando ele estava estudando Teologia do Novo Testamento. Jesus disse:
“Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça...Não acabareis de
percorrer as cidades de Israel até que venha o Filho do Homem... Alguns
há, dos que aqui se encontram, que de maneira nenhuma passarão pela
morte até que vejam o Filho do Homem no seu reino”.
Schweitzer olhou para todas estas passagens e pensou que esse era um
caso óbvio em que Jesus se enganou, em que Jesus esperava que sua volta
se desse no século I. Schweitzer viu esta expectativa de um retomo precoce
de Jesus nos primeiros escritos de Paulo. Depois, teria havido um ajusta­
mento nos escritos posteriores da Bíblia para justificar o grande desaponta­
mento com o fato de Jesus não ter voltado durante aquela primeira geração.
Isso tem sido uma questão de grande consternação para muitas pessoas.
Jesus não disse: “Alguns de vocês não morrerão até que eu volte”. Ele
disse: “Alguns de vocês não passarão pela morte até que estas coisas acon­
teçam”. A dificuldade se encontra na estrutura da linguagem. Os discípulos
estavam perguntado a Jesus sobre o estabelecimento do reino. Jesus fala de
dois assuntos diferentes. Trata do que obviamente envolve a destruição de
Jerusalém quando fala que o templo será destruído. Então, no final do dis­
curso do Jardim das Oliveiras, ele fala sobre sua volta nas nuvens de glória.
Alguns dos melhores e mais eruditos estudos do Novo Testamento que
tenho encontrado falam sobre o sentido das palavras gregas traduzidas como
“tudo isto.” Uma excelente explicação pode ser dada de que, quando Jesus
usou a frase “tudo isto”, ele estava se referindo a destruição do templo e de
Jerusalém. É impressionante como Jesus de Nazaré predisse, clara e indu­
bitavelmente, um dos mais importantes acontecimentos históricos da vida
do povo judaico antes que ele acontecesse. Essa não foi um predição vaga
do futuro como Nostradamus ou o Oráculo de Delfos. Jesus nitidamente
predisse a queda de Jerusalém e a destruição do templo, o que na realidade
aconteceu no ano 70 d.C., enquanto muitos de seus discípulos ainda esta­
vam vivos. Foi também antes que o esforço missionário tivesse alcançado
todas as cidades de Israel e antes que aquela geração na realidade tivesse
passado. Aqueles eventos cataclísmicos, que Jesus predisse no Monte das
Oliveiras, realmente aconteceram no século I.

• O q u e Jesus q u e ria dizer q u a n d o a firm o u q u e n ó s faría­


m o s obras m aiores d o q u e as q u e ele fez?

Em primeiro lugar ele disse isso a seus discípulos, e apenas indiretamente


a nós, se é que o disse. Ele está falando à igreja do século I e afirma que as
obras que eles fizerem serão maiores que as obras que ele realizou.
Deixe-me dizer o que eu não creio que isso signifique. Há muitos que
crêem que existe gente ao redor do mundo nesse momento realizando mila­
gres maiores, realizando milagres em maior quantidade e realmente reali­
zando obras de cura divina mais incríveis dos que as realizadas pelo próprio
Jesus. Não posso imaginar nada mais seriamente enganoso do que isso, do
que alguém que realmente pense que tenha superado a Jesus no que se refe­
re às obras que ele realizou.
Não existe ninguém que se aproxime do trabalho que Jesus fez. Alguns
dizem que talvez não possamos realizar maiores obras do que Jesus indivi­
dualmente, mas como um grupo somos capazes de exceder em poder aquilo
que Jesus fez.
Vemos coisas maravilhosas acontecendo na igreja do século I através do
poder que Cristo deu a seus apóstolos. Vemos pessoas sendo ressuscitadas
dos mortos através da ação de Pedro e Paulo. Mas, mesmo assim, eu desa­
fiaria as pessoas dizendo-lhes que somassem os milagres que, de acordo
com o registro do Novo Testamento, foram realizados através das mãos de
Paulo, Pedro e do resto dos discípulos como um todo, colocassem todos-"
juntos e então verificassem se eles englobam uma quantidade maior do que
aquilo que foi realizado por nosso Senhor.
Se Jesus queria dizer que as pessoas fariam milagres maiores do que os
que ele realizou no sentido de demonstrar maior poder e realizar fatos mais
espantosos do que ele, então, uma das obras que Jesus deixou de realizar foi
profecia autêntica e certa porque isso simplesmente não aconteceu. Nin­
guém supera as obras realizadas por Jesus. Esse fato é que me leva a crer
que, na realidade, não foi isso que ele queria dizer.
Creio que ele está usando o termo “maiores” de maneira diferente. Ouvi um
historiador da igreja dizer que ele estava convencido de que quando Jesus fez a
declaração: “<?outras maiores fará”, ele estava se referindo ao alcance total do
impacto do povo de Cristo e de sua igreja no mundo através da história.
Sei que muitas pessoas olham para a história da civilização ocidental e
vêem que o peso da influência da igreja tem sido negativo — a má reputa­
ção das Cruzadas, o episódio de Galileu, as guerras santas, etc. Se você
examinar os acontecimentos históricos, verá que foi a igreja que abriu ca­
minho para a abolição da escravatura, o término da arena romana, a difusão
de todo conceito de educação, de hospitais de caridade, orfanatos e uma
enorme quantidade de outras atividades humanitárias. Pessoalmente, penso
que é isso que Jesus queria dizer quando falou sobre maiores obras.

• Q u a l foi a re s p o sta de Deus à p e rg u n ta de Jesus: “Deus


meu, Deus meu , por que me desamparaste"?

Podemos estudar isso de duas maneiras. De um lado, não houve nenhu­


ma resposta. Jesus gritou essa pergunta aos céus. Ele a gritou audivelmente,
e não houve nenhuma resposta audível. Até onde o Novo Testamento indi­
ca, há apenas três ocasiões em que Deus falou audivelmente, e essa não foi
uma delas. O Filho de Deus gritava em agonia e o Pai permanecia silencioso.
Por outro lado, poderíamos dizer que, três dias depois, Deus proferiu
uma resposta com o túmulo vazio trazendo de volta o Santo dos Santos.
Creio que aquele grito doloroso de Jesus na cruz é um dos versículos mais
importantes e mais mal compreendidos de toda a sagrada Escritura. Já se
esgotaram todas as possibilidades de explicação para ele. Albert Schweitzer
encheu-se de consternação e viu nele um indício de que Jesus morreu num
espírito de amarga desilusão, que ele havia gasto seu ministério esperando
que Deus inaugurasse o seu reino dramaticamente através do ministério de
Jesus — e Deus não o fez. Schweitzer cria que Jesus se permitiu ser preso e
levado até o Gólgota esperando que Deus fosse resgatá-lo da cruz no último
momento. Subitamente, quando Jesus percebeu que não haveria nenhum
resgate, ele gritou numa desilusão amarga, e morreu uma morte heróica,
embora com um espírito amargurado. Essa foi a visão de Schweitzer, mas
outros têm apresentado visões diferentes.
Sabemos que as palavras que Jesus gritou na cruz são uma citação exata
do que Davi escreveu no Salmo 22. Algumas pessoas dizem que aqui, em
sua agonia, Jesus voltou-se para o seu conhecimento das Escrituras recitan­
do-as. Não creio que Jesus estivesse apenas citando versículos bíblicos na
cruz, mas certamente teria sido apropriado que ele usasse uma afirmação
das Escrituras para expressar a profundidade de sua agonia.
Quando fui ordenado tive a oportunidade de escolher meu próprio hino
de ordenação. Escolhi “É meia noite no Monte das Oliveiras.”
Há um verso naquele hino que diz que o Filho do homem não foi de­
samparado pelo Pai. Apesar de amar tanto o hino, detesto esse verso porque
não está certo. Jesus não apenas se sentiu desamparado na cruz; ele foi
totalmente desamparado pelo Pai enquanto esteve pendurado na cruz, por­
que é exatamente esse o castigo que o pecado traz. Como o apóstolo Paulo
elabora, o pecado nos separa da presença e dos benefícios de Deus. Cristo
gritou: “Por que me desamparaste ?” Não foi apenas uma pergunta; foi um
grito de agonia. A resposta havia sido dada a ele na noite anterior, no Getsêmani
quando o Pai deixou claro que era necessário que ele tomasse o cálice.

• A lgum a vez Jesus riu? O q u e as Escrituras n o s d ize m a


respeito de seu caráter e senso de h u m o r ?

Tenho ouvido algumas pessoas responderem a essa pergunta negativa­


mente dizendo que riso é sempre sinal de futilidade, e uma maneira velada
de encarar superficialmente coisas que são sérias. Dizem eles que a vida é
uma coisa séria e Jesus é descrito como um homem de dores. Também é
descrito como alguém que sabe o que é padecer. Ele caminhou com fardos
enormes sobre si. Acrescente a isso o fato de que não há nenhum texto do
Novo Testamento que diga explicitamente que Jesus riu. Há textos, sem
dúvida, que nos dizem que ele chorou. Por exemplo, João 13 nos diz que no
cenáculo Jesus estava profundamente perturbado em seu espírito. Sabemos
que ele experimentou tais emoções, e é estranho que em lugar nenhum se
diga que ele tenha verdadeiramente rido.
Você também me perguntou se ele tinha senso de humor. Quando tradu­
zimos de qualquer língua para outra, muitas vezes não percebemos nuanças
sutis de linguagem. Se não temos conhecimento da língua original e suas
expressões idiomáticas, podemos não perceber o humor.
Também, culturas diferentes têm maneiras diferentes de ser humorísti­
co. Jesus usou uma forma de humor que chamamos sarcasmo. Em suas
respostas a Herodes, por exemplo, ele o chamou de raposa e fez outras
declarações que, penso, têm um toque de humor oriental. Se Jesus riu ou
não, é uma questão puramente especulativa, mas não posso imaginar que ele
não tenha rido pelo seguinte: ele era completamente humano e era perfeito.
Certamente não iríamos atribuir a Jesus qualquer emoção ou forma de com­
portamento pecaminoso, e parece-me que a única razão para pensar que ele
não riu, seria se primeiro chegássemos à conclusão de que o riso é pecado.
A Bíblia nos diz que Deus ri. Nos Salmos, é uma risada de escárnio.
Quando os reis do mundo se levantam contra Deus e conspiram contra o
Senhor, a Bíblia diz que aquele que habita os céus rirá. Deus zombará deles.
É uma risada de desdém. Não é uma reação engraçada de alegria, mas de
qualquer forma, é uma forma de riso.
Nos livros poéticos do Antigo Testamento — em Eclesiastes por exem­
plo — aprendemos que algumas coisas são apropriadas em certas ocasiões.
Há tempo para plantar e tempo para colher; tempo para construir e tempo
para derrubar; há tempo de dançar, tempo de cantar, tempo de rir, e tempo
de chorar. Uma vez que Deus apontou, a seu tempo, tempos apropriados
para rir, e Jesus sempre fez o que era apropriado, parece-me que, quando a
ocasião era para rir, ele riu.
A AÇÃO DO E S P Í R I T O S ANTO

“Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá,


porque, se eu não for, o Consolador não virá para
vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei.
Quando ele vier, convencerá o mundo
do pecado, da justiça e do juízo'”
— João 16.7,8

Perguntas dessa seção:

• Todo ser humano tem o potencial necessário para receber o Espírito Santo?
• Qual era o papel do Espírito Santo no Antigo Testamento?
• Existe diferença entre ser batizado no Espírito Santo e estar cheio do
Espírito Santo?
• Existe diferença entre o Espírito Santo estar com alguém ou em alguém?
• Explique o batismo do Espírito Santo que veio sobre os cento e vinte
discípulos no cenáculo depois da ascensão de Cristo.
• Em Gálatas 5, Paulo faz a seguinte afirmação: “Andai no Espírito e jamais
satisfareis a concupiscência da carne” (G1 5.16). O que significa isso?
• O que a Bíblia quer dizer quando fala em extinguir o Espírito Santo?
• E possível que o Espírito conduza alguém numa direção contrária à ética
biblicamente revelada?
• As Escrituras dizem que Cristo declarou que o pecado imperdoável é a
blasfêmia contra o Espírito Santo. Fale mais sobre isso. Como eu poderia
orar por alguém que está cometendo esse pecado?
• Atos 13.52 diz: líOs discípulos, porém, transbordavam de alegria e do
Espírito Santo”. Por que a maioria dos cristãos hoje não está “continua­
mente” assim?
• Todo ser h u m a n o te m o po ten cial necessário para rece­
b er o Espírito Santo?

Num certo sentido, todo ser humano já tem o Espírito Santo. Não no senti­
do redentor — o sentido em que normalmente os cristãos entendem como ten­
do o Espírito Santo — mas no sentido em que estão vivos. A Bíblia nos diz que
o próprio poder de viver está baseado no Espírito Santo. Paulo diz aos filósofos
em Atenas, pois nele vivemos, e nos movemos e existimos. Na história da teolo­
gia cristã, a idéia praticamente universal tem sido que o Espírito Santo é o
princípio de vida no mundo, e ninguém pode nem sequer estar vivo sem ter pelo
menos a fonte de vida de Deus, o Espírito Santo. Mas este não é o sentido
redentor sobre o qual falamos quando pensamos em ter o Espírito pela conver­
são ou regeneração ou em ser habitação do Espírito Santo ou batizado no Espí­
rito Santo — estes são trabalhos específicos de Deus, o Espírito Santo.
Você pergunta: “todo ser humano tem o potencial para receber o Espírito
Santo?” Vamos falar sobre o Espírito Santo no que se refere à sua entrada numa
vida para regenerá-la — para converter essa pessoa e habitar nela de maneira
salvadora. Todo o ser humano tem o potencial para receber o Espírito Santo
desta forma? Vou parecer um teólogo moderno confuso ao responder sim e não.
Sim, no sentido de que todo ser humano tem o potencial para receber o
Espírito Santo uma vez que, como seres humanos, todos são criados à ima­
gem e semelhança de Deus. Embora caídos, todo ser humano tem a capacida­
de de ser o receptáculo da habitação do Espírito Santo. Não existe nada numa
pessoa, ou num grupo de pessoas ou numa raça ou em um sexo que os tome
incapazes de serem visitados pelo Espírito Santo. Deus, o Espírito Santo,
pode vir e regenerar e habitar em qualquer ser humano que ele deseje.
Sim, em todo ser humano há esse potencial inato e intrínseco de ser cheio pelo
Espírito Santo ou regenerado pelo Espírito Santo. Mas o Espírito Santo vai aonde
ele deseja e aonde o Pai o envia e aonde o Filho o envia, e não creio que o Pai envie
o Espírito Santo para regenerar todas as pessoas. Aqueles a quem o Espírito não é
mandado pararegenerar, não serão regenerados. E se Deus não escolher habitar numa
pessoa pelo Espírito Santo, essa pessoa não será habitada pelo Espírito Santo.

• Q u a l era o papel do Espírito Santo n o Antigo Testam ento?

O papel do Espírito Santo no Antigo Testamento não era essencialmen­


te diferente do papel do Espírito Santo no Novo Testamento. Embora haja
algumas diferenças, há uma unidade essencial entre os dois testamentos.
O Espírito Santo agia de muitas maneiras no período do Antigo Testa­
mento. Primeiro e principalmente, fazia parte da Trindade na obra da criação.
No próprio ato da criação o Pai, o Filho e o Espírito estavam envolvidos.
O Espírito pairava sobre as águas e levou ordem e estrutura ao universo
ainda caótico que encontramos nos capítulos iniciais de Gênesis. As pessoas
eram regeneradas no Antigo Testamento da mesma maneira que eram rege­
neradas no Novo Testamento, e ninguém pode ser regenerado a não ser atra­
vés da influência de Deus, o Espírito Santo. Davi precisou do poder regenerador
de Deus tanto quanto o apóstolo Paulo precisou dele no Novo Testamento.
Também sabemos que o Espírito estava muito ativo carismaticamente;
isto é, concedendo dons a certas pessoas no Antigo Testamento e capacitan­
do-as para tarefas específicas. Por exemplo, o rei de Israel era ungido com
óleo, simbolizando sua unção pelo Espírito Santo para ser capacitado para
cumprir sua vocação de maneira piedosa. O mesmo acontecia com os sa­
cerdotes. Os profetas de Israel, que eram agentes de revelação, eram inspi­
rados por Deus, o Espírito Santo, e dotados para serem mensageiros de
Deus para as pessoas e para nos dar as Escrituras sagradas, basicamente da
mesma maneira que os apóstolos no Novo Testamento foram capacitados e
dirigidos pelo Espírito Santo. Portanto, vemos que o Espírito Santo agia —
regenerando, santificando, preservando, intercedendo — fazendo no Anti­
go Testamento todas as coisas que faz no Novo Testamento.
Qual é a diferença? No livro de Números, no Antigo Testamento, quan­
do Moisés reclamou porque o fardo de dirigir todo o povo tinha se tomado
tão pesado que estava ao ponto de esmagá-lo, ele implorou a Deus por alí­
vio. Deus lhe disse que reunisse setenta anciãos de Israel para tomar do
Espírito que estava sobre Moisés e o distribuir sobre os setenta de maneira
que eles pudessem ajudá-lo a liderar o povo de Israel.
Foi isso exatamente que o texto nos diz que aconteceu. Deus deu sua
capacitação carismática, essa dádiva especial, a outras setenta pessoas, não
apenas a Moisés, de forma que todos pudessem participar do ministério.
Isso não foi regeneração nem santificação, mas foi a capacitação para o
ministério dada somente a indivíduos selecionados. A oração de Moisés
foi: “Tomara todo o povo do SENHOR fosse profeta, que o SENHOR lhes
desse o seu Espírito/” (Nm 11.29). A oração de Moisés tomou-se uma pro­
fecia na pena do profeta Joel que disse que nos últimos dias seria exatamen­
te isso que aconteceria. E no dia de Pentecostes aconteceu. O apóstolo Pedro
disse que o que estava ocorrendo era o que Joel já escrevera e que agora o
Espírito estava capacitando a igreja para o ministério que é dado a todos,
não apenas aos líderes.
• Existe d iferença e n tre ser b a tiza d o n o Espírito S a n to e
estar cheio do Espírito Santo?

Às vezes, quando lemos o registro do Novo Testamento sobre aqueles


que foram batizados no Espírito Santo ou cheios com o Espírito Santo, te­
mos a impressão de que esses termos são usados alternativamente e que se
referem ao mesmo fenômeno. Outras vezes há uma pequena distinção que
não é totalmente clara no texto. Às vezes parece que, para estabelecer a dife­
rença, seria necessária uma lâmina mais afiada do que aquelas que conheço.
Voltemos atrás e façamos a seguinte pergunta: O que a Bíblia quer dizer
com o termo “batizados no Espírito Santo?” No Novo Testamento há uma
distinção entre ser nascido do Espírito — que é a ação do Espírito para nos
regenerar, para mudar a disposição dos nossos corações e nos tornar vivos
espiritualmente — e nos batizar no Espírito Santo. Lemos sobre o batismo
do Espírito Santo especialmente no Dia de Pentecostes e nos acontecimen­
tos subseqüentes similares ao dia do Pentecostes nos quais aqueles que es­
tavam reunidos eram batizados no Espírito Santo. Entendemos que essas
pessoas que foram batizadas no Espírito Santo já eram crentes e já haviam
sido regeneradas. Portanto, devemos distinguir entre a ação do Espírito ao
nos tornar vivos espiritualmente, e a ação do Espírito batizando-nos, qual­
quer que seja o sentido do termo batizar. A maioria das igrejas afirmaria
que o sentido mais importante do termo batismo no Espírito Santo é a ação
do Espírito sobre o ser humano dotando aquelas pessoas com o poder ne­
cessário para cumprir sua missão e vocação como cristãos.
No Velho Testamento esse carisma, o dom e a capacitação do Espírito
Santo, era limitado a certos indivíduos como os sacerdotes e profetas e a
mediadores como Moisés. Mas a posição do Novo Testamento é que todo o
povo de Deus é, agora, dotado e capacitado do alto para cumprir essas tarefas.
Preste atenção no fato de que o Pentecostes está intimamente relacionado
com a grande comissão. Jesus ordenou: “que não se ausentassem de Jerusa­
lém, mas que esperassem a promessa do Pai...recebereis poder, ao descer
sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém
como em toda a Judéia e Samaria e até os confins da terra” (At 1.4,8).
O “batismo do Espírito” significa ser dotado e capacitado pelo Espírito
de Deus para cumprir a tarefa que Jesus deu à igreja. Quando o Espírito nos
capacita ou batiza, somos, por assim dizer, imersos no Espírito Santo. Às
vezes, as Escrituras se referem a isso como estar cheios do Espírito Santo.
Em outras passagens, a expressão “estar cheios do Espírito Santo” é usada
no sentido de estar cheios de amor ou de alegria — isto é, a sensação da
presença superabundante de Deus. Penso que, às vezes, as Escrituras estão
falando de algo mais do que simplesmente ser capacitado para o ministério,
mas em ter uma percepção, uma percepção e consciência claras da podero­
sa presença do Espírito.

• Existe diferença e n tre o Espírito S anto estar c o m algu ém


ou estar e m alguém ?

Existe uma diferença sim, mas desejo ser cuidadoso ao explicá-la pela
seguinte razão: Creio que muitas pessoas dão uma ênfase demasiada à dife­
rença das preposições. A Bíblia não é suficientemente precisa para nos dar
uma doutrina completa a ser desenvolvida na base de “com” e “em.”
Podemos falar no Espírito Santo como estando com pessoas que não são
regeneradas, isto é, com alguém que não nasceu do Espírito, mas o Espírito
pode trabalhar com essa pessoa ou estar na presença dessa pessoa por um
período — assim como ele usou Ciro no Antigo Testamento, que, presumi­
velmente, não era um crente. O Espírito Santo pode vir e assistir pessoas em
termos de uma graça comum de muitas maneiras e em muitas funções nesse
mundo, sem habitar nelas como parte de sua residência permanente.
Quando falamos sobre habitação do Espírito Santo, estamos falando
sobre sua vinda ao próprio ser de um cristão de maneira salvadora, o que é
um resultado do renascimento espiritual.
Entretanto — e isso pode confundir a muitos — num certo sentido, o
Espírito Santo está em todas as pessoas. O Espírito Santo não é apenas o
Espírito de Deus que habita em nós com o propósito de santificar e redimir,
mas, em última análise, o Espírito Santo é também a fonte de poder de toda
a vida. Sem uma certa participação no poder e na presença do Espírito de
Deus, nada nesse mundo existiria. O mundo se mantém coeso pelo poder
do Espírito de Deus. Se Deus retirasse totalmente o seu Espírito Santo, tudo
pereceria, tanto crentes como não crentes.
Na medida em que o Espírito Santo é a fonte de poder ou a própria fonte
de vida, ele está em todas as pessoas. Aqui estamos fazendo uma distinção
entre criação e redenção. Ele não está agindo espiritualmente em pessoas
não regeneradas para causar sua santificação e, conseqüentemente, sua re­
denção final, essas manifestações acontecem apenas àqueles a quem ele
regenerou. Essa é a diferença básica.
• Explique o b a tis m o do Espírito S anto q u e veio sobre os
c e n to e v in te discípulos n o cen áculo após a ascen são de
Cristo.

Responder a isso resumidamente seria fazer uma grande injustiça a um


conceito muito importante do Novo Testamento, mas tentarei dar um resu­
mo adequado.
O Novo Testamento interpretou aquela experiência através do discurso de
Pedro. O povo perguntou o que estava acontecendo quando viu e ouviu as lín­
guas de fogo, o som de um vento tempestuoso, e as pessoas pregando o evange­
lho em suas próprias línguas. Alguns pensaram que estavam testemunhando uma
experiência de alcoolismo em massa. Pedro respondeu dizendo: “Estes homens
não estão embriagados, como vindes pensando...Mas o que ocorre é o que foi
dito por intermédio do profeta Joel” (At 2.15,16). Então ele citou a profecia do
Antigo Testamento que tinha sido escrita pelo profeta Joel, a qual afirma que,
nos últimos dias, Deus derramaria do seu Espírito sobre toda a carne.
Devemos entender essa experiência também à luz das afirmações pre­
paratórias de Jesus antes de sua ascensão, quando comissionou seus discí­
pulos a irem por todo o mundo e pregar o evangelho a toda criatura, a ir
primeiro a “Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins
da terra”. Ele lhes disse, entretanto, que antes de iniciar a tarefa, eles deve­
riam permanecer em Jerusalém e esperar a descida do Espírito Santo. Ele
lhes disse: “recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo”.
Historicamente, todas as denominações cristãs têm a mesma doutrina sobre
o significado do batismo do Espírito Santo. De maneira geral, as diferentes
igrejas concordam que o significado do batismo do Espírito Santo é capacitar o
povo de Deus para cumprir o ministério que Cristo confiou à sua igreja.
No Antigo Testamento, o Espírito era dado apenas a um grupo reduzido
de pessoas, isto é, aos sacerdotes e profetas. A maioria das outras pessoas não
participava. Mesmo no caso de Moisés, como lemos em Números 11, Deus
veio a Moisés e tomou do Espírito que estava sobre Moisés e o distribuiu a
outras setenta pessoas. Ele o deu aos setenta anciãos para que eles pudessem
participar no poder de cumprir o ministério que era necessário. Naquela oca­
sião, Moisés orou dizendo: “Tomara todo o povo do SENHOR fosse profeta,
que o SENHOR lhes desse o seu Espírito!” Aquela oração se tomou uma
profecia em Joel, e penso que o livro de Atos interpreta aquele evento dizen­
do que Deus cumpriu sua promessa. Ele não apenas derramou o seu Espírito
sobre o clero, os sacerdotes e profetas, ou sobre os reis, mas deu o seu Espíri­
to e dotou todos os cento e vinte. Agora, todo o povo de Deus recebe o Espí­
rito Santo, não apenas através da regeneração, do novo nascimento e da
habitação do Espírito em si mesmo, mas também da dádiva de poder partici­
par e trabalhar no ministério de Cristo como parte do corpo de Cristo.

• Em Gálatas 5, Paulo faz a se g u in te afirm ação: "Andai no


Espírito e jam ais satisfareis à concupiscência da carne". O q u e sig­
nifica isto?

Sempre que você vir espírito e carne colocados lado a lado numa passa­
gem (“o espírito está pronto mas a carne é fraca" ou “o espírito milita
contra a carne”, como diz Paulo aqui), estamos falando não sobre a luta
entre o corpo físico do homem e suas inclinações interiores, mentais ou
espirituais, mas sim sobre o conflito que todo cristão experimenta entre sua
velha natureza — sua natureza decaída que é corrupta e cheia de desejos
que não agradam a Deus — e a nova natureza dentro dele que foi trazida
pelo poder do Espírito Santo que habita nele.
Agora, a vida se toma complicada uma vez que somos renovados pelo
Espírito Santo (quando nos tomamos cristãos); agora temos dois princípios
em luta dentro de nós: as velhas inclinações e as novas inclinações. A velha
inclinação é contra Deus, e a nova inclinação é obedecer a Deus e fazer
aquilo que o agrada. Na passagem de Gálatas, Paulo discute essa luta contí­
nua que todos os cristãos experimentam. A certa altura, ele nos adverte
dizendo: “Sigam o novo princípio; sigam o novo espírito, não o velho mo­
delo que era característico de seu estado decaído." Ele não está dizendo
que seu corpo físico está em guerra com sua alma, mas que suas inclinações
naturais estão em guerra com a transformação que o Espírito Santo está
constantemente realizando em você como filho de Deus. E isso envolve
uma decisão e um ato da vontade.

• O q u e a Bíblia q u e r d ize r q u a n d o fala e m e x tin g u ir o


Espírito S anto?

Antes de qualquer outra coisa, creio que precisamos compreender que, no


Novo Testamento, o termo extinguir é metafórico, envolve o uso de lingua­
gem figurada. Freqüentemente, o Espírito é manifestado com a imagem de
chama ou fogo que queima e consome. Sabemos que o Espírito Santo não é
fogo. Ele é a terceira pessoa da Santíssima Trindade e não deve ser identifica­
do com fogo. Não adoramos fogo. Mas o Novo Testamento usa essa imagem
para descrever o Espírito vindo sobre nós e habitando em nós como pessoas
cristãs. Devemos ser, por assim dizer, inflamados por uma paixão santa pelas
coisas de Deus. Tudo aquilo que impede ou prejudica nossa cooperação inter­
na com o Espírito de Deus que habita em nós é uma forma de apagar o Espí­
rito. Assim como usaríamos uma mangueira de jardim para apagar um fogo no
quintal, nós apagamos as chamas sufocando-as com a água.
Quando o Espírito Santo vem a nós pela primeira vez — quando somos
nascidos do Espírito — estou convencido de que esse primeiro ato do Espí­
rito Santo é vir sobre nossas vidas num momento soberano, instantâneo e
eficaz através do qual o Espírito nos traz para a vida espiritual. Nós não
cooperamos nesse ato. Somos tão passivos aqui como fomos no momento
em que fomos concebidos e nascemos biologicamente. Estou convencido
de que esse ato de vida pelo qual somos nascidos do Espírito (o qual o Novo
Testamento chama vivificação) é um ato soberano de Deus.
Uma vez tive a maravilhosa experiência de me encontrar com Billy Graham.
Falamos sobre muitas coisas naquela reunião. Billy me contou como ele veio a
Cristo pela primeira vez. Ali estava provavelmente o maior evangelista da his­
tória do mundo — pelo menos em termos do número de pessoas que ele alcan­
çou — contando-me sua história de conversão com o mesmo entusiasmo como
se ela tivesse acontecido ontem à tarde. Quando ele explicou como Deus come­
çou a operar em sua vida e se mover em seu coração, quando falou a respeito de
ser trazido do reino das trevas para o reino da luz, suas palavras finais foram
estas: “O Espírito Santo fez tudo.” Eu concordei inteiramente.
Depois desse momento de ser vivificado para uma nova vida, de ser regene­
rado, o resto da vida cristã é uma aventura de cooperação entre a nova pessoa
em Cristo e o poder do Espírito Santo que habita nele ou nela. Quanto mais
cooperamos com o Espírito, mais crescemos em graça, mas podemos retardar
ou prejudicar esse crescimento fazendo aquelas coisas que apagariam o fogo.

• E possível q u e o Espírito c o n d u z a alg uém n u m a direção


c o n trá ria à ética bíblica revelada?

Não. Sem dúvida, não. O Espírito Santo não poderia nunca levar uma
pessoa a desobedecer o ensino do Espírito Santo. Isso seria Deus agindo
contra si mesmo. Penso que é elementar e absolutamente óbvio para todo
cristão que Deus, o Espírito Santo, não dará a você, como indivíduo, uma
orientação ou ordem para agir em oposição à Palavra de Deus.
Falo com tanto ardor sobre isso porque freqüentemente encontro pes­
soas que me dizem que Deus lhes deu uma inclinação ou uma orientação
particular que os exime das obrigações morais que Deus estabeleceu. Já
encontrei pessoas que me disseram que oraram a respeito de cometer um
adultério e que Deus, o Espírito Santo, lhes deu paz a respeito do assunto.
Como você pode ser tão ignóbil? Isso não é blasfêmia contra o Espírito
Santo, mas certamente entristece o Espírito Santo. Também chega peri­
gosamente perto de blasfemar contra o Espírito Santo o fato de alguém
não apenas recusar-se a se arrepender do pecado, mas atribuir ao próprio
Deus a motivação e a licença para pecar. Essa é a propensão que temos,
chamar o bem de mal e o mal de bem.
Tenho visto também cristãos devotos e sinceros falarem dessa ma­
neira. Tenho encontrado grandes estudiosos da Bíblia que me olham
nos olhos e dizem que o Espírito Santo lhes deu permissão para fazer
algo que Deus claramente proíbe em sua Palavra. Esta é uma das razões
pelas quais a Bíblia nos recomenda testar os espíritos para saber se são
de Deus. Como testamos um espírito? Como posso saber se tenho a
f-orientação do Espírito Santo? Isso pode ser algo muito subjetivo e sin­
gular. Certamente creio que Deus, o Espírito, inclina nossos corações
em determinadas direções e ajuda a nos orientar para viver essa vida,
mas devemos ser cuidadosos para não confundir a liderança do Espírito
com indigestão ou, o que é pior ainda, com a liderança do antiespírito,
a liderança do próprio inimigo que procura nos desorientar. Lembre-se
que Satanás se disfarça num anjo de luz.
Se você crê que as Escrituras vêm através da inspiração de Deus, o
Espírito Santo, e que ele é o Espírito da verdade, e que é esta verdade que
está encerrada nas sagradas Escrituras, então, a maneira mais fácil de
testar qualquer inclinação particular ou de um grupo é usando a Palavra
de Deus. Tenho certeza de que ali temos a liderança do Espírito. Ali o
Espírito é inspirado.
O Espírito da verdade estabelece para nós, nas proposições das Escritu­
ras, aquilo que é agradável a Deus e de acordo com sua perfeita vontade.
Não posso conceber Deus, o Espírito, dizendo-me para desobedecer aquilo
que Deus falou.
• As E scrituras d iz e m q u e Cristo d e c la ro u q u e o p e c a d o
im p e rd o á v e l é a blasfêm ia c o n tra o Espírito Santo. Seria
possível explicar o q u e é isso e c o m o eu p oderia o rar p o r
alg u ém q u e está c o m e te n d o esse pecado?

Há muita confusão sobre o pecado que Jesus disse que não pode ser
perdoado nem nesse mundo nem no mundo futuro. Algumas pessoas pen­
sam que o pecado imperdoável é o homicídio porque o Antigo Testamento
apresenta sanções muito fortes contra o homicídio e diz que se uma pessoa
comete homicídio ainda que ela se arrependa deve ser executada. Outros
acreditam que é o adultério, porque o adultério viola a união entre duas
pessoas. Por mais graves que esses pecados possam ser, não creiam que eles
caibam na descrição porque vemos que o rei Davi, por exemplo, que era
culpado de ambos, adultério e homicídio, foi perdoado.
Creio que Jesus é claro. Ele o identifica. Ele diz que o pecado é a
blasfêmia contra o Espírito Santo. O que significa isso?
Antes de mais nada, vamos entender que blasfêmia é um pecado que só
pode ser feito com palavras. É um pecado que você comete com a sua boca
ou com a sua pena — é um pecado verbal. Tem a ver com o dizer algo
contra o Espírito Santo. Você se lembra que os líderes religiosos — os clé­
rigos, fariseus e saduceus eram os que se mostravam constantemente hostis
contra Jesus e tramavam uma conspiração para apanhá-lo. Eles planejaram
matar Jesus e estavam sempre o atacando e o acusando disso e daquilo.
Numa ocasião, eles disseram que Jesus expulsava Satanás pelo poder de
Satanás. É quase como se Jesus dissesse: “Parem já, rapazes. Tenho sido
paciente com vocês, tenho sido tolerante, tenho sido longânime, mas agora
vocês estão chegando perigosamente perto de fazer uma acusação que os
aniquilará agora e para sempre.” Ele disse que qualquer pecado contra o
Filho do Homem pode ser perdoado, mas se você blasfemar contra o Espí­
rito Santo (atribuindo a ação do Espírito Santo a Satanás, ou igualando-as),
você está perdido. Preste atenção também que quando Jesus está sobre a
cruz, ele ora por aqueles mesmos homens que o colocaram ali: “Pai, per­
doa-lhes” — Por quê? — “porque não sabem o que fazem”. E no dia do
Pentecostes, quando Pedro pregou seu tremendo sermão, ele fala sobre aque­
les que mataram Jesus, dizendo que eles não o teriam feito se soubessem.
Depois da ressurreição, o Espírito Santo elevou Jesus e o declarou como o
Cristo poderoso. Se você ler o livro de Hebreus, verá que a distinção entre
blasfemar de Cristo e blasfemar do Espírito Santo desaparece.
Sobre aqueles que cometeram “o pecado para a morte”, a Bíblia nos diz
que não somos obrigados a orar por tais pessoas. Devemos orar pelas pesso­
as que estão cometendo qualquer outro pecado, mas se virmos uma pessoa
cometendo o pecado para a morte, não somos obrigados a orar por ela. A
Bíblia não nos proíbe, mas diz que não somos obrigados a orar por tais
pessoas, e creio que isso se aplica a esse pecado.

• Atos 13.52 diz: "Os discípulos, porém, transbordavam de alegria e


do Espírito Santo". Por q u e a m aio ria dos cristãos hoje não
está c o n t i n u a m e n t e assim ?

Em primeiro lugar, quando lemos uma afirmação como essa no livro de


Atos, ela descreve a atitude e postura dos discípulos num período particular
da história da redenção. Creio que seríamos descuidados se pensássemos
realmente que o livro de Atos está tentando nos dizer que, pela vida inteira,
sob qualquer circunstância, em todos os momentos os cristãos da igreja
primitiva estavam constantemente fervilhando de alegria. Lemos as cartas
do apóstolo Paulo nas quais ele expressa profunda angústia e tristeza e dor em
diferentes ocasiões do seu ministério. Ele fala sobre o fato de que aprendeu a
estar contente em qualquer circunstância em que se encontre e que existe
uma tendência oculta, um sistema que sustenta sua alegria que é fundamental
para toda a sua vida cristã. Entretanto, aquela alegria sofre, regularmente, a
intromissão de tristezas, desapontamentos e frustração. De fato, ele diz que
há ocasiões em que ele está perplexo, mas não desesperado, está deprimido,
mas não destruído, ele tem de lutar assim como você e eu temos de lutar.
Houve um período pequeno e particular de tempo na igreja primitiva
em que houve muito com que se alegrar e se regozijar. Isto ocorreu quando
o Espírito Santo estava sendo derramado, e havia um triunfo após o outro
no derramamento do Espírito de Deus. Sem dúvida, esse foi um momento
de celebração, de júbilo, quando o Espírito estava sendo derramado sobre a
igreja e esta via a espantosa expansão de crescimento e desenvolvimento
que ocorreu em seus primeiros anos.
Pode ser que, em geral, os cristãos hoje não sejam tão alegres e felizes
como foram no século I. Não estou certo de que seja este o caso, mas se for,
penso que é algo que poderíamos achar normal, depois de dois mil anos
afastados da presença imediata do ministério de Jesus. A igreja primitiva
tinha a vantagem de ter sido testemunha ocular de Jesus, razão por que ele
disse: “Bem aventurados os que não viram e creram” do que aqueles que
gozaram do privilégio de fazer parte da igreja primitiva. Obviamente, se as
pessoas da igreja cristã hoje tivessem as mesmas experiências que tiveram
aqueles que foram os pais e mães de nossa igreja cristã no século I, penso
que veríamos um nível mais profundo de zelo, compromisso e alegria.
Devemos ser cuidadosos para não idealizar a comunidade da igreja pri­
mitiva descrita em Atos, porque, às vezes, ela não era pura. Existiam mui­
tos problemas e, em suas cartas, Paulo se refere a muitos problemas e lutas
que estavam acontecendo na igreja primitiva. Mas havia um espírito que
precisamos disseminar na igreja hoje, um espírito de alegria e um senso de
poder na presença do Espírito de Deus.
O LIVRO DOS LIVROS

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil


para o ensino, para a repreensão, para a correção,
para a educação na justiça, afim. de que o homem de Deus seja
perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.”
— 2 T im ó t e o 3.16,17

Perguntas dessa seção:

• Como você sabe que a Bíblia é verdadeira?


• Como os livros da Bíblia foram selecionados e compilados?
• Quais foram os processos que os concílios da igreja utilizaram para deci­
dir quais os manuscritos que seriam incluídos na Bíblia? Quais os critéri­
os que eles usaram para decidir que livros seriam colocados no Cânon?
• Falamos da Bíblia como sendo a Palavra inspirada de Deus. Os homens
que escolheram os livros que seriam incluídos na Bíblia também foram
inspirados por Deus?
• Como a ressurreição de Jesus confirma a autoridade das escrituras do
Novo Testamento?
• Como podemos saber que a Bíblia é a verdadeira Palavra de Deus depois
de tantas interpretações?
• Por que os cristãos—pessoas cheias do Espírito da verdade — discordam
sobre o que a Bíblia diz?
• Há tantas interpretações diferentes sobre o que a Bíblia está dizendo. Como
posso saber qual delas está certa?
• Quando discuto conceitos bíblicos com meus amigos, freqüentemente ouço
a resposta: “Essa é a sua interpretação.” Como devo responder?
• Recentemente adquiri uma Bíblia Viva, preparada para leituras diárias.
Devemos ficar precavidos a respeito dessa versão?
• A Bíblia reivindica autoridade sobre a vida do crente?
• A Bíblia reivindica autoridade sobre a vida do não crente?
• O que um cristão pode aprender com o Antigo Testamento? Ele é tão
importante para o meu crescimento como é o Novo Testamento?
• Como o Antigo Testamento se aplica aos cristãos hoje?
• O que os cristãos devem pensar sobre a evolução?
• A Bíblia nos diz qual é a idade da Terra?
• Como educador cristão, quais são algumas de suas frustrações em seu
esforço para ensinar a Palavra?

• C om o você sabe q u e a Bíblia é verdadeira?

Essa é uma excelente pergunta porque muita coisa está em jogo na fé


cristã no que se refere à veracidade das Escrituras. A Bíblia é nossa fonte
primária de informação sobre Jesus e sobre todas aquelas coisas que abra­
çamos como elementos de nossa fé. Sem dúvida, se a Bíblia não é verdadei­
ra, então os cristãos professos estão em sérias dificuldades. Creio que a
Bíblia é verdadeira. Creio que ela é a Palavra de Deus. Como o próprio
Jesus declarou sobre as Escrituras: “A tua Palavra é a verdade”. Mas por
que estou convencido de que a Bíblia é a verdade?
Precisamos fazer uma pergunta mais abrangente primeiro. Como sabemos
que qualquer coisa é verdade? Estamos fazendo uma pergunta técnica de
epistemologia. Como podemos testar as reivindicações de verdade? Há um cer­
to tipo de verdade que podemos testar através de observação, experimentação,
testemunho ocular, exame e evidência científica. No que se refere à história de
Jesus, até onde conhecemos qualquer história, devemos checar as histórias das
Escrituras usando os meios pelos quais as evidências históricas podem ser tes­
tadas — através da arqueologia, por exemplo. Há certos elementos das Escritu­
ras, como alegações históricas, que devem ser examinados pelos padrões co­
muns da historiografia. Eu convido as pessoas a fazerem isso — examinar.
Segundo, devemos testar as alegações de verdade pelo teste da raciona­
lidade. É logicamente consistente, ou tem uma mensagem dúbia? Examina­
mos o conteúdo das Escrituras para verificar se ela é coerente. Esse é outro
teste de verdade. Uma das coisas mais espantosas, sem dúvida, é que a
Bíblia apresenta literalmente milhares de profecias históricas verificáveis,
casos nos quais os eventos foram claramente preditos, e ambos, a predição
e o cumprimento são uma questão de registro histórico. A própria dimensão
do simples cumprimento da profecia das Escrituras do Antigo Testamento
deveria ser suficiente para convencer qualquer pessoa de que estamos li­
dando com um tipo de literatura sobrenatural.
Sem dúvida, alguns teólogos têm dito que, com toda evidência que exis­
te de que as Escrituras são verdadeiras, somente poderemos aceitá-las atra­
vés da ação do Espírito Santo trabalhando em nós para superarmos nossos
preconceitos e dificuldades contra as Escrituras e contra Deus. Em teologia
isso é chamado de testemunho interno do Espírito Santo. Nesse ponto, que­
ro enfatizar que, quando o Espírito Santo me ajuda a ver a verdade das
Escrituras e a abraçar essa verdade, não é porque ele esteja me dando uma
percepção especial que não dá a outras pessoas, ou que esteja me dando
uma informação que ninguém mais tem. Tudo o que o Espírito Santo faz é
mudar o meu coração, mudar minha disposição para com a evidência que já
está lá. Penso que Deus mesmo plantou dentro das Escrituras uma coerên­
cia interna que dá testemunho de que essa é a sua Palavra.

• C om o os livros da Bíblia foram , selecionados e c o m p ila ­


dos e c o m o se cheg ou à decisão sobre o q u e seria d istri­
b u íd o c o m o Palavra de Deus?

Embora pensemos na Bíblia como sendo um livro, ela é, na verdade,


uma seleção de sessenta e seis livros e entendemos que houve um processo
histórico pelo qual aqueles livros em particular foram reunidos e colocados
em um volume que conhecemos como Bíblia. Na realidade, chamamos a
Bíblia de cânon das Sagradas Escrituras. Cânon é uma expressão tirada da
palavra grega cânon, que significa "vara de medir.” Isto é, é o padrão de
verdade pelo qual todas as outras verdades devem ser julgadas na vida cristã.
Tem havido muitas teorias diferentes estabelecidas ao longo da história
da igreja sobre como exatamente a mão de Deus estava envolvida nesse
processo de seleção. Alguns céticos têm sugerido que, apenas no cânon do
Novo Testamento, havia mais de três mil livros que eram candidatos à inclu­
são, e apenas um punhado (vinte e sete livros) foram escolhidos. Isso não
levanta questionamentos muito sérios? Não é possível que certos livros que
estejam na Bíblia não devessem estar e que outros, que foram excluídos
pela a avaliação e julgamento humanos, devessem ter sido incluídos? Preci­
samos manter em mente, entretanto, que daqueles que não foram incluídos
em última análise, houve, no máximo, três ou quatro que foram seriamente
considerados. Portanto, falar de cerca dois ou três mil que foram reduzidos
a vinte e sete ou algo parecido, é uma distorção da realidade histórica.
Algumas pessoas assumem a posição de que a igreja é uma autoridade
superior à Bíblia, porque a única razão pela qual a Bíblia tem qualquer
autoridade é o fato de que a igreja declarou quais os livros que a Bíblia deveria
conter. A maioria dos protestantes, entretanto, assume um ponto de vista dife­
rente e sugere que quando a decisão foi feita sobre quais os livros que deveriam
ser considerados canônicos, eles usaram o termo latino recipemus, que significa
“nós recebemos.” O que a igreja disse é que nós recebemos esses livros em
particular como sendo canônicos, como sendo apostólicos em sua autoridade e
em sua origem, e, portanto, nos submetemos à sua autoridade.
Conferir autoridade a algo é uma coisa, reconhecer algo que já tem auto­
ridade é outra. Aquelas decisões humanas não transformaram repentinamen­
te em autoridade algo que não tinha autoridade, mas, ao contrário, a igreja
estava se curvando, aquiescendo com aquilo que reconheceu ser Escritura
sagrada. Não podemos evitar a realidade de que, embora a mão providencial
e invisível de Deus estivesse trabalhando no processo, houve um processo
histórico de escolha, e julgamentos humanos foram feitos que poderiam es­
tar enganados. Mas não creio que tenha sido este o caso.

• Q uais fo ra m os processos q u e os concílios da igreja u tili­


zaram para decidir q u e m a n u s c rito s seriam in clu íd o s na
Bíblia?

A igreja se reuniu em vários concílios históricos nos quais representantes


da igreja examinaram os documentos que estavam sendo cogitados para uma
possível inclusão. Posso mencionar que entre alguns daqueles que não foram
incluídos havia uma das primeiras cartas de Clemente de Roma, que era o
bispo de Roma por volta do ano 95 d.C.. Uma das razões pelas quais a carta
de Clemente não foi incluída no Cânon foi o fato de que Clemente, em seu
próprio escrito, reconhecia a superioridade do escritos apostólicos.
Que critérios a igreja usou para avaliar os candidatos à admissão no
cânon da igreja? Um deles foi o da origem apostólica, isto é, se pudesse ser
demonstrado que aquele livro havia sido escrito por um apóstolo de Jesus
Cristo, esse livro seria aceito no Cânon. Por exemplo, vemos que o evange­
lho de Mateus foi escrito por um dos doze discípulos e um membro do
corpo apostólico, portanto, esse livro foi aceito como canônico desde o prin­
cípio. O livro de Mateus não esperou até o último concílio no final do sécu­
lo IV para ser incluído. Ele estava lá desde o começo.
Temos também livros como Marcos. Marcos não era um apóstolo, mas Mar­
cos era o escritor de Pedro, e sabemos que a autoridade de Pedro estava por trás de
Marcos, portanto, o evangelho de Marcos foi aceito muito cedo na igreja cristã.
As cartas de Paulo foram aceitas desde o começo; e até mesmo as cartas
de Pedro se referem às cartas de Paulo como “escritura.”
Outro critério era o da aceitação do livro pela comunidade da igreja pri­
mitiva. Também se exigia conformidade com aquele grupo de livros sobre os
quais não havia nenhuma dúvida. Os poucos livros que eram contestados iam
de encontro ao que já estava claramente estabelecido como Escritura.

• Falamos da Bíblia c o m o se n d o a Palavra in sp irad a de Deus.


Os h o m e n s q u e e sco lh e ram os livros q u e seriam in c lu í­
dos n a Bíblia ta m b é m foram in sp irad o s p o r Deus?

Este é um ponto importante de disputa entre a teologia histórica Católi­


ca Romana e a teologia clássica Protestante.
A Igreja Católica Romana saiu a campo, particularmente no Concílio
de Trento, no século XVI, para declarar que não apenas os autores indivi­
duais eram inspirados ao escrever seus próprios livros, mas que a igreja
operou e funcionou infalivelmente no processo de escolha pelo qual o cânon
do Novo Testamento, por exemplo, foi estabelecido.
Em resumo, Roma acredita que o Novo Testamento é uma coleção infa­
lível de livros infalíveis. Essa é uma perspectiva. A crítica erudita moderna,
que rejeita a infalibilidade dos volumes individuais das Escrituras assim
como de toda a Escritura, diria que o cânon das Escrituras é uma coleção
falível de livros falíveis.
A posição histórica Protestante compartilhada por luteranos, metodistas,
episcopais, presbiterianos tem sido de que o cânon das Escrituras é uma coleção
falível de livros infalíveis. O raciocínio é o seguinte: no tempo da Reforma, uma
das discussões mais importantes no século XVI era a questão da autoridade. Já
vimos a discussão central da justificação pela fé somente, que foi resumida pela
fórmula usada pelos Reformadores: solafide, pela fé somente [“somos justifica­
dos pela fé somente.”] Havia também a questão da autoridade e o princípio que
surgiu entre os Protestantes era o da sola scriptura, que significa que apenas a
Escritura tem autoridade para sujeitar nossas consciências. Somente a Escritura
é infalível porque Deus é infalível. A igreja recebe a Escritura como Palavra de
Deus, e a igreja não é infalível. Essa é a posição de todas as igrejas protestantes.
A igreja tem uma rica tradição, e respeitamos os pais da igreja assim
como o nosso credo. Entretanto, aceitamos a possibilidade de que eles pos­
sam errar em vários pontos. Não acreditamos na infalibilidade da igreja. Eu
diria que há alguns protestantes que crêem que houve uma ação da provi­
dência divina e uma ação especial do Espírito Santo que protegeram o Cânon
de erros no processo de escolha. Eu não assumo esta posição. Penso que é
possível que livros errados tivessem sido selecionados, mas não creio de
maneira nenhuma que seja esse o caso. Penso que a tarefa que a igreja
enfrentou e cumpriu foi maravilhosamente bem feita e que temos todos os
livros que deveríamos ter no Novo Testamento.

• C o m o a ressurreição de Jesus c o n firm a a a u to rid a d e do


N ovo T esta m e n to ?

A única forma pela qual a ressurreição de Jesus pode confirmar a au­


toridade das Escrituras do Novo Testamento é de forma indireta. Alguns
autores do Novo Testamento alegam que aquilo sobre o que estão testemu­
nhando não foi elaborado como resultado de sua própria percepção mas, na
realidade, foi escrito sob a supervisão e superintendência do Espírito Santo.
Essa é uma reivindicação radical de verdade que exige alguma forma de
verificação para a maioria das pessoas.
A única forma pela qual a ressurreição poderia confirmar as Escrituras é
a seguinte: a ressurreição confirma Jesus. A ressurreição, como o Novo
Testamento reivindica, mostra Jesus como aquele que é capaz de fazer mi­
lagres e como aquele que é confirmado como um agente de revelação pelo
próprio fato de que Deus lhe dá o poder para realizar esses milagres.
Por exemplo, Nicodemos veio a Jesus e disse: “Rabi, sabemos que és
Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que
tu fazes, se Deus não estiver com ele'''’ (Jo 3.2). Nicodemos estava pensando
acertadamente nesse ponto. Sua linha de raciocínio era a seguinte: ele não
podia conceber que Deus conferiria o poder de realizar milagres bona fide a
um falso profeta. A própria presença de milagres indicava a autorização do
que poderíamos chamar crédito do autor. Eles demonstravam o endosso de
Deus para com esse mestre em particular.
Não seria possível dar nenhum endosso maior do que o fato de que Je­
sus foi ressuscitado dos mortos e vindicado e apresentado como o Filho de
Deus, como ele alegava ser — cumprindo as próprias predições que ele
havia feito. Em Atos, Paulo afirma que Deus provou que Jesus era o Cristo
através da ressurreição. O que isso tem a ver com as Escrituras?
Se, na realidade, foi provado que Cristo é o Filho de Deus pela ressur­
reição e nós descobrimos que Cristo, que é o Filho de Deus, um profeta de
Deus, um mestre verdadeiro confirmado pelos milagres, ensina que a Bí­
blia é a Palavra de Deus, então é essa sua confirmação da Bíblia que testifica
as alegações dos apóstolos.
A única maneira de sabermos sobre a ressurreição de Jesus é através da Bí­
blia. Se a ressurreição testifica de Jesus, e Jesus testifica sobre a Bíblia, como
ficamos sabendo a respeito da ressurreição de Jesus exceto através da Bíblia?
Não temos necessidade de ter uma Bíblia inspirada para estarmos persuadidos
da evidência da atividade histórica da Ressurreição. Não creio na ressurreição
porque uma Bíblia infalível me fala sobre ela. Creio que a Bíblia é infalível
porque a ressurreição autentica Jesus como uma fonte infalível sobre a Bíblia.

• C om o p o d e rm o s saber q u e a Bíblia é a verdadeira Palavra


de Deus dep ois de ta n ta s in terpretações?

A multiplicidade e variedade e até mesmo as interpretações contraditó­


rias das Escrituras realmente têm pouco ou nada a ver com a questão da sua
origem. Permitam-me fazer uma analogia.
Temos visto todo tipo de interpretação da Constituição dos Estados
Unidos, mas embora partidos políticos e diferentes juizes tenham posições
diferentes sobre o que a Constituição diz e significa, e qual é o seu propósi­
to, nenhuma dessas diferenças de opinião lança qualquer dúvida sobre a
fonte da Constituição. Sabemos quem escreveu a Constituição. Sabemos de
onde ela veio e o que ela é.
As pessoas se sentem aflitas a respeito do que a Bíblia ensina por causa
da diferença de opiniões. Se estabelecemos que a Bíblia é a Palavra de
Deus, metade da batalha está ganha. A próxima coisa que precisamos des­
cobrir é: o que ela diz? Podemos concordar sobre o que ela ensina? A supo­
sição é: se posso convencê-lo de que o que eu penso que a Bíblia ensina é na
realidade aquilo que ela ensina, e você concorda, então você mudará sua
opinião porque você creu que ela é a Palavra de Deus.
Muitas pessoas ficam perturbadas com o fato da Bíblia ser interpretada de
tantas maneiras e, por conseqüência, se deixam levar por uma perspectiva de
relativismo que destrói completamente o significado real das Escrituras. Pode
ser extremamente difícil para nós descobrir a interpretação certa, e podemos ficar
frustrados com tanta discordância sobre ela, mas parte da razão pela qual lutamos
tanto entre nós a respeito de interpretação bíblica é que todos nós concordamos
que é absolutamente fundamental compreender corretamente a Palavra de Deus.
• Por q u e os cristãos — pessoas cheias d o Espírito da ver­
d a d e — d isc o rd a m sobre o q u e a Bíblia diz?

Num livro anterior que escrevi intitulado Psychology o f Atheism (Psi­


cologia do Ateísmo) mais tarde publicado com o título If there is a God,
Why Are There Atheists? (Se existe um Deus, Por Que Há Ateus?) escrevi
um capítulo inteiro sobre por que os eruditos discordam. Não encontramos
apenas cristãos discordando sobre o que a Bíblia ensina, mas algumas das
mentes mais privilegiadas da história discordam em alguns pontos muito
importantes. Eu diria que há três razões principais pelas quais grandes estu­
diosos discordam em questões fundamentais.
A primeira é porque tendemos a fazer erros lógicos. Recebemos a capa­
cidade de raciocinar, mas não somos perfeitos em nosso poder de raciocí­
nio. Todos tiramos inferências que não são legítimas. Cometemos erros que
violam as leis da lógica. Lembro-me de que, quando estudei introdução à
lógica na faculdade, vimos exemplos de falácia ou erro. Os exemplos apre­
sentados em nossos livros de texto não eram tirados de jornais nem de his­
tórias em quadrinhos, mas dos escritos de algumas das pessoas mais bri­
lhantes da história: Platão, John Stuart Mill e David Hume. Esses homens
são universalmente conhecidos como algumas das pessoas mais brilhantes
que já pisaram a face da terra. Eles cometeram erros lógicos espetaculares
que serviram como ilustração sobre como não raciocinar no livro texto “In­
trodução à Lógica”. Erros de raciocínio são a primeira razão.
A segunda razão são erros empíricos. Todos nós somos limitados em
nossa perspectiva e no nosso campo de experiência. Nenhum de nós foi
capaz de examinar toda a informação existente. Às vezes nossa visão ou
nossa audição nos enganam. Somos limitados pelos sentidos que usamos
para perceber a realidade ao nossos redor. Limitações na percepção sensori­
al aumentam a possibilidade de cometer erros.
E a terceira grande causa de erro, quer seja no entendimento da Bíblia,
quer seja no entendimento da ciência, é preconceito. Somos preconceituosos.
Às vezes enfrentamos um problema ou uma matéria de estudo com precon­
ceitos contra a informação. Não desejamos acreditar naquilo que a infor­
mação nos dirá. Quando nos tornamos cristãos, não somos purificados da
habilidade de pecar. Nem sempre desejamos acreditar no que a Bíblia ensi­
na e, portanto, faremos erros de interpretação como resultado de nosso pen­
samento obscurecido por causa da dureza dos nossos corações ou porque
não conhecemos as ferramentas necessárias para o estudo bíblico. Não apren­
demos suficientemente a língua ou não fomos habilitados ou treinados nas
inferências legítimas ou nas leis de inferência imediata.
A principal razão pela qual os cristãos discordam sobre aquilo que a
Bíblia ensina é porque somos pecadores. É um pecado compreender mal a
Bíblia ou interpretar mal a Bíblia porque, em última análise, isso é resulta­
do de não sermos absolutamente diligentes em nossa procura da verdade da
Palavra de Deus. Temos a assistência do Espírito Santo, e somos chamados
a amar a Deus de todo nosso entendimento. A pessoa que ama a Deus com
todo o entendimento não é descuidada na maneira como usa as Escrituras.

• Há ta n ta s in te rp retaç õ e s diferentes sobre o q u e a Bíblia


está d izend o, c o m o saber q u a l delas está certa?

Esse é um problema que aflige a todos nós. Há algumas coisas teóricas


que podemos dizer sobre isso, mas prefiro gastar tempo no que é prático.
A Igreja Católica Romana acredita que uma das funções da igreja é ser o
intérprete autorizado e legítimo das Escrituras. Eles crêem que não somente
temos uma Bíblia infalível, mas que também temos uma interpretação infalí­
vel da Bíblia. Isso de alguma forma melhora o problema, mas não o elimina
completamente. Ainda temos aqueles que têm de interpretar a interpretação
infalível da Bíblia. Cedo ou tarde. cabe a alguns de nós, que não somos infa­
líveis. Temos esse problema porque há centenas de diferenças de interpreta­
ção entre aquilo que os papas dizem e aquilo que os concílios da igreja dizem,
assim como há centenas de interpretações daquilo que a Bíblia diz.
Algumas pessoas ficam quase desesperadas dizendo: “se os teólogos
não podem concordar sobre isso, como eu. um simples cristão, vou ser ca­
paz de entender quem está dizendo a verdade?'’
Encontramos essas mesmas diferenças de opinião na medicina. Um mé­
dico diz que você precisa de uma operação, e outro médico diz que não.
Como descobrir qual dos dois médicos está dizendo a verdade? Nessa altu­
ra, estou arriscando minha vida de acordo com o médico em quem acredi­
tar. É perturbador ter especialistas diferindo sobre questões importantes, e
essas questões de interpretação bíblica são muito mais importantes do que
o fato de ser ou não necessário tirar o meu apêndice. O que você faz em
casos como esse, de opiniões diferentes apresentadas por médicos diferen­
tes? Vai a um terceiro médico. Tenta investigar, tenta examinar suas cre­
denciais para ver quem tem o melhor treinamento, quem é o médico mais
confiável; e então você ouve o diagnóstico que o médico apresenta e julga
qual deles é mais coerente. Eu diria que o mesmo ocorre quanto às diferen­
ças nas interpretações bíblicas.
A primeira coisa que desejo saber é: quem está interpretando? Ele estu­
dou? Ligo a televisão e vejo todo tipo de ensino sendo apresentado por prega­
dores da televisão que, francamente, simplesmente não receberam treinamento
em teologia nem em estudos bíblicos. Eles não têm qualificações acadêmi­
cas. Sei que pessoas sem qualificações acadêmicas podem ter uma interpreta­
ção saudável da Bíblia, mas não é provável que sejam tão precisos quanto
aqueles que passaram anos em pesquisa cuidadosa e treinamento disciplina­
do para lidar com as difíceis questões da interpretação bíblica.
A Bíblia é um livro aberto para todos, e todos têm a mesma possibilida­
de de se deparar com o que quer que desejem encontrar nela. Devemos
procurar as credenciais dos professores. Não apenas isso, mas não deseja­
mos nos apoiar na opinião de uma única pessoa. Por isso, quando se trata de
interpretação bíblica, sempre aconselho as pessoas a consultarem tantas
fontes quantas forem possíveis e não apenas as fontes contemporâneas, mas
os grandes pensadores, os pensadores reconhecidos da história do Cristia­
nismo. É espantoso para mim a enorme concordância que existe entre Agos­
tinho, Tomás de Aquino, Anselmo, Lutero, Calvino e Edwards — os reco­
nhecidos mestres da história da igreja. Sempre os consulto porque são os
melhores. Se você deseja saber alguma coisa, procure os especialistas.

• Q u a n d o d is c u to c o n c e ito s bíblicos c o m m e u s am igos,


f r e q ü e n te m e n te o u ç o a resposta: "Essa é a sua in te r p r e ­
tação." C o m o devo resp o n d er?

Essa é uma resposta bem comum. Você estuda uma passagem com cui­
dado, e então apresenta a passagem e alguém olha para você e diz: “Bem,
essa é a sua interpretação.”
O que eles querem dizer realmente com essas palavras? Que qualquer
coisa que você disser pode estar errado, e, desde que essa é a sua interpreta­
ção, ela deve estar incorreta? Não creio que as pessoas estejam tentando
nos insultar. O problema real aqui é se existe ou não uma interpretação
correta ou incorreta das Escrituras. Quando as pessoas dizem: “Essa é a sua
interpretação,” o que elas realmente querem dizer é: “Eu interpreto do meu
jeito e você interpreta do seu. Todo mundo tem o direito de interpretar a
Bíblia como quiser. Nossos pais morreram pelo direito do que chamamos
interpretação pessoal: que cada cristão tem o direito de ler a Bíblia por si
mesmo e de interpretá-la por si mesmo.”
Quando a interpretação se tomou um ponto de disputa no século XVI, no
Concílio de Trento, a Igreja Católica Romana adotou uma posição restrita
sobre isso. Um de seus dogmas na quarta sessão diz que ninguém tem o direi­
to de distorcer as Escrituras aplicando interpretações particulares a elas. Na
medida em que essa afirmação foi registrada em Trento, eu concordo com ela
de todo o coração porque está absolutamente certa. Embora eu tenha o direito
de ler a Bíblia por mim mesmo e a responsabilidade de interpretá-la correta­
mente, ninguém jamais tem o direito de interpretá-la erradamente.
Creio que há apenas uma interpretação correta da Bíblia. Pode haver
mil aplicações diferentes de um versículo, mas apenas uma interpretação
correta. Minha interpretação pode não estar certa, e a sua pode não estar
certa, mas, se elas são diferentes, ambas não podem estar certas. Isso é
relativismo levado a um extremo ridículo. Quando alguém diz: “Bem, essa
é a sua interpretação,” eu responderia: “Vamos tentar encontrar o sentido
objetivo do texto e ir além de nossos preconceitos pessoais.”

• R e c e n te m e n te a d q u iri u m a Bíblia Viva, p re p a r a d a p a ra


leitu ra s diárias. Tenho a c h a d o q u e essa versão é m u it o
agradável e d e te sto q u a n d o a leitura d o dia te rm in a . De­
v e m o s ficar precavidos a respeito dessa versão?

Parece que todas as vezes que uma nova tradução da Bíblia aparece no
mercado há um certo grau de controvérsia que acompanha sua chegada. As
pessoas tendem a preferir as traduções testadas e confirmadas. A primeira
tradução da Bíblia das línguas originais para o vernáculo se tornou uma
questão tão controvertida que aqueles que ousaram traduzir a Bíblia em
alemão ou em inglês foram, em muitos casos, executados.
Por muitos anos a versão autorizada em inglês foi a King James Version
(Versão do Rei James). Quando apareceu uma tradução mais atualizada
como a Revised Standard Version (Versão Revista), houve um tremendo
grito de protesto contra ela. Esse protesto continua até hoje para aqueles
que preferem a edição da King James.
Existem basicamente duas razões para termos essa proliferação de no­
vas traduções. A primeira é que, nesse século XX, experimentamos uma
explosão de conhecimento e informação sobre lexicografia antiga, ou o sig­
nificado da palavra. Tivemos tantas descobertas a mais que lançaram luz
sobre o sentido preciso das palavras hebraicas e gregas, que nossa capaci­
dade de traduzir documentos originais com precisão foi radicalmente au­
mentada. Quando traduzimos um documento de uma língua para outra, cor­
remos o risco de perder alguma precisão que existe no texto original. Sem­
pre que temos uma compreensão melhor do original, desejamos refletir isso
na próxima edição de nossa tradução.
Segundo, descobrimos muitos outros textos do Novo Testamento grego,
e, para ser bem franco, os manuscritos gregos dos quais a versão King James
foi traduzida não eram os melhores manuscritos gregos. Desde que a versão
King James foi apresentada pela primeira vez tivemos um enorme progres­
so na reconstrução dos manuscritos originais da Bíblia, e essa é outra razão
para fazermos atualizações.
Há ainda uma outra razão, e essa é que a língua muda, e palavras que
antigamente significavam uma coisa dentro de uma cultura, agora significam
outra. Há vinte anos atrás, gay, em inglês, significava “alegre.” Não é esse o
significado hoje. As palavras sofrem uma evolução, e isso tem de se refletir
em novas traduções. Também há diferentes tipos de traduções. Algumas ten­
tam ser muito precisas, palavra por palavra, e outras tentam fazer mais uma
paráfrase. Vejo a Bíblia Viva como uma tentativa de simplificar e parafrasear, e
falar em termos gerais. As pessoas vêem nela um auxílio maravilhoso. Não a
recomendaria como a versão mais precisamente acurada para um estudo técni­
co cuidadoso, mas creio que ela tem prestado um tremendo serviço ao povo de
Deus, simplificando a mensagem muitas vezes misteriosa das Escrituras.

• A Bíblia reivindica autoridade sobre a vida do crente?

Creio que sim, obviamente, naquilo que a Bíblia diz sobre si mesma. E
aquilo que a Bíblia diz sobre si mesma é muito importante para o moderno
debate sobre sua autoridade na vida da igreja e na vida do crente individual.
Um dos maiores debates de nossa era é essa questão de autoridade da Bí­
blia. Mesmo que a Bíblia não reivindicasse autoridade sobre nós, a igreja ainda
a reconheceria como fonte primordial e diria: “Essa é a informação original que
temos dos ensinos de Jesus.” Obviamente, Jesus tem uma reivindicação de
autoridade sobre todo o crente visto que ele é o Senhor da igreja e o Senhor de
cada crente. E poderíamos atribuir esse tipo de autoridade às Escrituras.
Mas a autoridade da Bíblia não é provada por sua própria alegação.
Entretanto, é muito significativo que ela alegue ser a Palavra de Deus. Ago­
ra, qualquer coisa que seja a Palavra de Deus, no meu entendimento, carre­
garia em si, automaticamente, nada mais nada menos do que a autoridade
de Deus. O grande debate em nossos dias é se a Bíblia é inspirada, infalível
ou sem erros. Esses são os tipos de controvérsia sobre as quais as denomi­
nações estão discutindo no mundo cristão de hoje.
E atrás de todo esse debate, na verdade, está a questão da medida da
autoridade da Bíblia.
Para ilustrar, deixem-me compartilhar uma breve história a respeito de um
amigo meu que disse que havia abandonado toda confiança na inspiração da
Bíblia ou em sua infalibilidade. Ele disse: “Mas ainda mantenho minha crença
em Cristo como meu Senhor.” Eu disse a ele sem rodeios: “Como Jesus exerce
seu senhorio sobre você?” Ele perguntou: “O que você quer dizer?” Eu respon­
di: “Um senhor é alguém que tem autoridade para sujeitar sua consciência, para
lhe dar ordem de marchar, para lhe dizer ‘você precisa,’ ‘você deve,’ ‘Isso é
exigido de você.’ Como Jesus se toma seu Senhor? Como ele fala a você? Ele
fala audivelmente, diretamente, ou como?” Finalmente, ele compreendeu que a
única mensagem que temos de Jesus chega a nós por intermédio das Escrituras.
Portanto, a autoridade que a Bíblia tem sobre mim é a autoridade que Cristo
tem sobre mim, porque, quando ele enviou seus discípulos, ele lhes disse: “Quem
vos recebe a mim me recebe” (Mt 10.40). E é a autoridade de Cristo dada a seus
discípulos que encontramos na Bíblia. E, se vem de Cristo e, portanto, de Deus,
então sem dúvida toda a autoridade de Deus está por trás dela e sobre mim.

• A Bíblia reivindica a u to rid ad e sobre a vida d o n ã o crente?

Dividimos a Bíblia em duas seções que chamamos Antigo Testamento e


Novo Testamento, ou livro da velha aliança e livro da nova aliança. Na
realidade, historicamente os livros das Escrituras fazem parte de documen­
tos escritos sobre um acordo feito entre Deus e um certo povo. No Antigo
Testamento é um acordo feito entre Deus e o povo judeu. E no Novo Testa­
mento é chamado a aliança de Cristo com seu povo.
Uma vez que o não-crente não estabeleceu um relacionamento de alian­
ça com Deus, há um consenso de que ele se toma alheio à comunidade de
Israel ou à nova comunidade de Cristo e, portanto, não está formalmente
ligado por juramento às estipulações da aliança. Entretanto, também deve­
mos reconhecer que todo ser humano é criado a imagem de Deus.
Em virtude da humanidade da pessoa, ele ou ela estão inextricavelmente
ligados a um relacionamento de acordo com o Criador. Portanto, se escolho
não crer em Deus ou não servir a ele, ou não me envolver com religião de
forma nenhuma, isso não anula Deus nem sua existência, nem muda o fato de
que fui criado por Deus e sou responsável diante de Deus e Deus requer de
mim que eu o obedeça, o adore e preste atenção à sua voz. Portanto, olhando
a questão por esse ângulo, diríamos que o não crente, apesar de sua descren­
ça, ainda é responsável por atender aquilo que Deus diz. E, se as Escrituras
são a palavra de Deus, então elas carregam a autoridade de Deus. Se você
perguntasse: “Deus tem autoridade sobre o não crente?” Eu diria: “Sem dúvi­
da.” E qualquer coisa que Deus diz tem autoridade para todas as pessoas.

• O q u e u m c ristã o p o d e a p r e n d e r c o m o A n tigo Testa­


m e n t o ? Ele é tã o i m p o r t a n t e p a ra o m e u c re s c im e n to
q u a n t o é o N ovo T estam ento?

As Escrituras não são um único livro, mas uma coleção de sessenta e


seis volumes na biblioteca especial que chamamos Bíblia. O Novo Testa­
mento cobre um período de tempo da história do homem de mais ou menos
trinta e cinco anos, e desses, trinta anos são cobertos nos primeiros capítu­
los. Portanto, a maior parte do Novo Testamento cobre um período de cerca
de cinco anos da história do homem. E o mais importante período da histó­
ria do relacionamento de Deus com a raça humana porque ele cobre o mi­
nistério de Jesus e a expansão da igreja primitiva.
O Antigo Testamento, a partir de Gênesis 11 e durante o resto do Antigo
Testamento, cobre um período de cerca de dois mil anos de história da
redenção. Isso representa uma riqueza de informação sobre como Deus agiu
em favor de seu povo e da redenção deste mundo.
Não creio que possamos dizer que um é mais importante do que o outro.
Existe um sentimento muito difundido de que o cristão deve se preocupar
apenas com o Novo Testamento, que o Antigo Testamento é antiquado e
não é mais verdadeiramente relevante. De fato, existe cada vez mais o sen­
timento de que há dois deuses diferentes. Há o Deus do Antigo Testamento
e o Deus do Novo Testamento. O Deus do Antigo Testamento é um Deus de
ira, justiça e santidade. O Deus do Novo Testamento dá ênfase ao amor, à
misericórdia e à graça. Isso é, sem dúvida, uma distorção radical. Há uma
continuidade entre os dois Testamentos. Podemos distingui-los, mas não
ousamos separá-los. O mesmo Deus é revelado a nós tanto no Antigo Testa­
mento como no Novo Testamento. Santo Agostinho disse: “O Antigo está
revelado no Novo e o Novo está oculto no Antigo.”
O Antigo Testamento é a preparação para a vinda do Messias e da reve­
lação que recebemos no Novo Testamento. É como se perguntássemos: “O
alicerce de uma casa é importante? É essencial à casa?” Sem dúvida é es­
sencial à casa. A estrutura repousa sobre o alicerce e é isso que o Antigo
Testamento faz para com a nossa fé. Há muitos elementos da história do
Antigo Testamento que não são aplicáveis diretamente à vida cristã hoje,
como o sistema sacrificial, mas, mesmo a dimensão do sacrifício de bezer­
ros e cabritos e outros animais que encontramos no Antigo Testamento re­
vela algo que aponta para a vinda de Cristo e enriquece nossa compreensão
do que foi realizado por Cristo. Cerca de três quartos da informação exis­
tente no Novo Testamento é ou uma citação, ou uma alusão, ou o cumpri­
mento de algo que já se encontrava no Antigo Testamento.

• C om o o Antigo T estam ento se aplica aos cristãos hoje?

Uma das maiores fraquezas da igreja hoje é a tendência de denegrir e


negligenciar o Antigo Testamento. Ele é um volume de literatura muito
maior que o Novo Testamento e cobre um enorme período de história, a
história da redenção desde a criação do mundo até a chegada do Messias.
Tudo isto é a revelação da atividade de Deus nesse planeta, e creio que foi
inspirada pelo Espírito Santo e dado à igreja para sua instrução e edificação.
Também creio que um dos maiores problemas na igreja hoje é uma pro­
funda ignorância de Deus Pai. Nós nos relacionamos com Jesus. Ele é nos­
so redentor. Ele é Deus encarnado. Portanto, temos uma forma pela qual
podemos entender Jesus. É mais difícil quando olhamos para Deus, o Pai, e
também o Espírito Santo. A história do Antigo Testamento certamente pro­
clama algo sobre o Messias que deve vir, mas está constantemente revelan­
do o caráter de Deus, o Pai: aquele que enviou Jesus a esse mundo, aquele a
quem Jesus chama Pai e por quem Jesus afirma que foi enviado, a pessoa
com quem estamos sendo reconciliados e redimidos. Portanto, como seria
possível justificar a negligência de um tão grande acervo de literatura que
nos comunica o caráter, a natureza e a vontade de nosso Criador e daquele
que enviou nosso Redentor a esse planeta?
Santo Agostinho disse que o Novo Testamento está oculto no Antigo
Testamento e o Antigo Testamento está revelado no Novo Testamento. De
fato, cerca de três quartos do material do Novo Testamento é ou uma cita­
ção ou uma alusão daquilo que aconteceu antes dele.
Obviamente há coisas no Antigo Testamento que não se aplicam aos
cristãos em nossos dias. Por exemplo, não devemos continuar as cerimôni­
as que eram exigidas do povo judeu; essas cerimônias eram “modelos” que
antecipavam seu cumprimento cabal na obra de Cristo. Para nós, portanto,
oferecer sacrifício de animais seria um insulto ao término perfeito da obra
de Cristo na cruz. Isso não significa que, considerando que essa parte do
Antigo Testamento foi cumprida, podemos negligenciá-lo por completo. O
Antigo Testamento é um depósito de riquezas de conhecimento para o cris­
tão que desejar investigá-lo.

* O q u e os cristãos d e v em p e n sa r sobre evolução?

Não existe apenas um conceito de evolução. Fazemos uma distinção,


por exemplo, entre macroevolução e microevolução. Macroevolução alega
que toda a vida surgiu fortuitamente de uma única célula — uma pequena
célula pulsante de vida composta de aminoácidos, RNA e DNA, e então,
ocorreram mutações, através do acaso, de explosões ou algo parecido, hou­
ve mutações. Primeiro, apareceu uma forma inferior e simplificada de vida,
e então, daquela vieram outras mais complexas, e todos nós emergimos,
por assim dizer, do lodo, através de filtragem até a nossa presente humani­
dade. Esse é o conceito radical de evolução que considera que a vida surgiu
como uma espécie de acidente cósmico.
Esse conceito de evolução — que é discutido publicamente com fre­
qüência no mundo secular — é absolutamente sem sentido e será totalmen­
te rejeitado pela comunidade científica secular na próxima geração. Minha
objeção a ele não é tanto teológica quanto racional ou lógica. Quer dizer, a
doutrina da macroevolução é um dos mitos mais frágeis que já vi perpetua­
dos no ambiente acadêmico.
Mas há outras variedades, muito menos radicais, que simplesmente in­
dicam que há uma mudança, um progresso envolvendo direções diferentes
entre as várias espécies que podemos até mesmo identificar historicamente.
Esse tipo de evolução tem pouco peso junto ao Cristianismo bíblico. A
grande controvérsia é com o tipo anterior, e a pergunta básica é: Será o
homem, em sua origem, produto de um ato intencional da inteligência divi­
na, ou o homem é um acidente cósmico? Em outras palavras, sou uma cri­
atura com dignidade ou sou uma criatura de insignificância cósmica? Essa
é uma questão muito séria porque se eu apenas surgi subitamente do lodo e
estou destinado ao aniquilamento, posso apenas fantasiar que, de alguma
forma entre esses dois pólos de origem e destino, tenho sentido, significado
e dignidade. Mas isso é fantasia da pior sorte. Obviamente, se venho do
nada e vou para o nada, eu sou nada sob qualquer análise objetiva.
Um cristão não pode crer que ele é um acidente cósmico e ao mesmo
tempo crer num Deus soberano e num Deus criador. Ser cristão é afirmar
não apenas a Cristo o Redentor, mas a Deus o Criador. E temos de afirmar
ambos. Deixem-me dizer também, antes de terminar essa pergunta, que algu­
mas das maiores objeções que tenho contra essa visão mais radical de evo­
lução não são problemas teológicos, por mais sérios que sejam, mas proble­
mas racionais. Creio que não é apenas má teologia, mas má ciência.
Todos os cristãos, judeus e maometanos historicamente apresentam como
um artigo central de sua declaração de fé que esse mundo e todas as pessoas
nele são resultado de um ato de criação divino. No que se refere ao Cristia­
nismo, se não há criação, não há nada para ser redimido.

• A Bíblia n o s diz q u a l a idade da terra?

O que a Bíblia nos diz sobre a idade da terra? Lembro-me que uma vez
abri a Bíblia que estava sobre o púlpito de uma igreja. Abri na primeira
página porque ia pregar sobre o primeiro capítulo de Gênesis, e disse: “Li­
vro de Gênesis” e então abaixo do título “O Livro de Gênesis” com os nú­
meros em negrito estava impresso: “4004 a.C.” Bem na primeira página das
Escrituras. Eu ri.
Achei engraçado porque houve um homem cujo nome era Arcebispo
Usher, que, uns duzentos anos atrás, lendo as genealogias da Bíblia, calcu­
lou uma duração média de vida de todos os que eram mencionados na
genealogia e deduziu o número altamente especulativo de 4004 como data
da criação, e tentou defender o seu ponto de vista de que realmente a Bíblia
apresentava a data de 4004 a.C. como a data da criação do mundo. O que
me perturbou foi ver aquele número realmente impresso na página das Sa­
gradas Escrituras. Se alguém que não conhece a origem desse tipo de espe­
culação apanha a Bíblia e lê em sua primeira página “4004 a.C.” e sua mãe
ou a professora da Escola Dominical lhe diz que o mundo foi criado quatro
mil anos antes de Cristo, mas a evidência científica indica que o universo
tem bilhões de anos de idade, esses alunos ficam perturbados e pensam que
alguém está atacando a Bíblia.
Entretanto, a realidade do fato é que a Bíblia não dá a mais leve indica­
ção de quando ocorreu a criação. Portanto, realmente não deveríamos ficar
preocupados com isso.

• C om o e d u c a d o r cristão, q uais são a lg um as de suas fru s­


trações e m seu esforço para e n s in a r a palavra?

Tenho muitas frustrações no ensino. Mas eu diria que minha maior frus­
tração é que existe um tremendo espírito antiintelectual no Cristianismo
contemporâneo. É extremamente difícil educar pessoas que se opõem a
usar suas mentes. Qual é outra forma de educar?
Há razões para essa atitude. O cristianismo evangélico, por exemplo,
tem assistido a um ataque generalizado às coisas sagradas nas quais acredi­
tam e pelas quais vivem — a Bíblia e todo o resto — por parte de colegas e
universidades, por professores e teólogos. Eles acabam desconfiando de
uma educação séria. Desejam manter sua fé simples, temendo que ela seja
alvo de algum tipo de crítica ou ataque. Eu ouço constantemente: “Você
precisa aceitar pela fé,” como se tentar entender alguma coisa fosse mal. E
quantas vezes você já ouviu as pessoas dizerem que desejam ter uma mente
como a da criança?
Entretanto, o que a Bíblia nos diz é que devemos ser crianças no mal,
que devemos ser como crianças em relação a não sermos sofisticados em
nossa capacidade de pecar. Mas no entendimento, devemos ser completa­
mente crescidos e maduros. Devemos pôr de lado as coisas infantis. Fico
muito frustrado com a resistência que encontro na comunidade cristã con­
tra um estudo aprofundado das coisas de Deus.
Minha segunda frustração é que muitos cristãos, para poder aprender as
coisas de Deus, primeiro precisam desaprender o que já aprenderam. Não é
por acaso que a maior ameaça contra a integridade de Israel no Antigo Tes­
tamento e da segurança das nações não eram as nações oponentes ou inimi­
gas, como os filisteus e os babilónicos, mas o inimigo local — o falso pro­
feta. E o falso profeta seduzia as pessoas para longe da verdade de Deus.
Isso acontece hoje, e acontece dos dois lados do campo — dos liberais e dos
conservadores. Portanto, o que acontece é que as pessoas recebem ensina­
mentos que não são sadios, e isso é frustrante.
O C A M I N H O DA SALVAÇÃO

“Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo;


tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne.
Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos
meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis.
— E zequiel 36.26,27

Perguntas dessa seção:

• Por que Deus me salvou?


• Quando Deus decidiu nos dar a vida eterna?
• Se estou satisfeito com a minha vida, por que preciso de Jesus?
• O que é arrependimento verdadeiro e por que ele deve ser enfatizado em
nossas vidas?
• É possível para uma pessoa arrepender-se no momento da morte e ainda
gozar a mesma salvação de alguém que foi cristão durante muitos anos?
• "Se alguém rejeitou o Cristianismo durante toda a vida mas, no seu leito
de morte decide, por precaução, aceitar a Jesus como seu Salvador e Se­
nhor, essa pessoa será realmente recebida no céu?
• É possível que um cristão perca a sua salvação por causa dos pecados que
comete?
• Existe salvação para um crente que abandonou a Cristo e parece não de­
sejar arrepender-se?
• A graça nos dá uma passagem livre para a salvação?
• Como posso compreender a graça de Deus e o perdão dos meus pecados?
• Qual a gravidade do fato de que, para muitas pessoas que se convertem,
Cristo tem sido apresentado apenas como Salvador e não como Senhor?
• Em Marcos 16.16 Jesus diz: “Quem crer efor batizado será salvo”. Qual
é o lugar do batismo em nossa salvação?
• O que boas obras têm a ver com salvação?
• Que papel as realizações humanas ou boas obras desempenham na salvação?

7j B IB L IO T E Ç i U B R E Y ÇLAHK
• De que maneira Deus utiliza a culpa hoje?
• Deus nos amaldiçoa quando o desobedecemos, ou simplesmente retém a
sua bênção?
• Ajude-me a entender a doutrina da eleição.
• Segundo o meu entendimento da doutrina da predestinação, o homem
natural somente aceita a Cristo se Deus colocar esse desejo em seu cora­
ção. Se Deus jamais colocar esse desejo, é justo que essa pessoa fique
eternamente perdida?
• Em João 6.70, Cristo diz que ele escolheu os doze. Isso significa que
Judas era um dos eleitos?
• Deus manteve sua promessa a Abraão de que seus descendentes seriam
salvos?
• O que é a doutrina da segurança eterna?
• Se a justificação é pela fé somente, como podemos aplicar Tiago 2.24
que afirma que uma pessoa é justificada por aquilo que ela faz, e não
apenas por sua fé?
• O cristão não está sendo bitolado ao dizer que Cristo é o único caminho?

• Por q u e Deus m e salvou?

Não conheço nenhuma pergunta teológica mais difícil de responder do


que essa. Tenho estudado teologia por muitos anos, e ainda não consigo
pensar numa razão que responda completamente por que Deus me salvaria
ou a qualquer pessoa.
Algumas pessoas dão uma resposta muito simples a essa pergunta. Di­
zem que Deus o salvou porque você colocou sua confiança e sua fé em
Cristo quando respondeu ao chamado do evangelho. A primeira vista essa
é, certamente, uma resposta legítima, porque somos justificados pela fé e
somos chamados a dar essa resposta.
Mas a pergunta mais profunda é: Por que você respondeu ao evangelho
quando o ouviu e outra pessoa que o ouviu também — inclusive na mesma
reunião e no mesmo momento — não respondeu a ele? O que havia em
você que o levou a responder positivamente enquanto outros são levados a
rejeitá-lo? Faço essa pergunta a respeito de minha própria vida. Poderia
dizer que a razão pela qual eu respondi é que eu sou mais justo do que a
outra pessoa. Deus me livre de dizer isso no dia do julgamento. Posso pen­
sar que eu sou mais inteligente do que os outros, mas não desejo dizer isso
também. Alguém pode dizer que eu reconheci melhor a minha necessidade
do que as outras pessoas, mas mesmo esse reconhecimento é uma mistura
de pelo menos um certo grau de inteligência e um certo grau de humildade,
o que, na sua maior parte, encontraria suas raízes, em última análise, na
graça de Deus. Tenho de repetir com o ancião, apenas pela graça de Deus
eu prossigo. Não posso dar nenhuma outra razão do motivo de ser salvo
senão a graça de Deus.
A Bíblia diz muitas coisas sobre o motivo de Deus iniciar a salvação das
pessoas: Ele ama o mundo, tem uma atitude benevolente para com suas
criaturas caídas. Sabemos disso. Mas quando chegamos aos detalhes mais
específicos, a Bíblia fala do soberano trabalho de redenção de Deus e usa os
termos eleição e predestinação. Essas são palavras bíblicas. O que está por
trás da graça predestinadora de Deus ou de sua eleição? Alguns dizem que
Deus prevê as escolhas das pessoas. Creio que isso remove o próprio cerne
do ensino bíblico.
Quando as Escrituras falam a respeito da eleição que Deus faz de pesso­
as, falam de Deus elegendo pessoas em Cristo; nossa salvação está alicerçada
em Jesus. Isso me leva a pensar no seguinte: você e eu somos salvos não
apenas pelo cuidado de Deus a nosso respeito, mas especialmente, e em
última análise, pela absoluta determinação de Deus em honrar o seu filho
obediente. Nós somos as dádivas de amor que o Pai dá ao Filho, de forma
que o Filho, que viveu uma vida de perfeita obediência e morreu na cruz,
possa ver a agonia de sua alma e ficar satisfeito. Creio que essa é a razão
principal pela qual Deus nos salva: honrar a Cristo.

• Q u a n d o Deus decidiu n os dar a vida e te rn a ?

Quando é uma expressão de tempo, e a Bíblia usa expressões como


essa. E quando a Bíblia fala sobre o espaço de tempo durante o qual Deus
toma decisões em relação à nossa vida eterna, ela geralmente situa a deci­
são na fundação do mundo: isto é, desde toda a eternidade Deus nos esco­
lheu para estar entre os redimidos.
Creio que Paulo enfatiza isso com muita clareza, especialmente no pri­
meiro capítulo de sua carta aos Efésios. Fomos escolhidos em Cristo desde
a fundação do mundo para nos conformarmos a Cristo e para sermos trazi­
dos a um estado de redenção. Isso, sem dúvida, toca imediatamente na difí­
cil e controvertida doutrina da predestinação.
Enquanto abordamos de leve esse assunto, eu diria que toda igreja tem
algum tipo de doutrina da predestinação. Há grandes variações entre as igre­
jas sobre como entender a predestinação, mas historicamente todas as igrejas
têm tido necessidade de elaborar e forjar algum tipo de doutrina da predestina­
ção porque a Bíblia fala sobre isso. Portanto, há um certo sentido segundo o
qual, desde toda a eternidade, Deus escolheu o seu povo para a salvação.
Agora, obviamente isso nos leva a questões paralelas muito complica­
das. Sobre que bases Deus toma uma decisão como essa para toda a eterni­
dade? Deus tomou a decisão, desde toda eternidade, de que algumas pesso­
as seriam condenadas?
Ele manda pessoas para o inferno? Ele determina que uma pessoa caia?
Creio que a igreja afastou-se desse conceito e fez bem. Creio que Deus
sabia, desde toda eternidade, que o homem cairia, que o homem se rebela­
ria contra ele, e também sabia, desde toda eternidade, que ele providencia­
ria um meio para salvar as pessoas. A sabedoria de Deus é antiga e sua
onisciência é tão eterna quanto ele próprio. Tudo o que Deus sabe, ele sabe
desde toda a eternidade. Precisamos manter essa idéia diante de nós.
Eu diria que a decisão de Deus de nos escolher foi feita antes da queda da
humanidade. Permita-me dizer, outra vez, que ele tomou a decisão de nos
escolher antes da queda com o conhecimento de que a queda viria e com o
conhecimento de suas conseqüências. Em outras palavras, Deus não poderia,
de maneira nenhuma, escolher salvar pessoas que não precisavam de salva­
ção. Apenas pecadores precisam de salvação, portanto, Deus deve ter nos
considerado como pecadores e caídos quando fomos cogitados para a salva­
ção na mente divina. Em última análise a decisão de nos salvar foi feita na
eternidade de acordo com o conhecimento divino que Deus tem de nós.

• Se e sto u satisfeito c o m m in h a vida, p o r q u e preciso de


Je su s?

Ouço isso de muita gente. Elas dizem: “Simplesmente não sinto neces­
sidade de Cristo.” Como se cristianismo fosse algo que você empacota e
vende na rua! O que estamos tentando comunicar às pessoas é: “Aqui está
algo que vai fazer você se sentir bem, e todo mundo precisa de um pouco
disso no armário ou na geladeira”, como se fosse algum artigo que vai acres­
centar um bocado de felicidade às nossas vidas.
Se a única razão que um ser humano tem para precisar de Jesus é ser
feliz, e a pessoa já se sente feliz sem Jesus, então, ela certamente não preci­
sa de Jesus. O Novo Testamento, entretanto, indica que há outra razão pela
qual você, ou qualquer outra pessoa, precisa de Jesus. Existe um Deus que
é completamente santo, perfeitamente justo, e que declara que ele vai jul­
gar o mundo e declarar todo ser humano responsável por sua vida. Como
um Deus perfeitamente santo e justo, ele exige de cada um de nós uma vida
de perfeita obediência e de perfeita justiça. Se existe um tal Deus, e se você
viveu uma vida de perfeita obediência e retidão — quer dizer, se você é
perfeito — então, certamente, você não precisa de Jesus. Você não necessi­
ta de um salvador só porque pessoas injustas têm problemas.
A questão aqui é simples: Se Deus é justo e exige de mim perfeição e eu fico
aquém dessa perfeição, e ele vai me tratar com justiça, então estou antevendo um
futuro castigo nas mãos de um Deus santo. Se o único meio de escapar do castigo
é através de um salvador e se desejo escapar, então eu preciso de um Salvador.
Algumas pessoas dirão que estamos pregando a Jesus como uma passagem
de saída do inferno, como um meio de escapar do castigo eterno. Essa não é a
única razão pela qual eu falaria de Jesus às pessoas, mas é uma das razões.
Creio que muitas pessoas, na cultura de nossos dias, realmente não acre­
ditam que Deus as responsabilizará por suas vidas — que Deus realmente
não exige retidão.
Quando assumimos esse ponto de vista, não sentimos o peso da ameaça
do julgamento. Se você não tem medo de enfrentar o castigo de Deus, então
seja feliz como um molusco. Eu viveria tremendo e com um medo terrível
diante da perspectiva de cair nas mãos de um Deus santo.

• O q u e é a r r e p e n d im e n to verdadeiro e p o r q u e ele deve


ser e n fa tiz ad o e m nossas vidas?

Antes de definir verdadeiro arrependimento, responderei à segunda per­


gunta: “Por que ele é importante em nossas vidas?” De acordo com o Novo
Testamento, a razão suprema de sua importância em nossas vidas é porque o
arrependimento é uma exigência indispensável para a entrada no reino de Deus.
Enfatizo esse ponto porque a noção largamente adotada em nossa cultura
é de que Deus perdoa todas as pessoas de todos os seus pecados, quer eles se
arrependam ou não. Essa noção simplesmente não vem das Escrituras.
Se Jesus ensinou alguma coisa, ele ensinou que é absolutamente essencial para
alguém que ofendeu a Deus abandonar aquele pecado e arrepender-se. De fato,
quando Jesus começou seu ministério público, as primeiras palavras que pregou
foram: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus”. Não há nada
mais urgente e necessário do que arrependimento se formos escapar da ira de Deus.
Deus chama todos os seres humanos para se arrependerem — não há opção.
Paulo falou sobre os dias anteriores de ignorância que Deus tolerou, mas
agora Deus chama todas as pessoas em todos os lugares para se arrependerem. A
quem isso inclui? A todas as pessoas. Todos nós somos responsáveis e nem
todos estão fazendo isso. Deus fala sério. Ele exige arrependimento.
Você perguntou o que é verdadeiro arrependimento? Não sei se você já ou­
viu a oração de contrição da igreja Católica, pois eu acho que é uma excelente
oração. Praticamente todo católico romano sabe essa oração de cor. Eu não sei
de cor, mas já a ouvi várias vezes, e certas partes estão em minha memória. “Oh,
meu Deus, estou profundamente entristecido de tê-lo ofendido... Não apenas
pela perda da recompensa, ou pelo medo do castigo, mas porque o desrespeitei.”
Em teologia fazemos, uma distinção entre o que chamamos de atrição e
contrição. Atrição é abandonar o pecado ou a culpa pela simples motivação de
escapar do castigo. A criança não tem nenhum remorso de roubar alguns biscoi­
tos até que ela seja pega com as mãos na lata de biscoitos e a mãe venha com o
chinelo. Há algo de duvidoso nesse tipo de arrependimento. E o arrependimento
para evitar o castigo — o que chamamos passagem para o inferno. Arrependi­
mento verdadeiro vai além do mero medo do castigo para o que chamamos
contrição. Quando o coração de Davi foi quebrado diante de Deus ele disse: “...co­
ração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus”. Ele sentiu tristeza
real, uma tristeza santa. Verdadeiro arrependimento é uma percepção consciente
de que fizemos algo errado, e nos leva a escolher abandonar o nosso erro.

• E possível para u m a pessoa arre p en d e r-se n o m o m e n t o


da m o r te e a in d a gozar a m e s m a salvação de alg u ém q u e
foi cristão d u r a n t e m u ito s anos?

Essa é uma pergunta ardilosa, mas creio que é também fascinante e


certamente é uma pergunta a respeito da qual muitas pessoas se preocupam.
Falamos a respeito de uma fé de trincheira quando as pessoas gritam
nos momentos desesperados de crise ou adiam até o leito de morte o mo­
mento de entregar suas vidas a Cristo. Algumas pessoas dizem que não é
justo para alguém que foi cristão durante toda vida estar no mesmo nível de
alguém que fez tudo o que queria durante a vida e esperou até o último
segundo para endireitar suas contas com Deus.
Há uma parábola no Novo Testamento na qual Jesus fala a respeito da­
queles que concordaram trabalhar por um certo pagamento e então, no últi­
mo minuto, outras pessoas foram empregadas e trabalharam apenas alguns
minutos mas receberam o mesmo pagamento.
. O primeiro grupo ficou realmente indignado e disse: “O que está acon­
tecendo aqui? Isso não é justo!” O segundo grupo recebe a mesma salva­
ção? Sim e não. Eles são trazidos para uma situação de salvação, isto é,
escapam do castigo do inferno e entram no reino se, na realidade, o arre­
pendimento do último suspiro é verdadeiro. A exigência para a entrada no
reino de Deus é arrepender-se e crer em Cristo.
O ladrão na cruz fez isso nos últimos momentos de sua vida e Jesus lhe
assegurou que ele estaria com Jesus no paraíso. Aí temos um exemplo con­
tundente, no Novo Testamento, de alguém que realmente fez isso e que rece­
beu do próprio Senhor a promessa de que ele participaria do reino de Jesus.
Certamente é possível que uma pessoa, no último momento de sua vida,
se arrependa suficientemente, creia e seja justificado e receba todos os be­
nefícios como membro do reino do céu.
Contudo, Paulo fala daqueles que conseguem entrar no reino por um
triz. Creio que o crente do “leito de morte” estaria nessa categoria. Tende­
mos a pensar que só o que importa é chegar lá, porque existe um abismo
intransponível entre ir para o céu ou perdê-lo de uma vez.
Entretanto, Jesus nos diz para trabalharmos e guardarmos tesouros para nós
no céu, porque ele promete enfaticamente que haverá recompensas entregues ao
seu povo, de acordo com sua obediência e seu trabalho. Você não chega ao céu
por meio de suas obras, mas sua recompensa no céu será de acordo com aquelas
obras, segundo o Novo Testamento. Isso me diz que, embora as pessoas possam
conseguir a salvação por um triz, ao se arrependerem no seu último suspiro,
entretanto, o seu grau de felicidade não será tão grande quanto o daqueles que
serviram a Cristo fielmente por muitos e muitos anos.

• Se a lg u é m rejeitou o C ristia n ism o d u r a n t e to d a a vida


m as, n o seu leito de m o rte decide, p o r precaução, aceitar
a Jesus c o m o seu Salvador e Senhor, essa pessoa será re­
a lm e n te aceita n o céu?

Absolutamente não. Essa pessoa não tem nenhuma esperança de ir para o céu
com base na atitude que você descreveu. Antes de mais nada, vamos entender que
a redenção não vem através da profissão de fé, mas da através da possessão da fé.
Aqueles que têm fé são chamados a professar essa fé, entretanto, a mera
profissão não garante que ela esteja realmente presente. Isso é particularmen­
te verdade quando alguém faz essa profissão verbal exclusivamente como
um meio de cobrir suas dívidas ou por precaução, para se garantir contra as
conseqüências negativas. Do ponto de vista bíblico, a salvação requer um
arrependimento autêntico. Fé justificadora é uma fé arrependida. Se não há
arrependimento, isso indica que a profissão de fé é fraudulenta.
Se você mudar a sua questão e perguntar se uma pessoa pode viver a vida
inteira em pecado, rebelião e desobediência e então, no seu leito de morte verda­
deiramente arrepender-se e ir para o céu, a resposta é sim — assim como o
ladrão na cruz encontrou o Salvador em seus momentos finais e recebeu a garan­
tia da eternidade com ele. O Novo Testamento fala daqueles que são salvos por
um triz. Certamente não é uma atitude sábia adiar o seu arrependimento até o dia
da sua partida, porque você não sabe quando esse dia chegará. Mesmo assim,
fazer uma confissão simplesmente por medo não é suficiente, esse medo deveria
nos levar a pensar seriamente sobre nosso futuro estado.

• É possível q u e u m cristão perca a sua salvação p o r causa


dos pecados q u e com ete?

A pergunta sobre perder a salvação é uma questão de grande controvér­


sia dentro da família da fé cristã. Há muitos cristãos que vivem diariamente
num medo mortal de perder o que encontraram em Cristo porque a Bíblia
nos adverte seriamente sobre perder a salvação e o próprio Paulo diz que
precisava ser muito cuidadoso para não se tornar ele mesmo um proscrito.
Existem advertências na Bíblia sobre o que poderia acontecer se voltarmos
as costas para Cristo depois de tê-lo conhecido. Por outro lado, também há
muitos cristãos que acreditam que, de fato nós nunca cairemos da graça e
eu sou um deles. Estou persuadido, pelo estudo das Escrituras, de que pode­
mos ter a certeza da nossa salvação não apenas hoje, mas para sempre. Mas
a certeza que temos, ou a confiança num futuro estado de salvação deve
estar firmada em bases corretas. Em outras palavras, se minha confiança de
que vou perseverar está baseada na certeza de que não vou pecar, essa con­
fiança está baseada num terreno muito frágil. Uma coisa que a Bíblia deixa
claro para mim é que, embora eu seja uma pessoa redimida, com toda pro­
babilidade e inevitavelmente, eu continuarei a pecar até um certo grau. Se
perseverar para garantir minha salvação dependesse de minhas forças, eu
teria muito pouca esperança de conseguir.
Mas estou convencido de que a Bíblia ensina que aquilo que Deus co­
meçou em nossas vidas ele completa. Por exemplo. Paulo ensina em
Filipenses: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra
em vós há de completá-la até o Dia de Cristo Jesus”. Minha confiança
repousa no fato de que Jesus promete interceder por mim diariamente como
meu Sumo Sacerdote. Minha confiança a respeito de minha futura salvação
repousa em minha certeza de que Deus manterá sua promessa e que Cristo
intercederá por mim e me preservará. Novamente, se fosse deixado por
minha conta, eu obviamente fracassaria. Gosto de pensar nisso da seguinte
maneira: Estou caminhando na vida cristã com minhas mãos nas mãos de
Deus. Se minha perseverança depender de que eu segure com firmeza as
mãos de Deus, eu certamente fracassaria, porque em certos pontos eu solta­
ria minha mão. Mas creio que as Escrituras nos ensinam que Deus está
segurando minha mão, e porque ele está segurando minha mão, não preciso
ter medo de um fracasso final e irremediável.
Agora, isso não significa que cristãos não se envolvam em sérios peca­
dos que chamaríamos, em teologia, de “queda séria e radical,” mas a per­
gunta que estamos discutindo aqui é se um cristão poderá cair totalmente e
de uma vez por todas.
No Novo Testamento, João nos diz, por exemplo, que “aqueles que nos aban­
donaram, na realidade, nunca estiveram conosco,” e que “Cristo não perde aque­
les que o Pai lhe dá.” Portanto, novamente minha confiança repousa na interces­
são de Cristo e na habilidade e promessa de Deus de ficar junto a meu lado. Por
mim mesmo, sou capaz de pecar até o ponto de perder a salvação, mas estou
persuadido de que Deus, em sua graça, me guardará disso.

• Existe salvação para u m cren te q u e a b a n d o n o u a Cristo


e parece n ã o desejar arrepend er-se?

Creio que uma vez que a pessoa seja autenticamente redimida, esteja
realmente em Cristo, essa pessoa nunca estará perdida para Cristo. Essa
pessoa tem o que chamamos segurança eterna — não por causa de sua ca­
pacidade inata de perseverar, mas creio que Deus promete preservar os seus
e que temos o benefício do nosso Grande Sumo Sacerdote que intercede
por nós diariamente. Agora, ao mesmo tempo, os cristãos são capazes de
pecados grosseiros e hediondos. São capazes de abandonar seriamente a
Cristo. São capazes do pior tipo de negação e traição ao nosso Senhor.
Considere, por exemplo, o apóstolo Pedro que negou a Jesus com
blasfêmia. Ele foi tão enfático que proferiu blasfêmias para confirmar o
fato de que jamais conhecera Jesus. Se você está se referindo a alguém que
parecia não querer arrepender-se e que abandonou Jesus, Pedro é seu exem­
plo clássico.
Embora seu colega, o discípulo Judas, também tenha traído Jesus e se
afastado dele, Jesus predisse ambas as traições na Última Ceia. Quando
Jesus falou de Judas, ele disse: “O que pretendes fazer, faze-o depressa" (Jo
13.27). E ele o despediu para a sua traição. Foi mencionado, nas Escrituras,
que Judas era, desde o princípio, o filho da traição. Creio que esteja claro,
na Oração Sacerdotal de Jesus que ele sabia que Judas nunca fora um cris­
tão. Portanto, a traição de Judas não era o caso de um cristão se afastando
de Cristo.
Quando Jesus anunciou a Pedro que ele também o trairia disse: “Simão,
Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu,
porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te
converteres fortalece os teus irmãos.” (Lc 22.31,32). Pedro, então disse:
“Senhor, estou pronto a ir contigo, tanto para a prisão como para a morte".
Mas, é claro, ele não foi. Note, contudo, que quando Jésus predisse a trai­
ção de Pedro, ele disse “Quando te converteres” — não “Se te converteres"
mas “Quando te converteres, fortalece os teus irmãos." Porque Jesus orou
como ele o fez em sua Oração Sacerdotal, ninguém poderá tirar o seu povo
de suas mãos.
O Novo Testamento promete que aquele que começou a boa obra em
você, irá aperfeiçoá-la até o fim (Fp 1.6). Sei que muitos cristãos acreditam
que um verdadeiro cristão pode perder a sua salvação. Eu não acredito. Eu
diria, juntamente com o Apóstolo João que “Eles saíram de nosso meio;
entretanto, não eram dos nossos". Penso que um cristão pode ter uma que­
da séria e grande, mas não uma queda completa e definitiva — que ele será
restaurado como Davi que percebeu o seu pecado, como o Filho Pródigo
que retomou para si mesmo e como Pedro que, finalmente, se arrependeu.

• A graça n o s dá u m a passagem livre para a salvação?

Podemos olhar para esse conceito de passagem livre de muitas manei­


ras. Graça, por definição é algo livre no sentido de que não podemos adqui­
ri-la, não podemos comprá-la, não podemos merecê-la, e não há nenhum
mérito em nós pelo qual Deus possa derramar sobre nós a sua graça. Sem­
pre que Deus dispensa misericórdia ou favor imerecido, que é como defini­
mos graça, ele está fazendo algo que não tem nenhuma obrigação de fazer.
Estou convencido de que quando recebemos a graça da salvação, nosso
destino eterno está assegurado. Estou convencido de que uma vez que fo­
mos revestidos com a retidão de Cristo e temos o seu mérito computado por
Deus em nossa conta (o que é um ato da graça de Deus) e somos redimidos,
então creio que temos a vida eterna praticamente garantida. Em outras pala­
vras, não creio que um cristão possa perder sua salvação. Digo isso porque
estou persuadido de que Deus prometeu que nos guardará até o fim. Se fosse
responsabilidade nossa perseverar, permanecer firme, e ser fiel e obediente
até o fim para ser salvo, creio que nenhum de nós perseveraria o suficiente
para merecer a salvação. Mas Deus promete terminar o que começou.
Será que isso significa passagem livre? Muitas vezes, esse conceito sig­
nifica que desde que Deus me concedeu a sua graça, e desde que Deus
começou o seu trabalho e promete terminá-lo, não existe mais nada que eu
deva fazer. Posso fazer qualquer coisa que deseje. Estou salvo e não preciso
me preocupar com nada. Daqui em diante é livre. Estou numa montanha
russa sem nenhum freio e posso fazer qualquer coisa que deseje. Posso pe­
car como quiser e me divertir pelo resto da vida. E uma licença para pecar.
Entretanto, o apóstolo Paulo afirma que onde o pecado é abundante, a
graça é superabundante. Quer dizer, quanto mais peco, mais vejo a graça de
Deus porque tenho necessidade de mais graça para chegar ao céu.
Algumas pessoas dizem que, se quanto mais você peca, mais graça você
recebe, a melhor coisa é continuar pecando porque desse modo você receberá
mais graça. Paulo faz a pergunta: “Permaneceremos no pecado, para que seja a
graça mais abundante ?” Como ele responde? Ele diz: “De modo nenhum!”.
Continuar pecando cada vez mais é exatamente o oposto da resposta
que agrada a Deus. Na realidade, quanto mais graça recebemos, mais
devemos ser levados a um senso de gratidão; quanto mais gratidão expe­
rimentamos mais deveríamos buscar a retidão através da obediência à lei
de Deus. Como diz Paulo em outro lugar, “desenvolvei a vossa salvação
com temor e tremor” (Fp 2.12) porque Deus promete trabalhar dentro de
nós para desejarmos e fazermos o que é certo. Mas junto com a graça de
Deus vem o desafio para lutarmos com todas as nossas forças para resis­
tir às tentações do pecado e buscar uma vida de retidão e obediência.
Minha salvação não depende de minha obediência, mas minha obediên­
cia é a resposta àquela graça de Deus.
• C o m o p o ss o c o m p r e e n d e r a graça de D eus e o p e rd ã o
do s m e u s pecados?

Para nós é fácil elaborar uma definição teológica de graça. Dizemos que
graça é um favor imerecido — receber algo positivo e que não merecemos
das mãos de Deus. Mas compreender a benignidade da graça em qualquer
profundidade, creio que é um empreendimento que se estende pela vida intei­
ra do cristão. Quando estava estudando teologia num curso de doutorado na
Europa, nosso professor na Universidade Livre de Amsterdã, G. C. Berkouwer,
certa vez fez a seguinte afirmação quando estávamos estudando teologia sis­
temática: “Senhores, a essência da teologia é a graça.” Creio que ele está
certo. Quando chegamos à própria essência do que seja o estudo de teologia,
estamos estudando a graça de Deus, porque é pela graça de Deus que somos
cristãos. É pela graça de Deus que até mesmo respiramos a todo momento, e
é pela graça de Deus que recebemos todos os benefícios de suas mãos.
Não creio que entendemos isso quando nos tomamos cristãos. A Bíblia
fala de uma progressão. Temos a obrigação de andâr de vida em vida, de fé
em fé, de graça em graça. Do começo até o fim, a vida cristã inteira é graça,
e é por isso que digo que quanto mais estudamos a graça, mais graça nós
vemos. Já disse milhares de vezes que é fácil entender a justificação pela fé
somente — na cabeça. Não é tão fácil fazê-la chegar à corrente sangüínea,
compreender que a razão pela qual posso existir na presença de um Deus
santo é que sou uma pessoa perdoada — esse perdão é algo que eu jamais
poderia comprar, ou roubar ou implorar ou emprestar ou adquirir. Não te­
nho nenhum mérito diante de Deus. O único mérito que posso gozar é aque­
le que foi ganho por mim por Cristo. Vivo, me movimento e tenho minha
existência em virtude da retidão de Cristo, do mérito de Cristo que me é
conferido gratuitamente, graciosamente por Deus.
Falamos sobre as doutrinas da graça. Que outra doutrina existe senão a
doutrina da graça? Ela chama a atenção para o fato de que Deus é justo e eu
não o sou. A única maneira pela qual uma pessoa injusta pode existir num
universo governado por um Deus justo e santo é a graça. Mas é tão difícil
comunicar isso porque somos um povo de dura cerviz, exatamente como o
povo do Antigo Testamento. Bem no fundo, nutrimos esses sentimentos de
que Deus nos deve uma sorte melhor do que aquela que temos recebido ou
que Deus nos deve as dádivas e as bênçãos que temos recebido. Sentimos
que, de alguma forma, fizemos por merecer. E apenas próprio e apropriado
que eu tenha um trabalho melhor que você, ou mais talentos que você tem, ou
que eu viva numa casa melhor, porque isso é apenas a justiça de Deus preva­
lecendo nesse mundo. Sempre que as coisas saem erradas, eu então fico furi­
oso por causa disso. É então que descobrimos que não aprendemos a graça.

• Q u a l a g rav id a d e d o fato de qu e, p a ra m u it a s p esso as


q u e se c o n v e rte m , Cristo te m sido a p re s e n ta d o a p e n a s
c o m o Salvador e n ã o c o m o S enhor?

É inconcebível para mim que essa pergunta fosse sequer cogitada na


igreja do Novo Testamento — como se pudéssemos separar a ação salvadora
de Cristo do seu senhorio. Quer dizer, a primeiríssima confissão de fé no
Novo Testamento foi lesous kurios, “Jesus é Senhor.”
Mas quando uma pessoa recebe a Cristo como Salvador, ela não apenas
reconhece sua necessidade de ter um Salvador, ela vem com fé humilde e
arrependimento, confiando em Cristo.
Como pode uma pessoa confiar que Cristo seja Salvador e, ao mesmo
tempo, ignorar completamente ou repudiar o ensino claro de Jesus de que
ele não é apenas Salvador mas também Senhor?
Temo que o que existe oculto aqui nessa dicotomia entre Jesus como
Salvador e Jesus como Senhor é uma distorção muito séria da doutrina pro­
testante da justificação pela fé somente, uma distorção chamada antinomi-
anismo. Antinomianismo significa simplesmente ser contra a lei. Algumas
pessoas têm sido tão zelosas em propagar a doutrina de que somos salvos
pela fé e não por obras que concluíram que o tipo de fé que salva é uma fé
vazia, nua. Eles crêem que a fé jamais precisa ter qualquer obra que a siga
e que a obediência é sem importância para a vida cristã. Em outras pala­
vras, posso pecar o quanto quiser sem arrependimento e ainda ter remissão
de pecados porque o céu é uma dádiva livre e a justificação é pela fé, por­
tanto, que diferença faz se eu continuo pecando?
Esse tipo de interpretação foi a razão pela qual Lutero e os pais protes­
tantes foram tão cuidadosos em afirmar que a justificação pela fé somente
envolve, não uma profissão de fé barata, mas uma fé autêntica — o tipo de
fé que demonstra seu caráter genuíno pelos frutos da obediência. As obras de
obediência não nos fazem merecer a salvação, mas se não existem frutos de
obediência ao senhorio de Cristo essa é a mais clara indicação de que a fé é
uma fé morta. O tipo de fé da qual Tiago diz que não tem nenhuma validade.
Portanto, se as pessoas estão dizendo: “você não precisa crer no senhorio de
Cristo para ser salvo”, o que escuto é uma falsa doutrina de justificação. Ela
propõe que podemos crer em certas coisas e depois viver como quisermos.
Às vezes, novos convertidos não compreendem direito o senhorio de
Cristo principalmente porque isso não lhes é explicado com clareza. Espe­
cialmente se não conhecem esses termos cristãos, e se os cristãos ao redor
deles assumem que “aceitar a Cristo como Salvador” inclui automatica­
mente aceitá-lo como Senhor, esses novos convertidos vão ficar com uma
séria lacuna no seu conhecimento das doutrinas básicas. Precisamos ser
cuidadosos e meticulosos quando ensinamos novos crentes.

• Em M arcos 16.16 Jesus diz: “Quem crer e for batizado será sal­
vo". Q u a l o papel d o b a tis m o em n o ssa salvação?

Esse não é apenas o principal ponto de discussão entre a igreja Católica


Romana e o Protestantismo em geral, mas também tem sido exaustivamen­
te discutido mesmo dentro do Protestantismo.
Roma, por exemplo, ensina que o batismo é causa instrumental da justifica­
ção da pessoa. Em outras palavras, é o instrumento pelo qual a pessoa recebe a
graça justificadora e é colocada num relacionamento de reconciliação com Deus.
Esse sacramento se torna muito importante. Essa é a razão pela qual a igreja se
apressa a batizar crianças que nascem em perigo de vida ou mesmo batizá-las ao
expirar. Por causa de um texto como esse, Roma não chega a ponto de dizer que
o batismo é absolutamente essencial para a salvação porque eles concedem o
que chamam votum baptisma, ou o desejo pelo batismo. Pode existir uma pesso­
a que é crente e deseja ser batizada, mas é impedida na sua ida para a igreja. Por
exemplo, é atropelada por um carro ou morre antes de receber o sacramento.
Essa pessoa é considerada batizada assim como o ladrão na cruz, que não teve
nenhuma possibilidade de ser batizado. Entretanto, quando o ladrão manifestou
sua fé, Jesus lhe prometeu redenção naquele mesmo dia. O texto não diz que o
batismo é um pré-requisito absoluto para a salvação.
Jesus simplesmente diz que aqueles que acreditam e são batizados serão
salvos. Todos os que têm A e B receberão C. Você poderia dizer que todos
os que têm fé e se arrependem poderão ser salvos também.
A posição protestante, em geral, no entanto, é de que o batismo é orde­
nado e necessário porque Cristo ordena que todo crente seja batizado. É
uma questão séria e é um meio de graça, e certamente devemos ser diligen­
tes em nos beneficiarmos dele.
A noção protestante em geral é de que a justificação é pela fé somente,
isto é, o pré-requisito absolutamente essencial para a redenção é colocar
nossa confiança em Cristo. A pressuposição é que se você confia em Cristo,
se submete ao seu senhorio e entende que ele ordena que você seja batizado,
você acrescentará o batismo à fé. Não é o batismo que causa a nossa salva­
ção, e o batismo não é necessário para a salvação.

• O q u e as nossas boas obras tê m a ver co m nossa salvação?

De um lado, nossas obras não têm absolutamente nada a ver com nossa
salvação; por outro lado, têm tudo a ver com ela. Essa é a principal discus­
são que vem reinando entre os cristãos desde a Reforma Protestante.
Estou convencido de que nossas boas obras nunca merecem a salvação.
Merecer salvação significaria adquiri-la ou fazer jus a ela. As obras teriam
de ser tão boas, tão perfeitas, sem nenhuma mistura de pecado que impori­
am uma obrigação a Deus de nos conceder salvação. Creio que o Novo
Testamento é abundantemente claro ao afirmar que nenhum de nós vive
uma vida suficientemente boa para merecer a salvação. Recebemos a salva­
ção de Deus quando ainda somos pecadores (Ef 2.1-6). '
Por isso precisamos de um Salvador, de redenção — por isso precisa­
mos da graça.
Muitas vezes, dizemos que “Ninguém é perfeito.” Todos concordamos
com isso. Mas nenhuma pessoa em um milhão compreende o que significa
essa afirmação. De alguma forma eles pensam que Deus vai fazer o gráfico
de uma curva e, “à medida que minha vida é menos pecaminosa que a de
outros, então, relativamente falando, ela é suficientemente boa para me le­
var ao reino de Deus.” Esquecemos que Deus exige perfeita obediência à
sua lei, e se deixamos de obedecê-lo perfeitamente, então teremos de pro­
curar em algum outro lugar para encontrar nossa salvação. É aqui que Cris­
to entra. Cristo toma seu mérito disponível para nós. Quando confio nele
pela fé, então sua retidão se torna minha retidão diante de Deus. Portanto, é
a sua boa obra que me salva e que salva a você — não as nossas boas obras.
Entretanto, numa resposta de gratidão, somos chamados a obedecer. Jesus
disse: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos".
Martinho Lutero ensinou que a justificação é pela fé somente. Mas ele
ampliou o conceito dizendo que a justificação é só pela fé, mas não por uma
fé que está só. Uma pessoa que realmente confia em Cristo e repousa em
Cristo para a redenção recebe o benefício do merecimento de Cristo pela
fé. Mas se essa pessoa tem uma fé verdadeira, essa fé verdadeira se mani­
festará numa vida de obediência. Em poucas palavras, eu entro no céu pela
justiça de Jesus, mas minha recompensa no céu será distribuída de acordo
com minha obediência ou a falta dela.

• Q u e p a p el as realizações h u m a n a s , ou boas obras, d e s e m ­


p e n h a m n a salvação?

As boas obras humanas têm um papel extremamente importante. Não pode


haver nenhuma salvação sem boas obras, e as suas boas obras são decisivas
para sua salvação. Como pode um protestante fazer uma afirmação como essa?
Primeiro, as boas obras são absolutamente decisivas e são realmente
necessárias para a salvação porque Deus exige boas obras para salvar qual­
quer pessoa. Essas boas obras são supridas e fornecidas por Cristo, o qual,
em sua perfeita humanidade conquistou um mérito infinito diante de Deus
— cuja recompensa é a própria base de minha salvação. Sem essa retidão,
estou num terrível problema. Portanto, minha salvação, no princípio é ba­
seada nas boas obras — as boas obras de Jesus.
E a respeito de minhas próprias boas obras? Elas têm um papel? A mai­
oria dos protestantes diria não. A justificação é apenas uma parte da salvação.
Salvação é a grande palavra. Salvação é a palavra que cobre todos os proces­
sos pelos quais Deus nos traz até a redenção total. Justificação é aquele ponto
do processo no qual Deus me declara uma pessoa que está num estado de
redenção. O fato é que você já está justificado e está, até certo grau, num
estado de salvação, mas ainda há algo de sua salvação para acontecer. Você
ainda não chegou ao céu. Ainda não foi perfeitamente santificado. Ainda não
foi glorificado. Nenhuma dessas coisas acontecerá até que você morra e vá
para o céu. Quando você morrer e for para o céu, Deus lhe dará a recompensa
por qualquer grau de obediência que você prestou a ele em sua vida cristã. A
recompensa que Deus concede a você no céu será dada de acordo com as
suas obras, mas não porque suas obras são tão perfeitas e meritórias que impo­
riam uma obrigação a Deus de recompensá-las. Deus nos deu graciosamente a
promessa de que ele recompensará qualquer obediência que dermos a ele.
Ele não está obrigado, mas de sua bondade e graça, como diz Santo
Agostinho, ele coroa suas próprias dádivas. Entramos no céu exclusiva­
mente pela justiça de Cristo. Nossa recompensa no céu será concedida de
acordo com as obras de obediência que apresentarmos.
• De q u e fo rm a Deus utiliza a culpa hoje?

Quando falamos sobre Deus utilizar a culpa, isso parece estranho a mui­
tas pessoas em nossa sociedade porque existe uma noção bem difundida de
que a culpa é algo intrinsecamente destrutivo para os seres humanos e que
impor culpa sobre qualquer pessoa está errado. Surge, então, a idéia de que
Deus certamente nunca iria utilizar algo como a culpa para produzir a sua
vontade nos seres humanos. Se ele o fizesse, isso estaria abaixo do nível de
pureza que preferiríamos ver em nosso Deus.
Em termos bíblicos, culpa é algo real e objetivo, e penso que é muito
importante distinguir entre culpa e sentimentos de culpa. Sentimentos de cul­
pa são emoções que experimentamos subjetivamente. Culpa é uma situação
objetiva. Vemos isso em nossos tribunais de justiça. Quando uma pessoa é
julgada por ter quebrado uma lei, a pergunta diante do júri e diante do juiz
não é: O acusado se sente culpado? Mas: Existe uma situação real que chama­
mos culpa? A lei foi transgredida? Assim é com Deus. A culpa é objetiva aos
olhos de Deus sempre que sua lei é quebrada. Quando quebro sua lei incorro
em culpa, mas posso ou não ter sentimentos de culpa a respeito de minha culpa.
Suponho que atrás de sua pergunta exista uma preocupação sobre como
Deus utiliza os sentimentos de culpa assim como a culpa real e objetiva.
Uma das ações mais importantes do Espírito Santo na vida do crente é o
que o Novo Testamento chama de convicção de pecado. Podemos ser cul­
pados e não nos sentirmos culpados. Davi por exemplo, quando se envol­
veu com Bate-Seba e foi até o ponto de arranjar as coisas para que o marido
dela fosse morto, não sentiu grande remorso até que Natã, o profeta, veio
até ele e lhe contou uma parábola. A parábola falava sobre um homem que
roubou uma ovelha que pertencia a um homem pobre. Davi ficou furioso e
quis conhecer quem era esse homem para que ele pudesse ser punido. Final­
mente, Natã apontou seu dedo para Davi e disse: “Você é esse homem.” Com
a compreensão do completo significado de sua culpa, Davi ficou instantane­
amente prostrado e então escreveu aquele magnífico hino de penitência que é
o Salmo 51, no qual ele chorou em sua convicção de pecado diante de Deus.
O que Deus faz com nossas culpas e nossos sentimentos de culpa é nos
trazer a um estado no qual somos convencidos do pecado e de nossa quebra
da justiça. Ele usa aqueles sentimentos para nos trazer da desobediência
para a obediência. Nesse sentido, culpa e sentimentos de culpa são sadios.
Assim como a dor é um sinal necessário da presença de uma doença, assim
sentimentos de culpa podem, muitas vezes, ser a maneira divina de nos
despertar para a nossa necessidade de redenção.
• Deus n o s a m a ld iç o a q u a n d o o d e so bedecem os, o u s im ­
p le s m e n te re té m a sua bênção ?

O que poderia ser pior do que se Deus retivesse de maneira absoluta e


final todas as bênçãos que vêm de Deus e somente dele? Estaríamos na pior
situação possível de maldição. Portanto, em minha opinião, reter as suas
bênçãos é o mesmo que nos amaldiçoar.
Deus nos amaldiçoa quando o desobedecemos? No Antigo Testamen­
to, Deus faz uma aliança com seu povo e lhe dá a sua lei. Quando ele lhe
dá a lei, juntamente com ela, lhe dá o que chamamos duas sanções. Ele
diz claramente: “Se ouvires a voz do SENHOR, teu Deus, virão sobre ti e
te alcançarão todas estas b ê n ç ã o s (Dt 28.2). Com efeito, “Bendito se­
rás tu na cidade e bendito serás no campo. Bendito o fruto do teu ventre,
e o fruto da tua terra,” etc. Se você ler essas passagens em Deuteronô-
mio, por exemplo, verá que Deus promete uma bênção para aqueles que
obedecem seus mandamentos.
Então Deus diz: “Será, porém, que, se não deres ouvidos à voz do SE­
NHOR, teu Deus, não cuidando em cumprir todos os seus mandamentos e
os seus estatutos que, hoje, te ordeno, então... Maldito serás tu na cidade e
maldito serás no campo. Maldito o teu cesto e a tua amassadeira”, etc.
Portanto, o Deus das Escrituras é um Deus que dá bênçãos e maldições. De
fato, todo alcance da redenção, como o Novo Testamento explica, é desen­
volvido em termos desse motivo de bênção e maldição. O que significa a
cruz de Cristo? Paulo nos diz em Gálatas que sobre a cruz Jesus foi abando­
nado pelo Pai. Jesus recebe sobre si mesmo a medida completa da maldição
de Deus pela desobediência. Temos um Salvador que leva essa maldição
por nós. E todo o drama da redenção é esse. Cristo toma minha maldição
sobre si mesmo e dá a mim e a você e a todas as criaturas que o aceitam a
bênção que Deus promete àqueles que o obedecem.

• A ju d e-m e a e n te n d e r a d o u tr in a da eleição.

Tentar responder a essa pergunta dentro desse formato curto e sintético,


pode quase fazer mais mal do que bem. Eu poderia fazer um comercial aqui
dizendo que a Cultura Cristã publicou um livro que escrevi intitulado Elei­
tos de Deus, que se dedica inteiramente ao estudo dessa muito difícil dou­
trina bíblica da eleição.
Quando discutimos a questão da eleição, melhor conhecida como pre­
destinação, muitas vezes essa palavra é associada com a teologia presbiteri­
ana ou calvinista. O apóstolo Paulo nos diz em Efésios que fomos predesti­
nados em Cristo para ser sua feitura, e também segue esse tema bem de
perto na carta aos Romanos. Portanto, como cristãos temos de lutar com
esse conceito de eleição divina soberana.
Creio, novamente, que devemos entender o ponto básico da eleição —
que Deus considera a raça humana em sua queda e vê a todos nós num estado
de rebelião contra ele. Se ele fosse exercer sua justiça total e completamente
contra o mundo todo, então todos nós certamente pereceríamos. As Escritu­
ras nos dizem que em nosso estado natural e decaído, estamos num estado de
escravidão moral. Ainda temos a habilidade de fazer escolhas, mas essas es­
colhas seguem os desejos de nossos corações, e o que nos falta como criatu­
ras caídas é um desejo inato por Deus. Por isso Jesus diz, por exemplo: “nin­
guém poderá vir a mim se, pelo Pai, não lhe for concedido” (Jo 6.65). Creio
que a eleição significa que Deus soberanamente e graciosamente dá o desejo
por Cristo àqueles a quem ele chama do mundo. A dificuldade, e o grande
mistério, é que, aparentemente, ele não faz isso para todas as pessoas. Ele
reserva o direito, como disse a Moisés e como Paulo reitera no Novo Testa­
mento, de ter misericórdia de quem ele tem misericórdia — assim como ele
escolheu Abraão e não Hamurabi, assim como Cristo apareceu a Paulo na
estrada de Damasco de uma forma que não apareceu a Pôncio Pilatos. Ele
nunca trata ninguém injustamente. Alguns recebem justiça e alguns recebem
misericórdia e Deus se reserva o direito de dar eternamente sua clemência
executiva, se você assim desejar, àqueles a quem ele escolhe. Existe um gran­
de debate sobre isso, como você sabe, mas creio que a escolha que Deus faz
não é baseada na minha retidão ou na sua retidão, mas na graça divina.

• S e g u n d o o m e u e n te n d im e n to da d o u tr in a da p re d e s ti­
nação, o h o m e m n a tu ra l s o m e n te aceita a Cristo se Deus
colocar esse desejo e m seu coração. Se Deus n u n c a co lo ­
car tal desejo, é ju sto q u e essa pessoa fique e te r n a m e n te
p e rd id a ?

Eu diria que o homem natural precisa mais do que apenas um desejo


plantado por Deus em seu coração para vir a Cristo. Creio que Deus tem
que fazer com que aquele desejo frutifique antes que uma pessoa escolha a
Cristo. Não é que Deus apenas plante a semente. Ele a fertiliza e a faz
frutificar. Jesus afirmou que: “ninguém poderá vir a mim se, pelo Pai, não
lhe fo r concedido”. O que significa isso?
Certamente os seres humanos têm uma vontade, e temos a capacidade
de escolher o que desejamos. Creio que o que Jesus quis dizer era simples­
mente que, deixadas por si mesmas, as pessoas não têm o desejo de vir a
Cristo. Elas não têm o desejo de se arrepender, e não têm o desejo de abra­
çar as coisas de Deus. É isso que a Bíblia quer dizer quando fala que esta­
mos escravizados aos nossos próprios pecados e que estamos por natureza
mortos em nossos pecados e delitos. A não ser que Deus nos tome vivos
para si mesmo, nunca teremos um desejo por Cristo.
Digamos que Deus vê toda uma raça humana que não tem absoluta­
mente nenhum desejo por ele, e sabe que a não ser que ele faça alguma
coisa para interferir em suas vidas e produzir vida de sua morte espiri­
tual, eles nunca darão atenção ao seu chamado, nunca responderão ao
seu convite, porque eles simplesmente não desejam fazê-lo. E a sua
liberdade que os mantém longe de Cristo. Eles têm a liberdade de esco­
lher o que desejam e de recusar o que não desejam, e estão constante­
mente recusando-se a vir a Cristo. Assim Deus decide que, para algu­
mas dessas pessoas, ele providenciará uma obra especial da graça. Ele
vai mudar a disposição dos seus corações. Penso que é exatamente isso
que acontece. Penso que Deus supera minha hostilidade e minha falta
de desejo por ele e faz mais do que plantar um desejo por ele. Ele me dá
um desejo por Cristo, de forma que o que era antes desprezível e repug­
nante para mim agora é doce e cheio de luz, e não posso esperar para
abraçar a Cristo. Penso que é isso que acontece. Esse é o testemunho de
todo o coração cristão.
Perguntamos se é justo. Não creio que Deus deva a ninguém, que
não deseja a Cristo, a obrigação de lhes dar o desejo de querer aquilo
que precisam. Ele não deve isso a ninguém. O problema é que se Deus
faz para alguns, por que não faz para todos? Apenas posso lhe dizer que
não tenho a mínima idéia de por que ele não faz para todos. Mas isso eu
sei e peço a você que pense com cuidado: Só porque ele o faz para
alguns, de forma nenhuma o obriga a fazer para todos os outros —
porque a graça nunca é obrigatória. Deus falou a Moisés, e Paulo nos
lembra de que Deus sempre reserva sua prerrogativa: “Terei m isericór­
dia de quem me aprouver ter misericórdia”. Não é nossa prerrogativa
dirigir a misericórdia de Deus.
• Em J o ã o 6 .1 0 C risto d iz q u e e le e s c o lh e u o s d o z e . Isso
sig n ifica q u e Ju d as era u m d o s e le ito s?

Eleição inclui Deus escolhendo pessoas, mas não significa que tudo que
Deus escolhe é uma questão de eleição.
Quando Jesus diz a respeito dos doze: “Não vos escolhi eu em número
de doze?”, podemos deduzir dessa afirmação que Jesus está dizendo: Vocês
doze foram eleitos para toda a eternidade para receber a graça da salvação.
Se é isso que Jesus quer dizer por “eu escolhi estes doze,” então, isso certa­
mente significa que todos os doze discípulos, incluindo Judas, estavam con­
tados entre os eleitos e seriam, presumivelmente, salvos.
Mas as Escrituras parecem adotar uma visão sombria a respeito da
futura condição de Judas, o qual, até onde podemos discernir do Novo
Testamento, morreu sem ter sido restaurado à comunhão com Cristo.
Creio que o que Jesus está dizendo é que ele escolheu aqueles doze para
serem seus discípulos. Ele continua para afirmar que sempre soube que
um deles era o filho da perdição. Jesus revela que ele sabia muito bem
o estado da alma de Judas quando o escolheu para participar como dis­
cípulo na sua escola rabínica. Lembre-se que um discípulo é simples­
mente um aluno. Um discípulo na antiga comunidade judaica era uma
pessoa que se ligava à escola de um rabino em particular e tomava-se
seu aluno. Jesus era um rabino peripatético (que ensina andando), um
rabino cuja escola não ficava num prédio, mas ao ar livre. Ele andava e
seus discípulos literalmente o seguiam. Ele tomavam notas e memori­
zavam o que ele ensinava.
Jesus selecionou Judas para matricular-se em sua escola. Obviamen­
te, o propósito disso era cumprir as Escrituras. Jesus indica isso — que
esse homem era um “filho da perdição” desde o começo, para que as
Escrituras fossem cumpridas, que Jesus seria entregue por uma traição.
Jesus selecionou alguém que ele sabia que o trairia e alguém que ele
sabia que não estava com sua alma num estado redimido. Não creio que
haja qualquer conflito ou contradição aqui entre o fato de que Jesus disse
que havia escolhido a Judas e o fato de que o resto dos discípulos foram,
presumivelmente, escolhidos não apenas para serem discípulos, mas tam­
bém escolhidos para serem apóstolos. Eles foram escolhidos desde toda a
eternidade para serem incluídos como pilares do reino de Deus e, portan­
to, escolhidos para a salvação eterna.
• C o m o Deus c u m p r iu sua p ro m e s sa a Abraão de q u e seus
d e s c e n d e n te s se riam salvos?

A maneira de Deus cumprir sua promessa a Abraão de salvar seus descen­


dentes foi salvando os descendentes de Abraão. Foi exatamente isso que Deus
prometeu e foi exatamente o que Deus fez no início da história e está fazendo
hoje. Paulo explica com muito cuidado, em sua carta aos Romanos, que nem
todos aqueles que são de Israel pertencem ao verdadeiro Israel (Rm 9.6-13).
Em primeiro lugar, a promessa de salvação para os descendentes de
Abraão é realizada na salvação que Deus dá ao povo de Israel. Isso não quer
dizer que todo descendente de Abraão recebe salvação, mas um ponto pri­
mordial tanto do Antigo quanto do Novo Testamentos é de que a salvação
vem dos judeus e os judeus são descendentes de Abraão.
O próprio Cristo é um descendente de Abraão. Não judeus não estão
ligados a Abraão por laços de sangue; no entanto, são adotados na família
de Israel e se tomam, em termos bíblicos, herdeiros espirituais de Abraão e
são contados como filhos de Abraão pelo princípio da adoção.
Grande parte da dificuldade de entender como Deus cumpriu a promessa a
Abraão, é como se deveria entender a promessa em primeiro lugar. Um dos gran­
des erros de Israel como nação no Antigo Testamento foi assumir que a descen­
dência biológica de Abraão por si mesma garantiria a salvação. Creio que isso é
ler mais do que a promessa de Deus diz, e certamente isso não está dito lá. Esse
foi um grande ponto de disputa entre Jesus e os fariseus. Jesus disse a eles: “Se
vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos, e
conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. ” Os fariseus ficaram muito
aborrecidos com essas palavras e perguntaram: “Somos descendência de Abraão
e jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: sereis livres?”
Jesus respondeu: “Vós fazeis as obras de vosso pai." Esse conceito de
filiação é consistente com a teologia do Antigo Testamento; a filiação não é
definida apenas do ponto de vista biológico, mas de acordo com a obediên­
cia. Portanto, aqueles que eram desobedientes eram deserdados e substitu­
ídos por aqueles a quem Deus chamava do mundo não-judeu, e que eram
adotados na casa de Deus como herdeiros de Abraão.

• O q u e é a d o u tr in a d a segurança e te rn a ?

Quando falamos da doutrina da segurança eterna estamos usando uma


descrição popular de uma doutrina clássica que chamamos perseverança dos
santos. Significa que, desde que uma pessoa tenha sido vivificada pelo Espí­
rito Santo, nascida do Espírito e justificada pela fé em Cristo e, portanto,
colocada num estado de salvação, essa pessoa de fato nunca perderá sua salva­
ção. Esse é um ponto cheio de controvérsias dentro do cristianismo histórico.
Há muitos cristãos que não crêem que uma vez que a pessoa esteja num
estado de graça, ela permanecerá nesse estado de graça. A Igreja Católica
Romana, por exemplo, historicamente ensina a distinção entre pecados ve­
niais e pecados mortais. Pecado mortal é definido como sendo mortal por­
que tem a capacidade de matar ou destruir a graça justificadora que habita
na alma e tal pecado torna necessário que a pessoa seja restaurada à justifi­
cação através do sacramento da penitência. Outras denominações cristãs
também crêem que é possível que um cristão perca a sua salvação.
Os defensores da segurança eterna dizem que, uma vez realizada
através da fé, nossa salvação está segura e nada nos separará do amor
de Cristo. A doutrina está baseada em algumas passagens das Escritu­
ras como os ensinos de Paulo aos Filipenses. Diz-se que: “...aquele que
começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Je­
sus”. As Escrituras falam também da obra do Espírito Santo na vida
cristã. O Espírito não apenas nos regenera ou nos vivifica, começando
todo o processo da vida cristã, mas, como a Bíblia nos diz, Deus dá a
cada cristão o selo do Espírito Santo e o penhor do Espírito Santo. Esse
termo é um pouco obscuro no vocabulário comum, embora, quando
compramos uma casa, o agente da imobiliária possa nos pedir para fa­
zer um pequeno pagamento adiantado que chamamos garantia. Essa é
uma expressão de negócio que usamos e que é usada nas Escrituras da
mesma maneira. Um penhor era um pagamento adiantado, uma garan­
tia absoluta de que o restante da dívida de fato seria paga. Quando Deus,
o Espírito Santo, faz um pagamento adiantado sobre alguma coisa, ele
não nega os outros pagamentos. Deus, o Espírito Santo, nos dá um pe­
nhor que se torna menos que um penhor. Ele está extremamente penho­
rado em terminar o que começou em você.
Também o conceito de estar selado vem da linguagem antiga do sinete
que havia no anel do imperador. Quando algo era selado e afixado com o
imprimátur do rei ou do proprietário, então aquilo se tomava sua possessão.
Creio que devemos fazer a seguinte observação: Se fosse por nós, não creio
que qualquer um de nós perseveraria e teríamos muito pouca segurança.
Entretanto, o conceito, como entendo biblicamente, é que Deus promete
que nada nos arrebatará das mãos de Cristo, que ele nos preservará.
• Se a justificação é pela fé so m e n te , c o m o p o d e m o s ap li­
car Tiago 2.24 q u e afirm a q u e a pessoa é justificada p o r
aq u ilo q u e ela faz, e n ã o a p en a s p o r sua fé?

Essa pergunta não é crítica apenas nos dias de hoje, mas estava no centro da
tempestade que chamamos Reforma Protestante que avançou e dividiu a igreja
cristã no século XVI. Martinho Lutero declarou sua posição: A justificação é
pela fé somente, nossas obras não acrescentam nada à nossa justificação e não
temos nenhum mérito para oferecer a Deus que, de alguma forma, aumente
nossa justificação. Isso criou o pior cisma na história do Cristianismo.
Recusando-se a aceitar o ponto de vista de Lutero, a Igreja Católica
Romana o excomungou e respondeu à insurreição do movimento protestan­
te com um grande concílio, o Concílio de Trento, que fez parte da assim
chamada Contra Reforma e aconteceu em meados do século XVI. A sexta
sessão do Concílio de Trento, na qual os cânones e decretos sobre justifica­
ção e fé foram estabelecidos, apelava especificamente para Tiago 2.24 para
repreender os protestantes que afirmavam que eram justificados somente
pela fé. “Verificais que uma pessoa é justificada por obras, e não por fé
somente.” Como seria possível Tiago afirmar isso com mais clareza? Pare­
ce que aquele texto tiraria Lutero de cena para sempre.
Sem dúvida, Martinho Lutero estava perfeitamente consciente de que
esse versículo estava no livro de Tiago. Lutero estava lendo Romanos, em
que Paulo deixa muito claro que não é através das obras da lei que qualquer
pessoa é justificada, e que somos justificados pela fé e somente através da
fé. O que acontece aqui? Alguns estudiosos dizem que existe um conflito
irreconciliável entre Tiago e Paulo, que Tiago foi escrito depois de Paulo e
Tiago tentou corrigir Paulo. Outros dizem que Paulo escreveu Romanos
depois de Tiago e estava tentando corrigir Tiago.
Estou convencido de que realmente não há conflito nenhum. O que Tiago
está dizendo é o seguinte: Se uma pessoa diz que tem fé, mas não dá nenhuma
evidência exterior dessa fé através de boas obras, sua fé não o justificará. Martinho
Lutero, João Calvino, ou João Knox certamente concordariam com Tiago.
Não somos salvos por uma profissão de fé ou por uma alegação de fé.
Essa fé tem de ser genuína antes que o mérito de Cristo seja imputado a
qualquer pessoa. Você não pode simplesmente dizer que tem fé. A verda­
deira fé certamente e necessariamente produzirá os frutos da obediência e
as obras da retidão. Lutero estava dizendo que estas obras não acrescentam
à justificação da pessoa diante do tribunal de Deus, mas que elas justificam
sua alegação de fé diante dos olhos dos homens. Tiago não está dizendo que
a pessoa é justificada diante de Deus por suas obras, mas que sua alegação
de fé é evidenciada como genuína à medida que essa pessoa demonstrar a
evidência daquela alegação de fé através de suas obras.

• O cristão n ã o está se n d o b ito la d o ao dizer q u e Cristo é o


ú n ic o c a m in h o ?

Bem, certamente pode ser uma expressão de intolerância do cristão dizer


que Cristo é o único caminho. Nunca me esquecerei da primeira vez que
alguém me fez essa pergunta. Foi na faculdade. Minha professora olhou-me
direto nos olhos e disse: “Sr. Sproul, o senhor acredita que Cristo é o único
caminho para Deus?” Eu queria pular pela janela ou encontrar um buraco
para me esconder porque a pergunta me colocou no meio de um dilema. Foi
uma situação terrivelmente embaraçosa porque eu sabia o que o Novo Testa­
mento dizia. Eu sabia que o próprio Cristo havia dito: “Eu sou o caminho, e a
verdade, e a vida ; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). E outras
passagens no Novo Testamento dizem: “...não existe nenhum outro nome,
dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4.12).
Eu estava consciente dessas passagens de exclusividade que encontra­
mos no Novo Testamento que focalizam o caráter único de Jesus. Essa pro­
fessora me pressionou sobre isso e perguntou se eu pensava que Cristo era o
único caminho. Se eu dissesse sim, então obviamente eu seria visto por
todos na classe como uma pessoa insuportavelmente arrogante. Certamen­
te, eu não desejava aquele tipo de rótulo durante minha carreira na faculda­
de. Mas se eu dissesse não, então seria culpado de negar aquela exclusivi­
dade única que Cristo reivindicava para si mesmo. Por isso, eu mais ou
menos me furtei um pouco e tentei sussurrar minha resposta e disse: “Sim,
creio que Jesus é o único caminho.” Bem, a ira daquela professora caiu
sobre minha cabeça e imediatamente começou a me atacar e dizer: “Essa é
a afirmação mais fanática, intolerante e arrogante que já ouvi.”
Depois que a aula terminou fui até a professora e conversei particular­
mente com ela: “Sei que a sra. não é muito entusiasta do Cristianismo, mas a
sra. estaria disposta a aceitar a possibilidade de que pessoas que não são arro­
gantes e pessoas que não são intolerantes possam, por alguma razão, ser real­
mente persuadidas de que Jesus é, pelo menos, um caminho para Deus?”
Ela respondeu: “Oh sim, sem dúvida posso entender que pessoas inteli­
gentes possam crer nisso.” Era a intolerância que estava incomodando a
professora. Eu disse: “A sra. compreende que eu cheguei à conclusão de
que Jesus era um caminho para Deus, e depois descobri que Jesus estava
dizendo que ele era o caminho?”
Se eu cresse que Jesus é o caminho para Deus só porque, por acaso, esse
é o meu caminho, então a pressuposição escondida seria de que qualquer
coisa em que R.C. cresse deveria ser verdade. Isso excluiria qualquer pes­
soa que não está em contato com aquilo em que R.C. Sproul acredita e isso,
sem dúvida, seria insuportavelmente arrogante. Por que deveria haver até
mesmo um único caminho para a redenção? Às vezes agimos como se Deus
não tivesse feito o suficiente.
O PECADO E O PECADOR

“Do céu olha o SENHOR para os filhos dos homens,


para ver se há quem entenda, se há quem busque a Deus.
Todos se extraviaram e juntamente se corromperam;
não há quem faça o bem, não há nem um sequer. ”
— S a l m o 1 4 .2 ,3

Perguntas dessa seção:

• O que significa a expressão “pecado original”?


• Por que é justo que toda a humanidade nasça em pecado por causa da
queda de Adão?
• Existem graduações de pecado?
• O pecado original mudou a essência de nossa humanidade como foi cria­
da originalmente?
• Sei que Deus me perdoou os pecados, mas como posso começar a perdo­
ar-me a mim mesmo?
• Como podemos lidar com pecados obstinados em nossas vidas que pare­
cem não sumir mesmo depois de muita oração e de um desejo sincero e
honesto de mudar.
• As Escrituras nos dizem que: “como [o homem] imagina em sua alma,
assim ele é." Muitas vezes, meus pensamentos são cheios de pecado, e
ainda assim sou um cristão. Como lidar com isso?
• Quando a Bíblia diz que seremos responsabilizados por todas as nossas
ações, isso inclui os pecados pelos quais já fomos perdoados?
• A nossa “velha natureza” é o nosso conhecimento do pecado e nossa fa­
miliaridade com ele por causa de experiências passadas?
• Tiago 5 diz: “sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho
errado, salvará da morte a alma dele". Pode explicar o que Tiago quer
dizer com essa passagem?
• No Sermão da Montanha Jesus nos adverte: “Não julgueis para que não
sejais julgados". O que ele quer dizer?
• No primeiro capítulo de Romanos, Deus “entrega os pecadores à concupis­
cência dos seus corações”. O que significa que Deus entrega alguém ao pecado?
• Por que a terra suporta a maldição da queda da humanidade? Que mal ela fez?

• O q u e significa a expressão pecado original?

Pecado original se relaciona com o estado de queda da natureza huma­


na. Jonathan Edwards escreveu um formidável tratado sobre pecado origi­
nal. Ele não apenas se dedicou a uma exposição extensa do que a Bíblia
ensina sobre o caráter decaído do homem e sua propensão à iniqüidade,
mas fez um estudo de uma perspectiva racional, secular, dirigida a uma
filosofia que era muito difundida em seus dias: Todas as pessoas no mundo
nascem inocentes, num estado de neutralidade moral no qual não têm qual­
quer predileção nem para o bem nem para o mal. E a sociedade que corrom­
pe esses recém-nascidos inocentes. À medida que somos expostos ao com­
portamento pecaminoso ao redor de nós, nossa inocência normal e natural é
desgastada pela influência da sociedade. Mas isso incorre em petição de
princípio: Como a sociedade ficou corrompida? A sociedade é composta de
pessoas. Por que tantas pessoas pecaram? E quase axiomático em nossa
cultura admitir que ninguém é perfeito. E Edwards fez perguntas como: Por
que não? Se todos nasceram num estado de neutralidade moral, você espe­
raria estatisticamente que, aproximadamente 50% dessas pessoas cresceri­
am e nunca pecariam. Mas não é isso que encontramos. Em todos os luga­
res encontramos seres humanos agindo contra os preceitos e padrões do
Novo Testamento. De fato, quaisquer que sejam os padrões morais da cul­
tura em que vivemos, ninguém os guarda perfeitamente. Mesmo o código
de honra estabelecido pelos ladrões é violado por eles mesmos. Não impor­
ta quão baixo seja o nível moral de uma sociedade, o povo o quebra.
Existe algo incontestável a respeito do estado decaído do caráter huma­
no. Todas as pessoas pecam.
A doutrina do pecado original ensina que as pessoas pecam porque são
pecadoras. O fato não é que somos pecadores porque pecamos, mas que pe­
camos porque somos pecadores; isto é, desde a queda do homem, herdamos
uma condição corrupta de pecaminosidade. Agora temos uma natureza peca­
minosa. O Novo Testamento diz que estamos sob o pecado; temos uma dispo­
sição para a iniqüidade, de modo que, de fato, todos nós cometemos pecados.
Mas essa não foi a natureza que Deus nos deu originalmente. No princípio,
éramos inocentes. Mas agora a raça mergulhou num estado de corrupção.
• Por q u e é ju sto q u e to d a a h u m a n i d a d e nasça e m pecado
p o r causa da q u e d a de Adão?

Creio que o Novo Testamento ensina que o mundo inteiro nasce dentro
das conseqüências de uma natureza decaída por causa do pecado de Adão e
Eva. O Novo Testamento repete essa idéia freqüentemente — “que pela
desobediência de um homem a morte veio ao mundo.” Isso tem sido razão
de muito protesto teológico. Que tipo de Deus puniria todas as pessoas com
as conseqüências de um pecado individual? De fato, isso parece ser contrá­
rio ao que ensina o profeta Ezequiel. Ele advertiu o povo de Israel quando
disseram que os pais haviam comido uvas verdes e os dentes dos filhos
nasceram embotados. O profeta diz que Deus trata cada pessoa de acordo
com seu próprio pecado. Ele não pune a mim por aquilo que meu pai fez,
nem pune meu filho por aquilo que eu fiz, embora as conseqüências pos­
sam atingir até três ou quatro gerações. A mensagem de Ezequiel parece ser
que a culpa não é transferida de uma pessoa para outra.
Isso toma a questão muito mais complicada. Em protesto, gostaríamos
de dizer: “Nenhuma condenação sem representação.” Não gostamos de ser
responsabilizados por algo que outra pessoa fez, embora haja ocasiões em
nosso sistema de justiça em que reconhecemos um certo grau de culpabilida­
de por aquilo que outra pessoa faz por razão de uma conspiração criminal.
Por exemplo, posso contratá-lo para matar alguém. Mesmo que eu este­
ja longe da cena do crime e não puxe o gatilho, ainda posso ser julgado por
assassinato em primeiro grau. Sou culpado da intenção e malícia de preme­
ditar aquilo que você executou na realidade.
Você pode argumentar que essa é uma analogia muito pobre sobre a
queda porque ninguém contratou Adão para pecar contra Deus em meu
nome. Obviamente não fizemos isso. Ele foi designado como representante
de toda a raça humana. Novamente, tendemos a achar que isso é difícil de
engolir porque não gosto de ser responsabilizado por aquilo que o meu re­
presentante faz se não tive a oportunidade de escolher o meu representante.
Certamente, não escolhi Adão para me representar. Essa é uma das razões
pelas quais gostamos de ter o direito de eleger nossos representantes no
governo: As atitudes que eles tomam na esfera política têm enormes conse­
qüências em nossas vidas. Nem todos podemos estar na capital do país pro­
mulgando a legislação. Desejamos eleger nossos representantes na esperança
de que eles representarão corretamente nossos desejos e nossas vontades.
Não houve nenhuma ocasião na história da humanidade em que você
estivesse mais perfeitamente representado do que no Jardim do Éden, por­
que o seu representante foi escolhido infalivelmente por um Deus onisciente,
perfeitamente santo, perfeitamente justo. Portanto, não posso dizer que eu
teria agido de maneira diferente de Adão.
Um último ponto: se por princípio objetamos que Deus permite que uma
pessoa aja pela outra, isso seria o fim da fé cristã. Toda nossa redenção repou­
sa no mesmo princípio, que através das obras de Cristo nós somos redimidos.

• Existem gra duações de pecado?

Eu hesito um pouco quando você me faz essa pergunta porque não tenho
boas recordações em minha memória de ter respondido a essa pergunta no pas­
sado e com o fato de que as pessoas ficaram muito aborrecidas com o que eu
disse. O que me confunde é que parece haver um grande número de cristãos que
assume a posição de que não há graduação de pecado, que todo pecado é pecado
e não há diferença entre pecado mais sério e pecado menos sério.
A Igreja Católica Romana historicamente faz uma diferença entre peca­
do mortal e pecado venial, o que significa que alguns pecados são mais
hediondos que outros. Pecado mortal é assim chamado porque é suficiente­
mente sério para destruir a graça salvadora na alma. Ele mata a graça, e por
isso é chamado mortal.
Os Reformadores Protestantes do século XVI rejeitaram o conceito
de distinção entre venial e mortal. Calvino, por exemplo, diz que todo
pecado é mortal no sentido de que merece a morte, mas nenhum pecado
é mortal, exceto a blasfêmia contra o Espírito Santo, no sentido de que
ela destruiria a salvação que Cristo adquiriu para nós. Na reação protes­
tante à distinção católico-romana entre pecado venial e pecado mortal, os
reformadores protestantes não negaram as graduações de pecado. Eles
ainda mantiveram a noção de graus maiores e menores de pecado. O que
estou dizendo é que, no Cristianismo ortodoxo, ambos, católicos-roma-
nos e as denominações protestantes, assumem a posição de que há alguns
pecados que são piores do que outros. Eles fazem essa distinção porque
as Escrituras ensinam isso claramente.
Se olhamos para a lei do Antigo Testamento, vemos que algumas ofen­
sas devem ser tratadas, nesse mundo, com a pena de morte, e outras com
castigo corporal. Há distinção, por exemplo, entre assassinato e intenção
criminosa ou premeditação e aquilo que chamamos de homicídio involun­
tário. Há pelo menos vinte e cinco ocasiões em que o Novo Testamento faz
distinção entre males maiores e menores. Jesus diz, por exemplo, em seu
julgamento: “quem me entregou a ti, maior pecado tem." (Jo 19.11).
Há evidência abundante nas Escrituras para insistir na noção de gradua­
ção de pecado. Não apenas isso, mas o simples princípio de justiça indica­
ria assim. Mas penso que as pessoas tropeçam nesse ponto por duas razões.
A primeira é a afirmação de Tiago de que: “...qualquer que guarda toda a
lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos". Isso soa como
se Tiago estivesse dizendo que se você diz uma mentira inocente, isso é tão
ruim quanto matar uma pessoa a sangue frio. Mas Tiago realmente está
dizendo que todo pecado é sério no sentido de que todo pecado é uma ofen­
sa contra o legislador, de maneira que, no mais leve pecado estou pecando
contra a lei de Deus.
Eu tenho violado todo o contexto da lei de diversas maneiras. Portanto,
todo pecado é sério, mas disso não podemos concluir, logicamente, que
todo pecado é igualmente sério.
As pessoas também se referem à afirmação de Jesus de que se você olhar
para uma mulher com intenção impura, você já violou a lei contra o adultério.
Jesus não diz que a luxúria é tão errada quanto o adultério em si. Ele está
simplesmente dizendo que se você se abstém apenas do ato, você não é total­
mente puro; há elementos menos importantes na lei que você violou.

• O p ecado original m u d o u a essência de noss a h u m a n i ­


d a d e c o m o foi criada origin alm ente?1

Não. Se ele tivesse mudado a essência de nossa humanidade criada,


então seria impróprio nós nos chamarmos humanos. Há uma imensa dife­
rença de opinião entre as denominações, os grupos religiosos e os teólogos
a respeito da extensão do dano que o pecado original provocou na raça
humana. Os debates são tão extensos quanto as diferenças de opinião. A
maior parte das denominações, apesar de suas diferenças no que diz respei­
to ao grau de decaimento, fazem algum tipo de distinção entre o que cha­
maríamos de imagem de Deus segundo a qual fomos criados em sentido
mais amplo, e imagem de Deus em sentido mais estrito.
Em nossa humanidade, fomos criados num sentido mais amplo, no qual
certos traços nos fazem seres humanos: nossa habilidade de pensar, o fato
de que temos uma alma, etc. Mesmo depois da queda ainda pensamos, ain­
da escolhemos, ainda temos paixões, nós ainda andamos, olhamos e agi-
mos como pessoas — ainda somos seres humanos. Nossa humanidade per­
manece essencialmente intacta.
Entretanto, a queda alterou a imagem de Deus no sentido mais restrito,
fomos criados para refletir tal imagem. Originalmente, tínhamos a capaci­
dade ímpar de refletir o caráter e a santidade de nosso criador. Essa habili­
dade de refletir, da qual as Escrituras falam, foi radicalmente obscurecida
pelo pecado de maneira que a imagem de Deus que damos para o mundo está,
agora, distorcida. Não refletimos a integridade de Deus. Perdemos uma quan­
tidade significativa de força moral e de retidão a tal ponto que o Novo Testa­
mento nos diz que, por natureza, somos filhos da ira, estamos mortos em
pecados e transgressões e por natureza permanecemos em inimizade contra e
separados de Deus nosso Criador. Isso é significativo, mas não quer dizer,
entretanto, que nossa humanidade foi destruída. Nossa humanidade está in­
tacta, mas é uma humanidade enfraquecida, uma humanidade decaída.
Creio que a queda penetrou até o próprio âmago, até o centro de nossa
vida espiritual e moral. Isso afeta todas as nossas partes. Afeta nossas men­
tes e nossos corpos. Nossos corpos não envelheceriam nem morreriam se
não fosse o pecado; a morte veio como resultado do pecado. Isso realmente
afeta nossa humanidade. Causa sofrimento, dor, fraqueza e tudo o mais. A
vida humana foi radicalmente afetada pelo pecado, mas a humanidade em
sua essência permanece.

• Sei q u e Deus p e rd o o u os m e u s pecados, m as c o m o p o s ­


so c o m e ç a r a p e rd o a r a m im m e s m o ?

Em suas epístolas, o apóstolo Paulo freqüentemente faz um grande es­


forço para descrever o que ele chama de liberdade cristã. Nessas questões
Deus nos dá liberdade; ele não fixa leis proibindo alguma coisa ou ordenan­
do alguma coisa. O apóstolo nos adverte contra o perigo de nos tomarmos
julgadores de nossos irmãos dando como exemplo, na comunidade de Co­
rinto, a questão sobre comer carne oferecida aos ídolos. Paulo diz que isso
não tem nada a ver com o reino de Deus. Ele diz: “Aqueles que têm escrú­
pulos a respeito disso não julguem os que não têm” e vice versa. Esse é um
caso no qual temos apenas que nos respeitar uns aos outros.
Nessas advertências, Paulo usa como base a seguinte afirmação: “Não
devemos julgar as pessoas por quem Cristo morreu.” Ele nos lembra que
“nosso irmão e nossa irmã pertencem a Cristo. Deus os perdoou. Quem é
você para negar o perdão àqueles a quem Deus perdoou?”
Vamos examinar de outro ponto de vista. Se alguém peca contra mim e
se arrepende, Deus o perdoa. Se eu me recuso a perdoá-lo, você pode ima­
ginar como isso é horrível para Deus. Deus não é obrigado a perdoar aquela
pessoa. Aquela pessoa pecou contra Deus e Deus nunca pecou contra nin­
guém. Aqui estou eu — alguém que é um pecador — recusando-se a perdo­
ar outros pecadores enquanto Deus, que não tem pecado, está disposto a
perdoar. Você já parou para pensar a arrogância que existe em mim quando
me recuso a perdoar alguém a quem Deus perdoou?
Agora, como você poderia se perdoar depois que Deus já o
Tenho tido pessoas que vêm a mim e dizem: “R.C., cometi tais e tais
dos, e pedi Deus que me perdoasse. Já fui a ele dez vezes pedindoJS^e^jé
perdoasse, mas ainda não me sinto perdoado. O que vou fazer^X t-Tfe^ènho
nenhuma resposta teológica brilhante para isso. Apena§^Vs§(Hhes dizer
para pedir a Deus que os perdoe mais uma vez. Quáni 3 ^ í m e dizer que já
o fizeram, eu lhes digo que, dessa vez, pei ini-aDéu ■.íme-oyperdoe por sua
arrogância. “Arrogância!?” dizem eles. “O QTC^S®bêVier dizer com arro­
gância? Sou a pessoa mais humilde do país. Çbrif^ssei esse pecado dez ve­
zes.” Deus não diz que se você cç>nf *ssai(o))ecado uma vez, ele o perdoará?
Quem é você para recusar 0 peros^?dkj3etfs, e quem é você para condenar
alguém a quem Deus perdoou^ Issiajé arrogância. Você pode não se sentir
arrogante, você pode não dpíej^ij ser arrogante, você pode estar se humilhan­
do tremendamente suas confissões. Mas estou lhe dizendo que
se Deus o p ç ou.'e^òu 'dever perdoar-se a si mesmo. Não é uma opção.
Você deve p..!âoaf aqueíes a quem Deus perdoa, incluindo você mesmo.

e v em o s lidar c o m esses focos de pecados obsti-


os e m nossas vidas q u e pa re cem n ã o s u m i r m e s m o
epois de m u i t a oração e de u m desejo sincero e h o n e s ­
to de m u d a r ?

Um dos grandes clássicos cristãos é um pequeno livro devocional escrito


por São Tomás de Kempis chamado Imitação de Cristo. Nesse livro, ele fala
sobre a luta que muitos cristãos têm com hábitos maus que são pecaminosos. Ele
afirma que a luta pela santificação é muitas vezes tão difícil e que as vitórias que
alcançamos parecem tão poucas e espaçadas que, mesmo nas vidas dos grandes
santos, há poucos que foram capazes de superar comportamentos habituais. Es­
tamos falando a respeito de pessoas que comem demais e têm esse tipo de tenta­
ção, não sobre aqueles que estão escravizados a pecados grosseiros e abominá­
veis. Sem dúvida, as palavras de Tomás de Kempis não são Escritura Sagrada,
mas ele fala com a sabedoria de vida de um grande santo.
O autor de Hebreus diz que somos chamados a resistir ao pecado que
tão facilmente nos persegue e que somos admoestados e advertidos a tentar
superar tais pecados com mais empenho.
Você diz: Como escapar desses focos de pecado contra os quais lutamos
tanto e que temos um desejo honesto e sincero de não cometer? Se o desejo de
não cometer o pecado é realmente honesto, estamos com 90% do caminho
percorrido. De fato, não deveríamos estar presos a alguma coisa. A razão pela
qual continuamos com esses focos de pecados repetidos, é porque, no fundo do
coração, temos um desejo de continuar com eles, e não porque temos um dese­
jo sincero de não cometê-los. Eu imagino quão honesto é o nosso desejo de
parar. Temos uma tendência de nos enganar a nós mesmos toda vez que abraça­
mos um pecado de estimação. Precisamos enfrentar o fato de que cometemos o
pecado porque, no momento, desejamos pecar mais do que desejamos obede­
cer a Cristo. Isso não quer dizer que não temos nenhuma vontade de escapar
dele, mas que o nosso grau de desejo vacila. E fácil fazer dieta depois de um
banquete; é difícil permanecer em dieta se não comemos o dia inteiro. É isso
que acontece com pecados habituais, especialmente pecados que envolvem
apetites físicos ou sensuais. A maré do desejo aumenta ou diminui. Ela cresce
ou enfraquece. Nossa resolução de arrependimento é grande quando nossos
apetites foram satisfeitos, mas quando não foram, temos uma atração crescente
para praticar o pecado qualquer que ele seja.
Creio que o que devemos fazer é, antes de tudo, sermos honestos a res­
peito de fato de que temos um conflito de interesse entre o que queremos
fazer e o que Deus deseja que façamos. Creio que devemos alimentar nossas
almas com a Palavra de Deus para que possamos perceber claramente o que
Deus deseja que façamos e então estabelecer um desejo forte de obedecer.

• As Escrituras no s d ize m que: "como [o h o m e m ] imagina em


sua alma, assim ele é” (Pv 23,7. M u itas vezes, m e u s p e n s a ­
m e n t o s são cheios de pecado, e m e s m o a ssim sou u m
cristão. C om o lidar co m isso?

O versículo que você mencionou é um versículo muito importante. Ele


soa um tanto estranho porque, quando falamos a respeito de imaginar, nor­
malmente identificamos pensamentos e o processo de pensar com a cabeça,
com o cérebro. Por que a Bíblia diz “como [o homem] imagina em sua
alma”? Não pensamos com nossa alma, pensamos com nossas cabeças. Creio
que a Escritura usa o termo alma para descrever o que chamaríamos de
centro, âmago. Significa aquilo que é mais focalizado em nossos pensa­
mentos, de forma que o centro, o âmago, a essência de nossos pensamentos
é que produz aquilo que somos. Em outras palavras, aquilo em que minha
mente prioriza, determina o tipo de pessoa que eu me tomo.
Essa é uma questão decisiva, porque as pessoas estão sempre me dizen­
do que não desejam estudar teologia e que não desejam estudar matérias
intelectuais porque tudo o que realmente os preocupa são as dimensões
práticas da vida cristã. Entretanto, para cada prática existe sempre uma teo­
ria. Cada um de nós vive a partir de uma teoria de vida significativa para
nós. Realmente, vivemos de acordo com o que pensamos. Podemos não ser
capazes de articular essa teoria de forma técnica, mas todos temos uma
teoria a partir da qual vivemos a prática de nossa vida. E por isso que Jesus
nos diz para mantermos nossos pensamentos puros. Aquilo que você enxer­
ga como importante, vai controlar os padrões práticos de sua vida.
Você mencionou a frustração que sente com o conflito entre aquilo a
respeito do que você sabe em sua mente que você deveria estar pensando, e
aquilo que realmente pipoca em sua cabeça. Um dos melhores estudos so­
bre oração que jamais li vem da pena de João Calvino, o teólogo da Refor­
ma francesa, em sua obra Instituías. Sempre exigia que meus alunos lessem
esse capítulo sobre oração antes de lerem qualquer outra coisa para que
ficassem familiarizados com Calvino, esse gigante espiritual, o homem que
tinha uma enorme paixão pelo coração de Deus. Ele tinha uma vida
devocional intensa. Calvino lamenta o fato de que, mesmo no meio da ora­
ção, sua mente era invadida por pensamentos pecaminosos.
Isso é normal no ser humano e devemos aprender a superar estes pen­
samentos invasivos, assim como aprendemos a lidar com outros aspectos
de nossa natureza pecaminosa. O apóstolos diz que todas as coisas que
são puras, todas as coisas que são verdadeiras e amáveis, são essas coisas
que deveriam habitar em nós. Temos uma expressão de linguagem de
computador chamada princípio GIGO: Lixo para dentro, lixo para fora.
(A expressão em inglês diz: garbage in, garbage out; formando a expres­
são GIGO, impossível de ser colocada em português. N.T.) Se enchemos
nossas mentes com lixo, nossas vidas logo começarão a manifestar o
mau cheiro daquele lixo. Penso que a solução é encher nossas mentes
com as coisas de Deus.
• Q u a n d o a Bíblia diz q u e serem os resp onsabilizado s p o r
to d as as nossas ações, isso inclui os pecados pelos q uais
já fo m o s p e rd o a d o s?

Penso que sim. Algumas pessoas rapidamente apontarão para o que a


Bíblia diz: “Quanto dista o Oriente do Ocidente, assim afasta de nós as nos­
sas transgressões” (SI 103.12) e que ele os lança no mar do esquecimento.
Quando Deus perdoa os nossos pecados, ele os esquece. Ele não mais se
lembra deles para usá-los contra nós. Assim parece que poderíamos concluir,
dessas passagens, que uma vez que sejamos perdoados de um pecado, esse é
o seu fim absoluto e nunca mais seremos responsabilizados por ele.
Quando somos perdoados por Deus, há duas coisas que devemos enten­
der. Primeiro, quando a Bíblia fala de Deus esquecer os nossos pecados,
devemos ser cuidadosos para não forçar demais. Isso não significa que,
subitamente, o Deus eterno, verdadeiro Deus do Deus verdadeiro, que é
onisciente e imutável repentinamente passa por um lapso de memória e
aquilo que ele sabia intimamente antes, ele passa subitamente a ignorar. Se
pensarmos assim, isso nos dará uma horrível visão de Deus. Ao contrário, a
Bíblia está usando esse tipo de linguagem para dizer que ele não os conser­
va mais contra nós. Ele nos trata sem levantar a questão em termos de apli­
car uma punição. A punição justa para qualquer pecado seria a separação
eterna de Deus. Quando somos perdoados somos aliviados de toda culpa e
de toda punição, de forma que não precisamos nos preocupar a respeito de
irmos para o inferno porque pecamos.
Ao mesmo tempo, o Novo Testamento nos diz, pelo menos vinte e cinco
vezes, que a distribuição de galardão no céu será feita com o nosso relativo
grau de obediência ou das ações que executamos. Somos avisados freqüen­
temente por Jesus que, no último dia, todas as coisas serão trazidas à luz. As
coisas que fizemos em segredo serão manifestas; toda palavra ociosa será
trazida para julgamento. Não creio que isso signifique que serei punido por
aqueles pecados que confessei e que foram perdoados. Esses foram cobertos
pela justiça de Cristo e por meu Mediador. Mas terei que comparecer diante
de Deus para uma avaliação completa de minha obediência como cristão.
Se, nessa hora de avaliação, ele vai mencionar todo o registro ou sim­
plesmente dizer: “Essa é a nota final, você receberá tantos galardões” —
não sei como será. Mas eu serei submetido a um acerto final e certamente
os detalhes de minha vida estarão na mente de Deus. Embora eu esteja
perdoado e não seja punido, cada pecado significa que receberei menos
galardão do que se tivesse sido obediente.
• N o ssa "velha n a tu re z a " é a n o s s a fa m ilia rid a d e c o m o
pecado p o r causa de experiências passadas e o n o sso c o ­
n h e c i m e n t o dele?

Quando a Bíblia fala de nossa “velha natureza,” é fácil supor que ela se
refira às memórias daquilo que se passou em nossa vida, nossos velhos
padrões de comportamento. Penso que a expressão significa muito mais do
que isso. O contraste entre velha e nova naturezas ao qual Paulo se refere
freqüentemente nas Escrituras é muitas vezes apresentado em outros ter­
mos: velho homem e novo homem. A maneira geral com a qual o apóstolo
descreve é o contraste entre carne e espírito.
Creio que quando Paulo fala de velho homem, ele está se referindo à nature­
za humana decaída que é o resultado direto do pecado original; isto é, pecado
original não é o primeiro pecado cometido por Adão e Eva, mas a conseqüência
dele. O fato é que somos seres decaídos e que nós, por causa dessa natureza
decaída, nascemos num estado de separação de Deus. Estamos mortos para as
coisas do Espírito. Paulo nos diz em Romanos que a mente da carne não pode
agradar a Deus. Não temos nenhuma inclinação ou disposição para obedecer a
Deus num sentido espiritual. Essa é a nossa velha natureza, nascemos desse jei­
to. Somos por natureza filhos da ira; estamos por natureza nesse estado de sepa­
ração. É a partir dessa natureza que o Novo Testamento nos descreve como seres
escravos dessa inclinação ou disposição para pecar.
Esse foi um debate que Jesus teve com os fariseus quando lhes disse que
se eles continuassem com seus ensinamentos, eles seriam livres, e os fariseus
ficaram indignados dizendo: “...jamais fomos escravos de alguém”. Jesus
lhes disse: “...todo o que comete pecado é escravo do pecado”. Jesus lhes
disse que eles eram escravos do pecado.
Paulo afirma que estamos debaixo do pecado, isto é, debaixo do peso
dele, debaixo do seu fardo, porque a única disposição e inclinação que te­
mos é a da carne. Não temos nenhuma inclinação natural para as coisas do
Espírito até sermos nascidos do Espírito. Quando uma pessoa é regenerada,
o Espírito de Deus vem e age sobre aquela pessoa e ele ou ela são uma nova
pessoa. Aquele que está em Cristo é nova criatura. Eis que as velhas já
passaram e todas as coisas se tornaram novas.
Isso não significa que a velha natureza pecaminosa, com sua disposição alheia
a Deus esteja aniquilada. Para todos os propósitos e intenções ela foi destinada à
morte. Sabemos que a batalha está ganha. Paulo diz que a velha natureza está
morrendo diariamente, e que num certo sentido ela foi crucificada com Cristo na
cruz. Não há nenhuma dúvida a respeito de sua destruição final e completa.
Nesse meio tempo, vivemos essa luta diária entre o velho homem e o novo ho­
mem, a velha natureza e a nova natureza, o velho desejo pelo pecado e a nova
inclinação que o Espírito de Deus fez nascer em nossos corações. Agora há uma
sede e uma paixão por obediência que não havia lá antes.

• Tiago 5 diz: "sabei que aquele que converte o pecador do seu cam inho
errado salvará da morte a alm a dele". Você p o d e explicar o q u e
Tiago q u e r dizer c o m essa passagem ?

Há várias possibilidades de entender o que Tiago tenha querido dizer.


Esse texto não nos dá informações precisas suficientes para sermos muito
dogmáticos a seu respeito. Ele poderia estar dizendo que aquele que leva
uma pessoa a Cristo — que traz o evangelho para a pessoa e a encaminha
para um estado de salvação — fez o papel de intermediário e claramente
salvou a alma da pessoa. Ele não é o Salvador daquela alma, mas, num
certo sentido, ele trabalhou para resgatar a pessoa do seu estado de perdição
e do castigo eterno. Talvez isso seja tudo o que a passagem quer dizer.
Poderia significar que qualquer pessoa que conduzir um irmão cristão
que errou ao arrependimento, ajudou a salvar a alma dessa pessoa da morte.
Normalmente, quando falamos a respeito de salvar a alma da morte, auto­
maticamente assumimos que o escritor está falando sobre céu ou inferno,
porque pensamos na alma como aquela que sobrevive à morte biológica.
Muitas vezes ignoramos o fato de que há ocorrências da palavra alma
na Bíblia em que ela simplesmente se refere à pessoa total. Ainda usamos a
palavra dessa forma. Eu posso dizer: “Quem veio à reunião ontem à noite?”
E você pode responder: “Nem uma alma sequer.” A reunião não era para
fantasmas, era para seres humanos. Ou podemos dizer: “Tenha piedade da­
quela pobre alma.” Não estamos olhando para um espírito desencarnado,
mas para um ser humano. A Bíblia faz isso. Portanto, o texto não se refere
necessariamente ao estado da pessoa depois dessa vida. A morte à qual ele
está se referindo aqui é a morte física.
Oscar Cullman, o brilhante teólogo suíço do Novo Testamento e historia­
dor da igreja, escreveu sobre a passagem de 1 Coríntios que se dedica à insti­
tuição da Ceia do Senhor e à advertência para não comer ou beber da Ceia do
Senhor indignamente. Paulo diz aos Coríntios: “pois quem come e bebe sem
discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão porque há entre vós
muitos fracos e doentes e não poucos que dormem” (ICo 11.29,30). Cullman
diz que essa é a passagem mais negligenciada de toda a Bíblia, porque aqui
está uma afirmação que nos diz claramente que as pessoas na comunidade do
Novo Testamento ficavam doentes e morriam como resultado direto de uma
violação da Ceia do Senhor, e poucas pessoas estão conscientes disso.
Lemos o registro de Ananias e Safira no Novo Testamento, que sofre­
ram morte biológica (At 5.1-11).
Quando a Bíblia diz que Deus julga as pessoas e as faz morrer, isso não
significa necessariamente que elas estejam condenadas. Pode ser sua pena
capital sobre seu povo que mesmo assim ainda é redimido; eles perdem uma
porção do prazer dessa vida terrena. Tiago pode estar dizendo apenas que se
tirarmos um irmão de seus caminhos perversos, nós os salvamos de uma morte
biológica prematura que, às vezes, é manifestação do julgamento de Deus.

• No Se rm ão da M o n t a n h a Jesus nos adverte: “N ão julgueis


para que não sejais julgados". O q u e ele q u e r dizer?

Jesus amplia essa frase curta, enérgica. A medida com a qual você jul­
gar outras pessoas é a mesma através da qual você está em perigo de ser
julgado por Deus. Se não tenho misericórdia e graça ao lidar com outras
pessoas, então dificilmente posso esperar que Deus se incline para mim
com misericórdia e graça.
Um dos paralelos da Oração do Senhor é ''perdoa-nos as nossas dívidas
assim como perdoamos nossos devedores”. E preciso haver um espírito de
misericórdia que é característico da vida cristã porque nós existimos no
Reino de Deus só, e exclusivamente, pela graça. Se há pessoas que deveri­
am estar evitando um espírito julgador, deveriam ser aquelas que experi­
mentaram a misericórdia de Deus.
Quando Jesus diz: “Não julgueis para que não sejais julgados'”, ele usa
uma palavra que, em seu sentido mais técnico, indica o julgamento de con­
denação. Encontramos uma distinção importante no Novo Testamento en­
tre o que chamaríamos de julgamento de discernimento ou avaliação e jul­
gamento de condenação. A passagem na qual Jesus diz: “Não julgueis para
que não sejais julgados” não é uma proibição absoluta contra estarmos cons­
cientes do que é mau em oposição ao que é bom ou certo. Somos chamados
a reconhecer a diferença entre bem e mal, e isso significa que temos de
fazer julgamentos o tempo todo — julgamentos de verdade se o meu compor­
tamento ou o seu comportamento ou o comportamento de um grupo está ou
não conforme os princípios de Deus.
Às vezes, as pessoas ficam muito nervosas quando digo: “Não creio que
isso seja algo que devamos fazer, porque isso seria uma violação da ética.”
Alguém pode pular e dizer: “Quem é você para julgar? Não julgueis para que
não sejais julgados.” De fato, o que estamos tentando fazer é chegar a um
discernimento, a uma avaliação da importância ética de uma determinada
situação. Mas o que Jesus está dizendo é que não devemos ter uma atitude
condenatória para com as pessoas — o que é chamado espírito vingador.
Uma das melhores maneiras que conheço de lidar com isso na prática é
entender a diferença entre o que chamamos de julgamento de caridade e um
julgamento sem caridade. É a diferença entre a análise de melhor hipótese
e pior hipótese. No julgamento de caridade, a pessoa recebe o benefício da
dúvida se ela fez algo que talvez não seja tão obviamente certo, ao invés de
interpretar seu comportamento com a pior hipótese possível. Infelizmente a
maioria de nós reserva o julgamento de caridade para nossas próprias ações,
e somos muito mais bondosos conosco mesmos do que com os outros. É
contra essa atitude e esse espírito que Jesus está falando aqui.

• No p rim e iro cap ítu lo de Rom anos, Deus "entrega os p e ­


cadores à c o n cu p isc ên c ia dos seus corações." O q u e sig­
nifica d ize r q u e Deus e n tre g a a lg u é m ao p e c a d o ? Essa
entreg a é ativa ou passiva?

O que significa dizer que Deus entrega alguém ao pecado? Encontramos


isso não apenas no primeiro capítulo de Romanos, mas também no Antigo
Testamento. Jeremias avisou o povo de Israel que essa seria exatamente a sua
punição, Deus não iria tolerá-los para sempre, mas viria uma hora em que ele
desistiria. Chegaria a um ponto em que Deus os entregaria ao seu pecado.
No início do Gênesis, na ocasião do dilúvio, somos avisados de que o
Espírito de Deus não luta para sempre com o homem. Deus é paciente, mas
sua longanimidade pretende nos dar tempo para que possamos cair em nós
mesmos, nos arrepender, reconhecer a Deus e sermos restaurados à comu­
nhão com ele. Mas, ao mesmo tempo, somos avisados de que essa tolerân­
cia não continua para sempre, e que podemos chegar a um momento em
nossa recusa obstinada de nos arrepender e responder, em que Deus dirá
que é muito tarde e nos abandonará aos nossos pecados retendo de nós a sua
graça salvadora. Isso é uma coisa terrível para se pensar.
A idéia de entregar a pessoa aos seus pecados ocupa uma parte signifi­
cativa dos capítulos finais do livro do Apocalipse no qual lemos a visão de
João do santuário interno do céu e do último julgamento. O texto nos diz
que aqueles que respondem a Cristo recebem benefícios maravilhosos, mas
aqueles que obstinadamente endurecem em sua recusa de se arrepender,
recebem julgamento das mãos de Deus. Deus diz: “Deixem que o perverso
seja ainda mais perverso.” Há um tipo de justiça poética aqui. Para aqueles
que desejam ser perversos e se recusam a deixar o seu pecado, Deus diz:
“Não vou mais impedi-lo. Vou retirar todas as restrições. Vou tirar as amar­
ras e lhe dar a sua liberdade. Vou permitir que você faça exatamente o que
deseja fazer. Será para sua destruição eterna, será para sua desonra e para
sua consternação final, mas se é isso que você deseja, eu o darei a você.”
Se essa entrega é ativa ou passiva? É ativa, no sentido de que Deus age
nessa direção. Deus, na realidade, entrega a pessoa aos seus próprios dese­
jos. É passiva, no sentido de que Deus permanece passivo para com a
autodestruição da pessoa.

• Por q u e a terra su p o rta a m ald ição da q u e d a da h u m a n i ­


d a d e? Q u e m a l fez ela?

Essa é uma pergunta estimulante, e é uma pergunta da qual eu gosto


porque o Novo Testamento realmente deixa claro que “toda a criação, a um
só tempo, geme e suporta angústias até agora,... aguardando a adoção de
filhos, a redenção do nosso corpo” (Rm 8.22,23). Esse versículo incisivo
indica que há um sentido em que todo o mundo da natureza sofre as conse­
qüências do pecado da humanidade.
Que mal fez a terra para ser amaldiçoada junto com os seus habitantes
pecadores? A Bíblia mostra que a terra não fez nada errado. Freqüentemen­
te, os profetas de Israel diziam ao povo de Deus que prestassem atenção no
reino animal e nos elementos da natureza que seguiam o seu curso determi­
nado por Deus. Quando deixamos cair uma pedra, ela obedece a lei da gra­
vidade. A natureza obedece as leis da natureza que, na verdade, são as leis
de Deus. Não há desobediência. Se você mistura água na terra, você tem
barro — exatamente como se supõe. Somos também chamados a conside­
rar a formiga que é diligente, enquanto nós somos indolentes.
A Bíblia nos diz que o boi conhece a sua manjedoura e o estábulo do seu
dono e nós não conhecemos nosso criador. Muitas e muitas vezes, encon-

111 BIBLIOTECA AUBREY CLARK


tramos essas analogias nas Escrituras com as quais somos chamados a imi­
tar os elementos da natureza em sua obediência ao invés de praticar o tipo
persistente de desobediência pelo qual somos conhecidos.
Por que o sofrimento aflige a natureza inocente? Na criação, quando Adão
e Eva foram criados como os cabeças da raça humana, Deus lhes deu domí­
nio sobre toda terra. A primeira tarefa entregue aos nossos primeiros pais foi
dar nome aos animais. O próprio ato de dar nome era um indicador simbólico
da autoridade do homem sobre o reino animal. Há um sentido em que a nature­
za é descrita nas Escrituras como algo que Deus fez para servir a humanidade.
No Novo Testamento, Jesus fala sobre o fato de que toda vez que um
pardal cai, Deus toma conhecimento e seus olhos estão sobre ele. Ele se pre­
ocupa com os animais nesse mundo. Entretanto Jesus diz: “Não se vendem
doispardaispor um asse?” (Mt 10.29), indicando que nós somos muito mais
valiosos diante de Deus porque apenas ao homem foi dada a imagem de Deus.
Infelizmente, quando pecamos, os que estão abaixo de nós sofrem as
conseqüências de nossa pecaminosidade. Sofrem inocentemente, e é por
isso que gemem, esperando nossa redenção. Assim como participa das con­
seqüências de nossa queda, assim também a natureza participará das conse­
qüências de nossa renovação.
FÉ E F I L O S O F I A

“Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração,


estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir
razão da esperança que há em vós... com mansidão e temor...”
— 1 P e d r o 3.15,16

Perguntas dessa seçao:

• Existe distinção entre Cristianismo e religião?


• Com que tipos de desenvolvimentos filosóficos em nossa sociedade con­
temporânea nós, cristãos, deveríamos estar preparados para lidar?
• As outras religiões e filosofias do mundo são uma ameaça para o Cristianismo?
• O que é existencialismo e como devo responder a ele?
• Seria possível comentar a respeito de algumas heresias do movimento da
Nova Era sobre as quais um cristão deve estar consciente?
• Como os cristãos devem responder à crença na reencamação?
• O que é narcisismo e qual o seu impacto sobre nossa sociedade e sobre o
futuro de nossos filhos?
• O que o sr. recomendaria que fizéssemos a respeito do humanismo secular?
• Como os cristãos devem encarar os maçons e outras ordens fraternais?
• A ciência não contradiz o Cristianismo?
• Alguma coisa pode acontecer por acaso?
• Como posso argumentar com um amigo sobre a existência de Deus?
• Como se pode convencer um não-crente de que a Bíblia é a Palavra de Deus?
• Como se explicam as discrepâncias nas Escrituras, como as que existem
entre os quatro evangelhos?
• Existe d istin ç ão e n tre Cristiani sm o e religião?

No primeiro capítulo de Romanos, a ira de Deus é revelada contra distorções


sobre Deus que culminaram em várias práticas religiosas chamadas idolatria. Deus,
de maneira nenhuma, se alegra com as operações e funções daquilo que chamamos
religião. Eu diria que, primeiramente e sobretudo, o Cristianismo não é uma reli­
gião, embora usemos esse termo para descrevê-lo de uma perspectiva sociológica.
O termo religião descreve práticas humanas — práticas de adoração, de
envolvimento cúltico, de crença num deus e de obediência a certas regras
que vêm do deus ou deuses.
Há vários tipos de religiões nesse mundo.
Existe um aspecto religioso no Cristianismo. Nós adoramos, e estamos
envolvidos em certas atividades humanas, como oração e estudos bíblicos e
devocionais. Nossas práticas religiosas são semelhantes às práticas de ou­
tras religiões. Mas o Cristianismo é muito mais que uma religião; é vida.
O simples fato de que uma pessoa é religiosa, não significa necessariamente que
ela esteja agradando a Deus; o pecado primordial do homem é a idolatria, e idolatria
é o culto prestado a alguma coisa que, de fato, não é Deus. A adoração de ídolos
envolve a prática de religião. E sobre isso exatamente que Romanos 1 está falando;
Deus não se agrada de qualquer e nem de todos os tipos de atividade religiosa.
Nossas atividades religiosas podem, às vezes, ser insultantes a Deus. O
próprio Cristianismo pode degenerar numa mera religião, isto é, pode ter as
atividade formais externas e as práticas sociológicas sem a substância que
motiva todas essas coisas — um profundo amor e devoção ao próprio Deus
e uma profunda confiança na obra de Cristo. ■

• S e m p re h o u v e d e s e n v o l v i m e n t o s filosóficos in filtran d o-
se e m n o ss a cultura, m as quais os tipos de de senv o lv i­
m e n t o filosófico c o m os qu ais nós, cristãos, dev eríam o s
estar p r e p a r a d o s para lidar e m noss a sociedade atual?

Em qualquer época de uma cultura, existem todos os tipos de desenvolvimen­


tos filosóficos ou escolas filosóficas de pensamento competindo pela primazia.
Certa vez li um ensaio erudito que defendia a idéia de que toda cultura precisa ter
algo que a unifique, algum tipo de ponto de vista que a aglutine. Se você estudar
todas as civilizações da história, verá que cada uma tinha uma idéia filosófica ou
religiosa que unia as pessoas. Esse conceito unificador pode ser um conceito reli­
gioso ou filosófico, ou até mesmo mitológico. Mas tem que haver alguma idéia
que reúna ou unifique tudo. Os estudiosos entendem isso. Assistimos a um debate
interminável do tipo quem veio primeiro o ovo ou a galinha sobre: As idéias mol­
dam a cultura e os eventos, ou os eventos produzem as idéias? Penso que seríamos
tolos de ignorar o impacto óbvio que as idéias têm na modelagem de uma cultura.
Eu diria que, nesse momento, a civilização ocidental está aberta a tudo.
Não existe filosofia, teologia ou religião dominante que tenha produzido um
consenso como o que tivemos na Idade Média com a fé judaico-cristã domi­
nando a compreensão que as pessoas tinham de seu mundo. Agora, com gran­
des massas de pessoas abandonando a compreensão judaico-cristã de homem
e de mundo, tem havido todos os tipos de escolas filosóficas competindo
entre si, tentando preencher o vazio. É quase igual à situação na Associação
Mundial de Boxe onde uma associação tem o seu campeão de peso pesado e
outra associação tem o seu campeão de peso pesado. Não existe um único
campeão mundial de peso pesado que seja reconhecido por todos. Portanto,
agora temos um pouco de pragmatismo, um pouco de hedonismo e um pouco
de existencialismo competindo entre si.
Tenho argumentado que, se existe um conceito mais abrangente em nossa
cultura, seria o que chamaríamos de secularismo. Ouvimos essa palavra
atirada de boca em boca no mundo cristão, na realidade com muito pouca
compreensão sobre seu significado. A palavra secularismo, como qualquer
ismo, significa simplesmente isso: Esse tempo, esse mundo, é tudo o que
existe. Não há nenhuma dimensão eterna. Existe o mundo como o encon­
tramos. O mundo no qual vivemos é o único ambiente que iremos habitar
— não há céu, ou se existe um céu não podemos saber nada a respeito dele.
Portanto, a ênfase é no aqui e no agora. Este, creio, é o maior competidor
pela lealdade das pessoas.

• Sou u m universitário e est ou e s t u d a n d o várias religiões


e filosofias e t e n h o visto vários de m e u s colegas a b r a ç a n ­
d o essas idéias. Não a p e n a s é a s s u s ta d o r para m i m vê-
los a s s u m i r essas lin h as de p e n s a m e n t o , m a s t e n h o m e
pe rg u n ta d o : as o utras religiões e filosofias são u m a a m e ­
aça para o Cristianismo?

Permita-me dizer uma coisa que talvez possa ofendê-lo completamente


ou violar sua sensibilidade. Não desejo fazer isso, mas reconheço que o
mundo no qual vivemos tem certos valores e opiniões nos quais todos nós
fomos treinados. O século XIX foi um período sem paralelo no estudo
das religiões mundiais. A medida que o mundo se tornou menor e cultu­
ras diferentes se aproximaram umas das outras, vimos que era necessário
que as pessoas de religiões diferentes convivessem pacificamente ao in­
vés de derramar sangue pelo mundo todo por causa de guerras e desaven­
ças religiosas. O mundo já tinha experimentado o suficiente disso. Por­
tanto, o esforço no século XIX era tentar estudar todas as diferentes reli­
giões mundiais e penetrar até a essência daquilo que tinham em comum.
Surgiu toda uma ciência de religiões comparadas e com ela a famosa
analogia da montanha — de que Deus está no topo de uma montanha e
há diferentes tipos de caminho que sobem por ela. Alguns vão por uma
rota direta, outros por rotas mais tortuosas. Mas, em última análise, todas
essas rotas chegam ao mesmo lugar, por isso na realidade não importa
por qual estrada você vai. Deixe-me dizer apenas que, se isto é verdade,
então não creio que o Cristianismo seja uma dessas estradas, porque Je­
sus disse que importa profundamente qual a estrada pela qual você viaja.
O Novo Testamento está num curso de colisão com aqueles que dizem
que não importa em qual estrada você está.
Deus ficou furioso com Aarão e com os filhos de Israel por abraçarem o
bezerro de ouro. O princípio no Antigo Testamento era o da lealdade e
devoção exclusivas ao Deus de Israel, e não deveria haver nenhum
sincretismo, nenhuma mistura dos elementos da fé do povo de Israel com as
religiões pagãs, com aqueles que seguiam Baal, ou a religião dos filisteus
ou qualquer outra. Mas o mundo não leva a pureza da fé religiosa com
muita seriedade. Uma das tradições do Islã é que matar um infiel é uma
virtude para o maometano zeloso. Isso é radicalmente diferente dos ensinos
de Jesus. Já ouvi algumas pessoas que vieram a mim e disseram que não há
uma diferença realmente grande entre o Islamismo e o Cristianismo. Quan­
do as pessoas dizem isso, é uma indicação, para mim, de que ou elas não
sabem nada a respeito do Cristianismo, ou não sabem nada sobre o Islamis-
mo. Um exame apenas superficial dessas religiões mostra que elas são radi­
calmente diferentes em pontos importantes.
Se estou alarmado e preocupado com essa atmosfera pluralista que está
prevalecendo em nossa cultura? Sim, e muito. Outras filosofias certamente
podem ser uma ameaça para a fé quando impedem que as pessoas enxer­
guem a verdade com clareza. Mas isso acontece quando não acreditamos
que o conteúdo da religião seja importante.
• O q u e é existencialismo, e c o m o devo r e s p o n d e r a ele?

Às vezes, subestimamos o poder das idéias humanas. Tendemos a


desprezar os estudiosos isolados do mundo que dão suas vidas para pen­
sar as pesadas questões da filosofia, e dizemos: “o que isso tem a ver com
o mundo prático no qual vivemos?” Não conheço outra filosofia na histó­
ria, com possível exceção do Marxismo, que tenha tido um impacto tão
radical, tão abrangente e tão rápido na formação da cultura humana como
a filosofia do existencialismo.
O existencialismo contém muitas variações. Seu tema geral focaliza uma
preocupação com a existência humana. Essa é a razão porque é chamado
existencialismo.
Esta filosofia é construída primariamente sobre a pergunta: O que signi­
fica existir como pessoa nesse mundo? Ao centralizar sua atenção sobre a
situação difícil do ser humano, o existencialismo tende a ser pessimista e
ateísta, embora haja formas religiosas de existencialismo e formas mais
otimistas de existencialismo. Mas no fundo, esta escola filosófica tende a
ver o homem num ambiente ou numa atmosfera de desespero.
Dois dos grandes pensadores do existencialismo do século XX foram
Albert Camus e Jean-Paul Sartre. Eles escreveram em resposta ao holocausto
da Segunda Grande Guerra e suas idéias eram de grande desespero. Por
exemplo, chegam à conclusão de que o homem em sua existência é uma
paixão inútil e que a vida humana no final é sem sentido e insignificante.
Dentro dessa visão, com respeito às coisas de Deus. a idéia é de que no céu
não há ninguém em casa.
Alguns anos atrás, o defensor do existencialismo em Greenwich Village
(um bairro da cidade de Nova Iorque N.T.) fez o seguinte gracejo com um
repórter da revista Time: “Olha, eu procurei Deus nas Páginas Amarelas e
ele não está entre os assinantes.” A idéia é de que não há ninguém em casa
no universo e que somos deixados aqui em nossa existência numa atmosfe­
ra de desespero final.
Como responder ao existencialismo? Uma coisa pela qual sou grato é
que o existencialismo produz um solo tremendamente fértil para a prega­
ção do Cristianismo, porque o Cristianismo é muito otimista. Cremos que a
existência humana tem sentido, e que é basicamente significativa porque
Cristo definiu o significado de nossa existência. Portanto, a resposta de
como devemos responder ao existencialismo é: simplesmente contraponha-
se a ele com a esperança do evangelho.
• Seria possível c o m e n t a r a respeito de a lg u m a s heresias
d o m o v i m e n t o da Nova Era sobre as quais o cristão deve
e star c o n s c i e n te ?

Antes de mais nada, deixem-me dizer que o movimento da Nova Era,


como qualquer movimento de base ampla, tem várias dimensões. Restrin­
girei meus comentários a um elemento.
Uma das interpretações de mundo mais perturbadoras que encontra­
mos no movimento da Nova Era é a centralização da atenção na habilida­
de humana de ter, virtualmente, um poder mágico sobre seu próprio am­
biente. Não muito tempo atrás eu estava jogando golfe e o meu instrutor
me perguntou: “...No que você está pensando quando joga?” Eu respon­
di: “Eu não tenho nenhum modo secreto de manejar o taco. Não tenho
nenhuma mecânica especial para pensar em termos de onde coloco mi­
nhas mãos e meus punhos. Tudo o que faço é seguir o mesmo processo.
Antes de bater o taco, visualizo em minha imaginação o padrão de vôo
que desejo imprimir na bola. Então mando aquela mensagem da minha
mente para o meu corpo, e tento duplicar a sensação que acabei de expe­
rimentar ao conseguir a tacada.”
Isso pode parecer muito semelhante ao tipo de pensamento da Nova
Era — quase um tipo de pensamento de mente-sobre-a-matéria. Quase
toda heresia significa uma verdade que é levada ao extremo, até o ponto
da distorção. E verdade que nossa atitude mental tem uma tremenda in­
fluência na maneira como experimentamos a vida. E é verdade que Jack
Nicklaus sente as tacadas antes de jogá-las, porque ele está tentando pro­
gramar o seu corpo para uma boa imagem positiva de recordação de
tacadas que ele conseguiu no passado.
Mas isso não é a mesma coisa de imaginar que se eu ficar pensando
sobre dinheiro eu vou ficar rico, ou se centralizo minha atenção sobre um
objeto serei capaz de movimentá-lo unicamente pelo poder de minha men­
te. Nós cristãos devemos ser muito cautelosos para entender que o Cristia­
nismo promete o poder e a presença de Deus, o Espírito Santo, mas não
mágica. Há uma linha firme nas Escrituras entre realidade espiritual e má­
gica. No Antigo Testamento todas as formas de mágica e magia eram abo­
minações fatais ao caráter de Deus. O movimento da Nova Era incorpora
elementos religiosos e elementos místicos do oriente numa espécie de mis­
tura de verdade espiritual e muita mágica. Tenho presenciado sua invasão
no mundo evangélico a ponto de estar muito alarmado com isso.
• C o m o os cristãos d e v e m r e s p o n d e r à crença n a reencar-
nação?

Na história do mundo, tem havido defensores da reencarnação muito


mais espetaculares do que Shirley MacLaine e outros recém-convertidos a
essa crença. Por exemplo, o filósofo Platão, depois de estudar na escola
Pitagórica de filósofos, persuadiu-se da verdade daquilo que ele chamou
“transmigração da alma.” Há religiões orientais que têm um enorme com­
promisso com a crença na reencarnação da alma. Essa posição não faz parte
da fé cristã ortodoxa.
A fé cristã ensina que: “aos homens está ordenado morrerem uma só
vez, vindo, depois disto, o juízo” (Hb 9.27). O conceito de reencarnação
geralmente carrega consigo alguma noção de justificação pelas obras; isto
é, você tem que adquirir sua recompensa de um nível mais alto na próxima
encarnação, antes que você possa, finalmente, libertar-se disto num mundo
espiritual. Normalmente a idéia é de que conforme você conquista o seu
caminho escada acima, se você for suficientemente bom, será libertado de
ter de se encarnar num corpo novamente. Os cristãos crêem numa ressurrei­
ção do corpo, de modo que não estamos esperando uma existência espiritu­
al perfeitamente pura sem um corpo.

• O q u e é n a r c i s i s m o e q u a l o seu i m p a c t o sobre n o s s a
sociedade e sobre o fu tu r o de nossos filhos?

O conceito de narcisismo tem suas raízes na mitologia antiga. Narciso


era simplesmente um jovem, não uma divindade menor. Ele recusou Eco, a
ninfa do amor. A fixação por sua própria imagem foi o castigo dos deuses.
A derivação de seu nome tem sido usada para descrever uma síndrome
— o culto do amor a si mesmo presente em nossa nação hoje. Temos visto
um número sem precedentes de livros de auto-ajuda para tratar uma grande
preocupação com a auto-estima e a auto-imagem. Algumas pessoas estão
preocupadas com o fato de que essa introspecção e preocupação com a
nossa auto-estima possa terminar em distorções da personalidade humana
pela qual nos tornamos tão enamorados de nossa própria imagem e tão apai­
xonados por nós mesmos que não conseguimos realmente observar a comu­
nidade e nos relacionar com outras pessoas. Vendo nosso orgulho as pesso­
as dirão a nosso respeito: “Ali vai Deus pela graça de Deus.”
Se você estudar a história do pensamento teórico na civilização e na
filosofia ocidental, verá que assuntos diferentes atraíram a atenção mais
séria dos pensadores da sociedade.
Os filósofos antigos estavam interessados em epistemologia, a ciência
do conhecimento. Filosofia da história era o assunto dominante do século
XIX. Mas, de maneira esmagadora, o tema central da investigação
especulativa e acadêmica contemporânea é: O que significa o ser humano?
Existe uma razão para isso. Estamos numa crise porque Deus não está mais
no centro de nosso pensamento. Se é verdade (como o Cristianismo diz que
é) que o homem foi criado à imagem de Deus, isso significa que não posso
realmente entender quem eu sou ou o que eu sou sem uma compreensão
anterior do caráter de Deus. Se Deus está extinto em meu pensamento, en­
tão fico com a pergunta Quem sou eu? Se as pessoas me dizem que eu surgi
do lodo e que estou destinado ao nada, então, se é que ainda estou pensan­
do, vou ter uma crise de identidade e vou ler todos os livros que posso sobre
auto-estima, autodignidade e outros semelhantes. É disso que as pessoas
estão com medo, que essa preocupação termine num complexo de Narciso.
Não creio que esse seja o nosso problema. Não penso que as pessoas este­
jam realmente se apaixonando por si mesmas e por suas imagens. Creio que
elas estão sentindo o peso da perda de Deus em suas vidas.

• O sr. se n te q u e o h u m a n i s m o secular é u m a a m e aç a real


para o C ristia n ism o ? C o m o p o d e m o s lidar c o m ele e m
relação a n o ss a escola pública?

Não tenho certeza sobre o grau de ameaça que ele representa, mas ele
certamente compete com o Cristianismo pelas mentes e corações das pes­
soas. O humanismo secular, como visão do mundo, está em rota de colisão
com o sistema de valores e crenças do Cristianismo.
Essas duas visões adotam posições radicalmente diferentes no que con­
cerne a como Deus se relaciona com o mundo e conosco.
Estou constantemente tentando relembrar aos meus irmãos cristãos que
nossos antepassados, ao escreverem a constituição dos Estados Unidos da
América, concordaram em viver lado a lado, concordando em discordar
com incrédulos sobre assuntos como esses. Cristãos e não-cristãos compar­
tilham da proteção da Carta de Direitos. A Primeira Emenda (Constituição
Norte Americana N.T.) garante a nós, como cristãos, o direito da livre ex­
pressão de nossa fé. Também garante ao não-cristão proteção contra aque­
les cristãos que procuram estabelecer o Cristianismo como a fé religiosa
oficial dos Estados Unidos da América. Concordamos constitucionalmente
em não estabelecer uma religião oficial.
Portanto, quando nós cristãos tentamos usar os tribunais para insistir que
seja utilizada uma literatura cristã no sistema escolar público, creio que estamos
violando a Primeira Emenda, assim como sentimos que alguns de nossos
direitos têm sido violados em certas ocasiões pelas recentes práticas legislativas
nesse país. Provavelmente em sua maior parte, aqueles que têm lutado para
que a criação seja ensinada no sistema educacional público, o fazem sob a
apelação de que a criação é a explicação científica autêntica da origem do
universo, e não de que ela seja especificamente cristã. Entretanto, isso é ime­
diatamente encarado como uma tentativa de cristianizar o sistema escolar.
Mas o que dizer da retirada de livros de texto “ofensivos” do sistema
público de educação? Essa pergunta focaliza de maneira aguda uma questão
com a qual temos lutado durante os últimos trinta anos nesse país: Qual a
posição filosófica que o sistema de educação pública adota na sua instrução?
A Corte Suprema estabeleceu que o humanismo é uma religião, e tam­
bém que está errado ensinar religião nas escolas públicas. O problema é
que qualquer coisa que é ensinada nas escolas públicas pode ser considerada
como religião. Muitas pessoas vivem embalando o mito de que, de alguma
forma, é possível ensinar uma visão de mundo neutra no sistema público de
educação. Nunca houve tal coisa como uma educação com um sistema de
valores neutro. A ironia é que a pergunta básica dentro da luta que enfrenta­
mos é se seria possível ou não termos um sistema público de educação dentro
dos limites da Constituição. Esse é o problema, mas precisamos ser cuidado­
sos para não tentar usar a lei para forçar nossa fé sobre não-crentes.

• C o m o os cristãos d e v e m e n carar os m a ç o n s e o u tras or­


d e n s fraternais?

Meu pai, meu avô, meu tio e meu sogro, todos eram maçons. Estou um
tanto aborrecido com todo esse conflito que parece existir hoje sobre os maçons
e outras organizações fraternais. A controvérsia exige algumas explicações.
Primeiro, há tipos diferentes de organizações fraternais, algumas das
quais são estritamente sociais. Não há nada errado em que as pessoas se
reúnam por razões sociais. Na igreja, essa reunião recebe o nome de comu-
nhão entre os crentes e reconhecemos que isso é uma parte muito importan­
te de nossa humanidade. Outras organizações fraternais se formam com o
propósito expresso de serem organizações de serviço para, por exemplo, aliviar
o sofrimento, ajudar cegos e órfãos. Eles se envolvem em atividades humanitá­
rias. Como um cristão deve responder a isso? Creio que com tanta cooperação
quanto possível. Não posso imaginar por que um cristão teria objeções a isso.
Você pode ter problemas com algumas organizações porque suas ori­
gens históricas têm fortes implicações religiosas, possuindo credos e ceri­
mônias. O que acontece quando um cristão se une a uma organização que
tem um credo que não é totalmente compatível com suas crenças cristãs?
Obviamente ele tem um conflito. Outras pessoas podem ter uma grande
dificuldade de entender esse conflito.
Por exemplo, na América existe uma visão eclética, pluralista, que diz que
não importa o que você crê, desde que você seja sincero. Alguns desses grupos
têm credos que afirmam que não existe nenhuma diferença básica entre Cristia­
nismo e Islamismo ou outras religiões. Isso é ofensivo para um cristão porque há
diferenças significativas entre essas religiões, sendo que a principal delas é a sua
visão de Cristo. Somos consagrados a Cristo. Estamos convencidos de que ele é
o Filho Unigénito de Deus. Portanto, se confesso no domingo de manhã que
Cristo é o Filho Unigénito de Deus, e num outro dia, numa reunião da ordem
fraternal confesso o contrário, tenho um conflito em minha profissão de fé reli­
giosa. Pessoas mais sensíveis enfrentam grandes lutas.
Para ser justo com as pessoas, algumas dizem que tudo isso é apenas
uma parte do ritual e da cerimônia e que, na realidade, não toca na essência
daquilo a que o clube se propõe. Creio que as pessoas são muito sinceras
quando dizem isso. Os cristãos devem ser cuidadosos ao ouvir e dizer que a
razão pela qual essas pessoas fazem parte da ordem não é porque estão
tentando transformá-la numa religião substituta. Essas organizações têm
credos e as pessoas precisam recitá-los, e quer elas queiram que isso seja
uma atividade religiosa ou não, continua sendo uma atividade que pressio­
na pessoas que têm uma convicção religiosa diferente.

• A ciência n ã o c on tr a diz o Cristianism o?

Tem havido conflitos óbvios entre a comunidade científica e a comuni­


dade religiosa sobre certos pontos. Sem dúvida, historicamente, a disputa
mais notável foi o episódio embaraçoso de Galileu e toda a teoria sobre
qual era o centro do sistema solar, a Terra ou o Sol. Sabemos que muitos
bispos se recusaram até mesmo a olhar as evidências de um telescópio por­
que já haviam batizado outra tradição científica que não era bíblica. Aci­
dentalmente esse foi um caso em que a comunidade científica corrigiu a
interpretação teológica e a interpretação errada das Escrituras, porque as
Escrituras não ensinam que a terra é o centro do sistema solar, e foi neces­
sário que a comunidade científica nos corrigisse nisso.
Ir além disso e dizer que, às vezes, a ciência corrige idéias errôneas é uma
coisa, mas realmente desacreditar o Cristianismo... Há muito poucos pontos da
fé cristã que são vulneráveis ao ataque científico. Se alguém diz, por exemplo:
“Bem, podemos provar cientificamente que as pessoas não podem retomar dos
mortos,” e a ciência pudesse provar que era impossível que o Deus do universo
ressuscitasse seu Filho dos mortos, então obviamente o Cristianismo seria desa­
creditado ou invalidado. Não vejo como um cientista poderia sequer chegar per­
to disso. Tudo o que um cientista pode dizer é que, sob condições normais e
procedimentos padrão, as pessoas que morrem permanecem mortas. Sem dúvi­
da, não é necessário ser um cientista do século XX para entender isso; as pessoas
do século I estavam bem conscientes do fato de que quando as pessoas morriam,
elas permaneciam mortas. Portanto, a não ser que um cientista pudesse, de algu­
ma forma, provar a não-existência de Deus ou da ressurreição de Cristo, não
vejo como poderiam realmente falsificar as alegações da fé cristã.
Apenas porque não podem ser falsificadas, não significa, obviamente,
que tais alegações sejam verificáveis. Mas não vejo como tenhamos que
temer qualquer coisa nesse sentido.
O ponto mais comum de tensão, entretanto, se refere à origem do universo e
à origem da vida. Se a ciência provar que o mundo não foi criado, penso que isso
destruiria a fé cristã. O Cristianismo tem um compromisso com o conceito da
criação divina — que existe um Criador eterno diante do qual todos nós somos
responsáveis e pelo qual todos fomos criados e que tudo o que existe foi feito
através dele e que o universo não é eterno. Se os cientistas pudessem provar que
o universo é, de fato, eterno, isso seria o fim da fé cristã. Mas não creio que
tenhamos a menor necessidade de nos preocuparmos com isso.

• Algum a coisa p o d e a co n tecer p o r acaso?

Quais são as possibilidades de algo acontecer por acaso? Minha respos­


ta a essa pergunta é: “Nenhuma.” Nada acontece por acaso. Se com isso
queremos dizer que o acaso pode causar alguma coisa, é completamente
impossível científica, racional e teologicamente que qualquer coisa seja
causada por acaso.
Por que faço uma afirmação como essa? Parece tão radical e, de fato é
até bombástico declarar que nada poderia acontecer por acaso. A razão
pela qual digo isso é a seguinte: Acaso não é uma coisa. A palavra acaso é
simplesmente uma palavra que-usamos para descrever possibilidades mate­
máticas. Dizemos que quando uma moeda é jogada para o alto — não sabe­
mos de que lado ela vai cair, mas que há 50% de chances que seja coroa.
Mas o acaso não tem nada a ver com fato da moeda cair de um lado ou do
outro. O acaso não tem nenhum poder de influenciar nada — não tem ne­
nhum poder para fazer nada. Porque o acaso não é uma coisa. Ele não é
nada. Para que algo tenha o poder de influenciar, ele precisa ser antes de
poder fazer Mas o acaso não é uma entidade. Não tem nenhum poder e não
pode fazer nada porque não é nada.
O outro lado da pergunta é: As coisas que acontecem nesse mundo,
basicamente acontecem por acidente? Bem, temos de entender que para
cada coisa que acontece existe uma causa. Alguns cientistas estão des­
concertados com experimentos com partículas subatômicas envolven­
do o que é chamado, nos círculos sofisticados, de princípio da incerteza
ou princípio da indeterminância de Heisenberg. Certos estudos mos­
tram que não temos a mínima idéia do por que as partículas subatômicas
se comportam da maneira como o fazem. Alguns pularam para a con­
clusão de que, porque não sabemos a razão pela qual as partículas se
comportam da maneira como o fazem, o nada está fazendo com que
elas se comportem daquela maneira.
Quanto conhecimento mais teríamos de ter antes de podermos dizer que
nada está produzindo um efeito observável?
Teríamos de esvaziar todos os cantos e frestas do universo e fazê-los nova­
mente para ter certeza de que não deixamos o réu escapar da primeira vez.

• S u p o n d o - s e q u e eu t e n h a u m b o m r e l a c i o n a m e n to c o m
u m a m ig o q u e r e a l m e n t e n ã o acredita e m Deus, c o m o
poss o p e n s a r c o m ele a respeito da existência de Deus?

Estamos vivendo uma época em que a própria razão é suspeita entre


os cristãos e, de alguma forma, é mais apreciado simplesmente afirmar
nossa fé e pedir às pessoas que aceitem o que lhes dizemos estritamente
na base de uma fé cega. Entretanto, a Bíblia nos diz: “Vinde, pois, e arra­
zoem os” (Is 1.18), e as Escrituras nos recomendam a estarmos “prepara­
dos para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que
há em vós” (IPe 3.15).
Lembro-me de que na escola primária, às vezes, podíamos fazer uma
prova com o livro aberto nas classes de matemática. A vantagem era que
podíamos olhar no final do livro, onde estavam as respostas certas para os
problemas. Se não soubéssemos como chegar à resposta certa, pelo menos
sabíamos qual era ela. Existe uma espécie de entrar pelo “final do livro” em
nossa abordagem da existência de Deus com nossos amigos.
O apóstolo Paulo nos diz em Romanos 1 que Deus se revela a todo o ser
humano e que todas as pessoas sabem que existe um Deus.
O julgamento de Deus não é sobre o fato de que as pessoas deixam de
ter um conhecimento de Deus, mas sobre o fato de que elas se recusam a
reconhecer aquilo que sabem ser verdade. Se isso é verdadeiro, então entra­
mos na discussão possuindo essa informação — isto é, que a pessoa já sabe
que existe um Deus, embora não esteja reconhecendo o fato.
Mas o que podemos fazer? Podemos simplesmente dizer: “Você é um
mentiroso. Por que você não fala a verdade e assume que você realmente
sabe que existe um Deus?” Essa não é a abordagem que sugiro. As vezes,
este conhecimento de Deus está tão reprimido ou sufocado que a pessoa
tem apenas uma compreensão vaga sobre o caráter ou a existência de Deus.
E muitas das perguntas que fazem são perguntas honestas.
É importante respeitar as perguntas das pessoas. O recém falecido Francis
Schaffer tinha um ministério em L’Abri, na Suíça, onde se especializou no
alcance de intelectuais que eram ateístas confessos. Ele sentiu que era sua
obrigação dar respostas honestas a perguntas honestas. Quando discutimos
questões como a existência de Deus, devemos estar preparados para expli­
car por que estamos persuadidos de que Deus existe.
Não há tempo agora para examinar o argumento cosmológico da exis­
tência de Deus, mas creio que ele é válido.
Em poucas palavras, se algo existe agora, algo sempre existiu desde toda
a eternidade ou não haveria nada. De alguma maneira, em algum lugar, al­
guém ou alguma coisa deve ter o poder de ser em si mesmo, e a este um que
tem o poder de ser em si mesmo, chamamos Deus. Eu iniciaria a discussão
dessa forma: “Como esse mundo surgiu? Como esse copo surgiu? Como qual­
quer coisa começou a existir?” e então atrairia a atenção para esse ponto.
• C o m o se p o d e c o n v e n c e r a u m n ã o crente q u e a Bíblia é
a Palavra de Deus?

Antes de tentar responder a essa pergunta diretamente, deixe-me fazer


uma distinção importante logo de início. Há uma diferença entre prova
objetiva e a convicção ou persuasão que se segue. João Calvino argumenta­
va que a Bíblia transmite ambos, persuasão e convicção em termos de seu
testemunho interno — as marcas de verdade que podem ser encontradas
por um simples exame do livro em si — assim como a evidência externa
que confirmaria aquela evidência substancial para se chegar a uma prova
sólida de que a Bíblia é a Palavra de Deus.
Entretanto, a última coisa que as pessoas desejam é um livro que lhes
diga que elas estão numa desesperada necessidade de arrependimento e de
uma mudança de vida e que devem se curvar humildemente diante de Cris­
to. Não desejamos que esse livro seja a verdade. Calvino argumentava que
existe um tremendo preconceito estabelecido no coração humano que ape­
nas a influência de Deus, o Espírito Santo, pode superar. Calvino fazia uma
distinção entre o que chamava de undicia —aquelas evidências objetivas da
confiabilidade das Escrituras — e o que ele chamava de testemunho interno
do Espírito Santo que é necessário para nos levar a submeter-nos à evidên­
cia e ao reconhecimento de que ela é a Palavra de Deus.
Mas creio que essa é uma questão crítica da qual depende muita coisa
da fé cristã. A Bíblia alega ser a pura Palavra de Deus, isto é, a verdade de
Deus, que vem dele mesmo. Deus é sua fonte e seu autor final, embora, sem
dúvida, ele tenha usado autores humanos para comunicar sua mensagem.
Ao falar com as pessoas sobre isso, temos de passar pelo processo traba­
lhoso de mostrar, primeiro, que a Bíblia como uma coleção de documentos
históricos é basicamente confiável. Os mesmos testes que aplicaríamos a
Heródoto ou a Suetônio ou a qualquer outro historiador da antiguidade de­
veriam ser aplicados aos registros bíblicos. O cristão não deveria ficar com
medo de aplicar esses padrões históricos de credibilidade sobre as Escritu­
ras porque ela já resistiu a uma tremenda quantidade de crítica desse ponto
de vista e sua credibilidade permanece intacta. Baseados nisso levantamos
uma idéia. Se o livro é basicamente confiável, não precisa ser inerrante ou
infalível, ele nos dá um retrato basicamente confiável de Jesus de Nazaré e
daquilo que ele ensinou.
Seguimos daí de uma forma linear. Se podemos, com base numa confiabili­
dade geral, chegar à conclusão de que Jesus Cristo fez as coisas que a história
alega que ele fez, isso indicaria que Jesus é mais do que um simples ser humano
e que seu testemunho deveria nos constranger. Ele nos levaria, primeiro, a um
estudo da pessoa de Jesus e, então, à pergunta sobre o que Jesus ensinou a res­
peito das Escrituras. Para mim, em última análise, nossa doutrina das Escrituras
deriva do ensino de Jesus e de nossa compreensão de quem ele é.

• C o m o se explicam as discrepâncias nas Escrituras, c o m o


as q u e e x is te m e n tr e os q u a t r o e v an g e lho s — à luz da
inerrâ n cia das Escrituras?

Grande parte do debate sobre a integridade das Escrituras se centraliza


especialmente nesse problema. Quando temos registros paralelos sobre al­
guma coisa, esperamos que eles sejam consistentes, especialmente se você
mantém que esses registros são inspirados por Deus, o Espírito Santo. Sa­
bemos que Deus pode usar autores diferentes para registrar os mesmos even­
tos ou eventos semelhantes e os autores podem descrevê-los de sua pers­
pectiva pessoal, com sua respectiva linguagem e estilo literário. Mas ainda
esperaríamos concordância naquilo que está sendo ensinado se todos os
registros estão falando sob a superintendência de Deus, o Espírito Santo.
Essa é a razão pela qual acho interessante que muito cedo na história da
igreja, houvesse tentativas de se escrever harmonias dos evangelhos. Há
três evangelhos sinóticos — Mateus, Marcos e Lucas — que dão um esboço
biográfico da vida e do ministério de Jesus. Muitos eventos são paralelos
entre esses três autores, embora nem sempre eles concordem em todos os
detalhes — quantos anjos havia no túmulo no dia da ressurreição, o que
dizia a inscrição na cruz, em que dia da semana Jesus e os discípulos cele­
braram a Páscoa no cenáculo, e assim por diante.
Os estudiosos da Bíblia têm dedicado uma enorme quantidade de aten­
ção cuidadosa a essas questões, e alguns têm chegado à conclusão de que
não existe maneira de harmonizá-los, e simplesmente temos de aceitar que
existem contradições entre os escritores bíblicos o que, então, aparente­
mente falsificaria qualquer pretensão de inspiração divina. Outros têm con­
cluído que eles podem, na realidade, ser reconciliados. Por exemplo, um
evangelista nos diz que houve dois anjos no túmulo no dia da ressurreição,
e outro menciona apenas um. Agora, a palavra crítica que está ausente no
texto é a palavra “apenas.” Se um escritor diz que havia dois anjos no túmulo,
e outro diz que havia apenas um, então teríamos uma contradição bona fide
entre os dois. Mas se um diz que havia dois anjos e outro diz que havia um,
obviamente se havia dois teria que haver um — não há contradição. Há
uma discrepância; isto é, eles não dizem exatamente a mesma coisa. A per­
gunta é: os dois registros podem ser harmonizados — há uma compatibili­
dade lógica entre eles?
Durante o seminário, um grande amigo meu ficou muito perturbado com
essas questões e citou a frase de um dos nossos professores que disse: “A
Bíblia está cheia de contradições.” Eu lhe disse: “Por que você não vai para
casa e nós nos encontraremos aqui amanhã a uma hora da tarde. Você traz
cinqüenta contradições. Se a Bíblia está cheia delas, essa deve ser uma tare­
fa fácil.” No dia seguinte, a uma hora, nós nos encontramos e eu perguntei:
“Você achou as cinqüenta?” Ele tinha ficado acordado a noite toda. “Não,
mas encontrei trinta.” E ele passou cada uma delas aplicando rigorosamen­
te os princípios da lógica e da lógica simbólica. Para sua satisfação eu de­
monstrei que nenhuma de suas alegadas contradições realmente violavam a
lei das contradições.
Agora, terminando, preciso dizer que ele poderia ter escolhido passa­
gens mais difíceis. Há algumas passagens extremamente difíceis nas Escri­
turas e nem sempre fico satisfeito com algumas das soluções, mas creio
que, em sua maior parte, essas discrepâncias têm sido completamente re­
conciliadas pelos estudos profundos da Bíblia.
O PODER E O
P R O P Ó S I T O DA O R A Ç Ã O

“Não andeis ansiosos de cousa alguma; em tudo, porém, sejam


conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração
e pela súplica, com ações de graças. E a paz de Deus,
que excede todo entendimento, guardará o vosso
coração e a vossa mente em Cristo Jesus.”
— F íl ip e n s e s 4 . 6 , 7

Perguntas dessa seção:

• Ensinaram-nos que a oração muda as coisas. Em vista da soberania de


Deus, qual é o papel da oração na vida cristã?
• A Bíblia diz: “Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa”
(Jo 16.24). Em outro lugar ela qualifica isso e diz que devemos pedir de
acordo com a vontade de Deus. O sr. pode esclarecer quando posso espe­
rar receber aquilo que peço?
• Em Números 14, parece que Moisés mudou a mente de Deus. Como se
pode explicar isso?
• Deus realmente fala conosco? E se é assim, como ele se comunica?
• Quando oramos, está certo dizer: “se esta for a tua vontade?”
• Como cristãos, deveríamos estar preocupados a respeito de repetir orações?
Em Mateus 6.7, Jesus chama as orações do gentios de vãs repetições.
• Faz alguma diferença se oro cinco minutos, cinqüenta minutos ou cinco
horas por dia? E faz alguma diferença se só uma pessoa ora, ou cinqüenta
ou cinco mil oram?
• Os cristãos hoje podem estar certos de que Cristo orará pelos outros se
lhe pedirmos isso?
• Deus ouve as orações de um não-cristão?
• Deus não ouvirá as orações de um cristão que peca deliberadamente mes­
mo depois de um arrependimento sincero?
• Como nós cristãos podemos ter mais poder em nossa vida de oração?
• Ensinaram -nos q u e a oração m u d a as coisas, e m vista da
soberania de Deus, qual é o papel da oração na vida cristã?

Antes de qualquer outra coisa, precisamos estabelecer que é a sobera­


nia de Deus que não somente nos convida, mas nos ordena a orar. Oração
é um dever, e quando cumprimos esse dever, uma coisa certamente será
mudada, e essa coisa somos nós. Viver uma vida de oração é viver uma
vida de obediência a Deus.
Também precisamos entender que existe mais na oração do que
intercessão e súplica. Quando os discípulos disseram a Jesus “Senhor;
ensina-nos a orar” (Lc 11.1), viram uma ligação entre o poder de Je­
sus e o impacto do seu ministério e o tempo que ele passava em ora­
ção. Obviamente, o Filho de Deus sentiu que a oração era uma inicia­
tiva valiosa pois ele se entregava a ela profunda e apaixonadamente.
Mas fiquei surpreso de que ele tenha respondido a pergunta dizendo:
“Quando orardes, dizei:”, e lhes deu a Oração Dominical. Eu esperaria
que Jesus respondesse aquela pergunta de maneira diferente: “Vocês
querem saber como orar? Leiam os Salmos”, porque ali encontramos
orações inspiradas. O próprio Espírito que nos ajuda a orar inspirou
as orações que estão registradas nos Salmos. Quando leio os Salmos,
leio intercessão e leio súplica, mas, predominantemente o que leio é
uma preocupação com adoração, com ação de graças e com confis­
são. Tome esses elementos da oração, e o que acontece com a pessoa
que aprende a adorar a Deus? Essa pessoa é transformada. O que acon­
tece com a pessoa que aprende a expressar sua gratidão a Deus? Essa
pessoa ficará cada vez mais consciente da mão da Providência em sua
vida, e crescerá em seu senso da gratidão a Deus. O que acontece com
a pessoa que gasta tempo confessando o seu pecado a Deus? Ela man­
tém diante de seus olhos a santidade de Deus, e a necessidade de pres­
tar contas a ele continuamente.
Mas os nossos pedidos podem mudar o plano soberano de Deus? Sem
dúvida não. Quando Deus declara soberanamente que fará alguma coisa,
nem todas as orações do mundo irão mudar a mente de Deus. Mas Deus não
apenas ordena os fins, mas também ordena os meios para alcançar os fins, e
parte do processo que ele usa para realizar sua vontade soberana são as
orações de seu povo. Portanto, devemos orar.
• A Bíblia diz: "Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja comple­
ta" (Jo 16.24). Em o u t r o lugar ela qualifica isso e diz q u e
d e v e m o s p e d ir de a cordo c o m a v o n t a d e de Deus. Não
t e n h o certeza se isso significa sua v o n t a d e m o r a l o u sua
v o n t a d e s o be rana . O sr. p o d e esclarecer q u a n d o p oss o
esp era r receber aquilo q u e peço?

É difícil colocar tudo o que a Bíblia diz sobre oração num único pacote.
Muitas das instruções sobre oração que encontramos no Novo Testamento
nos são entregues na forma literária de aforismos, que são afirmações cur­
tas, vigorosas, de um princípio geral, quase como um provérbio que é ver­
dadeiro de forma geral mas não é uma promessa absoluta.
Jesus diz: “se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de
qualquer cousa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai
que está nos céus” (Mt 18.19). Essa afirmação carrega todo um histórico de
condições sobre a concordância com alguma coisa no Antigo Testamento.
Mas uma leitura simples e superficial dessa passagem faria você pensar
que tudo o que é necessário fazer é encontrar outra pessoa que concorde
com o que você disse e isso lhe será feito. Quantos de nós gostaríamos de
ver uma cura para o câncer? Ou que todas as guerras do mundo terminas­
sem para sempre? Se pudéssemos encontrar duas pessoas que concordas­
sem com isso, de acordo com o que Jesus disse nessa passagem, seu pedido
seria imediatamente atendido. Obviamente não é isso o que ele quis dizer.
Quando podemos, categórica e absolutamente, ter certeza de que vamos
receber aquilo que pedimos?
Creio que há oportunidades em que Deus nos faz promessas categóri­
cas. Por exemplo, ouvimos que se confessarmos nossos pecados, Deus é
fiel e justo para perdoá-los e nos purificar de toda injustiça. Penso que está
claro nas Escrituras que, quando uma pessoa se arrepende de seu pecado e
vem diante de Deus num espírito de contrição genuína, e confessa e reco­
nhece aquele pecado diante dele, essa pessoa pode crer, com absoluta certe­
za, que sua oração foi ouvida e respondida.
Em outra ocasião, quando Jesus nos encoraja a orar, ele diz: “Vocês não rece­
bem porque não pedem.” Ele faz a seguinte analogia: “qual dentre vós é o pai que,
se ofilho lhe pedir pão lhe dará uma pedra, ...ouse lhe pedir um ovo lhe dará um
escorpião?” (Lc 11.11,12). Jesus nos encoraja a levar nossas petições a Deus,
assim como Paulo diz: “...em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as
vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças.'’'’ (Fp 4.6). Há
uma quantidade enorme de coisas que Deus promete nos dar o tempo todo.
Outras coisas são pedidos fúteis. Se conhecermos bem as Escrituras, há
certas coisas que não pediremos. Lembro-me de ver, na televisão, uma en­
trevista com um homem que dirigia uma série de casas de prostituição. Ele
disse que havia feito um pacto com Deus quando iniciou o seu negócio: Ele
daria uma porcentagem de sua renda a Deus se ele abençoasse o seu negó­
cio. Deus tinha abençoado o seu negócio, portanto, ele estava retribuindo o
favor através de todo dinheiro que estava dando à igreja. Bem, pedir a Deus
que abençoe algo que ele abomina, é orar contra a vontade moral de Deus.
Há muitos outros pedidos de oração que recaem entre aquelas coisas
pelas quais não devemos orar, e outros pelos quais sabemos que certamente
devemos orar. Tragam os pedidos a Deus com humildade, e depois permi­
tam que Deus seja Deus. Ele às vezes diz sim, e às vezes diz não. Você traz
o seu pedido, e então deixe que o Pai decida.

• Em N ú m e r o s 14, parece q u e Moisés m u d o u a m e n t e de


Deus, c o m o se p o d e explicar isso?

Mudar a mente, no Novo Testamento, significa arrepender-se. Quando


a Bíblia fala do meu arrependimento ou do seu arrependimento, ela quer
dizer que somos chamados a mudar nossas mentes, ou nossas disposições
com respeito ao pecado — que somos chamado a nos afastar do mal. Arre­
pendimento está carregado desses tipos de conotações, e quando falamos
sobre arrependimento de Deus, isso, de alguma forma, sugere que Deus se
afastou de algo iníqüo. Mas não é sempre isso que a Bíblia quer dizer quan­
do usa essa palavra.
Usar uma palavra como arrependimento em relação a Deus, levanta al­
guns problemas para nós. Quando a Bíblia nos descreve Deus, ele usa ter­
mos humanos, porque a única linguagem que Deus tem para nos falar sobre
si mesmo é a nossa linguagem humana. O termo teológico para isso é lin­
guagem antropomórfica, que significa o uso de formas e estruturas huma­
nas para descrever a Deus. Quando a Bíblia fala sobre os pés de Deus ou o
braço direito do Senhor, imediatamente vemos isso como uma forma hu­
mana de falar sobre Deus. Mas quando usamos termos mais abstratos como
arrepender-se, ficamos totalmente confusos a respeito.
Há um sentido em que parece que Deus está mudando sua opinião, e há
outro sentido no qual a Bíblia diz que Deus nunca muda sua opinião porque
Deus é onisciente. Ele sabe todas as coisas desde o começo, e ele é imutá­
vel. Ele não muda. Nele não há sombra de variação. Ele sabe o que Moisés
vai dizer antes que Moisés abra a sua boca para suplicar por esse povo.
Então, depois que Moisés fala, será que Deus subitamente muda de opi­
nião? Ele não tem mais informação do que aquela que tinha há um momen­
to atrás. Nada mudou no que concerne ao conhecimento de Deus ou à sua
avaliação da situação.
O que, nas atitudes ou nas palavras de Moisés, poderia ter levado Deus
a mudar de opinião? Creio que o que temos aqui é o mistério da providên­
cia, pela qual Deus ordena não apenas o fim das coisas que acontecem, mas
também os meios. Deus estabelece princípios na Bíblia onde ele faz amea­
ças de julgamento para motivar seu povo ao arrependimento. As vezes, ele
declara especificamente: “Mas se vocês se arrependerem, eu não cumprirei
a ameaça.” Nem sempre ele acrescenta essa condição, mas ela está lá. Creio
que essa é uma daquelas situações. Estava tacitamente entendido que Deus
ameaçava aquele povo com julgamento, mas se alguém intercedesse por
eles de forma sacerdotal, Deus daria graça ao invés de julgamento. Creio
que isso está no âmago daquele mistério.
Será que Deus está confuso, tropeçando nas diferentes opções — Devo
fazer isso? Não devo fazer aquilo? Será que ele decide a respeito de uma
atitude a tomar e depois pensa: Bem, talvez essa não seja uma idéia tão boa
assim, e muda de opinião? Obviamente Deus é onisciente, Deus é todo sa­
bedoria. Deus é eterno em sua perspectiva e em seu completo conhecimen­
to de todas as coisas. Portanto, nós não mudamos a mente de Deus. Mas a
oração muda as coisas. Ela nos muda. E há ocasiões em que Deus espera
que peçamos, porque o seu plano é que trabalhemos com ele no glorioso
processo de fazer com que a sua vontade se cumpra aqui na terra.

• Deus r e a l m e n t e fala conosco? E se é assim, c o m o ele se


com unica?

Primeiro, deixem-me dizer que sim, há uma interpretação na qual Deus


fala conosco, mas também há uma interpretação na qual Deus não fala co­
nosco. Quando as pessoas me dizem : “O Senhor me disse para fazer algo,”
eu desejo perguntar a elas: “Com que se parece a voz de Deus?” Você está
me dizendo que ouviu uma voz do céu tão audível quanto a voz que falou
no batismo de Jesus dizendo: “Este é o meu Filho amado, em quem me
comprazo” (Mt 3.7), ou a voz que falou com Saulo no caminho de Damas­
co? Houve ocasiões na Bíblia nas quais Deus falou audivelmente ao povo.
Mas, mesmo na vida de Jesus, houve apenas três ocasiões registradas no
Novo Testamento nas quais Deus falou audivelmente a seu Filho unigénito.
Nas vidas dos grandes santos, esses incidentes são excessivamente ra­
ros. Entretanto, não existe maneira mais fácil de fazer com que as pessoas
concordem com aquilo que desejo fazer, nem de afastar qualquer crítica
possível, do que prefaciar minhas idéias dizendo: “O Senhor me disse para
fazer isso.” Em essência, estou afirmando que qualquer um que questionar
o que estou dizendo, estará argumentando com o próprio Deus. Creio que
temos uma obrigação mútua de não nos acusarmos uns aos outros, mas de
fazer uma pergunta com gentileza: “Como você sabe que foi Deus quem
falou com você?” Qual é a diferença entre a voz íntima de Deus e indigestão?
Deus pode falar conosco (e ele fala conosco — desejo enfatizar isso),
mas a principal maneira pela qual ele fala com as pessoas é através de sua
Palavra escrita. Muitas vezes não desejamos passar por todas as dificulda­
des de estudar a Palavra, isso dá trabalho. As pessoas podem ir por palpites,
intuições, sentimentos e batizar esses sentimentos e intuições como se fos­
sem mandados divinos do céu.
Lembro-me de uma ocasião muito difícil em meu próprio ministério e
em minha vida quando a escola na qual estava trabalhando como professor
estava se mudando e eu não desejava ir para onde a escola estava mudando,
por isso passei seis meses desempregado.
A pergunta mais séria de minha vida naquela ocasião era: Deus o que
queres que eu faça? Eu estava numa angústia a respeito disso, orando de­
sesperadamente durante horas todos os dias. Eu tinha cinco amigos ínti­
mos, profundamente espirituais e bem intencionados que vieram me contar
que Deus lhes havia dito que eu deveria fazer X, Y ou Z. Eu achei isso
extraordinário porque as cinco coisas que o Senhor lhes disse para me co­
municar me teriam colocado em cinco lugares diferentes. Em cinco cidades
diferentes, em cinco trabalhos diferentes. A única coisa de que realmente
gostei foram os cinco salários separados, mas não consegui descobrir como
poderia estar em cinco lugares ao mesmo tempo. Sem dúvida alguém não
tinha a mente de Cristo.
Portanto, insisto em que os cristãos sejam muito, muito cuidadosos an­
tes de dizer às pessoas: “Deus me disse isso.” Você pode dizer: “Creio que
talvez o Senhor esteja me guiando nessa direção.” Isso seria uma maneira
muito mais humilde de afirmar.
• Q u a n d o o ram o s, está certo dizer: "Se esta for a t u a v o n ­
tade?"

Não creio que haja muitas outras coisas mais próprias para se dizer em
oração do que “se for da tua vontade.” Sei que algumas pessoas têm uma
noção confusa a respeito dessa afirmação na oração dizendo que ela é um
tipo de fuga, que devemos orar crendo que nossas orações são ouvidas e
respondidas mesmo antes de vermos o seu resultado. Elas pensam que dizer
“se for da tua vontade” é um ato de descrença.
Há oportunidades em que não precisamos dizer “se for da tua vontade.”
Há ocasiões em que nos aproximamos de Deus em oração com questões
para as quais ele fez uma promessa clara — por exemplo, quando Deus diz
que se confessarmos nossos pecados ele é fiel e justo para nos perdoar.
Portanto, quando confessamos nossos pecados a Deus, nos arrependemos e
pedimos o seu perdão, não é necessário acrescentar “se for da tua vontade.”
A única regra absoluta que creio que todos devem levar para o seu mo­
mento de oração é que, sempre que você falar com Deus, deve se lembrar de
quem você é e de quem ele é. Certamente não é uma ofensa ao Todo-podero-
so expressar o fato de que você está disposto a se submeter à sua vontade.
O melhor de todos os precedentes para se dizer “se for da tua vontade.” está
registrado no Novo Testamento. Na grande paixão de nosso Senhor, quando ele
entrou em agonia no jardim do Getsêmani e lutou com seu Pai, ele disse: “passa
de mim este cálice”. Jesus perturbou-se na noite anterior à sua morte. Lembre-
se, ele não estava apenas enfrentando a morte, ele estava enfrentando a punição
do inferno pelos pecados de todas as pessoas. É absolutamente impossível para
mim compreender a medida completa do tormento que Jesus iria enfrentar no
dia seguinte. Por isso ele gritou no jardim: “Passa de mim este cálice; contudo
não seja o que eu quero, e sim o que tu queres” (Mt 14.36). Isso é o mesmo que
dizer: “Se for da tua vontade, não me peça para fazer isso.” Em circunstâncias
iguais, o Filho estava dizendo: “Eu certamente gostaria que este cálice estivesse
bem longe de mim, mas se isso não é o que você quer, então dá-me o cálice e eu
o beberei até a última gota amarga.” Penso que essa é a maneira como devería­
mos respeitar a Deus quando oramos.
Somos encorajados por Deus a trazer nossos pedidos com gratidão e
com confissão, e ele nos ensina que não temos porque não pedir. Jesus nos
diz que Deus, em alguns aspectos, é como um pai humano, e que pai daria
uma pedra se o filho lhe pedir pão? Deus deseja responder suas orações,
deseja prestar ajuda a você.
Mas, ao mesmo tempo, você deve ser respeitoso e humilde quando vai à
sua presença. Dizer: “se esta for a tua vontade” simplesmente expressa nos­
so respeito para com a soberania de Deus.

• C o m o cristãos, dev eríam o s estar p r e o c u p a d o s a respeito


de repetir orações? Em M a te u s 6.7 Jesus c h a m a as o r a ­
ções dos gentios de vãs repetições.

Isso é parte do ensino de Jesus no Sermão da Montanha, no qual ele


descreve a diferença entre o tipo de culto e atitude espiritual que agradam a
Deus e o tipo que os fariseus tornaram popular — um exercício de hipocri­
sia e, portanto, desagradável para Deus.
Jesus particulariza “vãs repetições,” a repetição constante de fórmulas má­
gicas e orações na esperança de que algum poder seja encontrado nas cadências
ou ritmos ou na mera repetição das palavras. Jesus adverte contra isso.
Entretanto, disto não se segue que nunca possamos repetir uma oração.
Essa questão aparece na prática da igreja, por exemplo, quando oramos
freqüentemente a oração do Pai Nosso. Alguns têm indicado que, quando
os discípulos pediram a Jesus: “ensina-nos a orar”. Jesus disse: “Portanto,
vós orareis assim” (dessa maneira), ele não disse “Vós orareis isso”.
Ele não deu uma ordem explícita para repetirmos constantemente aque­
la oração específica. Mas não creio que a igreja tenha cometido um erro ao
usar a Oração Dominical como tem usado, desde que sejamos cuidadosos em
não permitir que nossa prática de repetir orações se tome sem significado.
Pensamos, por exemplo, na repreensão de Jeremias ao povo de Israel
em seu famoso sermão do templo, registrado em Jeremias 7.1-4, no qual ele
diz: “Não confieis em palavras falsas dizendo: Templo do SENHOR, Tem­
plo do SENHOR, Templo do SENHOR é este”. Eles recitavam três vezes, e
Jeremias disse: “Eis que vós confiais em palavras falsas, que para nada vos
aproveitam” (Jr 7.8). Sua repreensão para o povo de Israel naquele momen­
to é que eles tinham posto sua confiança na mera repetição de fórmulas
exteriores. Apenas repetindo as palavras várias vezes mecanicamente eles
julgavam que possuíam algum tipo de poder espiritual.
Aquilo chegava perigosamente perto da mágica, e observamos isso em
outras religiões nas quais as pessoas pensam que existe uma fórmula mági­
ca, ou que um encantamento (o recitativo da palavra om, por exemplo) tem
algum tipo de poder. O cristianismo entende a oração como um ato de co­
municação, uma questão de se dirigir pessoalmente a Deus na qual as pala­
vras que usamos têm conteúdo, assuntos verdadeiros. E deveríamos estar
profundamente conscientes daquilo que estamos dizendo a Deus quando ora­
mos. Do contrário nossas orações realmente se tomam repetições vãs e fúteis.

• Faz a l g u m a d ife rença se oro cin co m i n u t o s , c i n q ü e n t a


m i n u t o s o u cinco horas p o r dia? E faz a lg u m a diferença
se a p e n a s u m a p e sso a ora, ou c i n q ü e n t a o u cin co m il
oram ?

Há alguns anos atrás, quando eu estava no seminário, fiquei um tanto


aborrecido quando um dos professores de Novo Testamento usou a oração do
Pai Nosso como modelo. Disse ele: Aqui Jesus nos ensina uma oração. Ele
diz: “Portanto, vós orareis assim”. O professor continuou dizendo que o tem­
po médio necessário para orar o Pai Nosso é dezoito segundos, e que nossas
orações não deveriam ser longas, extensas e elaboradas, mas que deveriam
ser bem curtas e ir direto ao ponto. Um dos propósitos de ensinar a Oração
Dominical foi para nos dizer que não precisamos contar a Deus, detalhe por
detalhe, tudo aquilo que está em nossas mentes, e que dezoito segundos é um
tempo suficiente para ocuparmos Deus. Um dos estudantes imediatamente
levantou sua mão e disse: “Mas, professor, antes de Jesus escolher seus discí­
pulos, as Escrituras nos contam que ele orou a noite inteira.” Então o profes­
sor respondeu um tanto ironicamente: “Bem, você não é Jesus.”
Não creio que possamos estabelecer uma regra sobre quanto tempo de­
veriam durar as nossas orações. Entretanto, as pessoas que têm uma vida de
oração rica, têm a tendência de não fazer orações negligentemente. O teste­
munho da história tem sido o de que aqueles que oram e lutam com Deus
em oração tendem a passar mais que dezoito segundos (e mais que cinco
minutos) de joelhos.
Lutero costumava dizer que, quando ele tinha um dia ocupado, ele se
levantava uma hora mais cedo e se entregava à oração, e quando tinha um
dia realmente pesado, ele se levantava duas horas mais cedo para ter certe­
za de que começaria o dia com duas horas de oração. Não estou dizendo
que Lutero é o exemplo que todas as pessoas devem seguir. Se tivermos em
mente que a oração não é apenas um exercício, mas tempo gasto na presen­
ça de Deus aprendendo sobre Deus e sobre nós mesmos, então me pareceria
que qualquer crente sério gostaria de passar muito tempo em oração. Muito
tempo para uma pessoa, no seu estágio particular de crescimento e voca­
ção, pode ser quinze minutos; para outro pode ser um dia inteiro ou mais.
A oração é mais eficiente quando mais pessoas estão orando pela mes­
ma coisa? Tiago 5.13-18 nos lembra da eficácia de um homem. Ele usa
Elias como seu exemplo. Esse único homem estancou a chuva por três anos
e meio, através de sua ardente oração, e ele era um homem justo. Há certas
pessoas que eu gostaria que orassem por mim, pessoas que sei que são guer­
reiros da oração. Um ancião que costumava orar por nós era um missioná­
rio aposentado com mais de oitenta anos. Ele não era mais fisicamente capaz
de continuar com as rigorosas atividades do campo missionário, mas ele
recusou aposentar-se. Ele se entregava a oito horas de oração por dia. Aquele
homem sabia orar. E eu quis que ele orasse por mim! Se pudesse achar
outros cinco como ele, eu teria acrescentado estes também. Gostaria de ter
tudo para mim, se fosse possível. Não sei se Deus conta as cabeças quando
escuta as orações, mas, obviamente, do ponto de vista das Escrituras, existe
um valor na oração em grupo na qual os crentes estão orando com uma só
intenção. Os discípulos se reuniam no cenáculo e oravam juntos, fazendo
um pedido conjunto a Deus. Portanto, gostaria de dizer que como há sabe­
doria numa grande quantidade de conselheiros, também existe maior eficá­
cia quando dirigimos nossas orações em conjunto.

• No No vo T e s ta m e n to Jesus m e n c i o n a q u e ele ora pelas


pessoas. Os cristãos hoje p o d e m estar certos de q u e Cris­
to orará p o r eles se p e d ir m o s ?

Creio que podemos dizer com certeza que não apenas os cristãos podem
estar certos de que Jesus orará pelas pessoas se lhe pedirmos para orar por
elas, mas que Jesus orará por elas mesmo que não peçamos. Essa é a sua
promessa para nós. Freqüentemente essa dimensão do ministério de Jesus é
desprezada. Ficamos empolgados com o Natal e isso está certo; ficamos
empolgados com a crucificação e a ressurreição. Mas deixamos de prestar
atenção na ascensão de Jesus e o que isso significa para nós. Depois da
ressurreição ele ascendeu ao céu. Ascender, no Novo Testamento, é um ter­
mo técnico que significa uma pessoa que vai para um lugar de autoridade.
Jesus vai para ser investido como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Ele
vai para a sua coroação, na qual Deus lhe dá toda autoridade sobre o céu e
a terra. Mas essa não é a sua única função.
Como nosso Messias, nosso Salvador, ele é um Rei-Sacerdote. Ao mes­
mo tempo que é Rei dos reis, ele age como o supremo grande Sumo Sacer­
dote. A principal tarefa do Sumo Sacerdote no céu é interceder por seu
povo. Isso significa que Jesus ora por nós e leva nossas petições e preocupa­
ções diante do trono de Deus. Na noite em que foi traído, quando Jesus
celebrou a Páscoa com seus discípulos pela última vez, ele predisse que
Judas o trairia e que Simão Pedro o negaria. Em Lucas 22, Jesus diz: “Si­
mão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo!
Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando
te converteres, fortalece os teus irmãos” (Lc 22.31). Aqui vemos um exem­
plo de Cristo orando por Pedro antes mesmo que Pedro pedisse a ele que
orasse. Pedro nem sequer entendeu que ele precisava de oração intercessória.
Ele negou que jamais fizesse tal coisa. Mas Jesus já havia orado por ele.
Um excelente capítulo para ler sobre as orações de Cristo em nosso favor
é João 17. Essa é a mais longa oração de Jesus registrada nos evangelhos. É
chamada a Oração Sacerdotal de Cristo, e é uma oração de intercessão mag­
nífica. E eu diria a todo cristão que, naquele preciso momento da história,
Jesus Cristo orou por você. Ao interceder por seus discípulos, ele implorou ao
Pai não apenas pelo bem-estar deles, mas que as bênçãos do Pai viessem
sobre todos aqueles que cressem através dos seus esforços — isto nos inclui.

• Deus o uv e as orações de u m não-cristão?

Deus ouve as orações de todos, desde que elas alcancem seus nervos
auditivos (embora ele não tenha nervos auditivos). Quero dizer, Deus está
intensamente consciente de tudo o que dizemos. Nesse sentido, Deus ouve
todas as orações. Mas creio que a pergunta real aqui é: Deus ouve e honra as
orações do não-crente?
Há certas indicações nas Escrituras de que Deus, às vezes, não apenas
ouve as orações do não-crente como também as responde. A Bíblia deixa
muito claro que Deus não se agrada de modo nenhum com as orações
insinceras. Deus nos diz em sua Palavra que ele não despreza um coração
compungido e contrito (SI 51.17). Por outro lado, ele odeia a arrogância e
odeia as orações do orgulhoso, quer sejam cristãos ou não-cristãos. Em nu­
merosas passagens, a Bíblia nos diz que Deus tem prazer e é honrado ape­
nas por aquelas orações que saem de um coração verdadeiramente peniten­
te. Quando oramos como pessoas reconciliadas, então temos a promessa de
que Deus nos ouvirá. Será que um não-crente já se encontrou realmente
com o Messias que Deus mandou ao mundo? Deus ordena a todos os ho­
mens, em todos os lugares, que cheguem até o pé da cruz para sua redenção
e reconciliação. Essa não é uma condição que possamos negociar. Como
cristãos, estamos comprometidos com o Filho de Deus porque cremos nele
e somente nele, ele é o único meio de redenção que Deus providenciou para
a raça humana. E Deus quer que, quando orarmos, o façamos através de
Cristo. Acesso ao Pai é através do Filho.

• Deus n ã o ouvirá as orações de u m cristão q u e delibera­


d a m e n t e peca, m e s m o d e p o is d e u m a r r e p e n d i m e n t o
sin c ero ?

Quando falamos a respeito de um cristão que peca deliberadamente,


estamos falando a respeito de todos os cristãos que já viveram, e estamos
falando a respeito de algo que os cristãos fazem diariamente em suas vidas.
Podemos falar de pecados que são cometidos por ignorância, mas espero que
reconheçamos que a grande maioria dos pecados que cometemos são feitos
deliberadamente. Pecamos porque queremos, porque escolhemos pecar.
Essa distinção “deliberadamente peca” me perturba porque muitas pes­
soas não confessam realmente que seus pecados são deliberados. Eles di­
zem “eu não tive a intenção de fazer isso.” Sem dúvida eles tiveram a inten­
ção. O que toma o pecado uma ofensa tão grave contra Deus é o fato de que
nós o desobedecemos deliberadamente um sem número de vezes em nossas
vidas. Se Deus se recusasse a ouvir as orações dos pecadores que pecam
deliberadamente contra ele e depois se arrependem, Deus não estaria ou­
vindo muitas orações.
Ao contrário, a Bíblia nos diz que se pecarmos, deliberadamente ou não,
e confessarmos esse pecado, temos a promessa de Deus: Se verdadeiramente
nos arrependermos, Deus nos perdoará aqueles pecados. Ele não nos abando­
nará nem se recusará a ouvir nossas orações se nos arrependermos.
Mas e se , como cristão, estou envolvido em pecado constante e delibe­
rado sem arrependimento? Isso é uma contradição, em termos. Podemos
passar um período de impenitência, mas se continuarmos durante muito
tempo num espírito impenitente, essa é uma indicação de que Cristo não
está em nós. Um cristão verdadeiro, quando confrontado com a palavra de
Deus, será levado a um estado de arrependimento, mais cedo ou mais tarde.
Cristãos verdadeiros podem passar por períodos demorados de pecado
impenitente; sabemos disso. O que acontece durante esse período? Somos
advertidos de que Deus resiste ao orgulhoso e dá graça ao humilde (Pv
3.34) Não existe nenhuma mostra mais flagrante de orgulho e arrogância do
que quando uma pessoa peca deliberadamente contra Deus, sem mostrar
nenhuma inclinação para o arrependimento, mas permanece numa desobe­
diência continuada e desafiadora. Quando fazemos isso, nos colocamos numa
posição na qual Deus diz que nos resistirá. Nossas orações em tais ocasiões
o insultam e são ofensivas a ele, quer sejam apresentadas por um cristão ou
por um não-cristão. Quando pecamos, precisamos nos arrepender e ir hu­
mildemente diante de Deus. Quando fazemos isso podemos estar certos de
que ele nos ouvirá.

• C o m o n ó s cristãos p o d e m o s ter m a i s p o d e r e m n o s s a
vida de oração?

Vou tentar entender o que essa pergunta quer dizer: Como podemos ter
resultados mais eficientes das orações que trazemos ao Pai? Creio que des­
cobrimos algumas sugestões no Novo Testamento.
A primeira é que “Nada tendes, porque não pedis; pedis e não recebeis
porque pedis mal" (Tg 4.2,3). A Bíblia nos ensina que Deus dá graça ao
humilde, mas resiste ao orgulhoso. Isso indica, como as Escrituras expli­
cam em muitos lugares, que quando vamos diante de Deus em oração, de­
vemos ir com a atitude certa. A oração é um dos momentos de culto mais
profundos que um indivíduo pode experimentar. Creio que para experimen­
tar a atitude própria com a qual devemos nos apresentar diante de Deus
temos de nos lembrar com quem estamos falando. Precisamos estar profun­
damente conscientes de quem Deus é.
Martinho Lutero, certa vez, respondeu a uma pergunta semelhante. As
pessoas estavam frustradas porque não estavam recebendo as respostas que
queriam de suas orações. Elas estavam olhando para Deus como uma espécie
de intermediário cósmico que estava disponível vinte e quatro horas por dia
para atender cada desejo e cada capricho que fosse trazido diante dele. E
Lutero, aconselhando sua igreja disse: “Deixem que Deus seja Deus.” Essa é
a atitude que devemos ter quando vimos diante dele em oração. Lembre-se de
quem ele é, e deixe que ele seja Deus. Ele é aquele que possui o poder.
Precisamos nos lembrar também de quem somos nós. Quando estamos
orando, queremos ser capazes de ir diante de Deus como nosso Pai e chamá-
lo “Abba”, como o Espírito Santo nos dá permissão para fazer. Devemos ir
confiantemente diante do trono de graça, mas nunca arrogantemente. Há
um consenso entre cristãos modernos em que, às vezes, eles se tornam um
pouco informais demais com Deus na maneira como falam com ele em
oração — como se ele fosse um colega. Por mim, sou suficientemente tra­
dicional para apreciar a velha linguagem — os vós e vossos que existem na
língua. Devemos sempre lembrar o espírito de reverência e respeito com o
qual devemos vir diante de Deus. Creio que se viermos com a atitude certa,
reverentemente procurando sermos obedientes a ele, então podemos espe­
rar ver as coisas acontecerem.
VIDA ESPIRITUAL CRESCENTE

“Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as cousas


lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas cousas
lá do alto, não nas que são aqui da terra; porque morrestes, e a vossa vida
está oculta juntamente com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a
nossa vida, se manifestar, então, vós também sereis
manifestados com ele, em glória. ”
----COLOSSENSES 3 .1 - 4

Perguntas dessa seção:

• O que o preocupa mais a respeito do cristão contemporâneo?


• Como posso colocar Jesus em primeiro lugar na minha vida?
• O que posso fazer para evitar que meu crescimento cristão pessoal fique
estagnado?
• De que maneira eu, um cristão novo, posso conseguir uma visão bem
equilibrada daquilo que a Bíblia diz?
• O que o sr. faz em suas devocionais diárias ?
• Os cristãos, hoje em dia, deveriam jejuar, e em caso afirmativo, por que
razões e quão freqüentemente?
• Vivemos numa época de muita preocupação com a aparência e a beleza
física. O que diz a Bíblia a respeito da pessoa cuidar de seu próprio corpo?
• Como lidar com o ciúme?
• Como lidar com minhas próprias dúvidas sobre a presença de Deus em
minha vida?
• Como as emoções afetam o crescimento espiritual?
• Qual é a perspectiva bíblica sobre a psicologia?
• O homem é dividido em duas partes: corpo e alma, ou em três partes:
mente, corpo e alma?
• O que significa ser justo ou reto?
• Quando Jesus diz: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso
Pai celeste” (Mt 5.48), isso significa que podemos alcançar a perfeição, e
é isso que deveríamos fazer?
• Romanos diz: “os que estão na came não podem agradar a Deus” (Rm 8.8).
Isso significa que se um não-cristão realiza um atojusto, isso não agrada a Deus?
• Se o Espírito Santo habita em nós, por que não podemos viver vidas perfeitas?
• Um cristão pode ser puro naquilo que diz e faz?
• Jesus chama os cristãos para serem luz do mundo e sal da terra, O sr.
poderia, por favor, nos dar algumas maneiras práticas de fazer isto?
• Como poderemos estar no mundo mas não ser do mundo? O que significa
“não ser do mundo?”
• Como podemos mostrar santidade em nossas vidas?
• Como podemos ser confiantes em nossa fé, nos sentirmos empolgados por ela,
gozando nosso “status” de povo escolhido, sem nos tomarmos orgulhosos?
• Se realmente amamos a Deus, por que ignoramos seus mandamentos?
• Como um cristão encontra um equilíbrio entre estabelecer objetivos e ser
dirigido pelo Espírito Santo?
• O que a Bíblia quer dizer quando afirma que devemos esperar no Senhor?
• De que modo posso estabelecer objetivos para minha vida que melhor
glorifiquem a Deus?
• Se alguém quisesse ler três livros cristãos durante esse ano, quais o sr.
recomendaria?
• Qual a melhor forma de prolongar uma vida cristã útil à medida que envelheço?

• O q u e o p r e o c u p a m ais a respeito d o cristão c o n t e m p o ­


râneo?

Como teólogo e educador, sou tendencioso, mas minha maior frustra­


ção com os cristãos em geral é que parece haver tão poucos que estejam
profundamente interessados em aprender as coisas de Deus. Alguns dizem:
“Minha paixão é o evangelismo” ou “Minha paixão é trabalhar nas áreas
mais centrais da cidade onde há necessidades óbvias de seres humanos em
situação angustiante,” e eu aprecio isso.
A recente Pesquisa Gallup do cristianismo americano foi o estudo mais
abrangente de religião que já se fez nesse país, e uma das conclusões mais evi­
dentes foi a de que, à medida que vemos um aumento no zelo público pelas
atividades religiosas, não encontramos uma profundidade correspondente na com­
preensão dos princípios religiosos ou uma preocupação com a verdade bíblica.
Eu diria que isso me preocupa mais do que qualquer outra coisa.
Agora, não sei se é isso que preocupa mais a Deus. Se tentarmos extrair
da experiência cristã sua expressão mínima aceitável, creio que Deus estará
mais preocupado com a maneira com que vivemos. Independentemente de
quão instruídos nós somos, estamos obedecendo os mandamentos de Deus?
Jesus disse: “Se me amais guardareis os meus mandamentos” (Jo 14.45) —
sigam-me, façam as coisas que lhes disse para fazer.
Estou preocupado com o conhecimento e a compreensão que as pessoas
têm da Palavra de Deus porque estou convencido de que atrás de toda prá­
tica existe uma teoria. Essa teoria pode ser bem pensada e cuidadosamente
articulada, ou pode ser algo que adotamos mais ou menos, sem crítica e à
qual reagimos apenas por sensações ou instintos. Mas a mais clara demons­
tração de quais são as nossas teorias mais profundas é a maneira como
vivemos. Praticamos algumas coisas porque cremos que estas são as coisas
que devemos fazer.
Quando me tomo cristão, meu coração é mudado imediatamente. Agora
tenho uma paixão por Deus que não tinha antes. Mas Deus não cava um
buraco no meu coração e o preenche com todas as informações novas e me
ensina, no espaço de uma noite, tudo o que ele quer que eu saiba sobre quem
ele é e o que deseja que eu faça. Ao contrário, ele nos deu as Escrituras em
doses simples, e às vezes em doses mais complexas. A metáfora que a Bíblia
usa é a distinção entre carne e leite. Ele nos chama para começarmos com o
leite como nutriente, e depois prosseguirmos para assuntos mais pesados — a
carne. Minha grande preocupação é que parece que estamos numa dieta de
leite e ficamos apavorados de comer qualquer coisa mais substancial.

• C o m o posso colocar Jesus e m p rim e iro lugar e m m i n h a


vida?

Temos a ordem em Mateus 6.33: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu


reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”.
Falando nisso, a palavra que Jesus usa nesse mandamento é a palavra
grega protos, que é um pouco mais forte do que a palavra primeiro em
nossa língua. Em inglês (e também em português), a palavra primeiro pare­
ce ser apenas um número numa seqüência de números consecutivos. O que
encontramos no mandamento de Jesus é um conceito mais pesado de prio­
ridade principal e ele nos diz para fazermos de seu mandamento uma ques­
tão de prioridade máxima. Essa é uma questão de estabelecermos priorida­
des e objetivos. Isso tem que vir antes.
Agora como continuamos a agir? Como um cristão cresce na graça e em
devoção, amor, apreciação e obediência pelas coisas de Deus? Em teologia
falamos sobre os meios de graça: oração, leitura das Escrituras, comunhão
com outro cristãos, culto nas assembléias dos santos. Essas são as coisas
que nos ajudam a manter nossas prioridades em ordem.
Permitam-me ser bem prático, até encarar isso do ponto de vista psico­
lógico. Somos pessoas com desejos variados. Temos conflitos de desejos.
Todos nós, cristãos, gostaríamos de ser capazes de apertar um botão e dizer:
“De agora em diante vou colocar Deus em primeiro lugar em minha vida.”
Isso funciona até que algo diferente ocupe nosso desejo e, então, não quere­
mos que Deus esteja em primeiro lugar em nossa vida. Se tivéssemos Deus
constantemente em primeiro lugar em nossas vidas, nunca pecaríamos. Mas
sempre que pecamos é porque, naquele momento, gostaríamos de fazer algo
diferente de obedecer a Deus.
Como nos tomamos mais firmes no propósito de colocar a Deus em seu
lugar próprio em nossas vidas? Ou mais objetivamente, como nos tomamos
mais obedientes? Eu diria que uma das coisas que precisamos fazer é reco­
nhecer nossa fragilidade e nossa fraqueza e o fato de que temos um desejo
continuado e uma inclinação para pecar, mas esses desejos pelo pecado e pela
desobediência não são constantes. É como apetite físico. Há uma analogia
aqui. Sei que é mais fácil fazer dieta logo depois do jantar. A hora difícil de
fazer dieta é pouco antes do jantar. Meus desejos físicos não são constantes,
eles mudam de acordo com a hora em que comi pela última vez, etc. Reco­
nheço isso em mim mesmo, e sei que, se vou desenvolver uma constância
maior, talvez eu precise de ajuda. Posso entrar num programa onde eu tenha
um sistema de auxílio para me ajudar, assim como Os Vigilantes do Peso.
E assim que acontece com o desenvolvimento espiritual. Sabemos que
nossos desejos espirituais não são sempre constantes. Essa é a razão pela
qual quando nos sentimos bem e desejamos ser obedientes, fortalecemos o
novo homem e enfraquecemos o velho homem fazendo uso diligente dos
meios de graça que Deus nos deu.

• O q u e p osso fazer pa ra evitar q u e m e u c re sc im e n to e spi­


ritual fique e stag n a d o ?

Conheço apenas uma maneira absoluta de evitar que seu crescimento


espiritual fique estagnado, e essa é morrer. A única hora em que o cresci­
mento cristão pára por completo é na morte. Isso porque não precisamos
crescer mais, somos introduzidos no estado de glorificação. Se uma pessoa
está em Cristo, e Cristo está naquela pessoa, é impossível que o cristão não
prossiga, não cresça. Pode acontecer, às vezes, que seu crescimento cristão
esteja completamente interrompido e num estado de estagnação, mas creio
que isso é meramente uma aparência exterior.
Obviamente, nosso crescimento cristão pode se mover em velocidades varia­
das e tendemos a ter altos e baixos. Às vezes, andamos para frente a passos largos,
outras vezes, vamos num ritmo lento. Quando avançamos dessa forma lenta e fati­
gante , podemos pensar que ficamos completamente estagnados, mas se não há
nenhuma evidência de crescimento, eu diria que é hora de examinarmos nossas
almas e nossos corações para ver se realmente estamos em Cristo, porque quando
o Espírito de Cristo habita a pessoa, ele não permite a estagnação total.
Se desejamos aumentar o ritmo do crescimento cristão, penso que há alguns
princípios práticos importantes que precisamos incorporar. Biblicamente, o cres­
cimento cristão é descrito em termos de discipulado. Ser um discípulo de Jesus
significa ser um estudante na escola de Cristo. Isso não significa apenas acumu­
lar fatos intelectuais ou conhecimento supremo, por assim dizer, mas chegar a
uma compreensão daquilo que agrada a Deus e daquilo que agrada a Cristo.
Significa aprender como imitá-lo em nossos diferentes caminhos diante dele.
A palavra discipulado é muito próxima da palavra disciplina. Crescer
exige a realização de uma disciplina espiritual. Como conseguir? Quando
tentamos progredir em qualquer área, muitas vezes isso envolve disciplina
— quer seja no domínio de uma técnica pianística, num esforço atlético ou
no estudo em uma escola pública ou universidade. Temos que entender que
disciplina não acontece por mágica. A melhor maneira que conheço de se
tomar disciplinado é, primeiro, aprender padrões de disciplina sob a orien­
tação de outra pessoa. Se você está tendo problemas para crescer, una-se o
mais depressa possível a um grupo de crescimento cristão, onde você estará
sob a disciplina de um pastor ou líder espiritual, e onde, como parte do grupo,
você está aprendendo as habilidades do crescimento pessoal em conjunto.

• De q u e m a n e i r a eu, u m cristão recém convertido, poss o


c on seg uir u m a visão b e m eq uilibrada d a q u il o q u e a Bí­
blia diz?

Sempre que novos convertidos lêem a Bíblia por si mesmos eles se ar­
riscam a cometer distorções. Um dos grande artigos de fé da Reforma foi a
princípio da interpretação individual, isto é, cada cristão era visto como
tendo o direito de ler a Bíblia por si mesmo. A Igreja Católica Romana
resistiu a isso porque eles reconheceram que uma pessoa sem instrução e
sem treino poderia muito facilmente chegar a interpretações erradas e a
distorções muito sérias das Escrituras. Eles advertiram, por exemplo, que
deixar os leigos lerem a Bíblia poderia abrir uma comporta de iniqüidade.
Lutero respondeu a isto dizendo: sim, uma comporta de iniqüidade poderia
ser aberta por pessoas não habilitadas. Foi por isso que Deus colocou pro­
fessores na igreja. Ele disse também, que a mensagem básica, essencial
para que todo cristão entenda, é tão clara, tão evidente, que uma criança
poderia entendê-la. É tão importante, e vale tanto a pena que se existe risco
de abrir uma comporta de iniqüidade, disse Lutero, que assim seja.
Concordo com ele, mas, ao mesmo tempo também estou consciente das
grandes dificuldades que ocorrem numa primeira leitura da Bíblia, especi­
almente sem um auxílio preciso e sadio.
A Bíblia é um livro volumoso, mas não é tão volumoso que não possa
ser lido em sua totalidade. É importante que entendamos as partes individu­
ais das Escrituras à luz de sua totalidade. Lutero, cuidadoso como era em
dar uma atenção detalhada a cada passagem e a cada versículo, fez da leitu­
ra da Bíblia toda uma parte do seu ministério inicial. Ele mantinha o quadro
maior — o escopo total das Escrituras — sempre em mente à medida que
estudava as partes individuais. É como caminhar por uma grande floresta.
Ele sempre repetia isso, tudo o que você está tentando fazer é ir de uma
ponta ã outra da floresta. Depois que você cresce na compreensão da flores­
ta, você começa a perceber grupos separados de árvores, e depois de um
tempo, árvores individuais se sobressaem diante de você. Então, enquanto
você examina as árvores individuais e até sobe nas árvores, você começará
a examinar os diferentes galhos. Estudo Bíblico, dizia ele, não é realmente
prazeroso até que você permaneça ali, revirando cada folha individualmen­
te, deleitando-se e explorando cada folha em tudo o que ela pode apresen­
tar. Era isso que Lutero amava fazer como um grande estudioso da Bíblia,
estudar aquelas passagens que são tão significativas.
Ele dizia que para evitar ficar preso numa pequena parte, “deixe que
vento do conjunto sopre em sua cabeça de vez em quando.”
Escrevi um livro intitulado Knowing Scripture (Conhecendo as Escritu­
ras [InterVarsity Press, 1977]), no qual estabeleço um esboço prático para
quem quiser ler a Bíblia inteira pela primeira vez. A maioria das pessoas
começam no Gênesis, e isso é agradável, interessante e fácil. Chegam ao
Êxodo e ele é cheio de aventura. Assim que chegam a Levítico e Números
se perdem e param. Há uma forma de ler a história do Antigo Testamento
na qual pode-se pular algumas dessas passagens difíceis e estranhas e ler a
história numa versão resumida. Dessa forma você percebe o sentimento do
todo e depois pode voltar e preencher os vazios.

• O q u e o sr. faz e m suas devocionais diárias?

Para ser bem honesto, não tenho o que as pessoas poderiam chamar de
devocionais diárias em relação a uma rotina estabelecida. Meu padrão va­
ria de um dia para o outro, de uma semana para a outra e de um mês para o
outro. Cada dia tenho um período de tempo que passo em oração. Esse
período é maior e, às vezes, mais intenso em certas ocasiões do que em
outras. Mas não sou o tipo de pessoa que funciona bem num ambiente alta­
mente organizado ou estruturado. Outras pessoas têm uma agenda diária
que é muito mais rotineira e que elas acham muito útil.
Eu diria que se você gastar o mesmo período de tempo que eu gasto com
as Escrituras no espaço de uma semana, isso seria considerado uma boa
quantidade de estudo. Mas não faço distinção entre leitura devocional das
Escrituras e estudo das Escrituras. Para mim, todo estudo das Escrituras é
um ato devocional, e as devocionais deveriam ser um ato de estudo sério.
Não existe nada mágico em se ler as Escrituras durante dez minutos.
Sei que muitas pessoas sofrem com muita culpa a esse respeito porque
em certas subculturas cristãs, de certa forma, espera-se que todas as pessoas
tenham um período separado do dia para leitura Bíblica e oração. Mas as
Escrituras nos dizem para meditar na Palavra de Deus dia e noite, de manei­
ra que nossa atenção às Escrituras seja devota, séria e rigorosa. De fato,
recomendo que as pessoas gastem muito mais do que dez ou quinze minu­
tos por dia estudando as Escrituras. Mas precisamos ser cuidadosos para
não impor sobre a comunidade cristã um conjunto de padrões de estudo
Bíblico e oração. Não podemos estabelecer sistemas individuais de devo­
ção como testes da espiritualidade de outras pessoas. Isso tem feito muito
mal a pessoas que não funcionam direito numa abordagem altamente
estruturada de oração e estudo.
Do outro lado, alguns são tão indisciplinados que não dão adequada
atenção para o assunto sério da oração e do estudo bíblico. Estes são nossos
deveres como cristãos, e também o nosso prazer de passar algum tempo
com Deus. Devemos orar “sem cessar.” Jesus tinha o hábito de tirar algum
tempo para períodos devocionais de oração. Se a oração significa alguma
coisa, e Jesus a considerava necessária para si mesmo, quanto mais neces­
sária ela deve ser para nós? Não recomendaria minha rotina para outros.
Mas lembre-se que meu trabalho, chamado e vocação, são de um professor
da Palavra de Deus, portanto, tenho necessidade de gastar grandes períodos
de tempo estudando a Bíblia. Cada pessoa deve aprender por si mesma o que
funciona melhor para integrar oração e estudo Bíblico em sua vida diária.

• Os cristãos hoje e m dia deveriam jejuar, e, e m caso afir­


mativo, p o r q u e razões e q u ã o f r e q ü e n t e m e n t e ?

Creio que o jejum é um dos meios de graça mais negligenciados que Deus
conferiu à sua igreja. Tem um imenso fundamento e apoio bíblico. Jejuar era
uma prática regular entre os israelitas, e essa tradição foi adotada pela igreja
do Novo Testamento. Quando os discípulos, em certa ocasião, não consegui­
ram ter sucesso em sua tentativa de expulsar um demônio, Jesus disse: “Esta
casta não pode sair senão por meio de oração e jejum” (Mc 9.29).
Jesus mesmo concordava com o jejum. Durante a sua tentação ele pas­
sou quarenta dias em jejum, e santificou o meio de graça através do seu
jejum. Não creio que deveríamos continuar a negligenciá-lo. Na Igreja Ca­
tólica Romana, o jejum é uma prática regular. Mesmo no período de minha
mocidade, ainda existia a tradição na Igreja Católica Romana de que os
católicos não comiam carne às sextas feiras. Alguns ainda continuam com
essa prática. Neste caso, o jejum não era uma abstinência completa de co­
mida, mas apenas de certos elementos da comida. Muitos protestantes fazi­
am objeção a esta forma de jejum praticada pelos católicos porque jejuar
era visto também como uma obra meritória na Igreja Católica Romana, e as
pessoas pensavam que, pelo fato de estarem praticando o jejum, estavam
ganhando pontos em termos de sua jornada para entrar no reino de Deus.
Os protestantes, zelosos de sua posição com respeito à justificação pela
fé somente, tenderam a “jogar a criança fora com a água do banho” (este é
um provérbio popular alemão N.T.), e aboliram o jejum temendo que ele
fosse mal interpretado como uma forma de entrar no reino de Deus. Mas o
jejum está voltando.
Como colocar isso em prática?
Algumas pessoas concordam com o jejum, mas sua prática as deixa
doentes. Há pessoas — diabéticos, por exemplo — para as quais entrar
num jejum completo e total seria irresponsabilidade. Elas poderiam prati­
car apenas tipos parciais de jejum e, mesmo assim, com a orientação de um
médico. Somos responsáveis por mantermos uma boa mordomia de nossos
corpos e o nosso jejum deveria ser feito de forma inteligente. Lembro-me
da primeira vez que jejuei. Eu simplesmente decidi que não comeria nada
durante quatro dias, e foi uma tremenda experiência espiritual para mim
ficar quatro dias sem nenhum alimento, mas eu estava quase morto no final
daqueles quatro dias. Tive todos os tipos de problemas. Tive problemas no
estômago porque não era saudável para mim ficar sem alimentos em meu
estômago por quatro dias. Assim, penso que cada pessoa deve decidir isso
em sua própria consciência diante de Deus e não sentir uma obrigação de
jejuar de uma forma que seria danosa para seu próprio corpo. Há vários
livros bons disponíveis sobre a disciplina do jejum, e qualquer cristão pode­
rá incorporar essa disciplina de alguma forma.

• Vivemos n u m a época de g rande p r e oc up aç ã o c o m a a p a ­


rência e a beleza física. O q u e diz a Bíblia sobre a pessoa
c u id a r d o seu pró p rio corpo?

Se você está perguntando se o cristão deveria se preocupar com peso exces­


sivo, você está pisando no meu calo! Mas isso me lembra a história de um
amigo meu. Ele era um pastor episcopal, um camarada bem mundano e um
fumante inveterado. Certa senhora em sua congregação estava muito aborreci­
da com o hábito de fumar do seu pastor. Essa senhora, por sua vez, estava
obviamente muito acima do peso. Ela foi até o pastor e disse: “Pastor, o sr. não
acha que fumando está manchando o templo do Espírito Santo com nicotina?”
Meu amigo olhou para a mulher e replicou: “Sim, senhora, creio que
estou manchando o templo do Espírito Santo, e a sra. o está alargando.”
Não sei como ficaram as relações futuras entre o pastor e esse membro de
sua congregação depois dessa troca de palavras, mas ela ilustra que, às ve­
zes, escolhemos certos hábitos que não são saudáveis, e estabelecemos como
teste de espiritualidade aquele no qual não incorremos. O ponto que o pas­
tor estava tentando mostrar, de maneira não muito sutil, sem dúvida, é que,
embora ele estivesse envolvido num hábito autodestrutivo, essa mulher tam­
bém estava fazendo mal ao seu corpo por estar, obviamente, com um peso
muito acima do normal.
Vivemos numa cultura que glorifica o corpo esbelto e deprecia aqueles
que não se enquadram no padrão estético vigente. Não encontro nada na
Bíblia que diga que todos devemos nos enquadrar nos padrões estéticos de
uma dada cultura e portanto todos seríamos parecidos, padronizados de acor­
do com os símbolos sexuais correntes. A boa condição de nossos corpos,
entretanto, realmente é importante dentro de uma perspectiva bíblica. So­
mos chamados a cuidar de nossos corpos, a sermos bons mordomos de nos­
so bem estar físico, e penso que, se temos alguma dúvida sobre nosso peso,
se ele estaria apropriado ou não, provavelmente deveríamos conversar so­
bre isso com nosso médico. Os médicos estão ficando cada vez mais preo­
cupados com alguns dos problemas causados pelo excesso de peso. As ci­
ências médicas têm descoberto muitas ligações entre nosso bem-estar emo­
cional, mental e físico. Eu diria que condições pobres de saúde em qualquer
área — inclusive espiritual — irão afetar o conjunto da vida , e precisamos
dar atenção às áreas problemáticas.

• C o m o lidar c o m o c iú m e?

Estou contente de que você tenha feito essa pergunta porque é o tipo de
pergunta que quase nunca se ouve na comunidade cristã. Obviamente, essa
é uma questão de grande preocupação para Deus.
A Bíblia tem muito a dizer sobre ciúmes e sentimentos semelhantes que
temos uns para com os outros.
Uma das perguntas que sempre faço aos meus estudantes no seminário é
a seguinte: “Suponhamos que você tenha a possibilidade de escrever uma
nova constituição para o Governo dos Estados Unidos da América e que
vamos começar tudo outra vez. Ao invés de termos várias emendas e uma
Carta de Direitos, tudo o que poderíamos ter seriam dez regras básicas pe­
las quais nossa nação seria governada. O que você incluiria nestas dez re­
gras para governar a nação?”
Quando fazemos essa pergunta, a maioria das pessoas incluiria regras
como proibição contra o assassinato, contra o roubo e esses tipo de viola­
ção de pessoas e propriedade que todos reconhecemos como mal.
Entretanto, eu também me pergunto quantas pessoas incluiriam entre as
dez mais importantes uma regra para honrar os pais, ou uma regra para
proteger a santidade do nome de Deus. Eu me pergunto quantos incluiriam
uma regra contra cobiçar a propriedade dos outros.
Ciúme não é exatamente a mesma coisa que cobiça, mas está bem per­
to. Ciúme significa alimentar sentimentos maus contra outro ser humano
por causa das posses ou realizações ou alguma coisa daquela pessoa que
desejamos para nós e não temos. Temos sentimentos de má vontade para
com essa pessoa porque cobiçamos aquilo que ela possui. Poderia acres­
centar que o ciúme é um dos pecados principais a respeito dos quais a Bí­
blia fala tão freqüentemente. Creio que uma das razões porque o ciúme é
uma questão tão séria para Deus é o fato de que, na raiz dos sentimentos de
ciúme para com outras pessoas, está uma crítica velada e assumida contra
Deus. Estamos, em certo sentido, expressando nossa insatisfação com o
fato de que Deus se agradou em permitir que outras pessoas tivessem aqui­
lo que não temos, ou realizassem o que não realizamos. Ao invés de sermos
gratos por aquilo que Deus providenciou para nós — os dons, talentos e
posses — em nosso ciúme não apenas machucamos as outras pessoas, mas
estamos silenciosamente atacando a Deus em sua soberania e em sua mise­
ricórdia. Creio que precisamos encarar esse fato em sua totalidade se va­
mos nos dispor a superar esse sentimento.

• C o m o lidar c o m m i n h a s próprias d ú v id as sobre a p r e ­


sença de Deus e m m i n h a vida?

Essa pergunta traz à minha mente uma experiência que tive no começo
do meu ministério. De fato, eu havia sido ordenado havia poucos meses e
estava ensinando numa faculdade. Uma igreja tinha um pastor que era mui­
to amado por sua congregação; ele havia servido naquela igreja durante
vinte e cinco anos, mas estava seriamente doente. O homem estava quase à
morte. Durante vários meses, ocupei o púlpito e ajudei a congregação a
lidar com essa tragédia em seu meio.
Numa noite de sábado, antes do culto de domingo de manhã no qual
deveríamos celebrar a Santa Ceia, recebi um recado urgente de que prova­
velmente o pastor não viveria até o dia seguinte. Quando cheguei à igreja
naquela manhã, estava muito consciente da profunda ansiedade que existia
na congregação. Senti um enorme peso tentando dirigir a Santa Ceia da
maneira mais significativa possível. Eu me inquietei e em oração clamei:
“O Deus, por favor, dá-me uma unção especial para estar diante desse povo
em sua necessidade.” Não creio que, durante todo o meu ministério, eu
tenha subido ao púlpito com mais desejo de conhecer a presença de Deus
do que naquele domingo de manhã.
Preguei e oficiei o sacramento e foi horrível. Foi terrível! Simplesmente
senti uma ausência total de Deus como se eu tivesse sido completa e total­
mente abandonado por ele.
Meu sermão foi morto e parecia que eu estava falando para mim mes­
mo. Quando dei a bênção e fui para a porta da igreja, eu realmente desejava
que houvesse um buraco no chão para dentro do qual eu pudesse pular de
maneira a não ter de encarar aquelas pessoas. Sentia-me miserável por ter
falhado para com elas.
Fiquei na porta da igreja e eles começaram a sair um a um, eu não podia
acreditar no que acontecera. As pessoas saíam e parecia que haviam sido
atingidas no meio da testa. Elas estavam aturdidas. Estavam em choque.
Uma a uma, elas diziam que nunca haviam se sentido tão tocadas pela pre­
sença poderosa de Deus como a que haviam experimentado naquele culto!
Uma senhora me disse: “A presença do Espírito Santo era tão densa hoje que
poderíamos tê-la cortado com uma faca.” Aquilo realmente teve um impacto
sobre mim naquele dia. Eu disse: “Espera um pouco. Deus prometeu que ele
estaria aqui.” Eu não senti a sua presença, e por isso pensei que ele não estava
lá. Eu havia me tomado um cristão de sentidos, permitindo que minha firme­
za de convicção fosse determinada pela força de meus sentimentos.
Compreendi de tenho que viver pela Palavra de Deus, não por aquilo
que sinto. Penso que essa é a maneira como devemos lidar com a dúvida.
Você começa focalizando aquilo que Deus diz que vai fazer e não os seus
sentimentos.

• C o m o as e m o ç õ es a fe tam o c re sc im e n to espiritual?

Nossa sociedade é muito voltada para as emoções; e, ao mesmo tempo,


tem grande desconfiança para com as expressões emocionais, particular­
mente no campo religioso. Se você grita, berra e se excede um pouco num
campo de futebol no domingo à tarde, você é chamado de fã. Se você ex­
pressa qualquer interesse emocional pelas coisas de Deus, você é chamado
de fanático. Parece que podemos ser emocionais a respeito de algumas coi­
sas, mas não de outras.
Deus nos criou para termos a habilidade de pensar e de nos envolvermos
num processo cognitivo de razão, mas também somos criaturas que sentem.
Quando estava fazendo um curso de aconselhamento pastoral com psiquia­
tras, eles diziam: “Quando você faz uma pergunta diagnostica, não diga, ‘O
que você pensa disso ou daquilo?’ Mas pergunte. ‘Como você sente?”’
Eles estavam tentando nos ensinar a entrar em contato com os senti­
mentos da pessoa, porque o ser humano vive no nível do sentimento.
Agora, parte de mim concordava que havia alguma percepção nisso,
mas parte de mim recuava porque estou convencido de que estamos viven­
do uma época da vida da igreja na qual existe tanta ênfase nos sentimentos
que estamos nos tomando muito negativos sobre tudo o que diz respeito a
pensar. Creio que se tentarmos fazer o cristianismo puramente intelectual,
nós o distorceremos. E se tentarmos tomar o cristianismo puramente emo­
cional nós o distorceremos para o outro lado.
Qual o relacionamento que deve existir entre sentimentos e pensamen­
to? Se alguém me perguntasse qual dos dois é mais importante, eu diria que
a mente vem primeiro em termos da ordem de nosso desenvolvimento espi­
ritual, mas o coração é o primeiro em importância. Em outras palavras: Se
minha teologia é correta e minha compreensão do cristianismo é correta,
mas meu coração está longe de Cristo, eu estou fora do reino de Deus. Se
meu coração está cheio de amor por Cristo e minha teologia é toda atrapa­
lhada, eu estou no reino de Deus. Portanto, o coração é mais importante do
que a mente, mas a maneira como Deus nos fez indica que quanto melhor o
t
entendemos com a mente, mais nossos corações devem ficar inflamados de
emoção e amor por Deus.

• Q u a l é a perspectiva bíblica sobre a psicologia? A p sic o ­


logia d e s e m p e n h a u m papel útil n o cristianism o?

Precisamos entender, logo de início, que não existe hoje um sistema


único e monolítico de psicologia.
Há várias escolas com teorias psicológicas que competem entre si, to­
das tentando compreender as complexidades e nuances sutis do mecanismo
mais complexo do universo: a personalidade humana.
Na melhor das hipóteses, a psicologia como disciplina acadêmica e como
ciência é relativamente jovem e inexata. No começo da história da igreja,
os sábios cristãos estavam interessados em compreender o intricado padrão
de comportamento das pessoas. Por exemplo, Santo Agostinho é muitas
vezes apresentado, mesmo em universidades seculares, como sendo o patri­
arca da psicologia, porque se interessava muito pelo que poderíamos cha­
mar hoje de introspecção, tentando sondar as profundezas dos motivos e
sentimentos humanos e descobrir o que forma a personalidade humana.
Agora, existe algo como uma psicologia bíblica? Sem dúvida, existe
uma visão bíblica do homem, e também certamente existe uma visão bíblica
do comportamento humano. Podemos aprender muito nas Escrituras a res­
peito do comportamento e do desenvolvimento da personalidade, a respeito
das emoções e de seu impacto sobre nós.
Existe uma grande quantidade de informação na Bíblia que pode nos
ajudar quando aconselhamos outras pessoas. Sabemos, por exemplo, que a
culpa é um dos assuntos mais trabalhados pelos psicólogos e psiquiatras.
Nunca houve um livro mais adequado para lidar com o problema da culpa
do que a Bíblia.
Creio que todas as verdades se encontram no topo. Creio que a Bíblia é
infalível. Creio que a Bíblia nos dá uma visão do homem que vem do cria­
dor do homem, vem da própria mente de Deus. Portanto, nas Escrituras
temos uma percepção da personalidade humana que não encontraremos em
nenhum outro lugar.
Entretanto, Deus também nos deu a natureza como livro de estudo e,
através do estudo do comportamento humano, podemos aprender verdades
válidas. Portanto, penso que um cristão deve ter um olho nas Escrituras e
outro no que de melhor está sendo descoberto através do estudo científico,
da experiência e da observação de profissionais em psicologia e psiquiatria.

• O h o m e m é dividido e m d u a s partes: co rp o e alma, ou


e m três partes: m e n t e , corpo e alma?

Essa pergunta parece inofensiva na superfície, mas foi assunto de uma


controvérsia significativa no começo da história da igreja e novamente no
século XX. Parece estranho lutar por isso, mas há razões para o debate.
Em primeiro lugar, a posição clássica, compartilhada por cristãos orto­
doxos de várias denominações, tem sido de que o homem é o que chama­
mos de dicotômico, isto é, tem uma dimensão física que chamamos corpo,
e um aspecto não físico que chamamos alma. Ele é as duas coisas, físico e
não físico. O perigo dessa posição é que podemos cair num dualismo, pelo
qual vemos o corpo e a alma como intrinsecamente incapazes de uma uni­
dade. E essa visão dualista que tem, freqüentemente, apresentado qualquer
aspecto físico como intrinsecamente mau, ao invés de algo que foi criado
bom, mas que foi afetado pelo pecado. Os gregos antigos tinham dificuldade
de pensar no espírito unido à matéria em qualquer circunstância. Para o mun­
do grego, o grande escândalo do evangelho não era a ressurreição, mas a
encarnação, porque eles não poderiam conceber um espírito tomando-se conta­
minado por uma união tão íntima com coisas físicas como um corpo humano.
Em 1 Tessalonicenses 5.23, Paulo diz: “0 mesmo Deus da paz vos san­
tifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados ínte­
gros...” Um teólogo apoderou-se disso e disse: “Oh, o homem tem três
partes — corpo, alma e espírito.” E nos primeiros séculos do cristianismo,
essa visão tripartite desenvolveu-se. A teoria era de que corpo e alma são
basicamente incompatíveis e que há uma tensão dualista entre o físico e o
não físico. A única maneira de fazê-los permanecerem juntos seria ter uma
terceira substância como cimento para manter juntas estas duas outras subs­
tâncias contraditórias. Corpo e alma seriam, então, unificados pelo espírito.
A igreja condenou essa visão tripartite do homem como heresia — que
ele fosse corpo, alma e espírito — porque ela havia se desenvolvido a partir
de um dualismo grego que a igreja gostaria de evitar. Entretanto, essa posi­
ção reapareceu no século XX, e tem se tomado muito popular em certos
círculos cristãos.
Vejo isto, por exemplo, na influência que tem o ensino de Watchman
Nee, no qual ele traz, junto com sua compreensão do cristianismo, algumas
idéias particulares do pensamento oriental. Ele os combina, de certa manei­
ra, com o cristianismo clássico e tem sido muito influente como um profes­
sor popular entre os cristãos.
Também temos visto esta idéia sendo muito empregada pela chamada
teologia neopentecostal e em alguns movimentos existentes ocasionados
pela influência muito difundida, por exemplo, do Campus Crusadefor Christ
(Cruzada Universitária para Cristo) que tem um enorme impacto no cristi­
anismo americano.
Uma das razões muito atraentes a respeito dessa noção do homem ser
dividido em três partes, e não em duas, é que ela torna possível construir
uma visão de dois graus diferentes de cristãos: aqueles cristãos que são
nascidos do Espírito mas não têm o Espírito Santo habitando neles — o
batismo do Espírito Santo — e aqueles que são nascidos do Espírito Santo
e também têm a plenitude do Espírito que neles habita. Estes grupos evan­
gélicos, que colocam grande ênfase no batismo do Espírito Santo como
uma obra posterior da graça de Deus após a conversão, dirão, portanto, que
há três tipos de pessoas no mundo. Há aqueles que simplesmente não têm o
Espírito Santo; depois há pessoas que têm o Espírito Santo na conversão ou
novo nascimento, mas não receberam a segunda bênção, esta segunda habi­
tação ou plenitude do Espírito Santo; e, finalmente, há aqueles que têm o
Espírito pela conversão e em plenitude.
Se podemos falar a respeito de três tipos diferentes de pessoas, então é
conveniente ver um modelo disso no que se refere às três partes do homem.
Algumas vezes, vemos isto apresentado da seguinte maneira: aqueles cris­
tãos que não têm a plenitude do Espírito têm o Espírito Santo em suas al­
mas, mas não em seu espírito. A distinção, portanto, está nos compartimen­
tos dentro de nós nos quais o Espírito habita, e isso justifica a distinção dos
assim chamados cristãos carnais e dos cristãos cheios do Espírito Santo.
Creio que esse é um caso em que a teologia está ditando nossa compre­
ensão das Escrituras; temos uma posição teológica e tentamos construir
uma visão do homem que acomode essa posição teológica. Simplesmente
não creio que esta seja uma forma saudável de compreender a Bíblia. Há
vezes, realmente, em que a Bíblia nos fala de corpo, alma e espírito, mas ela
também fala sobre mente, entranhas e coração.
A mensagem ampla da Bíblia é de que temos um corpo físico e uma exis­
tência não física, às vezes denominada espírito e, às vezes, alma, e essa parte
não física consiste do nosso próprio ego completo — personalidade, emoções,
mente, espírito, vontade, etc. Deus nos criou com ambas as partes; ambas fo­
ram afetadas pela queda, e ambas serão redimidas pela graça e poder de Deus.

• O q u e significa ser justo o u reto?

Ser justo ou reto significa fazer aquilo que Deus deseja que façamos.
Retidão significa obedecer a lei de Deus. Jesus chama seu povo para um
padrão excessivamente alto de retidão.
Ele nos diz, em um dos mais terríveis textos do Novo Testamento, que
se nossa justiça não exceder a justiça dos escribas e dos fariseus, de manei­
ra nenhuma entraremos no reino de Deus. Alguns de nós escapam facil­
mente dizendo que temos a justiça de Cristo — e certamente esta excede a
justiça de escribas e fariseus, e isso é verdade. Mas não creio que fosse
sobre isso que Jesus estivesse falando na ocasião. Creio que ele estava fa­
lando sobre a retidão que devemos manifestar como pessoas regeneradas e
justificadas — sobre aquela conformidade com a imagem de Deus, e da
conformidade em imitação a Cristo. Essa evidência em nossas vidas é o
tipo de padrão de justiça que Jesus nos chama a possuir e praticar. Creio
que temos uma tendência de tomá-la trivial.
Certo dia, recebi uma carta de um homem que se queixava das pessoas
que dançavam, bebiam e fumavam e perguntava como estas pessoas podi­
am ser cristãs. Como se essas coisas tivessem qualquer relação fundamen­
tal com o reino de Deus. Certamente elas tocam em questões éticas, mas
são triviais. Esse era o grande erro do fariseus cuja retidão somos chamados
a exceder. Eles se especializavam em questões mínimas. Mediam a retidão
exclusivamente pelo comportamento exterior. Jesus os repreendeu porque
deixavam de lado as questões mais importantes da lei.
Obviamente, há assuntos maiores e menores que devemos considerar se
vamos buscar uma retidão autêntica. Por exemplo, Jesus elogiou os fariseus por
seus dízimos. Eles eram escrupulosos no dízimo. Pagavam seus dízimos até nos
mínimos detalhes, e hoje apenas 3% dos cristãos entregam o seu dízimo. Mas
até isto Jesus considerou uma questão menor. Ele disse que pelo menos eles
entregavam o dízimo, mas omitiam as questões mais sérias da justiça e da mi­
sericórdia. Creio que, fundamentalmente, a retidão ou justiça envolve o desa­
brochar do fruto do espírito de Cristo. Uma pessoa reta ou justa é alguém em
quem você pode confiar, que tem integridade, cujas palavras significam algu­
ma coisa e que não é desonesta. Essas coisas são espirituais, entretanto, nossa
tendência é julgar as pessoas por coisas mais evidentes e visíveis.

• Q u a n d o Jesus disse: "Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o


vosso Pai celeste", isso significa q u e p o d e m o s alcançar a per­
feição, e é isso q u e d ev eríam os fazer?

Há algumas coisas que precisamos entender sobre essa afirmação. Em


primeiro lugar, a palavra que foi traduzida como “perfeito” literalmente
significa “sejam completos.” Freqüentemente o Novo Testamento e o Anti­
go Testamento descrevem as pessoas como sendo justas e retas não no sen­
tido de que tenham alcançado completa perfeição moral, mas sim no senti­
do de que alcançaram um nível especial de maturidade em seu crescimento
em termos de integridade espiritual. Entretanto, nessa afirmação é certa­
mente legítimo traduzir o original usando a palavra perfeito em português.
Por exemplo: “Sejam completos como o vosso Pai celestial é completo.”
Agora, lembrem-se que o Pai celestial é perfeitamente completo. Portanto,
se vamos nos espelhar em Deus dessa maneira, devemos fazê-lo em sua
excelência moral e também em outros aspectos. De fato, a vocação básica
de uma pessoa nesse mundo é ser um reflexo do caráter de Deus. E isso que
significa ser criado à imagem de Deus. Muito antes do Sermão da Monta­
nha, Deus exigiu que o povo de Israel refletisse o seu caráter e lhes disse:
“Sede santos, porque eu sou santo”. Ele os separou para serem santos. Essa
é a palavra no Novo Testamento.
Agora, quanto à pergunta se podemos, de fato, atingir a perfeição moral
nesse mundo. Se Jesus nos diz para sermos perfeitos, a pressuposição é de
que ele não exigiria de nós algo que nos é impossível alcançar. Portanto, há
cristãos, muitos cristãos, que crêem que realmente é possível que uma pes­
soa alcance um estado de perfeição moral nessa vida. Essa posição é cha­
mada perfeccionismo, e as pessoas desenvolvem uma teologia segundo a
qual existe uma obra especial do Espírito Santo que lhes dá a vitória sobre
todo pecado ou sobre todo pecado intencional, o que os torna moralmente
perfeitos nesse mundo. A corrente principal do cristianismo, entretanto, re­
siste a essa doutrina do perfeccionismo especialmente porque vemos o
registro de grandes santos na história bíblica e na história da igreja que
confessaram o fato de que, até o dia de sua morte, lutaram com o pecado
persistente em suas vidas. O mais importante dos quais, sem dúvida, foi o
apóstolo Paulo que falou sobre sua luta persistente contra o pecado.
Pode uma pessoa ser perfeita? Teoricamente a resposta é sim. O Novo
Testamento nos diz que, com cada tentação, Deus nos dá um meio de esca­
par. Ele sempre nos dá graça suficiente para superar o pecado. Portanto, na
vida cristã, eu diria que o pecado é inevitável por causa da multidão de
oportunidades que temos para pecar. Mas, numa determinada situação, ele
não é nunca uma necessidade. Portanto, nesse sentido, poderíamos, teorica­
mente ser perfeitos, mas nenhum de nós o é.

• R o m a n o s diz: "...os que estão na carne não podem agradar a Deus"


(Rm 8.8). Isso significa q u e se u m nã o -c ristão realiza u m
ato justo isso n ã o agrada a Deus?

Paulo, aqui, está descrevendo todos aqueles que não são regenerados, e,
portanto, de uma perspectiva bíblica, qualquer que não é nascido do Espírito
de Deus está “na carne.” Você está inferindo que a passagem afirma que
aqueles que estão na carne não podem agradar a Deus. Isso significa que um
ato justo feito por qualquer pessoa que está na carne não agradaria a Deus? Se
ninguém que esteja na carne pode agradar a Deus, então, obviamente, uma
pessoa na carne não pode agradar a Deus em nenhuma circunstância. E se ela
faz uma ação justa? Essa pergunta representa o que eu chamaria de uma con­
dição contrária aos fatos. Seria como perguntar se um não crente seria rejeita­
do se ele tivesse fé. Se ele tivesse fé, não seria um não crente. Seria uma
condição impossível para um não crente, ser crente ao mesmo tempo.
O que estou mostrando é o seguinte: É possível que uma pessoa que não
é regenerada, que não foi vivificada pelo Espírito de Deus realmente apre­
sente uma justiça verdadeira? Há duas maneiras de abordarmos isso: De um
lado, o Novo Testamento descreve justiça e boas obras de maneira ampla
que considera tanto a ação externa quanto a motivação interna para a ação.
A Bíblia deixa claro que as pessoas que ainda estão na carne podem, e
realmente realizam atividades que, exteriormente, estão de acordo com a
lei de Deus. Há pessoas que não são cristãs e que não roubam, não matam e
mostram misericórdia.
Elas demonstram todos os tipos de comportamento virtuoso que os re­
formadores chamavam justiça civil — a justiça que presta uma obediência
externa à lei de Deus.
Mas o Novo Testamento tem uma posição mais restrita sobre aquilo que é
exigido de uma retidão autêntica. Por exemplo, o jovem rico pensou que
havia guardado os Dez Mandamentos desde a sua infância pois, na realidade,
não era culpado de assassinato, nem de roubo, nem de adultério. Ele disse a
Jesus: “Tudo isso tenho observado desde a minha juventude” (Lc 18.21).
Ao mesmo tempo a Bíblia diz: “Não há justo, nem um sequer, ...não há
quem faça o bem, não há nem um sequer” (Rm 3.10,12), porque a exigência
de justiça que Deus tem não é meramente de obediência externa, mas que a
motivação para a ação proceda de um coração que está genuinamente dese­
joso de agradar a Deus. Portanto, eu diria que uma pessoa na carne não
poderá nunca demonstrar uma justiça real se considerarmos seu comporta­
mento baseado fundamentalmente numa motivação apropriada.

• Se o Espírito S a n to h a b ita e m nós, p o r q u e n ã o p o d e m o s


viver vidas perfeitas?

Imagine que eu lhe diga que podemos viver vidas perfeitas. Isso pode
lhe parecer a coisa mais chocante que você já ouviu, porque uma das pou­
cas coisas que se pode conseguir que, tanto cristãos quanto não-cristãos,
concordem é que ninguém é perfeito!
O que o Novo Testamento ensina, no meu entender, é que, desde que o
Espírito Santo entre em minha vida, desde que eu seja habitado pelo Espíri­
to Santo, eu tenho, vivendo dentro de mim, o poder de obedecer a Deus. O
Espírito Santo me dá o poder de obedecer os mandamentos de Deus, e o
Novo Testamento diz que não há tentação que venha sobre mim que não
seja comum a todas as pessoas, e com a tentação Deus sempre provê o
escape. De fato, não creio que haja ninguém que viva uma vida perfeita.
Mas creio que a graça de Deus toma a perfeição uma possibilidade.
Eu diria que tenho oportunidade de pecar, literalmente, milhares de ve­
zes por dia. Toda vez que sou confrontado com uma oportunidade de pecar,
há uma batalha dentro de minha alma. A habitação do Espírito Santo me
inclina na direção da justiça e da obediência. Mas lembre-se que o Espírito
Santo está vivendo em mim, em R.C. Sproul; ele está habitando numa cria­
tura imperfeita, alguém que não foi totalmente purificado de suas más in­
clinações. Portanto, dadas as variadas oportunidades que tenho para pecar,
e sabendo que, em cada uma daquelas oportunidades, há uma batalha entre
aquilo que a Bíblia chama minha carne e o Espírito, de um ponto de vista
estatístico é virtualmente inevitável que vou pecar e ser bem menos que
perfeito. Se olhamos as tentações uma de cada vez, descobrimos que, em
cada circunstância particular, o poder foi realmente providenciado por Deus
para resistirmos àquela tentação. Essa é a razão pela qual nunca poderei me
colocar diante de Deus e dizer: “Deus, o senhor terá que me desculpar, o
diabo me fez cometer isso” ou “O Espírito Santo não foi suficientemente
poderoso dentro de mim para que eu resistisse a esse pecado”. Portanto,
embora eu creia que nem mesmo o apóstolo Paulo jamais tenha atingido a
perfeição em sua vida, isso não ocorreu por causa de qualquer falta de po­
der, ou habilidade, ou inclinação do Espírito que habita em nós.

• U m cristão p o d e ser p u r o n a q u il o q u e diz e faz?

Não quero ser evasivo ou perspicaz, estou sendo muito sério quando
pergunto: Quão puro é puro? Falamos sobre 99,44% de pureza no que diz
respeito a uma certa marca de sabão; falamos sobre vários graus de pureza
da prata, ouro e de outros metais preciosos. Quando falamos sobre pureza
num sentido moral e espiritual, eu diria que não é possível que um cristão
seja 100% puro em tudo o que faz e diz por uma razão: Quando Deus con­
sidera uma ação que fazemos ou uma palavra que dizemos, ele não conside­
ra simplesmente o exterior da ação; ele considera também os motivos. Os
motivos envolvem um exame das inclinações e disposições mais profun­
das de nossos corações. De uma perspectiva ideal e de absoluta pureza espi­
ritual, um motivo perfeito procederia de um coração que fosse 100% incli­
nado para Deus — um coração que amasse a Deus completamente de toda
sua inteireza, de toda a mente e de toda a alma. Nunca fiz uma ação em
minha vida durante a qual, no momento em que a realizei, estivesse aman­
do a Deus com todo o meu coração, com toda a minha alma e com toda a
minha mente.
Todas as ações que já fiz e todas as palavras que já falei foram sempre
manchadas por uma dose de imperfeição e de pecado pessoal.
Se usamos o termo puro indistintamente, ele se torna uma questão rela­
tiva. Creio que existe algum grau de interesse egoísta em tudo o que faze­
mos. Podemos pensar em pessoas que são espantosamente altruístas na su­
perfície, e eu diria que encontramos verdadeiro altruísmo no mundo. Mas
não creio que vejamos uma ação perfeita, ou um pensamento perfeito, ou
uma palavra perfeita até que sejamos tomados perfeitos interiormente. Eis
o ponto: Deus julga nossas ações não apenas externamente, mas ele também
está preocupado com o coração. Se tudo o que o preocupasse fossem as ações
exteriores, pelas quais ele realmente se interessa, veríamos pessoas que não
têm nenhum amor especial por Cristo, suplantando os cristãos em seus feitos
justos e em suas preocupações altruístas e compassivas. O quadro total envol­
ve a disposição interna do coração e é aí que todos nós falhamos.

• Jesus c h a m a os cristãos para se rem luz d o m u n d o e sal


da terra. O sr. poderia, p o r favor, n o s d a r a lg u m a s m a ­
neiras práticas de fazer isso?

Sal é o elemento que dá entusiasmo, paladar e sabor à vida. Creio que,


dentre todas as pessoas, principalmente os cristãos deveriam manifestar um
tipo de entusiasmo, de empolgação pela vida — uma paixão por viver; eles
deveriam ser companheiros agradáveis. Até os apóstolos nos dizem que nos­
sas palavras deveriam ser temperadas com sal. Naturalmente, isso não quer
dizer que deveríamos falar como um homem do mar, mas significa que deve
haver algum entusiasmo, alguma cor e vitalidade. Somos pessoas abençoadas
com uma nova vida, com vida abundante, com a própria vida de Cristo.
Creio que ser sal da terra é ser gente cuja companhia é estimulante,
gente que acrescenta à vida e não que retira dela. Digo isso porque freqüen­
temente somos percebidos como pessoas sem graça, rígidos, puritanos,
moralistas — todas as coisas que não somos chamados para ser. Devemos
ser sal para as pessoas — acrescentar sabor e entusiasmo. Não apenas sal,
mas luz. O sentido básico da luz nas Escrituras é o da iluminação que a
verdade de Deus traz. Aqueles que são cristãos são chamados para terem
uma paixão pela verdade.
Devíamos nos interessar pela verdade, e devíamos nos interessar por
aprender a maneira certa de fazer as coisas.
Freqüentemente, a igreja é vista como um eco da cultura. Deixamos que
o progresso fique nas mãos daqueles que estão fora da igreja. Creio que a
Bíblia chama a igreja para estar na linha de frente da vida; deveríamos estar
liderando a cultura ao invés de a seguirmos, e creio que é isso que significa
ser luz — luz para mostrar às pessoas o caminho para longe das trevas.
Quando vemos, por exemplo, a área das relações trabalhistas permeada de
hostilidade e luta, nós, como cristãos, deveríamos estar apresentando mo­
delos de relacionamentos na área de administração trabalhista nos quais
essa hostilidade fosse superada de alguma forma. É isso que significa ser
luz do mundo — mostrar ao mundo um caminho mais excelente.

• C o m o p o d e m o s estar n o m u n d o e n ã o ser d o m u n d o ? O
q u e significa "não ser d o m u n d o ? "

O Novo Testamento nos diz que não devemos nos conformar com esse mun­
do, mas devemos ser transformados pela renovação de nossa mente (Rm 12.2).
Vamos examinar estas palavras que são básicas nas Escrituras para essa
discussão, a diferença entre conformidade e transformação. O prefixo con-
significa “com”. Portanto, conformar-se com o mundo significa, literalmente,
estar com ele.
Essa é uma das mais fortes inclinações e tentações que nós, cristãos,
temos. Ninguém deseja estar fora dele, desejamos estar “com ele”. Deseja­
mos estar atualizados. Desejamos nos enquadrar. E, muitas vezes, somos
envolvidos pela pressão do grupo que espera que o imitemos e participe­
mos de todas as estruturas e estilos desse mundo. A Bíblia diz que não
devemos nos conformar com os padrões do mundo.
Agora, quando nós cristãos ouvimos isso, muitas vezes pensamos que
tudo que devemos fazer é demonstrarmos nosso não conformismo de forma
óbvia e visível. Portanto, se o mundo usa abotoaduras e gravata borboleta,
nós não usamos abotoaduras e gravata borboleta, ou se o mundo usa batom,
nós não usamos batom. Tentamos mostrar coisas nas quais somos diferen­
tes do mundo. Mas não é isso que a Bíblia está falando. Não é apenas uma
questão de ser diferente do mundo; devemos ir além da não conformidade
até a transformação. Isso combina com tudo o que as Escrituras nos dizem
sobre sermos sal e luz do mundo. Algo que é transformado é algo que é
mudado. O prefixo “t r a n s significa “acima e além.” Devemos estar aci­
ma e além dos padrões desse mundo, não no sentido de que devemos nos
elevar a um status arrogante acima de todos os outros, mas somos chama­
dos a um estilo mais excelente de vida.
Isso não significa que você se retira do mundo; esse mundo é o mundo
de meu Pai, e essa é a arena da redenção de Deus. A tendência foi sempre
fugir do mundo e esconder-se num cenáculo, mas o Espírito de Deus não
tolera isso. Ele envia o seu povo ao mundo. Lutero disse isso com as seguin­
tes palavras: “Existe um padrão normal no comportamento cristão. A pes­
soa que se converte do mundo, passa seus primeiros dias de cristão com a
tendência de retirar-se completamente dele, como Paulo, quando foi para a
Arábia, por exemplo, ou pode desejar ficar tão longe das manchas e da
poluição desse mundo que se torna monástico em seu pensamento — reti­
rando-se, abandonando por completo o mundo.”
Mas Lutero diz que um cristão não alcança maturidade até que entra
novamente no mundo e o abraça, não nos seus padrões mundanos e ímpios,
mas como o teatro, a arena da redenção de Deus. Foi isso que Jesus fez, ele
entrou no mundo para salvar o mundo. Esse mundo é o mundo que Deus se
comprometeu a renovar e redimir, e devemos participar disso com ele.

• C o m o p o d e m o s d e m o n s t r a r s a n tid a d e e m nossas vidas?

Fico contente de que você tenha usado a palavra “demonstrar.” Não quero
me alongar muito aqui, mas penso que muitas vezes estamos tão preocupados
com o grau de visibilidade de nossa piedade que começamos a usar formas
artificiais e externas para ter certeza de que as pessoas vêem nossa piedade.
Essa era uma das mais sérias pedras de tropeço dos fariseus, aqueles que
receberam as mais severas acusações de Jesus porque estavam constante­
mente envolvidos em exibições públicas de sua piedade. De fato, Jesus disse
que eles se degeneraram a tal ponto que as orações que faziam não eram
dirigidas a Deus, mas eram dirigidas aos ouvidos dos espectadores. Portanto,
Jesus disse: “E quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gos­
tam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos
dos homens. ...Tu, porém, quando orares entra no teu quarto” (Mt 6.5,6).
Os fariseus jejuavam e saiam com pelas ruas com a cara infeliz, aparen­
tando um sofrimento horrível, de modo que todos pudessem dizer: “Olhem
aqueles pobres fariseus — estão extenuados por causa de seu rigoroso je­
jum espiritual.” Jesus disse: “7w, porém, quando jejuares, unge a cabeça e
lava o rosto com o fim de não parecer aos homens que jejuas” (Mt 6.17,18).
Portanto, há um sentido no qual Jesus é contra a demonstração pública.
Entretanto, ao mesmo tempo, nosso Senhor nos diz para deixarmos
nossa luz brilhar diante dos homens. Embora não devamos fazer uma
exibição ostensiva de nossa espiritualidade ou de nossa piedade, deve­
mos fazer uma exposição visível de nossa integridade. As pessoas podem
ver como enfrentamos a crítica, como reagimos quando alguém passa na
nossa frente numa fila, como reagimos quando alguém quebra uma pro­
messa. Cumprimos as nossas promessas? Pagamos nossas contas em dia?
Estes são os tipos de coisa que são muito visíveis. Lutero expressou isso
com as seguintes palavras: “Cada cristão é chamado para ser Cristo para
o seu próximo.” Não que devamos ser crucificados por nosso próximo,
mas nossas vidas — nossa lealdade, nossa amizade, nossa bondade, nos­
sa integridade — devem demonstrar aos nossos amigos como Jesus é.
Essa é uma tremenda responsabilidade.

• C o m o p o d e m o s estar confiantes e m noss a fé, no s se n tir­


m o s e m p o l g a d o s c o m ela, gozar o n o ss o statu s de pov o
escolhido, se m n o s t o r n a r m o s orgulhosos?

É significativo que Paulo, em 1 Timóteo 3.6, nos advirta de que néofitos


não devessem ser colocados em posição de liderança na igreja. De fato, o
próprio conceito de presbiterato tem suas raízes no Antigo Testamento e
está ligado a um certo grau de maturidade que somente vem através do
tempo gasto em crescimento espiritual. Em nosso entusiasmo e juventude
espiritual temos a tendência de nos tomarmos enfatuados e nos apresentar­
mos àqueles que estão fora da comunidade da fé como arrogantes e intole­
rantes. Uma boa parte disso é atribuída a uma sensação normal de entusias­
mo que vem junto com a nova descoberta de Cristo.
O primeiro ano de minha vida cristã foi o ano mais empolgante de mi­
nha vida. Eu queria desesperadamente que todas as pessoas que eu conhe­
cia e amava, e que todas as pessoas que eu encontrava — inclusive os que
eram absolutamente estranhos — conhecessem a Cristo. Mas tenho certeza
de que, com o entusiasmo, havia também uma certa falta de sensibilidade,
porque eu não desejava simplesmente que as pessoas cressem, mas queria
que elas cressem agora mesmo, e me sentia como se eu tivesse sido indica­
do por Deus para certificar que tais pessoas tinham abraçado a fé agora
mesmo. Eu prendia as pessoas num canto e gastava um tempo com elas
quando isso realmente não era apropriado. De fato, houve ocasiões em que
fui realmente muito pouco delicado. E não posso culpar um entusiasmo
legítimo por isso.
Não há nada de errado em sermos zelosos por Cristo. Somos chamados
para sermos pessoas zelosas. Deveria haver paixão em nosso compromisso
cristão. Mas, novamente, esse zelo pode facilmente misturar-se com nosso
próprio orgulho, porque de alguma forma acreditamos que somos emissári­
os especiais de Deus para o mundo, que o mundo não será redimido a não
ser através de nossos esforços. Certamente, tanto o Antigo quanto o Novo
Testamentos, dão atenção ao poder destrutivo do orgulho na vida espiritual.
Somos advertidos em algumas das mais famosas afirmações que “a sober­
ba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda” (Pv 16.18). Somos
ensinados ainda que Deus dá graça ao humilde, mas resiste ao orgulhoso.
Devemos estar em estado de alerta o tempo todo a fim de que o orgulho não
destrua o crescimento espiritual que estamos desfrutando.

• Se r e a l m e n t e a m a m o s a Deus, p o r q u e i g n o r a m o s seus
m andam entos?

Se ignoramos seus mandamentos absoluta, total e completamente, isso


seria a prova mais clara de que não amamos a Deus. O próprio Jesus disse:
“Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14.15). Guardar os
mandamentos é uma manifestação de nosso amor a Deus, e a obediência é
algo que flui de um coração que está inclinado para Deus e abraça a Deus
em amor. Mas, tendo dito isso também temos de reconhecer que na vida do
maior santo, daquele cujo coração está palpitando de amor por Deus, ainda
há um grau de desobediência, de ignorância dos mandamentos de Deus.
Por quê? Simplesmente porque não estamos ainda completamente san­
tificados. Uma vez redimidos em Cristo, recebemos um novo princípio de
vida, o poder do Espírito Santo habitando em nós. Estamos começando a
ficar bons, mas todo esse trabalho de santificação é um processo gradual
que leva tempo e, até irmos para a glória, até irmos para o céu não atingi­
mos ou alcançamos Um completo estado de perfeição moral ou espiritual.
(Isso é o que a maioria dos cristãos crê; há aqueles que crêem que os cris­
tãos podem e, na realidade, alcançam a perfeição nesse mundo.)
Uma das maiores distorções da fé cristã em nossos dias (cada geração e
cada século tem o seu desvio particular do cristianismo clássico) é uma
visão seriamente defeituosa da santificação. Freqüentemente ouvimos essa
afirmação ou outras semelhantes: “Não doutrina, mas vida. Deus não está
preocupado com minha teologia, mas com meu comportamento.” Certa­
mente Deus se preocupa com o nosso comportamento. Mas o padrão emer­
gente que percebo é o da separação entre esses dois elementos de crença e
comportamento; eles são, muitas vezes, colocados um contra o outro, como
se a vida cristã não tivesse nada a ver com a compreensão cristã da verdade.
Essa é uma dicotomia falsa. No Novo Testamento, o Espírito Santo, que é
também chamado Espírito da Verdade, é o principal agente de nossa santi­
ficação. Uma das grandes razões pelas quais falhamos em obedecer a Deus
é porque somos ignorantes de seus mandamentos, não compreendemos o
que Deus revelou. Verdade e prática estão inseparavelmente relacionados
em nossa santificação.

• C o m o o cristão e n c o n t r a u m equilíbrio e n tr e estabelecer


objetivos e ser dirigido pelo Espírito de Deus?

Creio que a principal maneira de sermos dirigidos pelo Espírito, de que


o Novo Testamento fala, é o sermos dirigidos em santificação. Quando a
Bíblia fala em liderança do Espírito, está falando sobre o Espírito nos diri­
gindo em santidade. Agora, sei que no jargão cristão contemporâneo e nos
nossos padrões de linguagem, falamos sobre sermos dirigidos pelo Espírito
no sentido de se devemos virar para a esquerda ou para a direita no sinal de
trânsito, ou se moramos em São Paulo, Curitiba ou Recife. Estamos fre­
qüentemente buscando direção como se Deus ainda estivesse andando
por aí com uma coluna de nuvem ou com uma coluna de fogo para nos
dirigir a cada passo.
Houve ocasiões, na história da redenção, em que Deus dirigiu o seu
povo visivelmente através de sinais, maravilhas e coisas semelhantes. Sa­
bemos que, no livro de Atos, houve ocasiões em que o Espírito comunicou
diretamente sua vontade aos apóstolos para dirigi-los de uma nação para a
outra. Mas o principal meio pelo qual a vida cristã deve ser dirigida é pelo
Livro do Espírito. A “lâmpada para os nossos pés” é a lei de Deus. Em
outras palavras, devemos ser dirigidos pelos princípios que Deus revela para
o nosso comportamento. Alguns destes princípios implicam o sermos
planejadores e mordomos responsáveis de nosso futuro.
De um lado Jesus diz: “não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que
haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo quanto ao que haveis de ves­
tir” (Mt 6.25). Ao mesmo tempo, Jesus nos encoraja a colocar nossa confiança
no cuidado de Deus por nós no amanhã e a deixar nossas ansiedades para trás.
Com isto Jesus não ensina que não devemos estabelecer objetivos. Pelo contrá­
rio, em suas parábolas ele diz: “...qual de vós, pretendendo construir uma torre,
não se assenta primeiro para calcular a despesa e verificar se tem os meios
para concluir? ...Ou qual é o rei que, indo para combater outro rei, não se
assenta primeiro para calcular se com dez mil homens poderá enfrentar o que
vem contra ele com vinte mil ?” (Lc 14.28,31). Isso envolve um tipo de estabele­
cimento de objetivos através dos quais analisamos a situação. Avaliamos as van­
tagens e desvantagens do desenvolvimento de determinada ação e planejamos
de acordo com ela. Viver responsavelmente envolve o estabelecimento de
objetivos, objetivos que sejam coerentes com os princípios bíblicos. No meu
entendimento, o que o Espírito faz é primeiramente nos dirigir para viver e pros­
seguir para o alvo que Deus estabelece para as nossas vidas.
Paulo coloca isso da seguinte forma: “esquecendo-me das cousas que
para trás ficam, e avançando para as que diante de mim estão, prossigo
para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”
(Fp 3.13,14). Isto é falar em objetivos. Prosseguir para o alvo é prosseguir
em direção aos propósitos de Deus para nossa vida.

• O q u e a Bíblia q u e r dizer q u a n d o afirma q u e d e v e m o s


es p erar n o S e nh o r?

Muitas vezes pensamos que essa admoestação das Escrituras significa que
devemos adiar certas atividades até que recebamos alguma orientação definiti­
va ou um sinal concreto de Deus. A ordem para esperar no Senhor foi dada ao
povo de Deus numa ocasião particular da história — a Israel no Antigo Testa­
mento e à igreja no Novo Testamento. No Antigo Testamento, Deus prome­
te ir adiante de seu povo e eles não deveriam mudar o seu acampamento até
que o sinal fosse dado por Deus. Portanto, aquela ordem é para não se pre­
cipitar num empreendimento até que você saiba que Deus está nele.
No Novo Testamento, vemos a ordem de Jesus para a igreja esperar em
Jerusalém antes de sair para cumprir a grande comissão. Ele lhes diz para
esperar até que o Espírito Santo seja derramado sobre eles. Uma vez que o
Espírito Santo fosse derramado sobre a igreja, então ela teria sua ordem de
marcha e poderia sair. Portanto, temos situações históricas nas quais Deus
está claramente no comando, dando orientação direta e imediata ao seu povo.
Hoje, como cristãos do século XX, nossa orientação básica vem do en­
sino das Escrituras, e vivemos pelos princípios revelados nas Escrituras.
Creio que é muito importante pesquisar as Escrituras para ter certeza de
que o que estamos fazendo e o que pretendemos realizar atende os padrões
e princípios que Deus estabelece para nós nas Escrituras. E isso que penso
que esperar no Senhor significa — não esperar por algum sinal especial de
aprovação, nem sentar inativo. Mas ter certeza de que o que estamos fazen­
do atende os princípios bíblicos.

• A f ir m a p a ra a q u a l t r a b a l h o p a s s o u r e c e n t e m e n t e p o r
u m a r e u n i ã o d e avaliação para p l a n e j a m e n t o de l o n go
prazo, estabe le ce nd o objetivos para noss a firma. Ao fazer
isso, com ecei a revisar os objetivos q u e t e n h o para m i ­
n h a vida e m i n h a carreira e e sto u r e a l m e n t e l u t a n d o e
p e n s a n d o c o m o posso desenvolver e m m i n h a vida a q u e ­
les objetivos q u e a t e n d e m aquilo q u e Deus p lan e jo u para
m i m . C o m o p o s s o viv er m i n h a vid a de m a n e i r a q u e
m e l h o r o glorifique?

O princípio de estabelecer objetivos, estabelecer um alvo pelo qual lu­


tar, é uma coisa saudável e tem muitos antecedentes bíblicos.
Pessoas que vagueiam sem destino, sem um objetivo definido tendem a
se esforçar em vão e a serem levadas para diante e para trás por todo vento
de doutrina. Creio que o próprio princípio de estabelecer objetivos é um
objetivo santo. Mas precisamos qualificá-lo. Sem dúvida, Tiago nos diz que
não devemos afirmar com muita confiança que no próximo ano faremos
isso ou aquilo, mas que deveríamos dizer: “Deo volente”, “se Deus quiser”.
Como disse Paulo: “Eu planejei ir, eu tinha o objetivo de ir e visitá-los,
mas fui impedido pela providência. Foi impossível para mim ir visitá-los,
Deus tinha outros p l a n o s Mesmo o apóstolo Paulo nem sempre sabia quais
eram os planos de Deus para sua vida, e isso deve nos dizer alguma coisa.
Gastamos tanto tempo tentando descobrir o conselho secreto de Deus
quando, por todos os propósitos práticos, isso não é da nossa conta. Embora
haja ocasiões em que precisamos saber se certa coisa tem ou não tem a
aprovação de Deus, podemos exagerar nossa procura pelo conselho de Deus.
A primeira coisa que Deus deseja para minha vida é a minha santifica­
ção. Deus me chama para a obediência. Este é o meu objetivo. Agora, como
estabeleço objetivos para isso? Eu os estabeleço à luz dos princípios que
são colocados para mim nas Escrituras, de modo que, quando estou estabe­
lecendo objetivos para meu desenvolvimento espiritual ou da minha famí­
lia, quando os estou estabelecendo para minha vocação, o que devo pergun­
tar a mim mesmo é: “Estes objetivos estão de acordo com os princípios de
obediência que Deus já revelou em sua Palavra ?”
O que agrada a Deus não é um mistério tão grande assim: Ele nos deu
páginas e páginas de instrução sobre o que o agrada. E, portanto, o objetivo
fundamental de nossas vidas é sermos fiéis ao servi-lo. Há uma grande
amplitude nos inúmeros objetivos específicos que podemos alcançar — na
carreira, na família, nos passatempos — à medida que seguimos os alvos
para uma vida santa como estão estabelecidos nas Escrituras.

• Se a l g u é m q uise sse ler três livros cristãos d u r a n t e este


ano, quais o sr. rec o m en d a ria ?

Certa vez fiz um trabalho para uma revista cristã analisando toda a ques­
tão de publicações cristãs. Nesse ensaio, expressei a profunda preocupação
que tenho com o descaso que existe em nossos dias com os grandes trabalhos
dos clássicos do cristianismo. Parece que fomos pegos num problema
econômico no qual as pessoas desejam literatura simples que possam digerir
rapidamente; elas não parecem desejosas de meditar sobre um material mais
difícil. Por isso, muitos dos editores e livrarias cristãs desencorajam tanto a
publicação quanto a propaganda da grande literatura cristã do passado. Creio
que isso é uma vergonha para nós, e é também uma grande perda.
Se há alguém realmente pensando seriamente em ler três livros esse
ano, eu recomendaria algo como as Instituías de Calvino, Bondage ofthe
Will (Servidão da Vontade) de Martinho Lutero, talvez o trabalho de Ataná-
sio sobre a encarnação de Cristo, ou algo como a Cidade de Deus de Agos­
tinho, ou mesmo as Confissões de Santo Agostinho.
Há tantos professores nesse mundo e parece que não estamos nada preo­
cupados a respeito de quem escolhemos como nossos professores. Eu não
quero ser operado por qualquer médico. Quero ter certeza de que o meu médico
iüiU Q T EÇ A AUBREY ÇLARK
sabe sua medicina e está interessado em mim. Quando procuro por ensino ou
instrução teológica, quero estar certo de que aquele que está me ensinando
sabe a matéria e ama a Deus. Estas são as duas coisas que desejo encontrar
em meus professores. E terrível saber de certas pessoas cujos livros têm uma
saída meteórica e depois desaparecem da cena. Talvez eu seja muito tradici­
onal, mas gosto do material que passou pelo teste do tempo, e de gigantes da
fé como Agostinho, Atanásio e Tomás de Aquino, Calvino, Lutero e Edwards.
Estes são os autores cujos livros eu mais recomendaria.
No ensaio que fiz, disse que estaria perfeitamente disposto a ter todos os
meus livros queimados e enterrados — colocados no porão das livrarias —
se eles fossem substituídos pelos grandes mestres, porque sou apenas um
anão em pé no ombro dos gigantes, e tenho certeza de que Jim Packer e Jim
Boice e Charles Colson e Chuck Swindoll e outros homens cujos livros têm
sido largamente distribuídos entre os cristãos, fariam a mesma coisa. Eles
também alegremente desprezariam os seus livros se pudessem persuadir as
pessoas a estudarem os grandes mestres.

• Q u a l a m e l h o r fo rm a de pr o lo n g ar u m a vida cristã útil à


m e d i d a q u e e nvelheço?

Atrás dessa pergunta está o tormento das pessoas que alcançaram uma
certa idade na qual a sociedade lhes diz que não são mais capazes de contri­
buir de forma útil. Temos uma lei que determina que devemos nos aposen­
tar aos sessenta e cinco anos. Mas temos exceções — temos tido presiden­
tes da república mais velhos do que isso. De certa forma, nossa sociedade
se centraliza nos jovens e parece, na melhor da hipóteses, tratar com con­
descendência os cidadãos mais velhos.
Sabemos que com a idade chegam certas enfermidades e que há ocasi­
ões em que as pessoas não podem mais exercer as tarefas que estavam acos­
tumadas a realizar quando eram mais moças. Isso não significa que sua
utilidade no reino de Deus tenha chegado ao fim. Na Bíblia existe uma
ênfase em se dar honra aos mais velhos porque eles merecem essa honra. Fico
muito comovido com isso. Dificilmente posso ver uma pessoa com cabelos
grisalhos sem ter um enorme sentimento de respeito por ela, se não por outra
razão, ao menos pelo fato de que essas pessoas perseveraram e sobreviveram.
Talvez nem sejam cristãs, mas de alguma forma lutaram pela vida. Vi um
homem assim outro dia e pensei: “Imagino quantas vezes ele foi ao dentista?
Imagino quantas vezes ele esteve debaixo do bisturi de um cirurgião ? Imagi­
no quantas tragédias ele testemunhou e experimentou em sua família e em
sua vida? Entretanto, ele ainda está sendo útil em nossa sociedade”.
Quando estava lecionando numa faculdade, havia um homem na cidade
que era missionário aposentado. Ele havia permanecido no campo missio­
nário por cinqüenta anos. Isso é um longo tempo. Durante cinqüenta anos
ele havia se entregado de corpo e alma. Passou cinco anos num campo de
prisioneiros, longe de sua esposa que estava encarcerada num campo dife­
rente. E, finalmente, quando não era mais capaz de servir no campo missi­
onário, ele se aposentou, por assim dizer. O que ele fez, até o dia de sua
morte, foi levantar-se todas as manhãs e passar oito horas por dia em ora­
ção. Seu corpo funcionava com dificuldade, mas ele dizia: “Eu ainda posso
pensar, eu ainda posso falar, eu ainda posso orar.” Portanto, ele se devotou
a um ministério de oração — oito horas por dia. Isso era tão importante que
nós, que vivíamos naquela cidade, não conhecíamos nenhum privilégio maior
do que saber que aquele homem orava por nós — porque ele sabia como
orar, ele era um autêntico guerreiro da oração. Eu lhe faço a pergunta: Seu
ministério era útil? Talvez os anos mais úteis de sua vida tenham sido os
últimos anos, quando ele se tomou um guerreiro da oração.
Creio que a chave para permanecermos úteis à medida que envelhece­
mos é nos concentrarmos, não naquilo que não mais podemos fazer, mas
naquilo que ainda podemos fazer. Nunca saberemos se Deus reservou al­
guns de seus melhores dons e habilidades para você até os seus últimos
anos. Algumas pessoas gastam a maior parte de suas vidas aprendendo e
acumulando sabedoria e durante os seus últimos anos têm a oportunidade
de compilar e ensinar lições de vida, quer através do próprio magistério,
quer através de escritos e conferências. Algumas das pessoas mais apropri­
adas para gastar tempo ouvindo e amando outras pessoas são aquelas que
não estão mais sobrecarregadas com carreiras ou criando famílias. Na ma­
ravilhosa economia de Deus há sempre trabalho para fazer e amor para dar.
Mas, às vezes, esse trabalho e esse amor não são reconhecidos pela visão
distorcida da sociedade.
C O M P R E E N D E N D O SATANÁS

“Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário,


anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém
para devorar; resisti-lhe firm es na fé, certos de que sofrimentos
iguais aos vossos estão se cumprindo na vossa irmandade
espalhada pelo mundo.”
— 1 P e d r o 5 .8 ,9

Perguntas dessa seção:

• Em Isaías 45.7, Deus diz: “Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e
crio o m a r. Por que ele criou Lúcifer?
• A Bíblia diz que todo poder é dado por Deus. Como então podemos expli­
car o poder que Satanás e homens como Hitler tiveram no passado?
• Satanás recebeu o poder de domínio sobre a terra até a volta de Jesus?
• À luz da soberania de Deus, qual deveria ser a atitude ou resposta do
cristão quando ele ou ela está sujeito aos ataques de Satanás?
• O diabo pode ler a minha mente?
• Por que falamos de Satanás em termos tão cômicos como um homem
vestido numa roupa vermelha com um forcado na mão quando, na reali­
dade, ele é o inimigo de nossas almas?

• Em Isaías 45.7, Deus diz: "Eu form o a luz t crio as trevas; faço a
paz e crio o mal". Por q u e ele criou Lúcifer?

Deixem-me primeiro comentar o texto. Esse é um dos textos mais mal


compreendidos da Bíblia. Parte do problema está no inglês elizabetano
encontrado na versão antiga King James. A outra parte do problema está na
tradução do hebraico. O hebraico tem cerca de sete palavras distintas que
podem ser traduzidas pela palavra mal em português. Há muitos tipos dife­
rentes de mal. Existe um mal moral. Há o que poderíamos chamar mal
metafísico — a finitude, por exemplo. Sempre que a Bíblia fala em Deus
trazendo mal sobre seu povo, é mal do ponto de vista do povo. Quando o fogo
caiu sobre Sodoma e Gomorra, o povo não viu isso como uma coisa boa. Foi
uma notícia má. Mas, em última análise, foi bom porque foi uma expressão
do julgamento de Deus sobre a iniqüidade deles. Foi uma punição realizada
pela mão de Deus sobre o mal. Isso não significa que Deus fez alguma coisa
errada, ou alguma coisa moralmente má visitando-os com julgamento.
Além disso, o texto de Isaías é escrito numa forma poética. Ele usa
paralelismo, o padrão de poesia comum no judaísmo do Antigo Testamen­
to. Existem tipos diferentes de paralelismo.
Um exemplo ocorre na Oração Dominical, quando Jesus diz: “não nos
deixes cair em tentação; mas livra-nos do m ar.
Esses dois pensamentos são paralelos e basicamente sinônimos; estão
dizendo a mesma coisa, apenas com palavras diferentes. Encontramos es­
ses paralelismos com freqüência nos Salmos.
Em Isaías 45, por exemplo, temos duas afirmações próximas uma da ou­
tra, que são um paralelismo antitético. O primeiro versículo diz: “Eu formo a
luz e crio as trevas” (Is 45.7). Luz e trevas são opostos, são contrastes, são
uma antítese um do outro. Por isso é chamado de paralelismo antitético.
A afirmação seguinte tem o mesmo tipo de antítese, mas como está
formulada? faço a paz e crio o mal”. Não parece certo, porque em nosso
vocabulário, paz e mal não são antônimos. Enquanto luz e trevas são opos­
tos, estes dois não são. O que o texto está dizendo é que, da mesma forma
que Deus derrama boas coisas sobre esse mundo, ele também traz calami­
dades em seu julgamento. O texto não está falando sobre criação original.
Infelizmente essa linguagem persiste nessa tradução.
Agora, por que ele criou Lúcifer? Eu não sei, mas Lúcifer não foi criado
mau. Devemos nos lembrar que Lúcifer foi criado como um anjo — que
posteriormente se rebelou contra o céu.

• A Bíblia diz q u e t o d o p o d e r é d a d o p o r Deus. C o m o e n ­


t ã o p o d e m o s ex p li ca r o p o d e r q u e S a t a n á s e h o m e n s
c o m o Hitler tiv eram n o pa ssado?

Deus está dizendo não apenas que ele é onipotente, todo poderoso em si e
por si mesmo, mas também que ele é a fonte de todo poder e de toda autorida­
de nesse mundo. Portanto, o próprio diabo é subordinado e dependente de
Deus para qualquer poder e autoridade que ele exerça nesse mundo.
A pergunta que você está levantando não é diferente da pergunta que o pro­
feta Habacuque fez enquanto permanecia em sua torre de vigia e se queixava
contra Deus porque ele estava vendo uma nação estrangeira, conhecida por sua
inexprimível crueldade, atacar e matar o povo judeu — o próprio povo de Deus.
Habacuque lembrou a Deus que ele era tão puro que não podia nem mesmo
contemplar a iniqüidade. Como podia Deus permitir que esse poder estrangeiro,
esse poder perverso fosse usado dessa maneira? Basicamente Deus respondeu o
seguinte: “ Espera um pouco, não usei essa nação inimiga como instrumento
para punir Israel, porque Israel é mais perverso do que essa outra nação. Estou
apenas fazendo uso dela para castigar meu próprio povo que tão abundantemen­
te o merece. Mas essa outra nação também terá o seu castigo.” Eis porque deve­
mos ser muito cuidadosos ao falarmos que Deus está sempre do nosso lado. Ele
pode levantar a China para punir o nosso país como um instrumento de julga­
mento contra nós — porque todo poder está em suas mãos.
Quando eu estava estudando na Europa na década de sessenta, embora estivés­
semos vinte anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, as livrarias em
Amsterdã estavam cheias de literatura sobre a Segunda Guerra Mundial. As me­
mórias ainda eram muito vívidas e agudas para esses povos que sofreram muito
mais do que nós sofremos naquela ocasião. Lembro-me de ter lido um livro que era
o resultado de uma divulgação de documentos secretos de arquivos e que se
intitulava Hitler, the Scourge ofEurope (Hitler, o Flagelo da Europa), no qual
documentos particulares de Hitler foram fotocopiados e impressos. Um deles era
uma inscrição antiga do seu diário que estava rabiscado com a letra do próprio
Hitler: “Esta noite fiz uma aliança com Satanás.” Ele não estava brincando. Houve
um esforço sério de Adolf Hitler para garantir a participação ou assistência do
príncipe das trevas nos programas que ele estabeleceu. Obviamente, tudo isso acon­
teceu debaixo da soberania de Deus. Deus teve suas razões para permitir que aqui­
lo acontecesse em determinada ocasião, mas certamente ele reserva aquele mo­
mento no qual seu julgamento poderoso cairá sobre Satanás e sobre pessoas como
Hitler, e o poder de Deus será finalmente demonstrado.

• Satanás recebeu o p o d e r de d o m í n i o sobre a terra até a


volta de Jesus? Em caso afirmativo, p o r q u e lhe foi d ada
essa a u t o r i d a d e ?

Há apenas um supremo Senhor sobre todo o mundo, e esse é Deus. O


Antigo Testamento nos diz que esse conceito global de domínio foi com­
partilhado com Adão e Eva. Ao ser humano foi dado o domínio sobre a
terra para ser o viee-regente de Deus, isto é, vice-rei para representar o
reinado de Deus sobre esse planeta. De fato, fizemos uma terrível confusão
com tudo isso, e fomos mais e mais subjugados ao poder de Satanás. Esse
poder de Satanás, foi enfrentado não apenas com um golpe significativo,
mas com um golpe fatal por Cristo em sua encarnação.
Somos ensinados, antes de tudo, que Deus, o Pai, dá a Jesus toda autori­
dade no céu e na terra. Em sua ascensão, Cristo está assentado à mão direita
de Deus onde ele é coroado Rei dos reis e Senhor dos senhores. Esse foi um
golpe tremendo sobre todos os poderes mundanos ou satânicos, principa­
dos e iniqüidade espiritual nos lugares altos. Portanto, se você me pergunta
quem está no domínio desse mundo agora, creio que o Novo Testamento é
perfeitamente claro sobre isso. Aquele que está com o domínio é o Senhor.
O Senhor Deus onipotente reina e Cristo o Senhor reina sobre esse mundo
agora. Seu reino pode não ser desse mundo, mas certamente inclui esse
mundo, e Jesus tem toda autoridade sobre o céu e a terra.
Nesse exato momento, enquanto discuto essa pergunta, a autoridade e o
poder de Satanás são limitados e subordinados à autoridade que é investida
em Cristo. Exatamente agora Cristo é o Rei dessa terra.
Seu reino é invisível e nem todos o reconhecem. As pessoas estão se
submetendo cada vez mais e dando maior obediência ao príncipe das trevas
do que ao Príncipe da Paz, mas isso é um ato de usurpação de Satanás. Seu
poder é restrito, limitado e temporal. Resumidamente, o que aconteceu foi
o seguinte: O poder e a autoridade de Satanás sofreram um golpe fatal de
Cristo. A cruz, a encarnação, a ressurreição e a ascensão enfraqueceram
tremendamente qualquer poder ou autoridade que Satanás gozasse, mas não
o aniquilou. Isso virá depois, quando Cristo completar sua obra de redenção
com a consumação de seu reino. Todas as coisas serão trazidas em cativeiro
a ele, e todo joelho se dobrará diante dele, inclusive os anjos caídos que se
curvarão em submissão à sua autoridade.

• A luz da soberania de Deus, q u a l deveria ser a a ti t u d e ou


rep osta de u m cristão q u a n d o este estiver sujeito aos a t a ­
q u e s de Sataná s?

Uma das dificuldades que o cristão tem, é reconhecer uma investida de


Satanás quando ela acontece. Lembre-se que Satanás é um ser angélico, é
um ser espiritual e é invisível. Nem sempre é fácil discernir a presença do
inimigo, embora o Novo Testamento nos advirta de que a luta na qual esta-
mos envolvidos não é contra carne ou sangue, mas contra os principados e
potestades e contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais, inclu­
indo ataques de fontes satânicas.
Martinho Lutero sentiu o ataque furioso de Satanás a tal ponto em
certas ocasiões de sua vida que ele era quase tangível. Pelo menos numa
ocasião, ele agarrou seu tinteiro e o atirou do outro lado do quarto, supos­
tamente contra Satanás. Ele não podia realmente ver a presença de Sata­
nás, mas tinha certeza de que estava experimentando a opressão e o ata­
que desenfreado do príncipe das trevas, o inimigo mortal de todos os
cristãos. Portanto, um dos grandes problemas, sem dúvida, é saber quan­
do isso está acontecendo.
A Bíblia nos adverte de que Satanás se disfarça como um anjo de luz;
isto é, ele se manifesta sob os auspícios do bem. Satanás não sai por aí
parecendo uma pessoa caricata, grotesca, vestido numa roupa de flanela
vermelha com chifres e um forcado, ao contrário, ele é muito mais sedutor
e inteligente do que isso, aparecendo, como as Escrituras nos dizem, como
um anjo de luz para enganar, se possível, até os eleitos de Deus. Portanto,
devemos estar atentos para as sutilezas daquele que é o príncipe das trevas
e o príncipe da falsidade.
Satanás é descrito como o acusador, o mentiroso e o tentador. Nós o
vemos mentindo, distorcendo a verdade, nós o vemos envolvido na tenta­
ção e acusando os santos.
Na época atual, o Espírito Santo nos convence do pecado de modo
que nós o reconheçamos e nos arrependamos dele. Se estamos perturba­
dos a respeito de algum pecado, pode ser o Espírito Santo trabalhando
em nós, ou pode ser Satanás nos acusando. Como reconhecer a diferen­
ça? Basicamente sabemos que há algo doce e positivo na convicção do
Espírito Santo. O objetivo do Espírito é nos trazer à razão. Ele nos toma
humildes, ele nos leva a um coração contrito, mas ele não nos aniquila.
Satanás tenta nos levar ao desespero. Nossa desesperança e destruição
são os seus objetivos, e um dos primeiros métodos que ele usa para con­
seguir tais objetivos é a acusação. As Escrituras nos dizem, em 1 Pedro
5.8, que Satanás anda ao redor como um leão rugindo procurando devo­
rar quem ele deseja. Entretanto, outra imagem que temos é a de Satanás
fugindo com o rabo entre as pemas quando as Escrituras nos dizem que
se nós resistirmos, ele fugirá de nós. Aqui precisamos da armadura de
Deus, a Palavra de Deus e a aplicação dessa Palavra através do poder do
Espírito, e temos a promessa de que Satanás fugirá.
• O diabo p o d e ler a m i n h a m e n t e ?

Não consigo ter certeza de maneira nenhuma, mas também não tenho
um conhecimento exaustivo dos poderes de Satanás. Sei que Satanás tem
mais poder do que poderíamos normalmente encontrar entre os seres huma­
nos. Ao mesmo tempo, sei que Satanás não é divino; ele não é Deus e não
tem atributos nem poderes divinos. Ele é uma criatura com as limitações
que são normalmente encontradas nas criaturas. Ele é um anjo.
A Bíblia não nos dá uma lista completa dos poderes dos anjos. Ele são mais
poderosos que as pessoas, mas muito menos poderosos do que Deus. Obviamente,
Deus pode ler nossas mentes. Deus é onisciente. Ele conhece seus pensamentos.
Ele conhece seus pensamentos assim que você os pensa — “Ainda a palavra me
não chegou à língua, e tu, SENHOR, já a conheces toda” (SI 139.4). A tendência
dos cristãos é pensar que desde que Deus é um ser sobrenatural e pode ler nossas
mentes, então Satanás, que também é um ser sobrenatural também deve ser capaz
de ler as mentes. Mas os poderes de Satanás não são iguais aos de Deus.
Uma pergunta semelhante seria: Satanás pode estar em mais de um lugar ao
mesmo tempo? Eu estou inclinado a dizer que não. Duvido que durante a minha
vida eu tenha que me preocupar a respeito de Satanás ler a minha mente, porque,
provavelmente, nunca o encontrarei. Ele só pode estar em um lugar de cada vez.
Ele é uma criatura, e criaturas, por definição, são limitadas em tempo e espaço.
Portanto, Satanás não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Ele tem
todos os seus pequenos assistentes juniores e pode mandar um deles para me
atormentar, e para tentar você e acusá-lo, mas terá que economizar seu tempo e
energia para pessoas de maior influência do que eu.
Satanás centralizou seus ataques em Jesus no Novo Testamento. Durante a tenta­
ção de Cristo, ele falou com Jesus. Ele sabia o que Jesus estava pensando por causa
daquilo que Jesus disse. Mas além disso, não vejo nenhuma razão para crer que ele
possa ler sua mente ou a minha. Isso pode não ser necessariamente um poder divino.
Ele pode ser capaz de fazê-lo, mas não tenho nenhuma razão para crer que ele possa.

• Por q u e r e p r e s e n t a m o s Satanás de m o d o tão c ô m ico c o m o


u m h o m e m v estido n u m a r o u p a v e r m e lh a c o m u m forca­
do quan d o, na realidade, ele é o inimigo de nossas almas?

Obviamente, mesmo uma leitura rápida das Escrituras indica que essa
visão de Satanás é estranha à Bíblia. A Bíblia de forma nenhuma apresenta
Satanás em trajes cômicos, mas ao contrário, o descreve como alguém que
se apresenta mascarado como um anjo de luz. Não existe nada de leviano
nem de tolo a seu respeito. Sob o disfarce de bondade, ele simula a bondade
e pode seduzir as pessoas não apenas por sua esperteza mas também por sua
aparente beleza.
Penso que a última forma na qual poderíamos esperar que Satanás se
apresentasse seria numa roupa vermelha de lã, que causa coceira, com cas­
cos enluvados e chifres, um rabo e um forcado. De onde surgiu essa descri­
ção e porque temos essa imagem de Satanás com uma aparência tão tola?
Na Idade Média o povo de Deus era muito preocupado com a influência de
Satanás em suas vidas. Eles eram fervorosos em sua tentativa de preservar
suas almas de seu arquiinimigo, que tentaria destruí-los. A igreja tratou,
com grandes detalhes, de ritos e rituais de exorcismo contra espíritos ma­
lignos. Eles invocavam certos anjos, como São Miguel para proteger as
pessoas dos ataques de Satanás. Também formularam a idéia de que o pon­
to mais vulnerável de Satanás, o ponto que causou sua queda do céu para
começar, era o seu orgulho.
A Bíblia dá imagens diferentes de Satanás. Ela diz que ele anda como
leão que ruge, procurando devorar aqueles a quem ele deseja. Jesus disse a
Simão: “Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo” (Lc 22.31).
Recebemos essa imagem de um poder esmagador de Satanás. Entretanto, a
outra imagem sobre a qual as Escrituras nos falam é de: “resisti ao diabo e
ele fugirá de vós” (Tg 4.7). Portanto, em minha imaginação, eu o vejo como
esse leão rugindo, que rosna ferozmente, mas quando você resiste a ele, ele
foge com o rabo entre as pernas.
A igreja pensou que a melhor maneira de se ver livre dos ataques de
Satanás era ridicularizá-lo, insultar seu orgulho. Formularam, então, essas
caricaturas ridículas para conseguir isso. O que aconteceu foi que a geração
seguinte viu as caricaturas e os cartazes grotescos e disseram que nossos
pais realmente criam que o diabo era daquele jeito. Sem dúvida isso não era
verdade — eles sabiam muito bem que o diabo não era assim — mas nós
recebemos a tradição sem a explicação.
CÉU E INFERNO

“A cidade não precisa nem do sol, nem da lua para


lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou...
As nações andarão mediante a sua luz, e os reis da terra lhe
trazem a sua glória. Nela, nunca jam ais penetrará cousa
alguma contaminada, nem o que pratica abominação
e mentira, mas somente os inscritos
no livro da vida do Cordeiro.”
— A p o c a l i p s e 2 1 .2 3 ,2 4 ,2 7

Perguntas dessa seção:

• Os santos do Antigo Testamento tinham certeza de uma vida pessoal de­


pois da morte?
• Os judeus crentes do Antigo Testamento foram para o céu, ou havia uma
“sala de espera” para eles até a morte e ressurreição de Jesus?
• A Bíblia nos diz como será o céu?
• Se o céu é o destino último para o cristão, por que a Bíblia apresenta tão
pouca descrição a seu respeito?
• Existem graduações no céu pelas quais, como resultado de uma vida de
boas obras, um cristão tem uma posição mais alta ou uma qualidade de
vida melhor do que alguém que escapa por um fio no último suspiro?
• Nós nos reconheceremos uns aos outros no céu?
• O que acontece aos animais quando eles morrem?
• Uma pessoa que comete suicídio poderá entrar no céu?
• Quando uma pessoa morre, para onde vão seu espírito e seu corpo até a
Segunda Vinda?
• O que acontece com as crianças que morrem antes de poderem aceitar o
evangelho?
• O que dizer dos milhões de bebês abortados a cada ano no mundo, onde
eles passarão a eternidade?
• O rei Saul foi a uma feiticeira que invocou o espírito de Samuel. Isso
significa que as pessoas hoje também podem invocar o espírito de seus
mortos, ou esse episódio foi um ato único de Deus?
• Como o sr. explica as experiências fora do corpo, de algo semelhante a um
túnel que muitas pessoas afirmam ter tido antes de serem reanimadas?
• Qual a primeira coisa que o sr. gostaria de saber quando chegar ao céu?
• Aqueles que nunca ouviram falar de Cristo vão para o inferno?
• Como seria a sua descrição pessoal do inferno, e, do lado oposto, como
seria a do céu?

• Os sa n to s d o Antigo T esta m e nto t i n h a m certeza de u m a


vida pessoal depois da m o r te ?

Algumas formas de judaísmo contemporâneo não incluem uma crença


na vida depois da morte. Sabemos que na época de Jesus havia um grande
debate sobre esse assunto entre dois partidos da nação judaica, os fariseus e
os saduceus. Poderíamos pensar que aqueles que eram líderes em Israel
deveriam concordar a respeito de um ponto como esse se ele tivesse sido
explicado com clareza absoluta no Antigo Testamento.
Certamente, um dos debates entre esses dois partidos era sobre o que
constituía o Antigo Testamento. Seria ele formado apenas dos cinco pri­
meiros livros de Moisés ou incluiria tudo aquilo que os cristãos hoje con­
sideram ser o Antigo Testamento — os Profetas e os Livros Poéticos (Jó,
Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos - N.T.).
O conceito de vida após a morte no Antigo Testamento (indicado fre­
qüentemente pelas referências ao Sheol) é um tanto vago e indeciso; a morte
é descrita como um lugar além do túmulo para onde vão as pessoas boas e
más. A clareza com que o Novo Testamento proclama a vida depois da morte
não é encontrada com a mesma dimensão no Antigo Testamento. Creio que o
conceito está lá, e se você estudar os Profetas Maiores, particularmente Isaías,
verá que o ensino sobre a vida depois da morte está claramente apresentado
no Antigo Testamento. Entretanto, estou olhando o Antigo Testamento com o
benefício da informação que recebo através do Novo Testamento.
Sem dúvida houve um grande número de pessoas que leram o mesmo
Antigo Testamento e não viram as referências à vida depois da morte com
tanta clareza. Durante a luta de Jó com seus sofrimentos terrenos, ele per­
guntou: “Morrendo o homem, porventura tornará a viver?” (Jó 14.14). Ve-
mos, mais tarde, que Jó diz numa nota de triunfo e como expressão de con­
fiança e fé: “Porque eu sei que meu Redentor vive e por fim se levantará
sobre a terra... os meus olhos o verão” (Jó 19.25). Os cristãos têm se lem­
brado disso e dito: Bem, se Jó é tão confiante de que um redentor o livrará
em algum futuro distante, então, obviamente isso é uma expressão muito
antiga de confiança na vida depois da morte. Mas a palavra em Jó que foi
traduzida como “redentor” na realidade significa “justificador ou defen­
sor.” Jó está dizendo simplesmente que ele está certo de que sua inocência
será demonstrada. Agora, se na mente de Jó isso incluía ou não uma justifi­
cação final no céu, é novamente uma questão sujeita a debates.
Entretanto, a confiança de Davi em sua futura reunião com a criança
que morreu é uma indicação clara de sua confiança numa vida depois da
morte. A realidade de uma vida futura após a morte não era desconhecida
entre os santos do Antigo Testamento. Simplesmente isso não estava tão
claro como está no Novo Testamento.

• Os j u d e u s c re n te s d o Ant igo T e s t a m e n t o f o r a m p a ra o
céu, o u havia u m a "sala de espera" para eles até a m o r t e
e ressurreição de Jesus?

De um lado, o ensino do Antigo Testamento sobre vida depois da morte é


um tanto vago. Ouvimos o uso da palavra Sheol, que parece incorporar tanto
os elementos negativos quanto os positivos da vida depois da morte. Sem
dúvida encontramos referências mais claras ao céu no Novo Testamento, mas
muitas passagens do Antigo Testamento, inclusive alguns Salmos de Davi e
partes do livro de Isaías chamam atenção para a realidade do céu.
As pessoas fiéis daquele tempo foram para o céu, ou para uma sala de
espera? A Igreja Católica Romana tem uma doutrina do limbo, da qual já
ouvimos falar, especialmente no que diz respeito às crianças. O conceito
mais amplo, inclui o “limbo dos pais” — um lugar para onde as pessoas do
Antigo Testamento que morriam na fé, tinham que ir e esperar até que Cris­
to completasse sua obra de redenção na cruz.
Há uma ligação entre essa posição, que é aceita em muitos círculos, e a
referência enigmática dos escritos de Pedro sobre o que aconteceu a Jesus
após a sua morte — que ele foi e pregou aos espíritos em prisão (IPe 3.19).
Algumas pessoas interpretam “espíritos em prisão” como sendo santos do
Antigo Testamento que estavam sendo mantidos cativos até que a obra de
Redenção de Cristo fosse completada. Jesus os libertou para entrarem no para­
íso com ele. Jesus era o “primogênito dos mortos”; ele foi primeiro ao lugar dos
mortos e conduziu os cativos levando-os para o seu futuro estado de glória.
Estou inclinado a pensar que os santos do Antigo Testamento tiveram
acesso imediato ao paraíso porque o próprio céu é chamado de “seio de
Abraão” no Novo Testamento. Não seria um termo descritivo próprio para
o céu se esse fosse um lugar do qual Abraão está ausente.
Também, baseado na teologia de nossa doutrina da redenção, creio que
Paulo ensina em Romanos 3 e 4 que a salvação ocorre exatamente da mes­
ma forma tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos — pela fé. A única
diferença é que, no Antigo Testamento a fé era numa promessa futura que
ainda não tinha sido cumprida. O povo creu, e quando creram foram justifi­
cados e considerados dignos de estarem na presença de Deus. No Novo
Testamento olhamos para trás, para uma obra já realizada. Sabemos que os
sacrifícios do Antigo Testamento não tinham nenhuma eficácia em si mes­
mos; representavam a futura obra de Jesus que finalmente pagou por todos
os pecados. Uma vez que a salvação vem a nós na base dos méritos de
Cristo, não vejo nada que pudesse impedir Deus de abrir os portões do céu
antes da cruz, embora ele o faça à luz da cruz.

• A Bíblia n o s diz c o m o será o céu?

Quando eu estava no seminário, estudei com um professor extrema­


mente competente e estava convencido, na ocasião, de que ele sabia a res­
posta para todas as possíveis perguntas teológicas. Lembro-me de que eu
estava tão maravilhado com ele que certo dia lhe perguntei, com brilho nos
olhos: “Como é o céu?” Fiz a pergunta como se ele tivesse estado lá e pu­
desse me dar uma descrição em primeira mão! Imediatamente ele dirigiu
meus passos para os dois últimos capítulos do Novo Testamento, Apocalip­
se 21 e 22, no qual temos uma imagem visual extensa de como é o céu.
Alguns descartam estes capítulos como sendo puro simbolismo, mas deve­
mos nos lembrar que os símbolos, no Novo Testamento, apontam para além
de si mesmos para uma realidade mais profunda e melhor do que a que eles
descrevem. E aqui que lemos sobre as ruas de ouro e os grandes tesouros de
jóias que adornam a Nova Jerusalém que desce do céu.
Na descrição da Nova Jerusalém ouvimos que não há sol, nem lua, nem
estrelas, porque a luz que irradia da presença de Deus e do seu Ungido é
suficiente para iluminar tudo pela fulgurância de sua glória. Sabemos que
não existe morte, não existe dor e Deus enxuga as lágrimas de seu povo.
Lembro-me de ter tido, durante a minha infância, aquela experiência
delicada (pouco acessível aos adultos) na qual, quando eu arranhava meu
joelho ou alguma coisa não corria bem, e eu entrava chorando em casa,
minha mãe se inclinava e enxugava as lágrimas dos meus olhos. Eu sentia
um grande consolo com aquilo. Mas, sem dúvida, quando minha mãe enxu­
gava minhas lágrimas, sempre havia possibilidade de eu chorar outra vez
no dia seguinte. Mas no céu, quando Deus enxugar as lágrimas dos olhos de
seu povo, isso será o fim das lágrimas — nunca mais haverá lágrimas. Por­
tanto, o céu é descrito como um lugar de absoluta felicidade cheio da radi­
ante majestade e glória de Deus, onde o povo de Deus foi santificado, onde
a justiça é exercida e onde seu povo foi justificado. Não há mais morte, nem
doenças nem maldade. Mas há uma experiência de cura em tudo isso. E
isso é apenas um lampejo, mas é o suficiente para nos dar um começo.

• Se o céu é o d e s t i n o ú l t i m o para o cristão, p o r q u e a


Bíblia a p re se n ta tão p o u c a descrição a seu respeito?

Não estou certo de que o céu seja descrito tão pouco quanto pensamos.
Às vezes sentimos que não existe muita coisa na Bíblia sobre o céu, mas se
examinarmos o texto das Escrituras encontraremos uma riqueza de materi­
al que fala no assunto •— particularmente nos ensinos de Jesus no Novo
Testamento, assim como no livro do Apocalipse. Talvez não haja tanto ma­
terial sobre o céu quanto gostaríamos de encontrar. Uma vez que ele é o
último destino do cristão, pensamos que deveria haver um pouco mais de
detalhes sobre a natureza do céu.
Daquilo que é descrito nas Escrituras, o céu representa uma mudança
radical do que experimentamos nesse mundo. Em outras palavras, há uma
enorme descontinuidade entre a vida que vivo nessa terra e aquela que me
aguarda no céu. Sempre que temos quebra de continuidade entre experiên­
cias, a única maneira de falarmos significativamente a respeito delas é atra­
vés de algum tipo de analogia. Nunca experimentamos essa vida diferente
que chamamos de céu. É muito difícil discutir algo que nunca experimenta­
mos. Creio que é por isso que a Bíblia usa analogias. Os escritores dirão que
o céu é como isso ou aquilo porque estão tentando encontrar algum ponto
de referência significativo nesse mundo presente que possa falar a nós so­
bre aquilo que “Nem olhos viram, nem jamais ouvidos ouviram nem pene­
trou em coração humano” (ICo 2.9). É aquilo que transcende nossa capaci­
dade de antecipar.
Às vezes aprendemos a respeito de alguma coisa descobrindo o que ela não
é. Por exemplo, no Apocalipse, a Bíblia nos diz que no céu não há choro, nem
dor, nem morte, nem tristeza, nem escuridão. De um lado, não posso imaginar
como seria a vida sem qualquer dessas coisas; mas ao mesmo tempo, tenho uma
idéia da diferença entre luz e trevas, paz e guerra, alegria e tristeza e assim por
diante. Creio que a principal razão pela qual não recebemos mais informação é
porque somos muito limitados em nossa capacidade de antecipar aquilo que é
muito maior do que podemos sequer imaginar nesse mundo.

• Existem gradua ções n o céu, pelas quais, c o m o resu lta d o


de u m a vida de boas obras, u m cristão t e m u m a posição
m ais alta, o u u m a q u a lid a d e de vida m e l h o r do q u e al­
g u é m q u e escapa p o r u m fio n o ú l t i m o suspiro?

Isso pode ser surpresa para muitas pessoas, mas eu responderia a essa
pergunta com um sim enfático. Fico admirado de que essa resposta surpre­
enda tantas pessoas. Creio que há uma razão pela qual os cristãos ficam
chocados quando digo que há vários níveis de céu, assim como graduações
de severidade de punição no inferno.
Devemos grande parte dessa confusão à ênfase protestante na doutrina da
justificação pela fé somente. Martelamos sobre essa doutrina ensinando enfati­
camente que a pessoa não chega ao céu através de suas boas obras. Nossas boas
obras não nos conferem qualquer mérito, e a única maneira pela qual poderemos
entrar no céu é pela fé em Cristo, cujos méritos nos são imputados. Enfatizamos
essa doutrina até o ponto em que as pessoas concluem que boas obras são insig­
nificantes, e não têm nenhum peso sobre a vida cristã futura.
A maneira como o Protestantismo histórico formulou isso é que a única
maneira de chegarmos ao céu é através da obra de Cristo, mas temos a
promessa de recompensas no céu, de acordo com nossas obras. Santo Agos­
tinho diz que é somente pela graça de Deus que fazemos qualquer coisa que
sequer se aproxime de uma boa obra, e nenhuma das nossas ações são sufi­
cientemente boas para exigir que Deus nos recompense. O fato de que Deus
decidiu conceder recompensas na base da obediência ou desobediência é o
que Agostinho chama de Deus coroando suas próprias obras dentro de nós.
Se uma pessoa foi fiel em muitas coisas durante muitos anos, então ela será
reconhecida por seu Mestre que lhe dirá: “Muito bem, servo bom e fiel”.
Aquele que escapa por pouco no último minuto tem bem poucas boas obras
pelas quais pode esperar recompensa.
Creio que o intervalo entre a camada um e a camada dez no céu é bem menor
do que o abismo entre chegar lá ou não. Alguns colocam isso da seguinte manei­
ra: A taça de todas as pessoas está cheia no céu, mas nem todos têm o mesmo
tamanho de taça. Novamente, pode ser uma surpresa para as pessoas, mas eu
diria que há pelo menos vinte e cinco ocasiões em que o Novo Testamento ensi­
na claramente que nós seremos recompensados de acordo com nossas obras.
Jesus freqüentemente apresenta o tema da recompensa como a cenoura diante
dos olhos do cavalo — “grande será a sua recompensa no céu”, se você fizer isso
ou aquilo. Somos chamados para trabalhar, para depositar tesouros no céu para
nós mesmos, assim como o perverso, “acumula contra ti mesmo ira para o dia
da ira” (Rm 2.5), como diz Paulo em Romanos.

• Nós n o s re c o n h e c e re m o s u n s aos o u t r o s n o céu?

Nenhuma referência bíblica afirma especificamente que nos reconhe­


ceremos uns aos outros. Mas o ensino implícito das Escrituras é tão intenso
e poderoso que não creio que haja realmente qualquer dúvida de que sere­
mos capazes de reconhecer uns aos outros no céu. Há um elemento de
descontinuidade entre essa vida e a vida vindoura: seremos transformados
num piscar de olhos; teremos um novo corpo e o velho passará. Entretanto,
a visão cristã de vida após a morte não é como a visão oriental de aniquila­
mento, na qual perdemos nossas identidades pessoais numa espécie de mar
de esquecimento. Embora haja esse elemento de descontinuidade, repondo
o novo pelo velho, existe um forte elemento de continuidade pelo qual a
pessoa individual continua vivendo pela eternidade.
Em parte, ser uma pessoa individual significa estar envolvido em relaci­
onamentos pessoais. De fato, um dos artigos do Credo dos Apóstolos é aquele
no qual afirmamos que cremos na comunhão dos santos. Tal afirmação não
se aplica somente para a comunhão que gozamos uns com os outros agora,
mas indica a comunhão que todas as pessoas que estão em Cristo terão
umas com as outras.
Mesmo agora, nesse mundo, misteriosamente tenho comunhão com
Martinho Lutero, João Calvino e Jonathan Edwards, que fazem parte do gru­
po de todos os santos. Não há razão para pensar que essa comunhão cessará.
Quando entramos num nível melhor de comunhão com Cristo e com
aqueles que estão em Cristo, chegamos a pensar que essa comunhão será
naturalmente intensificada e não diminuída.
Embora devamos ser cuidadosos a respeito do quanto extraímos de uma
parábola, a parábola de Jesus sobre o homem rico e Lázaro nos dá uma
visão da vida futura. Ela fala de um homem rico que tinha tudo nesse mun­
do e de um homem pobre que era um mendigo às portas do rico. O homem
rico ignorou os pedidos do homem pobre. Ambos morreram, e o homem
pobre, Lázaro, foi levado para o seio de Abraão, enquanto o homem rico
estava no inferno. Mas mesmo ali, este um, que presumivelmente estava no
inferno, era capaz de ver o seio de Abraão além do abismo intransponível e
contemplar o estado de felicidade que o pedinte estava gozando. Ele implo­
rou a Abraão, chorando além do abismo, para ter misericórdia e permitir
que ele tivesse o poder de voltar à terra, ou de mandar uma mensagem para
avisar seus irmãos a fim de que não caíssem em juízo como ele caíra.
Sem dúvida, Jesus respondeu que naquela altura já era tarde demais.
Pelo menos na parábola, há um reconhecimento das pessoas envolvidas e
também um reconhecimento de onde as pessoas estão ou não estão.

• O q u e a con tece aos a n im a i s q u a n d o eles m o r r e m ? Co­


n h e ç o a lg u m a s pessoas q u e se t o r n a m m u i t o ligadas a
eles.

Não posso responder a essa pergunta com certeza, mas não quero que
você pense, nem por um minuto, que essa é uma pergunta tola. As pessoas
realmente se tomam ligadas aos seus bichos de estimação, especialmente
quando o bichinho permaneceu um longo tempo com elas. Em nossa cultura
atual, estão aparecendo cada vez mais cemitérios para animais de estimação,
e vemos pessoas chegando a grandes despesas com cerimônias — túmulos,
etc. — para se desfazerem dos corpos de seus animais de estimação.
Dentro da igreja cristã, há várias escolas de pensamento sobre esse as­
sunto. Alguns crêem que os animais simplesmente se desintegram; eles se
transformam em nada e são aniquilados, o que está baseado na premissa de
que os animais não têm almas que possam sobreviver ao túmulo. Entretan­
to, em nenhum lugar as Escrituras afirmam que os animais não têm alma.
A Bíblia nos diz que nós temos a imagem de Deus de uma forma que os
animais não têm. Agora, seria a imagem de Deus que diferencia entre uma
alma e a ausência dela? Aqueles que aceitam uma noção grega da alma —
isto é, aquela substância que continua indestrutível para sempre — podem
desejar restringir isso aos seres humanos. Mas, novamente, não há nada nas
Escrituras, que eu saiba, que excluiria a possibilidade de uma existência
continuada para os animais.
A Bíblia nos dá algumas razões para esperar que os animais mortos
sejam restaurados. Lemos na Bíblia que a redenção é uma questão cósmica.
Toda a criação está destinada a ser redimida através da obra de Cristo (Rm
8.21), e vemos imagens de como será o céu; belas passagens da Escritura
nos falam do leão e do cordeiro e de outros animais em paz uns com os
outros. Sempre que o céu é descrito, embora o seja numa linguagem alta­
mente criativa, ele é um lugar onde os animais parecem estar presentes.
Quer esses animais sejam recém criados para os novos céus e a nova terra,
quer sejam as almas redimidas de nossos animais de estimação que morre­
ram, não podemos saber com certeza.
Tudo isso é pura especulação, mas eu gostaria de pensar que veremos
nossos queridos animais novamente e que eles participarão dos benefícios
da redenção que Cristo realizou para a raça humana.

• U m a pessoa q u e c o m e t e u suicídio p o d e rá e n t r a r n o céu?

Creio que é possível que uma pessoa que tenha cometido suicídio vá
para o céu. Digo isso por várias razões. Psiquiatras têm estudado pessoas
que fizeram tentativas sérias de terminar a sua vida, mas não tiveram suces­
so. Quando entrevistadas posteriormente, a vasta maioria dessas pessoas
(90% de acordo com os psiquiatras) disse que eles não teriam tentado co­
meter o suicídio se tivessem esperado mais vinte e quatro horas. Muito
freqüentemente, o ato do suicídio é uma rendição a um ataque momentâ­
neo, mas esmagador, de depressão aguda. Realmente não sabemos os últi­
mos pensamentos que passam pela mente de uma pessoa antes que ele ou
ela morram. Suponhamos que um homem decida terminar sua vida e pule
do trigésimo andar de um edifício, e que pelo décimo sexto andar ele pense:
Isso é um erro, eu não deveria fazer isso. Obviamente há lugar na graça de
Deus para o arrependimento final desse homem por seu pecado.
Embora as Escrituras sejam muito claras na afirmação de que não deve­
mos atentar contra nossas vidas, não conheço nada nas Escrituras que iden­
tifique o suicídio como o pecado imperdoável. Agora, se uma pessoa atenta
contra sua vida em absoluta posse de suas faculdades, esse ato pode repre­
sentar um ato de descrença total e absoluta, uma rendição ao desespero e à
completa falta de esperança, ao invés da confiança no Deus vivo. Entretan­
to, não creio que possamos afirmar que esse é o estado mental de todos
aqueles que realmente cometem suicídio.
Algumas pessoas que cometem suicídio não estão num estado mental
sóbrio e ponderado e não são culpáveis por seu comportamento no último
minuto. Uma vez que a Bíblia é relativamente silenciosa a esse respeito,
não gostaria de tirar conclusões precipitadas. Preferiria depositar nossas
esperanças para tais casos na graça e na misericórdia de Deus.

• Q u a n d o u m a pessoa morre, para o n d e vão seu espírito e


seu corp o até a Se g u nd a Vinda?

Ao longo de toda a sua história a igreja lutou com o conceito do chama­


do “estado intermediário” — nossa posição entre o tempo em que morre­
mos e o tempo em que Cristo consumará o seu reino e cumprirá a promessa
que confessamos no Credo dos Apóstolos: Creio na ressurreição do corpo.
Creio que haverá um momento em que Deus reunirá nossa alma e nosso
corpo, e que teremos um corpo glorificado assim como Cristo saiu do túmulo
como “o primogênito dentre os mortos.” No intervalo, o que acontece?
A posição mais comum tem sido que, ao morrermos, a alma imediata­
mente vai para estar com Deus e há uma continuidade da existência pesso­
al. Não há nenhuma interrupção de vida no final dessa vida, mas continua­
mos a estar vivos em nossas próprias almas após a morte. Há alguns que
foram influenciados por uma posição cúltica chamada psicopaniquia, mais
comumente conhecida como sono da alma. A idéia é de que, na morte, a
alma vai para um estado de animação suspensa. Ela permanece adormeci­
da, num estado inconsciente, até ser despertada na hora da grande ressurrei­
ção. A alma permanece viva, mas inconsciente, portanto, não há consciên­
cia da passagem do tempo. Penso que essa conclusão é tirada de maneira
imprópria da forma eufemística em que o Novo Testamento fala das pesso­
as mortas como estando adormecidas. A expressão comum judaica de que
os mortos estão “adormecidos” significa que eles estão gozando o repouso,
a tranqüilidade cheia de paz daqueles que ultrapassaram as lutas desse mundo
e estão na presença de Deus.
Mas no ensino global das Escrituras, mesmo no Antigo Testamento onde
o seio de Abraão era considerado como o lugar da vida depois da morte, há
a noção persistente de continuidade. Paulo coloca da seguinte maneira: Vi­
ver nesse mundo é bom; a melhor coisa que pode acontecer é participar da
ressurreição final. Mas o estado intermediário é ainda melhor. Paulo diz
que ele estava preso entre duas opções. De um lado o seu desejo de partir e
estar com Cristo, o que é muito melhor, do outro lado, ele tinha o desejo de
permanecer vivo e continuar seu ministério nessa terra. Mas a conclusão do
apóstolo de que passar além do véu da morte para aquele estado intermedi­
ário é muito melhor do que esse em que estamos nos apresenta algumas
evidências, juntamente com uma grande quantidade de passagens.
Jesus disse ao ladrão na cruz: “Em verdade te digo que hoje estarás
comigo no paraíso” (Lc 23.43). A imagem do rico e de Lázaro, no Novo
Testamento, (Lc 16.19-31) indica para mim que existe uma continuidade de
vida e de consciência no estado intermediário.

• O q u e a co n te c e c o m as crianças q u e m o r r e m a n te s de
p o d e r e m aceitar o evangelho?

Em minha própria tradição teológica, cremos que as crianças que mor­


rem ainda pequeninas são contadas entre os redimidos. Quer dizer, espera­
mos e temos um certo grau de confiança de que Deus será particularmente
gracioso para com aqueles que nunca tiveram oportunidade de estarem ex­
postos ao evangelho, como os bebês ou crianças que não têm muita capaci­
dade para ouvir e entender.
O Novo Testamento não ensina isso explicitamente. Ele nos fala muito sobre
o caráter de Deus — sobre sua misericórdia e sua graça — e nos dá todas as
razões para termos esse tipo de confiança na sua maneira de tratar os pequeninos.
Alguns fazem uma distinção entre crianças em geral e aquelas que são
filhos de crentes, e a razão para isso é o fato de que quando Deus fez aliança
com Abraão, ele a fez não somente com Abraão, mas também com seus
descendentes. Realmente, assim que Deus estabeleceu esse relacionamento
com Abraão, ele colocou Isaque como parte dele — quando Isaque era ain­
da muito pequeno e não4)odia entender o que estava acontecendo. Essa é a
razão pela qual um grande número de igrejas cristãs praticam o batismo
infantil; eles crêem que os filhos dos crentes são incorporados como mem­
bros em plena comunhão na igreja. Vemos esse relacionamento dentro da
família na história bíblica.
Vemos também a situação de Davi no Antigo Testamento quando seu
filho recém-nascido morreu. Ele recebe a certeza de que verá aquela crian­
ça novamente no céu. Essa história de Davi e seu filho que morreu traz uma
imensa consolação aos pais que perderam um filho.
Agora, o ponto que devemos enfatizar é que as crianças que morrem rece­
bem uma dispensação especial da graça de Deus; não é por sua inocência,
mas pela graça de Deus que eles são recebidos no céu. Há grandes controvér­
sias pairando sobre a doutrina do pecado original. O luteranos discordam dos
católicos romanos ques por sua vez discordam dos presbiterianos, etc., a res­
peito do alcance e da extensão daquilo que chamamos pecado original. Pe­
cado original não se refere ao primeiro pecado que foi cometido, mas sim
ao seu resultado — a entrada do pecado no mundo, de forma que todos nós
como seres humanos, nascemos num estado decaído. Vimos a esse mundo
com uma natureza pecaminosa, portanto, o bebê que morre, morre como
pecador. E quando essa criança é recebida no céu, ela é recebida pela graça.

• O q u e dizer dos m ilh õ e s de bebês a b o rt a d o s a cada a n o


n o m u n d o , o n d e eles passarão a e te rn id a d e?

Você está fazendo uma pergunta a respeito da qual a igreja tem estado
seriamente dividida ao longo de sua história por várias razões. Há pouca
informação na Escritura que fale diretamente sobre isso. A Igreja Católica
Romana tem sua doutrina tradicional do limbo, e há duas variedades de
limbo. Há o limbo para o povo do Antigo Testamento que morreu antes da
vinda de Cristo, e há o limbo para as crianças. Esse limbo é definido como
uma espécie de lugar menos importante que o inferno. Não é o céu, mas a
definição histórica é de que as chamas do julgamento não alcançam esse
lugar. As crianças não batizadas são mandadas para lá, onde elas perdem as
bênçãos do céu mas, na realidade, não participam das punições do inferno.
As igrejas protestantes diferem quanto ao que acontece às crianças que
morrem. Alguns distinguem entre as que são batizadas e as que não são. Em
minha denominação, afirmamos como artigo de fé que os filhos de crentes
recebem uma dispensação especial de graça e são levados para o céu, não
porque são inocentes, mas porque são receptores da graça.
As crianças que não nasceram são iguais aos bebês? Novamente a con­
trovérsia existe se, de fato, esses fetos que não nasceram são considerados
por Deus como vidas humanas ou não. Alguns assumem a posição de que
crianças abortadas são pessoas humanas reais, e pareceria coerente dizer
que aquilo que você pensa que acontece com os bebês que morrem se aplica­
ria também a crianças que não nasceram. Minha crença pessoal é de que
crianças que não nasceram, mas foram abortadas, são tratadas por Deus
como seres humanos e que a mesma graça que ele dispensa aos bebês que
morrem, se aplicaria também àqueles que não nasceram. Isso não depende de
se o aborto é intencional ou não. O termo aborto é usado também para uma
gravidez mal sucedida. Minha esposa sofreu quatro abortos e esperamos sin­
ceramente ver essas crianças que não nasceram no céu conosco. Nós concor­
damos que temos seis filhos, não apenas dois, e esperamos intensamente nos­
sa reunião com as crianças que não pudemos conhecer pessoalmente.

• O rei Saul foi a u m a feiticeira q u e i n v ocou o espírito de


Samuel. Isso significa q u e as pessoas hoje p o d e m i n v o ­
car o esp írito de seus m o r to s , o u esse e p is ód io foi u m
ato ú n i c o de Deus?

Não creio que tenha sido um ato de Deus. Por coincidência, recente­
mente escrevi um capítulo num livro sobre toda essa questão da pitonisa de
Endor porque é uma porção das Escrituras difícil de analisar e que gera
muita controvérsia. A narrativa nos diz que depois da morte de Samuel,
Saul se disfarçou e procurou uma médium. Esses médiuns eram ilegais em
Israel e a prática desse tipo de atividade era um ultraje ou uma transgressão
capital. Não apenas era uma transgressão capital de acordo com a lei de
Moisés, mas o próprio Saul havia reforçado isso e insistido em que todos os
necromantes deixassem o país. Foi por isso que Saul se disfarçou. Ele foi a
essa feiticeira, ou médium, e pediu a ela que invocasse Samuel. O texto diz
que Samuel apareceu e se queixou por ter sido perturbado. A mulher, então,
descobriu que o rei a havia induzido a fazer aquilo e ficou apavorada.
Quando leio esse texto tenho que perguntar: O que aconteceu realmen­
te? Será que a Bíblia está falando numa linguagem fenomenológica, des­
crevendo o que apareceu, ou será que a Bíblia tenciona dizer que aquela
médium foi de fato capaz de trazer Samuel de volta? Teria sido um truque de
mágica? Será que era uma habilidade natural, uma habilidade que algumas
pessoas podem ter hoje? Será possível hoje entrar em contato com os mor­
tos ou será uma falsificação do próprio Satanás? Não estou completamente
certo de qual dessas hipóteses explicaria a situação, se é que alguma o faz.
Vamos deixar claro o que sabemos com certeza. Mesmo que seja possí­
vel entrar em contato com os mortos hoje e invocá-los, como você diz,
certamente não temos permissão para isso. Não há dúvida a respeito. É uma
afronta radical a Deus. Simplesmente não nos é permitido o envolvimento
com sessões espíritas e espiritismo, ou com a procura de médiuns. Isso é
anátema para Deus e, de fato, as pessoas que praticam isso estão incluídas
no capítulo final do Novo Testamento como aqueles que são excluídos do
reino de Deus. As advertências são severas e pesadas contra aqueles que se
envolvem nesse tipo de atividade.
Mas — é possível? Não acredito. Não creio que possamos invocar o
espírito dos mortos. Creio que todos os médiuns recorrem a truques para
realizar esses feitos. No final do século XIX, Sir Arthur Conan Doyle ficou
enamorado com essa possibilidade e o grande Harry Houdini ofereceu uma
grande soma de dinheiro a qualquer médium que pudesse realizar qualquer
fenômeno que ele, Houdini, não pudesse duplicar através de sua própria
arte ilusionista. Ninguém jamais recebeu o dinheiro de Houdini. Os melho­
res “caçadores de fantasma” são os próprios mágicos. Só o ladrão reconhe­
ce um ladrão. Estou convencido de que as pessoas que praticam tais coisas
são mistificadores.

• C o m o o sr. explica as experiências fora d o corpo, de algo


s e m e l h a n t e a u m túnel, q u e m u it a s pessoas a f i r m a m ter
tid o a n te s de se rem r e a n im a d a s ?

Não estou certo de que posso explicar os chamados fenômenos Kiibler-


Ross. Tem havido uma quantidade significativa de pesquisa sobre isso. Te­
nho ouvido notícias de que 50% daqueles que sofreram morte clínica e
foram ressuscitados através de aparelhos ou medicação especial relatam
algum tipo de experiência estranha que pode ser chamada de experiência
fora do corpo. Eles relatam a sensação de olhar do teto para baixo quando
sua alma está deixando o corpo, e ver o próprio corpo deitado sobre a cama
e os médicos anunciando a morte ou as enfermeiras não conseguindo sentir
o pulso. Falam, então, sobre passar por um túnel e ver uma luz maravilhosa.
A grande maioria daqueles que foram pesquisados tem uma lembrança muito
positiva, embora haja alguns que não viram luzes bonitas no final do túnel,
mas coisas horríveis e fantasmagóricas que lhes trouxeram incerteza sobre
o que poderia haver depois do véu.
Não sei a resposta para essas perguntas. Há várias respostas possíveis.
Uma poderia ser a de que a pessoa que está perto da morte pode ter um
curto circuito na eletricidade do sistema nervoso de seu cérebro e sofrer
uma confusão em toda a sua seqüência de tempo. Poderiam estar recordan­
do um sonho que tenha sido muito vívido e intenso e que os faça sentir
como se realmente tivessem vivido aquilo. Todos nós temos alguns sonhos
que são qualitativamente diferentes de outros, que se tornam tão intensos
que sentimos como se eles tivessem realmente acontecido. Poderia ser re­
sultado de medicação ou de falta de oxigênio no cérebro.
Para tratar razoavelmente com essas possíveis explicações teríamos de
recorrer a um médico competente que poderia dizer se é possível que esses
curtos-circuitos ocorram e se eles poderiam ser explicados em termos natu­
rais. Não descartei a experiência.
Outra explicação possível é de que as pessoas de fato têm um lampejo de
algo que está para acontecer na transição da morte para qualquer que seja o
lugar para onde vamos após a morte. Nós, cristãos, cremos que existe uma
continuidade de existência pessoal e que o término da vida física não é o fim
da vida real. Quer tenhamos sido bons ou maus, quer sejamos redimidos ou
não, vamos continuar num estado de vida, embora não biologicamente vivos.
Os cristãos não deveriam ficar chocados quando pessoas que passaram
por morte clínica e foram reanimadas voltam com certas lembranças. Te­
nho tentado manter a mente aberta e espero que esse fenômeno interessante
receba o benefício de maiores pesquisas, análises e avaliações. Um número
muito grande de tais experiências tem sido relatado para que as descarte­
mos como imaginárias ou como farsas.

• Q u a l é a prim e ira coisa q u e o sr. gostaria de saber q u a n ­


d o chegar ao céu?

Sem dúvida, a primeira coisa que quero saber é: O que preciso fazer
para ver Jesus? Eu quero ver o Senhor. Tenho perguntado a amigos e pesso­
as da família: “Suponhamos que depois que você teve a chance de ver Jesus
no céu ele diga: ‘Muito bem, você pode encontrar outras três pessoas que
estão aqui e passar um tempo com cada um’ — quem você gostaria de ver?”
A primeira pessoa que eu gostaria de ver seria meu pai. Esta é uma das
grandes consolações da fé cristã — temos a promessa de sermos reunidos
com aqueles que amamos e que se foram antes de nós. Depois de ver meu
pai, gostaria de encontrar o salmista Davi. Eu amaria encontrar Jeremias. E
a lista continua.
Uma das primeiras perguntas que gostaria de fazer é: “Quem escreveu a
Carta aos Hebreus?” Morro de vontade de descobrir isso! Outra pergunta:
“De onde veio o mal?” Porque ainda não consegui decifrar isso. E, sem
dúvida, gostaria de perguntar: “Existe algum campo de golfe aqui em cima?”
Gostaria de estudar arte durante os primeiros dez mil anos, música nos
dez mil anos seguintes, e literatura durante os outros dez mil anos e conti­
nuar a absorver tudo o que Deus fez e tudo o que ele ordenou. Eu adoraria
sentar lá e aprender teologia com a absoluta certeza de que jamais serei
enganado, ou que não estarei cometendo qualquer erro e que não estou mais
olhando através de um espelho obscuramente, mas agora estou na presença
da própria Verdade em toda sua pureza. Mas suspeito que todas essas coisas
que penso fazer terão de esperar pela simples alegria de estar na presença
de Deus e gozar da visão beatífica — ver a Cristo face a face. Não sei se
esse desejo irá arrefecer algum dia. Penso que ficaria satisfeito de fazer
apenas isso por toda eternidade.

• Aqueles q u e n u n c a o u v i r a m falar de Cristo vão p a ra o


inferno?

Essa é uma das perguntas mais carregadas emocionalmente que se pode


fazer a um cristão. Nada é mais aterrorizante ou pavoroso de se enfrentar do
que a possibilidade de um ser humano ir para o inferno. À primeira vista, quan­
do fazemos uma pergunta como essa, o que está por trás é: “Como poderia
Deus mandar para o inferno uma pessoa que nunca teve nem sequer a oportuni­
dade de ouvir a respeito do Salvador? Simplesmente não parece justo.”
Eu diria que a porção mais importante das Escrituras que estuda essa
questão é o primeiro capítulo da carta de Paulo aos Romanos. O objetivo do
livro aos Romanos é declarar as Boas Novas — a maravilhosa história da
redenção que Deus providenciou para a humanidade em Cristo, as riquezas
e a glória da graça de Deus, a extensão a que Deus chegou para nos redimir.
Mas quando Paulo apresenta o evangelho, ele começa no primeiro capítulo
declarando que a ira de Deus é revelada dos céus e essa manifestação da ira
de Deus é dirigida contra a raça humana que se tornou ímpia e injusta.
Portanto, a ira de Deus é ira contra o mal. Deus não está irado com pessoas
inocentes, sua ira é contra os culpados. O ponto específico pelo qual eles
são acusados de maldade é a rejeição da auto-revelação de Deus.
Paulo elabora o ponto de que, desde o primeiro dia da criação e ao longo
de toda a criação, Deus tem manifestado plenamente seu eterno poder, seu
ser e seu caráter a todo ser humano nesse planeta. Em outras palavras, todo
ser humano sabe que existe um Deus e que ele deve prestar contas a Deus.
Entretanto, todo ser humano desobedece a Deus. Por que Paulo começa sua
exposição do evangelho por esse ponto? O que ele está tentando fazer, e o
que ele desenvolve na carta aos Romanos é o seguinte: Cristo é enviado a
um mundo que já está a caminho do inferno, Cristo é enviado a um mundo
que está perdido e que é culpado de rejeitar o Pai a quem ele conhece.
Agora, vamos voltar à sua pergunta original: “Deus manda pessoas que
nunca ouviram falar de Jesus para o inferno?” Deus nunca pune as pessoas
por rejeitarem a Jesus se elas nunca ouviram a respeito de Jesus. Quando
digo isso as pessoas suspiram aliviadas e dizem: “Então é melhor não falar
a ninguém a respeito de Jesus porque alguém pode rejeitá-lo. Então essas
pessoas estarão num problema muito sério. Mas, novamente, há outras ra­
zões para se ir para o inferno. Rejeitar a Deus o Pai é uma coisa muito séria.
E ninguém poderá dizer no último dia: “Eu não sabia que o senhor existia,”
porque Deus tem se revelado plenamente. A Bíblia deixa claro que as pes­
soas precisam desesperadamente de Cristo. Deus pode conceder sua mise­
ricórdia unilateralmente em algumas situações, mas não tenho nenhuma
razão para ter muita esperança sobre isso. Penso que devemos prestar aten­
ção seriamente à ordem apaixonada de Cristo de ir a todo mundo, a toda
criatura vivente, e lhes falar de Jesus.

• C o m o seria sua descrição pessoal do inferno, e, p o r o p o ­


sição, c o m o seria a d o céu?

Certa vez, um estudante me fez essa pergunta da seguinte maneira: “O


sr. acredita que o inferno é literalmente um lago de fogo onde as pessoas
estão queimando e em tormento? O sr. crê que há choro e ranger de dentes,
trevas e um lugar onde o verme nunca morre?” Ele perguntou se eu acredi­
tava que o inferno era literalmente assim e eu disse não, não acredito. Ele
teve um profundo suspiro de alívio. Então eu lhe disse que cria que uma
pessoa que está no inferno faria tudo o que estivesse ao seu alcance para
estar num lago de fogo ao invés de estar onde ela está. Na realidade, não
tenho nenhuma imagem gráfica do inferno em minha mente, mas não posso
pensar em nenhuma idéia mais aterrorizante para a consciência humana do
que essa. Sei que é uma idéia muito pouco popular e que mesmo os cristãos
recuam com horror da própria noção de um lugar chamado inferno.
Sempre me admirei de dois fenômenos que encontramos no Novo Testa­
mento. Primeiro, Jesus fala mais do inferno do que do céu. Segundo, quase
tudo o que sabemos sobre o inferno no Novo Testamento vem dos lábios de
Jesus. Estou apenas adivinhando que, na economia de Deus, as pessoas não
suportariam isso de nenhum outro mestre. Eles não ouvirão se R. C. Sproul os
advertir das terríveis conseqüências do inferno, ou se qualquer outra pessoa o
fizer. As pessoas não acreditam nisso nem mesmo quando Jesus ensina.
É como se estivéssemos comprovando a parábola do rico e de Lázaro. O
rico queria voltar e advertir seus irmãos da ira vindoura. Jesus disse que
eles não acreditariam mesmo que alguém voltasse dentre os mortos. As
pessoas simplesmente não querem prestar nenhuma atenção nisso.
Eu me pergunto: Por que Jesus, quando estava ensinando sobre a natu­
reza do inferno usou os símbolos e as imagens mais horripilantes que ele
podia encontrar para descrever aquele lugar? Sempre que falamos sobre
símbolos ou imagens, usamos o símbolo para representar uma realidade. A
realidade sempre excede, em substância, aquilo que o símbolo contém. Se
as imagens do Novo Testamento sobre o inferno são apenas imagens e sím­
bolos, então, para mim, isso significaria que a realidade é muito, muito pior
do que os símbolos literais que nos são apresentados.
Por outro lado, eu diria que as boas novas são as imagens maravilhosas
que temos do céu: ruas de ouro, lagos de cristal, uma cidade com prédios
feitos de pedras preciosas. O cumprimento literal será maravilhoso e eston­
teante, mas penso que ele será incomparavelmente maior. Novamente, nes­
se caso, a realidade excederá em muito as imagens que a Bíblia usa para
comunicá-la a nós, que somos limitados por uma perspectiva terrena.
C O M P A R T I L H A N D O A FÉ

“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações,


batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo; ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho
ordenado. E eis que estou convosco todos os dias
até à consumação do século
— M ateus 28.19,20

Perguntas dessa seção:

• O que é fé?
• A fé cristã é realmente racional?
• O evangelismo é uma atividade necessária para o cristão?
• O que faz do Cristianismo — e não do Budismo ou do Hinduísmo ou de
qualquer outra — a religião certa?
• Como podemos apresentar o evangelho a um amigo ou a um membro da
família que talvez seja ateu?
• Como posso falar de Jesus a outras pessoas de uma forma não ameaçado­
ra mas convincente?
• Meu pai não é cristão e sempre que converso com ele ele não ouve, seja o
que for que eu diga. O que posso fazer?
• Se um não-cristão nos faz uma pergunta a respeito de moralidade, deve­
mos imediata e especificamente nos referir à Bíblia, ou devemos apenas
lhe dar nosso conselho baseado em princípios bíblicos?
• É possível que uma pessoa esteja num estado de regeneração antes de
aceitar a fé?
• Como devo reagir aos pregadores de rua?
• O q u e é fé?

Penso que a fé em todos os seus aspectos é uma das noções mais mal
compreendidas que temos, não apenas pelo mundo, mas pela própria igreja.
A única base de nossa redenção, e o caminho pelo qual somos justificados
por Deus é através da fé. A Bíblia nos fala constantemente sobre a fé, e se
não a compreendermos bem, ficaremos numa situação problemática.
A grande questão da Reforma Protestante do século XVI foi: Como uma
pessoa é justificada? A posição de Lutero na controvérsia foi de que somos
justificados pela fé somente. Quando ele disse isso, muitos dos líderes da
Igreja Católica Romana ficaram muito aborrecidos. Eles retrucaram: “Isso
quer dizer que uma pessoa pode simplesmente crer em Jesus e depois viver
como quiser?” Em outras palavras, a Igreja Católica Romana reagiu forte­
mente porque estava temerosa de que a posição de Lutero fosse entendida
como uma crença fácil na qual a pessoa teria apenas de crer e nunca mais
precisaria se preocupar em produzir os frutos da retidão. Era muito impor­
tante que aqueles que estavam envolvidos na Reforma Protestante definis­
sem cuidadosamente o que entendiam por fé salvadora. Portanto, eles vol­
taram e estudaram o Novo Testamento, especificamente a palavra grega
pistein, que significa “crer”, e foram capazes de isolar três aspectos distin­
tos da fé bíblica.
O primeiro é o termo latino notitia: “crer nos dados” ou na informação.
E um conhecimento intelectual. Você não pode ter fé em coisa nenhuma,
em algo que não exista: tem de haver um conteúdo para a fé. Você tem que
crer em alguma coisa ou confiar em alguém. Quando dizemos que uma
pessoa é salva pela fé, alguns dizem: “Não importa no que você crê, desde
que seja sincero.” Não é isso que a Bíblia ensina. Importa profundamente
no que você crê. E se eu cresse que o diabo é Deus? Isso não me salvaria.
Preciso crer na informação certa.
O segundo aspecto da fé é o que eles chamaram de assensus, ou um
assentimento intelectual. Devo estar persuadido da verdade do conteúdo.
De acordo com Tiago, mesmo que eu esteja consciente da obra de Jesus —
convencido intelectualmente que Jesus é o Filho de Deus, que ele morreu
na cruz por meus pecados e que ressuscitou dos mortos — nesse ponto eu
estaria qualificado para ser um demônio. Os demônios reconhecem a Jesus,
e o próprio diabo conhece a verdade de Cristo, mas não tem fé salvadora.
O elemento básico, o elemento mais vital da fé salvadora no sentido
bíblico é o da confiança pessoal. O termo final é fiducia, que se refere a um
compromisso fiduciário pelo qual coloco minha vida nas mãos de Jesus.
Confio nele e apenas nele para minha salvação. Esse é o elemento crucial,
e ele inclui os elementos intelectual e mental. Mas vai, além deles, ao cora­
ção e à vontade, de forma que a pessoa como um todo é envolvida nessa
experiência que chamamos fé.

• A fé cristã é re a l m e n t e racional?

Com absoluta certeza! Ela é intensamente racional. Agora, já me fize­


ram a seguinte pergunta: “É verdade que o sr. é um racionalista cristão?” Eu
respondi: “De maneira nenhuma! Isso é uma contradição, em termos. O
racionalista é alguém que abraça uma filosofia que se contrapõe ao cristia­
nismo.” Portanto, embora um cristão verdadeiro não seja um racionalista, a
fé cristã certamente é racional.
O cristianismo é coerente? E inteligível? Faz sentido? Ele se harmoniza
num padrão coerente de verdade, ou ele é o oposto do racional — ele seria
irracional? Seria o cristianismo complacente com a superstição e concorda­
ria com cristãos que crêem que o cristianismo é francamente irracional?
Penso que isso é um fato muito lamentável. O Deus do cristianismo se diri­
ge à mente das pessoas. Ele fala conosco. Ele tem um livro escrito para o
nosso entendimento.
Quando digo que o cristianismo é racional, não quero significar com
isso que a verdade do cristianismo em toda a sua majestade possa ser
deduzida a partir de alguns princípios lógicos por um filósofo especulativo.
Há muita informação sobre a natureza de Deus que podemos encontrar uni­
camente porque o próprio Deus escolheu revelá-las a nós. Ele revela essas
coisas através de seus profetas, através da história, através da Bíblia e atra­
vés do seu Filho unigénito, Jesus.
Mas o que ele revela é inteligível, podemos entender com nosso intelec­
to. Ele não nos pede que desprezemos nossas mentes para nos tomarmos
cristãos. Há pessoas que pensam que, para se tornarem cristãs, elas preci­
sam deixar seus cérebros em algum lugar do estacionamento. O único pulo
que o Novo Testamento nos chama a dar, não é um pulo no escuro, mas é
para fora do escuro, para a luz, para aquilo que verdadeiramente podemos
entender. Isto não quer dizer que tudo o que a fé cristã afirma é absoluta­
mente claro no que diz respeito às nossas categorias racionais. Não posso
entender, por exemplo, como uma pessoa pode ter uma natureza divina e
uma natureza humana ao mesmo tempo, que é aquilo que cremos sobre
Jesus. Isso é um mistério — mas mistério não é o mesmo que irracional.
Mistério não se aplica somente à religião. Não compreendo inteiramen­
te a força da gravidade. Essas coisas são misteriosas para nós, mas não são
irracionais. Uma coisa é dizer: “Não compreendo, com minha mente finita,
como isso funciona.” Outra coisa diferente é dizer: “Elas são gritantemente
contraditórias e irracionais, mas vou acreditar assim mesmo.” Não é isso
que o cristianismo faz. O cristianismo afirma que há mistérios, mas esses
mistérios não podem ser articulados em termos do irracional; se assim fos­
se, então nos afastaríamos a ver cristã.

O evange lismo é u m a atividade necessária para o.

Algumas pessoas argumentam que o trabalho de e\ , dever de


todo cristão. Não tenho certeza. O trabalho específico (d^T'ajíg€lista é pro­
clamar o evangelho. Pregação e proclamaç q al •raigishi. uí0^/los ofícios do
Novo Testamento e um dos dons do Espíriti ora nao é dado a todas
as pessoas e, portanto, eu diria que, n mj nico, não é responsabi-
lidade de todo cristão ser um evangeliza
O Novo Testamento deixa clara que tõdò cristão deve ser uma testemu­
nha. Parte da confusão co leksè ponto, porque no jargão cristão, “tes­
temunha” é muitas vezes u ^ a c o m o sinônimo de “evangelista”. O Novo
Testamento faz u I a r a entre as duas palavras, uma distinção
entre o geraLe arrTestemunha” é a noção mais ampla. Dar teste-
munho de 1 é tomar visível algo que não é prontamente visível,
ou qu< ii làríífesto, mas que é invisível. A palavra usada no Novo
testemunha é martyria, da qual tiramos nossa palavra mártir.
e morreram por causa da fé, deram testemunho, tornaram mani-
u compromisso com Cristo. Essa era uma forma de dar testemunho,
s não era o trabalho de evangelismo.
Evangelismo é uma forma específica de testemunhar. Todo cristão é
chamado para testemunhar; todo cristão é chamado a confessar Jesus com
suas palavras, bem como em suas ações. Deus não nos chama para sermos
cristãos do serviço secreto. Mas nem todos são chamados, a meu ver, para
ser evangelistas; essa é uma tarefa especial. Penso que todo cristão tem
responsabilidade de participar do movimento evangelístico. Embora nem
todo mundo seja chamado para ser missionário, todos somos chamados para
assumir nossa parte na missão da igreja. A responsabilidade da grande co­
missão é dada à igreja, e cada membro do corpo de Cristo é chamado a
fazer a sua parte para ter certeza de que a tarefa seja cumprida. Evangelis-
mo envolve muito mais do que apenas os evangelistas. Ele exige que se
imprimam Bíblias, por exemplo, e que haja pessoas para distribuí-las, pes­
soas para financiar algumas viagens missionárias ou projetos, pessoas que
possam ministrar de várias maneiras aos missionários e evangelistas.
Portanto, embora sejamos chamados a testemunhar e sejamos todos responsá­
veis, até certo ponto, por garantir que a tarefa de evangelismo e missões seja reali­
zada, nem todos fomos designados para sermos missionários e evangelistas.

• O q u e faz d o Cristia nism o — e n ã o d o B u d ism o o u do


H i n d u í s m o o u de q u a l q u e r o u t r a — a religião certa?

Essa é uma pergunta que toda pessoa nascida e criada nos Estados Uni­
dos precisa perguntar, e precisa perguntar honestamente. Não podemos dei­
xar de conjecturar: “Sou cristão porque nasci e fui criado num ambiente
cristão, num país onde o cristianismo é a religião dominante onde recebi
pouca influência do Hinduísmo ou do Islamismo ou do Budismo ou de qual­
quer outra religião do mundo?” Muitas pessoas se unem a organizações ou
a igrejas cristãs apenas por que seus pais o fizeram. Essa não é uma boa
maneira de testar a verdade das alegações de qualquer religião.
Creio que a única maneira pela qual você pode satisfazer a si mesmo ou
aos seus filhos a esse respeito é através de uma avaliação, um estudo sério
das doutrinas básicas das religiões mundiais. No século XIX, o estudo de
religiões comparadas tornou-se uma disciplina acadêmica muito importan­
te porque o mundo tinha se tornado menor e mais cosmopolita. Hoje vive­
mos num mundo em que há muito mais mistura e miscigenação de pessoas
de origens radicalmente diferentes.
No século XIX, tentou-se alcançar a paz entre as religiões do mundo procu­
rando um denominador comum — aquela essência básica que fosse encontrada
em todas as religiões. Muitas pessoas concluíram que não havia realmente ne­
nhuma diferença, que todas as pessoas criam no mesmo Deus e todas estavam
buscando a mesma coisa, mas que há diferentes caminhos para o mesmo lugar.
Creio que essa é uma maneira simplista de encarar os fatos.
A dificuldade é que, se você examinar as religiões mundiais e colocar
seus ensinamentos básicos lado a lado, você os verá contradizendo-se radi­
calmente uns aos outros em relação a quais sejam os seus mais altos ideais.
E uma pessoa que pense verá, rapidamente, que não é possível que todos
sejam verdadeiros em suas alegações. Podem estar todos errados, mas não é
possível que todos estejam certos.
O Novo Testamento faz reivindicações exclusivas a respeito de Jesus, e
isso é uma provocação ainda maior para pessoas que não desejam examinar
seriamente as questões que dividem as religiões mundiais. Obviamente não
podemos apresentar uma defesa das alegações de verdade características
do cristianismo num breve livro como esse, mas eu diria que uma coisa o
cristianismo tem que as outras religiões não têm — a coisa mais óbvia —
que é Cristo, Deus encarnado e sua obra de redenção.

• C o m o p o d e m o s a p re s e n t a r o e v angelh o a u m a m ig o ou
a u m m e m b r o da família q u e talvez seja ateu?

Não creio que jamais tenha havido um cristão que não tenha carregado
ao longo de sua vida, um fardo pesado pelas almas das pessoas que lhe são
mais queridas, quase sempre membros da família imediata ou amigos mais
chegados. Todos nós lutamos com isso. Como compartilhar nossa fé e co­
municar aquilo que é tão importante e precioso para nós e estamos conven­
cidos de que é tão importante para eles? Qual é a maneira mais eficiente de
fazer isto? Se eu soubesse a resposta para essa pergunta eu a embalaria e
venderia porque há uma grande demanda.
Durante minha infância espiritual, eu estava cheio de zelo pelas coisas
de Cristo e desejava desesperadamente ver minha família entregar-se a ele.
Eu fiz tudo da maneira errada. Comportei-me de forma muito agressiva e
praticamente os cansei terrivelmente citando as Escrituras para eles, dei­
xando versículos em suas cabeceiras e todo esse tipo de coisa que eles to­
maram como minha desaprovação pessoal a seu respeito. Não era isso que
eu estava tentando comunicar, e não era isso que eu sentia a respeito deles,
mas foi assim que eles entenderam.
Quando me tornei cristão, fiquei tão empolgado que fui para casa e con­
versei com minha mãe e, cheio de entusiasmo, eu lhe disse: “Mamãe, adivi­
nhe o que aconteceu comigo! Eu me tomei cristão.” E ela ficou completa­
mente estonteada. Ela respondeu: “O que você quer dizer com eu me tornei
um cristão? Você sempre foi cristão.” E ao invés de compartilhar de minha
alegria pela fé recém-encontrada, ela se tornou muito, muito defensiva,
porque o que ela me ouviu dizer foi: “Mamãe, você não me educou com o
sistema certo de valores. Você não é cristã. Você não é digna de ser minha
mãe.” Era isso que ela estava ouvindo. Portanto, temos de ser especialmen­
te sensíveis com os sentimentos daqueles que são próximos a nós porque
eles investiram muito no nosso relacionamento.
Se existe um lugar onde mereço ter o direito de ser ouvido esse lugar é
na companhia dos meus amigos. E onde achamos que menos precisaríamos
exigir o direito de sermos ouvidos porque já temos uma amizade estabelecida.
Pressupomos que, uma vez que somos amigos, eles ouvirão o que dizemos
com seriedade e atenção. Mas quando vou a eles com algo que contém uma
crítica velada sobre sua posição a respeito de Deus e de Cristo, eles tomarão
isso como uma rejeição pessoal ou, pelo menos, como desaprovação. Por­
tanto, antes de explicar Cristo a eles ou defender a fé, preciso provar que
sou amigo deles (ou que sou filho de meu pai ou de minha mãe, ou irmão de
minha irmã) de forma que eles não se sintam como se eu estivesse fazendo
uma ruptura radical em nosso relacionamento.

• C o m o p o ss o falar de Jesus a o utras pessoas de f o r m a n ã o


a m e a ç a d o r a , m a s c o n v in c e n t e ?

Há alguns anos atrás, estive envolvido num treinamento de leigos de


uma igreja local na atividade que chamamos evangelismo pessoal, e parti­
cipei disso durante dezesseis semanas. Dessas dezesseis, mais ou menos
três semanas exigiam um treinamento no conteúdo da mensagem que cha­
mamos evangelho. Esta foi a parte fácil. O resto do treinamento era dirigido
a ajudar as pessoas a comunicarem sua fé de maneira não ameaçadora e não
insultante às pessoas.
As pessoas são extremamente sensíveis a respeito da forma como são
abordadas em questão de religião. Muitos de nós, que estamos muito em­
polgados com nossa fé em Cristo, desejamos compartilhá-la com todas as
pessoas que amamos, e nossas intenções são boas. Nós nos preocupamos
com nossos amigos e desejamos que eles participem da alegria e da desco­
berta dessa coisa maravilhosa chamada salvação. Mas quando fazemos isso,
freqüentemente abordamos essas pessoas como se estivéssemos dizendo:
“Eu sou bom e você não é.” As pessoas se voltam contra isso e com toda
razão. Alguém disse certa vez que evangelismo, verdadeiro evangelismo é
apenas isso — um pedinte dizendo a outro pedinte onde encontrar pão. Não
há nada que deveria me deixar orgulhoso a respeito de minha fé. Reconhe­
ço que minha fé é resultado da graça de Deus. E, portanto, quando estamos
conversando com as pessoas deveríamos entender que somos chamados para
sermos delicados e bondosos. O fruto do Espírito que o Novo Testamento nos
chama para exibir inclui gentileza, mansidão, paciência e amor. Esse é o espí­
rito com o qual somos chamados a nos comunicar com as pessoas.
Embora sejamos gentis, bondosos, amigáveis e sensíveis para com a
dignidade das pessoas, não podemos remover completamente aquilo que o
Novo Testamento chama de escândalo do evangelho porque o evangelho
realmente chama as pessoas ao arrependimento e as pessoas se sentem
ameaçadas por isso. Mas é importante que não aumentemos desnecessaria­
mente esse escândalo que faz parte da mensagem do pecado e redenção.
Algumas vezes, as pessoas nos rejeitam e também aquilo que falamos por­
que estão rejeitando a Cristo — e nós sofremos injustamente. Mas, em um
número muito maior de vezes, as pessoas ficam zangadas não porque se
sintam ofendidas por Cristo, mas porque são ofendidas por nossa falta de
sensibilidade para com elas como pessoas.

• M e u pai n ã o é cristão e s e m p r e q u e c o n v e r s a m o s ele n ã o


m e ouve, n ã o i m p o r t a o q u e eu diga. Chegou a u m p o n ­
t o e m q u e n e m t e n t o m ais c o n v e r s a r c o m ele. O q u e
p oss o fazer?

Uma das lutas pessoais mais profundas que qualquer cristão enfrenta é
tentar comunicar a intensidade de sua própria fé aos seus melhores amigos
e à família que não partilha do mesmo ponto de vista.
Logo que me tomei cristão, o que eu queria mais do que qualquer outra
coisa no mundo era que minha família gozasse os benefícios da minha des­
coberta. Tenho certeza de que, muitas vezes, me tomei antipático para mi­
nha família em meu zelo de tentar comunicar minha preocupação por eles
porque tomei seriamente as advertências do Novo Testamento sobre o que
acontece com aqueles que rejeitam a mensagem de Cristo. Felizmente,
embora nos primeiros anos eu tivesse sentido pouca reposta aos meus ape­
los e aos meus entusiasmos e desejo de comunicar minha fé à minha famí­
lia, ao longo do tempo pude ver praticamente todos eles se entregarem a
Cristo. Gostaria de dizer que isso foi o resultado direto de meu testemunho
firme, mas não foi. Deus usou outras pessoas para alcançar minha família.
Isso me ensinou o quão importante é ser paciente com o ritmo de Deus para
com aqueles que amamos.
Penso na história de Santo Agostinho, cuja mãe, Môjiica, era uma cristã
devota. Durante a juventude, seu filho era impetuoso e sem controle em seu
estilo de vida licencioso, e Mônica era toda piedosa. Durante anos, toda
noite ela orava por seu filho e não via nenhum sinal de resposta. Em certa
ocasião, ela foi conversar com seu pastor, que era o grande bispo Ambrósio
de Milão, Itália. Ela derramou seu coração diante do bispo e ele lhe fez a
seguinte pergunta: “Mônica, poderia um filho de tantas lágrimas perder-se?”
O que Ambrósio estava dizendo é que certamente Deus não se negaria
atender as petições de uma mãe tão zelosa e constante na sua vida de oração
em favor de seu filho. Creio que o conselho dado por Ambrósio a Mônica
foi muito confortador, embora não seja necessariamente a melhor teologia.
É possível que alguém que amamos profundamente nunca chegue a acei­
tar a fé, mas tende a existir uma correlação entre nossa paciência e nossa
fidelidade a Deus e a disposição de Deus de honrar e abençoar isso. Eu diria
que o que você deve fazer é orar e ser uma filha tão amorosa quanto possí­
vel. Deus não a chamou para ser a evangelista de seu pai; ele a chamou para
ser sua filha. Quanto mais você refletir seu cristianismo sendo uma boa
filha, tanto mais Deus estará inclinado a usar isso de maneira positiva.

• Se u m n ã o - c r i s t ã o n o s faz u m a p e r g u n t a a respeito de
m oralidade, devem os im ediata e especificam ente nos
referir à Bíblia, o u d e v em o s a p en a s lhe d a r n o ss o c o n s e ­
lh o b a se a d o e m princípios bíblicos?

Realmente há duas perguntas aqui: Qual é a resposta certa e qual é a


melhor resposta estrategicamente para se ter um diálogo produtivo com
pessoas que não compartilham nossa crença nas Escrituras?
Estamos vivendo numa cultura que, de muitas formas, tem sido suficientemen­
te exposta ao cristianismo para estar imunizada contra ele. É como uma inoculação
pela qual uma dose pequena da doença previne que você seja infectado por ela. O
cristianismo não é uma voz nova falando aos problemas de moral nos Estados
Unidos da América. Nada é mais desagradável para não-cristãos do que ouvir um
cristão conversar com eles usando lugares comuns e um jargão cristão.
As Escrituras nos instruem a deixar que nossa palavra seja “temperada
com sal” (Cl 4.6). Parte do problema é que simplesmente nos expressamos
mal. Não conseguimos comunicar nossos preceitos cristãos e nossa fé cristã
sem usar constantemente a mesma linguagem e os mesmos clichês gastos.
Isso se torna irritante para as pessoas, e com toda razão, quando todas as
vezes que nos escutam, eles nos ouvem dizer: “Louve ao Senhor” ou “Deus
ama você”. As pessoas se cansam de ouvir isso. Precisamos ser capazes de
comunicar os ideais da fé cristã de novas maneiras, de sorte que aqueles com
quem conversamos tenham a oportunidade de ouvir o que estamos dizendo.
Quando discutimos questões morais, sem dúvida, para o cristão, não
existe guia melhor do que a Palavra de Deus. Desde que creio que a Bíblia
é a Palavra de Deus, ela tem autoridade sobre cristãos e não-cristãos. Etica­
mente não há nada de errado em chamar a atenção das pessoas para aquilo
que a Bíblia diz. As pessoas não têm de crer que a Bíblia é a Palavra de
Deus para serem responsabilizadas diante dela. Se o Deus todo poderoso
ordena alguma coisa, ele o faz para todas as pessoas.
Mas a Bíblia não é o único lugar onde Deus revela sua lei. A Bíblia nos
fala que além da palavra escrita, Deus revela muitos de seus princípios, leis e
preceitos morais através da natureza. Deveríamos ter algum tipo de base
comum para discutir moralidade cristã ou questões éticas com um não-crente
sem precisar recorrer constantemente ao texto das Escrituras. Se eles não a
aceitam como autoridade, então podemos dizer, pelo menos, que também
vemos evidência da propriedade desse comportamento em particular na pró­
pria natureza, ou naquilo que chamaríamos graça comum, no senso comum
das leis das nações. Você não precisa ler a Bíblia para saber que matar é
errado. Você não precisa ler a Bíblia para saber que é errado roubar. Há certas
questões morais que Deus deixa muito claras sem o recurso das Escrituras.

• E possível q u e u m a pessoa esteja n u m e stad o de rege n e ­


ração a n te s de aceitar a fé?

Não somente é possível que uma pessoa esteja num estado de regenera­
ção antes de aceitar a fé, como é absolutamente necessário porque o mais
importante pré-requisito para se confiar em Cristo é ser vivificado através
do Espírito Santo. Regeneração significa novo nascimento ou renascimento.
A outra palavra que o Novo Testamento usa é vivificar, tornar vivo. A Bí­
blia nos ensina que nosso estado decaído natural é de morte espiritual. An­
tes que eu possa sequer exercitar a fé, primeiro tenho de ser tomado vivo
espiritualmente. Por isso declaro com toda minha convicção que a regene­
ração — isto é, o novo nascimento — precede a fé. Ela é necessária para
que a fé possa estar presente.
Não creio que esteja dizendo nada diferente daquilo que o Senhor disse
a Nicodemos quando tiveram aquela prolongada discussão sobre o que sig­
nifica nascer de novo. Jesus disse que a não ser que a pessoa nasça de novo,
ela não pode nem sequer ver o Reino de Deus. Jesus disse: “Quem não
nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus” (Jo 3.5).
Quando Paulo amplia o tema em Efésios 2, ele diz: “Ele vos deu vida, es­
tando vós mortos nos vossos delitos e pecados'’’ (Ef 2.1). Posso me enganar
pensando que, enquanto estou num estado de morte espiritual, posso esten­
der a mão por minha própria fé e me tornar espiritualmente vivo. Isto é
exatamente o que não posso fazer. Isto é exatamente o que apenas Deus
pode fazer por nós. Foi por isso que Jesus disse a Nicodemos que antes que
uma pessoa possa ver o reino de Deus, ele ou ela deve ser nascido do Espírito.
Há muita confusão entre os cristãos a respeito da expressão “nascer de
novo.” Quando uma pessoa vem a Cristo e passa por uma conversão dramá­
tica e experimenta nova vida em Cristo, ela diz: “Agora eu nasci de novo,”
e pensa que ser nascido de novo significa o total da experiência de vida
nova que está gozando. Entretanto, num sentido técnico do Novo Testa­
mento, regeneração descreve não o processo total que nos leva a gozar uma
nova vida em Cristo, mas apenas o primeiro passo. Assim como o nasci­
mento é o começo da vida humana e um começo necessário, assim o nasci­
mento espiritual é simplesmente o primeiro passo depois do qual vêm a fé,
o arrependimento e tudo mais.

• C o m o de vo reagir aos pregadores de rua?

Lembro-me de que alguns anos atrás, na Filadélfia, vi a fotografia do


Dr. Cornelius Van Til num jornal, um dos mais eminentes teólogos do sécu­
lo XX, pregando nas ruas da Filadélfia. Fiquei dominado por uma sensação
de humildade com aquilo — que esse homem com sua dignidade, com suas
credenciais acadêmicas, sua reputação impecável como um erudito, esti­
vesse disposto a enfrentar a hostilidade, a zombaria e todo o resto que vem
junto com a pregação pública daquela maneira.
Penso nos apóstolos, em Paulo que ia à praça do mercado e discorria
diariamente falando com as pessoas que estavam ali no Monte de Marte.
Penso nas coisas bizarras que Deus ordenou que alguns profetas fizessem
— andar descalço e nu em praça pública como testemunha (não que seja­
mos chamados para fazer isso!) e das lições objetivas através de formas
simbólicas de comportamento que seriam, do ponto de vista social, total­
mente ofensivas para os seus contemporâneos.
Portanto, por um lado, tenho respeito pelas pessoas que têm a audácia e
a coragem de pregar dessa forma. Mas tenho visto outros tipos de pregação
de rua — o tipo em que alguém pega um megafone, fica em pé na esquina
e prega para as pessoas que estão presas num sinal vermelho. As pessoas
não querem ouvir e são, de certa forma, bombardeadas por esse tipo de
atividade. Às vezes podemos ser grosseiros na maneira como pregamos, e
creio que devemos ser cuidadosos.
Parte de minha dificuldade, entretanto, é meu próprio orgulho. Sou um cris­
tão e um pregador. Vivo numa cultura onde a pregação é aceitável em certos
lugares e de determinadas maneiras, e é inaceitável socialmente em outros luga­
res e de outras maneiras. E quem decide o que é aceitável e o que não é? Nem
sempre a decisão está sendo feita pelo partido certo, e não gosto de sofrer as
conseqüências embaraçosas do comportamento socialmente inaceitável de ou­
tras pessoas. Não tenho certeza de que minhas reações negativas a algumas des­
sas coisas não estejam enraizadas em meu próprio orgulho e medo de que eu
possa ter os mesmos defeitos. Espero que essas não sejam as razões básicas de
meus sentimentos negativos contra algumas dessas atividades.
Não tenho grandes entusiasmos com adesivos de pára-choque. Reco­
nheço que épocas diferentes têm diferentes meios de comunicação. Houve
um tempo em que o evangelho era comunicado através de panfletos ou
folhetos. Tudo era comunicado daquela forma. Depois, através de livros e
música. As formas de comunicação mudam e as pessoas colocam suas men­
sagens em camisetas e nos pára-choques. Portanto, por que não os cristãos?
Minha preocupação é não baratearmos a proclamação de Cristo sendo mui­
to graciosos ou muito espertos com essas formas.
A IGREJA

“Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas


concidadãos dos santos, e sois da família de Deus, edificados
sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo
Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce
para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente
estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito
— E f é s io s 2.19-22

Perguntas dessa seção:

• Quem foi o primeiro cristão?


• Quais são os elementos fundamentais para o crescimento da igreja?
• Quais são as diferenças essenciais na estrutura das igrejas?
• O que precisamos saber a respeito de uma igreja antes de freqüentá-la, e o
que precisamos saber antes de nos tomarmos membros?
• Como podemos reagir às decisões insatisfatórias tomadas nos concílios que
governam nossas igrejas? Como nós, os leigos, podemos nos fazer ouvir?
• O que devo fazer se meu pastor é mais liberal do que eu, e quando é a hora
de deixar a igreja?
• Algumas igrejas e colégios cristãos têm estabelecido padrões de compor­
tamento para todos os membros e estudantes. Isso é bíblico?
• Qual é o significado do batismo?
• O sr. encorajaria um adulto que aceitou a Cristo recentemente a ser batizado
mesmo que ele ou ela já tenham sido batizados na infância?
• O que causa mais pressão ou tensão em meu pastor?
• Os pastores deveriam se candidatar a cargos políticos?
• A mulher deveria assumir cargos na igreja?
• Em 1 Coríntios 11, Paulo trata do véu para mulheres na igreja. Como isso
se aplica à igreja cristã hoje?
• Como os membros da igreja podem influenciar a educação dada nos se­
minários?
• Por que devemos guardar o dia de descanso atualmente?
• Por que tantas pessoas acham que o culto é aborrecido?
• O que significa adorar a Deus em espírito e em verdade?
• Por que é necessário louvar ao Senhor, e qual a base bíblica para isso?
• Dr. James Packer critica os cristãos por usarem crucifixos e figuras de
Jesus como símbolos do cristianismo, dizendo que isso quebra o segundo
mandamento de Deus. Como o sr. se sente a respeito?
• O que verdadeiramente recebemos de Jesus Cristo quando participamos
da Santa Ceia?
• Deveríamos confessar nossos pecados uns aos outros como diz o livro de
Tiago?
• Em Gálatas 6, qual é a diferença entre a admoestação “levai as cargas uns
dos outros” e a afirmação de que “cada um levará o seu próprio fardo?”
• A celebração do Natal é um ritual pagão?
• Poderia nos dizer porque o X é usado para substituir Cristo?
• Qual a necessidade mais urgente da Igreja Evangélica hoje para que ela
tenha um impacto sobre a sociedade?
• Qual a questão mais crucial que a igreja enfrenta hoje?

• Q u e m foi o p r im e ir o cristão?

Depende de como definimos um cristão. No livro The Churchfrom Abel


(A Igreja desde Abel), escrito na década de sessenta, o teólogo católico
romano Yves Congar voltou às passagens do Antigo Testamento onde se
registra a discrepância entre a oferta que Abel trouxe diante de Deus e a
oferta de seu irmão Caim. Você se lembra que a oferta de Caim não foi
aceitável a Deus, e ele, com inveja, rebelou-se e assassinou seu irmão Abel.
Nesse sentido, Abel foi o primeiro mártir da fé. Congar continua para suge­
rir que a igreja realmente nasceu com esse ato de devoção e adoração de
Abel. Poderíamos voltar mais atrás ainda. O primeiro vislumbre do evange­
lho é encontrado na promessa que Deus faz a Adão e Eva no jardim. Depois
que a maldição é imposta sobre eles, há a promessa de que alguém virá,
nascido da semente da mulher, o qual esmagará a cabeça da serpente embo­
ra tendo o seu próprio calcanhar machucado no processo. Podemos assu­
mir, creio eu, que ambos, Adão e Eva, puseram sua confiança e sua fé na­
quela promessa de Deus para sua futura redenção. Portanto, poderíamos
dizer que os primeiros cristãos foram Adão e Eva.
Se quisermos ser mais específicos, considerando um conhecimento
pessoal de Jesus, então o meu candidato seria a mãe de Jesus. O anjo
anunciou à Maria que ela havia recebido o poder do Deus altíssimo e
havia concebido aquele que deveria nascer e ser chamado Jesus, aquele
que salvaria o seu povo dos seus pecados — ele deveria ser um salvador.
Quando esse anúncio foi feito à virgem Maria, ela cantou o Magnificat
(A oração de Maria recebe esse nome porque essa é a expressão latina
que inicia a oração. Magnificat quer dizer engrandecer. N.T.) sob a inspi­
ração do Espírito Santo: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu
espírito se alegrou em Deus, meu Salvador1’ (Lc 1.46). Penso que Maria,
naquele momento, estava colocando sua confiança e sua fé na criança
que dentro em pouco estaria crescendo em seu ventre. Portanto, eu diria
que no Novo Testamento, Maria foi a primeira cristã.
O termo cristão não foi nem sequer usado até o livro de Atos. Ali lemos
que os crentes em Jesus foram chamados cristãos pela primeira vez em
Antioquia. Portanto, alguns podem argumentar a favor dessa ocasião. Obvi­
amente, quem teria direito ao título de primeiro, seria uma questão de como
você encara os fatos, e não de dogma teológico.

• Quais são os e le m e n t o s f u n d a m e n t a i s para o c r e s c i m e n ­


to da igreja?

A chave mais importante é a obra do Espírito Santo. Vemos no livro dos


Atos que era o Senhor quem acrescentava diariamente à igreja.
Mas isso não significa que toda vez que vemos igrejas superlotadas de
membros isto seja obra do Espírito Santo. Humanamente falando, creio que
há alguns indícios absolutamente importantes.
Houve nos Estados Unidos um estudo feito com pessoas que haviam dei­
xado a igreja. A pergunta feita a essas pessoas foi: “Por que você parou de ir
à igreja?” A razão número um foi: “A igreja é maçante.” A segunda maior
razão foi que, no julgamento dessas pessoas, a igreja é irrelevante.
Tenho refletido sobre essas respostas muitas vezes. Quando olho para as
Escrituras vejo que ao longo da história da redenção, quando as pessoas
encontram a Deus, elas têm diferentes tipos de reação. Algumas delas cho­
ram, algumas riem, algumas cantam, outras gritam, algumas correm, algu­
mas ficam assustadas, algumas delas ficam bravas. Mas nunca li nas Escri­
turas um relato de alguém que tenha encontrado a Deus e se sentido ente-
diado. A mim me pareceria que, se em nossas igrejas as pessoas estivessem
tendo um encontro vital com o Deus vivo, ninguém diria que a igreja é
maçante. E não creio que elas considerariam a experiência irrelevante.
Agora, vamos olhar de uma perspectiva diferente. Se você perguntar às
pessoas que freqüentam a igreja por que elas vão à igreja, posso dizer qual
seria a razão número um. As pessoas diriam que vão à igreja para adorar a
Deus. Elas sabem que essa é a primeira razão pela qual se deve ir à igreja.
Mas a razão real pela qual elas vão à igreja é a comunhão que encontram lá;
vão para estar com outras pessoas. Penso que um pastor sábio compreende
isso. Portanto, creio que dois dos mais importantes fatores na experiência
da igreja são: (1) o próprio culto se toma um evento pelo qual as pessoas são
trazidas à presença do Deus vivo e (2) a igreja reconhece que as pessoas
precisam de comunhão, que elas precisam se relacionar com outras pessoas
no contexto da igreja. As igrejas que colocam uma grande ênfase numa
adoração expressiva e vital e que estão atendendo a necessidade de comu­
nhão das pessoas são as igrejas que têm a maior possibilidade de crescer.
Creio também que um dos ingredientes vitais para o crescimento das igre­
jas é uma pregação bíblica e vigorosa.

• Quais são as diferenças essenciais n a estru tura das igrejas?

Normalmente, quando nos referimos à estrutura eclesiástica estamos


falando a respeito da forma pela qual a igreja se organiza em termos de
autoridade. Há basicamente três tipos de estrutura diferentes entre as igre­
jas cristãs: a forma de governo episcopal, a presbiteriana e a congregacional.
A maioria das igrejas cai em uma dessas três categorias de estrutura.
Por “episcopal” não me refiro especificamente ao que chamamos de
Igreja Episcopal. Estou usando o termo num sentido genérico. A palavra
episcopal vem da palavra grega do Novo Testamento episcopos, que quer
dizer bispo ou supervisor. Nesse modelo, a autoridade ou liderança pastoral
é investida sobre uma pessoa que governa uma área, chamada diocese em
algumas culturas. As denominações Anglicana, Episcopal e Metodista usam
esse tipo de estrutura. Encontramos esse modelo também na Igreja Católica
Romana, e várias outras igrejas católicas como a Igreja Grega Ortodoxa.
O sistema presbiteriano é mais do tipo representativo de governo, no
qual a autoridade não está baseada numa pessoa que supervisiona outros
pastores, mas num presbitério, que se parece com um congresso nacional.
Esse corpo de presbíteros tem autoridade sobre as igrejas locais.
No sistema congregacional, as congregações locais não são ligadas umas
às outras por bispos ou presbitérios, mas por uma associação livre e volun­
tária. A autoridade ou estrutura da igreja tem a sua origem dentro da con­
gregação local.
Todas essas formas têm algum tipo de autoridade que provê uma lide­
rança dominante para os membros daquela comunidade. Essas são as prin­
cipais diferenças entre as comunidades cristãs. Outras diferenças de estru­
tura refletem diferenças teológicas, por exemplo, o ponto central do culto
são os sacramentos ou é a pregação? Estas não são tanto uma questão estru­
tural, mas de doutrina que, por sua vez, afetam a estrutura.

• O q u e precisam os saber a respeito de u m a igreja a n te s de


f r e q ü e n t á - l a , e o q u e d e v e m o s sa ber a n te s de n o s t o r ­
narm os m embros?

Antes de freqüentar uma igreja deveríamos saber se ela é uma igreja


legítima. Obviamente, se o título na fachada diz: “Igreja de Satanás” sabe­
mos que essa não é uma comunidade legítima de crentes cristãos. Mas o
que dizer de igrejas que não são legítimas por razões menos óbvias? Algu­
mas comunidades religiosas alegam ser cristãs mas, no meu julgamento e
no julgamento de muitos cristãos, essas comunidades não são cristãs, mas
comunidades apóstatas. Até mesmo freqüentar os seus cultos pode ser um
pecado. Não podemos esperar que uma igreja seja perfeita. Mas ela se man­
tém fiel à essência da fé? Afirma uma convicção básica e sólida na divinda­
de de Cristo e em outros aspectos de sua pessoa e de sua obra que encontra­
mos expressos no Novo Testamento?
Agora, podemos estar adorando todos os dias com pessoas que profes­
sam ser cristãos mas não o são; isso não podemos evitar porque Deus não
nos deu a habilidade de olhar dentro do coração da outra pessoa e dizer
exatamente em que situação ela está espiritualmente.
Mas podemos indagar das convicções básicas de uma igreja, e deseja­
mos nos unir em adoração apenas com um grupo de pessoas que esteja
tentando fazer o que é próprio aos olhos de Deus.
Obviamente, esse mínimo indispensável deve ser feito antes dt freqüentar
uma igreja. Antes de se unir a uma igreja, eu diria que você deve examiná-
la mais cuidadosamente. Você deveria fazer perguntas como: Essa é uma
igreja onde o evangelho está sendo pregado, onde existe fidelidade às Es­
crituras? Essa é uma comunidade com a qual estou preparado para assumir
um compromisso pessoal de meu tempo, meu dinheiro, minha devoção, um
lugar onde serei guiado num crescimento espiritual juntamente com minha
família? Creio que esse é o tipo de pergunta que deve ser examinada cuidado­
samente antes de assumir um compromisso de participar como membro de
uma comunidade. Em nosso país, freqüentemente nos unimos à igreja no
mesmo espírito com que nos unimos a outras organizações, esquecendo que
quando nos unimos a uma igreja, fazemos um voto sagrado diante de Deus de
realizar certos atos — de estar presente nos cultos, de fazer uso diligente dos
meios de graça, de ser um participante ativo naquela igreja. Antes de assumir
um voto de cumprir todas essas coisas, você deve saber a que você está se
unindo e então, tendo feito o voto, estar preparado para cumpri-lo.

• C o m o p o d e m o s reagir a decisões insatisfatórias — c o m o


posições liberais q u a n t o ao aborto — t o m a d a s n o s c o n ­
cílios q u e g o v e r n a m nossas igrejas? C o m o nós, os leigos,
p o d e m o s no s fazer ouvir?

Essa pergunta só pode ser respondida levando em consideração a estru­


tura das várias denominações. Algumas denominações operam numa base
puramente congregacional, na base da igreja local. Se cada denominação é
autônoma e capaz de tomar suas próprias decisões e, em certos casos, esta­
belecer suas próprias políticas, então é muito mais fácil para os leigos con­
seguir que seus pontos de vista sejam ouvidos. Mas se nos encontramos
num contexto em que a igreja tem um corpo de representantes ou um concí­
lio geral que estabelece a política e toma as decisões pela denominação
como um todo (como no caso dos Metodistas, Episcopais, Presbiterianos e
Católicos), estes organismos representativos nem sempre refletem o que
você crê individualmente.
Você me pergunta por uma estratégia de como vencer isso. Realmente
não sei, apenas posso dizer que sempre que houver oportunidade, faça ou­
vir a sua posição. Em muitas denominações, a pessoa tem direito de voto na
congregação local, e é ali que você tem oportunidade de expressar seu pon­
to de vista e colocar sua desaprovação. Algumas vezes, assim como na es­
trutura governamental do mundo secular, você tem líderes — representan­
tes — a quem você pode escrever e tomar conhecida sua posição. Alguns
grupos dentro da igreja podem ter uma posição diferente. Na maioria das
denominações há grupos minoritários representativos de comunicação nos
quais você pode fazer ouvir a sua voz.
Mesmo nas situações em que você sente que sua voz tem muito pouco
impacto, não creio que seja apropriado não fazer nada. Nem penso que seja
apropriado abandonar a igreja por qualquer discordância que você tenha
com os concílios que a governam. Toda igreja está constantemente procu­
rando a si mesma, examinando sua posição sobre vários assuntos. E creio
que somos chamados a sermos pacientes com nossas denominações e com
nossos concílios eclesiásticos em algumas dessas questões. Alguns pronun­
ciamentos do Supremo Concílio partem o meu coração, e fico muito entris­
tecido com eles. Eu me apresso a dizer que eles não necessariamente me
representam naquele ponto. Mas há níveis diferentes de pronunciamento.
Por exemplo, quando a Igreja Católica Romana emite um decreto papal,
isto é muito diferente de um documento de estudo que esteja sendo apre­
sentado por um grupo de sacerdotes católicos; um estudo não tem o mesmo
peso de uma encíclica papal.
Um pronunciamento feito pelo Supremo Concílio de uma Igreja Presbi­
teriana é algo significativo, mas não tem o mesmo peso que uma afirmação
doutrinária dessa mesma denominação. Portanto, creio que devemos pesar
esses fatores à medida que lutamos juntos pelas soluções.

• O q u e de vo fazer se m e u pa sto r é m ais liberal d o q u e eu,


e q u a n d o é h o r a de deixar a igreja?

Os termos liberal e conservador não são termos sem sentido, mas são
rótulos muito amplos. Não sei onde você se situa, e quando você fala sobre
um ministro que é mais liberal que você, talvez você seja um conservador
inflamado. Você pode ser o extremista fanático da ala direita e o que consi­
dera liberalismo pode ser pura ortodoxia!
Digamos que o conservador é uma pessoa que resiste a mudanças, que
aderiu ao status quo. Sendo cristãos, não podemos nos permitir abordar a
vida dessa maneira. Nunca chegamos a um estado perfeito na vida da igreja
ou em nossa compreensão das coisas de Deus; não é uma boa idéia conser­
var todas as coisas do passado. Devo estar sempre aberto à Reforma e a
novos crescimentos e experiências em matéria de fé e vida.
De uma perspectiva histórica, liberal é um termo maravilhoso. Descre­
ve alguém que experimentou liberdade, que não está amarrado simples­
mente a tradições de homens, alguém que está aberto para novos horizon­
tes, novas vistas, novas aventuras no reino de Deus. Num outro sentido,
liberal não é um termo amigável para o cristianismo. Por exemplo, houve
um movimento na igreja do século XIX que adotou o termo liberal como
uma definição técnica para todo um sistema de teologia que categorica­
mente apagou o sobrenatural da fé cristã, negando não apenas o Nascimen­
to Virginal, mas a própria Encarnação — os milagres de Jesus, a redenção
de Cristo, a ressurreição de Jesus, a ascensão de Jesus e a sua volta. Não
reconheço aquela escola de pensamento como parte de um debate intramuros
entre cristãos tentando elucidar nossas crenças. Existe muito espaço para
discordância dentro do corpo de Cristo. Mas a negação sistemática do so­
brenatural, que encontramos no liberalismo do século XIX foi, eu diria,
subcristão ou não-cristão ou verdadeiramente antitético ao cristianismo. Lá
havia pessoas dentro da igreja, negando aquilo que eu consideraria essenci­
al à fé cristã.
Se seu pastor é um liberal no sentido de que ele está na realidade negan­
do doutrinas básicas da fé cristã, então você tem um problema sério nas
mãos. Dependendo de sua denominação, há certos meios de acesso através
dos quais você poderia registrar sua queixa. A maioria das igrejas tem tri­
bunais eclesiásticos para tratar de hereges, e esse caso de liberalismo é here­
sia. Herege não é uma palavra que usamos comumente nessa geração culta
e esclarecida, mas existem verdadeiros hereges.
A respeito de deixar ou não a igreja, eu diria que sua atitude básica
deveria ser de enorme paciência porque a igreja é maior que um ministro
individual ou até mesmo que uma comunidade específica e local de cren­
tes. Se você descobrir que uma denominação inteira assumiu uma posição
herética negando aquilo que é essencial na fé cristã, então penso que está na
hora de partir.

• A l g u m a s igrejas e u n i v e r s i d a d e s cristãs e s t a b e l e c e r a m
p a d r õ e s d e c o m p o r t a m e n t o para t o d o s os m e m b r o s e
e s t u d a n te s . Isso é bíblico?

Vou tentar responder essa pergunta a partir do que tenho encontrado no con­
texto dos colégios e universidade cristãs.
Antes de mais nada, creio que é perfeitamente apropriado que um colégio ou
universidade particular tenha padrões que são impostos sobre seus alunos. Creio
que é particularmente importante que, se uma instituição se intitula instituição cristã,
ela seja extremamente cuidadosa para não impor padrões ou regras que vão além
daquilo que a Bíblia realmente fala. O que acontece é que as pessoas olham para
essas situações e dizem: “Oh, é isso que os cristãos fazem ou não fazem.” Se
somos tão restritos e tão rígidos que impomos regras e regulamentos sobre situa­
ções nas quais Deus deixa as pessoas livres, estamos provocando o descontenta­
mento de Deus. Isso porque, na realidade, estamos distorcendo a lei de Deus.
Menciono isso porque tenho visto muitas universidades e colégios cristãos
que, em meu julgamento, têm regras e regulamentos que vão muito além daquilo
que as Escrituras requerem das pessoas. De fato, eles impõem um tipo de legalismo
que é uma distorção da Palavra de Deus e comunica aos estudantes e ao mundo
um retrato da fé cristã que simplesmente não é exato. A motivação por trás des­
ses regulamentos é, em geral, boa. As pessoas que os estabelecem entendem que
os jovens são particularmente inclinados a dar suas cabeçadas e experimentar
tipos de comportamentos que são questionáveis. Muitas vezes, a universidade é
a primeira situação na qual o jovem está longe de casa e sozinho para tomar
decisões importantes. Eles precisam aprender a lidar com uma liberdade que não
experimentaram antes. Por isso os cristãos se enchem de zelo para protegê-los
do mundo e de cair em pecados perigosos, e fazem isso reforçando as restrições
e adicionando regras. O efeito negativo desse modelo é a supercorreção ou
superproteção que, freqüentemente, leva os estudantes a se rebelarem. Outro
efeito negativo é que os estudantes que não se rebelam acabam ficando ainda
mais isolados do mundo no qual vivemos — a verdadeira arena da redenção.
Lembro-me de uma universidade cristã em particular que fez parte de um estu­
do nacional sobre complexo de culpa entre os estudantes. Esta escola cristã, em
particular, apresentou um índice de 99%. Em outras palavras, há problemas sérios
de estudantes paralisados e obcecados pela culpa naquele campus. Uma universi­
dade cristã é o lugar onde deveríamos sentir o desprendimento e a libertação da
culpa porque experimentamos o perdão que é nosso em Cristo. Portanto, eu diria
que há um lugar e um propósito para certos padrões numa instituição particular,
mas a aplicação errônea dessa proteção é extremamente perigosa.

• Q u a l o significado do b a ti s m o ?

A propósito, a palavra significado tem sua raiz na palavra sinal. Um sinal


aponta para algo além de si mesmo. Todos reconhecemos que qualquer que seja o
significado do batismo, Jesus sem dúvida pensou que ele era muito importante
pois ordena que batizemos todas as nações em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. Qualquer coisa a mais que ele seja, o batismo é o sinal da nova aliança que
Deus faz com seu povo. Temos o mandamento claro, no Novo Testamento, que os
cristãos devem ser batizados. Pessoalmente, não creio que o batismo seja essencial
para a salvação. Se eu cresse nisso deveria pensar que o ladrão na cruz, que rece­
beu a promessa do paraíso com Jesus, estaria desqualificado pois, obviamente,
não teve a oportunidade de ser batizado. Mas creio que o batismo é essencial para
a obediência, porque Cristo o ordena. E a mesma coisa da pergunta que é feita por
alguns: “E necessário ir à igreja para ir para o céu?” Eu diria: “obviamente não.”
Mas você deve ir à igreja para obedecer a Cristo? Sim, você deve. E se você não
está disposto a obedecer a Cristo e não tem nenhuma intenção de seguir os seus
mandamentos, isso pode ser um sinal de que você não está se dirigindo para o céu.
Portanto, o envolvimento com a igreja se toma uma questão séria de obediência.
Eu diria o mesmo sobre o sacramento do batismo. É o sinal da nova aliança.
E um sinal de nossa participação em Jesus, de sermos participantes de sua morte
e ressurreição que formam a essência do evangelho. Também é o sinal de nossa
purificação do pecado e da culpa pela obra de Jesus e pela lavagem da regenera­
ção. O que fazemos exteriormente com água, o Espírito faz interiormente com
sua graça. Portanto, ele é um sinal da nossa purificação. É também um sinal da
nossa santificação. É um sinal de nosso batismo do Espírito Santo. E um sinal de
havermos sido colocados à parte do mundo e havermos recebido a tarefa santa
de cumprir a comissão que Cristo dá à sua igreja.
Portanto, o batismo significa várias coisas. Creio que uma de nossas tendên­
cias é reduzi-lo a uma só — transformando-o meramente num rito de purifica­
ção ou simplesmente num sinal do revestimento de poder dado pelo Espírito
Santo — quando, na realidade, é um sacramento rico e cheio de significado.

• O sr. encorajaria u m a d u lto q u e aceitou a Cristo re c e n te ­


m e n t e a ser b a tiza d o m e s m o q u e ele ou ela já te n h a sido
b a tiz a d o n a infância?

Sem dúvida, há um grande número de pessoas que encorajaria um re­


cém convertido à fé cristã, a ser batizado como adulto, mesmo que já tenha
sido batizado na infância. A razão principal é que um grande número de
cristãos crêem que é impróprio batizar crianças. Eles não reconhecem a sua
validade, portanto, em seu entendimento, esse batismo adulto é o único
verdadeiro batismo que as pessoas recebem.
Eu creio que o batismo infantil é próprio e deve ser praticado pela igre­
ja. Como você sabe, a igreja é dividida mais ou menos pela metade nessa
questão, mas eu faço parte da metade que crê no batismo infantil.
A razão pela qual eu não encorajaria a pessoa a ser batizada pela segunda vez
é a seguinte: Nós consideramos o batismo como um sinal da promessa de Deus
de trazer a medida completa da redenção para aqueles que colocam sua confian­
ça em Cristo, e é um sinal de cerca de sete ou oito bênçãos sobre as quais o Novo
Testamento elabora. É um sinal da promessa de Deus e a integridade e validade
desse sinal não repousam no ministro ou sacerdote que administra o sacramento,
nem sobre a integridade dos pais que trazem a criança para ser batizada, nem na
fé ou falta dela por parte da criança. A integridade da promessa pertence funda­
mentalmente à integridade daquele que faz a promessa, isto é, a Deus.
Eis o cenário: Há uma criança que recebe o sinal da promessa da aliança
de Deus, assegurado por toda integridade do próprio Deus. Na ocasião, isso
não significa nada para o bebê, e talvez nem mesmo para o sacerdote ou
para os pais. Talvez seja um mistério para todos eles.
Então, vinte e cinco anos mais tarde, a pessoa se converte e recebe todos
os benefícios que a promessa significava. Ela, então, vem a mim e deseja
que eu a batize novamente.
Normalmente, elas dizem: “Não significava nada para mim antes. Eu não
estava nem sequer consciente disso. Agora que sou cristão desejo experimentar
esse sacramento do batismo. Certamente, olho com bons olhos esse anseio e
compreendo o desejo da pessoa de ter a experiência de passar pela água do batismo
e receber o sinal e o selo exterior de todas aquelas coisas maravilhosas que ela
está experimentando. Mas a razão pela qual eu não encorajaria um segundo
batismo é que, na realidade, esse é um sinal da promessa de Deus de que certas
coisas aconteceriam se a pessoa colocasse sua confiança em Cristo, por que en­
tão essa pessoa viria diante de Deus e diria: “Por favor, repete a promessa para
mim!” Fazer isso, na realidade, lança uma sombra na integridade da promessa
original que Deus acaba de cumprir em toda sua magnificência. Logicamente, eu
diria que a repetição do ato seria um insulto velado à integridade de Deus, embo­
ra eu reconheça plenamente que nenhuma pessoa, em um milhão, que recebe o
segundo batismo, tem a intenção de que ele seja um insulto.

• O q u e causa m ais te n s ã o o u pressão e m m e u pastor?

No seminário, tenho a responsabilidade de ensinar não somente estu­


dantes do curso de graduação, mas também estudantes do programa de
doutoramento que está aberto apenas para aqueles que já estão no pastorado
ativo por pelo menos cinco anos.
Quando voltam ao seminário para aprofundar sua educação, temos mui-
J tas oportunidades de discutir, junto com um grande número de pastores, quais
são, segundo a percepção de cada um, as pressões mais fortes. Embora varie
de pessoa para pessoa, dois tipos de estresse aparecem freqüentemente.
O maior problema com que o pastor precisa lidar é tentar manter as
pessoas felizes. Como líder de um grupo de pessoas, o pastor precisa ocu­
par-se constantemente com a crítica daqueles que estão descontentes com
ele, alguns dos quais estão fazendo objeções a ele. Quando você é líder e
porta-voz de um grupo, a crítica faz parte do programa. E semelhante ao
cargo de presidente de uma companhia. Quando o presidente tem uma reu­
nião com sua equipe, assim que deixa a sala, ele sabe que uma segunda
reunião terá lugar. A equipe vai discutir entre si e avaliar, analisar, queixar-
se, reclamar ou regozijar sobre o que ele, o presidente, fez.
O líder espiritual da igreja é o pastor. O pastor fala todo domingo de
manhã, e todo domingo à noite temos churrasco de pastor para o lanche nos
lares daqueles que ouviram o sermão. As pessoas concordam ou discordam,
ficam felizes ou infelizes. Na segunda feira, ele recebe as cartas, a frieza e
as reclamações. A maior fonte de estresse que encontro entre os pastores é
lidar com a crítica pessoal.
Creio que o segundo ponto de tensão na vida do pastor são as finan­
ças. Sei que, provavelmente desde que a igreja existe, as pessoas recla­
mam: “O pastor está sempre pedindo dinheiro,” ou “Eles estão sempre
passando a salva da coleta.” Mas nenhuma organização consegue funci­
onar sem recursos financeiros. Compreendemos que algumas pessoas le­
vam a questão financeira ao extremo. Mas nossos educadores, músicos e
pastores são os profissionais mais mal pagos em nosso país. Em todas as
outras profissões, o salário é estabelecido, até certo nível, pelo mercado.
Mas, na Bíblia, Deus estabelece o valor do ministro e exige que as pesso­
as entreguem seus dízimos para garantir que o pastor seja pago. Não é
assim que funciona em nosso país. Alguns poucos pastores em super-
igrejas vivem bem financeiramente, mas a maioria luta para conseguir
que o salário chegue ao fim do mês, porque não são valorizados pelos
membros da igreja da mesma forma que Deus os valoriza, como está
registrado nas Escrituras. Isso não apenas os fere financeiramente, mas
insulta a sua dignidade. Por causa do modo como são pagos, os pastores
sentem que não são apreciados.
• Os p asto res d e v em se c a n d id a ta r a cargos políticos?

Nas história política americana notamos muitas oportunidades nas quais


os pastores se candidatam e são eleitos para cargos políticos. Desde os tem­
pos do Congresso Continental (Assembléia Legislativa que governou os
Estados Unidos durante a Guerra de Independência, N.T.) encontramos esse
tipo de representação.
Mas os pastores devem se candidatar a cargos políticos? Nos Estados
Unidos, temos um princípio importante: a separação entre estado e igreja.
Isso significa que há duas esferas de autoridade, uma é de responsabilidade
dos políticos e a outra é função da igreja institucional. Não é dever da igreja
ser o estado, e não elegemos pastores para que eles funcionem como pasto­
res em seus cargos políticos.
Mas um pastor pode decidir deixar sua vocação eclesiástica e entrar na
esfera política? Basicamente, essa é uma questão entre a pessoa e Deus. Por
exemplo, sou ordenado ao ministério, sou um sacerdote, e isso porque tenho
tentado demonstrar à igreja que tenho um chamado, ou uma vocação para o
ministério dentro da vida da igreja. Essa vocação vem de Deus; ele me cha­
mou para ser ministro ou pastor. Se Deus me chama para ser pastor e eu
decido — por minha própria ambição — candidatar-me ao Senado ou à Câ­
mara, e ao fazer isso abandono a vocação que Deus me deu, então estou numa
séria situação diante de Deus, pois estou desobedecendo minha vocação.
Lembre-se que quando Paulo testemunhou diante do rei Agripa (Atos
26), falou do chamado que recebeu de Cristo para se tomar apóstolo? Ele
disse: “Pelo que, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial” (At
26.19). Seria possível que Deus chamasse uma pessoa para o ministério
durante um certo período de sua vida e depois lhe desse uma nova vocação
na arena política? Não conheço nenhuma razão pela qual isso não possa
acontecer. Na história da igreja tem havido situações nas quais a própria
igreja tem até mesmo sugerido a alguns de seus ministros que tirem, por
assim dizer, umas férias de seus deveres eclesiásticos e sirvam a Deus numa
função diferente — na política ou nos negócios ou em qualquer outro em­
prego. Creio que é possível haver uma mudança de vocação.

• A m u lh e r deveria a s s u m ir cargos n a igreja?

Algumas pessoas vêem a controvérsia sobre liderança feminina na igre­


ja simplesmente como um choque entre dois pontos de vista — um que
defende a liberação da mulher de uma forma ou outra, e o outro como tei­
mosia de machismo chauvinista. Mas essa é uma abordagem simplista a
respeito da questão muito controvertida da ordenação feminina.
Em 1 Timóteo 2.12, o apóstolo Paulo estabelece as qualificações para lide­
rança da igreja, e faz a seguinte afirmação: “E não permito que a mulher ensine,
nem exerça autoridade de homem”. Note, entretanto, que ele não diz: “não
permitirei que a mulher seja pastora” nem diz: “não permitirei que a mulher
seja ordenada para o ministério.” O que ele diz é: “não permito que a mulher
ensine, nem exerça autoridade de homem”. Aqui é que está o problema. O
verbo que Paulo usa nessa passagem e que foi traduzido por “autoridade” ocor­
re apenas uma vez em todo o Novo Testamento nesse contexto particular. Por­
que essa palavra é usada apenas uma vez no Novo Testamento e raramente
aparece em outras formas de literatura grega do mesmo período que ainda po­
dem ser encontradas hoje, não temos absoluta certeza do que a palavra signifi­
ca. Mesmo assim lutamos para ser obedientes às linhas gerais e às restrições
para governo da igreja que são apresentadas no Novo Testamento.
Eu diria que Paulo proíbe que a mulher tenha algum tipo de autoridade.
Quando estudo os padrões do Novo Testamento, penso que o que Paulo está
dizendo é que as mulheres podem estar envolvidas em todos os tipos de
função de ministério na igreja, mas que o papel de autoridade jurídica ou de
autoridade de governo não deve ser exercido por mulheres. Eu acrescenta­
ria que a grande maioria dos estudiosos do Novo Testamento ao longo dos
anos concordaram com a posição que acabei de apresentar. Sei que, em
certas denominações, a ordenação significa que a pessoa pode ter autorida­
de de governo na igreja. Se o apóstolo proíbe isso, e se o proíbe para todas
as gerações, então essa prática hoje, ontem ou amanhã seria discrepante em
relação à autoridade apostólica e, portanto, seria discrepante em relação à
autoridade de Cristo.

• Em 1 C oríntios 11, Paulo trata do véu para m u lh e r e s na


igreja. C o m o isso se aplica a igreja cristã hoje?

Durante o meu período de ginásio, quando ia à igreja nos domingos de


manhã, nunca vi uma mulher na igreja (era uma igreja presbiteriana tradici­
onal) que não tivesse sua cabeça coberta com um chapéu ou um véu. Esse é
um daqueles costumes que simplesmente desapareceram na grande maioria
de nossa cultura cristã. Se você for à minha igreja presbiteriana nesse do­
mingo, verá duas mulheres usando chapéu. Uma é uma senhora holandesa,
conservadora ferrenha, e a outra é minha esposa, pois estamos persuadidos
de que o mandamento bíblico ainda é válido.
Sabemos que, no Novo Testamento, algumas regras são ditadas pelo costu­
me e outras são ditadas por princípio. Por exemplo, quando Jesus enviou os
setenta discípulos numa missão de evangelismo, ele lhes disse para não levar
sandálias com eles. Isso não significa que toda pregação e todo evangelismo
deva ser feito com os pés descalços. Billy Graham não está pecando quando usa
sapatos ao pregar o evangelho. Mas há muitos casos como esses que não são tão
óbvios. No contexto total do capítulo onze de 1 Coríntios, as mulheres são ins­
truídas a cobrir suas cabeças com véu, como um sinal de sua disposição de sub­
meter-se à liderança ou ao comando de seus maridos. Há três elementos aqui: a
submissão da esposa ao marido como cabeça da família, o cobrir a cabeça, e o
cobrir a cabeça com véu. Quanto disso é princípio e quanto é costume?
Muitos cristãos crêem que não devemos mais dizer às mulheres que se sub­
metam ao comando de seus maridos. Portanto, as mulheres não têm que cobrir
suas cabeças. Outros dizem que o princípio de comando ainda permanece na
família, mas que o cobrir da cabeça era um costume cultural que não é exigido
em nossos dias e, portanto, o véu não teria significado também.
O terceiro ponto de vista sobre essa passagem é que ela está descrevendo um
princípio, e que as mulheres devem cobrir suas cabeças e usar o véu para isso.
Estou convencido de que quando Paulo diz que as mulheres devem cobrir suas
cabeças, está baseando essa atitude na maneira como Deus criou macho e fêmea.
Parece-me que, usando um princípio de interpretação que chamamos hermenêutica,
se existe uma indicação de ordenança perpétua na igreja, essa seria a que está
baseada num apelo à criação. Estou convencido de que o princípio de cobrir as
cabeças ainda é valido porque está baseado na criação. E, embora não seja mais
culturalmente aceito em nossa sociedade, ainda creio que é um princípio. Não
creio que faça qualquer diferença se é um chapéu ou um véu, mas creio que o
símbolo deveria permanecer intacto como sinal de nossa obediência a Deus.

• C o m o os m e m b ro s da igreja p o d e m in flu en ciar a e d u c a ­


ção d a d a n o s sem inários?

Creio que uma das maiores crises em nosso país está na educação teoló­
gica. Nas últimas décadas temos visto o afastamento de muitas instituições
cristãs — inclusive universidade cristãs, colégios e até mesmo seminários
— do cristianismo ortodoxo. Algumas de nossas melhores instituições educa­
cionais seculares iniciaram como seminários cristãos — Princeton, Harvard
e Yale, por exemplo. Com o passar dos anos, essas instituições sofreram a
influência da erudição secular, mudaram seus compromissos e, em alguns
casos, os mudaram drasticamente.
Honestamente, há muito pouco que os membros da igreja possam fazer para
influenciar a educação dada nos seminários. Isso pode soar como pessimismo,
mas a vida acadêmica é um mundo em si mesmo. Além disso, diferentes institui­
ções teológicas e seminários têm suas próprias regras e regulamentos a respeito
de como estabelecer sua política educacional. Algumas vezes, essas políticas e
pontos de vista dos seminários são inteiramente controlados pelo corpo docen­
te; em outros casos são controlados por um corpo de diretores; e em outros
ainda pela administração. E mais ou menos tudo o que podemos fazer como
indivíduos ou membros de uma igreja local é insistir em que as pessoas que
chamamos para ser nossos pastores sejam homens piedosos, que estudaram pro­
fundamente as Escrituras e tenham conhecimento teológico.
Pessoalmente, estou totalmente comprometido com a noção de um clero bem
educado. Um dos grandes benefícios da Reforma Protestante foi tomar a Bíblia
disponível para consulta individual e particular. Hoje imprimimos a Bíblia em
nossa língua; ela não está mais restrita a publicações em latim, grego ou hebraico.
Mas, ao mesmo tempo, quando lemos as Escrituras por nós mesmos, a própria
Escritura nos diz que precisamos de professores. A Bíblia é, com freqüência,
difícil e complexa e há um grande benefício em termos ministros e pastores
altamente educados. E sua maneira de pensar — a própria natureza de seu minis­
tério — será moldada pela instituição que os educou.
Portanto, o único caminho pelo qual podemos ter uma palavra nessa
matéria como membros da igreja é na seleção de nossos pastores.
Nem todo estudante de qualquer seminário representa, em sua totalidade, a
linha seguida pelo seminário, mas deveríamos saber qual é a linha usada pelos
seminários e, quando examinamos as credenciais de um pastor em potencial, deve­
ríamos considerar cuidadosamente onde ele recebeu sua educação teológica.

• Por q u e d e v e m o s g u a rd a r o sábado ou dia de d e sca n so


a tu a lm e n te ?

Dentro da igrej a cristã, há três opções principais para responder a essa pergunta.
Alguns cristãos crêem que o sábado (o inglês usa a expressão sabbath,
mais próxima da hebraico para designar o dia de descanso. N.T.) era uma
instituição do Antigo Testamento e que não tem nenhuma aplicação na igreja
do Novo Testamento. Até mesmo um homem extraordinário como Santo
Agostinho assumiu a posição de que a observância do sábado não teve pros­
seguimento na comunidade do Novo Testamento e, portanto, foi cumprida
e terminada com a obra de Cristo. Há cristãos que sentem que não existe
nenhum significado particular na observância do sábado hoje, embora eles
representem uma minoria.
A maioria dos cristãos, embora possa haver discordância sobre que dia
é o sábado — o sétimo ou o primeiro dia da semana — e como ele deve ser
observado, ainda mantém que, de alguma forma, a comunidade cristã deve
observar o sábado.
Deus não estabeleceu o sábado no monte Sinai com Moisés e o povo de
Israel, mas na Criação. Os últimos livros da Lei certamente dilataram a
noção do sábado em termos das especificações de como ele deveria ser
observado em Israel, mas o sábado existe muito antes que os Dez Manda­
mentos e outras leis fossem dadas ao povo
Isso indicaria que uma vez que a criação existe, o sábado existe tam­
bém. Na aliança que fez com Israel, Deus disse: “Este é o meu sábado para
todas as gerações.” O fato de ser uma ordenança da criação é uma forte
evidência de que ainda há uma exigência de que o sábado seja observado
pelos cristãos — na realidade, não apenas pelos cristãos, pois o sábado é
parte do propósito de Deus para a humanidade desde o início. Essa é uma
das razões pelas quais os estados têm leis que regulamentam o trabalho,
diversão e comércio aos domingos.
A observância do sábado não era nem sequer vista como violação do
princípio de separação entre igreja e estado; todos deviam ter um sábado,
quer fossem cristãos, judeus, maometanos ou qualquer outra coisa.
No Novo Testamento, a igreja se reunia no Dia do Senhor, que é o
primeiro dia da semana, para o culto. Temos um mandamento claro no
Novo Testamento de que não devemos abandonar a assembléia dos san­
tos (Hb 10.25). Em outras palavras, a linguagem simples do Novo Tes­
tamento nos diz que os cristãos devem se reunir em culto congregacional
no Dia do Senhor (ou Domingo, que quer dizer “Do Senhor” N.T.) Isso
significa que devemos ir à igreja. Essa é normalmente considerada como
uma das maneiras como o sábado deve ser observado. Todos os cristãos
que conheço e que crêem que o sábado ainda é válido, concordam que,
no sábado, ou dia de descanso, deveríamos cultuar a Deus e que a cada
sete dias, deveria também haver um dia de descanso de comércio que
não fosse essencial e de trabalho. Há previsões para o comércio que não
pode parar — hospitais, farmácias, etc. Mas comércio visando vendas e
lucro, deveria cessar no sábado.
Esse grupo de cristãos que crê que o sábado deve ser observado, na
realidade se divide em dois grupos. Um afirma o que chamamos de ponto
de vista continental: A recreação é permitida no sábado. O outro afirma o
ponto de vista puritano: A recreação é proibida no sábado. Eu adoto a posi­
ção de que a recreação é uma forma legítima de descanso no sábado.

• Por q u e ta n ta s pessoas a c h a m q u e o culto é aborrecido?

Algumas pessoas perguntaram a Sam Schumaker, um pastor episcopal


em Pittsburgh, sobre os jovens que se convertem a Jesus através do trabalho
de organizações paraeclesiásticas como Mocidade para Cristo, Vida Jovem,
ou Cruzada Universitária. Eles se enchem de zelo por Cristo e então dei­
xam suas igrejas de origem. O entrevistador estava criticando tais organiza­
ções porque elas estavam tirando os jovens da igreja. Sam respondeu: “Não
tenho certeza se essas organizações estão tirando os jovens da igreja, ou se
as igrejas, em alguns casos, são tão sem vida que os jovens estão morrendo
de tédio.” Sam usou a expressão: “Você não pode colocar um pintinho vivo
debaixo de uma galinha morta.” É um triste comentário dizer que muitas
vezes achamos o culto aborrecido.
Nas Escrituras, vemos pessoas de todos os tipos de personalidade e ori­
gem respondendo a Deus. E eles respondem de diversas maneiras: lágri­
mas, medo, fuga, lamentação, choro, risada, dança, canto. Todas essas pai­
xões e emoções diferentes são provocadas pela presença de Deus. Mas há
uma coisa que nunca encontro na Bíblia quando uma pessoa entra na pre­
sença do Deus vivo: Ela jamais se sente aborrecida. Se nossos cultos são
aborrecidos, então temo que, de alguma forma, não estamos sendo capazes
de comunicar a presença majestosa e fascinante de Deus. Penso que deve­
mos examinar seriamente o estilo de culto que caracteriza tantas das nossas
igrejas nesses dias.
Já me expus muitas vezes a respeito desse ponto dizendo que quando
observo o culto bíblico — por exemplo, o culto que Deus delineou no
Antigo Testamento — no seu centro está a proclamação da Palavra de Deus.
Não apenas a mente está envolvida ao ouvir instruções, mas a pessoa como
um todo — todos os cinco sentidos — está integrada no culto do povo de
Israel no Antigo Testamento. Eles tinham o altar de incenso que estimulava
a adoração com perfume suave. Os nervos auditivos eram estimulados pela
música. A visão da magnificência do tabernáculo (e mais tarde do Templo)
que foi desenhado não para fazer uma demonstração de ostentação ou ri­
queza nem para ser um monumento à grandeza humana, mas para mostrar a
beleza da santidade de Deus. Agora, no culto protestante, em sua maioria
sentamos e ouvimos a um sermão, o que é importante, mas a pessoa total
não está envolvida ativamente no culto. Devemos estar dispostos a levar o
culto de volta ao seu modelo bíblico de envolver a pessoa toda, se deseja­
mos superar essa tendência de aborrecer as pessoas.

• O q u e significa a d o ra r a Deus e m espírito e e m verdade?

Jesus não explica, em João 4.23, o que ele quer dizer com adorar ao Pai
em espírito e em verdade, e podemos apenas fazer algumas especulações.
De um lado podemos pensar sobre o fato de que o tipo de culto que Deus
deseja de nós é o culto que vem do mais profundo de nós mesmos, do nosso
espírito. Pensamos no Magnificat de Maria, por ocasião do anúncio da vin­
da do Messias, quando ela canta: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o
meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador" (Lc 1.46). Sua expressão
era de adoração e reverência que vinha do profundo de sua alma. Era uma
adoração espiritual no sentido de que não estava simplesmente na superfí­
cie. Ela não estava meramente seguindo os gestos mecânica e externamen­
te, mas eles vinham da profundidade do seu ser.
Portanto, pode ser que, quanto à adoração espiritual, Jesus estivesse
falando de uma adoração que vem da profundidade de nosso espírito huma­
no quando se dirige a Deus.
O outro sentido possível do termo “espírito” nessa passagem, particu­
larmente pela maneira como está ligado à “verdade,” é a própria natureza
de Deus e não a nossa profundidade espiritual. No curso da conversação de
Jesus com a mulher, ele enfatiza que Deus é espírito, e liga essa declaração
com a determinação de que ele deve ser adorado em espírito. Creio que o
que Jesus quis dizer é que Deus deseja ser adorado como ele é, que ele deve
ser honrado na plenitude do seu caráter. Não devemos despojar Deus de
seus atributos quando chegamos diante dele em adoração, em honra e com
louvor; não devemos transformá-lo num ídolo — nossa imagem daquilo
que pensamos que ele deveria ser. Não é por acidente que os primeiros dois
mandamentos do Decálogo abrangem e protegem a santidade do caráter de
Deus, e estabelecem uma proibição absoluta contra a adoração aos ídolos.
Lembre-se que a idolatria é uma das distorções primordiais e fundamen­
tais da religião autêntica. Vemos, na longa exposição de Paulo nos primeiros
capítulos de Romanos por exemplo, sua expressão da ira de Deus contra aque­
les que o reduzem a um ídolo. Transformar Deus em um homem, em uma
vaca ou num totem, ou mesmo numa idéia abstrata, não é próprio, pois isso
troca sua glória eterna por uma mentira e Deus não suporta isso. Ele deseja
que seu povo o adore como ele é, na plenitude de seu caráter espiritual e em
verdade. Deus deseja adoração verdadeira e adoração espiritual.

• Por q u e é necessário lo u v ar ao Senhor, e q u a l a base b í­


blica para isso?

Não entendo exatamente o que você quer dizer com “necessário”. É


nossa obrigação ética, como criaturas de um Deus vivo, oferecer a ele lou­
vor e adoração por aquilo que ele é. Eu diria que a justiça, mais do que
qualquer outra coisa, exige nosso culto e adoração a Deus. Se voltarmos à
definição da palavra que foi utilizada durante todo o mundo clássico e que
foi bem definida pelo filósofo grego Aristóteles, justiça é dar a alguém
aquilo que lhe é devido.
Quando lemos as Escrituras, vemos indiretamente o julgamento de Deus
sobre a raça humana. Em Romanos 1, Paulo tentou mostrar que todo o mundo é
trazido diante do tribunal de Deus e é julgado culpado diante dele. Cristo vem a
um mundo de pessoas decaídas e expostas ao julgamento de Deus pela razão
básica de que Deus se revelou a todo ser humano nesse mundo, mas embora
saibamos que há um Deus, nós nos recusamos a honrá-lo como Deus. Essa é a
causa número um do julgamento de Deus sobre nós. Por nossa natureza decaída
nos recusamos a dar a honra que é devida a Deus nosso Criador.
Por que a honra é devida a Deus? Deus é intrinsecamente honorável.
Ele merece nosso louvor e merece nossa adoração. Se Deus é louvável,
então é nossa obrigação louvá-lo. Essa é uma dedução do caráter de Deus e
do caráter de criaturas que devem ao seu Criador o crédito e a gratidão por
todos os benefícios que recebem nesse mundo. Subentende-se que deve­
mos a ele louvor e gratidão.
Além dessas referências indiretas, há a ordem direta das Escrituras para
trazermos ofertas de louvor diante de Deus. Creio que é o Salmo 150 que
diz: “Todo ser que respira louve ao SENHOR”.
Repetidamente, tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos nos dizem
que Deus é espírito e que devemos adorá-lo em espírito e em verdade. Ado­
rar a Deus verdadeiramente é oferecer adoração e louvor. Paulo fala em nos
oferecermos em sacrifício vivo, que é o nosso culto racional. É a coisa justa
a fazer, é a coisa racional e religiosa a fazer.

• O Dr. Ja m e s Packer, e m seu livro Knowing Goá (C o n h e c e n ­


d o a Deus), critica o u so de crucifixos e figuras de Jesus
c o m o sím bolos do c ristian ism o d iz e n d o q u e isso q u e b ra
o se g u n d o m a n d a m e n t o de Deus. C om o o sr. se se n te a
re sp e ito ?

Desejo prefaciar minha resposta dizendo que Jim Packer é um bom amigo
e que já trabalhamos juntos muitas vezes em conferências teológicas. Sei
que ele é um dos mais admiráveis estudiosos cristãos do mundo hoje. E um
teólogo anglicano e tem raízes pessoais profundas na reforma protestante.
Você deve estar ciente de que no século XVI, uma das questões cruciais
do conflito entre a igreja católica romana e a reação protestante foi precisa­
mente o uso de imagens e pinturas na igreja. Houve a grande controvérsia
iconoclasta e até mesmo na Alemanha de Lutero o povo chegou a ponto de
arrombar igrejas católicas romanas e destruir algumas peças de arte porque
acharam que elas eram uma violação ao segundo mandamento. Existe uma
longa tradição de preocupação protestante a esse respeito porque o segun­
do mandamento diz: “Não farás para ti imagem de escultura, nem seme­
lhança alguma...” (Ex 20.4) Isso não é uma proibição completa contra a
arte, como até mesmo os mais ardentes reformadores compreenderam. Há
um fantástico uso de várias formas de arte na Bíblia — sendo o tabernáculo
e o templo de Israel os exemplos principais. A proibição era contra qual­
quer semelhança humana de Deus.
Houve uma concordância clara entre os reformadores de que não deve­
ria haver nenhuma imagem que tentasse representar a natureza de Deus. A
pintura na Capela Sistina, por exemplo, retratando a mão e o dedo de Deus
ao criar Adão, teria sido questionável para os reformadores. Historicamen­
te, a Igreja Católica Romana tem assumido uma posição forte dizendo que
embora as pessoas possam servir à imagem, elas não devem adorar ídolos ou
cruzes ou qualquer outra coisa como essas. Eles definiram idolatria; a palavra
vem de idola latria, que quer dizer literalmente “adoração aos ídolos.”
Eles fazem uma distinção entre servir à imagem e adorá-la; algumas
pessoas, assim como Packer, dizem que essa é uma distinção sem diferen­
ça. Servir aos ídolos é adorá-los, e os reformadores não ficaram satisfeitos
com a resposta católica romana.
Agora você levanta a pergunta sobre a representação de Cristo e o uso
da cruz. Há protestantes que não admitem qualquer símbolo na igreja, in­
clusive a cruz, com ou sem a figura de Cristo sobre ela. Packer está questi­
onando figuras de Jesus e cruzes. Pessoalmente, tenho um problema com
isso de um ponto de vista prático. Não posso afirmar com toda certeza que
representar a natureza humana de Jesus seja uma violação do segundo man­
damento. Mas não estou certo de que seja sábio, pois a representação pode­
ria comunicar às pessoas uma imagem errônea. A cabeça de Cristo feita por
Salomão, apesar de toda a sua beleza, tem comunicado a várias gerações de
pessoas um Jesus efeminado que parece menos do que vigoroso. Eu prefe­
riria não comunicar nada artisticamente sobre a aparência de Jesus do que
colocar imagens erradas nas mentes das pessoas.

• O q u e v e rd a d e ira m e n te recebem os de Jesus q u a n d o p a r­


tic ip a m o s da Santa Ceia?

As várias entidades e denominações cristãs diferem profundamente so­


bre isso. Todos concordam, entretanto, em pelo menos um aspecto, isto é,
que todos recebemos nutrição espiritual de Cristo. Como disse Calvino, nós
nos alimentamos do corpo ressurreto de Cristo. Somos fortalecidos interi­
ormente pela graça que nos é oferecida por sua presença nessa circunstân­
cia singular. Sempre que temos comunhão com outros cristãos ou que va­
mos à casa de Deus, Cristo está presente. Entretanto, há algo especial a
respeito do modo como Cristo se faz presente na Mesa do Senhor
Temos prazer na companhia de outras pessoas como conhecidos e ami­
gos, mas gozamos de uma dimensão diferente de comunhão quando parti­
lhamos uma refeição na casa de alguém. Há algo profundamente enraizado
na personalidade humana pelo qual experimentamos uma certa intimidade
quando compartilhamos uma refeição. Isso não é menos verdadeiro na di­
mensão espiritual quando somos convidados a participar dessa celebração.
E também uma oportunidade de renovação da graça do perdão. Chega­
mos à Mesa do Senhor num espírito de cuidadosa preparação e arrependi­
mento, para experimentarmos um senso renovado de cura e perdão que
vem até nós, fluindo da cruz e da intercessão de Cristo por nós no céu. Há
um outro tipo de renovação que quase sempre é menosprezado; estou con­
vencido de que todas as vezes que participamos da Ceia do Senhor estamos
renovando nossa submissão ao Espírito Santo. Foi no cenáculo que Jesus
praticou um costume judaico chamado sucessão de dinastia. Ele o fez com
relação ao pacto pelo qual nos entregou à liderança do Espírito Santo — o
mesmo Espírito que Jesus disse que haveria de derramar no dia de Pente­
costes. Num certo sentido, quando a igreja se reúne em santa comunhão,
ela não apenas honra o seu rei e contempla o futuro banquete com ele, mas
também se submete novamente à liderança do Espírito Santo.
Eu diria que além e acima de todas essas coisas, o benefício mais pro­
fundo que recebemos na celebração da Ceia do Senhor é a presença imedi­
ata de Cristo. Novamente, nem todos concordam sobre o modo dessa pre­
sença. Pessoalmente, não creio que ele esteja presente de forma física, mas
creio que ele está substantivamente, verdadeiramente presente com todo
seu poder e majestade para nos assistir, nos alimentar, nos curar, e nos nu­
trir. Realmente comungamos com Cristo à Mesa.

• D e v e ría m o s c o n fe s s a r n o s s o s p e c a d o s u n s aos o u t r o s
c o m o diz o livro de Tiago?

Se Tiago diz isso, então, sem dúvida, deveríamos confessar nossos pe­
cados uns aos outros. Entretanto, uma das grandes divisões entre cristãos
diz respeito ao ato de confessar nossos pecados a outro ser humano. Por
exemplo, a Igreja Católica Romana tem o sacramento da penitência pelo
qual, o fiel dentro da Igreja Católica Romana deve, com certos intervalos, ir
ao confessionário e confessar seus pecados audivelmente diante de um sa­
cerdote e passar pela absolvição e obras de penitência.
A maioria das comunidades protestantes, mas não todas, aboliram a prá­
tica desse tipo de confissão. A idéia por trás dessa atitude é que não precisa­
mos de um mediador; podemos confessar nossos pecados diretamente a
Deus. Bem, certamente concordo que podemos contar nossos pecados dire­
tamente a Deus, e somos chamados a confessar nossos pecados a ele assim
como os santos das Escrituras fizeram como exemplo para nós. Mas as
Escrituras nos dizem não apenas para confessarmos nossos pecados direta­
mente a Cristo, que é o nosso Supremo Sumo Sacerdote e Mediador, mas
confessá-los uns aos outros.
Nesse ponto, permitam-me dizer que a grande controvérsia sobre o sa­
cramento católico da penitência não tinha nada a ver com o fato de confes­
sar os pecados a outra pessoa. Na época da Reforma, os debates tinham a
ver com as obras de penitência (e, portanto, com a doutrina da justificação)
sobre a qual não falaremos aqui.
Falando como protestante, penso que algo muito precioso foi perdido
no mundo protestante pela nossa abolição da prática da confissão. Ainda
estou para encontrar um cristão que não almeje ouvir alguém com autorida­
de lhe dizer: “Os seus pecados estão perdoados.” E creio que essa autorida­
de, assim como a igreja Católica Romana também crê, foi realmente dada à
igreja. Essa é a razão pela qual, mesmo em igrejas protestantes, vemos pas­
tores que se levantam e proclamam a certeza do perdão e da graça.
As pessoas necessitam da garantia de que os pecados que confessaram
de fato foram perdoados. Penso em Isaías no templo, quando o serafim veio
com a mensagem de Deus: “a tua iniqüidade foi tirada, e perdoado, o teu
pecado” (Is 6.7). Quão libertador foi aquilo. Tenho conversado com psiqui­
atras que dizem que o fardo mais pesado em termos de doença mental do
povo nos Estados Unidos é o fardo da culpa não resolvida. Um psiquiatra
me disse: “Muitas pessoas que vêm me procurar precisam mais de um pas­
tor do que de um psiquiatra.” Creio que confessar nossos pecados pode ser
uma prática extremamente saudável para nós. Ao mesmo tempo, também
pode se tomar uma preocupação neurótica se corremos uns para os outros
para contar cada detalhe e nos excedermos.

• Em G álatas 6, q u a l é a d ifere n ça e n tr e a a d m o e s ta ç ã o
"Levai as cargas uns dos outros” e a afirm ação de q u e “cada um
levará o seu próprio fardo"?

Sem dúvida, à primeira vista parece um conselho contraditório. Se você


está procurando contradições vindas da pena do apóstolo, você poderia es­
perar que elas tivessem acontecido em cartas diferentes e dez anos antes.
Mas você não esperava encontrá-las no mesmo livro e capítulo, como en­
contramos aqui.
Creio que Paulo está falando sobre duas coisas diferentes, de um lado, o
apelo para suportar as cargas uns dos outros é muito importante dentro da
noção que o apóstolo tem sobre qual seria a razão de ser da igreja. O espírito
de levar as cargas deve estar presente entre o povo de Deus e a ênfase é
colocada sobre a compaixão. Ter compaixão é entrar nos sentimentos da ou­
tra pessoa, o que é um tema freqüente nos ensinos de Paulo — alegrar-se com
os que se alegram e chorar com os que choram. Nenhum indivíduo no corpo
de Cristo deve suportar sua dor ou sofrimento sozinho. Cada pessoa no corpo
de Cristo é parte de uma comunidade na qual celebra e confessa o Credo dos
Apóstolos. Isso envolve a comunidade dos santos, a união com outras pesso­
as de forma que nos juntamos para suportar as cargas uns dos outros.
Se você está sobrecarregado, eu sou chamado para ajudar.
Em termos bíblicos, a não ser pelo experimento da igreja de Jerusalém no
qual as pessoas tentaram, por um breve período, viver na base da propriedade
comum, a tradição histórica em toda Escritura coloca grande importância
sobre a responsabilidade individual de fazer tudo o que estiver em seu poder
para sustentar a si mesmo e a sua família, para não ser um fardo desnecessá­
rio sobre o resto da comunidade. Como disse Paulo, e na ocasião soou um
tanto rude: “se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2Ts 3.10).
Temos também a afirmação incisiva do Novo Testamento de que se uma
pessoa deixa de providenciar o necessário para sua família, ele é pior que o
infiel; isto é, ele é pior que o não crente. Essa vigorosa ética de trabalho tem
suas raízes lançadas profundamente no Antigo Testamento, e não deve ser
confundida com a mentalidade do “fazer-se por si próprio” que vê cada
pessoa como auto-suficiente. Desde o começo da criação, há uma evidente
divisão de trabalho na ordem que Deus impôs sobre o mundo, mas nessa
divisão cada pessoa tem um papel significativo a desempenhar e responsa­
bilidades a assumir.
Quando individualmente trabalho para cumprir o que Deus me chamou
a fazer e encontro problemas, posso pedir a você que me ajude, mas isso
não significa que você faça o meu trabalho por mim. Eu ainda tenho minha
responsabilidade.

• A celebração d o Natal é u m ritual pagão?

Essa pergunta aparece todos os anos na época do Natal. Em primeiro


lugar, não há nenhum mandamento bíblico direto para celebrar o nascimen­
to de Jesus no dia 25 de dezembro. Não há nada na Bíblia que sequer indi­
que que Jesus nasceu no dia 25 de dezembro. De fato existe muita coisa nas
narrativas do Novo Testamento que indicariam que o nascimento não ocor­
reu nessa época do ano. Aconteceu, entretanto, que no dia 25 de dezembro,
no Império Romano, celebrava-se um feriado pagão relacionado com as
religiões de mistério; os pagãos celebravam seu feriado nesse dia. Os cristãos
não desejavam participar disso, portanto disseram: “Enquanto todos estão
celebrando essa festa pagã, nós vamos ter a nossa própria celebração. Vamos
celebrar aquele que é o fato mais importante para as nossas vidas, a encarna­
ção de Deus, o nascimento de Jesus Cristo. Portanto essa será uma ocasião de
festividades alegres, de celebração e adoração ao nosso Deus e Rei.”
Não posso imaginar nada mais agradável para Cristo do que ver sua
igreja celebrar seu aniversário todo ano. Lembre-se que toda noção de festa
e celebração anual está firmemente arraigada na tradição judaica antiga.
No Antigo Testamento, por exemplo, houve ocasiões em que Deus enfatica-
mente ordenou que o povo se lembrasse de certos eventos com celebrações
anuais. Embora o Novo Testamento não exija que celebremos o Natal todos
os anos, certamente não vejo nada de errado no fato da igreja participar dessa
ocasião alegre de celebrar a encarnação que é o ponto divisório de toda histó­
ria humana. Originalmente, sua intenção era honrar não a Mitras ou qualquer
outro culto das religiões de mistério, mas o nascimento do nosso Rei.
Acidentalmente, a Páscoa pode ser ligada a Ishtar no mundo antigo.
Mas o fato da igreja cristã se reunir para celebrar a ressurreição de Jesus
dificilmente será algo que provocaria a ira de Deus. Gostaria de ter outras
festas anuais. A Igreja Católica Romana, por exemplo, celebra com grande
alegria a Festa da Ascensão todos os anos. Algumas igrejas protestantes o
fazem, mas a maioria não participa. Gostaria que celebrássemos esse gran­
de evento na vida de Cristo quando ele foi elevado aos céus para ser coroa­
do Rei dos reis e Senhor dos senhores. Celebramos seu nascimento, cele­
bramos sua morte. Gostaria que celebrássemos também sua coroação.

• Poderia nos dizer p orque o X é usado para substituir Cristo?

A resposta simples para sua pergunta é que X em Cristo é usado como R em


R. C. O nome escolhido para mim quando nasci foi Robert Charles, mas antes
mesmo de ser levado da maternidade para casa meus pais começaram a me cha­
mar por minhas iniciais, R.C. E ninguém ficou muito escandalizado com aquilo.
X pode significar muitas coisas. Por exemplo, quando queremos indicar
uma quantidade não conhecida, usamos o símbolo X. Pode se referir a uma
classificação de filmes como obscenos, algo que recebe uma classificação
X (X-rated). Parece que as pessoas se sentem contrariadas quando vêem o
nome de Cristo ser deixado de lado e substituído por esse símbolo de uma
quantidade não conhecida. Todos os anos, vemos cartazes e adesivos de
pára-choque dizendo “Coloque Cristo de volta no Natal” (A palavra Natal
em inglês, Christmas, é muitas vezes grafada Xmas. N.T.) como resposta a
essa substituição do nome de Cristo pela letra X.
Antes de mais nada, você tem de entender que não é a letra X que está sendo
usada para substituir Cristo. Vemos a letra X do nosso alfabeto mas, na realida­
de, ela representa a primeira letra grega para o nome Cristo. Christos, no Novo
Testamento, é a expressão grega para Cristo. A primeira letra da palavra grega
Christos é transliterada em nosso alfabeto como X. Esse X foi usado ao longo
da história da igreja como um símbolo abreviado do nome Cristo.
Não vemos ninguém protestando contra o uso da letra theta, que é um O
com uma linha cortando verticalmente. Usamos essa letra como uma abre­
viação taquigráfica da palavra Deus, porque é a primeira letra da palavra
grega Theos, que quer dizer Deus.
A idéia do X como uma abreviação para o nome de Cristo tem sido
usada em nossa cultura sem nenhuma intenção de mostrar qualquer des­
respeito a Jesus. Historicamente, a igreja tem usado o símbolo do peixe
porque é um acróstico. Peixe, em grego (ictus) usa as cinco letras inici­
ais das palavras que formam a frase em grego: “Jesus Cristo, Filho de
Deus, Salvador.” Portanto os cristãos primitivos tomavam as cinco le­
tras iniciais dessas palavras e as colocavam juntas para formar a pala­
vra grega para peixe. Foi assim que o símbolo do peixe se tornou o
símbolo universal do cristianismo. Há uma história longa e sagrada do
uso do X para simbolizar o nome completo de Cristo, e desde o início
nunca significou qualquer desrespeito.

• Q u a l a n ecessid ade m ais u rgen te da Igreja Evangélica hoje


para q u e ela t e n h a u m im p a c to sobre a sociedade?

Do meu ponto de vista como educador no mundo cristão, tenho uma


visão bem limitada dos problemas que surgem na igreja e das necessidades
mais prementes. Temos uma tendência pecaminosa de escolher nossa pró­
pria área de especialidade e transformá-la na mais importante e dizer que
esse é o lugar no qual realmente precisamos centralizar nossa energia ou é o
lugar onde as mudanças verdadeiramente acontecem. Como sucede com
todo mundo, esse é o meu caso também.
Mas creio que atualmente a necessidade mais urgente para o cristãos
evangélicos, se na realidade desejam causar impacto sobre esse mundo,
está na área da educação dos adultos.
Para que os cristãos cresçam e atinjam a maturidade, precisam pensar
como cristãos. Para que possam se comportar com plena maturidade como
eficientes e íntegros discípulos de Cristo, precisam alcançar uma compre­
ensão profunda da Palavra de Deus.
Creio que a Bíblia ecoa esse sentimento muitas vezes em numerosas passa­
gens que nos exortam a sermos maduros em nosso entendimento. Algumas ve­
zes, o autor da carta aos Hebreus repreende com vigor a comunidade cristã di­
zendo que eles já passaram muito tempo como bebês em Cristo; eles estavam
muito satisfeitos com leite e não desejavam passar para alimento sólido. Se vamos
causar algum impacto em nossa cultura, devemos ser espiritualmente maduros.
Vamos colocar da seguinte maneira: Crianças não provocam um grande
impacto para a mudança de uma nação. Elas não criam os valores e as es­
truturas da nação na qual vivem. Creio que isso tem uma implicação espiri­
tual. Precisamos crescer até a condição de cristãos adultos antes de poder­
mos ter qualquer tipo de impacto significativo sobre a cultura.
De acordo com o mais abrangente estudo e levantamento sobre religião
já realizado nos Estados Unidos, deveríamos estar num dos maiores reavi-
vamentos já experimentados por esse país. Cerca de 65 milhões de pessoas
nos Estados Unidos alegam ser cristãos re-nascidos. Entretanto, o mesmo
estudo mostra um impacto mensuravelmente nulo ou muito pequeno desse
grupo na formação das instituições sociais e das estruturas de nosso país.
Como é possível que um bloco tão grande de pessoas não faça sentir mais
significativamente sua influência na formação do nosso país? Minha conclusão é
que nós mesmos não compreendemos ainda os valores bíblicos e não chegamos
àquele entendimento profundo que proporciona maturidade para a liderança.

• Q u a l a q u e s tã o m ais crucial q u e a igreja e n fre n ta hoje?

Estou convencido de que a questão mais crucial para a igreja hoje é a


sua própria convicção da divindade de Cristo. Isso pode parecer uma verda­
de óbvia; afinal, a divindade de Cristo é o próprio alicerce da fé cristã. Mas
na história da igreja a questão da divindade de Cristo tem estado no centro
do conflito dentro da igreja durante quatro séculos: o século IV, o século V,
o século XIX e, agora, o século XX.
Há cem anos atrás, era muito elegante, com o crescimento da assim
chamada escola de crítica histórica moderna, levantar perguntas sobre a
crença da igreja em seu Senhor, sua fé na divindade do próprio Cristo. Ha­
via toda uma escola de teólogos que tinha muitas coisas boas para falar a
respeito de Jesus. Apreciavam seus ensinos éticos e aplaudiam seu plano de
preocupação social. Mas acreditavam que o retrato de Jesus apresentado
pelo Novo Testamento que enfatizava sua divindade e sua obra de redenção
cósmica através de uma expiação, de sua ressurreição dentre os mortos e da
operação de milagres, era uma manifestação pré-científica e bem ingênua
do povo do século I que estava muito influenciado por uma variedade de
mitologias pouco sofisticadas.
No século XIX, houve uma grande crise, não somente no mundo secular
mas na própria igreja, que um teólogo do século XX chamou (com acerto,
penso eu) de “crise da descrença.” Essa crise de forma nenhuma foi supera­
da. Em muito casos, a questão está oculta porque ainda há um certo respei­
to. As pessoas esperam que alguém que é membro de uma igreja, ou parti­
cularmente um sacerdote, preste pelo menos um assentimento da boca para
fora à divindade de Cristo. Ainda é perigoso para um pastor apresentar-se
audaciosamente e negar em público a divindade de Cristo. Isso aconteceu,
há alguns anos atrás, numa das principais denominações e no dia seguinte a
matéria estava na revista Times. O mundo secular ficou abismado ao ouvir
pessoas religiosas negando o próprio centro de sua religião. Mas se você sai
da esfera pública e entra nos meandros do ambiente acadêmico da igreja
cristã, das universidades e dos seminários cristãos, você ouve questões so­
bre a divindade de Cristo debatidas abertamente e, em muitos casos, nega­
da por professores.
Portanto penso que o que está em jogo — a grande questão em jogo —
na igreja cristã hoje é Cristo. Afirmamos seu senhorio e sua divindade?
C A S A M E N T O E F AMÍ L I A

“E disse o homem: Esta, afinal, é osso


dos meus ossos e carne da minha carne...
Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua
mulher, tornando-se os dois uma só carne”
— G ê n e s is 2 . 2 3 , 2 4

Perguntas dessa seção:

• O que deveria distinguir um casamento cristão?


• Quais são as coisas mais importantes que um casal de noivos, desejosos
de se casar, deveria descobrir a respeito um do outro?
• Sendo ministro, o sr. faria o casamento de um crente com um não-crente?
• Por que é importante que façamos votos matrimoniais numa cerimônia
formal?
• Deus desaprova casamentos inter-raciais?
• O que devemos concluir a respeito da poligamia praticada pelos heróis
do Antigo Testamento?
• Qual a noção bíblica de um casamento piedoso e cristão?
• Efésios 4.3 diz: “Esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade
do Espírito no vínculo da paz". Como isso pode ser traduzido na experiên­
cia prática diária do relacionamento matrimonial?
• Preciso saber como tratar meu marido não-cristão. Vou à igreja e o deixo
sozinho em casa?
• Como uma mulher encontra dignidade sendo dona de casa e mãe em nossa
sociedade que valoriza uma carreira profissional?
• Que versículos uma esposa e mãe cristã pode usar como preceitos para
suas responsabilidades e deveres?
• O que diz a Bíblia a respeito de uma mãe com crianças pequenas que
trabalha fora de casa?
• Um casal cristão pode praticar controle da natalidade?
• Se um casal não pode conceber uma criança e decide adotar, isso indica
que o casal não tem fé suficiente de que Deus poderia lhes dar um filho?
• Como nós, cristãos, podemos lidar com estilos de vida pecaminosos de
membros de nossa família ou de hóspedes que vêm à nossa casa?
• Meus filhos adolescentes estão começando a não querer ir à igreja. Devo
forçá-los? Até que idade?
• Como podemos ajudar nossos filhos a enfrentarem a pressão do grupo?
• Existem bases bíblicas para o divórcio? Quais são elas?
• Sob que condições um cristão divorciado pode voltar a se casar ?
• Se a vontade de Deus é manter um casamento e todo o esforço é feito por
um dos membros do casal, a obediência e fé deste um pode superar as
circunstâncias e, na realidade, salvar um casamento que está falindo?
• Por que o abuso físico não é base legítima para o divórcio?
• Hipoteticamente, como o sr. aconselharia sua filha se os filhos dela —:
seus netos — tivessem sido abusados sexualmente pelo pai, que não está
disposto a receber aconselhamento?

• Vem os m u it o s p ro b le m a s n o s c a s a m e n to s hoje. O q u e
deveria d istin g u ir u m c a s a m e n to cristão?

Quando falamos sobre a diferença que ser um cristão faz na vida, não
apenas no casamento, apontamos para a realidade de que sendo cristãos
somos habitados por Deus, o Espírito Santo, que trabalha em nós dando-
nos assistência para sermos obedientes aos mandamentos de Deus. Tam­
bém percebemos que simplesmente porque somos cristãos não estamos de
maneira nenhuma livres do pecado %Todos nós pecamos e todos nós conti­
nuamos a pecar. Portanto, o fato de sermos cristãos não garante que nosso
relacionamento matrimonial será aquilo que deveria ser.
Tenho mencionado, em muitas ocasiões, que fico sempre angustiado quan­
do ouço de pastores que são tão zelosos no seu desejo de alcançar pessoas
para o cristianismo, fazendo promessas as quais, eu creio, Deus nunca so­
nhou em fazer. Eles dizem coisas como: “Venham a Jesus e todos os seus
problemas serão resolvidos.” Em minha experiência como cristão e alguém
que foi convertido repentina e dramaticamente de um estilo pagão de vida,
creio que minha vida não se tomou complicada até que eu me convertesse,
pois agora estou envolvido em conflitos tais que nunca conhecera anterior­
mente. Há conflitos entre os desejos que brotam do meu coração e que não
são justos e aquilo que a Palavra de Deus me diz que eu deveria estar fazendo.
Se há alguma grande vantagem em ser um cristão, é a vantagem de ter à
nossa disposição a sabedoria de Deus
Para que qualquer relacionamento humano sobreviva às disputas,
»discordâncias, lutas e aos ajustamentos pelos quais todos os relacionamen­
tos passam, é necessário mais do que simples caráter moral. É necessário
grande sabedoria. A sabedoria para tratar o conflito nos relacionamentos
—humanos está disponível para nós na Palavra de Deus. Ela nos diz, por exem­
plo, algumas coisas tão simples como essa: A resposta branda desvia o fu­
ror. Somos instruídos por esses princípios de sabedoria em como evitar o
tipo de espírito que destrói os relacionamentos. Pense por um minuto na
gama de emoções que experimentamos em nossas amizades e em nossos
casamentos. Sempre disse que não há ser humano no mundo que consiga
me deixar mais bravo do que minha mulher. Não há ninguém no mundo
cuja crítica me fira mais do que a de minha esposa, porque sua opinião a
meu respeito significa mais para mim do que a de qualquer outra pessoa. *
Tenho de aprender a manejar minhas emoções nesse relacionamento tão
volátil e vulnerável. As Escrituras me ensinam que existe uma diferença
entre dor, tristeza e amargura. Posso sentir dor. Posso ficar triste. Mas não
tenho permissão para ficar amargo. Posso ficar bravo, mas não tenho per­
missão para deixar que o sol se ponha sobre minha raiva.
A aplicação desses princípios que Deus nos dá contribuem para nos aju­
dar e a muitas outras pessoas nesses pontos difíceis das relações humanas.

• Q uais as coisas m ais im p o r ta n te s q u e u m casal de n o i ­


vos, desejo so s de se casar, d ev eria d e sc o b rir a re sp e ito
u m do o u tro ?

Algumas estatísticas nos dizem que 70% das pessoas que se casarem
durante esse ano se divorciarão. Isso é alarmante. Obviamente estamos co­
metendo muitos erros na seleção dos parceiros no casamento. Os estudos
indicam que há problemas comuns surgindo nos casamentos —problemas
que poderiam ter sido evitados se algum entendimento tivesse acontecido
antes do casamento ser realizado.
Especificamente certos itens foram citados como as razões mais citadas
para a dissolução dos casamentos. Em primeiro lugar estão os problemas
sexuais; em segundo o modo de lidar com as finanças; e então entramos nos
problemas com os sogros: problemas de abuso físico, dissipação dos bens,
alcoolismo, vício de drogas e coisas assim. Portanto, creio que é importan­
te saber se a pessoa com quem você vai se casar tem algum problema sério
de vício — é importante descobrir isso.
Também acho importante conhecer a família dele ou dela porque, quan­
do você se casa com uma pessoa, você recebe uma família, não apenas um
indivíduo. É importante desenvolver um relacionamento com a família do
noivo e da noiva e também ter alguma compreensão do sistema de valores
em que ele ou ela foram educados. Uma das razões por que as pessoas
brigam a respeito de dinheiro é o fato de que, seja qual for a riqueza de duas
pessoas que se unem — podem ser muito pobres ou muito ricos — todo
casal tem uma quantidade finita de dinheiro. Não existem duas pessoas
nesse planeta que tenham exatamente o mesmo sistema de valores quando
entram no casamento. Agora, digamos que temos cem dólares para gastar, e
você prefere gastá-los numa máquina de lavar, e eu prefiro gastá-los num
clube de golfe. Imediatamente temos um conflito em potencial. Não impor­
ta a quantidade de dinheiro que temos, haverá discussão a respeito de como
ele deve ser gasto. Creio que é importante estabelecer quais são os nossos
valores antes de realizar o casamento. Com os problemas sexuais num índi­
ce tão alto, algum aconselhamento pré-nupcial franco nessa área deveria
ser de alta prioridade. Quanto mais comunicação for estabelecida antes do
casamento, melhores serão os padrões de comunicação depois do casamento.

• S e n d o m in is tr o , o sr. faria o c a s a m e n to de u m c re n te
c o m u m n ã o -c re n te ?

A base de sua pergunta é, obviamente, o texto bíblico que diz que não
devemos nos colocar num jugo desigual com não-crentes. A pressuposição,
sem dúvida, é de que esse texto tem uma referência direta com o casamen­
to. A Bíblia não diz isso explicitamente. A Bíblia não diz que um crente não
pode casar com um não-crente. Essa metáfora do jugo desigual dos bois
que puxam um carro de boi é a única referência que temos.
Agora eu diria que na tradição da igreja, a vasta maioria dos estudiosos
do Novo Testamento têm entendido que a passagem significa exatamente
isso — que ela é uma proibição bíblica contra o casamento de um cristão
com um não-cristão. Isso segue a mesma linha da tradição do Antigo Testa­
mento onde os filhos de Israel eram instruídos a escolher suas esposas em
sua própria nação — pessoas que tinham a mesma convicção religiosa. A
pressuposição é de que o compromisso religioso de uma pessoa, se é genu­
íno, tem uma grande importância, e se a pessoa se une na mais íntima rela­
ção que um ser humano pode ter com outro ser humano, e eles não compar­
tilham essa profunda paixão e compromisso, isso pode ser desastroso para
o casamento. Portanto, a sabedoria prática da igreja tem sido, em sua mai­
oria, não colocar muita confiança no casamento entre crentes e não-crentes
pelo fato de que isso provoca muita dificuldade.
Também sabemos que toda a questão do casamento hoje está sob fogo
cerrado; já passamos do índice de cinqüenta por cento de divórcios . As pes­
soas já têm problemas suficientes na busca de um casamento sadio e bem
sucedido sem adicionar a ele esse ponto extremamente difícil de tensão.
Mas você me pergunta se eu, como ministro, realizaria tal casamento.
Como regra geral, não. Não o realizo porque estou convencido de que Deus
não permite que eu o faça. Por exemplo, na cerimônia tradicional de casa­
mento, no ofício que usamos para celebrar os casamentos, as palavras ceri­
moniais são mais ou menos as seguintes: “Queridos, estamos reunidos aqui
hoje na presença de Deus e dessas testemunhas para unir esse homem e essa
mulher nos sagrados laços do matrimônio...” e assim por diante. Uma das
frases da cerimônia de casamento nos lembra que Deus não apenas insti­
tuiu, ordenou e santificou o casamento, mas que Deus regulariza o casa­
mento através de seus mandamentos. Portanto não sou livre para realizar o
rito do casamento para qualquer pessoa. De fato, minha igreja me proíbe de
realizar o casamento de um crente com um não-crente, exceto em uma oca­
sião, isto é, quando já houve uma união física e uma criança deve nascer.
Nessas circunstâncias, eu realizaria a cerimônia.

• Por q u e é i m p o r t a n t e q u e façam os v otos m a tr im o n ia is


n u m a c e rim ô n ia form al?

Você ficaria surpreso com o número de vezes que as pessoas me fazem


essa pergunta. A atitude freqüentemente expressa hoje, e de forma particu­
lar entre os jovens, é: “Que diferença faz um pedaço de papel? Por que
preciso ir à igreja ou ao juiz de paz, para tomar meus votos matrimoniais
significativos?” De fato, muitas pessoas escolhem esquecer tudo isso e di­
zer que simplesmente vão continuar vivendo juntos. “Eu faço uma promes­
sa a ela e ela me faz uma promessa. Ponto final. Se decidirmos terminar
tudo não precisaremos passar por todas as dificuldades legais de tribunal,
família e igreja. Qual o significado dessa cerimônia formal? De qualquer
maneira parece ser um ato de hipocrisia.” Existem algumas coisas que pre­
ciso dizer a respeito.
Em primeiro lugar, uma aliança, no sentido bíblico é algo feito na presen­
ça de testemunhas. Isso porque, por sua própria natureza, a aliança é um acor­
do entre duas ou mais pessoas. Esse acordo envolve uma enorme dose de
confiança entre as pessoas. Para mim, uma coisa é dizer à minha esposa que
eu a amarei, terei carinho por ela e que a honrarei e lhe serei fiel, em particu­
lar, no banco traseiro de um carro ou num passeio sob o luar na beira de um
lago. Outra coisa diferente é fazer essas promessas a ela publicamente.
Repare como a cerimônia cristã começa na maioria das instituições:
“Queridos, estamos reunidos aqui na presença de Deus e destas testemu­
nhas, para unir esse homem e essa mulher nos sagrados laços do matrimônio.”
Quando vivenciamos a cerimônia, há palavras para ratificar isto: “Re­
conhecemos e confessamos que o casamento não é uma instituição humana
que alguém inventou como uma convenção social porque acharam que se­
ria uma boa idéia. Como cristãos, cremos e confessamos que Deus ordenou
e instituiu o casamento.”
Reconhecemos que o casamento como cerimônia foi ratificado pela pre­
sença e bênção de Cristo na festa matrimonial em Caná, por exemplo. Mas
no ofício continuamos dizendo que Deus regulamenta o casamento. Ele
não o inventou apenas e nos entregou para manejá-lo da maneira que qui­
sermos, mas, ao contrário, Deus permanece como autoridade última sobre
o casamento. No estabelecimento de alianças solenes, creio que as assem­
bléias solenes são parte daquele princípio regulamentador do casamento
que vem de Deus e de sua Escritura Sagrada.
Reconhecemos, entretanto, que não precisa ser realizado na igreja. Reco­
nhecemos que o casamento foi instituído para todas as pessoas. Quer sejam
cristãs ou não-cristãs. E por isso que reconhecemos os casamentos realizados
publicamente por uma autoridade civil ou por uma autoridade religiosa. Sem
testemunhas, não existe nenhuma aliança legal, nenhum compromisso legal,
nenhuma obrigação formal que me responsabilize por manter minhas pro­
messas. Assim nós o fazemos de maneira formal e publicamente.
Prometemos não no banco traseiro de um carro, mas diante de toda a estru­
tura de autoridade que significa alguma coisa para nós: nossos amigos, nossa
família, nossa igreja e o estado. Se não assumo minhas promessas com serieda­
de, se meus amigos não assumem, ou se a igreja não o faz, ou mesmo se o estado
não faz, Deus certamente o fará. Pelo menos em nossa cultura, mesmo com as
leis livres de divórcio, o estado ainda toma esses votos seriamente.
• Deus d e sa p ro v a c a s a m e n to s inter-raciais?

Alguns insistem que a Bíblia pretendia que as raças permanecessem


puras, por isso proibia qualquer tipo de casamento inter-racial. Normal­
mente, dois textos bíblicos são usados para apoiar esse ponto de vista. Um
é o fato de que Noé tinha três filhos, Sem, Cam e Jafé. Como você se lem­
bra, Sem recebeu a bênção patriarcal, e uma ampliação dela foi dada a Jafé.
Cam foi amaldiçoado por que olhou para a nudez de seu pai. “Maldito seja
Canaã”(Gn 9.25), foi a maldição que Noé pronunciou sobre Cam e seus
descendentes. Algumas pessoas urdiram conjecturas a partir dos três filhos
de Noé, os três sobreviventes do dilúvio, de que seriam a base histórica para
os três tipos genéricos da raça humana: o caucasiano, o negróide e o mon­
golóide. Eles alegam que essa é a justificação bíblica para haver uma mal­
dição colocada sobre a raça negra, e que os brancos não devem ter nenhum
casamento inter-racial com eles. Isso foi citado, por exemplo, nos docu­
mentos mais antigos do Mormonismo, o que foi um grande embaraço para
eles quando veio a público há alguns anos atrás.
Outros voltam até a criação, onde lemos que Deus criou tudo “segundo
a sua e s p é c i e As pessoas afirmam que essa é a ordem divina da criação, o
fato de que Deus fez as coisas conforme a sua espécie. E sua intenção era de
que eles permanecessem conforme a sua espécie.
No caso de ambos os argumentos, eu diria que essas são as evidências
mais insignificantes e frágeis que posso imaginar para apoiar o que, em
última análise, é uma visão racista da questão.
Não encontro nada, mesmo nas Escrituras, que proíba um casamento
inter-racial a não ser pelos problemas que as pessoas possam enfrentar em
termos de preconceito cultural. Qualquer casal que escolha casar-se dentro
de uma cultura com alto grau de racismo está pedindo por todos os tipos de
tensões que possam ser dirigidas contra o seu casamento. Se estão dispostos
a enfrentar, isso não significa que estão pecando se decidirem entrar num
relacionamento conjugal.
Penso que um dos textos mais fortes que se relaciona com isso está no
Antigo Testamento, onde lemos que Moisés (que foi o mediador da antiga
aliança) tomou para si uma esposa que era cuxita. Um cuxita era um etíope.
Todas as evidências que podemos reunir da história do Antigo Testamento,
indicam que a esposa de Moisés era negra. Lemos também que sua irmã
Miriã ficou muito aborrecida com o fato de que seu irmão havia se casado
com uma cuxita. Foi uma reação racista. Miriã ficou zangada e repreendeu
Moisés. Por causa da reação de Miriã, Deus a condenou, tanto que ela ficou
leprosa. Portanto, se posso dizer alguma coisa, me parece que Deus desa­
prova aqueles que são racistas.

• O q u e d e v em o s c o n clu ir a respeito da poligam ia p ratica ­


da pelos heróis do Antigo T estam ento?

Precisamos examinar várias coisas no que diz respeito ao registro bíbli­


co. A Bíblia registra que esses grandes santos do Antigo Testamento, em
muitas ocasiões, tiveram não apenas mais do que uma esposa, mas em al­
guns casos (inclusive Davi e Salomão) tiveram centenas de esposas ou
concubinas, o que pareceria estar em flagrante desobediência com o princí­
pio bíblico do casamento. A poligamia era, de fato, um flagrante desrespei­
to ao projeto de casamento que Deus estabeleceu na criação. Penso que está
claro, não apenas nos registros do próprio Antigo Testamento, mas na ma­
neira como o Novo Testamento apela para o Antigo Testamento dizendo
que o casamento deveria ser monogâmico — uma esposa e um marido.
Essa era a intenção para todas as gerações.
Se você examinar cuidadosamente os primeiros capítulo de Gênesis, verá
que depois que Caim matou Abel, Adão e Eva tiveram outro filho, cujo nome
era Sete. Olhando para a genealogia desses dois filhos de Adão e Eva, vemos
que os descendentes de Sete se caracterizavam pela piedade e retidão. Foi
dentro dessa linha que nasceram Matusalém, Noé e também Enoque, que foi
levado diretamente para o céu porque andou com Deus.
Agora, se você examinar a linha de Caim, ela se parece com uma galeria
de trapaceiros, um malandro atrás do outro. Um dos principais trapaceiros
cuja biografia é incluída nos primeiros capítulos de Gênesis, é um sujeito
chamado Lameque que se distinguiu por duas coisas. Uma é a horrível can­
ção de guerra que ele escreve e canta em Gênesis, que é uma celebração da
violência. Ele também é apontado como sendo o primeiro polígamo. A Bí­
blia não diz: “Ele foi o primeiro polígamo e isso é muito mau.” Ela apenas
menciona o fato de que ele foi o primeiro polígamo, mas o faz no contexto
da descrição da expansão radical da queda e corrupção humanas. O Antigo
Testamento dá a entender que a poligamia estava em oposição à lei de Deus.
Obviamente, Deus não repreendeu esses heróis do Antigo Testamento por sua
poligamia nem os puniu por isso. Ele tratou sua extrema fraqueza com clemência.
Essa clemência terminou com o aparecimento de Cristo e da Nova Aliança.
• Estou casada h á p o u c o m ais de q u a tr o a n o s e re c e n te ­
m e n t e com ecei a e n te n d e r u m p o u c o m e lh o r m in h a fé
cristã. G ostaria de saber, q u a l é a n o ç ã o bíblica de u m
c a s a m e n to p iedoso e cristão?

Alguns princípios das Escrituras se aplicam a todos os casamentos. Um


dos elementos do ofício do casamento que encontramos na cerimônia tradi­
cional usada pela maioria das denominações é que, quando nos reunimos
para um casamento, dizemos: “Queridos, estamos reunidos aqui na presen­
ça de Deus e dessas testemunhas,” etc. Reconhecemos o fato de que o casa­
mento é algo que foi instituído por Deus, ordenado por Deus e que recebeu
a aprovação sagrada de Cristo por sua presença na festa de casamento em
Caná. Mas temos uma frase no ofício tradicional de casamento que é, mui­
tas vezes negligenciada, a afirmação é a seguinte: “Esse casamento é regu­
lamentado pelos mandamentos de Deus.” De fato, Deus não ordenou e ins­
tituiu simplesmente o casamento e o entregou a nós como uma dádiva di­
zendo: “Aqui está a dádiva, agora vão e podem usá-la como quiserem.” Ao
contrário, sobre aquilo que Deus ordena e institui ele também exerce sua
soberania. Obviamente, um casamento para ser duradouro deve estar base­
ado na confiança e fidelidade mútuas. Essa é a razão por que quando faze­
mos os votos, votos significando que me entrego de corpo e alma à minha
esposa enquanto ambos estivermos com vida, ela tem razão e direito de
confiar que manterei a minha palavra. Deus nos responsabiliza por esse
tipo de compromisso de sorte que no centro de toda união entre duas pessoas
está o princípio da confiança. Esta é a razão pela qual a Bíblia é tão desfavo­
rável ao adultério, por exemplo, pois esse é o ato supremo de infidelidade que
quebra a confiança e a fé sobre as quais o casamento é construído.
Sem dúvida, há orientações sobre como a^família deve ser dirigida,
embora a noção seja muito impopular em nossos dias, não vejo como pode­
mos escapar do fato de que o Novo Testamento dá a responsabilidade de
comando ou liderança no lar ao marido. Essa responsabilidade não é uma
licença para a tirania. Não é uma licença para a dominação ou para a des­
truição da dignidade da mulher, ao contrário, é um fardo. E uma tarefa pela
qual a responsabilidade recai sobre o marido, quanto a manter a liderança e
a direção no lar. Mas isso ainda está num relacionamento de amor e respei­
to mútuos de uma parceria vital no lar.
Esses são apenas alguns princípios. Sem dúvida, a Bíblia tem muito
mais a dizer a respeito dos padrões sobre os quais um casamento saudável
deve ser estabelecido.
• A tr a d u ç ã o de J.B. Phillips (Cartas às igrejas Novas, N.T.)
d o tex to de Efésios 4.3 diz: "esforçando-vos diligentemente por
preservar a unidade do Espírito no vínculo da p az" . C om o isso p o d e
ser tr a d u z id o n a experiência prática diária d o rela cio n a ­
m e n t o conjugal?

Os falsos profetas de Israel gritavam: “Paz, paz” quando não havia ne­
nhuma paz! É muito mais fácil declarar paz do que conseguir a paz. Além
disso, uma coisa é estar em paz quando você está sozinho, e outra estar em
paz quando você está em um relacionamento com outra pessoa. Sem dúvi­
da, há muitas pessoas que não têm paz nem mesmo quando estão sozinhas.
Assim que entramos num relacionamento conjugal, que é a mais íntima
união que duas pessoas podem ter, muitas coisas podem perturbar a paz desse
relacionamento. Qualquer tipo de conflito pode surgir e transtornar a tranqüi­
lidade que deveria estar no centro do casamento. Estou absolutamente con­
vencido de que ambos precisam se esforçar para que a paz reine no casamen­
to. Não é natural que duas pessoas humanas passem longo tempo em íntima
proximidade um com o outro sem que algum conflito desponte. Não existem
duas pessoas nesse mundo que tenham exatamente a mesma agenda, o mes­
mo sistema de valores, os mesmos gostos e desgostos. Há pontos de conflito
inevitáveis, e é o conflito que transtorna a paz. Creio que quando lutamos
pela unidade no Espírito precisamos trabalhar para estabelecer a paz. Temos
que aprender o fruto do Espírito que promove a paz: termos dentro de nós
mesmos um espírito de gentileza, bondade, amor, e particularmente paciên­
cia. Essas coisas não vêm automaticamente. Não vêm naturalmente, porque
por natureza tendemos a ser impacientes. Temos que trabalhar para isso.
E assim como os diplomatas têm um desejo sincero de pôr fim nos con­
flitos que emergem no cenário internacional, em termos de guerras e lutas,
também nós devemos nos tornar diplomatas em nossos lares, isto é, diplo­
matas que têm preocupação com os sentimentos dos outros.
Minha esposa, por exemplo, creio que é a mulher mais sensível dos
Estados Unidos da América. Ela precisa ser, porque eu sou uma das pessoas
mais insensíveis do mundo. Eu me desligo numa nuvem e me torno um tipo
de professor excêntrico e distraído. Isso pode deixar qualquer pessoa louca.
Mas minha esposa trabalha para manter a paz e praticar a diplomacia, e isso
tem sido um exemplo para mim. Ao invés de permitir que um aborrecimen­
to seja inflamado e se transforme num conflito maior e numa briga, come­
çamos a nos entender. Um dos grandes princípios é: Toda vez que você
perceber raiva, procure o sofrimento ou a dor que está por trás. É muito
mais fácil lidar com a dor do que com a raiva. A raiva provoca o conflito.
Lidar com a dor traz a paz.

• Preciso saber c o m o tra ta r m e u m a rid o n ão-cristão. Vou à


igreja e o deixo so z in h o e m casa?

Penso que o erro que muitas mulheres fazem quando estão nessa situa­
ção é sentir que, de alguma forma, Deus as chamou para serem a consciên­
cia de seus maridos, e acabam aborrecendo seus maridos. A coisa mais
significativa que uma mulher pode ser se seu marido não é cristão, é ser a
melhor esposa possível para esse homem.
Conheço um adolescente que veio ao meu escritório e anunciou que
havia assumido o papel de líder espiritual da casa porque seu pai não era
cristão. Uma vez que seu pai havia negligenciado a responsabilidade de ser
o sacerdote do lar, esse jovem disse que acreditava que o manto havia caído
sobre seus ombros. Eu lhe disse: “Não, Deus não o chama para suplantar o
papel de seu pai. Se seu pai não faz aquilo que Deus o chamou para fazer,
isso não é desculpa para você tomar o seu lugar. Deus o chamou para ser um
filho, não o pai.”
Assim, vejo esposas que dizem: “Muito bem, meu marido não está fazen­
do seu dever, portanto eu vou ser a esposa e o marido. Eu vou ser o sacerdote
da família.” Não creio que seja isso que Deus deseja que você faça. O que ele
deseja é que você seja uma esposa devotada para seu marido.
Fica particularmente difícil quando o marido diz: “Não quero que você
gaste tempo indo à igreja.” Agora você tem de lutar com uma lealdade
dividida. E como se você estivesse tentando servir a dois senhores. Deus a
chama para submeter-se ao comando de seu marido. Alguns cristãos estão
ensinando que a esposa deve obedecer seu marido seja o que for que ele
diga. Preciso enfatizar que isso é uma distorção chocante do ensino das
Escrituras. Nenhuma mulher tem de obedecer a seu marido se ele ordena
que ela faça algo que Deus proíbe claramente.
Se seu marido (não-cristão ou qualquer outra coisa) a proíbe de fazer
algo que Deus ordena, você deve desobedecê-lo. Por exemplo, Deus ordena
que seu povo vá à igreja? As Escrituras nos dizem que não devemos aban­
donar a assembléia dos santos. Eu diria que isso significa que devemos ir à
igreja aos domingos de manhã, e se seu marido não permite que você vá,
você terá que desobedecê-lo para obedecer a Deus. Mas isso não significa
que Deus a chama para estar na igreja sete dias por semana.
No meu entender, você precisa fazer um esforço sobre-humano para ter
certeza de que não está opondo-se ao seu marido em áreas nas quais Deus a
deixa livre para apoiá-lo.

• C o m o u m a m u l h e r e n c o n tr a d ig n id a d e c o m o d o n a de
casa e m ã e e m n o ssa sociedade q u e valoriza u m a carrei­
ra p rofissio nal?

A busca de dignidade não está limitada a mulheres e nem a mulheres


que possuem uma carreira ou àquelas que permanecem em casa, mas é uma
busca universal. Já participei de muitos seminários que focalizavam a bus­
ca da dignidade humana, e descobri que todas as pessoas com quem já con­
versei desejam ser tratadas com dignidade. Ao mesmo tempo, descobri que
dar uma definição clara da noção de dignidade é uma tarefa muito difícil,
entretanto, todas as pessoas sabem quando perderam a dignidade.
A mulher cuja vocação é ser dona de casa e mãe, e essa é a sua carreira,
ao invés de trabalhar na esfera dos negócios está sentindo uma espécie de
pressão inversa daquela que as mulheres sentiram há alguns anos atrás, quan­
do elas entraram no mundo profissional e foram discriminadas por, de algu­
ma forma, abandonarem o seu posto no lar. Hoje as mulheres sentem uma
culpa imposta por não terem uma carreira; de certa forma ser uma dona de
casa é considerado uma vocação menos do que digna.
Sem dúvida, Deus afirma claramente a dignidade desse papel da mu­
lher. Os filhos crescerão e a chamarão abençoada. Mas quando a Palavra de
Deus afirma a dignidade e o valor de alguma coisa, isso não é suficiente
para mantermos nossa segurança a seu respeito. Deveria ser suficiente —
se Deus disse, isso resolve a questão. Mas não resolve para nós. Somos
fracos, frágeis em nossos sentimentos e podemos nos tornar inseguros pela
pressão da cultura que menospreza esse papel em particular.
Eu diria que o único indivíduo mais importante para manter a dignidade
da mulher no lar é o marido no lar. Se o marido humilha, ignora, rebaixa ou
trata o trabalho de sua esposa como insignificante, ele se toma o principal
destruidor da dignidade dessa mulher. Portanto, a primeira coisa a fazer
para restaurar a dignidade da mulher no lar, é fazer com que o marido e os
filhos criem um ambiente de apreciação e verbalizem essa apreciação.
Alguém, certa ocasião, fez a observação de que a energia negativa de
cada crítica exige nove elogios para superá-la em nossa personalidade. Isso
é certamente verdadeiro. Uma crítica feita à esposa no lar pode devastar sua
auto-estima nesse papel, particularmente quando o resto da cultura está ten­
tando dizer a ela que o trabalho de casa e a criação dos filhos não são mais
empreendimentos significativos.

• Q u e versículos u m a esposa e m ã e cristã p o d e u sa r c o m o


preceitos para suas resp on sab ilidades e deveres?

Em primeiro lugar, você é um ser humano, e é uma pessoa a quem Cristo


reivindicou. Você está no reino, portanto, os versículos que você usa para aprender
as suas responsabilidades e deveres diante de Deus começam em Gênesis 1.1 e
terminam com o último versículo do livro de Apocalipse. Toda a Palavra de Deus
a instrui sobre seus deveres e responsabilidades. É absolutamente vital que os cris­
tãos aprendam a viver por princípios e que esses princípios nos venham das Escri­
turas. Os princípios básicos de vida se aplicam a nós qualquer que seja a nossa
situação, quer você seja esposa ou marido, mãe ou pai, solteira ou solteiro.
O livro de Efésios estabelece algumas responsabilidades específicas para
a esposa em seu relacionamento matrimonial e também quanto às suas res­
ponsabilidades maternais.
Um dos versículos mais famosos e controvertidos é a ordem que Deus
dá, através do apóstolo Paulo, de que as mulheres devem estar sujeitas a
seus maridos. Isso tem gerado muitos debates e também muitos equívocos.
Algumas vezes, os requisitos para os princípios gerais nos são dados em
outros lugares das Escrituras. Por exemplo, a Bíblia nos diz que devemos
obedecer o magistrado civil, mas há ocasiões em que o cristão não apenas
pode, mas deve desobedecer os magistrados civis, como fizeram os apósto­
los quando o Sinédrio os proibiu de pregar o evangelho. Os apóstolos per­
guntaram se deveriam obedecer aos homens ou a Deus.
Sempre que o marido ordena à esposa que faça algo que Deus proíbe, não
somente esta esposa pode se recusar a ser submissa ao marido, mas ela deve
desobedecê-lo. Antes de qualquer outra coisa ela tem sua responsabilidade de
viver sua vida diante de Deus. Esse texto de Efésios nunca deveria ser usado
como licença para que os homens tiranizem suas esposas. Sabemos que alguns
homens têm tomado esse texto e usado para rebaixar as mulheres e tentar levá-
las a uma obediência escrava, algo que o texto jamais tencionou fazer.
Também Provérbios 31 lhe dá um excelente retrato da mulher empreendedora.
• O q u e diz a Bíblia a respeito de u m a m ã e c o m crianças
p e q u e n a s q u e trab a lh a fora de casa?

A Bíblia descreve a mulher piedosa no texto clássico do livro de Provérbios


(capítulo 31). Se você examinar aquela descrição de tarefa de uma mulher pie­
dosa, creio que você concordaria em que ela é uma ameaça para praticamente
todas as mulheres do mundo, pois aquela mulher é a empresária das empresárias.
Ela não é apenas esposa e mãe, mas está às portas da cidade, de manhã cedo.
Está executando serviços e envolvida num empreendimento comercial.
Penso que a primeira responsabilidade da mãe é para com os filhos no
lar, particularmente se são pequenos. Se a mãe pode cuidar das crianças e
ainda estar envolvida com sua carreira, isso é algo que essa mulher tem que
resolver entre ela, sua família e Deus. Pois a Bíblia não dá uma proibição
nem um mandamento explícito sobre isso. Há uma carga emocional muito
grande sobre isso no mundo cristão, e há aqueles que argumentam que uma
mulher tem o direito de ser mãe e prosseguir sua carreira ao mesmo tempo.
Temos o dever não apenas de estudar essas questões em termos do que
Deus nos revela nas Escrituras, mas prestar atenção naquilo que era chama­
do de lei natural. Creio que Deus se revela não somente na Bíblia, mas
também através do laboratório científico, que toda verdade é verdade de
Deus, e que toda verdade se reúne no topo. Digo isso pela seguinte razão:
uma das coisas que me deixa apreensivo a respeito de mães jovens voltando
a trabalhar logo depois que tiveram seus filhos são os estudos, indicando o
fato de que a dependência da criança pela mãe é extremamente poderosa
desde o nascimento até os cinco anos de idade. Em outras palavras, os estu­
dos demonstram que o único fator mais importante que contribui para o
desenvolvimento da personalidade de um ser humano, do nascimento até
os cinco anos de idade, é o relacionamento da mãe com a criança. Dos seis
aos dez anos, é o relacionamento do pai com a criança, e, então, dos onze
aos dezoito são as relações da criança com o grupo.
Se essa pesquisa é válida e exata, então ela me causa uma certa hesita­
ção. Não quero dizer simplesmente: “Bem, faça o que você quiser fazer,”
porque cuidar de uma criança é um empreendimento extremamente impor­
tante. Não creio que a Bíblia afirme que a responsabilidade de cuidar da
criança cabe apenas à mãe. O pai também tem essa responsabilidade, e nós
assumimos tacitamente que está certo que o pai permaneça no trabalho oito
horas por dia. Isso significa que a mãe deve ficar em casa? Precisamos
prestar atenção a todas as informações. A Bíblia não nos dá uma fórmula
simples para dirigir a vida da família.
• U m casal cristão p o d e praticar c o n tro le de n a ta lid a d e?

Presumo que você esteja querendo dizer “métodos artificiais de contro­


le de natalidade”. Essa é uma daquelas questões de ética cristã onde existe
uma profunda divisão na história da igreja. A Igreja Católica Romana tem
assumido uma atitude desfavorável quanto ao controle artificial de natali­
dade. Encíclicas papais recentes, publicadas na última década, reforçaram
a proibição católica dos meios artificiais de controle de natalidade, funda­
mentada em certas bases teológicas.
O protestantismo tem permitido vários tipos de controle de natalidade,
alguns admitindo quase qualquer tipo de controle artificial, outros fazendo
uma distinção entre aqueles que são contraceptivos e os que são na verdade
abortivos. Descobriu-se que algumas variedades de DIU não são apenas
contraceptivos, mas abortivos pelo fato de que destroem o óvulo fecunda­
do. Isso criou uma crise ética entre os protestantes que são profundamente
contrários a qualquer tipo de aborto.
A questão básica entre protestantes e católicos está centralizada em
qual seria o uso legítimo do relacionamento sexual dentro do casamento.
Historicamente, Roma assumiu a posição de que o objetivo da relação
sexual e a justificativa do ato sexual é a procriação. Portanto, qualquer
coisa que previna artificialmente a possibilidade de procriação muda o
propósito que foi projetado para a relação sexual tomando-a, portanto,
um ato não natural.
Do outro lado, os protestantes tendem a incluir no uso legítimo do sexo
entre casais casados o simples prazer e satisfação do relacionamento sexual
—- a intimidade que ele traz e o fato de que somos fisicamente construídos
de tal forma que o relacionamento sexual é, por natureza, prazeiroso.
Teoricamente, Deus poderia ter inventado o sexo de tal forma que não
fosse agradável, mas simplesmente uma função biológica necessária para
a reprodução. Portanto, alguns dizem que temos o direito de cumprir o
mandato da criação de ter domínio sobre a terra, e se podemos planejar
nossas famílias através disso, então estamos no caminho certo. Mas mes­
mo entre certos protestantes conservadores, há alguns que levantam ques­
tões a esse respeito: o controle artificial da natalidade é contra a nature­
za? Viola as leis naturais introduzindo no relacionamento sexual um im­
pedimento à sua completa expressão? E por essa razão que alguns protes­
tantes afirmam que isso é errado.
• Se u m casal n ã o p o d e c o n c e b e r u m a c ria n ç a e decide
adotar, isso indica q u e o casal n ã o te m fé suficiente de
q u e Deus p od eria lhes d a r u m filho?

Eu responderia enfaticamente, não; isso não seria necessariamente uma


indicação de que as pessoas não tiveram fé suficiente. É, provavelmente, a
indicação de que as pessoas não tinham o equipamento biológico indispen­
sável para conceber um filho. E como o homem cego de nascença que en­
contramos no Evangelho de João; esse homem nasceu cego porque não
tinha fé suficiente? Sem dúvida não é esse o caso, embora ele tenha recebi­
do sua vista depois. Pode-se apontar para isso e dizer que desde que ele teve
fé, ele recebeu seus olhos, e se as pessoas apenas tivessem fé o suficiente,
também receberiam o bebê.
Encontramos ocasiões nas Escrituras em que as pessoas descritas como
pessoas de fé não receberam a plenitude dos seus desejos. Sabemos que
Paulo orou para ser aliviado de seu espinho na carne. Quer fosse físico, ou
de qualquer outra natureza, ainda era algo que o afligia, e ele orou. Se hou­
ve algum homem que orou com fé, esse foi o apóstolo Paulo. Orou três
vezes a Deus pedindo-lhe que removesse essa razão de sofrimento para ele,
como você sabe. Deus disse não.
Sua resposta para Paulo foi: “A minha graça te basta” (2 Co 12.9). Não foi
uma questão de falta de fé que levou Deus a não aliviar o sofrimento de Paulo.
Também no Novo Testamento, vemos que Pedro foi preso e colocado
na cadeia, e os discípulos foram para o cenáculo e oraram por ele com todas
as suas forças. Enquanto estavam orando, o anjo abriu as portas da prisão e
Pedro foi à reunião de oração. Eles tiveram fé suficiente para fazer o pedido
e Pedro foi libertado.
O apóstolo Tiago também foi preso, mas foi executado. A Bíblia não diz
que os outros apóstolos oraram por Pedro mas não oraram por Tiago. E não
posso imaginar que eles não tenham orado tão fervorosamente por Tiago
como oraram por Pedro. Por alguma razão Deus não foi servido dizer sim
para essa oração em particular.
Sabemos que Paulo deixou um de seus companheiros doente, sem dúvi­
da Paulo orou por ele mas não recebeu a resposta que esperava, assim como
Jesus não recebeu o seu pedido no Jardim do Getsêmani.
Você pode dizer que essas situações não são iguais a ter um filho, mas o
princípio é o mesmo. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, temos
casos de mulheres estéreis que receberam aquela dádiva especial da graça e
ficaram grávidas (Ana e Isabel, por exemplo). A Sara, em sua esterilidade,
foi dada uma libertação sobrenatural especial mas nem todas as pessoas
fiéis a Deus que eram estéreis foram capazes de ter filhos. É uma dessas
coisas sobre as quais não se pode estabelecer uma lei. Há ampla evidência
ao longo da história de crentes por todo mundo que não receberam certas
bênçãos e nem sempre — mas até mesmo na maioria dos casos — não foi
resultado de falta de fé.

• C o m o n ó s cristãos, p o d e m o s lid a r c o m estilos de vida


p e c a m in o so s de m e m b ro s de n ossa fam ília ou de h ó s p e ­
des q u e v ê m a n ossa casa?

Somos chamados para sermos bondosos com as pessoas. Deus não nos
chamou para que fôssemos a polícia do mundo. Encontrei esse problema
muitas vezes em famílias cristãs, em que um membro da família é cristão e
os outros não. As vezes, os cristãos se tornam tão intolerantes e julgadores,
que dão má impressão ao resto da família com seu comportamento crítico e
negativo. Quando fazem isso, sentem-se completamente justificados por­
que aquilo a que estão reagindo é, realmente, um estilo de vida pecamino­
so. Somos muitas vezes cegos à nossa própria intolerância nesse ponto,
esquecendo-nos de quem somos nós, de onde viemos e do fato de que a
única maneira de podermos existir na família de Deus é pela graça. Creio
que os cristãos devem se lembrar de quem eles são.
Precisamos deixar que as pessoas saibam que, quer aprovemos ou desa­
provemos seu estilo de vida, somos por elas como pessoas.
Quando minha filha passou do ginásio para o colégio, ela voltou para
casa certa noite e eu perguntei: “Bem, você está gostando do colégio?” Ela
respondeu: “Eu não gosto nem um pouco.” Tornei a perguntar: “Qual é o
problema, você amava o ginásio.” Ela replicou: “Quando estava no ginásio,
sentia que nossos professores eram por nós. Eles nos disciplinavam e nos
davam tarefas de casa, eles nos repreendiam e tudo, mas de alguma forma
nos comunicavam que estavam nos amparando e se preocupavam conosco.
Nessa escola, sinto que os professores não são por nós.” Esse é o ponto
crítico em relação a esses relacionamentos pois você pode fazer mais por
essas pessoas amando-as do que será capaz de fazer julgando-as.
Tenha em mente que o poder principal pelo qual as pessoas são trazidas à
convicção de pecado é o Espírito Santo. Você não é o Espírito Santo, e nem eu
tampouco. Agora, isso não significa que ao tentar com toda nossa força conviver
com elas vamos acabar aprovando e adotando tudo o que elas fazem.
Não precisamos ter um espírito sentencioso para comunicar que vivemos de
modo diferente. De fato, precisamos transbordar para comunicar nosso amor.

• M eu s filhos adolescen tes estão c o m e ç a n d o a n ã o q u e re r


ir à igreja. Devo forçá-los? Até q u e idade?

Ser pai é uma das experiências mais difíceis e arrepiantes pelas quais
qualquer ser humano tem o privilégio de passar.
Exercer disciplina sobre nossos filhos, muitas vezes, requer a sabedoria
de Salomão. Sei que isso soa como uma teologia horrível, mas às vezes
penso que criar filhos é 10% de habilidade e 90% de sorte. E muito difícil
determinar quanta pressão você pode aplicar antes de provocar seus filhos e
tornar a situação ainda pior. Já trabalhei com jovens cujos pais são tão exi­
gentes e fazem tanta pressão que é a sua própria dureza que está empurran­
do os filhos para fora da igreja.
A resposta geral para sua pergunta é que quando temos filhos, somos
responsáveis diante de Deus por criá-los na educação e admoestação do
Senhor. Em minha igreja, batizamos as crianças e, quando o fazemos, como
membros da congregação fazemos a promessa diante de Deus de criar essas
crianças na educação e admoestação do Senhor. Mesmo que você não pra­
tique o batismo infantil, essa responsabilidade ainda está lá. A Bíblia nos
diz que não devemos negligenciar nossa reunião com os santos, que é o
culto congregacional do domingo de manhã. Entendo que isso significa que
é minha obrigação, como membro da comunidade do pacto, ir aos cultos
nos domingos pela manhã com minha família. E também minha responsa­
bilidade ser sensível e gentil, e não tirânico. Portanto, de alguma forma
tenho de encontrar aquele meio termo fino de aprender a ser firme, mas
amoroso, gentil e bondoso nessa firmeza.
Novamente, sou responsável diante de Deus pela presença deles lá para
serem instruídos e doutrinados nas coisas de Deus, aos domingos de ma­
nhã. Por isso, minha resposta para a primeira parte de sua pergunta é sim.
Não gosto da palavra “forçar,” porque para algumas pessoas isso signi­
fica taco de beisebol e abuso infantil. Não é isso que estou dizendo. Estou
falando sobre liderança parental, por meio da qual a autoridade reside nos
pais e você se encarrega de exercer essa autoridade. Você me pergunta até
que idade: eu diria que enquanto os filhos estão debaixo do seu teto e de sua
autoridade como parte do núcleo familiar. Eu o encorajaria a ter como pre­
ocupação especial fazer todo o possível para levar seus filhos à igreja e
tomar isso uma ocasião agradável para eles e não uma experiência ruim.

• C om o p o d e m o s aju d a r n o ssos filhos a e n fre n ta r a p re s­


são d o g ru p o ?

Você não está mais fazendo perguntas sobre teologia — você está me
pedindo para fazer mágica! Não tenho certeza de estar preparado para lidar
com isso. Suspirei aliviado quando nosso filho mais novo completou vinte
e um anos, tendo sobrevivido o período de adolescência.
A pesquisa divulgada pela comunidade científica tem indicado algumas
coisas muito sensatas para nós. Não se pode dogmatizar essas coisas, mas,
de maneira geral, o relacionamento mais importante que modela a identida­
de da criança do nascimento até os cinco anos, é o relacionamento da crian­
ça com a mãe. Isso não significa que os outros não são importantes, mas a
mãe tem suprema importância nesse período. Dos seis até cerca de doze
anos, o relacionamento mais importante da criança é com o pai.
Mas dos treze em diante, os relacionamentos mais significativos da crian­
ça são com seus grupo de amigos e companheiros da mesma idade. Portan­
to, num sentido muito real, nossa habilidade de continuar modelando as
atitudes e o sistema de valores de nossos filhos fica severamente limitado
depois que eles entram nesse período da adolescência.
Como cristão e teólogo, não creio em sorte. Mas quando se trata de
criar filhos, 90% é sorte! Você faz tudo o que é possível, depois se afasta
e espera pelo melhor — você os confia a Deus. Você tenta incutir princí­
pios em seus filhos. E uma das coisas mais importantes que os pais podem
fazer com um adolescente é manter as linhas de comunicação abertas. Em
certas ocasiões, isso pode ser muito difícil. Quando atingiram treze anos,
cada um dos nossos filhos começou a viver numa caverna — o quarto
deles. Chegavam em casa da escola e desapareciam dentro da caverna. Eu
ouvia música saindo de lá e pensava: será que existe algum ser humano
vivo lá dentro? Era muito difícil fazê-los sair da caverna e participar da
vida da família. Aqueles foram anos difíceis e tivemos que perseverar
enquanto os atravessávamos. Vesta e eu costumávamos nos confortar um
ao outro dizendo: “Isso é apenas uma fase, se pudermos sobreviver a ela,
eles também sobreviverão.” Mas mantenha as linhas de comunicação aber­
tas, e, principalmente quando eles são adolescentes, certifique-se de que
as linhas tenham mão dupla.
Os jovens falarão, mas eles precisam de oportunidade. Precisam estar
certos que podem vir a seus pais. Tenha certeza de que seus filhos sabem
que vocês os apoiarão mais do que criticarão e que eles podem contar com
vocês em tempos de dificuldade ou quando estão confusos.

• Existem bases bíblicas para o divórcio? Q uais são elas?

Grande parte do debate a respeito de divórcio tem a ver com a maneira como
interpretamos os ensinos de Jesus sobre o assunto. No Evangelho de Mateus, por
exemplo, os fariseus vieram a Jesus procurando uma decisão, e estavam tentando
fazê-lo cair numa armadilha e falar contra a Lei de Moisés. Eles perguntaram: “£
lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo?” (Mt 19.3).
Sabemos, por nossa própria pesquisa histórica, que naquela ocasião ha­
via um debate em Israel entre duas das principais escolas rabínicas, a escola
de Shammai que era muito conservadora, e a escola de Hillel, que assumia
uma abordagem mais liberal na interpretação da lei do Antigo Testamento.
O ponto de vista liberal permitia o divórcio sob várias alegações, dando
uma interpretação muito ampla à expressão “coisa impura” da legislação
do Antigo Testamento. A escola conservadora assumia um ponto de vista
mais estreito e dizia que, só em razão de adultério, o divórcio poderia ser
legitimado em Israel. Para mim, parece claro que Jesus permite o divórcio
em caso de adultério. Do outro lado, ele diz que se um homem se divorcia
de sua mulher por qualquer outra razão que não seja imoralidade sexual, ele
está pecando. Portanto, nessa oportunidade, Jesus diz que não deve haver
divórcio por outras razões que não sejam impureza sexual ou imoralidade.
Ele prossegue dizendo que, por causa da dureza de nossos corações, a lei
dada a Moisés abria uma possibilidade para o divórcio no Antigo Testamen­
to. Jesus, então, cita a lei de Deuteronômio na qual a assim chamada coisa
impura é apresentada como base legítima para divórcio no Antigo Testamen­
to. Mas Jesus se apressa para acrescentar a seguinte afirmação: “entretanto,
não foi assim desde o princípio” (Mt 19.8). Sua referência à criação nos lem­
bra a santidade do casamento. Certamente é verdade que a providência do
divórcio nos é dada por causa da dureza de nossos corações, por causa do
pecado. Porque o adultério é um pecado. Quando alguém viola o casamento
através do adultério e quebra aquela confiança, então o voto sagrado, e a
parte inocente no divórcio são tão violados que a permissão é dada a eles,
naquele contexto de queda, de entrar licitamente com o pedido de divórcio.
E óbvio que Jesus está repreendendo a posição liberal de divórcio que
prevalecia em seus dias. Penso que ele nos relembra que a intenção original
do casamento não incluía o divórcio. Ele reconhece que existe uma base, e
não está criticando a Deus por dar essa permissão no Antigo Testamento. As
pessoas são decaídas e Deus condescende com o fato de que elas cometem
pecados contra o casamento que são suficientemente sérios para se constituir
em base para a dissolução do casamento. Tal pecado é a infidelidade sexual.
Creio que outra base para divórcio dada pelo apóstolo Paulo na corres­
pondência aos Coríntios é o caso da separação voluntária e irreparável do
descrente (ICo 7.15). Essas são as duas bases que encontro nas Escrituras.

• Parece h a v e r u m a diferença de o p in iã o sobre se u m cris­


tão d iv o rciad o p o d eria to r n a r a se casar. Q u a n d o e sob
q u e con diçõ es isto é perm issível?

É difícil separar o ensino de Jesus sobre isso, em parte porque ele tocou
no problema num contexto em que estava tentando resolver uma disputa
entre duas escolas rabínicas de seu tempo. Os sábios religiosos vieram a
Jesus e lhe perguntaram sobre a legalidade do divórcio — um homem di­
vorciar-se de sua mulher por essa ou aquela causa. Jesus, ao responder isso,
lembrou aos fariseus que Moisés havia dado esse dispositivo para o divór­
cio no Antigo Testamento, mas, ao mesmo tempo, o modelo original de
casamento não incluía a noção de divórcio. Ele reconheceu a providência
de Moisés e não o está repreendendo por fazer isso, pois Moisés, naquele
ponto, era simplesmente um agente de Deus. Portanto, na antiga aliança,
Deus colocou claramente um dispositivo para o divórcio.
Entretanto, porque Jesus fala sobre isso e relembra aos fariseus que no
propósito original não havia divórcio, alguns concluíram que Jesus estava
removendo o dispositivo do Antigo Testamento e dizendo que não há ne­
nhuma justificação para o divórcio.
Agora, seu ponto de vista a respeito do divórcio terá uma tremenda influên­
cia sobre seu ponto de vista a respeito da questão do novo casamento. Se você
assume a posição de que o divórcio não é nunca legal, então você terá que afir­
mar que o novo casamento de uma pessoa divorciada nunca será legítimo tam-
bém. Portanto, antes de falar na legitimidade de um novo casamento, você pri­
meiro precisa resolver se existe ou não alguma base legítima para o divórcio.
Eu assumo a posição de que, de fato, há bases legítimas para o divórcio.
Infidelidade sexual é uma, a outra é a separação do não-crente. Paulo diz
que se um esposo não-crente quiser apartar-se, o crente está livre. Agora,
ele não define o que quer dizer livre. Isso significaria que ele está livre para
deixar que o outro se vá e então viver uma vida de celibato, um estado de
solteiro? Algumas pessoas assumem esse ponto de vista. Creio que Paulo
quer dizer livre do contrato de casamento, dos votos e obrigações. Esta
pessoa, agora, é considerada solteira e, portanto, livre para tornar a se casar.
Portanto, eu assumo a posição de que a parte inocente num divórcio é
livre para tomar a se casar. Agora, quando dizemos inocente ou culpada,
reconhecemos que todos contribuem para a falência de um casamento. Por
“parte culpada” entendo aquela que cometeu o pecado suficientemente sé­
rio para dissolver o casamento. Mas eu diria que até mesmo a parte culpada
pode tomar a se casar se houver arrependimento sincero.

• 1 Jo ão 5.14,15 fala sobre p e d irm o s as coisas de a cordo


c o m a v o n ta d e de Deus e nosso s desejos serão r e s p o n d i­
dos. Se Deus deseja m a n t e r u m c a s a m e n to e to d o esfor­
ço é feito p o r u m dos m e m b ro s do casal, a ob ediên cia e
fé deste u m p o d e su p e ra r as circu n stân cias e, n a realid a­
de, salvar u m c a s a m e n to q u e está falindo?

A resposta mais fácil para sua pergunta é, sem dúvida, que as ações de
um podem ser o trampolim para salvar o casamento. Entretanto, isso não
significa necessariamente que é assim que acontece sempre em todas as
circunstâncias e dessa forma. Muitas vezes, em aconselhamento conjugal,
um esposo está presente, enquanto o outro não deseja participar. Sem dúvi­
da é muito mais fácil efetuar a reconciliação e construir um casamento sau­
dável quando ambos estão dispostos a trabalhar para isso, mas é fato que
quando uma pessoa muda, isso muda a natureza do relacionamento. É qua­
se impossível que o relacionamento total não mude. Pode ficar pior, mas
sem dúvida mudará.
Quando uma pessoa muda, o outro companheiro que vive numa proxi­
midade tão íntima será forçado a mudar de alguma forma em resposta à
mudança ocorrida no primeiro.
Agora, vamos relacionar isso à questão da promessa de 1 João de que se
orarmos e agirmos de acordo com a vontade de Deus podemos estar certos
de que nossos desejos serão respondidos e Deus abençoará esse casamento.
Creio que devemos ser muito cuidadosos para entender essa passagem à
luz de tudo o que o Novo Testamento ensina sobre oração e sobre a natureza
da vontade de Deus, ambos são altamente complexos. A Bíblia nos diz que
se duas pessoas concordarem sobre alguma coisa, isto lhes será feito. É isto
que o texto quer dizer num sentido absoluto? Então, tudo o que teríamos de
fazer seria encontrar dois de nós que concordassem em ver a cura do câncer
e o fim de todas as guerras no mundo e a volta de Jesus essa noite. Se
concordarmos nisso, Deus teria de atender, para ser fiel à sua palavra. É
evidente que não é esse o sentido. Essa é uma referência à noção do Antigo
Testamento sobre testemunhas que concordam, testemunhas que são ins­
truídas pela Palavra de Deus e testemunhas que estão em contato com a
Palavra revelada de Deus. Também se refere ao que Deus falou e àquilo que
está registrado nas sagradas Escrituras.
Quando oramos de acordo com as Escrituras, não vamos orar para que
Deus realize algumas coisas até que outras tenham acontecido antes. Esta­
mos simplesmente contando a ele nossos desejos e não orando de acordo
com sua vontade explicitamente revelada.
Também orar de acordo com a vontade de Deus significa orar de acordo
com os preceitos de Deus, de acordo com a lei de Deus. Aqui podemos
dizer que Deus deseja a realização e o gozo de um bom casamento. O que
quero dizer com isso é que Deus ordenou que nossos casamentos sejam
saudáveis, íntegros e justos. Certamente, penso que podemos nos confortar
com o versículo de que se fizermos tudo o que estiver em nosso poder para
obedecer o que Deus nos ordenou em termos de nossas responsabilidades
no casamento, enquanto oramos para a salvação do casamento, temos todas
as razões para sermos otimistas de que nosso desejo será honrado por Deus.

• Por qu e a agressão física não é base legítima para o divórcio?

Não sei porque Deus não incluiu a agressão contra a esposa ou contra o
marido como causa para o divórcio. Apenas sei que ele não o fez. Preciso
dizer também, com toda sinceridade, que se eu fosse Deus teria colocado tais
atitudes como causa para o divórcio, pois a agressão dentro do casamento é
uma terrível realidade. Se existe algo que é, na realidade, uma violação da
dignidade humana e dos votos sagrados do casamento, isso, sem dúvida, é a
agressão física contra outra pessoa. Tenho me perguntado muitas vezes por­
que Deus não a incluiu em sua lista de bases legítimas para o divórcio.
Sei que temos outras opções que não o divórcio para tais situações. Obvia­
mente estamos falando sobre uma família cristã (e isso acontece em lares cris­
tãos), essa é uma situação na qual a disciplina da igreja precisa ser aplicada em
sua totalidade para proteger a pessoa que está sofrendo a agressão; a repressão
da autoridade religiosa deve ser usada nessa situação. Se isso falhar, ou se as
pessoas não tiverem essa possibilidade disponível por estarem fora da igreja, há
outros caminhos de segurança e proteção. Muitas pessoas usam o sistema legal.
Tenho aconselhado as mulheres a chamarem a polícia. Se a situação piorar, colo­
que o agressor na cadeia, porque a agressão simplesmente não pode ser tolerada
nos lares ou nas ruas, na escola ou na igreja. Temos dispositivos legais em nossa
lei civil para proteger as pessoas desse tipo de comportamento.
Na comunidade cristã existe base para pelo menos uma separação tem­
porária se aquele que agride se recusa a corrigir sua atitude. Talvez não haja
dispositivo para divórcio nesses casos porque Deus enxerga esse problema,
embora tão sério e severo, como algo que pode ser superado. Em muitos
casos, temos visto casamentos redimidos depois que as pessoas se arrepen­
deram e superaram seus padrões destrutivos de comportamento. Mas é um
problema extremamente sério em nossa cultura e que está começando a vir
à tona, assim como a agressão contra crianças veio à tona nos últimos anos.

• H ip o te tic a m e n te , c o m o o s e n h o r a co n se lh aria sua filha


e m relação ao divórcio se os filhos dela — seus n e to s —
tiv e sse m sido se x u a lm e n te a b u sa d o s pelo pai, q u e n ã o
está d isp o sto a receber a c o n s e lh a m e n to ?

Espero que essa pergunta se mantenha para todo o sempre como uma
hipótese, mas certamente essa é uma realidade para algumas pessoas. Se a
situação que você acabou de descrever acontecesse com minha filha, ou
com a filha de qualquer outra pessoa, e elas viessem a mim para um aconse­
lhamento pastoral e o marido se recusasse a se submeter ao aconselhamen­
to, à disciplina da igreja, ou a qualquer outra das alternativas que se tentas­
se explorar, muito provavelmente, meu conselho seria para que essa esposa
procurasse o divórcio. Penso que ela teria bases bíblicas. O abuso sexual
dos filhos seria uma violação do casamento. Penso que é uma forma de
adultério. Se tivesse acontecido de forma impenitente, creio que a mulher
teria não apenas o direito, mas também uma boa razão para exigir medidas
legais para sua própria proteção e também das crianças. Seria provavel­
mente sábio da parte dela exercer sua opção bíblica de divórcio.
Não existem duas situações exatamente iguais, por isso hesito em dar
um conselho geral sobre como lidar com a situação. Divórcio não é certa­
mente a primeira solução, mas penso que há ocasiões em que os ministros
devem aconselhar nessa direção (aceita a pressuposição de que existe tal
coisa como base para divórcio).
Tenho visto mulheres vítimas de infidelidades repetidas por parte de
seus maridos e que sabem que uma situação de abuso sexual ocorre em seus
lares. Mas algumas mulheres sentem que a Palavra de Deus não lhes dá a
opção do divórcio. E mesmo quando temos direito de fazer alguma coisa,
nem sempre é sábio exercer esse direito. A Bíblia não diz que você deve se
divorciar em tais situações, mas creio que ela afirma que você pode. Abuso
sexual dos filhos é um crime hediondo contra a família inteira, e exige
medidas severas.
A CARREIRA P R O F I S S I O N A L

“Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo.


E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo.
E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus
é quem opera tudo em todos.”
— 1 C o r í n t i o s 12.4-6

Perguntas dessa seção:

• Eu me formei em advocacia há nove anos, antes de me tomar cristão.


Hoje em dia, tenho pensado em como posso saber se devo ou não perma­
necer numa profissão escolhida na base de aspiração e capacidade pesso­
ais e como posso confiar em Deus para a mudança radical que estaria
envolvida numa troca de carreira na meia idade?
• Tenho lutado com a escolha de carreira. Quais os processos de pensa­
mento que os cristãos deveriam usar na tomada de decisões?
• Qual é o conceito bíblico de aposentadoria, se é que existe algum?
• A vocação mais alta de Deus para um ministério de tempo integral seriam
atividades como oração ou testemunho e estudo bíblico? Serão estas priori­
dades mais altas do que as atividades diárias de uma pessoa nos negócios?
• O que significa ser chamado para o ministério?
• Como os valores cristãos devem influir na ética empresarial nos escritórios?
• O que o sr. pensa sobre cristãos convictos que mantêm sociedade com
não-crentes, especialmente não-crentes que são hostis ao Senhor?
• Os sindicatos apresentam problemas éticos para os cristãos?
• Como um empregador pode demonstrar dignidade cristã a seus empregados?
• Eu m e fo rm ei e m advocacia h á nov e anos, a n te s de m e
t o r n a r cristão. Hoje em dia t e n h o p e n sa d o e m c o m o posso
saber se devo ou n ã o p e rm a n e c e r n u m a profissão esco ­
lh id a n a base de aspiração e capacidades pessoais e c o m o
p osso con fiar e m Deus para a m u d a n ç a radical q u e e sta ­
ria env olvid a n u m a troca de carreira n a m eia idade.

A primeira pessoa que a Bíblia menciona como tendo sido cheia com o
Espírito Santo é um homem chamado Bezalel, o qual, junto com Aoliabe,
foi escolhido por Deus para ser artesão e artífice para desenhar e elaborar
os utensílios e a mobília para o tabernáculo.
É importante que compreendamos isso, porque muitas vezes pensamos
que as únicas vocações ou tarefas que recebem a bênção de Deus e a unção
do Espírito Santo são aquelas que estão associadas a um ministério cristão
de tempo integral.
A própria palavra vocação vem do latim vocare, que significa “cha­
mar.” Cremos que Deus chama pessoas para várias vocações, e ele faz o
chamado não apenas no ambiente religioso mas também no secular. O fato
de você ter escolhido uma determinada carreira ou vocação antes de se
tornar cristão não indica, necessariamente, que você esteja fora da vocação
para a qual Deus o chamaria como cristão. Freqüentemente, vejo pessoas
que se convertem, e a primeira pergunta que fazem é: Isso significa que
devo deixar o empreendimento no qual estou? Bem, se você está em algum
empreendimento ilegal — se você é um ladrão, por exemplo — então, sem
dúvida você deve deixar de ser um ladrão. Mas devemos nos lembrar que a
maioria, semelhantemente a Bezalel e Aoliabe, já eram dotados e tinham
recebido talentos de Deus para suas profissões antes de serem cheios do
Espírito Santo. Parece que, em sua sabedoria, Deus chama pessoas para
carreiras e ministérios para os quais foram dotados desde o princípio; às
vezes descobrimos o melhor uso para os nossos dons naturais antes de nos
tomarmos cristãos e, às vezes, depois da conversão.
Certamente há ocasiões em que Deus encaminha as pessoas para uma
nova carreira — e, às vezes, essa mudança é radical. Quem seria melhor
exemplo do que Moisés? Moisés era um homem velho quando Deus o cha­
mou para a posição de liderança. Ele havia passado praticamente sua vida
inteira como pastor no deserto antes de se tomar um estadista e o líder de
uma nação. Penso em alguns outros homens famosos em nossos dias. Winston
Churchill e Douglas MacArthur, dois dos indivíduos mais proeminentes do
século XX, não iniciaram a carreira que os tornou famosos até depois de
alcançarem o que chamaríamos idade de aposentadoria. Eu apóio pessoas
que se perguntam aos trinta e cinco, quarenta e mesmo cinqüenta anos se esta
não seria ocasião de uma nova carreira, uma nova vocação. Não há nada na
Bíblia que diga que devemos permanecer no campo em que estamos por toda
a vida. Quantas vezes as decisões por uma carreira ou vocação são tomadas
muito cedo e ficamos presos em profissões que, de maneira nenhuma, são
satisfatórias para nós e nem proporcionam o melhor uso de nossos dons.

• T enho l u ta d o c o m a escolha de u m a carreira. Q u a is os


processos de p e n s a m e n to q u e os cristãos d e v eriam u sar
n a to m a d a de decisões?

Infelizmente, no ambiente cristão atual, toda a noção de pensar tem se


tornado suspeita. É como se o fato de usarmos nossas habilidades intelectu­
ais naturais — particularmente, no caso da carreira — de alguma forma
representasse uma falta de fé. A noção é que devemos entregar nossa car­
reira e nossa vocação a Deus, e Deus pensará por nós; Deus nos mostrará,
através de algum tipo de sinal milagroso, o que ele deseja que façamos.
Creio que a coisa mais significativa que somos chamados a fazer quan­
do estamos buscando a vontade de Deus em nossas vidas, quer seja para
nossa vocação, para a escolha do nosso companheiro(a), ou local onde de­
vemos morar, é pensar. Agora, como devemos pensar? De que maneira de­
vemos pensar? A Bíblia nos diz que devemos fazer uma análise criteriosa
de nossos dons e talentos.
Ao fazermos isso, reconhecemos que é Deus quem nos dá os dons. E ele
quem nos dá o talento e é a Deus que estamos tentando servir e desejamos agra­
dar. Por isso é que desejamos discernir qual é a sua vontade para nossa vocação.
Como fazemos uma análise criteriosa de nossos dons e talentos? Temos de pen­
sar, e temos de pensar profunda e acuradamente. Podemos ter algum auxílio
nesse processo. Somos encorajados nas Escrituras a procurar o conselho de ou­
tras pessoas porque normalmente nossos talentos são reconhecidos pelo corpo
de Cristo. Pessoas em nossa igreja, em nossa família, e em nosso círculo de
amigos têm a tendência de chamar atenção para os dons que apresentamos. Tam­
bém creio decididamente em procurar aquelas pessoas que são altamente habili­
tadas para nos ajudarem a discernir quais são os nossos dons e talentos. Há
muitas organizações cristãs de aconselhamento vocacional disponíveis.

27 1 S1BÜ0TEÇA AUBRcY ÇLAHK


Algumas vezes, somos empurrados para esquemas de trabalho ou carreiras
para as quais temos a habilidade, temos o talento, mas para as quais realmente
não temos o desejo ou a motivação para nos dedicarmos 100%. Admito que é
possível que Deus nos chame para uma tarefa que detestamos fazer, mas Deus é
um administrador muito melhor do que isso. Para as suas tarefas nesse mundo,
penso que Deus gosta de empregar pessoas que não apenas têm os dons e talen­
tos que ele lhes deu, mas que também estão motivadas naquela direção. De certa
forma, creio que uma das grandes mentiras de Satanás é nos dizer que devemos
nos sentir infelizes com nosso trabalho. Deus nos chamou para nos sentirmos
satisfeitos com nosso trabalho, portanto, é perfeitamente legítimo que você se
pergunte: Que trabalho posso fazer que me dê satisfação?

• Até c erto p o n to , fo m o s p ro g ra m a d o s e m n o ssa c u ltu ra


p o r u m a ética de tra b a lh o q u e te rm in a c o m a a p o s e n ta ­
doria. Q u a l é a n o ç ão bíblica de a p o sen ta d o ria , se é q u e
existe a lg u m a ?

Francamente, tenho sentimentos confusos a respeito dessa questão. De


um lado, existe uma certa nobreza em dizermos a uma pessoa: “Você já fez
o seu trabalho, realmente já deu a sua contribuição. E agora vamos lhe dar
a oportunidade de passar os últimos anos de sua vida com o seu passatempo
ou fazendo qualquer coisa que desejar.” Existe uma virtude nisso.
Por outro lado, sou um pouco cético a respeito da motivação subliminar
em todo esse processo. Deixe-me fazer uma analogia. Temos visto todos os
tipos de conflito entre empresários e trabalhadores em nossa cultura e esta
é uma área sobre a qual estou muito preocupado. Muitas pessoas criticam
os empresários, outras estão bravas com os sindicatos. Vemos a história do
sindicalismo nos Estados Unidos, por exemplo, como tendo um grande
impacto informativo na nossa cultura e na nossa vida como as conhecemos
hoje. “Quem é o inimigo tradicional do sindicato?” Você acreditaria que
pelo menos 80% das pessoas responderia: “O Empresariado”.
Mas o inimigo tradicional — o original — do sindicato era o trabalha­
dor não sindicalizado, principalmente no nível do trabalho desqualificado
quando, se você tivesse quatro pessoas competindo por apenas duas vagas,
e ninguém tivesse habilidades específicas, isso significava que duas pesso­
as conseguiriam emprego e as outras duas não. Hoje, aproximadamente um
quarto da força de trabalho dos Estados Unidos é sindicalizada. Isso signifi­
ca que, quando um emprego de trabalho desqualificado se toma disponível
em um sindicato, há uma pessoa em cada quatro que tem uma tremenda
vantagem sobre as outras três porque ela está inscrita no sindicato.
Você deve estar perguntando o que isso tem a ver aposentadoria.
O fato é que toda força de trabalho é um sistema competitivo. Sou cético
o suficiente para pensar que talvez toda essa idéia de aposentadoria tenha
sido invocada por alguém que desejava abrir lugar para outras pessoas con­
seguirem um emprego, e então disseram: “Vamos colocar esse camarada
para fora daqui de maneira que possamos abrir um lugar na organização e
eu possa entrar.” Não sei se isso é verdadeiro, ou se é apenas uma visão
deformada vinda de minha própria experiência. Se você pensar sobre al­
guns dos maiores líderes e daqueles que contribuíram mais para o mundo,
verá que muitos deles fizeram suas contribuições depois de já haverem atin­
gido aquilo que, em nossa cultura, é a idade obrigatória de aposentadoria.
Parece que há alguma coisa arbitrária a respeito de tudo isso.
Nas Escrituras, existe uma dignidade intrínseca no trabalho, e Deus me
chama para trabalhar em sua vinha até a minha morte. Pode não ser no
mesmo trabalho em particular, mas devo estar ativamente produtivo por
tanto tempo quanto me for possível.

• A vocação m ais alta de Deus para u m m in istério de te m p o


integral seriam atividades c o m o oração ou te s te m u n h o e
e stu d o bíblico? Seriam estas prioridades m ais altas do q u e
as atividades diárias de u m a pessoa nos negócios?

O serviço cristão de tempo integral é a mais alta vocação que existe? Tenho
que dizer sim e não. Certa vez, ouvi um pregador metodista dizer que Deus tinha
apenas um filho e fez dele um pregador. Sou muito zeloso em defender a digni­
dade daqueles que trabalham num serviço cristão de tempo integral porque vive­
mos numa cultura, mesmo dentro da igreja, que não tem essas pessoas em alta
estima. De fato, a maneira simples de avaliar é examinar a parte econômica de
como os ministros são pagos. Conheço um grande número de pessoas que res­
ponderão a isso dizendo: “Bem, sentimos que é nosso dever certificar-nos de
que os pastores não estão nesse trabalho por um lucro desmedido.” Eles não
estão aqui por causa daquilo que podem tirar do ministério e, portanto, estamos
resolvidos e determinados a mantê-los humildes. Assim, não pagaremos nossos
dízimos e faremos com que seja necessário mantê-los como o grupo profissional
mais mal pago do país. Penso que Deus está muito aborrecido com isso no que
se refere ao nosso sistema de valores.
Mas dizer que o serviço cristão de tempo integral é a mais alta vocação
é exagerar. Mantenho a posição reformada, o conceito de vocação no qual
Deus nos chama de todas as maneiras diferentes para servi-lo. O homem
que está produzindo o aço, a pessoa que planta e está produzindo alimento,
a pessoa que produz vestuário — todos são serviços vitais que são tão im­
portantes no ponto de vista de Deus como um ministério de tempo integral.
Não creio que possamos elevar, de maneira absoluta, o serviço cristão de
tempo integral acima de outra vocações.
Mas você também está perguntando a respeito de prioridades para a pessoa
que está, digamos, na área de negócios. É mais importante ter lucro ou deveria
ele dar prioridade à oração, ao estudo da Bíblia, etc.? A Bíblia tem prioridade
para todas as pessoas. Jesus coloca da seguinte maneira: “buscai, pois, em pri­
meiro lugar o seu reino e a sua justiça, e todas estas cousas vos serão acrescen­
tadas" (Mt 6.33). Quando ele disse primeiro, a palavra grega no Novo Testa­
mento usada por Jesus é “protos ”, o que não significa apenas primeiro numa
série, numa seqüência, mas sim, primeiro em termos de ordem de prioridade.
Portanto Jesus dá à busca das coisas de Deus a mais alta prioridade.
O Novo Testamento deixa muito claro que temos a responsabilidade de tra­
balhar e que há uma dignidade em nosso trabalho e no lucro que alcançamos.
Não há nada de errado nisso. De fato, é isso que toma possível a sobrevivência
da raça humana. Você lucra suprindo as necessidades dos outros e providenci­
ando bens e serviços para eles. Eles lucram suprindo as suas necessidades e
providenciando bens e serviços para você. Somos projetados por Deus de uma
forma que nos toma capazes de cumprir ambas, as responsabilidades de nosso
crescimento espiritual e as responsabilidades de nosso trabalho.

• O q u e significa ser c h a m a d o para o m in isté rio ? Significa


q u e você t e m certo s d o n s e sp iritu ais e esco lh e u sá-lo s
e m te m p o integral, ou significa q u e você é c h a m a d o p o r
u m a d esig n ação especial para o serviço de te m p o i n t e ­
gral n o m in isté rio ?

Essa é uma pergunta com a qual muitas pessoas lutam, especialmente


aquelas que pensam que talvez Deus as esteja chamando para o ministério
de tempo integral — para a ordenação ao ministério.
Eles imaginam se estariam fugindo de Deus e sendo desobedientes a
esse chamado.
Em minha igreja, (e na maioria das igrejas) temos uma distinção entre o
que denominamos chamado interno e chamado externo. É uma distinção
sutil, mas que também se toma muito vaga, pois o chamado interno é alta­
mente subjetivo. Dentro de mim, tenho um sentimento ou uma inclinação
de que Deus, de alguma forma, está me dirigindo para esse curso particular
de ação, de buscar a ordenação ao ministério.
Não sou um místico por inclinação, mas não posso negar que há elementos
místicos genuínos na fé cristã. Certamente, o apóstolo Paulo experimentou tais
momentos e os comunicou. Creio que Deus nos inclina internamente para certos
caminhos em certas ocasiões, mas porque isso é tão subjetivo, podemos facil­
mente nos enganar. Nem sempre tenho certeza de que posso distinguir entre a
liderança intema do Espírito e indigestão. Não desejo ser jocoso, mas creio que
devemos ser muito honestos a respeito disso porque muitas pessoas acham que
todo palpite e todo pensamento que aparece em suas cabeças é uma comunica­
ção direta de Deus e isso resulta em todos os tipos de problemas. Por exemplo,
Jim Jones estava convencido de que suas inclinações vinham de Deus, e ele
levou seus seguidores a cometerem suicídio em massa.
A Bíblia nos diz para testar os espíritos e verificar se eles são de Deus.
Essa é a razão pela qual a igreja tem uma distinção entre chamado intemo e
externo — o subjetivo e o objetivo.
O apóstolo Paulo diz para não pensarmos mais alto a respeito de nós
mesmos do que devemos, e que devemos pensar com critério. Ele continua
então para falar sobre chamados, dons e habilidades. Portanto, somos cha­
mados a fazer uma análise criteriosa dos dons e talentos que Deus nos deu
e, ao mesmo tempo, uma avaliação justa das necessidades da igreja — do
reino de Deus — e considerar em oração que Deus talvez esteja nos dirigin­
do para usar esses dons e talentos em particular numa forma ordenada e de
tempo integral para o seu reino.
O chamado externo vem quando a igreja (o próprio corpo de Cristo, a
igreja visível, a igreja institucional, outras pessoas) reconhece essas habilida­
des e talentos e de fato me chamam, ou chamam a você para buscar essa
tarefa. Essa é a razão pela qual, embora eu tivesse cursado um seminário, não
pude ser ordenado até que tivesse ou o chamado de uma igreja, ou o chamado
para ensinar numa universidade cristã, que foi a base pela qual fui ordenado.
Embora eu tivesse dado evidências de um chamado interno, ainda pre­
cisava ter o chamado externo para estar qualificado para a ordenação.
• C o m o os valores cristãos d e v em influir n a ética e m p r e ­
sarial n o s escritórios? .

Lembro-me de ter tido uma discussão na sala da diretoria de uma das


corporações da Fortune 500, aqui nos Estado Unidos. Eu estava conversando
com o diretor do conselho, o presidente e vários vice-presidentes dessa corporação
sobre o relacionamento entre teologia, filosofia e ética. No final da discussão, o
diretor do conselho olhou para mim e disse: “Devo entender que você está afir­
mando que questões de ética— isto é, as políticas que temos em nossa organiza­
ção comercial — têm relação com toda a questão da ética e, por sua vez, essa
ética tem relação com a questão da filosofia e, por sua vez, a filosofia tem rela­
ção com a teologia? Você está dizendo que o modo pelo qual dirigimos nosso
negócio, em última análise, tem uma significação teológica? Eu respondi: “Sim,
é isso que estou tentando dizer.” E foi como se as luzes se acendessem na cabeça
desse homem pela primeira vez na sua vida. Fiquei admirado de que ele pensasse
que esse princípio fosse tão obscuro.
Quando usamos o termo ética, estamos falando sobre fazer o que é cer­
to. De uma perspectiva cristã, cremos que a norma última e o padrão funda­
mental de retidão é o caráter de Deus e sua perfeita retidão. Portanto, prin­
cípios bíblicos de ética têm grande relevância para o mundo dos negócios.
Estou falando sobre coisas simples, como Deus nos dizendo que está errado
roubar. Você não precisa ser cristão para apreciar a honestidade e respeitar
a propriedade particular na comunidade empresarial.
Certa vez, falei com alguém que estava assombrado pois havia dado
5.000 dólares a um vendedor de carro em Orlando, Flórida, para fazer al­
gum conserto e o homem desapareceu com os 5.000 dólares e nunca fez o
conserto. Sua esposa estava realmente aborrecida dizendo: “Como as pes­
soas podem fazer isso? Isso é negócio desonesto.” Não é necessário ser
cristão para se sentir violado quando um negociante rouba o seu dinheiro. A
Bíblia nos diz para honrarmos os contratos, para pagarmos nossas contas
em dia. Qual o comerciante que não aprecia quando seus fregueses pagam
o que lhe devem? A Bíblia tem muito a dizer sobre pesos e medidas falsas.
Como você se sentiria se estivesse comprando perfume ou “ketchup” com
peso falsificado? Essa é uma consideração comercial. Todos estes são prin­
cípios concretos e muito práticos de ética que se referem à própria essência
da realização de negócios.
Honestidade, diligência, integridade — sabemos que o cristão não tem
nenhum monopólio dessas virtudes. Essas virtudes são significativas na pró­
pria área dos negócios e, mais importante, como tratamos as pessoas nessa
área. Nós as tratamos com dignidade? Essa é uma prioridade fundamental
da ética cristã, que tratemos nossos fregueses, nossos empregados, nosso
corpo de funcionários com dignidade.

• O q u e o s e n h o r p e n sa sobre cristãos convictos q u e m a n ­


tê m sociedade co m n ão -cren tes q u e são hostis ao Senhor?

Vamos primeiro fazer uma pequena correção teológica. Se eu entendo o


Novo Testamento, todo não-crente é hostil ao Senhor. A Bíblia nos diz que
todas as pessoas decaídas estão, por natureza, em inimizade contra Deus.
Penso que essa é uma das afirmações mais provocantes da Bíblia. Nada
deixa um não-crente mais irritado do que sugerir que, de fato, ele está em
inimizade contra Deus. Eles preferem dizer que são apenas indiferentes,
não hostis. Deus diz que eles são hostis. Não creio que haja alguns particu­
larmente mais hostis do que outros. Se você não está disposto a submeter-se
ao senhorio de Deus, então essa indisposição de comprometer-se com ele é
um ato de hostilidade contra Deus. Jesus foi crucificado por proclamar exa­
tamente essa idéia: Se você não é por mim, você é contra mim.
Tendo dito isso, vamos ao ponto fundamental de sua pergunta. Presumo
que você esteja se referindo a uma hostilidade particularmente aberta. Preci­
samos distinguir entre uma questão ética e uma questão de prudência. Penso
que a Bíblia deixa claro que os cristãos não devem assumir o compromisso de
um relacionamento conjugal com não-crentes. Mas o que dizer de uma soci­
edade comercial? Há muitas sociedades e empreendimentos nesse mundo,
muitas vocações no mundo secular, por exemplo, cristãos e não-cristãos es­
tão envolvidos nessas vocações perfeitamente legítimas. Não penso que exis­
ta qualquer coisa do ponto de vista ético que impeça a sociedade entre cris­
tãos e não-cristãos. Por exemplo, dois médicos realizando seus serviços alta­
mente necessários podem trabalhar lado a lado por uma causa comum embo­
ra um seja cristão e o outro não. Posso pensar em dois homens fabricando
automóveis ou programando computadores, sendo um cristão e o outro não.
Sem dúvida, a coisa mais importante da vida cristã é o compromisso
com Cristo. Se o cristão está num relacionamento diário com uma pessoa
que é abertamente hostil a esse compromisso, é quase inevitável que pers­
pectivas tão diferentes sobre o que é fundamentalmente importante para
eles acabem criando certos pontos de atrito no relacionamento, e pode, cer­
tas vezes, criar atritos sobre decisões que devem ser tomadas na empresa.
Mas devo dizer que quando o atrito aparece entre um cristão e um não
cristão por questões de ética numa sociedade comercial, nem sempre é o
cristão quem insiste em que se obedeça a ética.
A diferença entre um cristão e um não-cristão não se resume em que um é
bom e outro não, a diferença está na aceitação ou não de Jesus como Salvador.

• Os sindicatos apresentam problemas éticos para os cristãos?

Tenho certeza de que existem muitos cristãos que se sentem perturbados por
elementos existentes no movimento trabalhista e na sua história. Tenho muitos
sentimentos confusos porque fui profundamente envolvido em toda a área dos
relacionamentos entre trabalho e administração numa tentativa de mediar as di­
ficuldades e procurar a reconciliação entre os lados. Freqüentemente, nesse país,
o trabalho organizado (neste caso os sindicatos) e o empresariado têm sido ini­
migos. Mas tenho observado uma mudança nos últimos anos. As pessoas estão
começando a compreender que, no que se refere à economia nacional, estamos
todos juntos nisso. Tem havido uma cooperação muito maior entre esses dois
segmentos de nossa sociedade do que no passado. Há tanta hostilidade histórica
de ambos os lados que é difícil atravessar tudo isso.
O problema que tenho com os sindicatos é que o inimigo tradicional do
trabalhador sindicalizado não é o empresário, mas o trabalhador não sindica­
lizado. Membros do sindicato, às vezes, têm vantagens em conseguir um em­
prego, enquanto os outros trabalhadores são barrados quanto à possibilidade
de emprego. Essa é a razão pela qual creio que os estados tiveram de optar
por leis de direito ao trabalho que, no meu entender, são muito saudáveis.
Mas o outro lado dessa moeda é o princípio de negociação coletiva. Não estou
convencido de que exista algo errado sobre esse princípio, mas tenho visto abusos
graves nos últimos anos. Uma pessoa disse que tem havido tantas greves na América
que parecemos mais uma cancha de jogo de boliche do que uma nação produtiva.
Os sindicatos conseguiram uma grande quantidade de benefícios e não
vejo nada dentro do conceito dos sindicatos que seja frontalmente oposto à
ética cristã ou que tornasse impossível para um cristão envolver-se ativa­
mente com um sindicato. Embora o meu ambiente seja o administrativo,
descobri que tendo a sentir mais simpatia pelo trabalhador do que pelo
empresariado quando entramos numa mediação. Trato dessas questões em
aspectos não econômicos — mas com aqueles que tratam da dignidade hu­
mana — não na mesa de negociação onde estão debatendo sobre salários e
benefícios. Penso que no âmago das questões entre trabalhador e empre­
sariado as pessoas estão dizendo: “Embora eu possa não ser altamente habi­
litado em meu trabalho, ainda sou um ser humano e desejo ser tratado com
dignidade.” Se você conseguir ver isso como a motivação central por trás
dos sindicatos, você terá uma apreciação mais profunda por eles.

• C o m o u m e m p r e g a d o r p o d e m o s t r a r d i g n id a d e cristã a
seus e m p r e g a d o s ?

Uma das melhores maneiras de afirmar a dignidade dos empregados é


estabelecer padrões altos para eles. Colocar padrões baixos e não fazer exi­
gências quanto ao desempenho do trabalho é um insulto levemente velado
aos empregados e eles perceberão o significado. Se não mantivermos um pa­
drão de excelência diante deles, não estamos fazendo nada por sua dignidade.
Precisamos valorizar as pessoas como pessoas. Durante muitos anos
estive profundamente envolvido na área de trabalho-empresa no chamado
“Movimento do Valor Pessoal” no comércio e na indústria. Reconhecemos
que questões não econômicas estão basicamente atrás da hostilidade volátil
que existe entre trabalho e empresa, empregador e empregado, resultando
em tantas greves e no bloqueio da produção e dos sistemas escolares.
Os estudos têm mostrado repetidamente que a sabotagem industrial e as
disputas sobre salários e recompensas têm raízes num nível mais profundo
de insatisfação.
O único lugar em que posso me opôr àqueles que estão denegrindo mi­
nha dignidade, a única influência que tenho é na mesa de negociação onde
estamos tratando de salários, gratificações e coisas como essas.
Mas todo trabalhador nesse país deseja ser valorizado como pessoa. O
que posso fazer para demonstrar o valor de uma pessoa? Bem, vamos enume­
rar as maneiras: Primeiro, seria reconhecer que elas são pessoas. Isso pode
parecer uma resposta simplista, mas quando entrevistamos dúzias de traba­
lhadores nas usinas de aço da Pensilvânia, ouvi a mesma resposta, especial­
mente dos trabalhadores não-especializados e negros, que me disseram: O
que detesto quando trabalho nesse lugar é que, quando o contramestre chega
aqui, ele desvia o olhar.” Eu perguntei: “O que você quer dizer com ‘ele
desvia o olhar’?” Levei um bom tempo para arrancar daqueles homens qual
seria a razão de sua objeção, era simplesmente o seguinte: Quando a gerência
descia até o piso de fundição e encarava os olhos de alguém que estava traba­
lhando numa tarefa suja ou numa posição não-especializada, o gerente quase
imperceptivelmente virava sua cabeça ou desviava os olhos para o chão, ao
invés de fazer um contato visual direto com o trabalhador.
O trabalhador recebia a mensagem. Era uma mensagem não verbal, mas
chegava em alto e bom som: Você é nada; você não é nem sequer digno de
que alguém olhe para você. Por outro lado, se alguém sai do seu caminho e
reconhece o trabalhador como uma pessoa executando uma tarefa, e essa
pessoa se sente apreciada, então a sua dignidade é realçada e restaurada.
D I N H E I R O E FINANÇAS

“...não me dês nem a pobreza nem a riqueza;


dá-me o pão que me fo r necessário; para não suceder que,
estando eu farto, te negue e diga: Quem é o SENHOR?
Ou que, empobrecido, venha a furtar
eprofane o nome de Deus."
— P r ô v é r b io s 3 0 . 8 , 9

Perguntas dessa seção:

• Deus está preocupado com o bem-estar material dos cristãos?


• Como podemos ter uma visão correta das finanças cristãs, e evitar que o
dinheiro se transforme num ídolo?
• 1 Timóteo 6.9 nos diz que: “Ora, os que querem ficar ricos caem em
tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e pernicio­
sas, as quais afogam os homens em ruína e p e r d i ç ã o Isso significa que
os cristãos não devem nunca querer ficar ricos?
• Como os cristãos devem reagir à esmagadora tentação do materialismo
em nossa cultura?
• No seu entendimento, o que a Bíblia ensina a respeito de dízimo no que
se refere aos cristãos hoje?
• O que a Bíblia ensina sobre nossa responsabilidade de pagar impostos ao
governo?
• E a respeito de dívidas? Os cristãos devem usar cartões de crédito, fazer
empréstimos para carro, casa, férias, etc.?
• Existe uma posição bíblica clara contra loterias e jogos praticados num
cassino?
• Qual deveria ser a posição cristã sobre apostas ou sorteios?
• Em 2 Coríntios 8.13-15, Paulo parece descrever uma espécie de igualdade
econômica. Qual o relacionamento dessa passagem com os cristãos hoje?
• Deus está p r e o c u p a d o c o m o b e m - e s t a r m aterial dos
cristãos?

A resposta simples para isso, enfática e definidamente é sim. Não


apenas Deus está preocupado com o bem-estar material dos cristãos,
ele está profunda e extremamente preocupado com o bem-estar materi­
al de todo o mundo. Ele criou o homem como uma criatura material
com imensas necessidades materiais. Tudo o que precisamos fazer é ler
o Sermão da Montanha e ver a grande expressão de compaixão de Jesus
por aqueles que sofrem necessidade material. Existe uma grande e en­
fática preocupação no N ovo Testamento no sentido de que nós, cris­
tãos, cuidemos profundamente daqueles que estão famintos, pobres, nus
e sem teto.
Essa preocupação indica um cuidado pelo bem-estar das pessoas. O Novo
Testamento tem muito a dizer sobre riqueza e pobreza e sobre as várias
causas e circunstâncias que envolvem essas condições.
Há advertências assustadoras para os ricos, por exemplo, especialmente
aqueles que colocam sua confiança nas riquezas e não no cuidado benevo­
lente de Deus. A esse respeito Jesus diz: '‘não andeis ansiosos pela vossa
vida, quanto ao que haveis de comer ou beber, nem pelo vosso corpo quan­
to ao que haveis de vestir...Considerai como crescem os lírios do campo;
eles não trabalham nem fiam... nem Salomão, em toda sua glória, se vestiu
como qualquer deles” (Mt 6.25-29). Ele está dizendo que podemos ficar tão
preocupados com a acumulação de riquezas que perdemos o reino de Deus;
termos uma tal preocupação com as coisas materiais a ponto de negligenci­
ar as coisas espirituais.
Porque enxergamos o mundo preocupado com coisas materiais e negli­
genciando terrivelmente o espiritual, podemos nos sentir inclinados a nos
tomarmos extremistas na direção oposta e dizer: “Deus se importa apenas
com as coisas espirituais.” Novamente uma visão equilibrada das Escritu­
ras evitará que cheguemos a essa conclusão, pois não há nada de errado
com a preocupação pelo bem-estar material.
Dizendo em outras palavras, Deus se preocupa com as pessoas, e pes­
soas são criaturas materiais que exigem coisas materiais para viver. Se
Deus se preocupa com as pessoas, obviamente ele se preocupa com o seu
bem-estar material. Saúde e cura de doenças são questões materiais, e,
portanto, o cuidado de Deus com nossa saúde é um cuidado com nosso
bem estar material.
• C o m o p o d e m o s ter u m a visão correta de e c o n o m i a cris­
tã e evitar q u e o d i n h e i r o se t r a n s fo r m e n u m ídolo?

Há muitos que pensam que não existe tal coisa como economia cristã,
que economia é neutra, assim como qualquer outra coisa. Embora esteja
convencido de que a Bíblia não é um manual de economia, ela tem muito a
dizer que se aplica aos princípios de propriedade, câmbio, e até mesmo uso
da moeda corrente.
A proteção mais importante contra a idolatria de “mamom,” pela qual
caímos no grave pecado de adorar bens materiais ou o dinheiro que pode
comprar tais bens, é ter uma compreensão clara da perspectiva bíblica do
que vem a ser economia. E interessante para mim que o termo economia
venha da palavra grega oikonomia, que é a palavra do Novo Testamento
para mordomia.
Penso que o princípio econômico central da Bíblia é que, fundamentalmen­
te, Deus é o possuidor de todas as coisas nesse mundo, mas em sua lei ele santi­
fica e protege o que chamaríamos de propriedade privada. Se você examinar,
por exemplo, os Dez Mandamentos, verá que pelo menos dois mandamentos
protegem especificamente o direito à propriedade privada e falam também con­
tra o mau uso e o abuso da minha ou da sua propriedade. Enquanto a proprieda­
de privada é protegida, não há nenhum fundamento nas Escrituras para qualquer
tipo de preceito econômico comunista ou mesmo socialista.
Com o direito à propriedade privada, vem a tremenda responsabilidade de
administrar os próprios bens de acordo com os princípios estabelecidos por Deus.
Ele não nos dá essas coisas para fazermos o que desejarmos com elas.
Há muito mais na economia do que simplesmente o direito à proprieda­
de privada, mas reafirmo esse ponto em particular porque, em algum lugar
na história, muitos cristãos adotaram a idéia de que a propriedade privada é
um pecado em si mesma.
Ouço pessoas citarem mal a Bíblia dizendo que o dinheiro é a raiz de todo
mal. O que a Bíblia realmente diz é que o amor ao dinheiro é a raiz de todo mal.
Quando temos simplesmente uma paixão pela aquisição de bens materiais, quando
isso se torna nosso Deus e nós o servimos, então o dinheiro se toma um ídolo.
Não penso que possamos examinar esse assunto de economia de uma forma
simplista, mas precisamos ver o que a Bíblia diz no seu todo a respeito de bens
materiais. Precisamos de dinheiro e das coisas que ele proporciona. Deus nos dá
essas coisas para termos prazer. Mas devemos aprender os princípios que ele nos
dá sobre como usar nossas propriedades e nosso dinheiro.
• 1 T im óteo 6.9 no s diz: "Ora, os que querem ficar ricos caem em
tentação, e cilada , e em muitas concupiscências insensatas e pernicio­
sas, as quais afogam os homens na ruína e perdição". Isso significa
q u e os cristãos n ã o d e v e m q u e re r ficar ricos?

No Novo Testamento encontramos essa passagem, assim como ou­


tras igualmente sérias (algumas dos lábios de Jesus) que nos advertem
contra colocar nossos corações nas riquezas, vivendo nossas vidas com o
objetivo principal de acumular riquezas. Não é simplesmente uma ques­
tão moral, mas há muito dito aqui em termos de sabedoria e prudência.
Creio que o apóstolo está avisando que devemos nos vigiar e sermos
muito cuidadosos pois a busca de riqueza pode se tornar uma armadilha
sutil e devastadora. O desejo por essas riquezas, e o poder que vem com
elas, pode cegar a pessoa para outras coisas que são muito mais valiosas
e importantes aos olhos de Deus. Pode de tal maneira distrair nossa aten­
ção da riqueza fundamental — a riqueza espiritual — que somos pegos e
caímos numa armadilha, presos a tal ponto nessa busca, que somos capa­
zes de comprometer nossa integridade a praticamente qualquer coisa para
ganhar aquele poder. A riqueza pode nos destruir.
Lemos esse outro aforismo no Novo Testamento: “o amor ao dinheiro
é a raiz de todos os males.” (lT m 6.9) Dinheiro em e por si mesmo não
faz nada — ele não sai para matar ninguém, por exemplo. Mas nossa
paixão pelo dinheiro e por aquilo que ele nos dá, indica alguma coisa a
respeito de nosso coração. Jesus disse que não devemos estocar tesouros
na terra, mas sim no céu (Mt 6.19,20). Essas advertências e avisos são
muito sérios e devemos examinar nossas almas para ter certeza que não
fomos pegos por um desejo de riqueza e prosperidade a ponto de negli­
genciarmos as coisas de Deus.
Não há nada de errado em desejar ter roupa sobre o seu corpo nu, ter
alimento para seu estômago faminto, ter uma casa confortável para viver.
Não há nada de errado em tentar auferir lucros nos negócios. Em última
análise, seu lucro pode ajudar a todos; pode ter um efeito positivo no mun­
do. Sem lucro não há comércio, e sem comércio não existe bem estar mate­
rial. O desejo de prosperar é legítimo. Deus até mesmo promete certos ele­
mentos de prosperidade para seu povo. Mas a busca da prosperidade deve
estar sempre circunscrita pelas prioridades do reino de Deus. Penso que o
apóstolo está nos dizendo que se desenvolvemos uma fixação por prosperi­
dade, perdemos o equilíbrio, e também o reino.
• C o m o os cristãos d e v e m reagir à e s m a g a d o r a t e n t a ç ã o
d o m a t e r i a li s m o e m noss a cultura?

Provavelmente, a tentação sobre a qual o cristão deve se preocupar menos é


o materialismo. Por quê? Materialismo, no sentido próprio, é uma visão de mun­
do filosófica, que considera a verdade fundamental como estritamente material
— não existe nenhuma realidade espiritual. Nesse sentido, o materialismo não é
uma tentação para o cristão, porque este teria de abandonar sua noção de Deus e
toda esfera espiritual para pensar como um materialista. Em última análise, o
materialismo como filosofia não tem nenhum lugar para Deus.
Normalmente, o que entendemos por materialismo não é essa filosofia sofis­
ticada que acabei de descrever, mas aquisição de bens e a obtenção de riqueza
que se tomam o fim principal de nossa vida. Essa tentação é real para os cristãos
pois estes, como criaturas, têm prazer no conforto tanto quanto qualquer outra
pessoa. Também podemos cair no pecado da ganância e da cobiça. Os cristãos
precisam estar muito familiarizados com as advertências do Novo Testamento a
respeito de pôr o coração nos prazeres materiais e nos ganhos. Ao mesmo tem­
po, não queremos desprezá-los, negando que coisas boas, materiais ou não, vêm
de Deus. Devemos compreender o lugar e o uso próprios dos bens materiais.
Paulo diz que ele aprendeu a estar necessitado, ou a ter em abundância, e apren­
deu a ficar contente quer estivesse prosperando ou não.
Por existir muita afluência em nossa cultura, tende a haver muita culpa
a respeito de gozar da prosperidade. Se você ler o Antigo Testamento por
dez minutos, verá que o povo judeu não considerava a prosperidade como
crime. Deus estava constantemente prometendo a bênção do bem-estar ma­
terial ao povo como resultado da obediência.
Para Jesus a pergunta é: Onde está o coração? Nossa prioridade é buscar
o reino e sua justiça. Se na busca do reino, Deus for servido abençoá-lo com
abundância e prosperidade, não se sinta culpado por isso, mas agradeça a
ele e use os bens responsavelmente.

• No seu ente nder, o q u e a Bíblia en sin a a respeito d o d í ­


z im o n o q u e se refere aos cristãos hoje?

Há muitas pessoas que crêem que o dízimo não é mais um encargo so­
bre os cristãos porque é um mandamento do Antigo Testamento que não
está especificamente repetido no Novo Testamento.
Embora isso fosse parte da lei do pacto de Israel no Antigo Testamento, não
creio que tudo que Deus exige de seu povo no Antigo Testamento esteja cance­
lado se o Novo Testamento silencia a respeito. Eu diria que se o dízimo foi
cancelado deveríamos ter um ensino explícito no Novo Testamento afirmando
que o dízimo não está mais em vigor. O dízimo era uma responsabilidade central
na economia da velha aliança, e teria sido transportado, principalmente quando
entendemos que a comunidade da nova aliança foi estabelecida principalmente
entre judeus, que continuariam a praticá-lo, a não ser que lhes dissessem que o
dízimo não era mais necessário. Eu diria que na ausência de um palavra de repú­
dio, o dízimo continua válido no Novo Testamento.
Quando Jesus estava na terra, e a nova aliança ainda não tinha sido
estabelecida, ele abençoou os fariseus por seus dízimos. Eles dizimavam a
hortelã e o cominho, o que significa que eles dizimavam até as menores coi­
sas. A maioria dos dízimos no Antigo Testamento era paga com bens da agri­
cultura ou do rebanho — era uma sociedade agrária. Mas os fariseus eram tão
escrupulosos a respeito de dar os dez por cento a Deus que, se plantavam um
pouco de salsa no quintal, eles dizimavam isso também. É como se você
achasse dez centavos no chão e fizesse questão de entregar um centavo a
Deus. Jesus disse que esses homens eram tão escrupulosos que pagavam até o
último centavo, e Jesus os cumprimentou por isso (Lc 11.42).
Quando o Novo Testamento se refere a dar, fala em dar da sua abundân­
cia e do espírito de gratidão do seu coração. Sempre que as duas alianças ou
pactos são comparados, particularmente no livro de Hebreus, somos ensi­
nados que o Novo Testamento é uma aliança muito mais rica. Os benefícios
que recebemos como cristãos, excedem em muito os benefícios que o povo
da velha aliança gozava. Mas também segue-se que as responsabilidades do
povo do Novo Testamento também excedem as responsabilidades do povo
do Antigo Testamento. Nós estamos numa situação melhor. Eu diria que o
dízimo não é um alto padrão fundamental para o super-cristão, mas é o
alicerce. É o ponto de partida para uma pessoa que está em Cristo e que
compreende alguma coisa dos benefícios que recebe de Deus.

• O q u e a Bíblia e n s i n a sobre n o s s a r e s p o n s a b il i d a d e de
pagar i m p o s t o s ao governo?

A primeira vista, parece que a resposta bíblica para essa pergunta é muito
simples. Nosso Senhor disse: “Dai, pois, a César o que é de César” (Mt 22.21).
No Novo Testamento, os apóstolos nos ensinam que devemos dar honra
a quem merece honra, e impostos a quem eles são devidos. Devemos pagar
os tributos que são impostos sobre nós pelo magistrado civil.
Tem havido muitos cristãos, particularmente em anos recentes, que têm le­
vantado perguntas a respeito disso. Perguntas como: Devemos nos submeter de
boa vontade a César, quando César ultrapassa sua esfera de autoridade? Deve­
mos entregar a César aquilo que não é seu? Lembremo-nos que essa pergunta foi
feita no contexto de uma situação muito intrigante no Novo Testamento. As
pessoas vieram a Jesus e lhe perguntaram por que seus discípulos não estavam
pagando seus impostos. Jesus realmente não responde a pergunta, e isso me in­
comoda. Tenho coçado a cabeça e pensado: “Será verdade que eles não estavam
pagando todos os impostos que deveriam pagar? Quer dizer, será que os discí­
pulos eram culpados de sonegação de impostos ?” Isso é tão diferente da atitu­
de frisada tantas vezes no Novo Testamento de honrarmos o magistrado civil e
sermos responsáveis nos nossos deveres cívicos.
O outro tipo de escapatória que alguns cristãos estão examinando é a
seguinte afirmação: “Paguem ao governo os impostos que são devidos.”
Bem, o governo me diz que impostos são devidos a ele. Mas a palavra “de­
vido” é uma palavra carregada de sentido, pelo menos em seus significados
históricos. Aristóteles, por exemplo, definiu a natureza de justiça como o
dar à pessoa aquilo que lhe é devido — não simplesmente o que merecem,
mas aquilo que lhes é devido. Há circunstâncias em que certas coisas são
devidas a uma pessoa ou a uma instituição. A pressuposição não declarada,
é que ao governo são devidos impostos que são utilizados para causas jus­
tas. Assim algumas pessoas (entre elas Francis Schaeffer, antes de morrer)
levantaram a pergunta: Será correto pagar voluntariamente impostos que
serão usados para causas injustas? Os cristãos deverão sempre se submeter
a impostos injustos? É um problema que nos consome.

• E a respeito de dívidas? Os cristãos d e v e m u sa r cartões


de crédito, fazer e m p r é s t i m o s para a d q u ir i r carro, casa,
para férias, etc.?

Há uma grande controvérsia na igreja cristã sobre essa pergunta. Algumas


pessoas assumem a posição de que, sob nenhuma circunstância, o cristão
deveria se onerar com dívidas financeiras, citando passagens como: “A nin­
guém fiqueis devendo cousa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns
aos outros” (Rm 13.8).
Há numerosas passagens, especialmente na literatura de sabedoria do
Antigo Testamento, que advertem contra a extravagância financeira que pode
cair sobre nós se nos permitirmos entrar em dívidas impensadamente. Tomo
essas passagens no contexto em que são apresentadas, como provérbios de
sabedoria que nos avisam a respeito de práticas imprudentes que podem ser
destrutivas para o nosso lar. Não as vejo como proibições absolutas contra
qualquer dívida. Há uma maneira responsável de assumir uma dívida, e há
dispositivos para o endividamento na sociedade do Antigo Testamento.
Na sociedade atual, na maior parte do mundo, a troca monetária— o proces­
so todo do comércio — envolve não apenas o uso de moedas, mas também de
dinheiro em papel. Usamos cheques e cartões de crédito. Cartões de crédito
\

podem ser usados de várias maneiras. As vezes são usados exatamente como o
nome sugere — como uma linha de crédito instantânea que inclui o pagamento
de juros se não pagarmos o valor total da conta quando a recebemos. Isso é
perigoso porque é um incentivo a que as pessoas vivam além de suas possibilida­
des, e sejam menos responsáveis em seus hábitos de compra.
Eu uso cartões de crédito porque fornecem uma grande conveniência
para mim; não preciso carregar grandes somas de dinheiro quando viajo.
Também mantemos um bom registro de nossas finanças. Tem sido minha
política e prática pessoais nunca pagar com juros; isto é, pago as contas
inteiramente quando as recebo. Na realidade, o cartão de crédito para mim,
se torna uma outra forma de cheque.
No sistema econômico da América, tem sido uma prática normal levan­
tar empréstimo para aquisição de bens maiores como casas e automóveis.
Muito poucas pessoas podem pagar uma casa à vista.
O fato de podermos pagar durante trinta anos por uma casa tem seus benefí­
cios e seus riscos, acabamos pagando muito mais do que o preço da propriedade
por causa dos juros. Mas, ao mesmo tempo, temos a possibilidade de nos tomar­
mos proprietários de uma casa. Novamente, para mim tudo isso se reduz a uma
questão de mordomia e responsabilidade. Não vejo nenhuma proibição básica
das Escrituras contra o crédito, mas devemos ser sábios ao usá-lo.

• Existe u m a posição bíblica clara c o n t r a loterias e jogos


e m cassinos?

Se há uma proibição bíblica explícita e direta contra jogos no cassino ou


contra loterias? Não que eu saiba. Entretanto, a igreja cristã tem assumido
uma posição consistentemente desfavorável contra os cassinos e loterias,
baseada nas implicações de certos princípios bíblicos. Por exemplo, na igreja
em que fui ordenado ministro, parte de nossa posição confessional é que
devemos seguir não apenas o que a Bíblia ensina explicitamente, mas o que
pode ser deduzido das Escrituras por inferência clara e necessária. A Bíblia
tem princípios claros que se referem a questões como essas. O mais impor­
tante, sem dúvida, é o princípio da mordomia, pelo qual sou responsável
por agir como mordomo de minhas posses, inclusive minha riqueza e por
não ser esbanjador e irresponsável na maneira como gasto meu dinheiro.
O maior problema que tenho com cassinos, e particularmente com lote­
rias, é que eles tendem a ser investimentos muito medíocres, e inevitavel­
mente exploram os pobres da sociedade. O pobre sonha em melhorar seu
bem-estar material. Ele sonha em possuir uma casa e um bom carro. Sonha
em ser libertado das infindáveis e opressivas tarefas do trabalho diário com
remuneração muito pequena. Sendo um trabalhador que recebe um paga­
mento baixo por horas de serviço, ou que depende de um cheque da Previ­
dência Social, ele não terá nunca oportunidade de acumular dinheiro sufici­
ente para construir uma base sólida ou investir no futuro. Sua única possibi­
lidade de conseguir segurança financeira ou melhorar sua situação é apos­
tar nos números e apostar alto nos cassinos. Ele usará seu dinheiro e espera­
rá ganhar o prêmio milionário. Esse é o seu sonho. Mas ele não tem uma
compreensão real de como o sistema funciona, e quão grandes são as des­
vantagens contra ele.
Passamos por essa luta no estado da Pensilvânia quando eu morava lá e
todos estavam preocupados com crime organizado e tudo mais. O crime
organizado já existia lá. Quando eu era menino, já havia uma loteria na
Pensilvânia. Não era estatal, era dirigida pela Máfia, e podia-se comprar
um número em quase todas as esquinas de Pittsburgh. O fato que me espan­
tou foi que quando o estado assumiu a loteria para benefício de cidadãos
importantes, as dificuldades para ganhar no sistema estatal eram piores do
que as que existiam no sistema da Máfia. Portanto vi o estado tirando van­
tagem do desejo das pessoas de ficarem ricas depressa, e explorando o po­
bre através dessa terrível forma de investimento.

• Q u a l deveria ser a posição cristão sobre apostas?

Quando uma pergunta ética se refere à nossa cultura, é importante ten­


tar respondê-la do ponto de vista dos princípios bíblicos. Se você andar pela
rua e perguntar a cem cristãos: “É errado jogar?” Noventa e cinco deles
provavelmente responderão de maneira automática: “Sim, sem dúvida.” Em
outras palavras, as tradições subculturais da comunidade cristã têm se oposto
rigorosamente ao jogo e às apostas durante séculos.
A Bíblia não diz: “Não jogarás.” Portanto precisamos ser muito cuida­
dosos antes de declarar ao mundo que Deus se opõe a todas as formas de
jogo. O que dizer sobre investir na bolsa de valores? E sobre investir numa
companhia? O que dizer sobre qualquer tipo de investimento de capital?
Em todos estes casos você está arriscando o seu dinheiro; todos são formas
de jogo. Que diferença faz se você está investindo numa corrida de cavalos
ou em ações da Bolsa de Valores de Nova Iorque? Alguns teólogos fazem
uma distinção entre jogo de risco e casos de comércio ou astúcia. Uma
coisa é investir o dinheiro numa companhia que eu mesmo vou operar, e
cujo sucesso até certo ponto dependerá do meu grau de energia, meu traba­
lho, minha sabedoria e habilidade; outra coisa é entregar o meu dinheiro
numa agência de apostas para ver o que acontece nesse jogo de sorte.
Creio que a questão real a respeito de apostas e loterias estaduais, do ponto
de vista bíblico, se centraliza no princípio bíblico da mordomia. Deus nos dá
certos recursos, benefícios, talentos e habilidade, e somos responsáveis por usá-
los com sabedoria. Deus não é favorável ao desperdício de dinheiro, à falta de
cuidado com os bens que ele nos dá. O grande problema com o jogo é a má
mordomia. Numa corrida de cavalos, ou de cachorros ou numa loteria estadual
as desvantagens são tão grandes contra você, especialmente em agências de aposta,
que todos representam um mau uso de seu capital de investimento. Nessa altura,
eu diria que os cristãos não devem apoiar esste tipo de empreendimento.

• Em 2 Coríntios 8.13-15, Paulo parece descrever u m a es­


pécie de ig u a ld a d e e c o n ô m ic a . Q u a l o r e l a c i o n a m e n t o
dessa p assagem c o m os cristãos hoje?

Na realidade, Paulo usa a palavra igualdade num sentido econômico nessa


passagem; no versículo 13, ele diz especificamente: “Porque não épara que os
outros tenham alívio, e vós, sobrecarga; mas para que haja igualdade”.
Algumas pessoas têm usado esse versículo simples para dizer que Paulo
deu uma espécie de aprovação velada ao marxismo.
Os que tentaram sintetizar cristianismo e marxismo fazem muita confu­
são a respeito desse versículo em particular, e penso que eles o tiram com­
pletamente do seu contexto imediato.
Certamente o tiram do contexto daquilo que o resto da Bíblia fala sobre
propriedade particular. O sistema do Antigo Testamento exigia que a rique­
za fosse distribuída não na base da igualdade, mas na base da eqüidade.
Eqüidade é um pouco diferente de igualdade; isto é, se uma pessoa traba­
lha, tem direito à abundância — ela colhe o que plantou. E isso é transpor­
tado para o Novo Testamento. Em 2 Tessalonicenses 3.10, Paulo afirma
que se alguém não quer trabalhar, não deve comer.
Na passagem de 2 Coríntios, Paulo não está se referindo à situação eco­
nômica dos cristãos individuais, mas ao donativo de benevolência entre as
igrejas. Está falando da responsabilidade das congregações em participar
igualmente durante a crise — nesse caso, no alívio de uma congregação
específica que se encontrava em sofrimento.
Esse não é o primeiro apelo de Paulo à congregação de Corinto. Tinha
havido um período de fome em Jerusalém. Isso, somado à perseguição ex­
trema contra os judeus cristãos naquela região, os tinha colocado numa
situação desesperadora. Várias igrejas em outras regiões estavam levantan­
do uma coleta. Encontramos a primeira menção de Paulo sobre isso em 1
Coríntios 16, quando ele insiste em que os membros daquela congregação
fossem sensíveis para com as necessidades da igreja de Jerusalém, assim
como outras igrejas o fizeram. Agora em 2 Coríntios, Paulo relembra que
algumas igrejas fizeram o donativo com grande sacrifício.
Acidentalmente, alguns dos estudiosos, que pesquisaram as circunstânci­
as históricas da pobreza na igreja de Jerusalém, argumentam que isso foi um
resultado da experiência de vida em comum daquela igreja, o que terminou
em desastre e falência econômica. Foi exatamente por causa de sua tentativa
de marxismo, por assim dizer, que o resto da igreja teve que custeá-los.
Q U E S T Õ E S DE V I D A E M O R T E

“Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de minha mãe.


Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me
formaste; as tuas obras são admiráveis... Os teus olhos me viram
a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos
os meus dias, cada um deles escrito e determinado,
quando nenhum deles havia ainda.”
— S a l m o 1 3 9 .1 3 ,1 4 ,1 6

Perguntas dessa seção:

• Qual a sua opinião sobre o aborto, e há algum trecho da Bíblia que o


aprove?
• Existem circunstâncias que permitiriam a um verdadeiro cristão justifi­
car o aborto?
• Baseado no fato de que Deus deu aos médicos a habilidade de detectar
fetos defeituosos através da amniocentese, o sr. acredita que o aborto po­
deria ser feito se o feto for anormal?
• Uma mulher está pecando quando interrompe uma gravidez resultante de
um estupro?
• O que diz a Bíblia sobre eutanásia?
• No caso de um doente terminal, quem deve decidir quando desligar o
sistema de manutenção de vida?
• Qual deveria ser a posição cristã sobre pena de morte?

• Q u a l a sua o p in iã o sobre o aborto, existe a lg u m trecho


d a Bíblia q u e o aprove?

Estamos todos conscientes do tipo de pregação que proclama fogo do


inferno e maldição, pregadores que gritam e vociferam contra a decadência
do mundo. Pode se tornar cansativo ouvir tudo isso. Penso que, num espíri­
to de caridade, todos respeitamos pessoas que discordam dos outros, e eu
tento manter essa posição o mais que posso. Mas quando chegamos a essa
questão de aborto, minha tolerância se dissipa. Estou convencido de que
esse assunto que a América enfrenta hoje é a maior iniqüidade da história
de nossa nação. Quase sinto vergonha de ser americano. Sinto-me envergo­
nhado da profissão médica, mas muito mais envergonhado com a igreja por
seu fracasso em gritar “Assassinato Descarado” a respeito do aborto.
O aborto é um mal monstruoso e, se conheço alguma coisa do caráter de
Deus, estou absolutamente convencido de que isso é um insulto para ele.
Do começo ao fim das Sagradas Escrituras, existe um prêmio para a santi­
dade da vida humana. Sempre que vemos uma vida humana desrespeitada
— como o é claramente na injustificada destruição de crianças ainda não
nascidas — então aqueles que acreditam no valor e dignidade da vida hu­
mana precisam se levantar e protestar tão alto quanto possível.
Do ponto de vista bíblico, a questão se centraliza na origem da vida.
Para mim, seria meramente um sofisma acusar alguém de assassinato se de
fato não estivessem matando uma vida humana. Creio que a evidência bí­
blica é numerosa no sentido de que a vida começa na concepção. Vemos
isso repetidamente na literatura profética do Antigo Testamento, nos sal­
mos de Davi e no Novo Testamento onde, no encontro de Isabel com Maria,
depois que esta concebeu a Jesus, João Batista, antes de nascer, dá testemu­
nho da presença do Messias que também ainda não havia nascido. Nenhu­
ma dessas crianças era nascida, entretanto a comunicação se faz. Jeremias e
o apóstolo Paulo falam de terem sido consagrados e santificados quando
ainda estavam no ventre de suas mães. Estas e muitas outras passagens in­
dicam claramente que a vida começa antes do nascimento e, creio eu, com
a concepção. Oro apenas para que essa nação considere o assunto com seri­
edade e faça algo para restaurar a santidade da vida.

• Existem circunstâncias q u e p erm itiriam a u m verdadeiro


cristão justificar o aborto?

Muito antes de Roe x Wade, um filme intitulado O Cardeal, estrelado por


Tom Tryon, no qual o cardeal enfrentava o terrível dilema ético de ser fiel à
sua igreja ou fiel ao amor e compaixão que sentia por um membro de sua
própria família, foi produzido. Sua irmã estava naquela situação muito rara,
em que o parto representava um perigo de vida para ela. Os médicos tinham
que fazer a escolha; a mãe ou a criança. Nesse caso, o cardeal era o guardião
de sua irmã, e ele tinha de fazer a escolha. Ele desejava muito salvar sua irmã,
mas a lei canônica naquela ocasião exigia que ele optasse pela criança.
A reação do povo foi forte, estavam todos muito divididos a esse respei­
to. Quando qualquer pessoa enfrenta a responsabilidade de tomar uma de­
cisão entre duas vidas, a criança ou a mãe, entramos numa esfera ética com­
pletamente diferente daquela que está diante do público americano hoje,
isto é, aborto por conveniência. Creio que devemos distinguir claramente
entre os dois casos.
Muitas vezes as questões ficam confusas quando as pessoas assumem
uma posição contra o aborto legal. Elas perguntam: “Isso significa que você
permitiria que uma mulher morresse numa situação de perigo de vida, ou
que uma jovem que foi estuprada tivesse de continuar com a gravidez?”
Creio que este é um assunto completamente diferente. Gostaria de separar
essas perguntas antes de respondê-las. Eu diria que pessoas melhores, e
estudantes de ética mais bem preparados do que eu, estão divididos sobre
se haveria ou não uma situação justificável para o aborto. Minha opinião
pessoal (e isto é apenas R.C. Sproul e não um dogma do cristianismo) é de
que o aborto nunca é justificável. Tudo se toma muito mais problemático se
estamos numa situação de escolher entre a vida da mãe ou a da criança, mas
eu não me levantaria contra aqueles que discordam de mim. Entretanto me
oponho fortemente ao aborto legal.

• Q u a n d o estava grávida do m e u ú l ti m o filho, m e u m édico


p e r g u n t o u se eu desejava fazer u m e x am e de a m n i o c e n -
tese para d e t e r m i n a r se o bebê era n o r m a l . Baseado n o
fato de q u e Deus deu aos m éd icos a ha bilidade de u sa r a
a m n i o c e n t e s e para isso, o s e n h o r acredita q u e o a b o rt o
poderia ser feito se o feto se provar a n o r m a l?

Como cristãos, temos que voltar um passo atrás e resolver a pergunta de


quando a vida começa. Se, por exemplo, alguém assume a posição cristã
tradicional e clássica de que a vida começa com a concepção, então pode­
mos fazer uma outra pergunta paralela; isto é, suponhamos que não tivésse­
mos essa informação antes do nascimento e a criança nascesse deformada
— deveríamos destruir essa criança depois que ela nasceu?
Alguns poderiam dizer: “Bem, vocês estão confundindo as coisas.” Não,
não estamos, porque a questão real é saber se temos ou não o direito de
destruir uma vida humana depois que ela começa. Se o tirar a vida humana
depois que ela começa é um tipo de assassinato, então seria um assassinato
antes do nascimento ou depois dele. Na realidade não faria tanta diferença
do ponto de vista moral.
Creio que a vida começa na concepção, portanto não aceitaria o aborto
como moralmente justificável se alguém ficasse sabendo através de um tes­
te que a criança será deformada.
A maioria das questões sobre aborto hoje em dia tem a ver com a ques­
tão da legalização aborto. Grande parte dos abortos é feito por questões de
conveniência e não porque as pessoas envolvidas tiveram de passar pelo
problema terrivelmente difícil de conceber uma criança defeituosa que en­
volverá grande despesa e angústia.
Você está, na verdade, fazendo uma pergunta sobre eutanásia.
Quando, pela primeira vez, debatemos seriamente esse problema de abor­
to, na década de 60, não ouvi ninguém — de uma perspectiva teológica,
ética ou científica — advocando o infanticídio, e também não ouvi nin­
guém naquela ocasião advocando a eutanásia para pessoas idosas. Não é
esse o caso hoje, e penso que os profetas daquela ocasião, que advertiram
que a aceitação do aborto levaria à aceitação da eutanásia, estavam certos.

• U m a m u l h e r está p e c a n d o q u a n d o i n t e r r o m p e u m a gra­
videz r e s u l ta n te de u m e stupro?

Aqueles que se opõem ao aborto legal o fazem porque estão convenci­


dos de que a vida começa antes do nascimento. Com certeza, a questão que
tem dividido essa nação tão veementemente não é a questão de se é ou não
legítimo fazer um aborto em caso de incesto ou estupro, ou quando a vida
da mãe corre perigo, mas sim aquilo que podemos chamar aborto por con­
veniência. Faço essa observação não para me esquivar do assunto específi­
co de sua pergunta, mas para advertir as pessoas no sentido de que não
sejam levadas pela consideração do “caso especial.”
Muitos estudiosos e teólogos que se opõem rigorosamente ao aborto
legal, crêem que este seria eticamente viável em certas circunstâncias e
situações que apresentam atenuantes, como no caso do incesto, do estupro
ou quando a vida da mãe é ameaçada. Eu diria que uma minoria muito
pequena de teólogos afirmaria que o aborto é sempre errado e sempre um
pecado. Eu me colocaria nessa pequena minoria. Não creio que devamos
jamais nos envolver em abortos terapêuticos. Novamente, reconheço que
as premissas éticas são muito menos claras quando estamos lidando com
essas questões difíceis. Certamente não penso que seja claramente contra a
lei de Deus fazer um aborto terapêutico, em caso de estupro ou incesto. O
próprio ato do estupro é um terrível insulto à dignidade da mulher. E pedir a
ela que suporte as conseqüências desse insulto numa gravidez à qual ela não
estava voluntariamente aquiescendo — sem dúvida, posso entender aqueles
que gostariam de dizer que o aborto é permissível. A razão pela qual eu hesito
é o fato de que estou convencido de que ainda seria uma vida humana, e
mesmo numa situação tão terrível como essa para uma futura mãe, eu lhe
pediria para suportar essa dor em nome da salvação da vida da criança.

• A Bíblia diz a lg u m a coisa sobre e uta násia ?

Não há nenhuma menção explícita sobre eutanásia nas Escrituras. Entre­


tanto, alguns princípios estabelecidos nas escrituras se aplicam ao assunto.
Nossa geração está sentindo a intensidade dessa pergunta como nunca por
causa dos avanços da tecnologia e da medicina moderna. Doentes que morre­
riam, se deixados por conta da natureza, estão sendo mantidos clinicamente
vivos. Isso levanta um conjunto de perguntas morais a respeito das quais mui­
tos médicos conscientes estão procurando uma orientação clara.
Em princípio, a questão da eutanásia tem estado presente entre nós por
tanto tempo quanto existem pessoas que sofrem. Sem dúvida, o sofrimento
não é um fenômeno do século XX. Pessoas de todas as gerações tiveram de
lidar com a dor. As Escrituras não contêm uma afirmação que permita a
alguém apressar o término da vida de uma pessoa que está sofrendo. As
únicas passagens que temos são apresentadas sem comentários— por exem­
plo, quando Saul, no meio de uma derrota humilhante, pede ao seu escudei­
ro para ajudá-lo a cair sobre sua espada e, assim, cometer suicídio ao invés
de ser levado como prisioneiro pelos inimigos. Essa é uma forma de euta­
násia, mas as Escrituras não indicam a resposta de Deus para isso.
Em geral as Escrituras defendem rigorosamente a santidade da vida e sabe­
mos que uma das grandes lutas dos santos nas Escrituras era seu desejo de mor­
rer e não ter permissão para isso. Kierkegaard escreveu longamente argumentan­
do que essa é uma das situações mais miseráveis na qual uma pessoa virtuosa
pode se encontrar—desejar a morte e não ter permissão para morrer.
Moisés pediu para morrer; Jó pediu para morrer; Jeremias pediu para
morrer. E hoje muitas pessoas pedem para morrer. O padrão nas Escrituras
parece ensinar que não temos permissão para nos envolvermos ativamente
na destruição da vida humana, mesmo para livrar alguém de sua miséria.
Fazemos distinções entre eutanásia ativa e passiva. E possível permitir que
uma pessoa morra naturalmente, morra com dignidade? Essa pergunta real­
mente requer uma explicação muito mais longa e detalhada, mas eu diria
que há ocasiões em que é permissível deixar que a pessoa morra — privan­
do-a de tratamentos adicionais, por exemplo, ou decidindo não ser mantido
vivo artificialmente.

• No caso de u m d o e n t e terminal, q u e m deve decidir q u a n ­


d o desligar o sistem a de m a n u t e n ç ã o da vida?

No ano passado, falei a oitocentos médicos na Universidade do Alabama


em Birmingham. Pediram-me que falasse precisamente sobre a pergunta:
Como decidir quando se deve desligar a tomada? Achei interessante notar
que a especialidade com maior número de representantes naquela reunião,
era um grupo de neurocirurgiões. E muito freqüente deixar em suas mãos a
responsabilidade de tomar a decisão sobre quando desligar a tomada, por­
que eles fazem o exame para determinar se a pessoa tem morte cerebral;
isto é, não demonstram nenhum sinal de atividade do cérebro.
As perguntas em torno do desligamento da tomada não são simples.
Envolvem a aplicação não de um, mas de vários princípios da ética. Eu
hesito em dar uma resposta apressada sobre um momento determinado em
que você desliga ou não a tomada.
Quem, em última análise, deveria tomar essa decisão? O que recomen­
dei àquele grupo de médicos foi ditado não tanto pelas leis bíblicas mas
pela prudência. Uma decisão tão pesada não deve ser tomada caprichosa­
mente ou pela sugestão unilateral de alguém. Deveria ser tomada em con­
junto. Há sabedoria em muito conselho, e eu diria que três grupos devem
estar envolvidos na tomada dessa decisão. É uma decisão de importância
tão grande que penso que o guia religioso deve estar envolvido. É preciso
coragem moral para um pastor se interpor numa situação familiar, mas as
famílias precisam desesperadamente da orientação espiritual nessa hora, e
eles merecem ter um pastor que os ajude a tomar tal decisão. Creio que isso
está dentro do campo de nossa formação e treinamento teológicos, devería-
mos ser capazes de ajudar as pessoas a decidirem tais coisas. Mas o pastor
não deve fazer isso unilateralmente. Ele deve estar em profunda comunica­
ção com a família e com o médico.
Os aspectos médicos dos sistemas de manutenção de vida são tão técni­
cos e complexos que precisaríamos da participação de especialistas médi­
cos para avaliar a situação. Portanto esses três grupos— a família, o médico
e o clero — devem estar envolvidos na decisão.

• Q u a l deveria ser a posição cristã sobre p e n a de m o r te ?

Estou convencido de que todo o nosso sistema de justiça criminal está


seriamente precisando de reforma e reestruturação porque não está funcio­
nando e existem muitas iniqüidades dentro dele. Os cristãos estão divididos
sobre a pena de morte. Primeiro, existe a pergunta básica de se a pena de
morte seria em si mesma uma coisa boa ou má. Penso que a opinião majo­
ritária da igreja cristã, em toda sua história, tem sido de que a pena de morte
é uma coisa boa.
Essa posição foi assumida, não porque os cristãos fossem particularmente
sedentos de sangue, mas porque os cristãos lêem as Escrituras. A Palavra de
Deus institui, estabelece e ordena a pena de morte em Gênesis 6.9.
Quando o legislativo estadual da Pensilvânia votou a reintrodução da
pena de morte, o então governador do estado vetou com base nas palavras
bíblicas: “Não m a t a r á s Ele estava consciente de que a Bíblia diz “Não
matarás”, e estava citando os Dez Mandamentos em Êxodo 20. Entretanto,
se você examinar Êxodo 21, 22 e 23 (o código de santidade), Deus estabe­
lece dispositivos para aqueles que quebram esse mandamento. Para aqueles
que matam, Deus ordena que sejam executados.
Distinções tênues são feitas entre assassinato voluntário e involuntário,
premeditação, e vários tipos de situações que caem dentro da complexida­
de de nossa jurisprudência. Portanto, estou respondendo essa questão num
sentido amplo.
Normalmente, a grande objeção à pena de morte é que a vida humana é
tão preciosa e tão valiosa que nunca deveríamos levantar nossas mãos contra
ela. Também todo ser humano é redimível. Outro argumento é que a pena de
morte não é um meio de intimidação. Mas a instituição da pena de morte não
foi dada como intimidação, mas como um ato de justiça. Qual é o raciocínio
bíblico? A pena de morte é instituída muito cedo no Antigo Testamento —
antes de Moisés, antes do Sinai, antes dos Dez Mandamentos, desde os dias
de Noé, quando Deus disse: “Se alguém derramar o sangue do homem, pelo
homem se derramará o seu”. Isso não é uma predição. Na estrutura da lingua­
gem há um imperativo; é uma ordem. E a razão é dada: “porque Deus fez o
homem segundo a sua imagem” (Gn 9.6). Em outras palavras, a Bíblia diz
que a vida humana é tão sagrada, tão preciosa, tão santa — a vida humana
tem tanta dignidade — que, se com premeditação você destrói injustificada-
mente outro ser humano, você, por isso mesmo, perde o seu direito à vida.
Deus não apenas permite a execução de assassinos, ele a ordena.
18
-ífí^
SOFRIMENTO

“Se Deus é p o r nós, quem será contra nós?


Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, po r todos nós o
entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as
cousas? Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação,
ou angústia, ou perseguição, ...ou perigo, ou espada?”
— R o m anos 8 .3 1 ,3 2 ,3 5

Perguntas dessa seção:

• Se Deus é todo poderoso, por que ele permite o sofrimento?


• Por que um Deus santo e amoroso permite que uma criança sofra com
uma doença séria como o câncer?
• Quando experimentamos provações, como podemos determinar se elas
são conseqüência da violação de um princípio bíblico, uma prova vinda
do Senhor ou um ataque de Satanás?
• Fala-se sobre o “problema do sofrimento.” Num mundo decaído, não se­
ria mais certo falar sobre o “problema do prazer?”
• Em Colossenses 1.24, Paulo diz que ele faz a sua parte em preencher “o
que resta das aflições de Cristo”. O que significa essa frase?
• Como o sr. aconselharia cristãos que estão sofrendo enfermidades ou ve­
lhice e que prefeririam estar no céu com seu Senhor ao invés de permane­
cerem aqui?
• O sofrimento, de maneira geral e não o sofrimento por nossa fé cristã,
pode ser contado como participação nos sofrimentos de Cristo?
• Qual a diferença entre Deus nos testar ou nos tentar?
• No livro de 1 Tessalonicenses, somos chamados a dar graças em todas as
circunstâncias. Em algumas ocasiões, ouvi meus irmãos e irmãs em Cris­
to agradecerem por coisas como doença e morte. Deveríamos fazer isso?
• Como um profissional da saúde, vejo pessoas sofrendo diariamente. O
que os cristãos podem esperar de Deus no que diz respeito à cura?
• O que a Bíblia nos ensina a respeito de confortar alguém que está sofren­
do por causa de um crime que cometeu?
• Em Tiago 5.14,15, os doentes são orientados a chamarem os presbíteros
da igreja para ungi-los com óleo e impor as mãos sobre eles. Os cristãos
praticam isso hoje, ou deveríamos praticar?

• Se Deus é t o d o poderoso, p o r q u e ele p e r m i te o


sofrimento?

Um livro recente e controvertido sobre essa questão tinha como título:


Quando Coisas Ruins Acontecem a Pessoas Boas. Uma objeção comum à
religião é a seguinte: Como alguém pode acreditar em Deus à luz de todo o
sofrimento que vemos e experimentamos nesse mundo?
John Stuart Mill levantou essa objeção clássica contra a fé cristã: Se
Deus é onipotente, e permite todo esse sofrimento, então ele não é benevo­
lente, ele não é um Deus misericordioso, ele não é amoroso. E se ele é
amoroso para com todo mundo, e permite todo esse sofrimento, então, cer­
tamente, ele não é onipotente. E, dado o fato do pecado, ou o fato do sofri­
mento, não podemos jamais concluir que Deus é ambas as coisas onipotente
e benevolente. Por mais brilhante que John Stuart Mill seja, tenho que dis­
cordar nesse ponto e examinar o que as Escrituras dizem sobre essas coisas.
Mantenha em mente que, dentro de uma perspectiva bíblica, o sofri­
mento é intrinsecamente relacionado com a queda desse mundo. Não havia
sofrimento antes do pecado. Em minha interpretação, as Escrituras dizem
que o sofrimento nesse mundo é parte do conjunto de julgamento de Deus
sobre o mundo. Você está perguntando: Como um juiz justo pode permitir
que o criminoso sofra? Como um juiz justo pode permitir que um ofensor
violento seja punido? A pergunta que deveríamos fazer é: Como um juiz
justo pode não permitir a punição para aqueles que cometeram atos de vio­
lência ou crimes de toda sorte? Por trás dessas perguntas está sempre a
santidade de Deus e sua perfeita justiça. Nossa compreensão de Deus está
baseada e fundamentada no ensino das Escrituras de que ele é o justo Juiz.
O Juiz de toda terra sempre faz o que é certo.
No capítulo nono de João, os fariseus dizem a Jesus: “quem pecou, este
ou seus pais, para que nascesse cego?” Jesus respondeu: “Nem ele pecou,
nem seus pais” Não podemos tirar a conclusão de que os sofrimentos de
uma pessoa nesse mundo estão em proporção direta ao seu pecado. Isso foi
o que os amigos de Jó fizeram quando vieram a ele e o atormentaram dizen­
do: “Jó, meu caro, você está realmente sofrendo muito. Isso deve ser uma
indicação de que você é o mais miserável pecador do mundo.” Mas a Bíblia
diz que não podemos usar essa fórmula. O fato é, se não houvesse pecado
no mundo, não haveria sofrimento. Deus permite o sofrimento como parte
de seu julgamento, mas ele o usa também para nossa redenção — para mol­
dar nosso caráter e fortalecer nossa fé.

• Por q u e u m Deus s a n t o e a m o r o s o p e rm ite q u e u m a cri­


an ça sofra c o m u m a d o e n ç a séria c o m o o câncer?

Normalmente associamos o amor de Deus com o benefícios que recebe­


mos dele e com as bênçãos que vêm de suas mãos bondosas e misericordi­
osas. Porque seu amor normalmente se manifesta em coisas boas que nos
acontecem, às vezes recuamos chocados e consternados quando vemos uma
criança atingida por uma doença ou algum outro trauma.
Antes de respondermos à pergunta de por que Deus permite que uma
criança sofra, precisamos fazer a pergunta maior: Por que Deus permite que
o sofrimento aconteça a qualquer pessoa, quer ela tenha dois anos de idade,
dois meses ou vinte anos. As Escrituras nos dizem que o sofrimento entrou
no mundo como conseqüência da queda do homem e da criação; isto é,
Deus tem trazido julgamento a esse planeta por causa do pecado. Isso inclui
as maldições de dor, doenças, tristeza e morte que acompanham as conse­
qüências da iniqüidade.
Como um Deus santo e amoroso pode permitir que um nenê sofra uma
doença debilitante? Creio que a resposta está parcialmente contida na pró­
pria pergunta. Deus é santo, e em sua santidade exerce julgamento contra a
iniqüidade que prevalece na natureza humana. Quando fazemos a pergunta
a respeito de crianças pequenas, às vezes, oculta atrás da pergunta está a
pressuposição não declarada de que os nenês são inocentes. Praticamente
todas as igrejas na história do cristianismo tiveram que desenvolver alguma
noção daquilo que chamamos pecado original, pois as Escrituras nos ensi­
nam claramente que somos nascidos num estado de pecado e que a maldi­
ção da queda acompanha toda a vida humana. Isso soa cruel e terrível, até
compreendermos que naquele julgamento da humanidade decaída vem tam­
bém o abrandamento da ira de Deus com misericórdia e graça e toda a sua
obra de redenção. Cremos com grande e alegre antecipação que existe uma
medida especial de graça que Deus reservou para aqueles que morrem na
infância. Jesus disse: “Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis,
porque dos tais é o reino de Deus” (Mc 10.14).
Um aviso que preciso levantar aqui é que não devemos saltar para a
conclusão de que a doença ou aflição particular de uma pessoa individual é
resultado direto de algum pecado especial. Esse pode não ser o caso de
maneira nenhuma. Como humanos, todos participamos do conjunto amplo
da queda de nossa humanidade, o que inclui a tragédia da doença.

• Q u a n d o e x p e r i m e n t a m o s provação, c o m o p o d e m o s d e ­
t e r m i n a r se elas são c o n s e q ü ê n c i a da violação de u m p r i n ­
cípio bíblico, o u u m a prova q u e v e m d o Senhor, o u u m
a t a q u e de Satanás?

Antes de mais nada, precisamos reconhecer que qualquer uma dessas


possibilidades existe sempre que entramos em tribulação, sofrimentos ou
provações de qualquer sorte. De fato, outras coisas podem ser a causa da
tribulação que somos chamados a enfrentar. Podemos ser a vítima inocente
do comportamento injusto de outra pessoa, e podemos perguntar por que
Deus permite que nós sejamos as vítimas da maldade de outros.
Às vezes, as tribulações e provações chegam a nós como resultado direto
do julgamento de Deus. Pode ser parte da correção aos seus filhos, ou da
punição sobre os obstinados em sua desobediência para com ele. Às vezes,
Deus manda circunstâncias ou pessoas que nos ajudarão a desenvolver nos­
sos músculos espirituais e nosso caráter. Também pode ser que estejamos
sendo assediados pelo inimigo, algo que Martinho Lutero freqüentemente
falava em ter experimentado — o que ele chamava de “infecção,” o assalto
pessoal que vem do príncipe das trevas.
Não é fácil discernir entre essas causas. Precisamos começar reconhe­
cendo que Deus é soberano sobre toda tribulação. Quer seja a tribulação
que acontece como conseqüência de meu pecado, ou como um teste em que
Deus está me colocando, ou porque estou sendo vítima de outra pessoa ou
objeto do ataque de Satanás, Deus é soberano sobre todas essas coisas. No
meio da tribulação, ao invés de me perder tentando discernir com certeza
qual será a causa e tentando descobrir por que tudo isso está acontecendo
comigo, é importante que eu faça a pergunta mais profunda: Como devo
reagir a tudo isso?
Podemos começar sondando os nossos corações para ver se há alguns
caminhos maus em nós que poderiam ser razões legítimas para a correção de
Deus. Devemos nos regozijar de que Deus faça isso, pois é uma indicação de
seu amor por nós. A correção do Senhor tem o propósito de nos levar ao
arrependimento e à completa restauração da comunhão. Quando entro numa
provação ou nalgum tipo de tribulação, deveria dizer: “Senhor, há alguma
coisa que o Senhor está tentando me dizer? Há alguma área de minha vida
que precisa de atenção ou limpeza?” Nossa postura normal de confissão de­
veria ser intensificada em meio à tribulação. Pode não ser, como disse, um
ato de punição de Deus, ele pode, em certo sentido, estar nos agraciando ao
nos chamar para sofrer por amor à justiça, de modo que possamos participar
nas provações que foram parte tão integral do ministério de Jesus.
É bom lembrar, que o próprio batismo que recebemos é, entre outras coisas,
um sinal de nossa disposição de participar dos sofrimentos de Cristo. Novamen­
te, chegamos diante de Deus e dizemos: “Não sei ao certo por que estou sofren­
do. Mas, Deus, desejo sofrer de maneira virtuosa, de modo a mostrar minha
lealdade a ti.” Isso é o que importa quando tais coisas acontecem.

• Fala-se sobre o p r o b l e m a d o so f r i m e n t o . N u m m u n d o
decaíd o n ã o seria m ais certo falar sobre o "problem a do
prazer"?

Posso entender por que Deus permite que o sofrimento atinja pessoas
que estão em rebelião radical contra ele e diariamente envolvidas numa
traição cósmica. Se Deus é justo e santo, poderíamos perguntar: Como ele
não os visitaria com julgamento? Se Deus é bom, então, por isso mesmo,
deveria punir aquilo que é mau, e se ele deixasse o mal sem correção e
apenas desse felicidade e prazer ao iníquo, você começaria a se perguntar
sobre a integridade de Deus.
Por que Deus, a despeito de minha desobediência a ele, permite que eu
participe de tanta felicidade quanto sou capaz nesse mundo? Falando de
modo prático, prazer e dor produzem resultados muito diferentes. As vezes,
a presença da dor em minha vida traz o benefício prático de me santificar.
Deus trabalha em mim através da aflição. Por mais desconfortável que a
dor possa ser, sabemos que as Escrituras nos dizem constantemente que a
tribulação é um meio pelo qual somos purificados e conduzidos a uma de­
pendência mais profunda de Deus. Há um benefício a longo prazo que presu-
mivelmente perderíamos não fosse pela dor que somos chamados a “supor­
tar por um pouco.” As Escrituras nos dizem para suportar por um pouco,
porque a dor que experimentamos agora não pode ser comparada com as
glórias reservadas para nós no futuro.
Do outro lado, o prazer pode ser narcótico e sedutor, de modo que quan­
to mais o apreciamos e mais o experimentamos, menos conscientes nos
tomamos de nossa dependência e necessidade da misericórdia, auxílio e
perdão de Deus. Prazer pode ser um mal disfarçado, produzido pelo diabo
para nos levar à ruína final. Essa é a razão por que a procura do prazer pode
ser perigosa. Quer experimentando dor ou prazer, não queremos perder Deus
de vista, e nem a necessidade que temos dele.

• Em Colossenses 1.24, Paulo diz q u e ele faz sua parte e m


p r e e n c h e r "o que resta das aflições de Cristo". O q u e significa
essa frase?

Esse texto tem sido um ponto central de controvérsia na história da igre­


ja, particularmente em debates entre católicos e protestantes. O corpo de
Cristo é uma das principais imagens usadas no Novo Testamento para des­
crever a igreja. Um dos temas favoritos da Igreja Católica Romana tem sido
chamar a igreja de encarnação continuada, num sentido maior que apenas
místico ou espiritual.
Parte da doutrina católica romana incorporou o “tesouro de méritos.”
Isso se refere às obras dos santos que, estando acima e além do dever reque­
rido, são adicionados aos méritos advindos de Cristo por sua vida de perfeita
obediência. Esse excesso de méritos é depositado num tesouro de méritos que
pode ser usado pela igreja para ajudar aqueles que estão no purgatório.
A idéia atrás desse princípio é o sofrimento dos mártires, aqueles que morre­
ram por sua fé diante dos gladiadores de Roma. Eles eram vistos como tendo
sofrido meritoriamente. Quando Paulo fala sobre os sofrimentos e aflições pela
quais está passando como seu preenchimento daquilo que falta nas aflições de
Jesus, alguns interpretaram isso no sentido de que os sofrimentos de Paulo, como
apóstolo e como cristão, somavam-se aos sofrimentos meritórios de Jesus. Jesus
é o principal sacrifício oferecido por nossos pecados. Ninguém pode ser redimido
sem o seu mérito, mas esse mérito não representa a medida completa do mérito
disponível para a igreja. Em si e por si mesmo, ele não é completo. Em outras
palavras, Cristo deixou espaço para que mais mérito fosse adicionado através do
martírio inocente e vitorioso e dos sofrimentos dos santos.
A doutrina protestante julga abominável essa interpretação do texto por­
que uma das principais doutrinas do protestantismo clássico é a absoluta
suficiência do sacrifício de Cristo; seu sofrimento transmitiu mérito perfei­
to, e nada pode ser adicionado a ele. Não há falta ou deficiência na expia­
ção de Cristo. O que Paulo quer dizer nessa passagem é que Cristo chama
seu povo para participar de suas aflições e humilhações. A frase “preen­
chendo o que falta,” não significa uma deficiência em Jesus, mas simples­
mente significa que a medida completa de sofrimentos que Cristo e sua
igreja experimentam é parte do plano redentor de Deus. O sofrimento tem o
propósito de nos fazer mais e mais semelhantes a Cristo e, finalmente, ele
produz glória a Deus.

• C o m o o s e n h o r aconse lhari a cristãos q u e estão sofrend o


e n f e r m id a d e s ou velhice e prefeririam estar n o céu c o m
seu S e n h o r ao invés de p e r m a n e c e r e m aqui?

Primeiro eu os elogiaria por sua preferência pois estão em boa compa-,


nhia. Encontramos esse sentimento expresso muitas vezes nas Escrituras. No
Antigo Testamento, Jó, Moisés, Jeremias e outros amaldiçoaram o dia do seu
nascimento e, no meio do sofrimento, imploraram a Deus que lhes permitisse
morrer. Simeão, mesmo depois de ver o Messias, fez o mesmo pedido quando
disse: “Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo” (Lc 2.29). Paulo
falou de sua própria ambivalência dizendo que ele estava dividido entre dois
sentimentos, partir e estar com Cristo, o que era muito melhor, ou permane­
cer na terra, o que era mais necessário para as outras pessoas. Ele queria ser
útil para seu rebanho, mas sua preferência pessoal era morrer e ir para o céu.
Não muito tempo atrás, Billy Graham fez essa mesma afirmação publi­
camente. Ele disse que estava cansado e o que desejava mais do que qual­
quer outra coisa era ser capaz de ir para casa e estar com Cristo.
Esse desejo não é simplesmente o anseio positivo pelo cumprimento de sua
alma e pela chegada ao destino de sua peregrinação espiritual (e todos nós deve­
ríamos almejar o céu), mas essa preferência é motivada, muitas vezes, por sofri­
mentos e aflições muito sérias. A vida se torna um fardo tão pesado e cheia de
tanta dor que a pessoa suspira por simples alívio. Algumas vezes frases sobre
desejar morrer são pedidos velados por algum tipo de eutanásia. E, embora,eu
elogie a pessoa pelo desejo de partir e estar com Cristo, eu insistiria em que não
tome nenhuma providência para apressar esse momento com as próprias mãos.
Kierkegaard escreveu sobre as lutas existentes na vida cristã e os efeitos
do terror, num livro chamado Desespero Humano. Diz ele que uma das
experiências mais difíceis para qualquer ser humano é desejar profunda­
mente a morte e não ser permitido morrer. Visitei uma senhora, não muito
tempo atrás, que estava nessa situação. Ela havia sido afligida com tremen­
do sofrimento e dor. Ela olhou para mim com lágrimas rolando por suá face
e disse: “Simplesmente não sei se posso agüentar mais.” Ela ansiava pelo
sim] es cessa 1 fer Ti m o certeza que e' i pensou em sui< ídio. E 1 Dra
eu certamente compreenda o profundo desejo de uma pessoa de se seiítj\
aliviada do sofrimento, cremos que Deus é o autor da vida e da morte, 0'paò <~-
é nosso direito terminar a nossa vida.

O s o f r i m e n t o de m a n e i r a geral, e nãfa m ento


p o r n o ssa fé cristã, p o d e ser c o n t a d ^ T ^ V ^ ^ ^ ^ ^ ^ P 0?^0
n o s so f r im en to s de Cristo? ,

Penso que sim. Se o sofri mento é ^^ratado com fé — quer dizer, se


através do sofrimento colocamoswíss,.. confiança em Deus — então penso
que estamos participando r ^sçr ido cL que estamos dispostos a confiar em
Deus em meio ao sofrim em o^sim como Jesus confiou no Pai. Há uma
promessa especial naM&^murgs para aqueles que sofrem por causa da jus­
tiça, como ... Jc serem perseguidos injustamente.
E quand* ünv. pessoa está sofrendo com uma doença ou qualquer outra
tragédia crtíd ma&^sqja resultado direto de perseguição? Ela ainda enfrenta
sornmbnçp^que exige uma medida de confiança em Deus, e isso é uma
itfííosa para os que se encontram nesse estado. Nesse ponto, en-
>imitam a disposição de Cristo em sofrer, eu diria que, pelo menos
íretamente, tais pessoas estão participando de todo aquele processo.
Mas, e se estou sofrendo um castigo em conseqüência de algum tipo de
crime que cometi? Não creio que possamos chamar isso de particularmente
virtuoso ou dizer que estamos participando dos sofrimentos de Cristo de ma­
neira redentora. De fato, isso é mencionado diretamente em 1 Pedro 2.20.
Em relação ao homem que nasceu cego (Jo 9), a pergunta feita a Jesus
foi: “Mestre, quem pecou, este ou seus pais para que nascesse cego ?” (Jo
9.2) Jesus respondeu: “Nem ele pecou, nem seus pais” (Jo 9.3). Em outras
palavras, a pergunta era um falso dilema. Aqueles que a fizeram estavam
tentando reduzir a duas opções, algo que tinha mais do que duas opções
Havia uma outra. Jesus disse: “Nem ele pecou, nem seus pais, mas foi para
que se manifestem nele as obras de Deus” (Jo 9.3). Aquela pessoa não esta­
va sofrendo por perseguição. Seu sofrimento foi usado por Deus para trazer
honra e glória a Cristo.
Menciono esse exemplo porque é um caso bíblico claro em que o sofrimento
tem valor teológico — não mérito, mas valor — na medida em que foi usado
para os propósitos de Deus. Cristo mesmo nos diz que teremos aflições e sofri­
mentos nesse mundo. Ele certamente indica que vamos sofrer perseguição, e nos
dá uma bênção particular para isso no Sermão da Montanha, dizendo que grande
será a recompensa. Jesus também indica que haverá outros tipos de sofrimento
em nosso caminho e que estamos sofrendo nele e com ele.

• Q u a l é a diferença e n tr e Deus no s testa r ou n o s t en tar?

A diferença está entre uma atitude que é santa, legítima e justa e outra
que está abaixo do caráter de Deus. Como Tiago nos diz no Novo Testa­
mento: “Ninguém, ao ser tentado diga: Sou tentado por Deus” (Tg 1.13). E
segue-se uma explicação dizendo que a tentação é algo que nasce de dentro
das inclinações más de nosso próprio coração. Não podemos desculpar nos­
so pecado dizendo que o diabo nos fez cometê-lo, ou pior ainda, que Deus
nos provocou e nos inclinou para o pecado.
Há alguma confusão sobre isso por causa das palavras da Oração Domi­
nical, onde Jesus instrui seus discípulos a orar: “Não nos deixes cair em
tentação, mas livra-nos do mal”. (Em inglês a frase diz: Não nos conduzas
à tentação. N.T.) Isso quase sugere que, se temos de pedir a Deus que não
nos conduza à tentação, talvez haja ocasiões em que ele o faça. Essa frase
tem relação com o ser conduzido ao lugar de teste.
A Bíblia nos diz que Deus fará o seu povo passar por situações de teste
ou aflição ou por alguma provação, fundamentalmente para seu próprio
benefício, mas, algumas vezes, por razões nem sempre compreensíveis para
nós. Adão e Eva não passaram no teste no Jardim do Éden.
Jesus, sem dúvida, foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser testa­
do. Deus o conduziu para ser testado não por Deus, mas por Satanás. Na­
quele incidente particular temos um exemplo da diferença. Tentar alguém é
induzi-lo a cometer um ato mau. Nesse sentido, seria completamente fora
do caráter de Deus induzir alguém a pecar. Para seus propósitos redentores
e para nosso próprio crescimento de caráter, ele pode nos colocar em situa-
ções em que somos postos à prova, e onde estamos vulneráveis aos ataques
do inimigo — como Jó esteve, como Cristo esteve e como Adão esteve.
Lutero, muitas vezes, falou do assalto desenfreado que Satanás dirigia
contra ele. Ele estava lutando contra a depressão, mas nunca falou naquilo
como um engodo nas mãos de Deus. Satanás nos tentará no sentido de ten­
tar nos seduzir e nos persuadir a desobedecer a Deus, embora, mesmo nessa
tentação, Satanás esteja debaixo da soberania de Deus.

• No livro de 1 Tessalonicenses, s o m o s c h a m a d o s a d a r gra­


ças e m t o d a s as circunstâncias. Em a lg u m as ocasiões, ouvi
m e u s i r m ã o s e irm ãs e m Cristo agra decere m p o r coisas
c o m o d o e n ç a e m orte , e creio q u e isso é loucura. Deverí­
a m o s fazer isso?

Não creio que seja loucura. Nessas situações, as pessoas estão tentando
ser fiéis e obedientes àquilo que a passagem nos chama a fazer. Mas existe
muito mal entendido e confusão a respeito dessa passagem. A Bíblia repe­
tidamente nos diz que devemos nos lembrar, em todas as ocasiões e em
qualquer circunstância, de quem é Deus. Devemos nos lembrar de que ele é
soberano em e sobre todas as circunstâncias humanas que recaem sobre
nós. Como a carta aos Romanos nos diz, temos a promessa de que: “todas
as cousas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28).
Isso não significa que as coisas em si mesmas trabalham para o meu bene­
fício, mas sim que Deus, o qual é soberano sobre tudo o que se passa em
minha vida, usa tudo aquilo que acontece comigo para minha vantagem e
crescimento final. Ele usará o sofrimento e a dor, e ele triunfará sobre a
iniqüidade que existe em minha vida.
Paulo ilustra a noção de regozijar-se em todas as circunstâncias quando
diz, em Filipenses 4.11,12, que ele aprendeu a estar contente em qualquer
situação em que se encontre. Ele teve de aprender como viver com o muito
e com o pouco, como lidar com situações em que era honrado e com aque­
las em que era insultado ou mal tratado. Na verdade ele diz: “Qualquer
coisa que acontece comigo — se estou rico ou pobre, se estou com fome ou
se estou satisfeito, se as pessoas estão me amando ou se estão me odiando
— quaisquer que sejam as circunstâncias, eu sei quem sou e sei que Deus
está comprometido comigo. Por causa disso sempre há algo para me regozi­
jar em todas as circunstâncias.”
Não creio que com essa passagem Paulo quisesse dizer que quando es­
teve num naufrágio, ou quando foi açoitado, ele tivesse feito uma oração de
gratidão dizendo: “Isso não é maravilhoso?” Se vejo situações que são fran­
camente más, não devo me regozijar com a maldade que existe ali, mas
devo me regozijar em Deus que permanece acima do mal e que permanece
acima da dor e da tristeza.
O versículo mais curto da Bíblia, “Jesus chorou” (Jo 11.35), nos diz
algo. Jesus vai ao lar de Maria e Marta, e elas estão bravas com Jesus. Marta
vem a ele e diz: “Senhor, se estiveras aqui, não teria morrido meu irmão.”
(Jo 11.21).
Elas estavam realmente zangadas com ele. Será que Jesus respondeu as­
sim: “Ei, olhem aqui, não se preocupem. Eu estava apenas arranjando o palco
para essa dramática ressurreição que vou realizar daqui a pouco. Relaxem,
vamos ter uma festa, e eu vou trazer seu irmão de volta à vida?” Não, Jesus
chorou. Ele entrou na realidade do sofrimento e do luto humanos, cumprindo
as Escrituras de que é melhor estar na casa onde há pranto do que gastar seu
tempo com os tolos. Então ele prosseguiu para mostrar o triunfo de Deus
sobre aquela situação, ressuscitando Lázaro dentre os mortos. Portanto creio
que cristãos sinceros que procuram regozijar-se em todas as circunstâncias,
são motivados a dar louvor e honra a Deus e a tentar superar a dor de sua
situação por meio dessa prática. Mas devemos tomar cuidado para não ser­
mos frívolos e levianos a esse respeito. Não devemos negar a realidade da
dor, da tragédia e do sofrimento. Isso não representa uma fé sadia.

• C o m o profissiona l da saúde, vejo pessoas s o fre nd o d i a ­


r iam en te . O q u e os cristãos p o d e m esperar de Deus n o
q u e diz respeito à cura?

Não sei quantas vezes já vi na parede dos escritórios pastorais ou em


lares cristãos um pequeno letreiro: “Espere um Milagre.” Se um milagre é
algo que podemos esperar, assim como esperamos o carteiro todas as ma­
nhãs, ele deixa de ser miraculoso — não é mais extraordinário e não realiza
mais o trabalho para o qual foi desenhado, isto é, chamar atenção de uma
forma espantosa para a intervenção de Deus.
Por outro lado, o Novo Testamento nos diz para levarmos nossas ora­
ções diante de Deus, particularmente por aqueles que estão doentes. Por­
tanto, tenho esperança de que Deus seja misericordioso porque ele promete
ser misericordioso, e tenho esperança de que Deus esteja presente em horas
de dificuldade, porque ele promete estar presente em todas as horas de difi­
culdade. Tenho esperança de que Deus receberá nossas orações com serie­
dade quando orarmos em favor de um doente. Mas não espero que Deus vá
curar todas as pessoas por quem oramos, porque não sei que Deus jamais
tenha prometido fazer isso. E não tenho o direito de esperar algo de Deus
que ele não tenha prometido categoricamente em todas as ocasiões.
No Novo Testamento, vemos que Jesus, até onde sabemos, tinha um
registro perfeito de cura. Quando Jesus pedia ao Pai que curasse alguém,
essa pessoa era curada. Mas mesmo os apóstolos não eram tão seguros as­
sim. Houve ocasiões em que eles oraram pela cura de pessoas, e elas foram
curadas, e houve ocasiões em que oraram por outras pessoas e elas não
foram curadas. Creio que em situações como essas, falando de maneira
prática, o que deveríamos fazer é trazer nossos pedidos diante de Deus com
tremor e temor, em intercessão apaixonada, e então deixar que Deus seja
Deus. Nós esperamos a presença do seu Espírito Santo.
A Bíblia nos diz que no mundo teremos tribulações e o mundo está
cheio de sofrimento, nós vamos sofrer e Deus promete estar conosco “Ain­
da que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum,
porque tu estás comigo” (SI 23.4). Nunca deixei de me maravilhar com o
testemunho de alguns cristãos que conheço sobre o grandioso e extraordi­
nário senso da presença de Cristo que experimentaram em tais situações.
Nesses momentos é que mais podemos esperar que Deus esteja conosco.

• O q u e a Bíblia n o s e n s i n a a respeito de c o n fo r ta r alg u é m


q u e está s o fre n do p o r causa de u m crime q u e c o m e t e u ?

A postura básica das Escrituras a respeito de uma situação como essa é de


compaixão. Por exemplo, como cristãos temos um mandamento claro nas Escri­
turas de nos envolvermos na visitação daqueles que estão na prisão. Alguns têm
assumido uma perspectiva restrita sobre isso, insistindo que apenas aqueles que
são prisioneiros políticos ou aqueles que estão sendo perseguidos porque são
crentes — por causa da justiça — e estão encarcerados injustamente é que de­
vem ser visitados. Alguns dizem que ministrar àqueles que estão na prisão não
inclui os que estão lá porque são culpados de algum crime.
Certamente, estar encarcerado na prisão é uma forma de sofrimento que
é conseqüência direta do comportamento pecaminoso da pessoa.
Creio que historicamente a igreja tem entendido que esse ministério
significa claramente que, quer sejam culpados ou inocentes, qualquer que
seja a causa do seu sofrimento, ainda somos chamados a exercer um minis­
tério de misericórdia para com eles.
Como diretor da Prison Fellowship, encaro a visitação aos reclusos na pri­
são como um ministério muito importante que cumpre um mandamento de Cris­
to. Nossa postura básica é sermos pessoas que trazem consolação, bondade e
compaixão. Se vemos alguém com fome, não devemos perguntar-lhes por que
estão com fome ou como chegaram a essa situação. Talvez estejam com fome
como resultado de sua própria pecaminosidade, mas devemos alimentá-los.
Existem alguns limites para a nossa compaixão. Por exemplo, a Bíblia
assume uma posição dura contra as pessoas que habitualmente se recusam
a trabalhar: “se alguém não quer trabalhar, também não coma.”
Nos ensinos dos apóstolos além do Novo Testamento, um dos documento
mais antigos é o Didaquê. Ele nos dá instruções específicas sobre durante quan­
to tempo devemos ser compassivos com pessoas que estão sofrendo como con­
seqüência direta de sua recusa em arrepender-se. E necessário uma grande dose
de sabedoria para decidir quando a compaixão deve terminar e começar a admo­
estação e a repreensão. Por outro lado, repreensão e admoestação não são neces­
sariamente incompatíveis com bondade. Podem ser uma parte do amor, embora
não sejam normalmente consideradas como parte da consolação.
Essa é uma pergunta particularmente relevante hoje, com a controvérsia na­
cional sobre AIDS. Tenho visto muitos cristãos assumirem a posição de que,
porque essas pessoas sofrem de AIDS como resultado direto de suas práticas
imorais, os cristãos não devem levantar um dedo para aliviar seu sofrimento.
Considero isso uma antítese total do espírito do Novo Testamento. Se essas pesso­
as estão sofrendo, devemos ser agentes de alívio, com um ministério de bondade e
compaixão por elas, não importa quais sejam as causas de seu sofrimento.

• Em Tiago 5.14,15, os d o e n t e s são o r i e n t a d o s a c h a m a ­


r e m os presbíteros da igreja para ungi-los c o m óleo e i m ­
p o r as m ã o s sobre eles. A lg u ém a i n d a pra tica isso? Os
cristãos d e v e r ia m fazê-lo?

Realmente, a prática dessa ordem do livro de Tiago é muito difundida


no cristianismo. Por exemplo, na Igreja Católica Romana ela é elevada ao
status de sacramento. O último dos sete sacramentos recebe o nome de
extrema unção. Normalmente pensamos nele em termos do que é chamado
de últimos ritos; alguém que esteja no seu leito de morte e o sacerdote é
chamado para ouvir a última confissão. Essa doutrina ou sacramento come­
çou na Igreja Católica Romana como uma resposta direta à passagem de
Tiago e era vista, primeiramente, não como uma bênção de transição para
alguém que estava deixando esse mundo, mas como um rito de cura.
Na Igreja Episcopal, existe o que é chamado de Ordem de São Lucas,
porque Lucas era médico. Essa denominação pratica e defende a unção
com óleo e a imposição de mãos sobre os doentes.
Certamente, nas igrejas pentecostais e Assembléias de Deus, isto é lar­
gamente praticado. Em todo movimento carismático, há uma tremenda
importância colocada sobre esse versículo de Tiago.
As pessoas deveriam praticá-lo? Eu diria que sim, mas creio que tam­
bém é importante entender algumas coisas sobre unção com óleo como era
praticada nas igrejas do Novo Testamento.
Alguns historiadores insistem em que essa passagem de Tiago se refere
não a um rito religioso, mas sim a uma prática médica. Uma dessas práticas
era ungir a pessoa com óleo, acreditando que esse óleo possuía algum valor
medicinal. Com a medicina moderna disponível a nós, não seria mais ne­
cessário fazer isso por razões terapêuticas.
O entendimento normal do texto é de que isso era um símbolo do Espírito
Santo e era acompanhado pela oração pedindo que Deus interviesse e curasse
o doente e, então, na realidade a unção com óleo seria um rito religioso.
Novamente, a Igreja Católica Romana o vê como um sacramento. Ou­
tros não o chamam necessariamente de sacramento, mas o têm como uma
prática religiosa significativa.
Quando o Novo Testamento nos chama para praticar um ato de miseri­
córdia como esse, penso que deveríamos fazê-lo. Não sei de nenhuma igre­
ja que não ore pelos doentes. Ainda visitamos os doentes e oramos por eles.
Esse rito em particular desapareceu de muitas igrejas, enquanto ainda é
mantido em outras. Não vejo nenhuma razão para que ele cesse.
O FI NAL D O S T E M P O S

“Mas vós, irmãos, não estais em trevas,


para que esse Dia como ladrão vos apanhe de
surpresa; Assim, pois, não durmamos como os demais;
pelo contrário, vigiemos e sejamos sóbrios.
— 1 T e s s a l o n ic e n s e s 5.4,6

Perguntas dessa seção:

• Estamos vivendo nos últimos dias?


• Os cristãos deveriam gastar tempo estudando as profecias bíblicas sobre
a Segunda Vinda?
• Que sinais você percebe hoje da segunda vinda de Cristo?
• A Bíblia nos diz quando Jesus voltará?
• À luz das condições nacionais e mundiais, você crê que o reino do céu
está verdadeiramente próximo?
• O que Jesus queria dizer quando falou: “Em verdade vos digo que não
passará esta geração sem que tudo isto a c o n te ç a (Mt 24.34)?
• Você crê que o anticristo virá de dentro da igreja?
• As Escrituras afirmam que, durante os últimos dias, a terra será destruída,
ou que Deus regenerará a substância que já existe aqui?
• Compareceremos diante de Deus para julgamento logo após a morte, ou
mais tarde?
• Os cristãos terão de passar pelo julgamento final da mesma forma que os
não-crentes?
• A Bíblia ensina que seremos julgados com a medida que julgarmos os
outros. Isso é uma indicação de que no dia do juízo o processo de julga­
mento será significativamente diferente entre as pessoas?
• O que as Escrituras ensinam sobre o futuro papel de Israel?
• E stam os v iv e n d o nos ú l ti m o s dias?

Devemos ser cuidadosos para não sermos culpados daquilo pelo que
Jesus repreendeu os fariseus — o que eu chamo de Síndrome do Céu Ver­
melho. Você se lembra, Jesus repreendeu os fariseus porque eles tinham a
habilidade de prever o tempo. Ele podiam olhar para o céu e se estivesse
vermelho à noite diziam “Maravilha para os Marinheiros”, e se estivesse
vermelho pela manhã diziam “Marinheiros, cuidado.” Mas eles não perce­
beram os sinais dos tempos e perderam a primeira vinda de Cristo. Não
perceberam a vinda do Messias bem no meio deles, apesar do fato de uma
grande quantidade de profecias bíblicas anunciarem a aparição de Jesus em
cena — e Jesus os repreendeu por isso.
Quando alguém me pergunta: “Estamos nos últimos dias?” Suspeito que
querem dizer o seguinte: “Estamos próximos do último capítulo da história
antes da vinda de Jesus Cristo?” Não posso dizer sim ou não. Por isso digo:
“Sim, e eu não sei.” A razão pela qual digo sim é: Temos estado nos últimos
dias desde a primeira vinda de Cristo. E por isso as Escrituras nos dizem
que devemos viver num espírito de diligência e vigilância desde o momen­
to em que Jesus deixou esse planeta nas nuvens de glória, até que ele retome.
Mas quando as pessoas me perguntam: “Estamos vivendo nos últimos dias?”
Creio que o que querem dizer com isso é: “Estamos vivendo nos últimos
minutos da última hora da último dia?” Se eu penso que a volta de Jesus
está próxima, está no horizonte? .
Espero ter aprendido alguma coisa dos erros dos outros no passado.
Por exemplo, quando Lutero passou por toda a convulsão violenta da i­
greja cristã no século XVI, estava convencido de que a fragmentação da
igreja naquela ocasião era o fato precursor da volta de Jesus. Mas Lutero
estava errado. Jonathan Edwards, vivendo em meados do século XVIII,
pouco antes que sua nação fosse estabelecida como república, refletiu
sobre como a religião havia declinado entre 1620 e 1750. Ele também se
convenceu de que o mundo estava indo para a destruição, e o tempo esta­
va se esgotando. Jesus podia voltar a qualquer hora. Edwards estava erra­
do. Por isso, quando olho para dois mestres da teologia e os vejo fazendo
predições e mencionando suas expectativas da volta próxima de Jesus, e
errando, isso me deixa hesitante.
A única coisa que posso dizer, entretanto, é que estamos mais ou menos .
450 anos mais próximos que Lutero estava e 235 anos mais próximos de
que Edwards estava. Há muita coisa se passando no mundo hoje — isso me
diz que essa é a hora em que os cristãos deveriam estar lendo a Bíblia de um
lado e os jornais de outro.

• Os cristãos d e v e m gastar t e m p o e s t u d a n d o as profecias


bíblicas sobre a s e g u n d a vinda?

Se Deus nos dá informação a respeito de alguma coisa, obviamente ele


espera que sejamos diligentes no estudo dessa informação. Um estudioso
bíblico fez a afirmação de que aproximadamente dois terços do material
doutrinário das Escrituras do Novo Testamento se referem de uma forma ou
de outra à segunda vinda de Cristo. Portanto, pelo simpleS volume de infor­
mação, tanto no Antigo como no Novo Testamentos, que focaliza a consu­
mação futura do reino de Deus, está claro que essa matéria era de absoluta
importância para a igreja cristã primitiva e para o ensino do próprio Jesus.
No discurso no Monte das Oliveiras (Mt 24), Jesus faz admoestações
muito fortes a seus discípulos para que não fossem como os fariseus, que
podiam ler a previsão do tempo mas não percebiam os sinais dos tempos.
Eles não perceberam a primeira vinda de Jesus. Se tivessem conhecimento
das Escrituras do Antigo Testamento que prediziam o Messias, e as aplicas­
sem cuidadosamente ao que estava acontecendo no século I, eles não teri­
am deixado passar a sua presença.
Note que a defesa básica das reivindicações de Jesus encontradas no Novo
Testamento são baseadas no cumprimento das profecias do Antigo Testa­
mento a respeito da pessoa e da obra de Jesus. Sem dúvida, o Novo Testamen­
to também faz profecias futuras, porque o Novo Testamento não termina a
obra de redenção que Deus tem em mente para esse planeta. Ainda há outro
capítulo para ser escrito, como Jesus indicou, e, portanto, ele nos diz para
observarmos os sinais dos tempos. Ele nos chama para uma posição de dili­
gência e alerta, para estarmos acordados e não sermos enganados.
Os avisos vêm tanto de Jesus como do apóstolo Paulo de que, nos últi­
mos dias, haverá grandes enganos, um falso Cristo, falsos rumores, e falsi­
dade tão severa que poderia até mesmo eng,anar os próprios eleitos de Deus.
Como seremos capazes de discernir entre o verdadeiro Cristo e o Anticristo
ou os falsos messias que virão, a não ser que demos grande atenção àquelas
passagens proféticas das Escrituras? Elas foram dadas à igreja por uma ra­
zão — para nossa instrução.
Eu diria que a ênfase do Novo Testamento está na diligência e na vigi­
lância. Ao mesmo tempo, não devemos ficar tão preocupados. Há uma ten­
dência em certas pessoas de focalizar toda a sua atenção em profecias
futurísticas. Isso se torna quase uma espécie de mágica através da qual pro­
curamos pela segunda vinda de Cristo atrás de cada arbusto. Creio que as
Escrituras devem ser levadas em consideração como um todo, não apenas
as profecias a respeito do futuro. De fato, recebemos instrução de como
devemos nos conduzir agora por causa daquilo que o futuro prediz.

• Q u e sinais você percebe hoje da se gu n da vinda de Cristo?

Jesus nos ensina, no Novo Testamento, que devemos prestar atenção ao


que ele chamou de sinais dos tempos, de maneira que, quando ele vier, não
sejamos pegos de surpresa. Em 1 Tessalonicenses, Paulo escreve que o dia do
Senhor acontecerá repentinamente e sem aviso, como um ladrão à noite.
Algumas pessoas crêem que, já que não sabemos quando Jesus virá nova­
mente, não devemos nem pensar sobre os sinais dos tempos — o conheci­
mento dessas coisas nunca foi planejado para nós. No discurso do Monte das
Oliveiras, Jesus sugere claramente que devemos ser vigilantes, diligentes e
conscientes do que está acontecendo ao nosso redor. O povo de Israel tinha a
incumbência de ver os sinais que haviam sido profetizados no Antigo Testa­
mento sobre o nascimento original do Messias. Como você bem sabe, a gran­
de maioria das pessoas não o enxergou de maneira nenhuma.
A questão, portanto, é: Quais são os sinais? Alguns dos que Jesus menci­
ona são coisas que, na maior parte, acontecem o tempo todo: guerras, rumo­
res de guerras, terremotos, fomes, apostasia na igreja, o reinado da iniqüidade,
etc. Estes são os sinais clássicos indicando que o tempo de Jesus voltar está
próximo. Uma vez que essas coisas acontecem em todas as gerações e em
todas as épocas, a única possibilidade de que essas coisas tivessem alguma
importância para nós seria se acontecessem numa quantidade ou intensida­
de significativas.
Acho interessante que, no cálculo de violência, o século mais sangren­
to, militarista e guerreiro de todo registro histórico é o século XX. Esse foi
o século das guerras mundiais. Também temos observado algumas das pio­
res catástrofes naturais em nosso século, sem precedentes em sua capacida­
de destrutiva.
Jesus também focaliza a atenção nos eventos que têm lugar ao redor da
nação judaica. Há teólogos cristãos que estão divididos quanto à importância
do Israel contemporâneo no que diz respeito às predições bíblicas de Jesus.
Em Lucas, por exemplo, Jesus prediz a destruição de Jerusalém no ano 70 de
nossa era, e diz aos judeus que eles serão levados para longe até que se cum­
pra o tempo dos gentios. Romanos 11 fala sobre o cumprimento do tempo dos
gentios no final da era, antes que Deus realize a conclusão do seu reino. Essa
é a razão porque houve tanta excitação na igreja em 1967 quando, pela pri­
meira vez desde o ano 70 d.C., Jerusalém deixou de ser mantida como pos­
sessão dos gentios. Vejo isso como potencialmente muito significativo.

• A Bíblia n o s diz q u a n d o Jesus voltará?

Certamente não de modo específico. Muitas pessoas tentaram, através


de um exame cuidadoso (e algumas vezes não tão cuidadoso) das passagens
proféticas das Escrituras, estabelecer um horário. Alguns predisseram até
mesmo meses, dias e anos — nenhum deles, até agora, foi correto.
Quando Martinho Lutero estava atravessando uma tremenda revolução
e agitação na Europa durante a Reforma Protestante, ele pensou que a gran­
de aflição que se abatera sobre a igreja no século XVI era um sinal claro da
grande volta de Jesus. Lutero esperou por isso durante a sua vida, e estava
errado em pelo menos cinco séculos.
Na metade do século XVIII, antes que a Declaração de Independência
fosse assinada mas mais de cem anos depois que os peregrinos se estabele­
ceram nesse país, Jonathan Edwards se sentiu muito propenso a pensar que
o retorno de Jesus estava para acontecer. Edwards estava errado. Menciono
esses dois homens porque não há muitas pessoas cuja capacidade teológica
eu respeite mais do que Lutero e Edwards. Ver que os dois estavam errados
me faz muito cuidadoso a respeito de fazer previsões precisas sobre o dia e
a hora da volta de Cristo.
Lembramos que, no Monte das Oliveiras, Jesus disse a seus discípulos
que nem mesmo o Filho sabe o dia e hora de sua volta, isso está nas mãos do
Pai. Há um dia e uma hora que Deus determinou, e ele simplesmente não o
revela com precisão. Entretanto, ao mesmo tempo, Jesus era zeloso, assim
como Paulo e outros escritores do Novo Testamento, em instruir a igreja so­
bre certas coisas nas quais deveriam prestar atenção — sinais dos tempos,
coisas que deveriam acontecer antes que pudessem esperar a volta de Jesus.
Sem dúvida, há uma grande discussão sobre quais são essas coisas e se
algumas delas já aconteceram. Algumas pessoas crêem que todos os sinais
já aconteceram. Não penso que isso seja verdadeiro, mas penso que temos
todas as razões para sermos otimistas de que o dia está se aproximando.
Penso que muitas das coisas sobre as quais Jesus fala, (e que também são
mencionadas em outras partes das Escrituras) como sendo arautos ou sinais
dos tempos, já aconteceram ou estão acontecendo agora. Tem havido uma
enorme renovação no interesse das pessoas sobre a volta de Cristo. Estou
muito esperançoso de que será logo, embora possa conceber que ainda de­
more dois ou três mil anos.

• À luz das condições nacionais e m u n d ia i s , você crê q u e o


reino d o céu está v e rd a d e i r a m e n t e p r ó x i m o ?

Não penso que o reino do céu esteja próximo. Penso que há um sentido
muito real no qual o reino do céu (ou o reino de Deus que é outra maneira
pela qual os Evangelhos descrevem essa frase) já está aqui. Foi anunciado
certa vez que o reino do céu estava próximo. Encontramos esse anúncio logo
no início dos Evangelhos no Novo Testamento. O uso do termo céu como
reino do céu é encontrado no Evangelho de Mateus. Foi o anúncio feito por
João Batista que é o precursor do aparecimento de Cristo, o Rei do reino.
O conceito todo de reino do céu, ou reino de Deus é o tema que unifica
o Antigo e o Novo Testamentos. Esse é o grande conceito que dá unidade a
toda a história da redenção. Diz respeito ao reinado de Deus sobre seu povo
e sobre o mundo. As promessas no Antigo Testamento sobre a vinda do
reino de Deus foram feitas pelas palavras e escritos dos profetas, com refe­
rência a uma época futura distante e vaga.
Mas quando João Batista aparece em cena, há um novo senso de urgên­
cia quando ele faz o anúncio de que o reino do céu está próximo. Ele fala
sobre o machado estar colocado à raiz da árvore. Usa a imagem do fazen­
deiro que tem a pá em suas mãos; isto é, o momento chegou em que o reino
do céu está prestes a surgir em poder e em significância. Sem dúvida esse
foi o anúncio que alvoroçou a nação judaica e criou tanta reação contra
João Batista. Ele dizia que o reino do céu estava próximo e o povo não
estava pronto para ele. Quando Jesus apareceu, houve uma ligeira mudança
no tom do seu anúncio. Ele também pregou o arrependimento por causa do
reino de Deus, mas seus discípulos não jejuavam como os de João Batista.
Então ele fez um anúncio estranho: “O reino de Deus está entre vós". Disse
ele: “Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é
chegado o reino de Deus sobre vós”, Num certo sentido o reino de Deus
entrou na história e começou com o ministério de Jesus e, certamente, no
momento crucial em que Jesus ascendeu à mão direita de Deus para sua
coroação, onde ele governa como Rei dos reis e Senhor dos senhores.
As pessoas me perguntam se o reino de Deus está próximo. Creio que
normalmente elas querem dizer: Jesus voltará logo? Penso que há todas as
razões para ficarmos encorajados e esperançosos de que o capítulo final do
reino de Deus está próximo. Mas o que estou tentando sublinhar é que o
reino de Deus já começou. Não foi finalizado e não foi consumado — e isso
não acontecerá até que Jesus retome em sua glória. Creio que temos todas
as razões para esperar que isso aconteça logo.

• O q u e Jesus q ueria dizer q u a n d o falou: "Em verdade vos digo


que não passará esta geração sem que tudo isto aconteça." (Mt 24.34)?

Essa é uma das afirmações mais difíceis de Jesus em todo o Novo


Testamento. Alguns estudantes do seminário talvez se lembrem que o
famoso erudito do Novo Testamento, músico e missionário Albert
Schweitzer, escreveu sua obra principal na qual confessa sua dificuldade
com a identidade de Jesus, precisamente por causa dessa e de outras pas­
sagens correlatas nos outros evangelhos que se referem àquele discurso
no Monte das Oliveiras.
Jesus está falando a seus discípulos e, nesse contexto particular está
falando sobre o templo. Ele disse que a hora viria em que não ficaria pedra
sobre pedra, e apontou para as paredes do templo de Jerusalém, dizendo
que elas seriam derribadas e pisadas pelos homens. Naquele mesmo discur­
so ele falou, presumivelmente, sobre a consumação de seu reino e de sua
volta gloriosa no final dos tempos. Os discípulos chegaram a ele e pergun­
taram: “Dize-nos, quando sucederão estas cousas ?” Numa ocasião, ele res­
pondeu: “esta geração não passará sem que tudo isto aconteça”. Outras
afirmações que ele faz são: “não acabareis de percorrer as cidades de Isra­
el, até que venha o Filho do homem”. E também: “alguns há que não passa­
rão pela morte até que vejam o reino de Deus”. .
Schweitzer leu tudo isso e disse que é obvio que alguns dos ouvintes de
Jesus morreram antes que ocorressem os acontecimentos anunciados no
discurso do Monte das Oliveiras e que os missionários judeus não foram a
todas as nações. Eles ainda não visitaram todas as nações do mundo. Diz
ele que aquela geração já passou e Jesus não retornou. Portanto, a conclu­
são estava errada e Jesus morreu desiludido. De acordo com Schweitzer,
tudo isso representava a esperança de Jesus de que Deus estabeleceria o seu
reino naquela geração, mas isso não aconteceu.
Eruditos radicais dizem que a segunda geração de cristãos teve necessi­
dade de revisar os ensinos de Jesus para consertar esse grande erro de seu
mestre. Dizem eles que Jesus anunciou sua volta muito antes do seu aconte­
cimento. Alguns tentam espremer o texto para dizer que quando Jesus diz a
frase: “esta geração não passará”, ele está usando o termo geração não para
indicar um grupo de idade, mas um tipo de pessoa. Jesus chamou as pessoas
de geração adúltera e perversa. Ele estava simplesmente dizendo que esse
tipo de perversidade e esse tipo de pecaminosidade não desaparecerão até
que ele volte. Talvez tenha sido isto que Jesus quis dizer.
Creio que há uma explicação melhor, embora não haja espaço para os
detalhes aqui. Estudiosos competentes do Novo Testamento têm dado aten­
ção minuciosa à função da frase: “todas estas coisas” que é formada de duas
palavras gregas: panta touta. Quando Jesus usa esse termo, ele o faz em refe­
rência específica à destruição de Jerusalém que, de fato, ocorreu no ano 70
d.C.. E ocorreu dentro daquela geração e antes que muitos deles morressem.

• Você acredita q u e o Anticristo virá de d e n t r o da igreja?

Não tenho certeza se o Anticristo virá de dentro da igreja, mas defendo isso
como uma possibilidade muito real. Tenho certeza de que você está consciente
do fato que existe uma grande quantidade de especulação na história da igreja,
na tentativa de identificar a pessoa do anticristo, sobre quem as Escrituras falam
em termos tão assustadores e que, segundo Paulo, deverá manifestar-se antes da
volta do Senhor. Normalmente, os candidatos a esse ofício têm sido pessoas de
enorme poder político. Alguns pensaram que fosse Nero.
Muitos o identificaram com Hitler, outros até mesmo Mussolini, por
causa da fórmula numérica que se ajusta ao seu título. Esse tipo de especu­
lação tem acontecido repetidas vezes.
Mas quando Paulo adverte sobre a aparição do homem de iniqüidade,
que é normalmente identificado com o Anticristo, ele afirma que essa pes­
soa será alguém que procura receber culto e adoração e que se estabelecerá
no templo de Deus e exigirá ser tratado como Deus.
Paulo menciona isso na segunda carta aos Tessalonicenses. E por causa
dessa referência ao aparecimento do homem de iniqüidade no templo de
Deus que muitos têm chegado à conclusão que o Anticristo será uma pes­
soa religiosa de dentro da igreja.
Há outros fatores também. Há o ensino profético de Cristo e dos apósto­
los de que, nos últimos tempos, existirá uma enorme apostasia dentro da
igreja — um abandono da fidelidade a Cristo. Seria muito possível que a
igreja se tornasse um ambiente de procriação para aquele que se opõe ao
próprio Cristo.
Também vemos que Satanás é descrito no Novo Testamento como tendo
uma espécie de caráter metamórfico. Ele é enganador, tem a habilidade de se
transformar, como diz o Novo Testamento, num anjo de luz. Em teologia dize­
mos que Satanás tem o poder de aparecer sub species boni, isto é, sob os auspícios
do bem, mascarado como um personagem bom. Portanto, que melhor lugar exis­
tiria para comunicar uma grande fraude do que o contexto da própria igreja?
Devo acrescentar uma qualificação a isso. Embora seja muito possível
que o Anticristo surja de dentro da igreja, todas essas coisas poderiam ser
ditas de personagens seculares que usurpam autoridade eclesiástica, como no
mundo antigo em que os governantes pagãos entravam e desonravam o tem­
plo de Deus e se apresentavam para serem adorados. Nesse sentido, o espírito
do Anticristo não precisa necessariamente ser identificado com a igreja.

• As Escrituras a f i r m a m q u e nos ú l ti m o s dias a terra será


d e s t r u í d a o u q u e Deus reg e n era rá a s u b s t â n c i a q u e já
existe aqui?

Há uma grande controvérsia sobre como será o fim do mundo. Muitas


pessoas ficam amedrontadas com as imagens espantosas que as Escrituras
usam para descrever o final dos tempos. Quando lemos que os céus se enro­
larão como um rolo e a terra derreterá, vemos essa conflagração que envol­
ve uma enorme intensidade de calor, alguns vêem uma predição enigmática
de algum tipo de holocausto nuclear pelo qual o planeta inteiro será com­
pletamente aniquilado.
Embora haja opiniões diferentes sobre esse assunto, o consenso predo­
minante entre os crentes em toda história tem sido de que, embora vá acon­
tecer um momento catastrófico de julgamento no final dos tempos, a ex­
pressão da ira de Deus sobre a terra não resultará numa aniquilação com­
pleta desse planeta. Ao contrário, a posição clássica espera por uma renova­
ção desse mundo. Todos concordamos que esperamos um novo céu e uma
nova terra, vistos por João em sua visão (o livro do Apocalipse).
Naquilo que chamamos escatologia, que é o estudo das últimas coisas,
há alguns princípios que é preciso mantermos diante de nós quando damos
atenção ao que a Bíblia fala sobre esse momento catastrófico no final da
história. Por exemplo, em Romanos, Paulo diz que: “toda a criação a um só
tempo geme e suporta angústias até a g o r a (Rm 8.22), esperando pela
redenção que Deus trará para o seu povo. A queda do homem levou toda a
terra à dor, tristeza, angústia e tragédia.
Encontramos nas Escrituras que, junto com a redenção da raça humana,
virá também a redenção do ambiente da raça humana, que é esse mundo.
Deus cria a humanidade e redime a humanidade. E assim, ele cria um mun­
do e em seu plano de redenção, redime esse mundo. A maneira como enxer­
go, e que é de certa forma especulativa, é que essa massa de conflagração
durante os últimos dias sobre a qual as Escrituras falam, é uma espécie de
purificação desse mundo. Não aniquilamento total, não destruição comple­
ta, mas uma purificação do velho, que é então renovado, restaurado e trazi­
do à vida novamente.

• C o m p a r e c e r e m o s d i a n t e de Deus para j u l g a m e n t o logo


após a m orte , ou m ais tarde?

Precisamos fazer uma distinção, que creio que a Bíblia faz, entre o julga­
mento que recebemos logo após a morte no qual somos levados diante de
Cristo e o que a Bíblia chama de julgamento final. Há uma razão pela qual a
Bíblia se refere ao último julgamento como último. Aquilo que é último pres­
supõe que tenha havido algum tipo de julgamento antes dele. A Bíblia diz que
ao homem está determinado morrer uma só vez, e então o julgamento. Penso
que há muito no Novo Testamento que indica que no momento em que mor­
remos, experimentamos pelo menos um julgamento preliminar.
Paulo, por exemplo, diz que anseia partir e estar com Cristo o que é
muito melhor do que permanecer aqui nessa vida e no ministério que ele
tinha. O cristianismo histórico tem quase universalmente confessado a idéia
de que os santos que partem vão imediatamente para estar na presença de
Cristo, naquilo que é chamado o gozo do estado intermediário, isto é, so­
mos espíritos desencarnados e esperamos pela consumação final do reino
de Cristo, quando experimentaremos a ressurreição do corpo.
Quando, no Credo dos Apóstolos, dizemos: “Creio na ressurreição do
corpo,” não estamos falando sobre o corpo de Cristo, mas sobre nossos
futuros corpos ressuscitados. Como eu disse, o cristianismo histórico crê
que há uma transferência imediata desse mundo para a presença de Cristo,
pelo menos em nosso estado de espíritos desencarnados. Para que isso acon­
teça, é necessário que algum julgamento tenha lugar. Por exemplo, Paulo
não seria introduzido à presença de Cristo imediatamente após sua morte
sem que Cristo avaliasse primeiro que Paulo é um dos seus — que ele é um
homem justificado num estado de salvação. Creio que há uma divisão pre­
liminar entre o trigo e o joio, antes do julgamento final no último dia, do
qual a Bíblia fala. Jesus avisa repetidamente sobre o último julgamento.
Muito poucas pessoas em nossa cultura secular pensam que uma discus­
são sobre julgamento seja relevante. E politicamente incorreto julgar os
outros ou, até certo ponto, até a nós mesmos — distinguir entre certo e
errado, verdade e falsidade. Entretanto, essas mesmas pessoas elogiam os
ensinos de Jesus como sábios e maravilhosos. Mas se Jesus de Nazaré ensi­
nou alguma coisa, ele ensinou enfática e repetidamente que cada um de nós
será de fato trazido diante do trono de Deus para um julgamento final.

• Os c ristã o s t erã o q u e p a s s a r pelo j u l g a m e n t o final da


m e s m a fo rm a q u e os não-c ristãos ?

Há um sentido em que não passaremos, e há um sentido em que passare­


mos. Há muita confusão a respeito de julgamento na Bíblia, em parte devi­
da à confusão entre duas palavras, julgamento e condenação. No livro de
Romanos, Paulo deixa claro que um dos grandes frutos de nossa justifica­
ção é que passamos além do escopo da condenação. Não há condenação
para aqueles que estão em Cristo Jesus. Portanto, aqueles que estão em
Cristo não precisam ter nenhum medo de enfrentar a ira punitiva de Deus no
julgamento final. Precisamos ter certeza de que estamos nesse estado de gra­
ça, antes de termos confiança de que não vamos experimentar condenação.
Mas ainda teremos que enfrentar o que chamo de julgamento de avalia­
ção. Jesus adverte repetidas vezes que tudo o que fazemos, quer sejamos
crentes quer não, será trazido a julgamento. Eu comparecerei diante de Deus
e minha vida será revista por meu Pai.
Sem dúvida meus pecados estarão cobertos pela redenção e justiça de
Cristo, e terei a suprema vantagem de comparecer diante do trono de julga­
mento de Deus onde Cristo é o juiz e também o advogado de defesa para
seu povo. Essa é a situação que o não crente não tem. Seu juiz não é o seu
advogado de defesa — ele não tem um advogado de defesa. Tudo que ele
tem é um promotor de justiça que o acompanha no tribunal. Portanto, isso
faz toda a diferença no mundo sobre como o não-crente se apresenta no
último julgamento e como o crente se apresenta.
Quando falamos sobre justificação, reconhecemos que somos justifica­
dos pelos méritos de Cristo, através da graça reconciliadora de Jesus. Mas
ainda deveremos ser julgados de acordo com o nosso nível de obediência
nesse mundo. Essa doutrina é aceita por praticamente todas as igrejas pro­
testantes no mundo, entretanto, muitos protestantes esquecem que serão
recompensados no céu de acordo com a sua obediência. O Novo Testamen­
to afirma, pelo menos vinte e cinco vezes, que seremos recompensados de
acordo com nossas obras. Não chegamos lá por meio de nossas obras, che­
gamos ao céu pelos méritos de Cristo. Mas as recompensas que recebemos
no céu serão distribuídas de acordo com o nível de obediência e resposta
que dermos aos mandamentos de Cristo. Portanto, nossas vidas serão avali­
adas, e alguns de nós receberão galardão maior que outros, conforme for­
mos avaliados no último julgamento.

• A Bíblia e n s i n a q u e serem o s julgados c o m a m e d i d a c o m


q u e ju lg a r m o s os ou tros. Isso é u m a indicação de que,
n o dia d o juízo, o processo de j u l g a m e n t o será signifi­
c a t i v a m e n t e diferente e n tre as pessoas?

Seria óbvio, a partir das afirmações que Jesus faz no Novo Testamento,
que qualquer que seja a forma de julgamento que fazemos, esta será a que
podemos esperar receber. Mas há algumas coisas que precisam ser mencio­
nadas como esclarecimento. Primeiro, sabemos que o julgamento final de
nossas vidas quando nos apresentarmos diante do tribunal divino, estará
nas mãos de um Juiz infalível, onisciente, perfeitamente justo, e que o jul­
gamento será absolutamente justo. Um juiz verdadeiramente justo sempre
considera circunstâncias atenuantes. Em outras palavras, qualquer ato de
natureza moral em que eu esteja envolvido, seja ele bom ou mau, é um ato
de natureza complexa. O grau de maldade ou virtude do meu ato está rela­
cionado, por exemplo, a muitas coisas, uma das quais é a minha compreen­
são do que estou fazendo. Se tenho um entendimento claro de que algo está
errado, e prossigo e ajo conscientemente, meu crime é mais sério do que se
eu estivesse confuso a respeito. Isso não me desculpa necessariamente por
completo, mas é uma circunstância atenuante. E um juiz justo considera
todas essas ações e atividades quando dá o seu veredito final.
Agora, Jesus diz que quando ele leva tudo em consideração, não apenas
no julgamento de avaliação se somos culpados ou inocentes, virtuosos ou
maus, ele também dispensa benefícios, recompensas e castigos no último
dia. No versículo que você citou, Jesus está nos advertindo de que, se nessa
vida nos recusarmos a ser misericordiosos para com as pessoas, Deus leva­
rá isso em consideração, e como parte de sua justa punição, ele reterá sua
misericórdia. Se eu, sendo pecador e culpado tendo a ser misericordioso
para com os outros, Deus levará isto em conta quando fizer o julgamento
final, e ficará inclinado a mostrar misericórdia para com o misericordioso.
“Bem aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”
(Mt 5.7). Há uma enorme vantagem em ser misericordioso nesse mundo,
pois Deus pesará isso na balança em nosso julgamento final.

• O q u e as Escrituras e n s i n a m sobre o futuro papel de Israel?

Alguns cristãos crêem que a igreja do Novo Testamento toma o lugar do


Israel do Antigo Testamento como tema das profecias do Antigo Testamento
sobre Israel. Quer dizer, a igreja hoje é considerada o novo Israel. Se isso é
verdade, então qualquer profecia na Bíblia relacionada com Israel, refere-se
agora à igreja cristã, e não tem nenhuma referência específica à nação de Israel.
Outros cristãos estão convencidos de que as Escrituras têm muito a dizer
sobre o Israel étnico e nacional, e que Deus ainda tem um outro capítulo para
escrever para o povo judeu como tal. Estou convencido de que Deus escreve­
rá um novo capítulo para o Israel étnico, para o povo judeu vivo no mundo
hoje. Estou persuadido disso, principalmente por causa do ensino de Paulo
em sua epístola à igreja de Roma; nessa carta ele faz uma distinção clara
entre o povo judeu e a igreja cristã (Rm 11). Nessa distinção, ele fala sobre o
fato de que Deus ainda tem uma obra para fazer com o povo judeu.
Uma das partes mais importantes das Escrituras que ensinam sobre as
últimas coisas é o que chamamos de discurso das Oliveiras, assim chamado
porque teve lugar no Monte das Oliveiras (Mt 24). Aqui, Jesus e seus discí­
pulos discutem sobre os eventos futuros. Jesus fala sobre os últimos tempos
e os sinais dos tempos e sobre as coisas que acontecerão no final dos sécu­
los antes que ele volte a esse planeta. Por exemplo, em Lucas 21.5-28, Jesus
prediz a destruição iminente da cidade e do templo de Jerusalém. Isso acon­
teceu no ano 70 de nossa era quando os romanos perpetraram um holocausto
contra o povo judeu destruindo Jerusalém, matando cerca de um milhão de
judeus e demolindo o templo. Os judeus, sem dúvida, fugiram para o exílio.
Mas quando Jesus fez sua profecia sobre a destruição de Jerusalém, ele
disse que a cidade seria pisada pelos homens até que o tempo dos gentios se
completasse. Portanto, até nosso Senhor falou, em sua mensagem proféti­
ca, sobre uma época em que o exílio da nação judaica terminaria e eles
voltariam a Jerusalém, o que aconteceu durante os nossos dias. Além disso,
eu não sei e não posso falar especificamente sobre a situação de Israel.
ÉTICA PE S S OAL

“Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa,


povo de propriedade exclusiva de Deus, afim de proclamardes
as virtudes daquele que vos chamou das trevas
para a sua maravilhosa lu z ”
— 1 P e d r o 2.9

Perguntas dessa seção:

• Por que os cristãos pensam que sabem como as outras pessoas devem
viver?
• O cristãos deveriam impor sua ética aos não-cristãos?
• Como nós, cristãos, podemos avaliar quando a Palavra de Deus era aplicável
somente a uma certa cultura, e, portanto, talvez não o seja para nós hoje?
• Como apoiarmos a ética cristã sem que nos tomemos julgadores?
• Como uma figura pública, o sr. sente maior pressão no sentido de viver
num nível mais alto de ética cristã?
• Se as coisas vão ficar cada vez piores até a volta do Senhor, por que
deveríamos nos preocupar com ativismo social e envolvimento político
para melhorar a situação?
• Qual é a base bíblica da dignidade humana?
• Qual é a nossa responsabilidade para com o pobre?
• Poderia nos dar um exemplo de como o ensino de Cristo sobre oferecer a
outra face pode ser aplicado a situações de vida hoje?
• Em termos de arte, existe uma diferença entre arte secular e cristã?
• Um advogado de defesa cristão deveria defender alguém que ele sabe que
é culpado?
• Raabe, a meretriz, as parteiras hebréias e outros por todo o Antigo Testa­
mento, supostamente mentiram para proteger outras pessoas, e Deus os
abençoou. Isso significa que cristãos hoje podem se encontrar em situa­
ções em que é necessário mentir com a bênção de Deus?
• A Bíblia chama a embriaguez de pecado. Quais os perigos de nossa cultu­
ra classificá-la como doença?
• De acordo com a Bíblia, existe algum mal em se usar hipnose para ajudar
pessoas a deixarem de fumar, ou superarem algum outro vício ou padrão
de comportamento?
• Por que o uso de drogas como o “crack” cresce tanto em nossa sociedade?
• Está errado os cientistas se ocuparem de engenharia genética?
• Os cristãos devem apoiar a pesquisa da AIDS?

• Por q u e os cristãos p e n s a m q u e s a b e m c o m o as o u t r a s
pessoas d e v e m viver?

Ouvimos a expressão “mais santo do que você” muitas vezes em nossa


sociedade, e as pessoas detestam ter religião empurrada goela a baixo. Elas
estão dispostas a permitir que eu pratique minha religião, mas não querem
que eu as fique perseguindo para que elas mudem seus valores.
Oculto por trás de tudo isso está a tendência da sociedade para uma
visão relativista da ética; a idéia principal é de que cada pessoa tem o direi­
to de fazer aquilo que é certo de acordo com sua própria mente.
Mas se Deus existe, e se ele é o Senhor da raça humana, o criador de
todos nós, e se ele nos faz responsáveis diante dele, então existe um padrão
objetivo do que é certo aos seus olhos. Deus revela claramente que um dos
grande sintomas da queda do homem é a idéia de que as pessoas têm o
direito de fazer o que consideram certo em suas mentes. Toda noção da
religião judaico-cristã é de que a retidão fundamental é declarada, não pela
minha ou pela sua preferência pessoal, mas pelo caráter supremo de Deus.
Se individualmente chego a uma compreensão do que Deus requer das pes­
soas, isso significa que eu devo fazer algumas coisas. Posso também enten­
der que ele está exigindo certas coisas de mim como indivíduo e das pesso­
as como membros da comunidade.
Consideremos Isaías no templo, quando teve a visão da santidade de
Deus. Ele se anulou diante da aparência da majestade de Deus e gritou: “az
de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios im p u r o s E ele conti­
nuou dizendo: “habito no meio de um povo de impuros lábios,, (Is 6.5).
Isaías reconheceu que a sua pecaminosidade não era única. O fato de ter
reconhecido que outras pessoas também eram culpadas do mesmo pecado,
não significa que ele estava cultivando um espírito julgador para com essas
pessoas. Ele simplesmente reconheceu a verdade da situação. Deus era so­
berano e santo não apenas em relação a ele, mas em relação a todas as
outras pessoas também. Em termos práticos, eu diria, por exemplo, que
Deus me proíbe de adulterar, mas também proíbe você de fazê-lo.
O fato de que a lei de Deus se estende para além de nós mesmos é um
ponto que tem sido reconhecido por professores de ética bem afastados da
fé cristã. Emanuel Kant estudou profundamente essa questão e falou sobre
os indícios daquilo que chamou de imperativo categórico, o senso de dever
que está presente em todo ser humano. Todo ser humano tem uma idéia do
que é certo e errado. Ele fez uma afirmação muito semelhante à de Jesus:
“Portanto, vivam de maneira que as decisões éticas que tomarem sejam
boas, se forem elevadas ao nível de uma norma universal.” Ele entendeu
que nenhuma pessoa é uma ilha.

• Os cristãos de v eriam i m p o r sua ética aos não-cristão s?

Essa questão aparece toda vez que um problema moral é debatido no


legislativo ou em qualquer outro setor do governo. Os cristãos têm o direito
de impor sua ética à aqueles que não compartilham sua perspectiva religio­
sa? Bem, há diferentes maneiras de impor padrões éticos a outras pessoas.
Quando falamos sobre autoridade ética, em última análise, eu diria que o
único ser do universo que tem o direito intrínseco de impor uma obrigação
a qualquer outro ser, é o próprio Deus. Somente Deus é Senhor da consciên­
cia humana. Também teríamos que qualificar isso e dizer que Deus, ao mes­
mo tempo, delegou certas autoridades que têm o direito de impor obriga­
ções éticas a outras pessoas. Ele delegou o direito aos pais de impor obriga­
ções a seus filhos. Ele também estabeleceu, criou e ordenou governos para
impor certos padrões de lei a seus constituintes.
Quando vivemos numa sociedade livre, onde o processo democrático
está funcionando, a maioria das pessoas na sociedade recebe o direito de
voto. Aquele voto envolve o exercício da vontade de alguém e, no final, se
tornará lei da terra, se estou votando com a maioria. Uma das coisas que me
assustam muito é o fato de que vejo muito poucos cristãos e não-cristãos
que parecem estar conscientes do peso da responsabilidade envolvida na
votação de alguma coisa.
Quando estou votando por uma lei, por exemplo, o que estou pedindo é
que se essa lei passar, então obviamente ela deve ser posta em prática. Es-
tou votando para que todo poder que é investido no governo federal — num
estado, ou numa cidade qualquer onde quer que estejamos — tome provi­
dências para executar aquela lei. Toda vez que faço isso, estou impondo
algum tipo de restrição sobre a liberdade de outras pessoas. Isso é uma
responsabilidade muito pesada.
Para cristãos que têm projetos que são exclusivos de empreendimentos cris­
tãos, o uso da lei, e da execução da lei para conseguir seu objetivo no ambiente
público, pode ser um exercício de tirania. Sem dúvida, temos sido vítimas do
mesmo tipo de tirania quando outras pessoas se tomam maioria e usam leis que
são injustas como discriminação contra nós, ou contra outras pessoas.
Creio que os cristãos (americanos) devem ser ferrenhos defensores da
Primeira Emenda à Constituição Americana, não apenas para si mesmos,
mas para todos os outros. Portanto, eu hesitaria muito antes de impor prin­
cípios exclusivamente cristãos a não-cristãos.

• C o m o nós, cristãos, p o d e m o s avaliar q u a n d o a Palavra


de De us era aplicável s o m e n t e a u m a certa c u l t u r a e,
p o r t a n t o , talvez n ã o o seja para nó s hoje?

A pergunta real aqui é: Será que tudo que é estabelecido nas Escrituras
deve ser aplicado a todas as pessoas de todos os tempos e em todas as cultu­
ras? Não conheço nenhum especialista no conhecimento da Bíblia que de­
fenderia que tudo o que está estabelecido nas Escrituras se aplica a todas as
pessoas de todos os tempos. Desde que Jesus enviou os setenta e lhes disse
para não usar sandálias, isso significa que os evangelistas hoje seriam deso­
bedientes a não ser que pregassem com os pés descalços? Obviamente isso
é um exemplo de algo praticado na cultura do século I que não tem nenhu­
ma aplicação em nossa cultura hoje.
Quando enfrentamos a questão de entender e aplicar as Escrituras hoje,
temos dois problemas. Primeiro, há o entendimento do contexto histórico
dentro do qual as Escrituras foram entregues pela primeira vez. Isto é, pre­
cisamos voltar e tentar entrar na pele, na mente e na linguagem do povo do
século I que escreveu as Escrituras. Precisamos estudar as línguas originais
— grego e hebraico — de modo que possamos, da melhor maneira possí­
vel, reconstruir o sentido e a intenção originais da Palavra de Deus.
A segunda dificuldade é que vivemos no século XX e as palavras que
usamos todos os dias são moldadas e condicionadas pelo como elas são
usadas no nosso aqui e agora. Há um sentido no qual estou amarrado ao
século XX, entretanto, a Bíblia nos fala a partir do século I e antes disso.
Como construir a ligação sobre esse intervalo?
Penso que devemos estudar a história da igreja também de modo que
possamos ver os princípios e preceitos que a igreja, ao longo dos séculos,
entendeu como sendo aplicáveis aos cristãos de todas as épocas. É importan­
te ter uma perspectiva histórica. Ouvimos esse lugar comum que aqueles que
ignoram o passado estão fadados a repeti-lo. Há muito a ser aprendido através
de um estudo sério da história do mundo, da história da fé cristã e de como
outras gerações e outras sociedades entenderam a Palavra de Deus e suas
aplicações para a situação de vida que experimentavam. Fazendo isso, imedi­
atamente veremos princípios do conhecimento das Escrituras que a igreja de
todas as épocas entendeu que não estavam limitados aos ouvintes imediatos
da mensagem bíblica, mas que tinham aplicação para todas as épocas.
Certamente não desejamos relativizar ou prender na história humana
uma verdade eterna de Deus. Minha regra básica é: devemos estudar e ten­
tar discernir a diferença entre um princípio e um costume. Mas, se depois
de estudar não pudermos discernir, eu preferiria considerar algo que talvez
seja um costume do século I como um princípio eterno, do que arriscar ser
culpado de tomar um princípio eterno de Deus e tratá-lo como um constume
do século I.

• C o m o a p o ia r m o s a ética cristã se m q u e n o s t o r n e m o s
ju lg a d o res?

Um dos princípios da ética cristã é que não devemos manifestar um espí­


rito julgador. Se somos julgadores em nossas atitudes e em nosso espírito, já
violamos a ética cristã. A ética cristã tem algo a dizer sobre a maneira como
respondemos aos pecados das outras pessoas. Somos chamados a mostrar
discernimento, a sermos capazes de reconhecer a diferença entre bem e mal.
Já tenho dito que todo não-crente na América conhece um versículo da
Bíblia: “Não julgueis, para que não sejais julgados”, e apelam para isso
dizendo que ninguém tem o direito de dizer que qualquer coisa que façam
está errado. Um juiz no tribunal que declare culpada uma pessoa acusada
de um crime não está sendo julgador. Um cristão que reconheça como pe­
cado um comportamento pecaminoso em outro cristão ou não-cristão tam­
bém não está sendo julgador.
Ser julgador, no sentido em que as Escrituras proíbem, é manifestar
uma atitude de censura, uma atitude farisaica de condenar pura e simples­
mente as pessoas e considerá-las como absolutamente sem valor por causa
do seu pecado, sem nenhum espírito de paciência, clemência, bondade ou
misericórdia.
É por isso que Jesus adverte sobre a atitude de prestar atenção no cisco
que está no olho de nosso irmão, quando temos um pedaço de madeira no
nosso próprio olho. A pessoa que anda ao redor procurando por ciscos, é
alguém que tem um espírito julgador, o que Jesus achou absolutamente
detestável. Isso não significa que devemos ser coniventes com o pecado ou
chamar o bem de mal e o mal de bem. Julgador descreve uma atitude.
Quando a mulher foi trazida a Jesus porque havia sido pega num ato de
adultério, como ele lidou com ela? Ele não disse que ela não era culpada;
ele não atenuou os fatos com explicações, nem tampouco apoiou ou enco­
rajou o seu pecado. Jesus lhe disse: “Vai e não peques mais”. E perguntou:
“Mulher.; onde estão aqueles teus acusadores ?" Todos eles se haviam reti­
rado constrangidos momentos antes, e Jesus disse: “Nem eu tampouco te
condeno, vai e não peques mais” (Mt 8.11). Ele tratou daquela mulher. Em­
bora ele a advertisse para que se corrigisse, o fez com gentileza, com a
preocupação de curá-la, e não de destruí-la. O Novo Testamento diz, a res­
peito de Jesus, que ele não esmagará a cana machucada. Um espírito julgador
esmaga as pessoas que estão machucadas. Não deve haver nada desse espí­
rito presente na igreja ou entre o povo de Deus.

• C o m o u m a figura pública, o s e n h o r se n te m a io r pressão


n o se n tid o de viver n u m nível m ais alto de ética cristã?

Sim, eu sinto. Compreendo objetivamente que todo cristão é chamado a obe­


decer o mesmo padrão de retidão e justiça. Deus não nos classifica numa curva;
todos temos a mesma lei à qual somos chamados a nos conformar. Ao mesmo
tempo, reconhecemos que o Novo Testamento traz advertências específicas àque­
les que estão em posição de liderança no ministério ou no magistério, como eu
estou. Tremo com a advertência do Novo Testamento: “não vos torneis, muitos
de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo” (Tg 3.1). Esse
maior juízo não é devido a termos uma lei mais alta, ao contrário, é devido ao
mais alto grau de conhecimento e compreensão que devemos demonstrar sobre
teologia (inclusive sobre as leis de Deus) e ao modo cristão de vida.
Àquele a quem muito se dá, muito se é exigido. Quanto mais entende­
mos e mais conscientes ficamos sobre o que Deus exige, maior é a nossa
culpabilidade quando não obedecemos.
Também Jesus adverte que seria melhor que uma pessoa tivesse uma
pedra de moinho amarrada ao seu pescoço e fosse atirada ao mar, do que
levar um pequenino a tropeçar. Deus avalia seriamente a responsabilidade
que um professor tem de ser verdadeiro e disciplinado em tudo o que ensi­
na. Por exemplo, se eu ensino falsidade e uso a posição que tenho como
professor para influenciar e persuadir pessoas, isso significará problema
para mim no Dia do Julgamento.
Embora fundamentalmente não haja nenhum padrão duplo, na realida­
de, culturalmente ele existe. Estamos todos extremamente conscientes dis­
so. Sempre que um ministro se envolve em algum tipo de pecado, isso se
toma um escândalo público. E traz uma mancha para toda a comunidade de
Deus por causa do ofício que aquele ministro representa.
No Antigo Testamento, era escandaloso quando os sacerdotes se envol­
viam em práticas corruptas no Templo. Algumas vezes, Deus tratou com
muita severidade esses sacerdotes que violavam seus ofícios e a confiança
sagrada que possuíam. É algo assustador para se pensar.
Lembro-me de quando me mudei para Boston, há vinte e tantos anos
atrás. Na primeira noite depois que chegamos, nossas roupas ainda não ti­
nham chegado. A única coisa que eu tinha para usar no jantar era um cola­
rinho clerical e um colete preto. Não tinha nenhuma camisa para usar de­
baixo dele. Sei que quando estava dirigindo meu carro pela estrada 128, em
Boston, e alguém cortou a minha frente, tive o impulso de apertar a buzina,
mas hesitei por causa daquilo que revelava claramente que eu era um sacer­
dote. Portanto, sim, existe essa pressão. E inegável.

• Dada a g ran d e ap o stasia n o m u n d o , m u ito s cristãos c o n ­


sid e ra m q u e estes são os ú ltim o s dias. Se as coisas vão
ficar cada vez piores até a volta d o Senhor, p o r q u e d e ­
veríam os nos preocupar com ativism o social e e n v o lv im en ­
to político até a volta d o Senho r?

Essa pergunta pressupõe várias coisas. Pressupõe que estamos num pe­
ríodo que a Bíblia designa como grande apostasia. Não estou certo de que
estamos nesse período, embora talvez estejamos. Nos últimos duzentos anos,
por exemplo, temos visto um sério declínio da influência do cristianismo
no mundo, particularmente sobre a cultura do mundo ocidental. Temos vis­
to acontecimentos que eram absolutamente desconhecidos no passado. A
morte de Deus foi proclamada, não por filósofos seculares ou ateus, mas
por teólogos cristãos confessos. Portanto temos visto sérias manifestações
de afastamento do cristianismo ortodoxo clássico, o que leva algumas pes­
soas a concluirem que estamos na época da grande apostasia.
Por outro lado, podemos dizer que estamos numa época de renovação
sem precedentes. Aqueles que são mais confiantes na leitura dos sinais dos
tempo, têm uma visão mais otimista da situação atual.
Não tenho uma percepção íntima da agenda de Deus no que diz respeito
à consumação de seu reino. Espero que ele o realize logo. Pode muito bem
ser que estejamos nas últimas horas dos últimos dias. Certamente, aceito
isso como uma possibilidade muito real.
E se for esse o caso, como isso influenciaria a agenda da igreja? Sou de
opinião que, mesmo que estivéssemos nos últimos quinze minutos da histó­
ria redentora e soubéssemos que Jesus chegaria dentro do próximo quarto
de hora, ainda teríamos o mandamento de fazer aquilo que ele nos disse
para fazer até a sua volta; isto é, sermos suas testemunhas, manifestar seu
senhorio, mostrar ou ilustrar com que o reino de Deus deve se parecer — e
isso inclui dar comida ao faminto, abrigo ao que não tem onde morar, e
roupas ao que está nu. A agenda da igreja foi estabelecida por Jesus entre o
tempo de sua partida e o tempo de sua volta. Não importa quão rápida ou
quão longínqua seja essa volta, somos chamados a estar ativamente envol­
vidos nos objetivos e mandamentos do reino.
Às vezes, fico tão desencorajado com a oposição das estruturas do mun­
do contra o cristianismo, e com a falta de influência que parecemos exercer
sobre a cultura, que me vejo caindo numa mentalidade de “arrancar algu­
mas pessoas do fogo,” tentando alcançar indivíduos aqui e ali e abandonan­
do as tarefas maiores que Cristo nos deu. Tenho de resistir a isso, e insisto
em que cada cristão resista a essa tentação.

• Q u a l é a base bíblica da d ig n id ad e h u m a n a ?

Como cristão, não acredito que os seres humanos tenham uma dignidade
intrínseca. Estou absolutamente comprometido com a idéia de que os seres hu­
manos têm dignidade, mas a questão é: Essa dignidade é intrínseca ou extrínseca?
Dignidade, pela definição bíblica, está ligada ao conceito bíblico de
glória. A glória de Deus: seu peso, sua importância, sua significância, é o
que a Bíblia usa para descrever a fonte de toda dignidade. E somente Deus
tem valor eterno e significância intrínseca (isto é, em e de si mesmo). Eu
sou uma criatura — venho do pó. Pó não é nada tão significativo, mas me
tomo significativo quando Deus cava o pó, molda um ser humano, assopra
nele o sopro de vida e diz: “Esta criatura é feita à minha imagem.” Deus
atribui significância eterna a criaturas temporais. Não tenho nada em mim
que pudesse exigir que Deus me tratasse com significância eterna. Tenho
essa significância e valor etemos porque Deus me dá. E não os dá apenas a
mim, mas a todos os seres humanos.
Essa é a razão pela qual o grande mandamento na Bíblia trata, não ape­
nas de nosso relacionamento com Deus, mas de nossos relacionamentos
com os seres humanos: “Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua
força... Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12.30,31), porque
Deus concedeu valor a toda criatura humana.

• Q u a l é a n o ssa resp o n sa b ilid ad e para c o m o pobre?

Se você fizer um estudo da palavra pobre nas Escrituras, descobrirá


quatro categorias que se sobressaem.
O primeiro gmpo consiste daqueles que são pobres como resultado direto
da indolência, isto é, essas pessoas são pobres porque são irresponsáveis.
São preguiçosas. Recusam-se a trabalhar. A resposta de Deus para essa ca­
tegoria de pobre, em particular, é de um julgamento áspero de certa forma e
de admoestação. “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso” (Pv 6.6). Observe a
formiga e aprenda como viver. Paulo assume uma posição forte no Novo
Testamento: “se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2Ts 3.10).
Portanto, a postura básica para com esse grupo de pessoas é de advertência
e chamado ao arrependimento.
Às vezes, entretanto, as pessoas simplificam demais e dizem que a úni­
ca razão pela qual as pessoas são pobres é a preguiça. Isso não é verdade.
Há muitas pessoas que são pobres por razões que não têm nenhuma relação
com pecado ou preguiça. Assim chegamos ao segundo gmpo de pobres
identificado nas Escrituras, aqueles que são pobres como resultado direto
de calamidades, doenças, acidentes e esse tipo de situações. As Escrituras
nos dizem que é responsabilidade da igreja e dos cristãos derramar os seus
corações em compaixão e dar assistência àqueles que estão sofrendo, não
por sua própria falta, mas como resultado de calamidades naturais.
O terceiro grupo compreende aqueles que são pobres como resultado da
exploração injusta ou tiranização dos poderosos, aqueles que são vítimas
de governos corruptos ou que representam baixas de guerra. Nesse caso,
vemos Deus trovejando do céu, clamando para que seja feita justiça a essas
pessoas, e Deus derrama sua indignação contra aqueles que vendem o po­
bre por um par de sapatos e os tiranizam através de meios ilegítimos. Nesse
sentido, deveríamos ser advogados e defensores dos pobres.
O quarto e último grupo de pobres que encontramos na Bíblia, são aque­
les que são voluntariamente pobres, isto é, são pobres por aquilo que a Bíblia
chama de “em nome da justiça”, voluntariamente sacrificando qualquer ga­
nho como um compromisso pessoal de devotar seu tempo a outras questões.
Essas pessoas devem receber nosso apoio e aprovação.

• Poderia n o s d a r u m ex em p lo de c o m o o e n s in o de Jesus
sobre oferecer a o u tra face, p ode ser aplicado às situações
de vida atuais?

Há muita confusão sobre o que Jesus queria dizer no Sermão do Monte


quando disse que quando alguém o atingir na face direita, você deve ofere­
cer a outra face também. Muitas pessoas têm entendido por essas palavras
de Jesus que os cristãos devem ser capachos quando se tornam vítimas de
um ataque violento. Se alguém o atinge na face, você deve virar o rosto
para ser atingido do outro lado. O interessante na expressão é que Jesus
menciona especificamente o lado direito do rosto. A grande maioria das
pessoas do mundo são destras, e para que alguém seja atingido do lado
direito da face, ou será preciso atingi-los por de trás, ou você terá que atin­
gi-los com seu punho esquerdo. Se eu bato em sua face direita, a maneira
mais normal seria que eu o atingisse com as costas da minha mão direita.
De acordo com o melhor do nosso conhecimento da língua hebraica, a
expressão usada por Jesus é uma expressão idiomática judaica que descre­
ve um insulto, semelhante ao desafio para um duelo nos dias do Rei Artur,
que era feito através de um tapa dado com as costas de sua mão na face
direita do seu oponente. Não está limitado simplesmente a um ataque físi­
co, ao contrário, refere-se, em primeiro lugar, a alguém que o insulta.
O contexto dessas palavras de Jesus relaciona-se com um debate com o
fariseus sobre o seu entendimento de uma lei do Antigo Testamento, particu­
larmente aquela que encontramos no código mosaico que determina que o
castigo por crimes deveria ser baseado em olho por olho e dente por dente.
Muitas vezes, ouvimos essa determinação hoje, como se ela fosse a expres­
são de um sistema punitivo bárbaro, incomum e primitivo da nação judaica.
Mas creio que se olharmos sem nos envolvermos emocionalmente, veremos
que nunca houve um conceito mais justo e eqüitativo do que dente por dente
e olho por olho. Entretanto, entre os rabinos essa afirmação tinha se tomado
uma desculpa, uma justificação para um espírito amargo de vingança, e para
um tratamento cruel e ríspido daqueles que haviam quebrado a lei.
A expressão “virar a outra face” é dita no mesmo contexto da outra
afirmação: “Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas". E
“ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a
capa". Jesus está dizendo que devemos fazer o impossível para não nos
envolvermos num espírito de vingança amarga. O restante do ensino de
Jesus indica que não está errado procurar justiça nos tribunais. Se uma viú­
va é defraudada de sua herança, isso não significa que ela tenha que sair e
entregar todo o resto para aquele que a defraudou. Mas aqui Jesus está fa­
lando sobre uma ética que, creio, nos chama a imitar a atitude de misericór­
dia, tolerância e paciência que encontramos no próprio Deus.

• Em te rm o s de arte, existe u m a diferença e n tre arte secular


e cristã?

Penso que há, embora essa diferença às vezes seja extremamente difícil
de articular e apontar com precisão. Abstratamente, eu diria que a grande
diferença entre arte cristã e não-cristã está na perspectiva.
Arte é um meio de comunicação, onde quer que haja arte algum conteú­
do está sendo comunicado. Por arte, me refiro num sentido geral à música,
escultura, pintura, etc. Arte pode ser classificada em termos de forma e
conteúdo, mas todas as formas de arte comunicam alguma coisa.
Nos anos sessenta, havia a famosa frase tirada do título de um livro de
Marshall McLuhan O Meio é a Mensagem. O que significa que a própria
forma comunica a mensagem, uma mensagem não verbal, assim como o
conteúdo de uma obra de arte o faz. Numa canção, não há apenas as pala­
vras, mas também a estrutura, a forma da música que está sendo tocada. Há
certos tipos de música que são muito metódicas, por exemplo, uma cantata
de Bach. A estrutura da música de Bach, segue um padrão decisivo e não há
nenhuma tentativa de ser caótica. Alguns músicos modernos tentaram criar
o caos, embora esta seja uma tarefa impossível porque você não pode ser
intencionalmente não-intencional. Você não pode intencionalmente criar o
caos. Ainda existe um padrão para esse pretenso caos.
Eles estão tentando comunicar através de um tipo de forma muito vaga
e indefinida, quer seja na pintura ou na música, uma afirmação contra a
harmonia, a ordem e a racionalidade, as quais têm implicações teológicas.
São parte de um sentimento secular de desespero que afirma não existir
nenhuma coerência fundamental.
No mundo do teatro do absurdo, os atores no palco pronunciam palavras
sem sentido sugerindo que o homem chegou a tal ponto que mesmo a lingua­
gem é sem sentido. Mas mesmo aquelas sílabas sem sentido são uma forma
de comunicação, e há uma mensagem ali, por mais incoerente que pareça.
No outro extremo existe a atitude segundo a qual para uma arte ser cris­
tã ela precisa incluir um versículo bíblico ou representar pessoas que te­
nham halos em suas cabeças. Estou convencido de que, se olharmos para as
Escrituras, veremos que Deus é um Deus de beleza. Ele é o fundamento
último da beleza e seu caráter é belo. Parte da tarefa do homem é espelhar e
refletir o caráter de Deus. Isso significa que somos chamados a produzir
arte, e que essa arte seja excelente.

• U m ad v o g ad o de defesa cristão deveria d e fe n d e r alg uém


q u e ele sabe q u e é c ulpado ?

Parte dessa pergunta é fácil de responder. Só porque o advogado sabe


que seu cliente é culpado, não desqualifica essa pessoa de todos os direitos
que a nação lhe dá de processo legal e de um processo justo. E responsabi­
lidade do advogado fornecer a melhor defesa legal possível ao cliente, mes­
mo que este seja culpado. Pode ser tarefa do advogado argumentar por cir­
cunstâncias atenuantes, ou tentar demonstrar através de precedentes histó­
ricos que essas circunstâncias atenuantes deveriam ser levadas em conta na
hora de dar a sentença. Há muitas defesas que ainda são significativas — e
legítimas — para uma pessoa que é claramente culpada.
E quando a pessoa está se declarando inocente e o advogado sabe que
ele é culpado? Pode o advogado em boa consciência apoiar algo que ele
sabe que é fraudulento?
Saber que a pessoa cometeu um crime, ou fez certas coisas, não signifi­
ca que sabemos de antemão que esse homem seria julgado culpado de um
crime em particular num tribunal determinado dadas todas as circunstânci­
as do processo.
Eu diria que, dentro dos limites da integridade e da honestidade, um
advogado pode fornecer uma defesa legítima a alguém que ele sabe ser
culpado. As ações do advogado se tomam questionáveis quando ele se tor­
na um cúmplice, numa tentativa de trapacear o tribunal e iludir o júri fazen­
do-o acreditar em algo diferente da realidade que ele conhece.
Vemos esse tipo de desonestidade todos os dias nas cortes de divórcio.
Já o vi acontecer muitas vezes. O homem é culpado de adultério e deseja
sair do casamento, então ele processa sua esposa por tratamento cruel e
incomum, ou algo semelhante. O advogado sabe muito bem que a parte
culpada na dissolução do casamento é o marido e não a esposa. No entanto,
ele continua a representar o marido e a tentar conseguir tudo o que for
possível para seu cliente. Eu tenho problemas com isso. Em qualquer pro­
fissão — da área médica, legal e teológica — há pessoas honestas e tam­
bém há pessoas sem escrúpulo algum. Toda a sua preocupação está em
ganhar ou perder o caso. E eles operam a partir de uma base de expedientes
e da motivação da melhor solução financeira. Nesse ponto transformamos
qualquer busca por verdade ou justiça numa zombaria.

• Raabe a m eretriz, as parteiras hebréias e o u tro s ao longo


d o A n tig o T e s ta m e n to , s u p o s t a m e n t e m e n t i r a m p a ra
p ro teg er o u tra s pessoas, e Deus os a b en ç o o u . Isto signi­
fica q u e cristãos hoje p o d e m se e n c o n tra r e m situações
e m q u e é necessário m e n t i r c o m a b ê n ç ã o de Deus?

A resposta mais curta é sim, pode haver ocasiões em que pessoas te­
mentes a Deus precisam mentir no sentido de dizer algo que não é verdade.
Há muitos especialistas em ética que crêem que a proibição contra a men­
tira é absoluta e não existe nunca qualquer justificativa para a assim chamada
mentira branca. Outros apontam para Raabe e para as parteiras hebréias como
exemplo; suas mentiras são registradas, e mais tarde elas são incluídas na
lista dos heróis. Não se diz especificamente que Deus as tenha abençoado ou
santificado por mentirem, mas o registro parece indicar que não há nenhuma
palavra de repreensão pela gritante desonestidade delas naquela situação.
Há outras ocasiões nas Escrituras em que vemos pessoas mentindo de
uma maneira que, no meu entender, é completamente contrária à Palavra de
Deus. Por exemplo, alguns tentam justificar o envolvimento de Rebeca na
fraude contra seu marido de sorte que Jacó recebeu a bênção no lugar de
Esaú. Ela se envolveu na conspiração para enganar seu próprio marido, e
alguns tentam defendê-la dizendo que Deus desejava que o mais velho ser­
visse o mais novo e, portanto, era plano de Deus que Jacó recebesse a bên­
ção patriarcal e não Esaú. Tudo o que Rebeca estava fazendo era assegurar
que a vontade de Deus se realizasse. Tudo o que Judas estava fazendo quan­
do traiu Jesus entregando-o nas mãos de seus inimigos era no sentido de
assegurar que a vontade de Deus se realizasse — e Deus o considerou emi­
nentemente responsável por sua traição. Tenho certeza de que Rebeca, em­
bora tenha sido abençoada por Deus, foi abençoada a despeito de sua men­
tira, não por causa dela. Aguns colocariam Raabe na mesma categoria.
Ao longo dos séculos, na história cristã, desenvolveu-se uma ética de ho­
nestidade que está relacionada com a justiça. O cristão deve sempre apresen­
tar a verdade e dizer a verdade para quem a verdade é devida. A pergunta
agora se toma: Existe algum caso para a assim chamada mentira justa ou
justificada? Eu diria que sim, e as situações que estão mais claramente nessa
categoria envolveriam guerra, assassinato ou atividades criminais. Se um as­
sassino invade sua casa e deseja saber se seus filhos estão dormindo no andar
de cima, e você sabe que sua intenção é matá-los, é sua obrigação moral
mentir para ele e enganá-lo o mais que puder para evitar que aquelas vidas
sejam destruídas. Creio que isso também é verdadeiro em casos de guerra.
Não penso que uma pessoa seja obrigada a dizer a um inimigo aonde o seu
grupo está escondido, assim como um atacante num jogo de futebol não tem
que contar à defesa adversária quais são os planos de jogo de seu time. Ele
pode usar de engano e fazer truques para executar o seu jogo. E uma espécie
de jogo de guerra num campo de futebol. Muitos cristãos mentiram para os
nazistas para proteger os judeus da prisão e do extermínio. Creio que em
casos nos quais sabemos que mentir prevenirá tais males, a atitude é legítima.

• A Bíblia c h a m a a em briag uez de pecado. Q uais os perigos


de n o ssa c u ltu ra classificá-la c o m o do ença?

A embriaguez tem sido classificada como doença, em parte por motivo


de compaixão para com as pessoas que sofrem de um problema muito
debilitante e desumano.
Aqueles que têm lutado com o sofrimento em que estão envolvidos,
estão cansados de atitudes condenatórias e dizem: “Olha, vamos parar de
gritar com essas pessoas e tentar ser um pouco mais úteis e compassivos.
Parem de acumular toda essa culpa sobre eles como se fossem simplesmen­
te pessoas imorais.”
Existe também alguma evidência na literatura indicando que certos tipos de
alcoolismo envolvem desequilíbrios químicos genéticos e, portanto, nesse aspecto
psicológico, pode haver alguma base para reconhecer que o alcoolismo não é sim­
plesmente uma fraqueza moral. Mas há perigo em chamar o problema de doença.
Deus o chama de pecado. Ele nos faz responsáveis por nosso comportamento no
que diz respeito ao uso do álcool. Ele nos chama para a temperança e nos diz que
simplesmente não temos permissão para nos acostumarmos com a embriaguez.
Deus nos diz que fazemos uma escolha moral a respeito e simplesmente não pode­
mos culpar o ambiente ou alguma outra pessoa pelo problema.
Além dessa dificuldade teológica clara, vejo uma preocupação psicológica.
Se digo a alguém: “Você tem uma doença” ou “Você está doente.” Posso estar
motivado a dizer isso para livrá-lo da pressão, para proteger a sua auto-estima o
que é uma motivação nobre. Entretanto, inadvertidamente, posso estar afligindo
seu espírito porque estou dizendo: “Não há nada que eu possa fazer. Você é
doente. É como se você tivesse pego uma gripe ou estivesse com câncer. Alguns
tipos de anticorpos estranhos invadiram seu sistema O único jeito de você ser
curado será se alguém descobrir uma pílula maravilhosa e curar você.” Em ou­
tras palavras, deixamos as pessoas sem esperança quando dizemos que estão
doentes — a não ser que, ao mesmo tempo, possamos oferecer um remédio para
a cura. Não conheço ninguém que seja capaz de fazer isso.
Penso que a organização que tem lidado com esse problema de modo
mais eficiente são os Alcoólicos Anônimos. Eles têm um espírito de compai­
xão e bondade e, ao mesmo tempo, cada um é responsável e tem de prestar
contas. Eles se encorajam uns aos outros para lutar e sair dessa situação.

• De a cord o c o m a Bíblia, existe a lg u m m a l e m se u sa r a


h ip n o se para ajudar pessoas a deixar de fumar, ou superar
a lg u m o u tr o vício ou p a d rã o de c o m p o r ta m e n to ?

Não sei muito bem como responder a essa pergunta. Temos visto o fenô­
meno da hipnose sendo usado no que eu chamaria de um modo ilegítimo,
como uma tentativa de penetrar áreas do oculto. Mas não estou certo de que
entendemos tudo o que a hipnose é ou como ela pode ser usada.
Até onde posso entendê-la, a hipnose envolve um tipo de intensa con­
centração mental pela qual podemos focalizar nossa consciência em certas
idéias, sentimentos ou incidentes essenciais. Isso poderia ser útil em cirur­
gia, também é usado algumas vezes em terapia, para ajudar a pessoa a lem­
brar eventos traumáticos, por exemplo. Não vejo nada intrínseca ou ineren­
temente errado, do ponto de vista moral, no uso da hipnose em situações
apropriadas e para pessoas que estão lutando com algum vício ou algo do
tipo. O terapeuta fala com o paciente e o coloca num estado hipnótico. Não
há nada mágico a respeito disso. O terapeuta continua a conversação com o
paciente, tentando comunicar uma mensagem central, por exemplo: “Você
não precisa continuar a usar essa substância. Ela é prejudicial para você.”
Eles repetem essa frase muitas vezes, de forma que, quando a pessoa volta
para seu estado de vigília ou de consciência, aquele pensamento está im­
plantado em sua mente e ela continuará a reforçá-lo. É quase como um
nível intensificado de concentração para aprender uma lição. Enquanto ela
se limita a essas situações, não vejo nada de errado com o seu uso.

• Por q u e o u so de drogas c o m o o "crack" cresce ta n t o em


n o s s a so ciedade?

Posso me lembrar que quando estava no ginásio, ficava escandalizado


quando algum dos meus artistas de cinema favoritos era preso em Hollywood
por fumar um cigarro de maconha. Há nem tanto tempo atrás esse tipo de
comportamento era recebido com desaprovação não somente pela igreja,
mas por toda a cultura secular.
Mas agora passamos por um nível explosivo de revolução no uso e abu­
so da droga. Está afetando, inclusive, o papel dos modelos que vêm do
mundo dos esportes, como todos nós infelizmente sabemos. Os estudos que
têm sido feitos até agora em psiquiatria infantil indicam que, em crianças
entre treze e dezenove anos, a maior influência na formação de sua auto-
imagem, de sua identidade como pessoa, não são os pais, mas o grupo etário
ao qual eles estão lutando para pertencer. Portanto, precisamos dizer que,
uma vez que certos padrões de comportamento se tomam aceitáveis dentro
de um grupo etário particular, percebemos um efeito de agitação pelo qual
mais jovens são atraídos a eles.
Uma das razões da escalada é a alta visibilidade da droga na cultura
musical. Esse foi um dos lugares onde o uso de droga pesada se tomou
aceitável mais cedo. De repente, os padrões que eram tabu nas gerações
anteriores se tomaram moda, a coisa “legal” para certas subculturas, e se
espalharam prolificamente para outros setores da sociedade.
Mas há razões muito mais profundas para essa escalada no uso de dro­
gas. Creio que existe uma crise filosófica em nossa cultura pela qual perde­
mos a compreensão do que significa ser humano. O que significa ser uma
pessoa? Historicamente, nós nos vemos como um povo criado à imagem de
Deus. Mas a visão modema do homem é de que somos um erro cósmico,
somos germes crescidos e somos insignificantes. Isso é um sentimento in­
suportável, e qualquer alívio da dor — mesmo que seja por alguns minutos
ou horas — é um alívio bem vindo para essa visão pessimista.

• Está erra d o os cientistas se o c u p a re m de e n g e n h a ria ge­


n é tic a ?

Sinto-me absolutamente inapto para responder algumas das questões


que surgiram por causa da explosão da tecnologia modema e que nos dei­
xam mais perplexos. No caso da maioria da questões éticas, os teólogos
têm tido o benefício de mais de dois mil anos de análises e avaliações cuida­
dosas dos dilemas morais envolvidos, enquanto questões de ética biomédica
explodiram em cena no século XX. Fomos pegos com relativamente pouco
tempo para pensar em todas as ramificações.
Uma quantidade espantosa de coisas está compreendida no termo enge­
nharia genética.
Estamos falando dos experimentos tornados infames por Mengele du­
rante a Segunda Guerra Mundial, tentando realizar os planos incrivelmente
diabólicos de Hitler de criar uma raça superior através da purificação dos
genes? Esse tipo de coisa é uma maldade evidente.
Mas engenharia genética também envolve pesquisadores sérios fazendo
tudo o que podem para examinar o código genético e ver se há maneiras pelas
quais enfermidades sérias, doenças e distorções podem ser tratadas
terapeuticamente por meios genéticos. Agora estamos falando sobre a tarefa
legítima da ciência de ter domínio sobre a terra e exercer misericórdia e com­
paixão para com o doente, descobrindo a cura para terríveis deformidades e
doenças. Não devemos dizer que toda engenharia genética é má. Penso que
existe um uso legítimo. Questões individuais dentro do escopo da engenharia
genética precisam ser consideradas individualmente quanto à sua integridade
moral. E, enquanto os engenheiros, os especialistas e os próprios pesquisado­
res têm a maioria da informação pela qual podem fazer julgamentos, teólogos
e filósofos devem permanecer em contato e fazer com que sua voz seja ouvi­
da. Essas questões caem fora dos limites da mera tecnologia e precisam ser
examinadas e debatidas nos terrenos da religião e da ética.

• Os cristãos d e v e m ap o ia r a p e sq u isa da AIDS?

Estou de certa forma surpreso com a freqüência com que essa pergunta
é levantada dentro da comunidade cristã.
Sem dúvida, os cristãos devem apoiar a pesquisa da AIDS. Por que não
a apoiaríamos? Estamos comprometidos com o ministério ao doente e com
o alívio do sofrimento. Quando encontramos alguém doente, não é nossa
responsabilidade perguntar por que ele está doente. Quando encontramos
alguém com fome, não é nossa responsabilidade perguntar por que está
com fome. Quando encontramos pessoas sem casa, não é nossa responsabi­
lidade perguntar por que não têm casa. Nossa responsabilidade é vestir o
nu, ministrar ao doente e visitar os prisioneiros. Não dizemos que o prisio­
neiro está na cadeia porque cometeu um grande crime e, portanto, não de­
veríamos visitá-lo. Ao contrário, temos um mandamento de visitar pessoas
na prisão apesar do fato de estarem lá porque fizeram algo errado.
O fato da AIDS ser uma doença que geralmente tem suas raízes em tipos
imorais de comportamento sexual não é razão para a igreja agir como polícia
de Deus ou seu carrasco. Devemos trabalhar sempre, e em todos os lugares,
para o alívio da dor e do sofrimento nesse mundo. Posso acrescentar que há
realmente, muitas pessoas que se tomaram vítimas da AIDS sem nenhuma
ação direta delas próprias. A AIDS tem sido transmitida através da transfusão
de sangue. Crianças têm contraído essa terrível doença através de transfusões
em hospitais ou através de agulhas hipodérmicas sujas. Já se verificou trans­
missão por tatuagens. Não podemos simplesmente assumir que a AIDS seja
um símbolo de conduta sexual imprópria. Não vejo nenhuma razão obrigató­
ria pela qual a igreja deva ser contra a pesquisa da AIDS.
Estou realmente tentando dizer duas coisas aqui. Primeiro, mesmo que
as únicas pessoas no mundo que sofressem de AIDS fossem culpadas de
pecado grosseiro e terrível, isto em si ou de si mesmo não proibiria o envol­
vimento cristão na procura da cura e do alívio do sofrimento dessas pesso­
as. Esse é o princípio número um.
O princípio número dois é que, na realidade, esse não é o caso com as
pessoas e a AIDS. Realmente, não há nenhuma razão que eu possa pensar
pela qual os cristãos poderiam ou deveriam opor-se à pesquisa. De fato, um
dos grandes testemunhos da igreja cristã tem sido seu lugar na linha de frente
quando se refere ao alívio do sofrimento, como nos casos do movimento
hospitalar e da criação de orfanatos. Creio que a situação da AIDS é uma
oportunidade maravilhosa para os cristãos se dedicarem ao serviço humano.
OS CRISTÃOS E O GOVERNO

“Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores;


porque não há autoridade que não proceda de Deus;
e as autoridades que existem foram p or ele instituídas...
Porque os magistrados não são para temor, quando
se faz o bem, e sim quando se fa z o mal”
— R o m a n o s 1 3 .1 ,3

Perguntas dessa seção:

• Está errado enfrentar a autoridade? E se não está errado, como fazê-lo do


modo certo?
• Qual a responsabilidade do cristão para com o governo?
• Os' cristãos deveriam trabalhar para que haja valores cristãos na política
pública?
• As soluções bíblicas para os problemas do mundo estão obsoletas?
• Hoje em dia ouvimos continuamente pessoas gritando por direitos mo­
rais. Existe uma base legítima para essas reivindicações?
• Existem certos padrões éticos bíblicos que o governo deveria defender?
• Como responder a um político que diz que sua ética pessoal, ou a de
qualquer outro político, não deveria ter influência no fato de alguém vo­
tar neles ou não?
• O que a Bíblia tem a dizer sobre leis criadas pelo homem?
• Estamos sendo muito julgadores quando criticamos a vida privada dos
líderes políticos?
• Pedro e Paulo nos ensinam a nos submeter às autoridades governamen­
tais. À luz disso, a revolução seria uma possibilidade para o cristão, e se
for, sob que circunstâncias?
• Embora a busca da felicidade seja um direito inalienável na Constituição
Americana, nós, como seres criados, temos esse direito inalienável? Mui­
tas pessoas esperam ter felicidade na vida. Mas será isso uma expectativa
certa, especialmente para os cristãos?
• Qual é o relacionamento entre educação cristã e educação pública?
• Nos tribunais judiciais somos obrigados a jurar sobre a Bíblia, antes de
ocupar o banco das testemunhas. Desde que a Bíblia afirma que não se
deve jurar sobre coisa nenhuma, está certo o cristão recusar-se a jurar
sobre a Bíblia no tribunal?

• D u ra n te to d a a m in h a vida achei q u e estava e rra d o e n ­


fre n ta r a a u to rid a d e . Está re a lm e n te errado, ou n ã o ? E se
não, c o m o fazê-lo d o m o d o certo?

Suponho que esse sentimento foi inculcado em você muito cedo através
da disciplina e educação recebida de seus pais. Quando eu era bem menino,
a única lei absoluta e inegociável em nossa casa era que você não deveria
responder aos pais e nem falar grosseiramente com seus professores ou com
o vizinho. A desgraça caía sobre nós se respondêssemos a qualquer um que
estivesse em posição de autoridade. Lembro-me que, certa vez, levantei-me
contra um professor de ciências na classe, e realmente me meti em apuros
por causa disso.
Penso que a Bíblia nos diz que devemos dar honra àqueles que têm autorida­
de sobre nós, Mas penso também que é perfeitamente legítimo levantar algumas
perguntas: “E esta a maneira própria de fazer isso?” Ou “É este um uso legítimo
da autoridade?” Desde que a abordagem ou a pergunta sejam feitos num espírito
de verdadeira humildade e respeito, será uma atitude legítima.
Essa era uma questão muito difícil para mim como estudante do semi­
nário. Estudei com alguns dos mestres mais radicais que existiam, pessoas
que sistematicamente atacavam a expiação de Cristo ou a sua ressurreição.
Por dentro eu ficava furioso com o fato de que eram professores de um
seminário teológico e estavam negando as reivindicações básicas da fé cristã.
Ainda assim compreendia que não importava o quão errados estivessem em
classe, eu devia respeitá-los pela posição que ocupavam como professores.
Quando estudei na Europa, encontrei um ambiente completamente di­
ferente do encontrado nesse país. Quando nos reuníamos no anfiteatro e o
professor abria a porta da classe e entrava na sala, todos os estudantes se
levantavam e permaneciam quietos até que o professor se colocasse diante
da estante e inclinasse sua cabeça para que sentássemos. Daí em diante, ele
lecionava durante sessenta minutos. Nenhum estudante jamais tinha per­
missão para levantar a mão ou fazer uma pergunta. No final da preleção, o
professor fechava o livro, descia do estrado, e nós nos levantávamos novamente
enquanto ele saía. Eu apreciava aquilo. Comunicava um senso de honra.
Nós perdemos a capacidade de honrar os que estão em posição de autoridade.
Novamente, se a autoridade ordena que façamos algo que Deus proíbe,
ou se ela proíbe algo que Deus ordena, não apenas devemos enfrentar essa
autoridade, mas também desobedecê-la.

• Q u a l a resp o n sa b ilid ad e do cristão para c o m o governo?

O Novo Testamento nos dá alguns princípios gerais sobre como deve­


mos responder ao governo. Por exemplo, Romanos 13 expõe detalhada­
mente a origem e a instituição do governo como algo que Deus ordena.
O grande teólogo Agostinho disse que o governo é um mal necessário,
que ele é necessário por causa do mal. E a maioria dos teólogos na história
da igreja disse que o mal humano é a razão porque mesmo um governo
corrupto é melhor do que nenhum governo. A função do governo é restrin­
gir o mal e manter, defender e proteger a santidade da vida e da proprieda­
de. Dada essa função, os cristãos entendem que o governo é ordenado por
Deus e, portanto, os cristãos são chamados primeiro a respeitar qualquer
que seja aquilo que Deus institui e ordena. Por amor a Deus somos chama­
dos a sermos cidadãos-modelo. Somos ensinados a fazer o impossível para
honrar o rei e obedecer ao magistrado civil. Há ocasiões em que o cristão não
apenas pode, mas deve desobedecer os magistrados civis. Sempre que um
governo civil exige que o cristão faça aquilo que Deus proíbe, ou proíba aqui­
lo que Deus ordena, a pessoa deve desobedecer. Mas nossa postura básica
para com o governo, de acordo com o Novo Testamento, é sermos cidadãos
obedientes e submissos ao estado. Também temos o dever de orar pelos go­
vernos terrenos para que cumpram as tarefas que lhes foram dadas por Deus.
Temos outra responsabilidade que, às vezes, nos leva a situações con­
trovertidas. Pessoalmente, creio na separação das esferas de autoridade en­
tre igreja e estado. Penso que os Estados Unidos da América têm uma estru­
tura maravilhosa que não permite que o estado governe a igreja ou que a
igreja dirija o estado. Historicamente, isso significava que a igreja era res­
ponsável diante de Deus e o estado era responsável diante de Deus. Separa­
ção entre igreja e estado supõe uma divisão de trabalho; a igreja tem suas
tarefas, e o estado tem suas tarefas. A igreja não deve manter um exército e
o estado não deve evangelizar ou administrar os sacramentos. Entretanto,
ambos são vistos como estando sob a autoridade de Deus.
Infelizmente, na cultura atual, separação entre igreja e estado significa
separação entre estado e Deus, como se o estado e o governo não fossem
responsáveis diante de ninguém, a não ser diante de si mesmos — como se
o governo não tivesse de responder a Deus. Mas Deus monitora os gover­
nos, Deus os levanta e os derruba. Todo governo humano deve prestar con­
tas a Deus, e é responsável por manter suas obrigações com justiça e com
retidão. Quando o governo não está mais agindo com justiça e não mais
protege a vida — sancionando o aborto, por exemplo — então é tarefa da
igreja ser a voz profética, chamar o estado à sua obrigação e dizer a ele que
se arrependa e faça o que Deus lhe ordena fazer.

• Os cristãos deveriam trabalhar para q ue haja valores cristãos


n a política pública?

Certo ano, fui convidado a falar no café da manhã por ocasião da posse
do governador recém-eleito do estado da Flórida. Naquela ocasião tive
oportunidade de falar com homens e mulheres que estavam em lugares es­
tratégicos no governo. Uma pergunta muito importante na agenda dessas
pessoas era: “Até que ponto devemos manter a cuidadosa linha de separa­
ção entre igreja e estado?”
Em nossa herança política, assim como em nossa herança cristã, enten­
demos que há uma diferença entre a instituição do governo civil (o estado)
e a instituição da igreja. Não é tarefa da igreja, nem sua responsabilidade,
dizer ao governador como governar ou fazer o governo estabelecer nossas
preferências religiosas. Entretanto, também precisamos ter em mente que
ambos, estado e igreja estão sob a autoridade de Deus. O estado não é sobe­
rano, o estado nunca tem o direito de fazer o mal. O estado está sempre sob
a autoridade de Deus. Deus institui o governo, Deus ordena o governo, e
Deus julgará o governo. Ele mantém a responsabilidade do governo e de
todas as suas instituições em nossa sociedade, de fazer aquilo que é certo.
O que é certo numa dada situação — quais as práticas comerciais certas,
quais as práticas de trabalho certas, quais as práticas judiciais que são certas?
Certo e errado não são decididos unicamente por cristãos. Há certos manda­
mentos que devemos realizar como cristãos. Por exemplo, a Ceia do Senhor.
Não devemos pedir que não-crentes participem da Ceia do Senhor. Entretan­
to, Deus me diz que como cristão devo pagar minhas contas no prazo certo.
Ele me diz para não usar pesos e balanças falsas em meu negócio. Creio que
é perfeitamente apropriado recomendar que o estado tenha uma moeda está­
vel e que não destrua os pesos e balanças de nossa sociedade, que tenha con­
tratos honrados e faça o que é certo. Em outras palavras, naquelas esferas da
ética que são certas para todas as pessoas, creio que é responsabilidade do
cristão lembrar ao estado que tome posição pelo que é certo.

• As soluções bíblicas para os p ro b lem as d o m u n d o estão


o b so le ta s?

Alguns anos atrás, quando estava lecionando filosofia numa universida­


de, participei de um simpósio de professores de filosofia. Um senhor na­
quele grupo nos relembrou de que há apenas cerca de cinco questões bási­
cas em toda história da filosofia. Tem havido cinco mil abordagens diferen­
tes a essas cinco questões básicas, mas algumas dessas questões básicas da
filosofia são estudadas repetidamente por todas as gerações.
Em princípio, eu diria que isso é verdadeiro também no campo da ética. En­
frentamos novas questões éticas que tomam difícil a aplicação de princípios dura­
douros num ambiente novo. Por exemplo, as gerações anteriores não tinham que
se preocupar sobre quando desligar o sistema de manutenção da vida para alguém
que está morrendo num hospital. Você não precisava se preocupar com o dilema
ético porque você não tinha o equipamento sofisticado que toma o dilema uma
realidade. Em função disso, temos situações com as quais as gerações anteriores
não precisavam lutar do ponto de vista ético.
Entretanto, os princípios que extraímos das Sagradas Escrituras sobre a
santidade da vida e a dignidade da morte, por exemplo, falam eloqüente­
mente àqueles problemas específicos que vêm a nós repetidamente em cada
geração. Creio que encontramos nas Escrituras não apenas as percepções e
opiniões de primitivos hebreus semi-nômades. Se fosse esse o caso, eu diria
que talvez houvesse alguma sabedoria coletiva que poderíamos receber deles
e que talvez tivessem alguma aplicação aqui ou ali. Mas tenho uma opinião
mais elevada das Escrituras do que isso.
Creio que encontramos nas Escrituras uma verdade transcendente —
verdade que vem a nós de uma perspectiva eterna. Em termos filosóficos,
esta verdade é sub species iternatotus (* N. da T. - A expressão correta é
“sub specie aeternitatis”, do filósofo Baruch Spinoza). O que significa que
recebemos nada menos do que a mente do Criador, que sabe e nos revela
princípios do que é certo, bom e belo, e esses princípios podem ser aplica­
dos ao longo de toda a extensão da história humana. Para mim, pensar que
as Escrituras não são mais aplicáveis à minha sociedade, ou que elas estão
obsoletas ou fora de moda, seria pensar que Deus está obsoleto ou fora de
moda e irrelevante. Ele é aquele que é de eternidade a eternidade. Os prin­
cípios e verdades que ele nos revela vêm daquela perspectiva eterna. Não
posso conceber nenhuma ocasião na história do mundo na qual sua verdade
se tomaria antiquada e obsoleta.

• Hoje e m dia o u v im o s c o n ti n u a m e n te pessoas c la m a n d o


p o r direito s m orais. Existe u m a base legítim a para essas
reiv in d ic a çõ e s?

Penso que há muita confusão sobre a própria linguagem quando se fala


de direitos e obrigações. Vejamos o que é obrigação, por exemplo. Para nós
cristãos, parte de nossa confissão de fé é o reconhecimento de que Deus, e
somente ele, é, em última análise, o Senhor de nossas consciências. Apenas
ele tem o direito intrínseco de impor obrigação sobre suas criaturas. Ele
pode delegar esse direito e dizer que os pais podem exigir certas coisas de
seus filhos, e algumas outras estruturas de autoridade também podem ser
estabelecidas. Fundamentalmente, toda obrigação é ditada por Deus, que é
a fonte de toda obrigação moral. Se não há nenhum Deus, teríamos que
dizer que não existe tal coisa como obrigação moral. As assim chamadas
questões morais se tomariam um assunto de preferência pessoal.
Quando falamos de direito, penso que é essencial distinguir entre direi­
tos morais e direitos legais. Um direito moral é algo concedido por Deus a
nós, suas criaturas. E parte integrante da criação, Deus é a fonte e o autor de
qualquer direito moral que tenhamos.
Um direto legal é concedido por uma instituição humana, mais especifi­
camente, pelo estado. Os estados diferem em termos dos direitos que con­
cedem. Direitos humanos se tornaram um problema mundial porque vemos
grupos de pessoas — e indivíduos, como no caso dos prisioneiros políticos
— sofrendo vários tipos de opressão, de acordo com os direitos que os esta­
dos a que estão sujeitos protegem ou violam. Consideramos certos direitos
como intrínsecos aos seres humanos, aqueles direitos que nos são dados por
Deus, o Criador. E alguns estados não concedem direitos legais que deveri­
am ser mantidos por serem aqueles que nos são dados inicialmente por
Deus. Quando falamos em violação dos direitos humanos, normalmente
estamos nos referindo a esses direitos.
Por outro lado, o estado pode conceder direitos legais para uma pessoa
fazer algo que, diante de Deus, ela não tem absolutamente nenhum direito
de fazer. Por exemplo, pessoalmente, vejo isso na questão do aborto. Ouço
pessoas dizendo o tempo todo que a mulher tem direitos sobre seu próprio
corpo, de lidar com as questões de seu corpo como ela desejar. Se ela con­
cebeu uma criança, tem o direito de dispor dela através de um aborto
terapêutico. As pessoas insistem em que a mulher tem o direito de fazer
isso. Que tipo de direito? Obviamente, ela tem o direito legal porque a Su­
prema Corte concedeu esse direito em nosso país.
Entretanto, a questão que tem causado tanto debate e controvérsia nesse
país é: A mulher tem o direito moral de fazer isso? Sabemos o que a lei
permite, mas Deus permite? Se uma pessoa me dissesse que tem direito
moral de praticar o aborto, eu diria: “Onde você conseguiu esse direito moral?
Tem certeza de que você tem esse direito moral? Você está me dizendo que
o Deus Altíssimo lhe deu o direito de dispor de seu filho ainda por nascer?”
Tremo de pensar em alguém diante da presença de Deus dizendo que tem o
direito de fazer isso. Nunca temos o direito moral de desobedecer a Deus.

• E x istem a lg u n s p a d rõ e s éticos bíblicos q u e o g o v e rn o


deveria d e fe n d e r?

À luz do conceito contemporâneo de separação entre estado e igreja,


que é tão importante para nosso governo, há muitos que interpretam esse
conceito como se isso significasse que o estado não tem de prestar contas a
Deus, que ele não é subordinado à autoridade divina. Em outras palavras,
Deus não tem jurisdição sobre os negócios do governo. Nada poderia ser
mais contrário ao ensino bíblico. Se reconhecemos (como nossos antepas­
sados o fizeram) que Deus é o criador do universo, então subentende-se que
Deus é soberano sobre tudo o que cria. Na realidade, ele cria e ordena a
igreja para uma tarefa particular, e ordena e institui governos para outra
tarefa. Não é responsabilidade da igreja ser estado e nem do estado ser
igreja, mas o conceito de separação entre igreja e estado, não significa
separação entre estado e Deus.
O estado, assim como a igreja, está sob a autoridade de Deus, e toda
autoridade terrena, em algum momento, terá de prestar contas a Deus sobre
como exercitou essa autoridade. Nenhum governo estadual, nenhum gover­
no terreno, jamais teve o direito ou a autoridade para governar de acordo
com suas próprias preferências sem ser responsável diante de um padrão
último de justiça e retidão.
Quando o Novo Testamento ensina que o governo está baseado num
mandado divino, como lemos em Romanos 13, aprendemos que os gover­
nos são chamados para serem ministros de Deus, a bem da justiça. Portanto
é responsabilidade do estado defender padrões de retidão e justiça.
Sem dúvida, o estado pode se tomar corrupto e violar o padrão de justi­
ça de Deus e aqueles padrões de justiça que estão enraizados basicamente
no caráter do próprio Deus. Quando fazem isso, eles estão sendo responsa­
bilizados por Deus. Lemos em todo o Antigo Testamento que a autoridade
de Deus se estende não apenas sobre a nação de Israel, mas também sobre
os que estão governando a Babilônia, Pérsia e todas as nações do mundo.
Lembremos que no, Salmo 2, a queixa do salmista era de que os gover­
nantes do mundo estavam se aconselhando contra Deus, dizendo: “Rompa­
mos os seus laços e sacudamos de nós as suas a l g e m a s isto é, os gover­
nantes das nações pagãs estavam declarando sua independência de Deus. A
resposta do salmista f o i , sem dúvida, de que aquele que se senta no céu se
rirá deles, mas apenas por um momento. Depois eles serão chamados a
prestar contas, porque Deus julga todos os outros juizes.

• C om o re s p o n d e r a u m político q u e diz q u e sua ética p e s­


soal, o u a de q u a l q u e r o u t r o político, n ã o dev eria te r
in flu ên cia n o fato de alguém v o tar nele ou não?

Temos ouvido essa pergunta bem freqüentemente nos últimos tempos


porque muitos escândalos têm envolvido figuras públicas e aqueles que
têm cargos políticos. Uma opinião comum é que a ética pessoal dos indiví­
duos é de sua responsabilidade e o que fazem privativamente não tem im­
plicações sobre sua habilidade pública de servir em um cargo.
Creio que é importante distinguir, como fazemos em teologia, entre éti­
ca pessoal e ética social e creio que é possível a uma pessoa, com um caráter
indecoroso em sua vida privada, funcionar publicamente de forma muito
justa e honesta. Mas, sem dúvida, sua ética pessoal dará margem a que se
levante sérias perguntas sobre como essa pessoa se comportará em termos
de ética social. Pois embora distingamos entre pessoal e privado, em última
análise, eles não podem ser separados pois são intimamente relacionados.
Por exemplo, se um homem foi condenado várias vezes como ladrão,
dificilmente você vai querer que ele sirva como ministro da fazenda. Não
existe maneira de ficarmos absolutamente certos de que alguém não se apos­
saria de dinheiro público, mas há pontos estratégicos de integridade que são
requeridos das pessoas em cargos públicos. Creio que o povo tem o direito
de esperar um alto grau de ética pessoal de seus líderes.
Examinando a história dos Estados Unidos, podemos retroceder à déca­
da de quarenta, quando houve um aumento epidêmico na taxa de divórcio.
Alguns sociólogos culparam Hollywood por aquilo. Disseram que havia
estrelas de cinema que transformaram em negócio o fato de ter cinco ou
seis maridos ou esposas. Múltiplos casamentos e divórcios faziam parte do
material sensacionalista dos meios de comunicação sobre esses artistas.
De alguma forma, eles sobreviveram em suas carreiras porque seu de­
sempenho era de tão alta categoria que as pessoas estavam dispostas a
desculpá-los ou a fazer vista grossa sobre seus defeitos pessoais. Mas o que
acontece é que os modelos — em Hollywood, no mundo dos esportes ou no
campo político — começam a ser imitados pela cultura de maneira geral, e
a população sofre os efeitos negativos. Portanto, embora alguns políticos
tenham conseguido impedir que suas falhas pessoais afetassem o seu funci­
onamento público, ainda é importante e melhor para o país de maneira ge­
ral que eles mantenham um alto padrão de ética pessoal.

• O q u e a Bíblia te m a dizer sobre leis criadas pelo h o m e m ?

Frederic Bastiat, o jurista francês, escreveu um livro muito importante sobre


lei no qual distingue entre o que ele chama de “governo pelos homens” e “gover­
no pela lei.” Ele articulou o conceito clássico europeu de lex rex. Esse conceito
europeu afirma que a lei, e não o povo, deve ser o rei, e que a autoridade última
que deveria governar a nação não seriam os caprichos e preferências pessoais
de indivíduos, mas deveríamos ser governados pela lei.
“Governo pelos homens” versus “governo pela lei” é confuso para muitas
pessoas porque elas irão perguntar: “Não são os homens que fazem as leis?”
Sem dúvida. Não penso que a Bíblia proíba os governos nacionais de legislar;
essa é uma das responsabilidades que Deus lhes deu. Para governar é necessário
fazer leis. Eles têm de legislar. Esse é um dos deveres dos governos.
Como a legislação humana se compara com a lei divina?
A idéia de que a lei é soberana significa que há um alicerce de lei que
está baseado fundamentalmente no caráter de Deus que pode ser descober­
to através da natureza. Essa é a razão porque, historicamente, até mesmo
nos Estados Unidos estamos firmados no princípio da lei natural dizendo
que certas leis são reveladas e conferidas por nosso Criador, certos princí­
pios básicos que chamamos lei das nações, a lei comum de todos os povos.
Todas as nações são responsáveis diante dessas leis, e qualquer lei individual
que promulgamos ou estabelecemos em nossos países deve estar em conformi­
dade com aquela lei mais alta que, em última análise, toca o caráter de Deus.
Ao mesmo tempo, a Bíblia é cética a respeito de pessoas que passam
leis e depois agem como se elas tivessem vindo diretamente de Deus. Esse
era o debate que Jesus tinha com os fariseus. Os fariseus criavam leis e
depois as passavam adiante como lei revelada de Deus, e confundiam a lei
de Deus com a tradição humana. Jesus condenou isso inteiramente.

• E sta m o s s e n d o m u i t o ju lg a d o res q u a n d o c ritic a m o s a


vida priv ad a dos líderes políticos?

Desde que há funcionários públicos, não apenas nesse país mas em to­
dos os países, tem havido um desejo por parte da maioria de seus eleitores
de que o líder político manifeste uma vida de integridade pessoal.
O perigo é que podemos nos tornar julgadores — hipercríticos e hipo-
críticos também — mesquinhos em nossa crítica sobre as pessoas na vida
pública. Servir num cargo público é uma tarefa extremamente difícil para
qualquer um. As pessoas comuns nesse país não têm idéia do que significa
a perda de privacidade. Por exemplo, quando iniciamos o Ligonier Minis­
tries, na Pensilvânia, há cerca de vinte e cinco anos atrás, eu era um pastor
e estava lidando freqüentemente com o público. E como as pessoas vinham
à nossa casa exigindo mais e mais atenção pessoal de minha parte, minha
família e eu experimentamos uma real perda de privacidade pessoal. Foi
muito difícil tratar do assunto. Isso foi apenas uma amostra do que os funci­
onários públicos passam.
Tal sacrifício, entretanto, faz parte da opção de ser uma figura pública.
Uma pessoa na vida pública será submetida a um escrutínio muito mais rigo­
roso em termos de sua integridade pessoal, e penso que o povo tem o direito
de esperar que seus líderes apresentem um exemplo de integridade pessoal.
Não há dúvida — pelo menos no meu entender — que os jovens seguem
o exemplo apresentado pelas figuras públicas que observam na televisão,
na imprensa e nos filmes. É importante que nós — especialmente os cris­
tãos, que deveríamos ser líderes em compaixão e compreensão — tempere-
mos qualquer avaliação das figuras públicas com um profundo senso de
entendimento e compaixão pela posição difícil na qual eles foram coloca­
dos para servir.

• Pedro e Paulo nos ensinaram a nos subm eterm os às autori­


dades governam entais. A luz disso, a revolução seria u m a
possibilidade para o cristão? E se for, sob que circunstâncias?

Certamente é claro que o Novo Testamento coloca ênfase na responsa­


bilidade do cristão de ser um modelo de obediência civil.
Em Romanos 13, Paulo diz que os poderes que existem são ordenados
por Deus. Isso não significa que sejam sancionados por Deus ou que Deus
aprove tudo o que os governos civis fazem; nós sabemos disso muito bem.
Mas Paulo está dizendo que é Deus quem institui os governos, e somos
chamados a nos submeter aos governantes por respeito a Cristo.
Pedro diz que devemos obedecer aos magistrados civis “por causa do Se­
nhor” (IPe 2.13-17). Como Cristo é glorificado pela minha submissão ao go­
vernador do estado da Flórida ou ao Congresso dos Estados Unidos da Améri­
ca? Creio que a questão mais ampla aqui é a luta bíblica fundamental entre vozes
de autoridade que competem entre si, os princípios de Satanás e Deus. A pergun­
ta é: A pessoa humana manifesta um espírito de obediência à lei de Deus? Ou
participa de um espírito anárquico e indisciplinado? E interessante que o Anti-
cristo, no Novo Testamento, é identificado como o homem sem lei.
Penso que somos chamados a obedecer aos magistrados civis, porque o
Novo Testamento vê uma estrutura hierárquica de autoridade, e a autorida­
de última no céu e na terra é Deus. Deus delega autoridade a seu Filho
Unigénito: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra." (Mt 28.18).
Entretanto, debaixo da autoridade do Filho há níveis de autoridade terrena,
tais como governos em seus vários graus até a autoridade de empregadores
sobre empregados e de pais sobre filhos. Vemos que a autoridade, em últi­
ma análise, encontra sua sanção na soberania e na autoridade de Deus. O
princípio não é difícil de entender: Se sou vacilante e descuidado em minha
obediência em níveis mais baixos, estou implicitamente me colocando numa
postura de desobediência à autoridade suprema que permanece atrás e aci­
ma da terrena. É à lei de Deus que desobedecemos. Aplicamos esse princí­
pio quando dizemos que a criança que não aprende a respeitar seus pais terá
problemas para respeitar qualquer coisa ou qualquer pessoa. Sendo escru­
puloso em minha obediência civil, fazendo o impossível para obedecer meus
professores, meus empregadores, meus governadores, meus oficiais de po­
lícia, estou honrando a Cristo que é o modelo supremo de autoridade e
obediência à lei.
Seria justificado o envolvimento numa revolta? Muito cristãos diriam
não. Essa foi uma pergunta crucial no tempo da Revolução Americana (N.T.
- guerra da independência dos E.U.A.), e havia teólogos cristãos de ambos
os lados. Creio que os que justificavam a revolução diziam que a única
ocasião em que a revolta é justificável é quando o próprio governo se torna
anárquico e age de maneira ilegal e sem lei. Na América colonial, a revolta
foi contra a taxação ilegal que estava ocorrendo. Isso requer uma lição de
história mais longa do que o tempo que temos aqui.

• E m bo ra a b u sc a da felicidade seja u m direito inalienável


n a C o n stitu iç ão A m ericana, nós, c o m o seres criados, te ­
m o s esse d ireito inalienável? M uitas pessoas e sp e ra m ter
felicidade n a vida. M as será isso u m a expectativa c o rre ­
ta, e sp e c ia lm e n te para os cristãos?

Primeiro, precisamos distinguir entre a Constituição Americana como


um documento legal que circunscreve a maneira pela qual o povo deve ser
tratado sob a lei do estado e os princípios que operam no reino de Deus e
que estão estabelecidos na lei de Deus.
Quando a Constituição garante o direito inalienável da busca da felici­
dade, ela visa proteger uma sociedade livre da tentativa de outros povos de
destruir ou dificultar essa busca. Até mesmo a Constituição reconhece os
limites desse direito inalienável. Por exemplo, reconhece que se a minha
felicidade é matar outras pessoas, eu não tenho o direito constitucional
inalienável de buscar a minha felicidade dessa maneira. O que estamos di­
zendo é que a lei é estabelecida para permitir que as pessoas busquem aqui­
lo que lhes traz felicidade. Sem dúvida, a Constituição não garante a aqui­
sição de felicidade, apenas o direito de buscá-la, e o direito de buscar felici­
dade está sujeito a certas limitações.
Deus nos dá esse direito inalienável? Quando consideramos que um di­
reito nos confere uma reivindicação legal, precisamos dizer que não. Deus
não nos confere direitos do modo como uma constituição nacional o faz.
Em lugar nenhum, a Bíblia dá a qualquer ser humano pecador (quer dizer a
qualquer ser humano) uma garantia absoluta de direito à felicidade. A Bíblia
apresenta todos os tipos de promessa a respeito de conquista de felicidade,
mas felicidade é, fundamentalmente, uma dádiva de Deus, uma manifestação
da graça de Deus. Se Deus fosse lidar conosco em termos de direito, isto
significaria que ele nos trataria estritamente de acordo com a justiça.
A única possibilidade de termos um direito inalienável seria se fôsse­
mos tão virtuosos e tivéssemos tantos méritos que, se Deus é justo, ele teria
que derramar felicidade sobre nós.
Isso é exatamente o oposto do que as Escrituras nos ensinam a respeito
de nossa condição diante de Deus. Somos pessoas culpadas diante de nosso
Criador e, portanto, nosso Criador não nos deve qualquer felicidade.
Apesar do fato de que Deus não nos deve felicidade, ele derrama sobre
seu povo alegria e paz, felicidade e bênçãos em abundância. Penso que é
perfeitamente legítimo para um cristão buscar alegria, contentamento e re­
alização de nossa humanidade em tudo o que Deus nos fez para sermos, o
que pode ser encontrado em nossa reconciliação com Deus.
Quando somos reconciliados com Deus e vivemos de acordo com sua
vontade e com seus princípios, a felicidade é, muitas vezes, uma conse­
qüência e, mesmo nesse caso, o resultado da graça e das dádivas de Deus.
Certamente, não é uma exigência que fazemos a ele.

• Q u al é o rela cio n am e n to entre educação cristã e educação


p ú b lic a?

Nos últimos anos, temos visto o surgimento de escolas confessionais


em um número sem precedentes na história americana — a não ser na ma­
nifestação das escolas paroquiais da igreja católica romana. No caso da
teologia e prática católicas, a igreja sempre considerou a educação como
um aspecto extremamente importante de seu programa total.
Em sua maioria, os protestantes têm se contentado com o sistema de
escola pública. Parte da razão disso é o fato de que a igreja protestante
esteve intimamente envolvida no estabelecimento dos sistemas e estruturas
que foram comunicados através da educação pública e mista há alguns anos.
Tem havido uma crescente secularizacão nesse país e um novo entendi­
mento do conceito de separação entre estado e igreja, o qual muitas pessoas
entendem como separação entre estado e Deus. Classicamente, ambos eram
vistos como estando sob a soberania de Deus e eram basicamente submeti­
dos a um sistema comum de valores. Esse não é mais o caso. Hoje o estado
tem de caminhar sobre uma corda bamba de direitos humanos para certifi­
car-se de que não fará nada que possa favorecer uma religião ou outra no
sistema escolar.
O conceito da anti-oficialização historicamente lutou contra o estabele­
cimento de uma denominação cristã particular como igreja oficial do esta­
do, como no caso da igreja da Inglaterra. Hoje isso significa que o Cristia­
nismo não tem qualquer benefício particular sobre o Judaísmo ou o Isla-
mismo ou o Hinduísmo ou qualquer outra coisa. A tendência do estado é
pressupor que a educação pública não deve ter qualquer orientação religio­
sa; deve ser neutra. Isso, sem dúvida, é absolutamente impossível porque
não se pode ter um currículo de qualquer tipo que seja totalmente neutro.
Todo currículo tem uma perspectiva, e essa perspectiva ou é teocêntrica ou
não é. Ou ela reconhece a soberania e supremacia de Deus ou não reconhe­
ce. Pode-se permanecer silencioso, mas o silêncio é uma afirmação.
Eu diria que a grande diferença entre educação cristã e educação públi­
ca hoje em dia está no compromisso que cada uma tem com suas perspecti­
vas fundamentais, se são teocêntricas ou não. Os cristãos têm que se decidir
entre receber uma educação que é competitiva em outras disciplinas ou
pagar duas vezes mais para ter uma perspectiva centralizada em Deus. Fran­
camente, muitas escolas cristãs não são excelentes em suas disciplinas aca­
dêmicas e, portanto, esta se torna uma decisão muito difícil de ser tomada.

• Nos tr ib u n a is judiciais a m e ric a n o s, so m o s o b rig ad o s a


ju rar sobre a Bíblia an tes de o c u p a r o b a n c o das t e s t e m u ­
n h a s. D esde q u e a Bíblia e n s in a q u e n ã o se deve ju ra r
sobre coisa n e n h u m a , está certo o cristão recu sar-se a
ju ra r sobre a Bíblia n o trib u n al?

O Novo Testamento deixa claro que não devemos fazer juramentos e


votos ilegais. Jesus adverte, no Sermão da Montanha, que não devemos
jurar nem pela terra, nem pelo altar, nem por qualquer outra coisa menor do
que Deus. Tiago confirma isso dizendo: “não jureis nem pelo céu, nem pela
terra...antes seja o vosso sim sim, e o vosso não não” (Tg 5.12).
Entretanto, existe um dispositivo bíblico para votos e juramentos sagra­
dos, isto é, há lugares legais e tipos legais de votos e juramentos. Na reali­
dade, uma aliança não é uma aliança sem um voto, e é isso que estamos
fazendo quando pronunciamos os votos no casamento ou em outras situa­
ções como as que envolvem acordos contratuais — estamos entrando num
pacto ou aliança. Toda base de nosso relacionamento com Deus é firmada
sobre votos e juramentos, juramentos feitos por Deus, porque ele não pode
jurar por ninguém maior do que ele próprio.
Não há nada intrinsecamente errado sobre fazer juramentos e assumir
votos, mas creio que Jesus estava fazendo objeções à prática dos fariseus que
tentavam camuflar os seus votos jurando por coisas menores do que Deus.
O juramento de um voto a Deus ou diante de Deus é um ato de culto,
porque com esse voto estamos dizendo: “Assim me ajude o Senhor,” que é o
que dizemos no tribunal: “juro dizer a verdade, toda a verdade e nada mais do
que a verdade, assim me ajude o Senhor.” Estou fazendo um voto diante de
Deus. Estou reconhecendo que Deus é onisciente, que ele está ali, que ele vê
tudo o que faço e pode ouvir as palavras que estou dizendo; Deus é soberano
sobre meus votos e tem autoridade sobre eles. Estou reconhecendo a Deus
como Deus no momento em que faço um juramento. É um ato religioso.
Se digo que juro pelo túmulo de minha mãe, estou cometendo um ato de
idolatria, pois presumi que o túmulo de minha mãe tem a habilidade de
ouvir meus votos, de julgá-los e de ser soberano sobre eles. Atribuí divinda­
de ao túmulo de minha mãe, o que é uma forma crassa de idolatria. Era a
isso que Jesus estava objetando quando disse em essência: “Não jure pelo
altar. O altar não pode ouvir você. O altar não pode julgar você. O altar não
é Deus. O único ser pelo qual você pode jurar de modo legítimo é o próprio
Deus num ato de culto.”
Não tenho certeza de que está errado fazer um juramento no tribunal,
mas, na realidade, estamos fazendo um juramento a Deus, e não à Bíblia.
Não pedimos à Bíblia que dê testemunho de nossos votos. Não pedimos
àquele livro que nos ouça, que seja o juiz de nossas consciências ou que
seja soberano sobre nós. Mas me pergunto de onde tiramos essa prática
simbólica de colocar as mãos sobre a Bíblia. Penso que seria tão impressi­
onante e tão solene, de fato até mais solene, se você jurasse com suas mãos
atrás de suas costas. Mas, desde que você não jure para nem pela Bíblia,
creio que seria legítimo jurar sobre a Bíblia se você desejar.
PASSAGENS DI FÍCEIS

“Temos, assim, tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis


bem em atendê-la, como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso,
até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em vosso coração; sabendo,
primeiramente, isto: que nenhuma profecia da Escritura provém de particu­
lar elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada p o r vonta­
de humana; entretanto homens santos falaram da parte
de Deus, movidos pelo Espírito Santo.”
— 2 P e d r o 1 .1 9 -2 1

Perguntas nessa seção:

• O que é a ordem de Melquisedeque?


• Deus instruiu Moisés e Aarão a falarem à rocha para produzir água. Em
vez disso, Moisés bateu na rocha. Devido a esse ato, Deus puniu tanto
Moisés como Aarão. Por quê?
• Por que Deus exige tanta violência e guerra da nação judaica no Velho
Testamento?
• O Senhor disse, no Velho Testamento, que ele amava a Jacó e odiava
Esaú, e em 1 João, João de fato diz que se dissermos que amamos a Deus
e odiamos ao nosso irmão, estamos errados. Como podemos reconciliar
essas duas passagens?
• Jacó realmente lutou com um anjo toda a noite, ou essa história era um
modo simbólico de dizer que ele estava lutando com um problema?
• No livro de Juizes, parece que um sacrifício humano foi feito e aceito.
Por favor, explique.
• Provérbios 21.13 diz: “O presente que se dá em segredo abate a ira, e a
dádiva em sigilo, uma forte indignação". Por que isso está na Bíblia?
• “Onde não há visão, o povo perece.” O que significa isso?
• Por favor, discorra sobre Eclesiastes 9.10 que diz: “Tudo quanto te vier à
mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças.”
• O que quer dizer o Credo dos Apóstolos ao afirmar que Jesus desceu ao inferno?
• No Sermão do Monte, Jesus diz “Ignore a tua mão esquerda o que faz a
tua mão direita”. Em outra passagem que diz: “Assim brilhe a vossa luz
diante dos homens.” Isso parece uma contradição.
• Em Mateus 24.32-34, Cristo conta a parábola da figueira. Em sua opi­
nião, o que representa, afinal, a figueira?
• Poderia explicar o que Jesus quis dizer quando falou: “Conhecereis a
verdade e a verdade vos libertará”?
• Poderia fazer um comentário sobre a afirmação de Jesus de que não deve­
mos jogar pérolas aos porcos?
• No relato da mulher adúltera, o que foi que Jesus escreveu na areia?
• Em Atos 16, Paulo encoraja Timóteo a circuncidar-se, porém, mais tarde,
condena essa prática. Ele estava ele sendo hipócrita?
• Qual é a posição cristã sobre o batismo substitutivo dos mortos, referido
em 1 Coríntios 15?
• O que é que o autor de Hebreus 6 quis dizer ao escrever: “é impossível
outra vez renová-los para o arrependimento”, os que uma vez foram ilu­
minados, e se tornaram participantes do Espírito Santo?
• Ultimamente, as pessoas têm me falado sobre “maldições bíblicas”. As
maldições passaram?

• O q u e é a o r d e m de M elq u ised eq u e?

O livro de Hebreus, com certeza, tem como um de seus temas centrais a


obra do Senhor Jesus como Sumo Sacerdote. A comunicação ao povo judeu
de que Jesus era o Sumo Sacerdote criou alguns problemas sérios. Na ex­
pectativa judaica, seu rei deveria vir da tribo de Judá. Jesus era da tribo de
Judá. Mas a tribo sacerdotal, a de Aarão e seus descendentes, era a tribo de
Levi. Assim, se Jesus não é da tribo de Levi, como pode o Novo Testamento
dizer que ele é um Sumo Sacerdote? Para que Jesus fosse Sumo Sacerdote
esperava-se que ele fosse descendente de Levi, da linhagem de Aarão e
Moisés. Porém, claro que não era. O que o autor de Hebreus está fazendo
aqui é relembrar-nos que existe um outro sacerdócio no Velho Testamento,
além daquele que leva o nome de Aarão ou Levi. O autor volta aos primei­
ros capítulos do livro de Gênesis onde leu a narrativa de Abraão voltando
da batalha e encontrando um cidadão cujo nome era Melquisedeque.
Melquisedeque é identificado como um rei-sacerdote; é rei de Salém, que
significa o rei da paz, e que é tanto sacerdote como rei.
O argumento do autor de Hebreus é que Abraão pagou dízimos a Mel-
quisedeque, e Melquisedeque abençoou a Abraão.
Aí o autor levanta estas perguntas: Uma pessoa paga dízimo a alguém
maior ou menor, e quem abençoa a quem numa situação como essa? Na
hierarquia judaica, quem dá a bênção é superior ao que recebe a bênção, e o
menor paga dízimos ao maior. No encontro entre Abraão e Melquisedeque,
Abraão claramente se subordina a esse estranho rei Melquisedeque. Paga o
dízimo a Melquisedeque; Melquisedeque abençoa Abraão. Assim, quem
quer que seja esse Melquisedeque, ou de onde quer que tenha vindo e o que
quer que seja que ele faça, ele é de natureza superior a Abraão.
Então, o escritor faz a pergunta, de acordo com o ponto de vista judaico:
“Se Abraão é o pai de Isaque e Isaque é o pai de Jacó, e Jacó pai de Levi,
quem é o maior: Jacó ou Levi? Jacó. Quem é maior: Jacó ou Isaque? Isaque.
Quem é maior: Abraão ou Isaque? Abraão. Bem, se Abraão é maior que
Isaque, e Isaque maior que Jacó, e Jacó maior que Levi, quem é maior:
Abraão ou Levi? Abraão. E se Abraão é maior que Levi e Melquisedeque
maior que Abraão, quem é maior: Melquisedeque ou Levi? Ah! Você sabe a
resposta. Melquisedeque é de uma ordem mais alta que Levi. Assim, o sa­
cerdócio de Jesus é superior ao sacerdócio de Aarão. Esse é o ponto.

• Deus in s tru iu M oisés e Aarão a falarem à ro cha para p r o ­


d u z ir água. Em vez disso, Moisés b a te u n a rocha. Devido
a esse ato Deus p u n iu ta n to M oisés q u a n to Aarão (Nm
20.1-13). Por q u ê ? E p o r q u e ele p u n i u Aarão, q u a n d o
M oisés foi q u e m c o m e te u o ato?

Fico muito confuso — tanto quanto um bom número de estudiosos bí­


blicos — com esse episódio do Antigo Testamento. A Bíblia não nos dá
uma explicação clara sobre porque Deus ficou tão perturbado com esse ato
de Moisés ou por que Aarão também foi envolvido no mesmo.
Se lermos cuidadosamente, tanto o texto quanto as entrelinhas, parece
que Deus havia dado a Moisés algumas instruções, mas Moisés ficou um
tanto presunçoso e resolveu, por conta própria, agir inadequadamente. Essa
é a única razão em que posso pensar para a reação de Deus. O pecado de
Moisés foi o da presunção. Ele não agiu corretamente — no tempo certo e
do modo correto — como Deus o instruíra.
O fato de Aarão ser incluído na punição indicaria que ele devia estar de
algum modo incluído na ação. O fato de a Bíblia silenciar sobre esse envol-
vimento não o exime totalmente Aarão. Temos de presumir aqui que o tex­
to não diz tudo o que aconteceu, e sabemos que Deus não pune o inocente.
O fato de Deus ter punido Aarão é, para mim, evidência suficiente de que
Aarão era culpado de cumplicidade nesse evento e que, presumivelmente,
ambos, Aarão e Moisés, agiram de modo arrogante fazendo algo não auto­
rizado. Por esse motivo eles perderam certos benefícios e bênçãos no reino.
Decerto não foram excluídos da comunhão com Deus, mas suportaram a
censura e a repreensão de Deus.
O mesmo tipo de coisa ocorreu com o censo de Davi (lCr 21). Teria
Deus ordenado o censo que Davi realizou, ou teria ele sido instigado por
Satanás? Numa versão é atribuído a Deus, noutra, a Satanás. Naturalmente,
eu não acho que isso seja, em última análise, uma contradição porque Deus
é o soberano de Satanás, e Deus permitirá que certas coisas aconteçam ao
dar chance a Satanás. Os judeus poderiam dizer que Deus ordenou isso,
mas não sancionou. Ele permaneceu como soberano, e talvez isso tenha
relação com o texto também. Em última análise, temos de confiar no cará­
ter de Deus, que é justo, mesmo quando não temos o quadro inteiro.

• Por q u e Deus exige ta n ta violência e guerra da nação j u ­


daica n o Velho T estam ento?

Um dos episódios mais difíceis para lidarmos como pessoas que vivem
desse lado do Novo Testamento são os registros do Antigo Testamento do
que é chamado herem. Trata-se de quando Deus chama Israel a entrar no
que poderíamos chamar de guerra santa contra os cananeus. Ele os manda
ir a eles e destruir tudo — homens, mulheres e crianças. Era proibido fazer
prisioneiros e eles deviam destruir e banir completamente, ou amaldiçoar
essa terra antes de eles mesmos a ocuparem.
Quando olhamos para isso, recuamos horrorizados com o grau de vio­
lência que não apenas é tolerado, mas aparentemente ordenado por Deus
naquela circunstância. Teólogos críticos do século XX têm indicado esse
tipo de relato no Antigo Testamento como exemplo claro de que isso não
poderia ter sido a Palavra revelada de Deus. Dizem que esse é o caso em
que alguns hebreus sedentos de sangue, antigos e semi-nômades tentaram
apelar para sua divindade, a fim de sancionar seus atos violentos e que
devemos rejeitar isso como não tendo sido interpretações sobrenaturalmen­
te inspiradas da história.
Eu penso diferentemente. Estou satisfeito que o Antigo Testamento seja
Palavra inspirada de Deus e que Deus tenha de fato mandado que a nação
judaica instituísse a herem contra os cananeus. Deus nos diz no Antigo Testa­
mento por que criou essa política contra o povo cananeu. Não é que Deus
tenha mandado que um grupo de saqueadores, sedentos de sangue, invadisse
e matasse pessoas inocentes. Mas o pano de fundo era que os cananeus esta­
vam profundamente arraigados a hábitos pagãos abusivos, envolvendo até
mesmo coisas como sacrifício de crianças. Era uma época de profunda desu­
manidade dentro dessa nação. Deus disse a Israel: “Estou usando vocês aqui
nessa guerra como instrumento de meu julgamento sobre essa nação, e estou
trazendo minha violência sobre esse povo inacreditavelmente mau, os cana­
neus.” E disse: “Vou destruí-los” (Dt 13.12-17). Na realidade, ele disse ao
povo judeu: “Quero que vocês entendam uma coisa: estou dando aos cana­
neus o que eles merecem, mas não os estou dando a vocês por serem tão
melhores do que eles. Eu poderia pôr o mesmo tipo de julgamento sobre a
cabeça de vocês por sua pecaminosidade e estar perfeitamente justificado em
assim fazer.” Esse é basicamente o sentido do mandado de Deus aos judeus.
Ele disse: “Estou chamando a vocês por minha graça para serem uma
nação santa. Estou demolindo a fim de construir algo novo, e do que eu cons­
truir novo, uma nação santa, vou abençoar todos os povos do mundo. Portan­
to, quero que sejam separados, e não quero que nenhuma das influências
dessa herança pagã se misture em minha nova nação que estou estabelecen­
do.” Essa é a razão que ele dá. As pessoas ainda se confundem com isso, mas
se Deus é, com efeito, santo — como acho que é — e nós desobedientes —
como sei que somos — penso que devemos ser capazes de lidar com isso.

• O S e n h o r disse, n o Antigo T estam ento, q u e a m o u a Jacó


p o r é m aborreceu a Esaú, e e m 1 João, João n a realidade
diz q u e se d isserm o s q u e a m a m o s a Deus e o d ia m o s n o s ­
sos irm ãos, e sta m o s errados. C om o p o d e m o s reconciliar
essas d u a s passagens?

Deus, que nos criou, tem o direito de exigir de suas criaturas o que quer
que deseje; ele certamente tem o direito de exigir que nos amemos uns aos
outros. E como podemos nós, que somos pecadores, odiar outras pessoas
que são pecadoras por fazerem as mesmas coisas que estamos fazendo?
Amar a Deus, aos outros e a nós mesmos é o grande mandamento, dado
primeiro por Deus e depois repetido por Jesus no Novo Testamento.
Mas se nos mandam amar a todos, como lidamos com a afirmação de
Deus: “Amei a Jacó; porém aborreci a Esaú”?
Primeiramente, estamos lidando com a língua hebraica. É a forma
hebraica de dizer, que chamamos de paralelismo antitético, pela qual as
Escrituras falam fazendo alusão a opostos diretos. Para entender isso, te­
mos de ver que, seja o que for que Deus quis dizer por odiar a Esaú, signifi­
ca exatamente o oposto do que significa amar a Jacó.
Nós usamos o termo amar e odiar para expressar emoções humanas, e
sentimentos humanos que temos para com as pessoas mas, no contexto em
que esse texto em particular ocorre, quando a Bíblia diz que Deus ama a
Jacó, significa que ele faz de Jacó o recipiente de sua especial graça e mise­
ricórdia. Ele dá a Jacó um dom que não dá a Esaú. Ele dá misericórdia a
Jacó. Ele retém aquela mesma misericórdia de Esaú porque ele não deve a
Esaú a misericórdia e reserva o direito, como disse antes e também no Novo
Testamento: “Terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia". Ele revela
benevolência. Ele dá uma vantagem, ele dá uma bênção a um pecador, que
escolhe não dar a outro. O judeu descreve essa diferença usando termos
opostos. Um recebe amor; outro recebe ódio. Agora, de novo temos de lem­
brar que a Bíblia está sendo escrita com termos humanos, os únicos termos
que temos, e não podemos atribuir ao texto a idéia de sentimentos de hosti­
lidade ou de maldade para com um ser humano. Não é isso que a Bíblia
quer dizer quando usa esse tipo de linguagem para Deus.

• Q u a n d o Israel lu to u c o m o anjo a n o ite toda, isso deve


ser t o m a d o lite ra lm e n te , o u é u m m o d o sim b ó lic o de
dizer q u e Israel lu to u co m u m p roblem a?

São tantas as vezes que somos confrontados com a questão de interpretar


uma narrativa como essa literal ou simbolicamente que temos de ser muito
cuidadosos sobre o que influencia a nossa resposta. Freqüentemente, o lado
em que ficamos numa questão como esta está condicionado ou influenciado
por nossa opinião prévia quanto ao sobrenatural. Há pessoas que abordam um
texto como esse com o prejulgamento de que não existe a esfera sobrenatural
e que qualquer relato das escrituras do miraculoso ou sobrenatural deve ser
reformulado dentro da ótica naturalista e interpretado segundo circunstâncias
psicológicas. Isso em certo sentido compromete o texto.
Tenho de dizer que, quando permitimos que essa abordagem prejulgada
da Escritura afete nossa interpretação da mesma, nós violamos o texto e
violamos princípios objetivos de interpretação literária. Eu tenho muito mais
respeito pelo teólogo que diz que o texto claramente sugere que houve uma
luta real entre Jacó e esse anjo do que por alguém que tente espiritualizar e
relativizar o episódio, chamando-o de símbolo.
Agora, há vezes em que a Bíblia está, sem dúvida alguma, usando lingua­
gem imaginativa, símbolos que não devem ser interpretados em termos histó­
ricos concretos. O princípio básico que se aplicaria à interpretação de um
texto como esse (ou qualquer outro onde haja a questão se ele deve ser inter­
pretado literal ou figuradamente) é que o cerne da questão deve ser decidido
por uma análise cuidadosa do gênero literário em que o texto aparece.
Pessoas me perguntam se eu interpreto a Bíblia literalmente, e geral­
mente respondo que certamente sim. Que outra maneira existe para inter­
pretar? Interpretar a Bíblia literalmente não significa impor um literalismo
rígido, sólido à Escritura. Interpretar literalmente significa interpretar um
livro tal como foi escrito. Essa é uma abordagem científica, isto é, você
interpreta poesia conforme as regras da poesia, cartas conforme as regras
das cartas, narrativas históricas conforme o gênero das narrativas históri­
cas, e assim por diante. Doutro modo, você estaria mudando o significado
intencionalmente dado pelo autor, o que é simplesmente anti-ético.
Minha orientação ao considerar esse texto seria: Qual o estilo literário em
que ele aparece? Se é narrativa histórica, então penso que deva ser interpretado
como narrativa histórica. Aliás, no caso dessa história, estou persuadido de que
o texto tem todos os elementos de narrativa histórica, e penso que o autor quis
transmitir que houve uma real visitação de um anjo e que houve uma luta real.

• No livro de Juizes parece q u e u m sacrifício h u m a n o foi


feito e aceito. Por favor, explique.

Não apenas temos essa difícil questão tal como aparece no livro de Juizes,
presumivelmente com o voto de Jefté de sacrificar sua filha (Jz 11.29-35),
mas também mesmo antes, no livro de Gênesis, capítulo 22, quando Deus
diz a Abraão para oferecer seu filho Isaque no altar do Monte Moriá.
Kierkegaard escreveu um livro que enfrentou essa questão, e ele a descreveu
como a suspensão temporária da ética. Eu não acho que Deus suspenda a ética, nem
mesmo para Abraão. A questão que você está enfrentando é como Deus aceita ou
ordena uma prática que ele revela noutra parte ser totalmente repugnante para ele?
Abraão não teve o benefício dos primeiros cinco livros do Antigo Testamento,
em que todas as leis, legislações e códigos de santidade de Israel foram estabeleci-
dos. Mas, presumivelmente, ele teve pelo menos o benefício do que podemos cha­
mar uma lei natural. Essa foi a lei que Deus deu ao homem, a partir de Adão, cujo
princípio principal é a santidade da vida e a proibição do assassinato. Abraão tinha
de estar confuso com a ordem de Deus para oferecer seu filho sobre o altar. Ele
teria de saber que aquilo era totalmente inconsistente com a lei natural.
Mas, ao mesmo tempo, é como um homem que chega ao sinal vermelho
num cruzamento e um policial de luvas brancas lhe dá sinal para passar. A
luz diz “pare”, mas o policial diz “siga”. O policial sempre é mais que o
código de trânsito. Você obedece o policial e não o sinal luminoso. Assim,
talvez Abraão pensasse que embora soubesse o que a lei dizia, se o autor
daquela lei lhe dizia para quebrá-la, era melhor quebrá-la.
Você pergunta especificamente sobre o problema no livro de Juizes. No códi­
go de santidade, na legislação do Pentateuco, o sacrifício infantil, praticado por
outras religiões antigas, era visto não apenas como algo a respeito do qual Deus
olhasse com desaprovação, mas como um pecado capital em Israel — uma total
abominação a Deus. A Escritura fala, na linguagem mais forte possível, proibindo
o sacrifício de seres humanos como atividade religiosa. Nada é mais aviltante na
religião do que quando se procura apaziguar uma divindade por meio do sacrifício
humano — com a óbvia exceção do sacrifício perfeito que foi oferecido de uma
vez por todas, quando Deus sacrificou seu próprio Filho por nossos pecados.
Meu entendimento do livro de Juizes é esse: Assim como o resto da Bíblia, e
particularmente o Antigo Testamento, Juizes registra para nós, não só as virtudes do
povo, mas também os seus vícios. O voto de Jefté foi pecaminoso. Ele nunca deveria
ter feito aquele voto, em primeiro lugar. Deus não o mandara fazê-lo; ele fez tal voto
e então, com um conceito enganoso de cumprimento de voto, pensou a ser sua obri­
gação moral cumpri-lo ao descobrir que houvera prometido matar sua própria filha.
Na realidade, chamaríamos aquilo de voto ilegal. Quando uma pessoa faz
um voto de pecar, ela não será cobrada no cumprimento daquele voto, se este a
obriga a pecar. Penso que essa passagem não é tão difícil do ponto de vista
teológico, mas simplesmente um registro do pecado de Jefté.

• Em Provérbios 21.14 se diz: “O presente que se dá em segredo


abate a ira, e a dádiva em sigilo, uma forte indignação." Por q u e
isso está n a Bíblia?

Essa é complicada. Creio que se trata aqui de duas coisas. Primeiro,


temos de entender a natureza de um provérbio. Um provérbio não é uma lei
moral absoluta. Um provérbio é uma expressão de sabedoria prática que é
tirada das experiências diárias da vida. Não são absolutos. Por exemplo,
temos os ditados: “Quem não arrisca, não petisca”, e “Arriscar não é cora­
gem”. Se você tornar ambos absolutos, eles se cancelam mutuamente. O
mesmo aconteceria se tomássemos absolutos todos os provérbios da Bíblia.
O que toma isso tão difícil é que o provérbio aqui tira sabedoria prática da
pecaminosidade humana e nos diz que a propina “lubrifica as engrenagens” e afas­
ta a ira das pessoas. O autor de Provérbios, no que tange à sabedoria prática, está
muito preocupado com as relações humanas e em como se dar bem. Um dos temas
recorrentes do livro é a relação entre as pessoas iradas: “A resposta branda desvia
o furor.” Isso faz sentido. Não é só uma questão de virtude, mas de praticidade.
Lembro-me de uma vez em que estava saindo de Pitsburgh pela Ponte da Liber­
dade para os túneis e vi que o sinal ia passar para o vermelho. Eu teria de esperar ali
um longo tempo. Um policial estava sinalizando para eu passar para outra faixa e eu
dei a volta, entrando na faixa que eu queria. Assim que eu ia passar por ele o farol
ficou vermelho e eu tive de parar. O guarda correu até o meu carro e começou a bater
no teto. Eu sabia que estava numa grande encrenca. Apenas voltei-me para ele e
disse: “Sinto muito, sr. guarda”. Isso o desarmou e ele me disse para passar e sair dali.
Aquilo me fez pensar que uma resposta branda realmente desvia o furor. Funciona.
Esse versículo usa um artifício literário chamado paralelismo — dizen­
do a mesma coisa de duas maneiras diferentes. Ele diz: “O presente que se
dá em segredo abate a ira”. Não há nada de errado em dar-se um presente
secreto a alguém. Aí vemos a afirmação paralela: “e a dádiva em sigilo,
uma forte indignação”.
O que está sendo descrito aqui é um presente de surpresa. Uma propina
também desviará a ira de alguém.
Eu diria que o autor de Provérbios está fazendo aproximadamente o mesmo
que Jesus fez quando disse que não somos tão sábios na comunidade cristã como
os ladrões lá fora. Ele fala do mordomo infiel e diz que podemos aprender ma­
neiras práticas sobre como nos sair bem com as pessoas observando como os
ladrões agem; eles sabem como parar a ira e a raiva como uma questão de sabe­
doria prática. Penso que é isso que o autor tinha em mente.

• "Não havendo profecia, o povo se corrompe" (Pv 2 9.18). O q u e


significa isso?

Tenho certeza de que vocês já ouviram esse versículo citado muitas ve­
zes na igreja — sempre que há um plano de construção ou um novo progra­
ma educacional, por exemplo. As pessoas ouvem que precisam captar a
visão. Estabelecemos o alvo diante de nós e, sem visão, o povo perece. A
tradução significa, em situações contemporâneas, que sem um alvo, um
projeto ou um objetivo, o povo será destruído. Isso pode ser uma aplicação
secundária do texto original, mas isso não é o que o texto significava ao ser
escrito na antigüidade.
O sentido original do texto: “Não havendo profecia, o povo se cor­
rompe” tinha a ver com uma visão profética. No Antigo Testamento, Deus
se revelava através das proclamações de seus profetas. Algumas vezes
eles recebiam uma palavra de Deus. Esses profetas funcionavam como
agentes de revelação, como Jeremias e Isaías. Eram veículos humanos
através dos quais Deus proclamava sua palavra ao povo. O que os Pro­
vérbios estão dizendo é que sem a revelação sobrenatural da palavra de
Deus, o mundo pereceria.
Quando Jesus aparece no Novo Testamento, a profecia do Antigo Testa­
mento: “O povo que andava em trevas viu grande luz” (Is 9.2) foi cumpri­
da. Muito freqüentemente, na Bíblia, o conceito de revelação divina é ex­
presso através daquela metáfora de luz nas trevas. O que ouço esse texto
dizer é que sem a luz da revelação, a humanidade seria deixada na total
escuridão, e nós, de fato, pereceríamos.
Conhecemos pessoas que não estão de modo nenhum envolvidas com a
fé judaico-cristã. Elas não têm compromisso algum com ela, seja qual for.
Ainda estão vivas, não pereceram, estão passando bem. Podem não estar
perecendo agora, mas vão perecer finalmente.
A parte dessa consideração, não há nenhuma cultura significativa que
conheçamos nesse mundo que não tenha recebido alguma migalha dos be­
nefícios da revelação divina. Não há lugar no ponto mais obscuro desse
mundo e na hora mais escura da idade das trevas, onde a luz da revelação de
Deus tenha sido completamente apagada, obscurecida ou eclipsada. De fato,
não poderíamos viver como seres humanos nesse planeta por cinco minu­
tos, a não ser pela Palavra da Deus. Não admira que Jesus tenha dito que é
pela Palavra de Deus que vivemos.

• Por favor, discorra sobre Eclesiastes 9.10, que diz: “Tudo quanto
te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças,..." -

Antes de responder a essa questão especificamente, creio ser importan­


te tecer alguns comentários básicos sobre o tipo de literatura que encontra-
mos no livro de Eclesiastes. Ele é muito semelhante ao livro de Provérbios
e está na categoria da Literatura Hebraica de Sabedoria, em que jóias de
sabedoria e aplicações práticas de piedade são estabelecidas em afirmações
muito sucintas. Podemos facilmente confundir-nos se tentarmos tratar es­
sas afirmações como se fossem princípios morais absolutos. Estou conven­
cido de que a Bíblia apresenta muitos princípios morais absolutos na lei de
Deus que está ali expressada. Mas o que você encontra nas máximas da
Literatura de Sabedoria são balizas práticas para o comportamento.
Essa passagem de Eclesiastes, em particular, não é um absoluto uni­
versal que diga: “Qualquer coisa que você fizer, faça-o com toda a sua
força”. Há muitas coisas que fazemos com nossas mãos e que são ímpias,
e não devemos fazê-las com dedicação nenhuma. O que o livro está di­
zendo é que, no trabalho a que fomos chamados, na devoção que damos
a Deus, nas coisas que são justas, próprias e boas às quais nos aplicar­
mos, devemos realizá-las com determinação e não de um modo distraído.
E algo semelhante a Jesus dizendo que preferia que as pessoas fossem
frias ou quentes, do que mornas. Ele disse que cuspiria os momos de sua
boca. Ele parece ter mais respeito por uma hostilidade zelosa do que pela
indiferença, por exemplo.
O espírito de preguiça cai na repreensão da Literatura de Sabedoria re­
petidamente. Deus nos chama para uma atitude, para um estilo de vida, de
propósito e diligência. Isso significa que devemos realizar as tarefas colo­
cadas diante de nós não apenas com diligência, mas com um certo tipo de
zelo pelas mesmas. Exatamente essa idéia e sentimento são repetidos no
Novo Testamento, especialmente com respeito a buscar o reino de Deus.
Jesus nos diz que devemos nos encher de um espírito decisivo de persistên­
cia ao buscar o reino de Deus.

• O q u e q u e r dizer o Credo dos Apóstolos q u a n d o diz q ue


Jesus desceu ao inferno?

O Credo dos Apóstolos é usado como uma forma integral de culto em


muitos grupos cristãos. Uma das afirmações mais enigmáticas nesse credo
é: [Jesus] desceu ao inferno”.
Primeiramente, temos de olhar o credo de uma perspectiva histórica.
Sabemos que o Credo dos Apóstolos não foi escrito pelos apóstolos, mas
que é chamado Credo dos Apóstolos porque era uma primeira tentativa
da comunidade cristã de dar um resumo do ensino apostólico. Este, como
outros credos na história da igreja cristã, era, em parte, uma resposta aos
ensinos distorcidos que eram apresentados em algumas comunidades;
era uma afirmação ortodoxa de fé. A referência mais antiga que podemos
encontrar a esse elemento “desceu ao inferno” do Credo é pelos meados
do século III. Isso não significa que não estava no original — não sabe­
mos quando o original foi escrito — mas parece ser uma adição posterior
e que causou bastante controvérsia desde então. A razão é tanto teológica
quanto bíblica.
Vemos o seguinte problema; Jesus, quando está na cruz em sua agonia
mortal, fala ao ladrão a seu lado e o assegura de que “hoje estarás comigo
no paraíso”. Ora, essa afirmação de Jesus na cruz pareceria indicar que
Jesus planejava ir para o paraíso, o que não deve ser confundido com o
inferno. Assim, em algum sentido Jesus vai para o paraíso. Sabemos que
seu corpo vai para o túmulo. Sua alma, aparentemente, está no paraíso.
Quando é que ele vai para o inferno? Ou, ele foi para o inferno?
Em 1 Pedro 3.18,19, Pedro fala que “Cristo morreu, uma única vez,
pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto,
sim, na carne, mas vivificado no espírito, no qual também fo i e pregou aos
espíritos em prisão,”. Esse texto tem sido usado como principal texto de
prova para dizer que Jesus, em algum ponto após sua morte, geralmente
tido como ocorrido entre sua morte e ressurreição, foi ao inferno. Algumas
pessoas dizem que ele foi para o inferno para experimentar a plenitude da
dimensão do sofrimento — o pleno castigo pelo pecado humano — a fim
de dar completa expiação pelo pecado. Isso é visto por alguns como um
elemento necessário da paixão de Cristo.
Mas a maioria das igrejas que crêem numa real descida de Jesus ao
inferno não o vêem indo para o inferno para sofrimento adicional porque
Jesus declara na cruz: “Está consumado/” (Jo 19.30). Ao contrário, ele
vai para o inferno para libertar aqueles espíritos que, desde a antigüidade,
eram mantidos em prisão. Sua tarefa no inferno, então, era uma tarefa
triunfal, libertando os santos do Antigo Testamento. Pessoalmente, penso
que a Bíblia não deixa claro esse ponto, pois os espíritos perdidos em
prisão poderiam muito bem referir-se a pessoas perdidas nesse mundo.
Pedro não nos diz quem são os espíritos em prisão, ou onde fica a prisão.
As pessoas tiram muitas conclusões antes da hora ao considerar que essa
é uma referência ao inferno e que Jesus esteve lá entre sua morte e sua
ressurreição.
• No S erm ão do M o n te Jesus diz: "...ignore a tua mão esquerda
o que faz a tua mão direita;” (Mt 6.3) e e m o u tr a p a ssa g em
diz: "Assim brilhe tam bém a vossa luz diante dos hom ens." Isso
parece u m a co n trad ição .

Quando Jesus ensinou, ele usou diversos estilos diferentes de comuni­


cação, o mais famoso deles é a parábola. Outro estilo de ensino que era
comum entre os rabinos era dar uma forma compacta de verdade que era
chamada de aforismo. Um aforismo é simplesmente uma afirmação peque­
na, sucinta e vigorosa que encapsula ou cristaliza uma verdade espiritual.
Às vezes, quando se leva isso muito longe vê-se que alguns atritam entre si
e, aparentemente, estão em conflito uns contra outros.
Quando Jesus diz: “...ignore a tua mão direita o que faz a tua mão es­
querda”, ele estava acabando de dar uma longa censura à exibicionista ma­
nifestação pública de piedade que era a preocupação favorita dos fariseus.
Eles oravam e se vestiam de saco para que todos soubessem quão espiritu­
ais eles eram. Desfilavam sua disciplina espiritual diante do mundo que os
observava como uma questão de orgulho em vez de espiritualidade. Briga­
vam entre si pela conquista de lugares de honra nas festas e para saber
quem era mais religioso. Jesus os censurou severamente, pois não estavam
orando a Deus, mas oravam para serem vistos pelas pessoas. Ele os censu­
rou pela hipocrisia óbvia disso. Disse-lhes que entrassem em seus quartos e
orassem em secreto, pois Deus os ouviria em segredo.
É nesse contexto que Jesus diz: “...ignore a tua mão esquerda o que faz a
tua mão direita.” Em outras palavras: se você vai fazer essas coisas honradas,
que são, em última análise, uma oferta a Deus, elas não devem ser do conhe­
cimento das pessoas. Isso é algo que fazemos de modo privado, anonima­
mente. Não exibimos nossas ofertas e nosso culto a Deus para sermos vistos.
Do mesmo modo, somos chamados a tomar visível o reino de Deus ao
levarmos vidas de integridade. Nossa integridade exterior deve estar tão
visível que venha a ser um farol para os que a observam.

• Em M a te u s 24, Cristo c o n ta a p aráb ola d a figueira. Em


sua o p in iã o o que, afinal, a figueira represen ta?

Ao ensinar por parábolas, Jesus tirou exemplos das atividades normais


da vida cotidiana — da alvenaria, agricultura, etc. Ele usou a figueira em
mais de uma ocasião para ensinar uma lição. Lembremos quando ele amal­
diçoou a figueira por ter flores sem produzir fruto algum. O indicador indis­
pensável para a presença de fruto na figueira não era a estação do momento,
mas se a figueira tinha flores ou não. Se tinha flores, devia ter figos. Jesus
viu a figueira florida fora da estação normal, o que a tornava uma variedade
especial de figueira. Ele se aproximou para pegar algo para comer e não
havia figos; assim, ele amaldiçoou a figueira como uma lição objetiva so­
bre a hipocrisia.
Revertendo tudo isso, quando ele usa a parábola da figueira aqui,
ele usa a propensão da figueira para florir e dar frutos como uma indi­
cação positiva para se olhar para o futuro. Jesus tinha feito o discurso
no Monte das Oliveiras, quando disse aos discípulos para estarem aler­
tas para os sinais dos tempos, para que, quando ele retornasse no fim
dos tempos, sua vinda não fosse uma surpresa total para os que deviam
estar esperando por ele.
O que, especificamente, representa a figueira? E muito perigoso inter­
pretar parábolas em um sentido alegórico. Em uma alegoria cada elemento
da história tem uma correlação do tipo item-por-item com alguma repre­
sentação figurativa ou simbólica. Há vezes em que Jesus usou alegoria,
como na parábola do semeador. Mas nesse caso, Jesus deu a interpretação
alegórica da parábola. Fora disso, o uso normal de parábolas deve comuni­
car, através da historinha, uma lição única e simples. Metemo-nos em gran­
de encrenca se olharmos para todos os elementos da história, querendo fa­
zer que cada elemento concreto seja um símbolo de algo em particular.
Acho que você não pode fazer isso com a parábola da figueira. Acho que
ela é como a maioria das outras parábolas; há uma lição básica que Jesus
está querendo comunicar aos discípulos, que é vigiar e estar pronto. Quan­
do você vir os sinais dos tempos, preste atenção, sabendo que sua redenção
está próxima. Quando vemos as coisas que ele descreve no discurso do
Monte das Oliveiras acontecendo, devemos estar alerta para o fato de que
nossa redenção está perto e que pode ser que essas coisas sejam anunciadoras
da própria volta de Cristo.
Alguns gostariam de olhar para esses elementos particulares como a
figueira e dizer que ela é a restauração de Israel em sua terra natal, ou da
retomada da cidade de Jerusalém, mas tais interpretações são especulati­
vas. Eu seria mais cauteloso dizendo apenas que o sentido geral do texto é
para sermos cuidadosos, vigilantes, observando os sinais dos tempos.
• No livro de João h á a afirm ação "conhecereis a verdade e a verda­
de vos libertará." Qo 8.32). Poderia explicar o q u e Jesus quis
dizer c o m “vos libertará"?

Pelo menos uma pista para o significado pode ser encontrada dando-se uma
boa olhada no contexto. Quando Jesus fez essa afirmação ele estava falando sobre
discipulado e disse: “se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeira­
mente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.'"
Quando disse isso, ele agitou alguns religiosos que estavam por perto,
os fariseus, mais especificamente. Eles ficaram muito perturbados com Je­
sus por dizer aquilo, e protestaram dizendo: ujamais fomos escravos de al­
guém." E disseram: “Somos descendentes de Abraão." Jesus os censurou
severamente dizendo: “todo aquele que comete pecado é escravo do peca­
do" E então disse que eram filhos de Satanás por estarem fazendo a vontade
de seu pai, o diabo.
De um lado, Jesus identifica filiação em termos de obediência: “Vós
fazeis as obras de vosso pai." Uma vez que o caminho que Jesus toma é o
que enfatiza a obediência, acho que essa é a solução. Quando ele fala da
liberdade, não está falando de liberdade política ou de liberdade financeira.
Ele está falando de liberdade espiritual — liberdade do jugo ou escravi­
dão da maldade. Jesus escolhe mais de uma vez esse tema, tal como outros
pregadores e escritores do Novo Testamento. Quando Paulo, por exemplo,
descreve a condição do homem caído, ele fala do homem caído como escra­
vizado às suas próprias más inclinações. E, por oposição, o Espírito Santo é
descrito como o autor da liberdade: “Onde está o Espírito do Senhor, a í há
liberdade." (2Co 3.17).
Isso toca numa das grandes questões em teologia que tem a ver com o
homem natural; ou seja, o poder moral, ou a capacidade moral do homem
caído. Toda igreja que conheço no Concílio Mundial de Igrejas tem alguma
doutrina do pecado original. Elas não concordam todas quanto ao grau em
que a raça humana caiu, e há detalhes de debate que giram em tomo do
pecado original. Mas o pecado original não é o primeiro pecado, o pecado
que Adão e Eva cometeram. Pecado original refere-se ao resultado da trans­
gressão inicial da lei de Deus. Não só acarretou culpa, ficando o homem
exposto à punição, mas algo aconteceu à nossa constituição moral. Existe
uma mancha em nossa própria estrutura e constituição de sorte que, agora,
como seres humanos, todos temos uma tendência e uma inclinação para o
mal que não fora posta ali por Deus no começo. Na medida em que su-
cumbimos aos impulsos malignos que, de algum modo, podem guiar nossas
vidas ficamos em servidão moral e necessitados de libertação. Essa é uma
das grandes mensagens do evangelho do Novo Testamento: Cristo nos li­
berta do poder do mal.

• Você p od eria c o m e n ta r a afirm ação de Jesus de q u e n ã o


d e v em o s jogar pérolas aos porcos?

Essa afirmação é o que chamamos de “palavras duras” de Jesus. É tão


fora do comum para Jesus falar desse modo sobre as pessoas — chamar as
pessoas de porcos, particularmente para um judeu chamar alguém de por­
co. Essa afirmação de “bate-pronto” de Jesus nos espanta.
Quando Jesus enviou os setenta discípulos para proclamar o evangelho,
disse-lhes que viajassem com bagagem mínima. Disse-lhes que, ao chegar
a uma vila, se as pessoas se recusassem a ouvi-los, eles deveriam bater a
poeira de seus pés e ir para outro lugar. E nesse tipo de contexto que Jesus
falou sobre dar pérolas aos porcos. Ao alcançar os outros com o evangelho,
não devemos desistir facilmente (essa atitude aparece ao longo de várias
parábolas e na Escritura em geral). Mas do ponto de vista de estratégia, é
ineficaz ficar constantemente abordando pessoas que estão de modo contu­
maz, ostensivamente avessas à fé cristã. Vemos muitos, muitos casos em
que essas pessoas se comovem e, de fato, vêm a Cristo. Mas gastar toda a
sua atenção com tais pessoas não é o melhor uso de tempo e energia.
Se as pessoas desprezam as coisas de Deus, certamente não devemos
riscá-las da lista, ou deixar de nos preocuparmos com elas; mas, ao mesmo
tempo, não devemos investir o melhor de nós nessas pessoas repetidamente.

• No relato sobre a m u lh e r adúltera, o q u e foi q u e Jesus


escreveu n a areia?

Não fazemos idéia do que Jesus escreveu na areia. Na realidade, essa é a


única referência que temos de que Jesus alguma vez escreveu qualquer coisa.
Suspeito que ele fosse capaz de ler e escrever, mas ele não deixou qualquer
documento para lermos até hoje — assim, podemos apenas conjecturar o que ele
escreveu na areia. Meu palpite é que ele estava sendo muito específico. O texto
registra que aquelas pessoas estavam frenéticas; apanharam pedras e iriam matar
esta mulher que fora apanhada em adultério. Elas tentaram apanhar Jesus numa
cilada com a questão teológica referente à lei de Moisés e a lei de César. Nessa
ocasião Jesus fez o comentário: “Quem estiver sem pecado atire a primeira pe­
dra.” Esperou, então, que os executores se apresentassem, abaixou-se e escreveu
na areia. Somos informados de que, ao escrever na areia, as pessoas, começando
pelos mais idosos, começaram a sair— largaram as pedras e se foram.
Só podemos especular, de certo. Mas eu imagino que Jesus olhou um
homem bem nos olhos e escreveu o nome da amante dele; de outro homem,
ele escreveu “extorsão”, e de outro, “desfalque.” Penso que ele podia ver os
pecados dessas pessoas. Começou a escrevê-los e ninguém quis mais olhar,
assim largaram as pedras e saíram apressadamente de lá. E apenas palpite,
mas isso, para mim, é o tipo de coisa que Jesus faria para dissuadir um
bando de gente pronto a condenar alguém.
O que deveríamos fazer aos nossos irmãos e irmãs ao sabermos que estão
envolvidos nesse pecado? Temos alguma instrução no Novo Testamento so­
bre essas coisas. Somos orientados a, se virmos um irmão ou irmã envolvido
em alguma questão séria de pecado, ir até ele em particular e discutir isso
com ele. Se não houver arrependimento, então devemos levar dois presbíteros,
e assim por diante. Existe um procedimento a ser seguido (Mt 18.15-17).
Notemos que, no espírito de Jesus, o procedimento é recuado, para proteger a
dignidade da pessoa culpada. E todo o propósito não é acusar ou punir, mas
redimir. Não é um exercício de espírito julgador. O Novo Testamento diz
haver um amor que cobre uma multidão de pecados. Não devemos ficar
confrontando-nos mutuamente com pecadilhos; não devemos ficar procuran­
do pêlo em ovos. Uma das grandes fraquezas da comunidade cristã hoje é seu
gosto por coisas insignificantes. Essa mesquinhez pode ser muito destrutiva
para a comunidade cristã, e tendemos a oscilar entre dois extremos — sermos
demasiadamente severos e julgadores ou deixarmos passar qualquer coisa
sem ousarmos criticar. Somos chamados a manter-nos mutuamente preocu­
pados com a retidão, porém, num espírito de mansidão.

• Em Atos ló, Paulo encoraja a T im óteo a circuncidar-se, e


depo is c o n d e n a isto. Ele estava se n d o h ip ócrita?

Não penso que o apóstolo estivesse sendo hipócrita, de modo algum.


Essa é uma situação histórica muito interessante que o Novo Testamento
registra para nós. Ele afirma que Paulo circuncidou Timóteo e depois se
recusou a circuncidar Tito, isso se tomou uma grande controvérsia na igreja
primitiva. A razão de Paulo por trás disso, eu acho, pode ser esclarecido por
um estudo de Gálatas, Coríntios e Romanos.
Ele fala de sua preocupação pela ética e diz que há certas coisas que
Deus proíbe e certas coisas que ele ordena. Então há aquelas coisas que são
basicamente neutras no sentido ético — aquelas coisas que de si mesmas e
em si mesmas não têm importância moral ou significação ética. Ele é con­
sistente em sua abordagem dessas coisas como lemos na correspondência
aos Romanos e aos Coríntios; essas são áreas em que os cristãos podem
exercer sua liberdade.
Mas surgiu o partido judaizante e ameaçou destruir a nascente igreja
cristã procurando impor a lei absoluta da circuncisão a todo convertido ao
cristianismo. O conselho de Jerusalém em Atos 15 foi um daqueles exem­
plos da igreja tendo de responder a isso. A conclusão do conselho foi que
agradava ao Espírito Santo não acrescentar sobre os convertidos gentios
todos aqueles fardos que Deus requeria da nação judaica no Velho Testa­
mento. Em termos atuais, o que aconteceu foi o seguinte: aqueles que qui­
seram prender-se a algumas das agora antiquadas práticas foram considera­
dos por Paulo como irmãos mais fracos e Paulo disse para não fazermos
nada que lhes causasse tropeço. Queremos ser sensíveis ao irmão mais fraco.
Mas, subitamente, os irmãos mais fracos se tomaram tão fortes que quise­
ram tiranizar a igreja e fazer das suas preferências lei absoluta de Deus. Sem­
pre que pessoas fazem isso, é uma representação de legalismo que destrói a
essência do evangelho. Paulo, no tempo em que escreveu aos Gálatas, viu a
expansão desse grupo de judaizantes como sendo uma ameaça à verdade do
evangelho cristão, a ponto de firmemente recusar-se a praticar a circuncisão
como ato religioso e usou a linguagem mais forte para condenar aqueles que
estavam tentando fazer de uma preferência pessoal lei absoluta de Deus.
Lembremos o debate anterior que Jesus teve com os fariseus. Jesus foi
muito duro com eles ao dizer que eles tomaram as tradições humanas e as
passaram adiante como sendo leis de Deus, algo que não nos é permitido
fazer. Jesus inquiriu dos fariseus por que faziam aquilo, e Paulo fez a mes­
ma coisa; isto é, na situação anterior em que a circuncisão não tinha tanto
peso legal, ele seguiu a tendência. Ele disse: “Se você quer ser circuncida­
do, tudo bem; se você não quer, você não tem de fazê-lo.” Assim, para
aqueles que queriam a circuncisão ele o fez. Mas quando eles tentaram
tomar lei que ele circuncidasse outras pessoas, ele firmemente se recusou a
fazê-lo para manter intacta a integridade do evangelho.
• 1 C oríntios I 5.29 diz: "Doutra maneira, que farão os que se batizam
por causa dos mortos? Se, absolutamente, os mortos não ressuscitam,
por que se batizam por causa deles?” Sei q u e é u m a d o u t r in a
m ó r m o n a crença n o b a tis m o s u b s titu tiv o dos m o rto s.
Q u a l é a posição cristã sobre isso?

Não existe um único versículo em toda a Bíblia que dê mandado explí-


c' o para que a igreja pn Ique o l ' m o s l tit Ivo, ou ( 1 ismo p 1 s
mortos e, no entanto, aqui está uma prática que se desenvolveu em urra
grupo religioso. O texto citado como prova é 1 Coríntios 15.29. N <
que Paulo não diz a seus leitores: “Vocês devem batizar os morto s / j
faz a pergunta: “Doutra maneira, que farão os que se batizam pat.cfiusa
dos mortos? Se, absolutamente, os mortos não ressusçim h^ppr que se
batizam por causa deles?” O fato de que Paulo fez a^pergvmta^sobre isso
indica que havia pessoas que o praticavam. Q M n 4 |^ ^ ^ 4 p e r g u n ta , njte
há nem uma refutação explícita, nem imptícjíkHkVàtickrÀ ;uns têm en­
carado isso e dito que o apóstolo Paulo im ^ p q u e esse tipo de prática
estava acontecendo na comunida^ie-cxjmífo t qiíe ele não a denunciou, ha­
vendo, assim, uma aprovação apostó ica tãeita, e talvez estejamos falhando
em alguma coisa que deveríamos esferíazendo.
Mas não temos mandaiítórttó) para isso, e penso que há muito na Escritu­
ra para indicar quéCe/..a '.rálica é totalmente repulsiva a Deus devido às
suas implii _ ;s/tetxl<. \ fes.
Nós te m o ^ e ■. iKQpí iender porque Paulo diz o que diz em 1 Coríntios
15. Todo <^sse c. fetülo é a magnífica defesa que Paulo faz da ressurreição
de Ci?i^feNE|èfestá respondendo como teólogo a um espírito de ceticismo
giu na igreja de Corinto. Havia chegado ao seu conhecimento que
as pessoas negavam a ressurreição. Assim Paulo explorou as impli-
5es disso. Se não existe tal coisa como a ressurreição (que é o que os
'saduceus criam) e se não há vida após a morte, quais são as conseqüências?
Primeiro de tudo, se não há ressurreição, então Cristo não ressuscitou. En­
tão, se não há nada de ressurreição, isso elimina a ressurreição de Cristo. Se
não existe a ressurreição de Cristo, quais são as implicações disso? Isso
significa que você ainda está nos seus pecados. Não houve marca nenhuma
de aprovação divina para o perfeito sacrifício de Cristo para a sua justifica­
ção. Significa que você é uma falsa testemunha de Deus porque você tem
andado por aí dizendo a todo mundo que de fato Jesus foi ressuscitado e
que foi Deus quem o ressuscitou.
Paulo prossegue dizendo que se Cristo não está ressuscitado, então aque­
les que morreram pereceram. Os mortos estão mortos. Não os veremos mais,
tudo se acabou. Ele prossegue para lhes dar todas essas opções.
Nesse processo, ele usa a forma clássica de argumentar, o argumento “ad
hominem”, em que você questiona dentro do campo da outra pessoa, e mostra a
inconsistência de sua posição. Paulo, na essência, está dizendo: “Eu sei que al­
guns de vocês estão praticando o batismo pelos mortos e, ao mesmo tempo,
dizendo não haver ressurreição. Para que é que vocês estão fazendo isso, afi­
nal?” Em outras palavras, ele está mostrando a tolice de negar a ressurreição e
praticar algo que dependeria da própria ressurreição para ter algum sentido. Mas
Paulo não está, de modo nenhum, endossando a prática do batismo substitutivo.

• O q u e o escritor de Hebreus 6 quis dizer ao escrever: "E


impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados... e se
tornaram participantes do Espírito Santo,... e caíram... outra vez renová-
los para arrependimento"?

No debate atual entre cristãos quanto à possibilidade de se perder a sal­


vação, esse texto é, certamente, o mais freqüentemente discutido e debati­
do. Os que crêem que você pode cair da graça ao ponto de perder sua salva­
ção vêem Hebreus 6 como a grande base de prova. Existe essa advertência
solene àqueles que foram iluminados, que provaram o dom celestial, de que
se caírem fora, é impossível restaurá-los novamente ao arrependimento.
É difícil saber exatamente o que o autor de Hebreus quer dizer com esse
texto, por diversas razões. Primeiramente, não sabemos quem escreveu o
livro, e segundo, não sabemos para quem ele foi escrito. Mais importante,
não estamos seguros quanto à questão imediata que provocou o escrito.
Alguns o vêem como uma crise de pessoas oprimidas pela perseguição ro­
mana e havia gente negando a Cristo publicamente. Talvez fosse essa a
tentação. Uma opinião mais freqüente é que tratava-se de uma tentação de
cair no pecado da heresia judaizante de retomar a uma estrutura legalista da
religião do Antigo Testamento.
Minha posição sobre a passagem é a seguinte: há uma forte advertência
aqui dizendo que é impossível restaurar ao arrependimento aqueles que fo­
ram iluminados, que provaram o dom celestial e participaram do Espírito
Santo. Eu questiono se o autor está descrevendo um cristão em primeiro
lugar. Superficialmente pode parecer que sim porque termos descritivos
como “iluminados” e “provaram os dons celestiais” certamente seriam ver­
dadeiros de um cristão. Entretanto, no contexto mais amplo de Hebreus ele
fala sobre os que são membros da igreja, até mesmo membros do corpo de
Israel no Antigo Testamento, que tiveram todos os benefícios da igreja e da
presença de Cristo em seu meio e que nunca foram realmente redimidos.
Há muitos comentadores que crêem que o autor de Hebreus está falando
sobre pessoas de dentro da comunidade e tiveram os benefícios de ouvir a
Palavra de Deus. Eles são iluminados, tomaram os sacramentos e todas
essas coisas, mas não são genuinamente convertidos.
Estou persuadido, entretanto, de que é isso que o texto significa, porque
ele usa a frase como você a citou: “serem restaurados de novo ao arrependi­
mento.” Arrependimento no livro de Hebreus e por todo o Novo Testamen­
to é um fruto da regeneração. Arrependimento verdadeiro é algo que só um
cristão pode realizar, já que houve previamente um arrependimento autênti­
co, se é que ele está falando sobre restaurá-los novamente ao arrependimento.
Assumo a posição de que o que temos aqui é um argumento “ad homi-
nem" em toda a linha, em que o autor está questionando uma razão por meio
da posição do outro homem. Ele está dizendo: “Tudo bem, vamos ver a sua
posição. Suponhamos que seja a heresia judaizante. Se você rejeita Cristo e
volta ao velho sistema, e se você deixa de lado a cruz, que possibilidade terá
você de ser salvo sob aquele sistema? Você acaba de rejeitar a única salvação
que existe.” Ele não está dizendo que ela é o pecado imperdoável, mas você
não pode ser restaurado enquanto fique nessa posição. Note que ele não diz
que qualquer um faz isso. Na realidade, no fim desse texto ele diz: “Mas eu
estou persuadido de coisas melhores sobre vocês, aquilo em que consiste a
vocação de vocês.” Penso que é uma advertência hipotética contra um argu­
mento, mas não ensina que qualquer cristão perca sua salvação.

• U l t im a m e n te p e sso as t ê m m e falado sobre "m aldições


bíblicas". Será isso algo q u e deva p re o c u p a r os cristãos?
A cabaram -se as m aldições?

Quando falamos sobre maldições em nossa cultura contemporânea, isso


soa como algo saído da Idade das Trevas ou como algum feiticeiro amaldi­
çoando alguém colocando alfinetes em bonecas. Entretanto, o conceito de
maldição é um dos mais importantes conceitos que encontramos na Escri­
tura, porque as leis de Deus, as quais ele comunica a Israel no Velho Testa­
mento, são colocadas perante a nação em termos de duas polaridades. De
um lado, quando Deus dá sua lei a seu povo e faz um pacto com eles, ele diz
que se eles guardarem os termos desse pacto, se eles obedecerem as suas
leis, eles serão abençoados. Ele diz: “Bendito serás tu na cidade e bendito
serás no campo” (Dt 28.3).
Mas ele diz: “Será, porém, que, se não deres ouvido à voz do SENHOR,
teu Deus, não cuidando em cumprir todos os seus mandamentos e os seus
estatutos que, hoje, te ordeno, então, virão todas estas maldições sobre ti e
te alcançarão: Maldito serás tu na cidade e maldito serás no campo. Mal­
dito o teu cesto e a tua amassadeira.” (Dt 28.15-17). Então o que se segue
são penalidades e punições terríveis que Deus promete ao povo que se recu­
sar a obedecê-lo. Elas estão envolvidas pela palavra malditos. Ser amaldi­
çoado, no Velho Testamento, significava em última instância ser cortado da
presença de Deus, ser expulso de sua presença imediata, tal como o bode
expiatório era amaldiçoado em Israel ao ser levado para o deserto. Isto é,
fora de onde a presença de Deus era enfocada, no centro do acampamento.
Ser amaldiçoado significava ser mandado para as trevas exteriores, onde a
face de Deus não brilhava e a luz de seu semblante não penetrava.
Como eu disse, é importante porque toda a idéia da expiação, não só no
Velho, mas também no Novo Testamento, está centrada nesse conceito de
maldição. Em Gálatas, Paulo nos diz que Cristo na cruz se tomou maldição
por nós; ele foi amaldiçoado — separado do Pai, mandado para fora do acam­
pamento, e até mesmo crucificado fora dos limites da cidade de Jerusalém —
para assegurar que toda a maldição de Deus prometida ao malfeitor seria
vingada nele, para que pudesse carregar por inteiro a punição do pecador.
A Bíblia fala claramente sobre maldições, e a pior maldição possível é ficar
fora do círculo dos benefícios de Deus. Ela também diz que existe a visitação
das conseqüências do mal sobre gerações futuras. Os Dez Mandamentos nos
dizem que os pecados podem ser visitados até a terceira e quarta gerações. Os
descendentes de Canaã são amaldiçoados por Noé. Cã é quem recebeu a maldi­
ção e ele a recebeu como uma conseqüência direta de seu pai. O Canaã amaldi­
çoado foi quem recebeu a conseqüência do pecado de seu pai, Cã.
Eu diria que a perda negativa de muitas das promessas de Deus às pes­
soas corre ao longo do tempo e do espaço para a geração seguinte. Não
significa que Deus puna diretamente uma pessoa por um pecado que outra
pessoa cometeu. Deus diz que cada pessoa é punida por seus próprios peca­
dos. Entretanto, nós ainda enfrentamos as conseqüências que vêm das gera­
ções anteriores e nesse sentido perdemos alguns dos benefícios de Deus.
ÍNDICE REMISSIVO

A Ananias e Safira 109


animais 190 191
Aarão 366-368 anjos 18 176-180 215
Abel 214 250 323 370 371
aborto 194 195 218 293-296 mensageiros angelicais 18
aborto e vida futura (ver vida após a morte antiintelectualismo 70
em caso de aborto) Anticristo 317 322 323
aborto legal 295 296 359
Abraão 18 92 190 193 Antiga Aliança 286
367 371 372 Antigo Testamento 10 13-15
21 26 30 39
abuso físico 266 267
abuso sexual 42-46 50 54 65-68
266 267
71 82 88 92
Adão e Eva 22 34 99
100 110 116 118
112 177 214 250
131 148 159 166 .
309 310 379
167 169 177 184-186
adoção 92 258
192-194 214 229-2312
adolescentes 260 261
233 237 238 246
e a igreja 230
249 250 258 262
e freqüência à igreja
263 285 286 288
260 261 307
291 294 299
adultério 49 50 101 317 318 320 327
251 262 263 267 335 339 341 356
334 380 367-369 372 374
adultos, educação de 240 384
aforismo 131 377 e a guerra 368 369
Agostinho 62 67 86 relevância 10
155 171 172 188 santos do 184-186
209 351 376
AIDS 313 346 347 antinomianismo 83
Alcoólicos Anônimos 343 aposentadoria 272 273
alvos na vida 170 171 apostas 289 290
Amniocentese 295 apostasia 318 323 335
amor de Deus 8 336

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